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PRIORIDADES DA FORMACAO PROFISSIONAL DOS PROFESSORES DE EDUCACAO FISICA Marcos Onofre FACULDADE DE MOTRICIDADE HUMANA, UNIVERSIDADE TECNICA DE LISBOA INTRODUGAO Anossa reflexao repartir-se-a por quatro grandes tematicas: a) a ideia de que a formacao dos professores é hoje uma determinante da qualidade do ensino, e de que esta se processa, a0 longo da vida do professor, envolvendo o periodo decorrente entre as fases anteriores a sua formacao inicial e a sua formacao continua; b) a ideia de que qualquer formacao dos professores corresponde um processo de construcao do seu conhecimento profissional e de que este encerra caracteristicas de forma e contetido que importa respeitar; c) a ideia de que, frequentemente, as modalidades de formacao seguidas, quer na formacao inicial, quer na formacao continua sao contraditorias com estas caracteristicas; e d) ideia da urgéncia de generalizar praticas de forma- ‘co que permitam apoiar uma alteracdo positiva do conhecimentos dos professores de Educacao Fisica, antevendo ai as urgéncias da formacao. A FORMAGAO DOS PROFESSORES AO LONGO DA VIDA COMO UMA DETERMINANTE DA QUALIDADE DO ENSINO A investigagao sobre 0 éxito escolar, nomeadamente 0 estudo da sua causalidade tem acumulado importantes evidéncias de que a qualidade do ensino se encontra entre as suas mais fortes determinantes. Estas evidéncias tém-se acentuado de modo progressivo desde os anos 70, permitindo ultrapassar perspectivas que elegendo factores causais externos, tém funcionado como mecanis- mos de desculpabilizacao do sistemas educativos, remetendo para o contexto pessoal ou social dos alunos a origem do seu insucesso escolar. Referimo-nos em concreto as teorias “dos dotes individuais” e do handicap sécio-cultural. De acordo com a primeira, 0 insucesso escolar dos alunos reside nos préprios alunos. A inteligéncia é vista como um “dote” natural, como algo inato e hereditario e o facto de um aluno ter um fraco aproveitamento escolar como correlativo da sua falta de capacidade e/ou inteligéncia (Benavente, 1980). 0 insucesso escolar é, pois, um sintoma da inadaptacao do aluno, a manifestacao de um handicap individual. Visto tratar-se de um problema individual, resultante de uma caréncia intelectual ou afectiva, as solucées para este problema sao de cariz individual. Segundo esta teoria, a inteligéncia pode ser considerada como um factor discriminatério que possibilita classificar hierarquicamente os alunos com base num dado biolégico. 991 ACTAS IX SIMPOSIUM DE POLO A teoria do handicap socio-cultural, fez a sua aparicdo nos EUA, nos anos 60, tem pro- curado explicar o insucesso escolar a partir da origem social dos alunos, convencionando que alunos oriundos das classes populares, socialmente e economicamente desfavorecidas ou de minorias socialmente discriminadas, tém a partida comprometido o seu sucesso educativo. Para os defensores desta teoria, as criancas apresentam caréncias, insuficiéncias de ordem cultural, tinguistica ou afectiva que dificilmente podem ser superadas na escola se nao 0 forem no seio fa- miliar. Esta teoria, como a anterior, acentua a externalizacao da causalidade do sucesso escolar imputando-o a razdes exteriores ao sistema educativo e a escola Por contraste, tem ganho consolidagdo a corrente " socio-institucional ", cujos estudos tém permitido revelar a importancia da organizacao e funcionamento da instituicao como condi- des primordiais do sucesso educativo. Pelos anos oitenta, o insucesso escolar comeca a ser visto como um fenémeno relacional, envolvendo factores de natureza sociopedagogica e psicopedago- gica (Benavente, 1988). Perrenoud (1992) é um dos autores europeus que mais tem contribuido para sublinhar o papel das dinamicas organizacionais da escola e do trabalho dos professores como determinantes do sucesso escolar dos alunos, destacando, neste ambito, as competéncias que 0 professor devera possuir para garantir a qualidade do ensino, ou seja do trabalho directo com os alunos na sala de aula. Estas ilacdes tém sido largamente sustentadas por estudos sobre © ensino da Educacao Fisica, realizados, entre outros, em Portugal, como pode constatar-se no testemunho de Carreiro da Costa, neste mesmo volume. Na sequéncia destas evidéncias, desde ha alguns anos que a investigacdo tém vindo a preocupar-se com o estudo das formas de ajudar os professores a responder a essas exigéncias (Marcelo, 1990). Esta problematica foi recentemente objecto de reflexao politica, nomeadamen- te pelo recente relatorio da OCDE (2005) que coloca o professor e a sua formacao no cerne das preocupacées do desenvolvimento da educacéio. De acordo com este relatério, a qualidade da pratica de ensino dos professores esta associada a sua qualidade ("teacher quality”) e esta a sua formacao inicial e ao seu desenvolvimento profissional continuo. Relatério sustenta-se