Você está na página 1de 17
Vilém Flusser © MUNDO CODIFICADO | © objetivo dette trabalho & mostrar que a revolute ne mundo ds comunicagto (cas testemmunbas «vitimat 20- ‘mos nds) influencia norea vida com mats intensidade do ‘que tendemos habitualmente aacetar. Na verdade, temot ticas, © a supeicie de uma lata de sopa ¢ algo diverso da superficie de uma faa renazcentista. A diferenga, em pou (as palavas, £2 seguinte: kmagenepré-modernas s30 pro- E Gutos de artifces Cobras de arte"), obtas pés-modernas ‘io produtor da tecnologia. Por tls das imagens que nos programam paie-te constatar uma teria cents, mas Fao se pode dizer 0 mesmo das imagens pré-modemnas. O homem pré-modemo vivia nut outro universe imagético, ‘que tentava interpretar's “mundo. Née vivemor em unt undo imagética que interpreta as teorae referentes 20 "mundo" Essa é ura nova stuarto, male revoluciondria Para resumir isto, faremos uma pequena digressio so: bre.os codigos: um codigo @ um sistema de simbolos. Seu abjetieo € posebilear.a.comunicaeao entra os homens. ‘Como 0s simbolos sto fendmens que subseituem Cogn ‘Bear outro fendmene, a comulea¢Xo4, portant uta substinucdo: ela substitd a vivencia daquilo a que se refere. (s homens ttm de se entender rutuimente por malo doe codigos. pole perderam o conatodireta corso significado {dos simbolos. © homem & ur animal “alienado” (verfem: ee), ve-se ebvigado a criarsimbolos a ordensclos em ‘undo Ble precea “media” (vrmicey), preciea da wn tentido a0 “enundo" ‘Onde quer que se descubram cédigos, pode-se dedusie algo sobre a humanidade, Os citclos cnstrdos com pe fras e ossor de ureos, que rodeavam os exqueletor dean troptides africans mortas ha miles de anos, permitem {qe consideremos eaes antropsides como homens. Poise ses clrculoss40 codigos, 08 oxs08 a8 pedras sto simbolos,¢ ‘ antropeide era um homem porque extava“alienado” Io co para poder dar um sentido a0 mundo. Embora temo perdido a chave destes cddigos (no sabemos 0 que esses ‘lreulos significa), sabemos que se trata de codigos: reco: ‘Bhecemor neleso propésita de da sentido (oartfio” Cdigos mais recentes (come, por exemplo, as inscicSes snes cavernas) permitem melhor decoditiagao, (Pols née ute lsamos gos similaree.) Sabemos que ae pinturas em Las cake em Altamira sigoifeam eenas de cara. Célgos que tuiser a pair de simbolos bidimensionais, coma ¢0.ca20 Fens Laveaun,ignificam o mundo”, ma medida em que ved ‘em as crcunstancia quadridimensionaie de tempo-espao ‘ cenas, na medida em que eles “imaginam’. "lmaginagio" ‘gnifica, de raneira exats, a capacidade de resumir o mun- do das cunetanciag em cenas,e viceversn, de decodificar fs cenae como substitulgso dae crcunstineiae. Fazer “ms Dis" e Ios. lnlusive "mapas" de crcunstinclas deseadas Como uma exada futars(Laseaus), por exemple, os Proje tor de equipamentos elotronicos (iuaprints) O carieercenico dos codigos bidimenstonais tem como onzequdneic un modo de vida-eapecifca das sociedades por sles programadas. Eles podem ser denominados de forma mages da extettncia" (magizce Daseinsform). Uma Imagem é uma superficie cujo significado pode ser abarcs ddomum lance deolbat:ela“sincronisa” a circunsténeia que indica como cena, Mas, depois de umn altar abrangente, of thos percossem a imagem analisando-a, a im de acolher ‘etivamente ses sprifeado; eles dever “diacronizar a Sincroniidade", Por exemplo, um primeira olhar fea ca fo que a cena abaina significa uma circanstancia do tipo F spacieio™. Mas somone apse a diaeronizagio da sincroni= Cidade # que se recanhece que o Sol, has pestoas eum ca [horse eto impliade nesse passe xe Para os homens que estio programados pelas imagens, 0 tempo fu ne mundo assim como os alhos que percortem ‘imagen: el acroniss,ordena as coisas em situacdes. Bo ‘tempo do retorno, de diae noite dia, de semente- colhelta fia €aquela tecnica introdusida para uma deterrinada ex Pevidncia temporal. la ordena as coisas do modo como elas ever se comportar dentro do circuito do tempo. E-mu {do desse modo codifcado, o