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Anténio Marques Bessa ELITES E MOVIMENTOS SOCIAIS Universidade Abert VERSIDADE ABERTA 2002 RO DE DOCUMENTAGAO, Elites e Movimentos Sociais 25 u 30 22) M4 36 41 45 33 56 6 64 66 66 oa 1 * ” 80 al 2 85 89 92 1. A Questo da Elite O tema Os factores da mudanga ‘O conceito de elite: a visio da dguia ‘Um homem tranquilo: conceito de classe politica e de férmula politica As questies da organizagio: Robert Michels HG uma elite do poder? Wright Mills e seus continuadores A ideia nova de Aloys Schumpeter Uni pouco de bom senso: Raymond Aron Asy ' liberais: Dahl e os outros Para uma tipologias das elites politicas A transformagio da elite politica As outras elites influentes A acgio das elites Bibliografia utilizada Bibliografia bésica Bibliografia aconselhada para saber mais Lista de questdes para os alunos pesquisarem, Perguntas para testarem o conhecimento bésico adquirido Conceitos-chave que devem ser adquiridos A bibliografia propria do Capitulo 2. Elites e Movimentos Dos movimentos socinis: em busca de um conccito As cinco dimensdes de anslise dos movimentos A visio de sociedade Os recursos A organizagio do movimento Uma tendéncia para a acgéo 0s resultados ‘Tipologias dos movimentos A migragio de ideias nos movimentos sociais Os movimentos tocam-se e tomam empréstimos 95 97 100 103 105 108 108 0 Ww m us ut 133, 126 129 133, 18 142 46 152 153, 159, 164 165 167 168 168 Movimentos ¢ elites As fungies dos movimentos Elites e movimentos Movimentos sociais e sociologia Bil jografia utilizada Bibliografia bisica Bibliografia aconsethada para saber mais Lista de questies para os alunos pesquisarem, Perguntas para testarem © conhecimento basico adquirido Conceitos-chave que devem ser adquiridos ‘Tarefas 3. Movimentos Sociais ‘Uma nota metodolégica Os movimentos de libertagao nacional A descolonizagao Modelos e dependéncia © movimento comunista internacional ou a busca da utopia O movimento feminista 0 primeira combate feminista: 0 sujragismo O avanco global do sufragismo 0 feminismo sociatista As dtimas tendéncias Os novos movimentos sociais Bibliografia utilizada Bibliografia bésica Bibliografia aconselhada para saber mais Lista de questdes para os alunos pesquisarem. Perguntas para testarem. © conhecimento basico adquirido Conceitos-chave que devem ser adquiridos ‘Tarefas PARISIEN Aos meus leitores, Aos meus alunos, Aos meus amigos, no espirito sempre vivo e ousado que é proprio da Universidade e dos Universitdrios SASL EESSENTD 1. A Questio da Elite Sg Se ET Desde os tempos mais remotos, os te6ricos fizeram, tentativas para negar, fazer desaparecer ou atentuar, a oposigdo de interesses das diversas partes do agregado social. Geralmente estas tentativas repousam num raciocinio em efrculo. Vilfredo Pareto, Mythes et Idéologies Creio que os que se aproximarem do Trattato com esta perspectiva interpretativa’ compreende- ro que Jonge de ser um campo amplamente lavrado, a obra continua ainda a ser uma mina nfo explorada. Norberto Bobbio, On Mosca and Pareto 1.1 OTema Quando se comega um manual desta natureza o autor interroga-se sobre a metodologia a seguir e a ligagio dos conceitos propostos, que relevam da Sociologia ¢ da Ciéncia Politica, & realidade social tal como a percebemos. Primeiro que tudo tem de fazer uma reflexiio e perguntat-se, tal como o aluno: = Que hé de comum entre estas duas nogies que integram o titulo dolivro? Pois o mesmo é dizer de que trata a cadeira a que o livro dé suporte. E 0 mesmo é perguntar pelos assuntos de que se ocupa esta disciplina aglomerada no que parecem ser dois chav6es contempordneos. Podemos estar tranquilos. ‘Seguramente sfio duas nogGes que se desenvolvem na Sociologia e que, por mio de diversos autores encontraram um caminho até aos dias de hoje com grande poder explicativo ¢ interpretativo. ainda seguro que continuardo a mobilizar o pensamento sociolégico e politico por muitos mais anos. Os conceitos estiio no centro de diversas disciplinas das Ciéncias Sociais e encontram-se também na sociologia politica, na politologia ¢ mesmo no campo amplamente compreensivo das relagdes intemnacionais. A segunda diligéncia desta averiguago consiste em situar os conceitos no seu devido lugar, j4 que se disse que eles so comuns e esto relacionados, Entio para que servem? Hi um ponto que est4 hi longo tempo assente na politologiae na sociologiae que é a verificago de que as sociedades no so estéticas. Por muito que gostemos de acreditar que tudo mudae na afirmagio de que quanto mais muda maiotes sio as probabilidades de que tudo perma nega na mesma (uma frase ouvida em toda a parte, da aldcia & cidade), a ver- dade é que h4 mudanga ¢ ela afecta as préprias estruturas da sociedade e a consisténcia das nossas visdes do mundo ¢ da vida. Em certas alturas parece 0 que Bobbio quer dizer em ermos metodolégicos _sublinbar wa fase de Pat, ‘que desencantou numa nota cuidadosaments esconsida ‘A nota diz, “Todo 0 presente trata 6 ums bates da ro Tidade que se enconta cscon- ida nas derivagoes, que so reveladas # 16s pelos ocuments”. Pensa Bobbio que 0 que pode oferever Pareto neste campo € uina critica fundamentada as ‘ideologies, numa perspectiva sind nfo explorada. Neste ‘om io se pode debxar de ‘eencordar con ee i > Soria bom ler, neste momento inttodutsrio dinimicn das soviedsdes, © liveo soberbo det Alain Peyetite, O Império Indvel, Grave, Lisboa, 1995, Yer AAW, 0 Lira Negro do Comunismo, Quetzal Editores, Lisboa, 1999. Robert Cones, um inques- Uondvelinvestigador brite ric, jtinha feito célentos fobre mimero de vidas que ‘este sonho custow na rca russa, Ver: Rbert Conquest The Great Terra, a Reasses- ‘ment, Osfoed University Press, Nova Torque, 1990, Cf Antaio Marques Bessa, Utopia, Uma Veda sobre a Engenharia dos Sorkos, aropa-Améticn, Mem Mit- tins, 1998, Tratase de un ‘esindo sone a prossecupo da utopia no mundo contem- porlneo ¢ da pouca proba hilidade em executar um modelo ideal. Os fracastos so analisados, Também se produr teoria sobre & fangfo das utopias. 