ainda que a aprendizagem profissional se deve realizar ao longo da vida, realizando-se sugestées sobre os mecanismos para a sua sustentacao. Esta opcao da corpo as teorias da socializacéo profissional dos professores (Carvalho, 1996), acentuando a importncia das experiéncias de vida, a montante ou a jusante da formacao inicial, de caracter formal ou informal, como factores determinantes para a sua formacao. Nestas se contemplam, as experiéncias de socializacdo antecipatoria - um periodo prévio a formacao inicial - em que cada futuro professor, como aluno, convive num minimo de 9000 horas com os seus professores, as experiéncias de formacao inicial - relativas aos trés a seis anos de formacao, as experiéncias de inducao profissional - envolvendo as primeiras experiéncias directas de ensino real, num peri- odo de seis meses a dois anos, € as que correspondem a formacao continua ou desenvolvimento profissional - decorrentes até ao final da carreira do professor. Considerando a diversidade destes momentos, como formadores, resta-nos apostar na qualificacao da formacao inicial e continua/ desenvolvimento profissional. Em qualquer um destes dois niveis de formacao, a nossa intervencao nao pode perder de vista a natureza do conhecimento (competéncias) que sao necessarias desenvolver. A opcao por analisar as opcées da formacio de professores a partir da andlise da nogao da natureza do conhe- Cimento dos professores radica na evidéncia de que qualquer acco de formacao de professores é sempre um processo de construcao de conhecimento. 992 COMUNICACIONES /AFORMAGAO COMO UM PROCESSO DE CONSTRUGAO DO CONHECIMENTO DOS PROFESSORES Os resultados da investigacdo sobre 0 processo de pensamento dos professores, em par- ticular aquele que se tem desenvolvido sobre 0 processo decisério que acompanha a sua acti- vidade, sublinham a intima relacdo entre as caracteristicas do conhecimento do professor qualidade da sua intervencao (Onofre, 2000). Esta evidéncia sustenta-se na constatacao de que o processo decisério - inerente ao planeamento, conducdo ou avaliacao das diferentes actividades na escola - é desenvolvido num contexto psicolégico de crengas, teorias implicitas e conheci- mento, 0 qual, por sua vez, é enriquecido pelas mesmas experiéncias decisorias e pelas accdes que as materializam, numa relacao biunivoca (Clark & Peterson, 1986; Pérez & Gimeno, 1988). Embora a distingao epistemologica do conceito de conhecimento do professor nao seja facil (Fenstemacher, 1994), a ideia que aqui queremos sustentar ¢ a de que o conhecimento realmente valorizado pelo professor ¢ aquele que ele reconhece permitir-the resolver os proble- ‘mas concretos com que se vai confrontando ao longo da sua vida profissional - 0 conhecimento pratico. 0 que entendemos por conhecimento pratico do professor? De um modo geral podemos dizer que representa uma organizacao mais ou menos elaborada de informagées sobre a comple- xidade da realidade profissional (envolvendo as percepcdes sobre os seus contextos, os modos de pensar e actuar dos seus intervenientes, os fendmenos culturais implicados nas suas relacées), que so configuradas por teorias implicitas e crencas. E uma matriz de referéncias, pessoal e subjectiva, que representa o modo real de pensar (interpretar) e agir de cada professor. © conhecimento pratico representa a indissociabilidade entre a pratica e a teoria, im: bricadas na acco do professor (Elbaz, 1983), incluindo tudo 0 que professor traz de si proprio para 0 momento do ensino - crencas, atitudes, sentimentos, reflexao, gestos, temperamento, historia pessoal (Clandinin, 1991), e traduz-se pela combinacao de um conhecimento consciente, reflexivo com um conhecimento tacito ou "escondido”. © conhecimento tacito reflecte-se, em particularmente, nos guides para a accao (“scripts”) (Wein, 1995), os quais representam unidades de conhecimento padronizadas e au- tomatizadas, altamente contextualizadas, modos de accao que, ao longo da histéria pessoal e profissional dos professores, permitiram superar com sucesso os seus dilemas profissionais. Os guides para a acco, encerram em si a teoria do professor, na medida em que se sustentam num Conjunto de pressupostos mais ou menos conscientes e se traduzem por um conjunto de proce- dimentos orientados para a consecucao de um fim, O conhecimento pratico dos professores nao é apenas constituido por guides para acco. A medida que a actividade do professor se torna mais criativa, reflexiva e consciente, a acco menos delimitada pelos guides para a acco e mais orientada por uma pratica reflexiva que podemos situar a dois niveis: a reflexao na accdo e a reflexao sobre a acco (Schén, 1983). Schén (1983) argumentou a que a pratica profissional é sobretudo uma pratica reflexiva, no sentido em que os profissionais se confrontam constantemente com a consciéncia da incerte- za, complexidade, instabilidade, singularidade e