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O Carmo - JuREMA Maxia 20 Carmo Tico BRANDAO! Luis Faure Rios po Nascimento? Rese: urema é uma avore que florese no Nosdestebrascxo, Da easca do seu tronco e de suas sazes, se faz uma bebida magico-sagrada que permite a0 juremeizo entrar em contato os Mestres do “outro mundo”. Os Mestre, ‘outrors foram antigos jaremeiros que formaram seus “dicipulos”. Com a morte, juremeizo se encanta e pode incorporar nagueles que formov, Jurema é cizncia do outzo-muando, a mesa em volta da qual se xealizam as ‘essdes de consultase de fitigos, é também o altar onde vé-s asentados tagas vasa, so princestse princepes, os stbolo da cidade espiritua, Jurema tei o objeto de nossa comunicacio, Nela buscaremos, através das falas dos juremeizos, e das descrigdes de stusis observados, elementos cexmogrificos pana entender esta forma de relgiosdade popular. Cult que, ‘embora pretetido em relacio 3s formas tradicionais de religides afro-brasilei- 1s em relacio ainvestignsdesséco-antropolégicas,encontra entre ascamadas populares do Nordeste solo fri para se constituir enquanto movimento sigico-religioso. Jurema é uma arvore que floresce no agreste e na caatinga nordes ina; da casca de seu tronco e de suas raizes se faz uma bebida mé- ssico-sagrada que alimenta e da forga aos encantados do “outro-mundo”. também essa bebida que permite aos homens entrar em contato com o mundo espiritual ¢ os seres que la residem. Tal 4rvore, se constitui enquanto simbolo mégico-sagrado, 0 micleo de vérias préticas magico-religiosas de origem amerindia. De fato, entre os diversos povos indigenas que habitaram ou habi- tam o nordeste, se fazia e em alguns deles ainda se faz uso ritual desta bebida’ No ano de 1938, Curt Nimuendaju obtém, entre os indios de Santa Rosa— BA, descendentes de Tupiniquins e Kamuru-Kariri um interessante depoimento; uma “visagem” do mundo espiritual conseguida por aqueles que bebem da sagrada bebida feita com partes da Mimosa nigra Hub. “A Jurema mostra o mundo inteito a quem bebe: Vé-se 0 céu aberto, cujo fundo ¢ inteiramente vermelho; vé-se a morada luminosa de Deus; vé-se 0 1 © Carip0-JurEMa campo de flores onde habitam as almas dos indios mortos, separada das almas dos outros. Ao fundo vé-se uma serra azul; véem-se as aves do campo de flores: beija-flores, sofrés ¢ sabiés. A sua entrada esto os rochedos que se entrechocam esmagando as almas dos maus quando estas querem passar en- tre eles, Vé-se como o sol passa por debaixo da terra. Vé-se também a ave do trovdio, que é desta altura (um metro). Seus olhos séo como as da arara, suas penas sao vermelhas ¢ no alto da sua cabega ela traz um enorme penacho, Abrindo ¢ fechando este penacho, ela produz o raio e, quando corre para lée para cé, 0 trovao.” (Nimuendaju, 1986; 53) Este culto se difundiu dos Sertdes e Agrestes nordestinos em diregiio as grandes cidades do litoral, onde elementos das outras matrizes étnicas da for- magao da sociedade brasileira entraram em cena. Desse modo, o simbolo da Arvore que liga 0 mundo terreno ao além e, embora amargo4 , da sapiénciaS aos que dela se alimentam, ganha novos significados, surgindo um mito com tragos cristaos. Neste sentido, a Jurema surge como a drvore que escondeu a sagrada familia, dos soldados de Herodes, durante a fuga para o Egito, ganhan- do desde entdo suas propriedades magico-religiosas (Cascudo, 1931 ; Bastide, 1945). A jurema & um pau sagrado Onde Jesus deseangou Que dé forea e “ciéncia” Ao bom mestre curador. Ainda nessa perspectiva, juntaram-se na constituigio desta forma de reli- giosidade popular, outros elementos de origem européia comoa magiae oculto ‘0s santos do catolicismo popular. Da matriz africana, incorporou o sacrificio de animais, como realizado entre os XangOs nordestinos, além de algumas di- vindades. As constantes ondas migratérias entre o interior ¢ 0 litoral devem ter influenciado nestes intercémbios de elementos simbdlicos no culto, E.com esta configuragdo ele se espalha em algumas capitais nordestinas, como Recife, Paraiba, Maceié e Natal Na década de 20 0s jornais ja anunciavam a presenga “dos baixos e baru- Ihentos espiritos” do primitivo “Catimbau” , entre os ditos civilizados das paca~ tas cidades6 . A partir desta época encontramos referencias sobre a Jurema ‘em autores como Cascudo (1931), Fernandes (1940), Bastide (1945) Vandezande (1975) . ‘A Jurema que passaremos a apresentar, é a encontrada na cidade do Recife, em terreiros localizados em sua grande maioria nos bairtos periféricos n Cu10 ARQUEOLOGICA N. 13 - 1998 Manta po CARMO BRANDAO BT AL, da cidade. Dimensionado os limites espago-temporais do presente trabalho, um primeiro ponto a ser considerado é que 0 culto a Jurema ndo se da de forma padronizada entre os diversos grupos existentes. Como dizem os juremeiros: “Jurema? Cada uma tem a sua a minha eu cultuo como aprendi com X. ic.” “A Jurema de ¥..., ele dé bode ao mesire deie, na minha eu ndo cultuo com sangue... A Jurema, é um pau excantado! ‘Bum prude cigncin’ que todos querem bebe E-sevocé quer Jurema, Eu dou Jurema a vocé! Cf Fernandes (1940) 7 Salientamos que © tabaco ¢ utizado no culto io apenas pact 0 Fumo, mas igualmente para banhos, mascado ¢ aspergido sobre pastes do coxpo ou objetos stuais, entre outros * Se para Cascudo (1951) o Juremal é um dos Reinos que compée o além, para alguns juremeizos de Pemambuco ¢ da Para 0 Juremal é 0 conjusto de Reinos que foram 0 além. * Ritual que acontece aps a morte do juremeiro, quando seu espiitocoahece sua moradin nas cidades do outro mundo ¢ tem a permicio para baixar as sessGes (Vide Vandazante, 1975) ™ Bste termo, usado pelos juremeizos para se referir is representagdes dos encantados 00 mundo dos vivos, & 0 mesmo usado pelos xangozistas para se refers is representagses -materais dos Oris nos quartos de santo. " Tambores. * Cascuo (1931), interpreta a semente da Jurema como Sobrevivencia dos sinais das fi cera, pr6psio da magia europeia ® Para uma descricio mais dealhada cf Caseudo(1931), ™ Obanguete “profano”” * Danga popular, cujo ritmo é préximo, seni mesmo do das toadas dos Mestres. As {estas dos Mestres masculinos geralmente si0 denomsinadas““Coco” (p. ex."O Coco de seu Za", enquanto as das Mestris sio camadas “Cabarés”(p.ex. "O Cabaré de Cérmem”) % No caso do culto 405 Orixis, 0 contato com os deuses & mediado pelo sacerdote em estado de vigiia e seu oriculo de bizios. 2 Cuio ARQUEOLOGICAN. 13 = 1998 Mania 00 Carmo BRANDAG EF AL Referéncias Bibliogriticas ALVARENGA, Oneyda. Catimbé, io Pulo, DiscotecaPablica Municipal, 1949. ANDRADE, Mario de. Misica de Feitigaria no Brasil. (Organizagéo, introdugio ¢ notas de Oneyda Alvarenga.) Sao Pulo, Livraria Martins Fontes Editora, 1963 BASTIDE, Roger. 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