12 6ptimo que nada mude: mas s6 para determinadas camadas sociais: outras esto ansiosas por uma mudanga que Ihes acarrete vantagens, que percebem como possiveis de alcangar desde que se removam certos obstéculos de ordem social ou politica. Narealidade as sociedades mudame 6 verdade que nunca nos podemos banhar no mesmo rio, segundo o aforismo de um inteligente grego: Heréclito. As sociedades seguem o seu curso, esto submetidas a influéncias, chocarn febres revolucionarias como nos diz. o te6rico politico americano Crane Brinton, conhecem intimeros conflitos, mas no curto prazo mudam no longo prazo mudam ainda mais, A utopia da sociedade imutével, o Império Imével de Alain Peyrefitte?, a sociedade imagindria dos Khmer vermelhos no Cambodja, sto amplos fracassos que nos aconselham nfo s6 a pensar as vias da mudanga como a acompanhar e a pensar a mudanga social numa base de realismo sociolégico, mesmo dentro do quadro de um certo ncopositivismo, a que no é estranho o pensamento influente, a nfvel metodol6gico, de Karl Popper. A ideia da sociedade estética e perfeita foi um fantasma nocivo que atacou ‘as mentes dos ocidentais que a ela cederam e a tentativa de colocar em marcha esses sonhos provou a conbecida frase do pintor espanhol Goya: “os sonhos da razdo engendram monstros”. A utopia viveu perigosamente no coragiio dos europeus que a exportaram para todos os continentes, mas esse sonho infelizmente tem uma contabilidade paralela em cadaveres, sem que se tenha visto com esse terrivel passivo sequer a ponta emersa dessa tal sociedade. boa®. Nao é possivel ter sociedades paradas no tempo a rever-se nas suas estruturas imaginadas, impostas ou existentes’. A sociedade de hoje ja nfo é igual A sociedade de ontem, O rio correu para o mar. Empresas faliram, bares fecharam, homens e mulheres morreram, crimes ocorreram, criangas nasceram. Mudangas quigé superficiais, na espuma dos dias, mas outras também estdo a acontecer em diversos outros lugares decisivos. Revolugdes ocorreram, mudanga de planos econémicos afectaram populagdes, a guerritha alterou a vida de uma érea, a bolsa caiu repentinamente € tornou muitos investidores mais pobres, a guerra afectou decisivamente ‘um amplo espago territorial, A mudanga social é um facto continuo, mais ou menos profundo, répido, abrupto, imperceptivel, mas real. Nunca estamos no mesmo ponto do rio, embora pensemos que sim. Os socidlogos, antropélogos e politélogos perceberam o problema hé longo tempo. Chegaram a criar modelos de evolugio das sociedades baseados em factores que entenderam ser essenciais ¢ mesmo a prever as sociedades futuras: a propriedade dos meios de produgaio e suas consequéncias como Karl Marx, © progresso da ciéncia como Auguste Comte, uma mescla de factores econé- micos ¢ politicos como Walter Rostow, para nao falar dos utSpicos convictos {que acharam ser possfvel criar sociedades boas de raiz, mas sempre sem descurar 0 recurso a violéncia. Tais sociedades previstas estavam sempre dentro de muros ¢ninguém podia sir. Alvaro Ribeiro, um fil6sofo portugues, Zamnyatine, em Karel Kapek ou mesmo em Orwell, emn Arthur Koestler, em Emnst JUngcr ou Hermann Hess, arrepiam 0s cabelos do menos desprevenido. Mas estas previsdes, umas autnticas utopias, na senda de Plato ¢ de Thomas Moré, outras, auténticas distopias, como celebrizou no nosso tempo Philip K. Dick, s6 serviram para demonstrat a falibilidade dos sustentéculos te6ricos do diagnéstico da mudanga. As sociedades cfectivamente mudam, mas para onde é que vo? Nao 6 curioso notar que os grandes grupos de pensamento das sociedades mais ricas, grupos ppagos pelos seus governos para pensar a mudanga nas sociedades dos inimi- 1208, nfo foram purae simplesmente capazes de prever a queda do Muro de Berlim e muito menos a implosiio da Unitio Soviética? Nao é de estranhar que s6 depois 6 que fossem reunir bocados para construir a hist6ria das coisas acontecidas. Os cientistas sociais no podem responder a isto. Podem sim tentar indivi t mudanga, grandes forgas que se encontram envolvidas na pressio para a conservacio daquilo que estd © outras forgas que se. ‘encontrai apostaidas em mudar para o desconhecido. As sociedades sfio como 08 navios? flutuain Aum mar ignorado e é preciso alertar que niio sio os socidlogos on outros auto-encartados conhecedores do humano que consti- tuem o grupo dos que sabem o que est4 a acontecer ¢ alids o caminho que se esté a tomar. Muitas vezes ficam to surpreendidos como 0 homem da rua. ‘Na realidade, embora Comte tivesse falado dos engenheiros sociais ainda nio se viu nenhum com capacidade de previsio. que se tem visto sio revoluciondrios voluntaristas que querem mudar as sociedades por diversas razies ¢ passados alguns anos parece que pouco conseguiram face d imensa capacidade de resisténcia das estruturas profundas, que resistiram ou subsistiram aonde menos se podia prever. No fundo as Sociedades dos homens continuam a ser grandes mistérios que fogem sistematicamente 4 previsio, 20 modelo, ao esforgo voluntarista de um grupo determinado, ao fandtico lider de curta duragao. Ele passaré, deixaré uma memiéria, mas a heranga vai-se paulatinamente esbatendo. Areas afastadas nem sequer ouviram nada real, sendo rumores, de tais augustos personagens. 12 Os factores da mudanga O que fica assente ante o olhar distanciado do antropélogo ou do sociélogo € que as sociedades mudam. Mas mudam porque sio introduzidos novos B # Ver: Sergei M. Bisenstein, The Fim Sense, Faber and Faber, Londres, 1986. "er Gustav Jung, 0 Homem e 01 sexs Sinboio, 14 factores ou porque velhos vectores conheceram uma transformagio. Po: existem mudangas sociais enormes por pressiio externa (0 caso do Japao de 1870) aque se costuma chamar erradamente modemizagio da sociedade (ou seja, ocidentalizago), mas que tem a ver com a forma como os factores novos sio recebidos e encaixados na estrutura da sociedade. E ha mudangas que derivam de uma dinfmica interna, predominantemente endégena, um proceso assente numa multiplicidade de factores, que vio de elementos técnicos © processos de produgio até as transformagées de mentalidades provocadas por mudangas nas estruturas morais ¢ religiosas. O que nos interessa neste campo € 0 papel de dois grandes factores de mudanga social ‘que sempre se revelaram como factores centrais de mudanga e que a histéria de todas as sociedades revela de um modo ou de outro. Asalteragdes significativas que ocorrem ou ocorreram nas sociedades, depois, de uma anélise cuidada, apontam para diversas forgas que se combinam na conjuntura, mas com frequéncia o que se encontra na origem da transformagao € a acgio dirigista das elites sociais, por um lado, ¢ © impacte politico social dos movit is, por outro. [Nao significa esta afirmagdo que outros agentes no possam ser reconhecidos. Oactor individual, o heréi, pode conseguir mudangas substanciais. A histéria € 0 mito celebram essas faganhas, O cinema do nosso tempo entrega-se a esse exereicio com grandes rendimentos, O Heréi nfio morren com o tempo com as doutrinas do anti-herdi como provou a bilheteira de Gladiator. Um mimero de cineastas que desde George Lucas apostaram no paradigma, a comegar aliés na percepgao fulgurante do cinema soviético com Sergei Eisenstein autor de Ivan, 0 Terrivel®, tem conhecido éxito assinaldvel. Qher6i nunca morreré como sinal de mudangae provocador de uma realidade. social melhor, porque segundo a andlise cuidada de Carl Jung, um homem das profundidades mentais, das andlises subtis dos nosso fundos psico- cstruturais, o protagonista est4 implantado no mais profundo do inconsciente, ‘Nao nos devemos espantar com 6 siicesso dos filmes brutais de herdis solitérios protagonizados por Schwarzenneger ou Van Damme, ou 0 éxito de séries como a Guerra das Estrelas, 08 Imortais ou outras semelhantes. E. Sbvio que se decalca um modelo e que antecipadamente também se sabe 0 seu impacto junto do pablico. Carl Gustav Jung deu uma explicagao simbélica da.acgio humana com base em arqueétipos geneticamente implantados e nunca deixou de nos interpelar profundamente. B 0 her6i 4 esté, na sua lista