conflito de valores, decorrentes do confronto com a singularidade dilematica das situacdes em que intervém. A pratica reflexiva descreve os momentos produtivos (criativos e inovadores) da acco do professor, relacionada com a reso- lucao das situagdes problematicas da pratica, devendo, por isso, distinguir-se de um modo de accao orientado por scripts ou ac¢ses rotineiras. De acordo com Wein (1995) a reflexao-na-accao e a reflexao-sobre-a-accao so um mes mo modo de conhecimento sobre a acco, envolvendo simultaneamente um pensamento tacito 993 ACTAS IX SIMPOSIUM DE POLO € deliberativo, com a diferenca de que se processam em momentos distintos relativamente a acco. O primeiro decorre durante a mesma, o segundo antes ou apés a sua ocorréncia. Os niveis do conhecimento pratico funcionam de modo estreitamente articulado entre si e 0s trés so necessdrios para intervir na actividade profissional de modo confortvel. Usando 0s guides para a acco ou rotinas o professor disponibiliza-se para se concentrar na anilise e resposta as situagdes problematicas ou dilematicas. Recorrendo a reflexao na ou sobre a acco, © professor problematiza, cria e inova o seu modus operandi, evitando cristalizar ou mecanizar a sua intervenc@o. Para que possam ser utilizadas com eficacia e fluidez os novos modos de ac- tuacao sao progressivamente automatizados em guides para a acco. Do que se acabou de referir, podem diferenciar-se caracteristicas do conhecimento dos professores que deverao ser tidas em consideragao quando lidamos com a sua formacao, a saber: a) a forma intima como 0 conhecimento se associa as crengas que os professores desenvolvern acerca da sua actividade profissional; b) a relacao de interdependéncia entre o conhecimento do professor e a especificidade dos contextos de intervencao profissional; c) a coalescéncia do conhecimento, envolvendo a integracao sincrética entre os diferentes teores de conhecimento; 4) a relagao entre os modos de utilizacao do conhecimento reflexivo e tacito ou automatico. Analisemos entao estas caracteristicas. Relacio entre o conhecimento pratico do professor e as crengas que desenvolve acerca da sua actividade profissional © grau de diferenciacao entre os constructos de crencas e do conhecimento dos profes- sores estd dependente dos conceitos que thes subjazem. Quando a conceptualizacao do conhe- cimento do professor toma por referéncia a perspectiva de uma racionalidade técnica (Zeichner, 1992), a sua diferenciacdo é mais clara e portanto mais facil. Neste caso, estd em causa 0 con- ceito de conhecimento proposicional, um saber objectivo, de origem cientifica (estabelecido de forma independente da individualidade e das particularidades das circunstdncias de intervencao do professor). Todavia, numa perspectiva pessoal e pratica do conhecimento do professor (Clandinin & Connely, 1987) é valorizada a racionatidade pratica, que se distingue da anterior por conceber © conhecimento como um produto do exercicio dos critérios pessoais do professor, i. 6., da for- ma como a sua histéria pessoal e profissional e a sua experiéncia de vida (reflectidas nas suas intencdes e propésitos mais profundos face ao ensino) orientam a sua compreensao da complexi- dade e incerteza emergente nas situacGes educativas (Carter, 190). Porque é configurado pelas proposicdes e valores do professor, este tipo de conhecimento é de mais dificil objectivacao (Clandinin, 1986) e, consequentemente mais problematica a sua distingao face as crengas. Nesta acepcao, 0 conhecimento do professor aproxima-se conceptualmente das caracteristicas das crencas e chega mesmo a confundir-se com elas (Ennis, 1994: Housner & French, 1994). Neste sentido, pensamos que a distingao entre as crencas e 0 conhecimento do professor deve ser en- tendida como uma diferenca entre dois niveis interrelacionados de cognicao do professor, e nao como dois tipos de cognicao independentes. As crencas, a medida que se vao construindo, vao formatando 0s processos subsequen- tes de apreenso da realidade (Pajares, 1987), 0 que gera um efeito de "contaminacao” n: apropriacao das novas experiéncias e sobre a atitude do professor face a essa realidade (Ennis, 1994a). Esta funcao adaptativa das crencas pode repercutir-se de modo favoravel ou perverso na construgao do conhecimento. COMUNICACIONES Nespor (1987) explicou que um dos efeitos da dimensao afectiva das crencas é a filtragem da informacao de acordo com as emogées que as caracterizam. Existem evidéncias de que, nas decis6es quotidianas da actividade de ensino, as crengas assumem uma funcdo instrumental na definicao das tarefas e na selecco dos instrumentos cognitivos a utilizar, desempenhando assim um papel decisivo na determinacao do comportamento e na organizacao do conhecimento informacao (Calderhead, 1996). A relacao intima entre as crengas e 0 conhecimento do professor remete-nos para a necessidade de compreender os