mundo das imagens, "mundo Smagindrie™, programe e elaborou a forma de existence (@aseinsfor) da noatos antepascados durante intimeros mi Jhares de anos: pata cles 0 "mundo" era um amontoade de {enas que exigiam usm comportamento msgico, iso reoultou numa mudanga radical, uma revolucso com conzegiéncins tio fortes 3 panto de nos deixar sem fo- lego quando consideramor oacontecimenta, mesmodepolt de mil anos transcorridor. Pode-tedustrar esse evento domodo come pode servisto nasplaquetas mesopotimicas eameiformes da seguinte manelea: Rk. A lnvengio a escrita deve-se, om primeira lugar, nto 4 invengio de novos simbolos, mas ao desentolar da Smagem em linhas (Gaile, Dizemos que com esse acontecimento encerrou'se 12 pre historia « comegou a hstéria no sentido verdadeito Mas nem sempre estamos conscientes de que a esta imp ‘ito aquele passo que retorna imagers e segue em directo so nada (gehnendes Nicht) 0 que possblita que a imagem Sein desenrolada como uma linha. “Alinka que esta a ihustragio acima arrance a5 coisas a cena pata ordend-las novamente, ou se, para conta, (hic. Ela desensola a ena ¢ transforma em uma narrativa Ela “explica” a cena na medida em gue enumers Cara distintamente (lara et diatnctapereptio) cada si Dolo tsclado, Por aso a linha (o “texto” signifi nto 3 ci fnstinca diveamente masa cena daimagem, que, por sua ‘ver. significa s"circunstaneia conereta™. Os textos sho um Ucsenvolvimenso da imagens ¢ seus slmbolos nao India go dretamente conereto, mas sim imagens. S40 “conc fos que signifeam "iiae” Por exemplo, "2" significa, no tento acim nfo deetamenteavivencia concreta "So"; mas 25" na imagen, ue por sua vex signifia "Sol". Os textos, com telagho as imagens eatio.a im passo mais afastado da ‘Sum sintoma mais distan- vivencia conereta, e"eonceber ‘ado do gue "imaginar” ‘Quando se uer dcirar Cer) um texto (como, por exer~ plo, da astra acima), 2 olhos tim de deslzar solongo Us nha, Somente eo falda linha € que ze recebe a men- Sagem, ¢€ preieatentar esumla,sintetatla. Cigos ‘Meares exgem uma sineronizagio de sua diacronia. Exige {ima reeepedo ais avangada.Eiezo ter como efeito uma hnove experincia temporal, @ saber, a experiencia de um tempa linear ce uma corrente do irevogavel progresso, da Ueamatics irreetbidade, do proto. em suma, da isto: sin. Com a invangao da escita comega a storia, n80 por (gues cerita pavaos proceszoe, mas porque ela transforma SEE em process: ela produs a consciancia histori. “hans contitneia fo venceu imediatamente a conscien~ cn maples, mas a superou lentamente # cam dificuldade, [Auisltiea ente superficie linha, entre imagem « concet fo comeqou cama uina lta, €zomente mais tarde & que oF eicousbrveram as imagens. A Slocoiagregae profess aie so desafiose lta do textos contra as imagens ‘Platio, por exemple; deeprezou a pintra; +c peofetas bre {aram contra aidolatria (idermacken). Somente ne decor. er dos séculos# que os textos comegaram a programar ao edad; © consclénciahissriex, a0 longo da Antigaidade “eda Ide Maia, pormaneceu zero caacteristica de urna ‘lite de htoratos, A massa contimiou senda programada por Imagens, apesar de serem imagen infectadas por texios.c [efsistiv na conadlenci magia, continuo papa A invensie da Upegrafia eedusis or custos dos manus: crlose possibiltow a uma bu Scensio se inser ‘ba conscience histories da elite. E a Revolugio Industrial. ‘gus arrancou 5 popalagio pagh” das pequenas aldeias, de sua extencia magica, para eORGenETATa como massa em heaves, gracas& imprensa e& escola primana. O nivel de ‘Tonscitncia histories torna-se universal no decorrer dose ‘culo x0, nos chamados palses “desenvolvidos", pois eve ‘€0 momento em que o alfabeto comesa sfuncionar efi vamente como cddigo universal. Se considerarmos © pe samento cientiico, por exemplo, como a expressio mal tlevada da consciencia historia (por ele clevar metodo & festrutura logics « processual dos texts lineares), podere ‘mos entao dizer que a vitria dos textos sobre ae imagens da clancia sabre 2 magia, € um