pri- mordial. Dai também ainda sua popularidade nos dias de hoje, perfeitamente merecida e a solicitar uma visita, que seré sempre uma ida as cavernas ancestrais do nosso imaginério de espécie®, Segundo Carlyle, que dedicou um poderoso ensaio ao heréi, com uma inte- ligéncia perversa ele conseguiu encontrar este tipo de homem em diversos ASS sectores: ele é Maomé, mas também Cristo ¢ Buda, é Gengis-Khan, mas também Napoledo ou Lenine, é Camées, mas também o Gama ou Cabral. Ou soja: Carlyle entende que o factor individual é precioso na acg0 de mudanga. Indi -viduos singulares, devido a circunstancias especiais, inauguram uma nova linha de acgio no mundo e alteram substancialmente as sociedades onde tiveram a sua origem e mesmo outras aonde chegaram, eles mesmo ou os seus seguidores. Nai é deste tipo de mudanga que nos vamos ocupar, que mereceria um estudo A parte e deveras interessante, O que nos vai ocupar sio os vectores globais de mudanga, como indica o titulo do livro: primeiro as elites sociais na sua globalidade e pluralidade e particularmente as elites politicas, ¢ depois os movimentos sociais, que se tornaram auténticos protagonistas neste iiltimo século da mudanga institucional. Narealidade, as elites sociais pelo seu poder influénciatanto,podemimpedie OS “2° tentar desencaded-la, Nem sempre so uma forca positiva, “** if HO Comentério, de um mexcantilistaespanhol, Gonzélez aOR, ‘que desesperado face ao estado de coisas do seu pats exclamaya: “05 que podem nao querem e os que querem niio podem”. Um epitifio, alids, g.....4 £4 + texto puny que se pode coldcai na canipa dé uima sociedade, como comentou.oportuna: 5 beavis \ispun ‘mente o historiador italiano Carlo Cipolla, Ele escreveu com todaaacuidade A ev SA 5 fete esta conclusio que merece ser meditada nesta instAncia: “Uma vez, que se inicia a decadéncia hé ainda gentes optimistas que negam (eimosamente a rea- lade, mas o numero dos que se dio conta do que est4 sucedendo aumentar4, de forma progressiva, Entio alguns tentam racionalizar os acontecimentos & ‘Gonstrdem teorias gerais em tomo dos factos. A teoria de Vico dos fluxos ¢ reflu- xos da hist6ria foi apresentada depois da decadéncia da Italia no século XVI. As teorias de’Toynbee formularam-se na Inglaterra do século XX. Outros fogem de generalizagées e concentram-se sobre situagées especificas. E notével veri- ficar quo relativamente numerosas séo as pessoas que em impérios decaden- {es foram capazes de fazer um diagndstico acertado ¢ receitar uma cura sensata, ‘Mas no 6 menos notivel o facto de que as manifestagdes sensatas permanegam em geral estéreis porque, como disse energicamente Gonzélez. de Cellorigo, quando observava impotente o declinar da Espanha, “quienes pueden no quieren ¥y quienes quieren no pueden”?, Todaviaé aessa minoria que assiste ocontrolo 7. M, Cipla e Outros, ta da sociedade nas altasinstincias, as decisées em iitima mio, o poder de fazer Decadecia anime de ou nao deixar fazer. Parece que sera de grande utilidade estudar as elites ‘ari, 1973, sociais numa primeira fase e verificar o seu poder de influéncia, estudar os meios de que dispéem, teorizar a sua acgiio ¢ avaliar © que podem e nao podem fazer, E.centrara atengio sobre a elite politica que € de longe aclite decisorat, + Procurei demonstrat este speci pan dfiniglo mas B assim que a introdugdo a estas matérias, depois de um excurso sobre a oles externas dos Fat mudanga que € permanente, se torna obrigatério comegar por compreender, Bessa, 0 Othar de Leviathan, no sentido weberiano, 0 conceito de elite, a tipologia da elite, os utensflios S88 Lisbos, 2001 da elite, o impacte da elite nas sociedades. 15 * Praaz Borkenee pode ler sxe ein: Frans. Borkenau, Pareto (publicado em ingles em 1936), Fondo de Cultura Ezondmicn, México, 1978 "= Yee: Guy Pettin, Sacto logte de Pareto, PUF. Pats, 1966, Parece uina tose de mostra * Cf, Julien Freund, Pare, Plutarch Press, Washington DC, 1986. Notas ¢ tradugio de Sion Drag * Cf Giovanni Busiao, Et. eset Bltisme, PUB, Pats 1992, Melhor biograia pode se encontrat em Giovanai Busino, Parero Oggl, TL Matine, Boloaha, 1991 5. E. Fine, Vijede Pareto ~ Social Writings, Pall Mall Pres, Lone, 1988, p. 8 Cf, Aldous Huxley, Sobre a Democracie ¢ Oupes Bs dos, LBL, Lisboa 5. 16 13 Oconceito de Elite: A Visio da Aguia © conceito de elite foi formulado sistematicamente pelo economista © sociélogo italiano impertinente Vilfredo Pareto (1848-1923). Economista trei- nado, sociélogo, interessado nos fenémenos sociais que queria estudar com rigor positivista, reconheceu a existéncia, nas sociedades, de grupos quali- ficados em alto grau nas diversas dreas e que por isso mesmo constitufam 0 pice dessa massa verticalmente disposta. Neste sentido existiriam diversas eli- tes sociais em grupos restritos: a elite dos jogadores de futebol, aelite dos pro- fessores universitérios, a elite dos assassinos, a elite dos tenistas mundiais, a lite dos grupos religiosos, aelite dos militares, a clite dos homens que se dedi- cam inteiramente & politica, aelite dos homens de negécios e assim por diante. Mas quem Ihe chama impertinente é Julien Freund, outro impertinente no pensamento europeu € que parece ter encontrado nos Estados Unidos quem se solidarize com ele e fique impaciente com as biografias classicas mais que conhecidas ¢ hostis, nomeadamente a de Franz Borkenau? ¢ a de Guy Perrin”, & qual recorre, e que passou por tese de doutoramento na universidade onde Pareto ensinou. E de entender liminarmente que Julien Freund, cirus- gicamente, e Simona Draghici, dao conta do recado sem necessidade de ir a0 disc{pulo mais conhecido ainda vivo, o velho ¢ reputado professor Giovanni Busino", Pareto ainda vive e recomenda-se numa infinidade de textos que os medfocres niio podem apagar no seu aff de destruigio de um pensamento alternativo, Busino, por seu lado, teve o cuidado de explicar 0 pensamento do autor ao mesmo tempo dar uma vistio das novas correntes num livro de grande influéncia (Elites et Elitisme), mas que parece também ter sido esque- ido, Uma antologia de bolso foi publicada pelo prestigiado professor S. Finner, ‘em 1966, que nos aconselhava a olhar para Pareto “no como o mais pequeno autor dos que propuseram grandes visdes sobre a conduta humana muito distintas das naturalmente vigentes ao tempo, mas sim como um autor que propriamente ofereceu os materiais para uma revolugio cientifica, de que safram novas teses caracterfsticas do nosso tempo”. E curioso notar que 0 novelista britinico Aldous Huxley leu-o com todo 0 cuidado e isso valeu-Ihe uma fina reflexdo sobre a democracia que ainda hoje deveria ser revisitada". Aclite, nele, tem uma definigao altimétrica. Bm cada sector aelite integra os melhores: os que aleancaram superiormente os escaldes da carreira. Por con- seguinte a sua concepgdo esté desprovida de consideracdes valorativas. Nao se pergunta como é que aqueles individuos chegaram ali. Verifica-se quem estd apenas. Sem comentarios sobre a sua bondade ou maldade, a sua compe- {éncia ou incompeténcia. Quem s6 consegue roubar