efeitos que a mesma pode ter para o processo de formacao dos professores. De acordo com Pajares (1992) a formagao das crencas dos professores é eminentemen- te precoce e individual, justificando-se assim o seu forte sentido afectivo e a sua resisténcia & mudanga durante a idade adulta, mesmo quando a razio e a experiéncia geram indicacoes contraditérias com as assuncdes que as compdem. A formacao das crencas em relacao ensino re- aliza-se através de varios experiéncias de socializagao (Pajares, 1992; Ennis, 1994a). Entre estas experiéncias, as mais precoces decorrem fora do alcance dos processos de formacao inicial, na designada socializagao antecipatéria. Ocorridas no seio da familia, durante a actividade des- portiva como praticantes (Onofre, 2000), e sobretudo no periodo que os professores passaram ‘como alunos na escola ("apprenticeship observation”), estas tém-se revelado muito influentes no pensamento ulterior dos candidatos e alunos para a formacao de professores. Uma das suas caracteristicas mais marcantes é a certificacao subjectiva ("subjective warrants”) (Templin & Schempp, 1989), ou seja, as percepcdes destes sujeitos acerca dos requisitos para a formacao de professores e para o desempenho da actividade docente na escola. Estas crencas tendem a oferecer uma resisténcia s6 possivel de contornar se os processos de formacao forem organizados de modo a toma-las como objecto explicito da formacao. A estabilidade das crencas pode também ser associada a forma como sao construidas, por mediacdo pessoal (crencas nao derivadas) ou transmitidas por outrem (crencas derivadas) (Pajares, 1992). No primeiro caso, revelam uma rigidez e um efeito de conviccao maior, porque sao apreendidas a partir do contacto directo com a realidade e nao por via do relato de outros individuos. Relagao de interdependéncia entre o conhecimento do professor e a especificidade dos con- textos de intervencao profissional Como referimos, o saber que o professor usa é aquele em que tem confianca, se sente familiarizado, ou seja, que sabe poder ajuda-lo a resolver os problemas concretos da sua acti- vidade profissional. Esta particularidade do conhecimento decorre em grande parte da necessidade de res- ponder as caracteristicas complexas e singulares das situacdes em que os professores tém que actuar. No caso da conducao do ensino-aprendizagem, a investigacao esclarece que a qualidade da actuacao do professor passa pela adopgao de principios e procedimentos de intervencao pedagésica eficazes. Contudo, esta eficadcia nao se cinge a uma aplicacao mecanica e instru- mental dessas medidas, devendo traduzir-se por uma competéncia na accao pratica, ou seja a capacidade de estar familiarizado e compreender diferentes contextos de intervencao no ensi- no-aprendizagem e construir as solucdes mais adaptadas as exigéncias da singularidade de cada um (Doyle, 1981). 995 ACTAS IX SIMPOSIUM DE POIO Coalescéncia do conhecimento do professor Como notamos, falar em conhecimento pratico é também reportar a integracio sincrética entre diferentes dimensées que 0 compdem. Porque a abordagem da complexidade da realidade nao se coaduna com 0 uso de parcelas de conhecimento puro, a eficacia no uso do conhecimento depende em larga medida do modo como as suas diferentes unidades de informacao sao integra- das numa estrutura que thes confere interdependéncia. Por esta razao, 0 conhecimento pratico reflecte a integracao entre varias fontes de informacao (Elbaz, 1983), espelhando a informacao do professor de um modo total (Elbaz, 1983; Clandinin, 1986; Clandinin & Connely, 1987). Desta forma, 0 conhecimento pratico pressupde um modo holistico de construcao e utilizaco da infor: macao, que deve reflectir a indissociabilidade entre as diferentes dimensdes do conhecimento, © que justifica que a formacao inicial dos professores deve ponderar uma verdadeira integracao entre a formacao pedagégica, a formacao cientifica, a formacao cultural, e a formacao pratica. Relacao entre os modos reflexivo e tacito de utilizagao do conhecimento. Atras reconhecemos que 0 conhecimento pratico dos professores se expressava a partir de um modo reflexivo e de um modo tacito. A qualidade com que se processam cada um destes modos de conhecimento depende, em primeira analise, da forma como sao construidos e inte- grados na estrutura geral do conhecimento de cada professor. Os estudos tém demonstrado como diferentes modos de organizacio do conhecimento reflectem distintas riquezas e coeréncias da informacao e, particularmente, como as estruturas cognitivas ou redes de organizacao da informacao sobre o ensino (Ennis, 1994) constituem um elemento decisivo na explicagio da capacidade do professor fazer uso das informacdes que vai estruturando sobre o ensino (Rink, French, Lee, Solmon, 1994). Os professores que organizam © conhecimento coerentemente sdo assim mais eficazes nas suas tomadas de