scontecimento do pasado recente, que estslonge sinda de poder ser considerado alge farantide c sepuro, Caso 0 primeira parsgrafo deste texto esteja corre, 2 que se deve constata, ao contriro, éuma volatizacio 38 onsciénciahistérca, A experiencia temporal, que ¢enten- Aida juntarsente com az categorie da historia, ouseiacomo ipo irveversvel, progressvire dramtico, detna de exiotit pare a masa, para o povo, para quem a8 cédigos de super ficieprevalecem, para quem as imagens substituem os tex- tos alfabeticor. O mundo codificado em que vivemos nto ‘mala signifen processos-vira-rer le nto conta historia fe wiver nels nd significa ag fato de ele ne significar tala ia échammad de “cree dos valores’. Pls née ainda fontinuamoe 3 ser programados por textos, ou sje, para 8 historia, pera a citnca, para © engajamiente poltce, para {do (por exemple, logiea « mavematicamente), Mas @ nova eragio, que ¢ programada por imagens eletsénicas, nie ‘ompartilha dos notooe valores”. B sind nao sabemor ot gnifcador programados pelar imagens eletrGnicas Que nos creundat, Essa nazsa ipnorincia quanto aos novos codigos no & surpreendente,Levou séculos, depois dainvengae da esceita, hareat Ingalmente eles apenas contavam ¢ descreviam co thas. Tambem vai demorar bastante até que sprendamos 32 sinsalvdadee dos codigos aletiGnicos tt que aprendamos ‘gue signitcafotogeafa, Gilmer, fazer videos ou programa ‘GEFeMTar Gisas historias j6 tem um cima pa historio, ‘Vai demorar multS"para que comecemos 2 lutar por uma coneciéncis pée-histvica: no entamto, & vive que est na Mos texto ‘pousa vex de dar um paszo decsivo de retorn fm diregioao nada. Um passo que lembre a oszadia dos es- ‘cores de caracteres cuneiformes da Meropoti ‘Aescrta & um passa da regrosta is imagens (in Schie -urack von Bildern), ols ela permite queasanalisemes, Com cave passo, perdes-se a “fe nav imagens”, magi. alee ou-se um nivel de consceneia que maie tarde condusis 4 ‘itncia © tecnologia, Os codigos eletinicos 280 um passo 4a volta aos textos, pois eles permitam que as imagens 2 Jam compreendidas. Uma fotograsa nto ¢aimagem de une ‘ircunstancia (assim como a imagem tradicional © 6), mae imagem de uma sere de conceltos que o fot6grato tem com relagso e uma cena. A cimera nto pode existir sem tex tor (por exemplo, as teorlas quimicas, « o ftsgrafo tan ‘bem precisa primeizo imaginar, depois conceber, pars, pot ‘Sm, poder “maginar tecnicamente”, Com avolta dos textor pparaaimagem eletréniea, um nove grau de distanclamento fo slangado: perdeu-se a “renga nos textos” (nas expli fea, nas teorae, nas ideologiae), pots ele, assim como ae {Emagens, podem ser reconhecidos como “medingio™ Isso @ a que consideramos como “crise dos valores: @ fato de termos retornade do taunde linear das explicagbien ‘para o munda tecno-imaginario dos “modelos. No ¢ 0 fato deas imagens eletrdnicas ae movimentarem, nemo de ‘atbdicos que determina mia novidade revoluciondvia, mas f fato de que sto "models", ite &,sigificam conctitos. ‘Um programa de TV nao é uma cena de uma circunstanca, rise um "modelo", a saber, uma imagem de um conceito dos textos, os antiges programas (por exemplo, a politi ‘floss, ciéncia serdo anulados, sem que sejam substi Nao ha patalelos no passado que nos permisam apren: er 0 uso dos eddigostecnaligicos, como les se manifer- tata, por exerple, nutna explosio de cores: Mas devemoe aprendé-le, seo seremos condenados a prolongar uma ‘existence sem sentido em umn munda que se tornow cod ficado pela maginacto tecnologica. A decadéncia ea queda Ao altabeto significam o fim da histria, no zentidoextito {a palavra, O presente trabalho levanea a quettho do co- rego do nove. Sate artigo io levard em consideraczo‘0s problemas refe- F renter 20 futaro do ensino da arte de escrever em face da Clescente importancia dar menaagens nio-escritan (207 literate) em nosso ambiente, embora essa questo vena |e tornat coda ves mai importante tanto nos chamados F lses “desenvolvidos” coma em saciedades onde 0 analfs- ‘etisme @ sinda muito comumn, Em contrapartida, 0 ar F 20 se prope considerar uma tendéncia que est na base {agueles problemas, a saber, 0 dstanciamento em relacto ton ctidigos neares, como a eacrita, © n aproximecio aod ‘bdigos bidimensionals, como fotografias, filmes ¢ T= 0 [que pode tor observado ze olharmor, mesmo que super E cialmente, o mundo codificado que nos cerca. O futuro da ‘sents, do geto que alinha simbolos para produsirtextor, 1 que ser conslderade no contexto densa tendéncio ‘Beever éum gesto importante, porgue mio #6 artcula | come também prods aquele ertado mental chamado de sConscitncia histrica™ A hist ria comera com a invenio ‘is escrita, nfo pela razto banal Fequentemente sugerida fe que 2 excita nos permite reconstitur © passado, mas [> pela nado isis pertinente dequeo mundo mio percebide ‘como um processo, “hisoricamente”, «no ser que alguémn 48a entender isso por meio de sucessivos simbolos, por melo da escrta. A diferenga entee préhstéra © histiria nto €0fato de termos documentos eros que nos perm tam acompanhar esta, mas ofato de que durante a historia bbthomensIetrados queexperimentatm entendem avaliam ‘9 mundo como um “acontecimento” (becoming), enquante pa préchistria eave tipo de aitudeexistencial nao era pos vel. Sea arte de escrover caase no exqueimento, ou se tomasse subordinada 4 criagio de imagens (como o cha mado “scriptwriting” de ur fle), historia, no sentido cotsite do termo, ni exletiia mats Se alguem examinar certar plaquetas mesopotamicas poders ver que propssito orginal daescrita era facilitar@ Seciframento das imagens, Aquelaeplaqueta contin ima gens impreseas com seloe aindrios «simbolos “auneifor mes", nelatsecadas com butil, Os slmbolos cuneiformes formam limhas que dio obviamente significado 4 imagem ‘que acompanham, Bles “explicam, "tecontam’ e "conta! sobre agullo, «assim o fazem desenrolando = superficie da Imagem em linhas, desembaraganda o tecido da imagem rot for de um texto, tomando “explicto” 0 que estat Implicit na imagem. Pode-se mostrar por meio de anal ses textual que 0 propésita original da escrts, ou tea, 4 ‘ranscodiscarso de codigos bidimenslonaie noma aniea ‘mens, ainda esth Id: todos o8 textos, mesmo ox mais abe trator, significam, em dltima andlise, uma imagem ‘A taduso de superficie em linha implica uma raudanga radical desgnifcedo. otha que decifra uma imager ez" \dinha a superficie e estabelecerelagbesreversiveis entra elementos da imagem. Ele pode percorrer a imagem para tras © para frente enquanto a ecifea, Essa revesibildade dae relagdes que prevalecem dentro d imagem earacteriza ‘omindo para agueles que ae usam para seu entendimento, pra agueles que “imapinam” o miundo, Para exsas pessoas, todas as coisas ato ralacionadasentte side maneirarever- sivel¢ sou uaiverso ¢ estruturado pelo “eterno retorno" lesa é #20 verdide quanto daer que 4 noite segue odin az- ‘sim como diasegue a noite, que depois da semeaduca vers ‘ colheta assim como calheitase segue a semeadura, que F spés a vidavvem amore, arsim comoapésa morte surgiréa ‘ids outra vez. O canto do gale convoca o Sole levantar, ‘ssi como nascer do Sol convoca o gala a cantar. Neste tipo de mundo cicular 0 tempo ordena todas ae coiaas, "de signa aelaso sai exato lugar’, e,seuma cols ets delocada do seu agar, seed relocada pelo proprio tempo. Como viver ¢ deslocat coisa, a vida nese tipo de mundo & una série de "aos injustos que serto vingados a tempo" lero requer F deus" ola a srt replts. Brn summa 0 mundo “wmaginado™ 4 mundo do mito, do magico, o mundo da pré-hietoria O etho que lecifea um texto segue suas linhas eestabe- ‘GUE TOMPSEHS tovto. Agules que usam os toxtos para en- E Fender o munde, aqueles queo"concebem", dio significade ‘sum mundo com uma estrutira Linear, Tudo af procede passado para ofuuro, cada instante perdido ests perdido Sra sempre, enue hi Fepetigio, Cada dia ¢ diferente de odor os outros dia, cada semesdura tem euas proprias seco a elagto GnIvGEE Zeina corvente entre or elementos

Você também pode gostar