uma carteira.c é apanhado merece zero, Quem se apodera de uma fortuna, e impunemente, merece 20. Pareto pensou que a clite mais importante em termos de mudanga social era aclite poltica, ou seja, os homens que detinham o poder politico e que lutavam de algum modo para 0 conquistar ou manter. Na verdade estes homens tomavam as decisdes mais importantes e era dificil encontrar um grupo to importante quanto este. Chegou a dividir esta elite politica em duas facedes: em elite governante, isto é, aquela que detém verdadciramente os mecanismos do poder, e a elite ndo governante, que é a que se encontra numa posigéo alternativa, a espera de uma oporiunidade de chegar ao poder legalmente. A oposicao politica, de facto, tem a sua elite (os seus altos dirigentes) e a elite governante tem as suas faces visiveis ¢ a sua hierarquia de posigdes, que acaba sempre por ser conhecida devido & exposigio aos meios de comunicagéo. Pareto pensou que a luta entre estas duas elites se faria a custa da mobilizago das massas através dos votos ¢ cada uma das facgdes da clite politica teria de fomecer razSes para chamar a si as simpatias, uma vez. que as coisas do poder se resolviam nas umas de voto e ndo através da luta armada, como antigamente. Estas elites buscavam a sua legitimidade através do sufrégio | popular. A competi¢%o pelo voto popular por parte das elites politicas obrigé- las-ia a desenvolver ideologias de suporte, atractivas,e suficientemente fortes para dividir 0 cleitorado. As ideias, crengas e projectos que cada facgio exibe e aque nés actualmente chamamos ideologias, Pareto chamou derivagdes, 0 que remete para conceitos da matemética em que ele se tinha treinado. AS derivagées sairiam de um fundo psicolégico inerente & elite considerada, Poderiam variar ao longo do eixo dos tempos, mas manteriam uma certa consisténeia porque corresponderiam a um fundo basico inalterdvel a que ido O problema dos restduos Ora os residuos, que sfo fundos estruturais da psicologia dos homens, quer das elites, quer das massas, integram diversas categoria, mas no plano da ago relevante para a mudanga s6 fundamentalmente dois tém interesse para uma andlise detalhada: 2) ou sko residuos favordveis & mudanga, o que ele chamou instinto das combinagées, ¢ cuja presenga cria homens verséteis, especuladores, “aiibiciosos, pouco enraizados, internacionalistas, poco interessados no uso da forga mas sensiveis a acordos que Ihes déem tempo: numa imagem antiga que evoca as antigas ¢ ilustres fabulas, corporizavam 0 tipo raposa; b) ou silo residuos favordveis 4 conservacdo e portanto opostos & mudanga ¢ tais residuos foram denominados resisténcia dos, agre- -~gadas. A seu parecer, muitos homens tém fortes convicgdes, estio | | va 7 18 . a enraizados, sio patriotas, optam pela poupangae pela seguranca, tém. conceitos de honra¢ fidelidade aos seus chefes e so sensiveis a ideia de nagio, B para preservar o seu agregado social nio hesitam em usar violéncia ¢ outros meios duros que o tipo raposa néo quer usar. Nao quer dizer que sejam homens violentos ou coléricos: usam a forga de que dispSem sem grandes consideragdes éticas em termos de conseguir uma finalidade que entendem ser superior. Esta figura consolidaria as caracteristicas do tipo ledo. Estes dois residuos fundamentais explicariam as lutas pelo poder, a per sisténcia no poder, a perda do poder, a adestio das massas ¢ as préprias derivagées, que nao passariam afinal de modos de apresentagio das derivagées de cada grupo na conjuntura, Ble forneceu uma imagem inultrapassavel destes dois grandes grupos de pessoas: raposas inclinadas & negociagiio, A especulagio, ao encontro de soluges vantajosas ¢ ledes, que estdo inclinados para o uso da forga, mesmo da violéncia, se a entenderem necessria, e que no plano econémico mani- festam as suas tendéncias no cultivo da poupanga e na hostilidade a inflagio. Nesta perspectiva as ideologias nio tém que ser verdadeiras: tém é que sor ‘mobilizadoras das massas na conjuntura vivida e€ impensdvel, na sua teoria, que qualquer ideologia seja autenticamente verdadeira: ela é sempre um apelo 0 apoio, 20 voto, a adesio ao projecto da elite politica, Por isso Pareto coloca-se como um dos principais eriticos do valor das ideologias em si mesmas. “Raposas” ¢ “Ledes” forjam as suas prdprias derivagées (ideologias) e so estas ¢ s6 estas que variam no tempo das nagdes. A massa, por seu lado, divide-se segundo as suas inclinagées: uma parte é conservadora ¢ enraizante, outra 6 desenraizada e progressista, segundo os residuos dominantes, Para ele, estes dois tipos so constantes em todas as \ sociedades e segundo a sua predominancia assim também as elites so sustentadas e permanecem no poder. Todavia, a massa permanece massa.e a elite, elite, A massa é, de certo modo, instrumental para o governo da elite © € chamada a “participacdo” para ratificar escolhas predeterminadas. A histéria das sociedades era, afinal, no seu célebre aforismo, um comitério de elites. Elas faziam a histéria e eram os agentes da mudanga significativa, ‘A massa, escravos, proletirios, camponeses, ou cidadaos, nao tem alternativa: € remetida para uma fungo de aplauso. Delicia-se com os vencedores que julga que fez. Eles, por sua vez, jogam o grande jogo do poder. Em termos modernos poderfamos dizer que as elites politicas desfrutam de um poder enorme: decidem as politicas piblicas ¢ isso significa afectar decisivamente a mudanga da sociedade e de cada individuo em particular. Discriminam positiva ou negativamente ¢ isso pode verificar-se sem lupa. Pareto ainda nos brindon com uma teoria da grande mudanga —a,cevolugio. Compreende-se facilmente que se a elite politica em conjunto se torna exces- sivamente fechada, velha, caduca, pouco operativa, acumula fora de si, nas ‘massas, individuos descontentes que tém vontade de ascender ao poder polt- tico. Se permanecem insolitamente insensfveis a esses aspirantes, acontece que estes achardo uma maneira de desalojar os dirigentes ¢ ocupar os sus lugares. A atitude inteligente.