decisio, porque entendem as relacdes entre os diferentes conceitos, o que os torna facitmente acessiveis, rela- cionando de modo mais claro as varias categorias de contetdo do conhecimento com os efeitos desejados (Roehler et al. 1988). No ambito da educacao fisica, Ennis, Mueller & Zhu (1991) referiram-se a trés niveis de organizacao das estruturas de conhecimento dos professores, consoante a sua experiéncia: apo- sicdo (“accretion”), sintonizacao e reestruturacao. A primeira (tipica dos principiantes) traduz- se pela acumulacao de unidades de informacao sobre factos que é acrescentada ao conhecimen- to jd existente. Neste processo nao corre nenhum tipo de mudanca estrutural. A sintonizacéo ja implica alteracdes nas categoria para interpretar a nova informacao para que se tornam mais funcionais. Supde o rearranjo dos conceitos, juntando ou eliminando alguns para a sua melhor utilizacdo na tarefa. A restruturacdo corresponde a forma tipica de formacao das estruturas de conhecimento dos professores peritos. £ uma alteracao diferida que envolve a analise critica do conhecimento existente e implica a criagao de novas estruturas para interpretar nova infor macéo. Num estudo multicaso, verificamos que os professores que eram capaz de uma maior qualidade da gestao da ecologia da aula apresentavam estruturas de conhecimento pratico mais ricas e coerentes, 0 que thes permitia desenvolver um pensamento mais reflexivo e flexivel (Onofre, 2000). 0S MODOS DE FORMACAO HABITUALMENTE SEGUIDAS NA FORMAGAO INICIAL E CONTINUA Relativamente ao assunto em epigrafe devemos assinalar a escassez de estudos que sus- tentem uma caracterizacao segura do que se passa na formacao dos professores. Nao obstante, alguns dados podem ajudar-nos a assinalr algumas tendéncias. 996 __COMUNICACIONES Num recente estudo multicaso (Onofre & Carvalho, 2004) tivemos oportunidade de ana- lisar as fontes do conhecimento pratico dos professores do sisterna educativo portugués. Nesse trabalho, os professores reportaram varios tipos de experiéncia como decisivos na construcao do seu conhecimento, repartidos por todos os momentos da sua vida profissional. As categorias de experiéncia encontradas foram cinco: a educagao recebida no seio familiar, a aprendizagem por observacio como aluno, a formacao inicial, a pratica de ensino como professores e outras expe- riéncias pessoais. As experiéncias de socializacao antecipatoria, como a experiéncia como filho, aluno ou como atleta foram substancialmente mais referidas do que as restantes. Relativamente a formacao inicial foram identificadas duas orientades. Uma reveladora dos aspectos positivos desta experiéncia, nomeadamente a sua contribuigao para o desenvolvimento do conhecimento pedagogico do contetido, 0 conhecimento do contetido e o conhecimento do contexto, outra referenciando a pobreza da pratica pedagégica e do estagio profissionalizante ocorrida e da sua fraca repercussao na competéncia pratica dos professores. Relativamente ao momento posterior a formacao inicial, a experiéncia mais valorizada foi a pratica de ensino, nomeadamente 0 que habitualmente ¢ referido como sabedoria da pratica ("wisdom of practice”), destacando-se a aprendizagem por via do contacto informal com colegas e alunos. Estes resultados mostraram que, apesar das referéncias formacao inicial, os professores reportam as experiéncias informais como fontes primordiais do seu conhecimento. As experién- cias de formagao inicial sao reportadas na sua fragitidade para a preparacao para a realidade do ensino e a referéncia a experiéncias de formagao continua formais sao ausentes 0 facto da formacao inicial ser classificada como pouco producente, nomeadamente no que se refere preparacao pratica dos professores, tem sido uma fragilidade desde hd muito identificada na formacao inicial dos professores (Marcelo, 1999). Embora nao existam muitos dados neste dominio em Portugal, sabemos que na formacao de professores, ao nivel univer sitario, a formacao em pratica de ensino se tem cingido aos momentos terminais da formacao (Formosinho & Niza, 2001). No caso dos professores de Educacao Fisica, podemos ainda certificar que a formacao conferida nestes periodos se caracteriza por uma pratica essencialmente directiva, de carac- ter tecnocratico e focada nas dificuldades de aprendizagem. Pudemos verificd-o num estudo recente em que analisamos as ideias e praticas de supervisores do estagio pedagogico (Duarte & Onofre, 2006), onde, a pratica observada destes intervenientes se revelou maioritariamen- te dissonante com as orientagdes conceptuais testemunhadas. Noutro estudo, pudemos ainda acrescentar a evidéncia de que os supervisores utilizam com mais frequéncia experiéncias de formacao nao reflexivas e que tendo a abandonar o uso de procedimentos mais consistentes de formacao do inicio para o final da formacao (Ribeiro & Onofre, 2006). ‘Ainda sem muitos dados de investiga¢ao sobre o assunto, podemos atestar que algumas indicacées sobre a formacao continua sdo igualmente preocupantes, considerando 0 esforco le- gislativo que, nos iltimos anos, se tem realizado, em Portugal, para organizar 0 desenvolvimento profissional dos professores. A partir da analise da oferta de formacao dos Centros de Formacao de Associacao de Escolas da Peninsula de Setubal, entre os anos de 1993 e 2002, e da sua relacao com a procura realizada pelos professores de Educacao Fisica dos 2°, 3° ciclos e ensino secun- dario, bem como do grau de satisfacéo percepcionado por estes em relacao a oferta, pudemos verificar varias caréncias (Branco & Onofre, 2005). As conclusées deste estudo indicam que: a) a oferta de formacao especifica foi muito reduzida e pouco relacionada com 0 ensino das acti- vidades fisicas; b) cerca de 60% da formacao foi oferecida sob a forma de preleccées, fora do ambiente escolar e sem seguimento/acompanhamento consequente da mesma, c) professores preferiam realizar formacao na escola, mais pratica e com apoio profissional do formador; d) que 997 IX SIMPOSIUM DE POI satisfacao face a oferta foi maior nos professores que frequentaram acces de formacao especi- ficas. Entre outros, estes resultados contrariam claramente as orientagdes da investigacao para © desenvolvimento profissional, as quais preconizam um formacao centrada na escola, utilizando como estratégia base de formacao o apoio profissional mutuo (Marcelo, 1999; 0” Sullivan, 2006) O referido relatério da OCDE (2005) analisou as politicas de formacao dos professores em 25 paises, concluindo que os relatérios de quase todos os paises reportavam preocupacées acerca das fragilidades dos professores no ambito do seu conhecimento e habitidade para encararem as necessidades da escola e acerca das limitadas relagdes entre a forma¢ao dos professores, o seu desenvolvimento profissional e as necessidades das escolas. 0 relatorio adianta ainda que muitos paises denunciam a auséncia de programas de inducao para os professores principiantes.. Mesmo em paises com tradicao na formacao de professores como 0 Reino Unido, os pro- gramas de Desenvolvimento Profissional Continuo no ambito da Educacao Fisica sao frequen- temente muito exiguos, restringindo-se a 2 a 3 dias de formacao, com o objectivo de que os professores tomem conhecimento das inovacdes curriculares e sem referencia directa a neces: sidades concretas dos sujeitos de formacéo, desenvolvendo-se em contexto estranho & escola, sem qualquer tipo de acompanhamento posterior. (O'Sullivan, 2006). PRATICAS DE FORMAGAO PARA APOIAR UMA ALTERAGAO POSITIVA DO CONHECIMENTO PROFISSIO- NAL DOS PROFESSORES DE EDUCACAO FISICA De acordo com 0 que foi referido em relacdo 4 importancia das crengas e sua relacio com 0 conhecimento do professor pode sustentar-se que grande parte do sucesso da formacao de professores dependera da possibilidade de colocar em pratica meios de formacao que tenham em consideracao as particularidades da relacdo entre as crengas e 0 conhecimento. Desde logo, a formacao deve encontrar processos que permitam procurar individualizar as experiéncias de aprendizagem que se propéem aos professores, permitindo fomentar a emer- géncia dos seus estilos pessoais de olhar e aprender a realidade, os seus desejos, preocupacées € problemas pedagégicos, o que implica conceder-lhes 0 protagonismo em muitas fases do pro- cesso de formacao. Embora, no caso da formacao inicial, se deva considerar todas as areas disciplinares, um ponto critico desta intervencao diz respeito a configuracao do conhecimento e das estratégias de formagao utilizadas nas disciplinas tradicionalmente identificadas com areas do conhecimento mais fechadas e proposicionais (e.g., anatomia, biomecénica, histdria, desenvolvimento motor). Nestas areas de formacdo, a solucdo encontra-se no abandono do formato de sessdes prelecti- vas e massivas - onde 0 estatuto do formando é passivo e anénimo e 0 modo de relacdo com a informacao baseado em operacdes de memorizacao/evocacio, fomentando o uso de praticas de formacao que apelem & combinacao de técnicas introspectivas e ao uso de dindmicas de grupo na abordagem pratica e tedrica do conhecimento das disciplinas. As primeiras podem basear-se nna utilizacdo de procedimentos de autoscopia e de narrativas auto-biograficas; as Ultimas, no uso de painéis de discussdo ou tarefas que suscitem a aprendizagem cooperativa. Um segundo aspecto, relaciona-se com a necessidade de construir 0 conhecimento a par- tir do uso de experiéncia directas (nao derivadas), testemunhadas pelos préprios, contrariando a tentacao para realizar uma formacao "relatada”, em que os formandos sao tomados como meros receptores de uma informacao produzida por experiéncias que nao testemunham. Considerando agora a intimidade entre o conhecimento manifesto dos professores € o(s) contexto(s) de intervencao, a construcao