é integrat.os ambigiosos, dar-lhes oportunidades na arena, A atitude menos inteligente é fechar todas as entradas ¢ reservar todos ‘0s bons lugares para uma oligarquia de interesses e de familias que se perpe~ ‘tam nos drgos de poder. Pensou Pareto que tal posigdo ¢ insustentével por- que aclite envelhece, degenera, muda para pior,¢ torna-se vitima de uma ideo- logia nova que a desaloja. A contra-elite, inserida nas massas, com um pro- grama mobilizador, acabaré por romper o dique através de conluios com a elite nao dirigente, de golpe militar em alianga com facgGes militares ou até mesmo de uma revolugio, ¢ sentar-se nos paldcios dos que perderam tudo © {jd tinham deixado de perceber 0 povo e os prdprios mecanismos do poder. Numa onda desta ordem de grandeza até uma parte significativa da propria elite nao dirigente, mas conivente, pode desaparecer num banho de sangue. A Circulagéio das Elites: Mudanga e Revolugdo A clite politica deveria, no seu diagnéstico, renovar-se,petiodicamente, com “BaNgue NOVG SAS caras mudareny para bebelicio do equilfbrioe da estabilidade. Esta atitude de abertura das elites a novas vocagies ¢ ndo s6 excelente como penhor de estabilidade e paz, O contrério chamaré a revolugao. E isso jé seria outra histéria, A teoria da necessidade hist6rica da revolugio, bem conhecida, como a teoria da circulagao da elite, ilustra bem, ha mais de cem ‘anos atrds, a visio de um homem que pensou que o agente da mudanga nio_ era nem poderia ser a classe social, nomeadamente 0 proletariado, como teorizou Karl Marx, mas sim a elite politica’. Se no ha consensos, nem integragao dos novos valores com aspitagio a0 poder no Grande Sistema, aparece uma elite subaltemna, que tem de atrair a ‘massa, suscitar 0 descontentamento dos governados ¢ organizé-los para derrubar os dirigentes. Os dois actos aqui considerados (preservar o poder conquistar 0 poder) suscitam, no ponto de vista paretiano, derivagées que | escondem os objectivos e racionalizam os residuos ¢ os interesses. A.lite governante usa asticia c forga como meios privilegiados. “fim toda a his- t6ria, aparecem consentimento e forga como meios de govemno”, e dado que & impossivel obter um consentimento total, o uso da forga toma-se inevitével!®, “Afastadas as excepgGes, que siio poucas e duram pouco, hi por toda aparte uma classe governante pouco numerosa que se mantém.no poder, em parte pela fora, em parte pelo consentimento da classe governada, que é muito mais numerosa"””, "8 Toda ateovia pode se ida cn Ville Pato, rare de Soclologle Générale, Dro ‘Geudve, 1960, (vol. 12 das ‘obras completas publicodas 0b 8 direeglo de Giovanni Busino). Em seguida este Livro ter citado nos sitios tdequados pslo mimero dos pardgrafos da edigio de Busno, 6 editora Deo. ' Vilredo Pareto, Traté de Socielogie Géndrai, Op cit, 92251, © Vid Pareto, te, $2244 19 8 de note, a este props sit, quo 380 eescimento ds fiqueza a ar smo superior ‘20 da populago garaate ums rethoris efectiva para os rnsis desfavorecitos, pois a ropactigho serd cempre desigual Vilfredo Peroo, Les Sys- ames Sociatistes, Droz, Gener, 1978, tome I. p. 37 ® Cf, Vlfede Pareto, Tralié de Socologie Généraie, Op. cle, § 2175 e §2196. © consentimento obtém-se por meio da difusio de derivagdes com eco nos governados. Os residuos enraizantes dio vida a uma ideologia conservadora, nacionalista, unitéria, suporte para uma elite politica predominantemente do tipo leo face a uma massa do mesmo tipo. Justificara sacrificios ¢ cultuard as rafzes ¢ 0s valores hist6ricos, os grandes mitos fundacionais, que normal- ‘mente tem eco nas massas governadas. A religiéo, as leis, os mitos, a moral, tém fungio conservadora ¢ sio titeis a elite dirigente na sua busca de consentimento popular. Quando as derivagées niio so suficientes, nem mesmo o progresso econémico ¢ a melhoria em matéria de bem estar da populagao, os governantes usam a forga’®. A forga em Pareto nao se confunde com a apologia da violencia e do irracional, como pretendem alguns analistas da sua obra. A forga é a aplicagio de meios institucionais na justa medida da sua utilidadé © deiitro de fins limitados, Surge na sua sociologia como urn f jportante do jogo pelo “Porm fd garaite @ Sobrevivencta de uma ordem e por outro” dita a queda dé iittia élite. O iso Giitetioso da repressiio, que ele anoia com ‘cxemplos dispersos em toda a obra, conserva as uniformidades de tal sorte que por detrés de qualquer organizagao social se observa a presenga da forca, que enquanto néo se degrada em violéncia tem um papel altamente positivo, contrério & desagregagiio dos materiais sociais. A forga, portanto, niio se identifica com a brutalidade pura e simples, com + um arco de aplicagées ilimitado, com a repressdéo gratuita e sem sentido. '\ Sempre que tal acontece, Pareto fala de elites governantes débeis ¢ fracas, "que A sombra da violéncia esto perto do fim e semeiam anarquia. “N& “Nio.se- _deve confundir — anota~ violencia e forca. A violéncia acompanha frequen- “er a visto individuos ¢ classes que perderam a forga ‘© que para se manterem no poder tornaram-se cada vez mais odiosos pela violéncia irracional que p6em em prética””. A violéncia parece-nos, no seu pensamento, estar ligada ao uso cego, excessive e frequente da forga de uma forma socialmente intitil®, Os seus resultados no so encorajadores visto que promovem fins contrérios aos desejados. Quando a elite governante perde capacidads para utilizar aforga, sacificando (© Seu uso nos altares das crengas humanitérias, perfilhando a teoria de que 0 governo da razio € suficiente em si mesmo ou até subscrevendo a nfo violéncia, Pareto supde que se esté na fase descendente. A incapacidade manifesta para usar a forga cirurgicamente, em intervengées contadas ¢ limitadas, revela uma elite inconsistente que baquearé perante outra que no hesite em a usar, nao recuando perante a propria violéncia. Assim, a forca toma-se um elemento de uso, no de abuso, com influéneia preponderante na vida das elites. Nao ha diivida que Pareto faz depender a sua utilizagio das personalidades de tipo led ¢ & justamente por essa razio que esse tipo deve estar representado de algum modo numa lite de mérito, onde a aplicagtio da forga se pensasse em termos cientificos, ou seja, contrabalangando os efeitos titeis com os prejudiciais, Ainda se pode, com Dino Fiorot, vetificar que se a continuidade da elite governante descansa no doseamento inteligente de forga.e consentimento, na verdade também se deve ter em conta os modos como pela forga se gera consentimento”, Porém 0 veiculo de eleigao para o consentimento € a asticia, cujos residuos pertencem a classe residual do tipo raposa, Pareto coloca o problema deste ‘modo: “Para impedir a violéncia ou para Ihe resistir, a classe governante usa a astticia, a frande, a corrupgio, em poucas palavras, o governo passa dos leGes as raposas. A classe governante curva a cabeca diante da ameaca da violéncia, mas apenas cede na aparéncia ou procura evitar um obsticulo que no pode superar de modo franco. A longo prazo, tal procedimento actua poderosamente sobre a selecedio da classe govemante, aonde 86 raposas serio chamadas, afastando-se os lees. O que conhece a arte de debilitar os adversérios com a corrupeao, de recuperar com fraude e engano o que parecia tet cedido & forga, é éptimo entre os governantes”™. A classe governante astuciosa toma-se dificil de deslocar, sobretudo se principia a absorver no seu scio 08 individuos destacados da massa, que tém dotes politicos semelhantes ou que esto dispostos a chefiar acces violentas, “A classe governada, que deste modo fica sem guia, sem artificio, sem organizagao, € quase impotente para instituir algo que seja duradoiro”2. Aclite desmonta antecipadamente qualquer hipétese de desafio proveniente de uma organizagdo de massas, 0 que no isenta do uso de derivagdes adequadas, que € o tinico proceso de manipular os residuos. Asticia, forga ¢ ideologias, combinam-se numa triade de preservagio do poder, que visando 0 controlo das massas tem por meta a neutralizagio do sal das massas, isto é, a contra-elite potencial, que do estrato