do conhecimento do professor encontra-se deve assen- tar na possibilidade de o ir testando em contexto real, no caso da formacao inicial. Neste senti- 998 COMUNICACIONES do, um aspecto estratégico da formacao reside na integracao entre o conhecimento académico © conhecimento profissional, realizada a dois niveis: na conceptualizacao do conhecimento que se deseja desenvolver; e na aproximacao das experiéncias de formacao ao contexto da realidade profissional (a escola). No primeiro caso esta em causa o que designaria por contextualizago do conhecimento tedrico e cientifico. E necessario que este conhecimento, maioritariamente de- senvolvido a partir da investigacao realizada em contexto laboratorial ou simulado, seja concep tualizado coma finalidade de satisfazer as necessidades de formacao criadas pela realidade pro- fissional. € necessério ainda que a justificacao da utilidade e aplicacao deste conhecimento seja, partida, uma tarefa preparada e testada por quem é responsavel pela formacao, e nao, como é habitual, relegada para estrita responsabilidade do futuro professor. Embora esta preocupacao deva ser particularmente incidente nas areas disciplinares como as que acima referimos, ela deve também reverter para as disciplinas relacionadas com a formacao pedagogica, ja que tam- bem ai se observa o risco do conhecimento se tornar excessivamente abstracto e proposicional. segundo nivel estratégico prende-se com a necessidade de salvaguardar que as op¢des curri- culares de cada disciplina, sem excepcao, fomentem o contacto com a reatidade profissional. No caso das disciplinas tradicionalmente mais tedricas, a técnica de analise directa ou diferida de casos criticos (registados de modo audiovisual ou escrito) joga novamente um papel importante. Este procedimento pode ser utilizado para aplicar ou para inferir os saberes proprios desses do- minios de formaco. Uma solucao complementar corresponde a condicionar algumas tarefas de formacao/avaliacao ao desenvolvimento de pesquisas no terreno profissional. A formaco no seio do contexto profissional é tanto mais importante quanto, em muitos exemplos, a formacao inicial dos professores em Portugal se tem desenvolvido num contexto simulado, ignorando a dimensao concreta em que os professores virdo a exercer a sua actividade profissional. © modo como sao concebidas as experiéncias da pratica pedagégica ou practicum” (Zei- chner, 1992) e a sua inclusdo nos cursos de formacao inicial sao, igualmente, formas que podem ajudar a potencializar a adaptaco do conhecimento dos futuros a realidade profissional. Neste caso, parecem existir pelo menos trés medidas fundamentais que devem considerar-se: 0 con tacto precoce dos alunos com a pratica pedagogica; a incluso de um estagio integrado na forma 40; a configuracao das experiéncias de pratica pedagogica de modo abrangente e realista, Em relacao ao primeiro aspecto, é importante que, desde a sua entrada nos cursos de for: maco, os alunos possam tomar contacto com experiéncias praticas que thes permitam irem-se familiarizando com a realidade profissional para a qual estao a ser formados. Frequentemente, este tipo de vivéncias sao remetidas para os anos finais da formacao, no caso do ensino universi- tario é mesmo comum este tipo experiéncias ser inexistente até ao iiltimo ano, com a entrada no estagio. Esta medida é muito importante para poder clarificar, desde cedo, os Ambitos de inter- vencao e as fungdes que thes estdo associadas. A visibilidade vivida destas funcées vai possibilitar ao futuro professor uma compreensao mais facil das suas necessidades de formacao, permitindo uma maior valorizacao dos desafios que the so colocados na formacao, condicao essencial para um maior compromisso e uma participa¢ao mais exigente e activa na mesma. Estas experiéncias devem ser intimamente ligadas as actividades de estagio. 0 estégio é 0 momento mais decisivo de integracéio no contexto profissional, No caso portugués ele constitui mesmo uma condicao imprescindivel para a obtencao da habilitacao pro fissional que permite o acesso a carreira de professor. Para servir este designio é necessario que os modelos de organizacionais do estagio se revistam de algumas caracteristicas. Desde logo, 0 estgio deve corresponder a uma experiéncia de responsabilidade integral pelas tarefas profissio- nais, ainda que seja desejavel que algumas das experiéncias de formacao possam ser simplificadas 999 ACTAS IX SIMPOSIUM DE POIO nna sua complexidade. Por outro lado, o estgio deve ser organizado de modo que a dedicacao ao mesmo pelo professor estudante possa ser integral, i.