niio selecto drena forga para alimentar as suas ambig@es. E oportuno avaliar o que pode ela fazer neste modelo complexo, Ora, tem tam- bém a sua disposigdo as trés armas que usa a elite. Num primeiro plano, as derivagdes poderosas, que Pareto assemelhou a utopias mobilizadoras, Para desafiar elites da classe leo, entrincheiradas na forga e na ordem, as elites subalternas de tipo raposa exibem metas atraentes e metafisicas. “Os homens ~ considera Pareto — gostam de consolar-se das misérias do presente cons- truindo mundos imaginérios*',” 1 neste sentido que analisa a contribuigdo de Karl Marx ¢ as teorias revoluciondrias: para ele so meras derivagdes de uma elite emergente, que parte ao assalto de umaclite governante debilitada, Outras elites emergentes silo as elites nacionais, verdadeiras contra-elites, ‘que se foram formando na Europa no seio dos Grandes Impérios, dotadas de base étnica, e que langaram movimentos independentistas ¢ uma ideologia Dino Fiorot, 1 Reallemo Politico de Vilfredo Pareto, BBlizion di Comat, Mili, 1969, p. 197; ¢ ainda: Vie Fredo Pareto, Traité de Sacologie Générale, Op. it, on Vilfedo Paste, Tralé de Sociologie Generate, Op.ct, s2178, ™ Vilfedo Parste, Tat de Sociotogie Générale, Op. cit, 52179, p. 1387, % Vilfedo Pareto, Mythes et ddologies de ta Potitque, Droz, Genéve, 1984, p, 158 Por agu se v8 também quo a famosa distingto de Karl Mannheim entre ideologia © topia nto € original. Pareto tisha-a jé subliniado, Para Karl Manaheim ver: Zdeo logia € Uopla, Gaanabar, Rio de Jano, 1986. 21 Che A. Keppoler (a), Phe Formation of National Hite, European Science Fou! dation, New York University ross, Darmouth, 1991, % Cit, Antéuio Marques essa, Quem Gmverna? Una Andlie Hinsrico-Poltica do © fe. Vilfedo Pare, Fats et Theories, Droz, Gendve, 1976: Myrhes et ldéotogies, Dror, Geneve, 1984; La Transformation de la Déma- ‘erate, Droz, Gentve, 1970 2 nacionalista dirigida contra o governo geral. O seu sucesso, em muitos casos, sublinha 0 acerto da sua estratégia®. Pode-se criticar Pareto porque parece ignorar o funcionamento de outros agentes, nomeadamente outras elites para lé dos homens do poder e dos que 6 disputam, mas para o seu tempo a sua leitura foi uma lufada de ar fresco, uma contestagao a teorias muito enraizadas, uma verdadeira inovagiio que nao conheceu 0 devido impacto por causa do éxito de Karl Marx ¢ da sua explicagiio totalista, adoptada por um poderoso Estado revolucionério, em 1918. Pareto ndo teve essa sorte e por isso vegetou em francés e italiano até ser traduzido para o inglés pelo grande socidlogo Talcott Parsons, que por fim Ihe fez justiga com a edigao de Mind and Society, o que langou as suas ideias para o debate do tempo. ‘Actualmente ele continua a ser estudado e reapreciado, nomeadamente através dacdigo da sua obra completa, editada em Genebra, na livraria Droz, sob a cautela de um disefpulo muito capaz, o professor Giovanni Busino, Mas no silo 86 teses e interpretagées da mudanga social que nfo podem passar sem 0 seu contributo, Num estudo que fiz sobre a teoria da elite verifiquei que ninguém passava sem o visitar e eu no me limitei a isso: revisitei-o nos scus lugares centrais e disso 86 colhi beneficios*, Na verdade Pareto disponibilizou novos instrumentos de andlise ao tempo em que 0 marxismo parecia ser a tnica explicagao da mudanga social. Esses, conceitos concentraram-se numa densa andlise no s6 da elite governante, ‘mas também da elite nfio governante, como facgdes da elite politica ¢ da contra-elite, © seu método, muito ilustrativo, pode seguir-se em dezenas de livros que esto disponiveis em lingua francesa devido aos cuidados do pro- fessor Busino, Tém-se apon-tado como essenciais o seu Tratado de Sociologia co livro Os Sistemas Socialistas, que apesar de tudo sao obras conhecidas em certas irmandades do conhecimento socioldgico. Estes enormes manuais, ‘que demonstram a sua habilidade e persisténcia em matéria de pensamento, encontram-se disponiveis na editora referida, a Droz de Gendve. Queto avisar qualquer estudante incauto que os livros mais provocativos nio io estes. Eu comegaria por ler Faits et Théories, Mythes et Idéologies, e La Transformation de la Démocratie, Os tais livros impertinentes e pequenos, do final da vida, mas que valem tudo porque revelam os seus escritos de combate, tardios ¢ cheios de ironia, onde as suas teorias jé se encontram a0 servigo da interpretagiio que faz. das lutas sociais””. Para os pesados sobra 0 ‘Traité, fica o Systémes Socialistes, fica enfim o Curso de Economia Potttica. Mas que ninguém se engane: numa investigagio sobre quem é quem, nomeadamente, sobre quem 6 aristocrata Vilfredo Pareto, volto a sugerir, a partir da minha investigagio, que os escritos periféricos, sem preocupagdes metodol6gicas, sem interesse demonstrativo, safdos daquilo que ele poderia classificar como derivagées, sio os mais interessantes para os dias de hoje. Quase que Falam connosco. O dificil é experimentat. Mas depois de comegar aler os nossos amigos comegam é a perguntar porque é que nao temnos tempo para as festas agendadas. Fi um pouco como aconteceu como os livros de Frederick Forsyth de que dizia Jean David, “Vocé no consegue prestar atengiio a mais nada, As suas noites estardo comprometidas. A sua familia vai-se queixar™, E certamente um marketing da novela, mas 0 produto Justifica desde os anos 80 0 que se pode fazer neste preciso momento: oferecer derivagdes paretianas. O homem néo pode viver sem sonhos. Nada pode fazer-nos espantar se um conjunto de autores de ficgo, que lidam ‘com problemas de sociedades em mutagiio, em poderosas utopias, sociedades de evasio, com derivagdes de grande profundidade, conhecem um sucesso fora do comum, Refiro-me especificamente a autores prolificos e firmados mundialmente, ¢ nao s6 ao que se costuma chamar depreciativamente lite- ratura de aeroportos, como Raymond Feist, ¢ as suas belas construgdes que vaio perdurar como os livros de Tolkien, a marcar um tempo de seriedade e de honra; David Gemmel ¢ 0 seu mundo herdico de branco ¢ negro; Stephen Donaldson ¢ os seus mundos paradoxais e diibios; David Eddings ¢ as suas sagas em mundos muito compreensfveis; George R. Martin, que do pouco em que comegou se veio a revelar um bom contador de histérias ¢ mesmo Anne Rice e os seus vampiros humanizados ou Stephen King e a inteligente maneira de criar 0 clima propfcio para o medo. Estes, entre muitos outros, porque o filio é vasto ¢ est muito aberto a imag nago, so exemplos que uma sociologia da compreensdo niio pode deixar dcestudar como faria Pareto”. O mercado é constituido por milhdes de consu- midores. E até Paulo Coelho descobrin isso com a sua novelfstica primitiva, que logo que comparada com qualquer um destes mestres, baqueia no invi- sivel. O mesmo acontece com o francés Christian Jacq, que face attal escrita, cele que quer ser o intérprete de um saber arcano, regressa logo ao seu lugar. Mas onde vamos pesquisar estas novas direegées do espitito? Em nota ime- diata ficam as referéncias essenciais donde poderio encontrare deduzir outras referencias, Milhares de livros nesta dea especifica so produzidos para um piiblico que os espera e desespera quando tardam. E tal fenémeno é um indicador bastante importante do que ja se chamou fiuga ao real. E serneste contexto que as obras novas terio que ser lidas, consideradas e analisadas. professor Gaetano Mosca infelizmente nao se pode evadir com estes livros que talvez.o tivessem deliciado, mas é um pouco cfnico a pensar no tempo fru- ‘tuoso que se desenrolava ante si. Um professor de Direito siciliano que fina- lizava a sua andlise da sociedade ¢ dos grandes factores de mudanga, viria a disputar a prioridade na descoberta da elite com Pareto e parece que se dedi- caram um édio de estimagio, coisa totalmente compreensivel entre grandes académicos. Tal como hoje em dia. O seu nome & modesto, mas as suas Cli, Frederick Forsyth, Le Quatre Procol, Live de Poche, Albin Miche, Pais, 1994, Vera contracupa © 20 posstvel ler ume das mais Ineressantes novelas da Guecra Faia 0 livros mais ineressan tes vio por otter de impor tania ede possvel lettre 56 chnrortce: Reyna eis, Magician, HarperCollins Publishers, Londzes, 1996; David Gemmel, Sword ie the Storm, Corgi Books, 1999; Stephen Donaldson, The Chronicles of Thomas Con Yenant,DelRey, Nova Lomb, 1985; Jacq, contecida pelos romances robe a fare, tem ‘am lio msi enigmética Christian Jacq, A Viagem Iicitica ou 08 Trina Gras dda Sabedoria, Pergaminvo, Lisboa, 1999; Brian Al Helliconia, HarperCollins, Landes, 1996; Rober Jorés, The Bye of the World, Tot, Nova Torque, (990; Stephen King, Different Seasons, The Viking Press, Nova Torque, 1982. Clive Baker, Berle HarperCollins, “Londres, 1994, Aane Rice, Servant of the Bones, Arsow, 101 des, 1997 (um liven Fra do esquema dos vampitos, aque fla ns tins habitoado num série de grande sucesso), George KR Martin A Game of Thrones, HarperCollins, LLondees, 1997: wna sre que promete, como tantas outras fem que podemos seguir a produgio dos autores de ‘grande audio intemacionl © que interessa no nosso campo pedagsigeo & que 05 ‘alunos podem favenaras. AF sim: percebem © que § vender! Todos or mais inte Fessantes autores descobri- arm estas dimenstes do met- ‘eado 0 que 6 pode ajar a prover dus ecsas: Freud ou Paceto. Nunca Mars, 23 Mosca dino isso claro na sua Historia das (éeias Politica, que traga ext uz Ver: Gaotano Mosca © G. Bouthoul, Histoire des Doctrines Poliigues, Payot, Pats, > Cle, Gaetano Mosea, Cid che la Storia Potrebbe Insegnare, A. Gut. Mili, 78 teorias correram mundo. Gaetano Mosca foi 0 homem que apontou o dedo a0 mesmo problema resolvendo-o de diverso modo e também foi traduzido. 1.4 Um homem tranquilo: o conceito de classe politica Gaetano Mosca partiu de uma observagio qualificada que a sua vida de professor de direito Ihe facultara, Nao devia nada 4 economia eestava atento A politica que se fazia sob os seus olhos na Itélia, Estudava Historia e essa base fornecia-Ihe elementos suplementares. Foi répido a concluir pela existéncia de um grupo especial que detinha o poder ¢ 0 usava, fazendo todo © possivel para o manter. Criou designagdes especiais para cada elemento ue isolava na sua andlise e chegou a uma grande conclusao que pode estar disponivel para os dias de hoje e ainda ser Gti. Fundamentalmente Mosca pensou que toda a sociedade era dirigida por um grupo qualificado a que chamon classe politica dirigente. Descartou as classificagGes antigas em monayquias, aristocracias e democracias como tipo- logias de pouco alcance, O que interessava é que em cada um destes regimes 14 estava um grupo governante escalonado do mais importante ao menos importante, pouco interessando que se chamasse monarquia, aristocracia, democracia ou repiblica®, Para ele, € sempre um nicleo que dizige a sociedade ¢ esse nicleo é composto por uma classe politica dirigente, caracte- rizada por um nticleo duro, ¢ por uma classe periférica dependente que executa com legitimidade as decisdes do micleo. Mosca identifica 0 nticleo duro, que pode variar no tempo devido a purgas e mortes, um circulo externo de pessoas nomeadas que participam no poder como executantes. A massa Id est como destinatétia das decisées™. ‘Como consegue a classe politica dirigente manter-se no poder? A resposta é paretiana: através de uma formula politica, que 0 povo aceita porque acredita nos nticleos essenciais do discurso politico do grupo. Também aqui néo inte- ressa que a formula seja verdadeira: interessa que funcione, ou seja, que tenha credibilidade junto do povo, Destinatério das ordens ¢ decisées do grupo domi- nante, o que se reveste de grande relevancia é grau de aceitagio das ideias ecrengas que o grupo difunde junto da populagéo votante, Em termos moder- nos terfamos de falar de marketing politico. Em termos da época teriamos de pensar nos trés tipos de legitimagao criados por Max Weber, que dao funda- mento ao exercicio do poder. Nas sociedades antigas a justificagdo é tradi- cional (tradigdes, magia, religio, integram um padriio que é suficiente para ‘© grupo que governa); nas sociedades modernas vigoraria o tipo burocrético- -racional (0 império da lei, a hegemonia das normas, os governantes como ‘executores de um legalismo que levaria & criagdo de uma burocracia com os i | | seus c6digos préprios); finalmente o tipo carismético, cuja funda-inentagao € a qualidade do personagem que € o dirigente (capacidade de convencer, combater, dominar), 0 que nos leva a considerar para estas tarefas perso- nalidades fortes. Mas para Mosca tudo so f6rmulas que devem ser vistas sem paixtio ao longo da histéria e mesmo nos momentos conturbados do presente, O real, 6 0 poder acumulado na classe polftica e a capacidade de exercité-lo na sociedade. Bile pensou que as defesas dos homens comuns face ao poder das classes politicas residiria sobretudo na capacidade intrinseca de instituigdes sociais, pocerosas capazes de bater 0 pé a decisdes governamentais pouco esclarecidas © até nocivas para a sociedade e para o seu desenvolvimento. De algum modo cle pensava no equilfbrio ao bom modo liberal. Em sociedades sem instituigdes fortes, a classe politica esté habilitada a fazer ‘© que quer, nomeadamente sugar todos os bens do Estado sem sequer uma acusagio formal, a assassinar opositores sem ter que dar explicagées. Os tribunais, a Igreja, os empresdrios, pura e simplesmente nao existem ou tém uma existéncia virtual. O Estado ocupa todo o horizonte. E curioso dizer que ele chamou a este mecanismo de fortificagio da sociedade civil, defesa juuridica. E isto vindo de um homem que ensinou direito ¢ que deveria pensar ‘que a defesa estaria nos tribunais © nos cédigos publicados é bem indicativo que ele dissesse que tais instrumentos nao chegam. Ao contrario, entendeu, ‘em sentido realista, que a defesa estava nas instituigdes fortes, num meio social esclarecido e interveniente, enfimn, numa cidadania vivida que daria eco a uma forga capaz de equilibrar as decisdes da classe politica. Ha todo o interesse em mostrar que Mosca nio utiliza o termo classe politica em termos de classe. Quer identificar um grupo que detém o controle dos meios politicos e nfo pode deixar de apontar para os que detém o poder (classe politica governante) e para os que se encontram afastados do essencial desses mecanismos (classe politica nfo governante). As duas facgées com- poem a classe politica de um pafs, uma minoria que se especializou no poder. ‘Também Mosca ganhou grande visibilidade com a sua tradugo em inglés, que € 0 livro mais acesstvel, porém mais pobre™. As ideias essenciais af se encontram bem explicadas ¢ ndo deixaram de ter impacto na Sociologia do nosso tempo, a principiar pela polémica que manteve com Pareto para aclarar as prioridades nas ideias sobre estas matérias. ‘As questdes da organizagiio: Robert Michels Robert Michels, cientista de diversas pertengas ideolégicas, introduziu na discussio dois conceitos assassinos: organizagdo e oligarquia. Ble conhecia ® Che Gaetano Mosca, The Ruling Class, Greenwood Press, Westpot, 1980, 25 8 Ver: Robert Michels Seciotogia dos Parids Pole cos, Universidade de Bra. sia, Beni, 1982 Cie, Robert Michets, Antotogia ai Seritt Socio logici, l Mulino, Bolo a. © Ver a este propesito wm estudo portugués sobre © fassunto: Sandra Balio, A Formula do Poder. Elite, Demecraca, Parties ¢ Cor pedo Politica no pense ‘mento de Moizel Ostogorst, ISCSP, Lisboa, 2001. 26 o trabalho anterior nesta érea ¢ tinha publicado nas revistas que Max Weber dirigia na Alemanha. Nao era um debutante. Quando comegou a escrever mostrava-se umn socialista convicto, mas logo que se meteu em estudos mais profundos foi para demonstrar que um partido tio democrata como 0 social- -demoerata aleméio do seu tempo era regido por uma oligarquia que se perpetuava na direcgao do partido através dos mais diversos tipos de truques. O livro tomnou-se a justo titulo famoso, mesmo a merecer entre nds teses de mestrado sobre o autor ¢ edigdes sucessivas em diversos pafses®. A descoberta era verdadeiramente inacreditavel e levou Michels a outras investigagdes. Das suas observages empfricas detivou a lei que ficou conhecida como lei de ferro da oligarquia. Ou seja: todos os partidos, todos os Estados, enquanto organizagées estiio submetidos a uma regra de ferro. A minotia dirigird inexoravelmente @ maioria e esta ndo ter4 alternativa, segredo da dominago da minoria sobre a maioria 6 a organizagaio™ A minoria esta organizada, trabalha estruturadamente, colabora em acgoes comuns, distribui postos, esboca planos, pée em marcha estratégias. A maio- ria carece de lideranga, no fundo, a massa, que pode ser impressionante, na realidade, no momento da verdade, conta como uma pessoa individual contra a organizagdo. A massa passa a ser operativa s6 a partir do momento em que tem os seus “dirigentes”. Como a maioria esté desorganizada, essa a sua fraqueza permanente, Nao é preciso pensar muito para perceber que antes de qualquer acco concreta individual tudo esté perdido. A organizagio € uma maquina que tritura o individuo isolado, Um sociélogo russo, Ostrogorski, j4 se tinha dado conta deste problema em Inglaterra e viajou para os Estados Unidos ~ a sociedade do futuro, 0 vigoso tronco da democracia plena que se conhecia pujante desde a viagem de Alexis, de Tocqueville — para provar que af tudo era limpo. As suas conclusdes so catastr6ficas, desilude-se profundamente com o que vé (corrupgdio, compra ¢ venda de votos, a importincia dos caciques (bosses), negécios escuros ¢ muito mais coisas que se podem listar a partir da leitura do seu livro). © que mais 0 impressionow foi a perfeigdo do que chamou maquina. A méquina era para ele a estrutura partidéria interna sem cuja concordincia nada se podia fazer: alimentada por grossas somas geria a democracia americana de um lado e do outro das linhas ideolégicas vigentes nos partidos que se defron- tavam. Viu duas méquinas e dois sfmbolos que se combatiam, mas que no terreno operavam do mesmo modo. A sua abordagem mereceu estudos ponde- rados ¢ cle reavaliou os seus materiais em cartas que trocou com amigos nomeadamente com o embaixador briténico James Bryce, que Ihe chega a prefaciaro seu estudo. O livro permaneceu no index até que alguns estudiosos comegaram a interessar-se por ele*. Tudo nos indica que Moisei Ostrogorski ficou muito impressionado com 0 que tinha descoberto no seio da democracia e da competicao entre partidos, mas nao se esperaria outra coisa de um homem tio treinado: ele descobriu os refinamentos da organizagio. A organizagio passa ser 0 motor de qualquer promogiio © os chefes da organizagiio verdadeitos criadores e destruidores Michels ¢ Ostrogorski complementam-se na andlise de uma situagio emer- gente, O poder politico esta a mereé do sufrigio individual. A massa votante pode ser arrebanhadae fidelizada, entontecida e comprada, estimulada e deses- timulada, O campo dos combates foi entendido eles deram a sua contribuigio sublinhando o papel da organizagdo ou da maquina, Maquina que no fundo 6 uma sofisticada organizagio. Teria morrido Michels no pensamento universitério? De modo nenhum, Uma tese de referéncia é sem dtivida a escrita por Conceigo Teixeira, que faz 0 estado da arte quanto a este autor tio polémico como perturbador. Como ela diz, com seguranga, 0 que interessava a este investigador das coisas sociais era “a formagio de uma oligarquia em qualquer agregado sociopolitico”®" Ascelites assim criadas sentem-se legitimadas e procederio, segundo os seus programas, psicologia, e métodos de lidar com os votantes, a uma aco que afectard toda a sociedade. Basta lembrar que séo elas que determinam as politicas pablicas, ou seja, a maneira de gastat orgamento geral do Estado. E isto nao é pouco. Hi muitissimo. Que diremos ento do Estado nesta Sptica? Segundo Michels esta sempre sob o dominio de uma oligarquia, ou seja, um pequeno grupo de profissio- hais. Segundo Ostrogorski na mao de uma coisa que ele chamou miste- riosamente a maquina, mas que se encarregou de desmontar com custos deveras pesados para as suas préprias crengas. No fundo, o futuro era a miquina ¢ nfo liberdade das pessoas ou a participagio ou a cidadania plena e-consciente. 1.6 Ha uma elite do poder? Wright Mills e seus continuadores Outra abordagem é do influente autor americano Wright Mills. Muita gente lamentou que cle tivesse morrido cedo, mas nos, anos em que viveu cle produziu vertiginosamente. Nao por acaso que a ele pertence a expresso “elite do poder”, alias, titulo de um livro seu de ruptura, A Jmaginagao Sociolégica, que todos passaram a usar como coisa adquirida nao sabendo bem donde®, Foi em nome desta imaginago que Mills desencadeou uma investigagio sobre a elite politica dos Estados Unidos. Ele conhecia todos os outros autores % Cf, Moise Ostrogorski, Democracy and the Orga: rigtion of Political Parties, Haskell House Publishors, Scarce Books, Nova fouue, Mys, 1970, » Conceigdo Pequito Tei- ele, Rober! Michel A Tea- ra ¢¢ Politica da Demo- ‘rac, ISCSP, Lisboa, 2000, » fr. C, Weight Mis, The Sociological Imagination, Penguin Books, Harnonds- worth, 197. Pa

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