é., sem outras solicitacdes de formacao. Em relacao terceiro aspecto, formato da pratica pedagégica e do estagio, é essencial ultrapassar a tendéncia fundamental para focar a formacao apenas na area da gestdo do ensino aprendizagem (Zeichner, 1992), incluindo também experiéncias em, pelo menos, mais trés areas de formacao: a intervencio na escola no ambito da actividade de complemento curricular; a investigacao e inovacao pedagégica; ea relacao entre a escola e a comunidade. Por outro lado, este tipo de experiéncia deve envolver a participagao directa dos protagonistas do contexto profissional, falamos aqui sobretudo de profissionais de capacidade reconhecida (peritos). 0 en- volvimento da sua sabedoria no processo de formacao de professores constitui um meio precioso para colmatar as lacunas que sempre se reconhecerao s mais validas sistematizacées tedricas. © contacto com a realidade profissional devera mesmo ser mediatizado por profissionais que, integrados na filosofia e estratégia da formacao inicial, assegurem a realizagao e/ou problema- tizagao de todo o tipo de experiéncias formativas, particularmente aquelas que se realizam nos periodos de formacao teérica. Para este efeito seria itil formar uma rede de escolas, assimiladas ao proprio projecto de formacao da instituicao através de protocolos de colaboracao. Desta relacao poderiam mesmo vir a nascer os centros de desenvolvimento profissional, ou centros clinicos (Zeichner, 192) que permi- tissem prolongar a colaboracao para o ambito da formacao continua e da investigacao cientifica. No ambito da formacao continua a op¢ao passa por oferecer experiéncias de formacao definidas em funcdo de um diagnéstico claro das necessidades expressas pelos professores, Es tas necessidades devem estabelecer-se com a colaboracao directa dos professores, a partir do ddign sotico de problemas que realizam no seu contexto de intervencao, embora por referéncia a um conjunto claro de standards que devem ser predefinidos como pré-requisitos para a qua lidade do ensino. Este propdsito tem sido adoptado com algum éxito pelo “National Board for Professional Teaching Standarts” (NBPTS) nos EUA, o que tem levado paises como a Australia e Reino Unido a movimentarem-se no mesmo sentido (O’Sullivan, 2006). Da consideragao da caracteristica da coalescéncia do conhecimento do professor decorre uma primeira orientacao que diz respeito a integracao entre a formacao tedrica e pratica. O ob- jectivo desta integracdo pode bem ser traduzido pela imagem proposta por Clandinin (1986) que se referiu 4 perspectiva dialéctica do conhecimento pratico € tedrico, considerando a pratica como a teoria em acco, ¢ a teoria como funcao das exigéncias da pratica. Nesta perspectiva, o conhecimento pratico constitui uma verdadeira charneira entre os desafios e ensinamentos com que a pratica de ensino confronta 0 professor e 0 conhecimento mais formal gerado por outras fontes de informacao, um interface entre este conhecimento e a dimensao contextual e pessoal da actividade de ensino, Embora, nos dias de hoje, seja dificil encontrar quem ouse recusar a integracdo entre a formacao tedrica e pratica, na formacao de professores, é habitual observar-se um modo insu- ficiente de articulacao destas duas componentes tendente a focd-las de modo separado, como se de dois partos de uma balanca se tratassem (Wein, 1995). De modo mais ou menos explicito a teoria é frequentemente considerada como requisito prévio a forma¢ao pratica, entendendo-se ‘que esta Ultima deverd configurar uma aplicacao da primeira. Ao contrario, esta relacao devera entender-se num sentido biunivoco, devendo ser promovida no respeito por uma ligacéio equi- librada entre a dimensao representativa e reflexiva da accao e a propria accao (pratica). Com efeito, se a informacao tedrica proporcionada deve poder ser testada e ensaiada na pratica atra- vés do contacto com a realidade da actividade profissional, a teoria sé tem sentido na medida em ue possa constituir-se como o resultado da conceptualizacao das particularidades da pratica, a 1000 COMUNICACIONES partir do diagnéstico, aniilise e resolucao de problemas ai ocorrentes, permitindo que a pratica seja motor de desenvolvimento e inovacao teérico. Uma segunda orientagéo prende-se com a assimilacao entre a formacao pedagégica e a formacao cientifica. Desde logo, a integracao entre a formacao pedagégica e cientifica deve reflectir-se ao nivel da carga de formacao proporcionada e do rigor de tratamento da infor- maco que diz respeito a cada uma das vertentes de formacao, devendo por isso reforcar-se a componente de formacao pedagégica em cursos de professores essencialmente académicos (e.g., universidades) e, simultaneamente fortalecer a componente de formacao cientifica em Cursos essencialmente pedagégicos (e.g., institutos politécnicos). Neste tiltimo caso, é essencial compreender que se a énfase dada a formacao pedagdgica foi apanagio de uma luta pela con- quista de um espaco de formagao especializado para a funcao docente, justificando-se entao a sua sobrevalorizacao, & hoje necessario referencii-la directamente aos contetidos disciplinares que justificam a funcao profissional do professor. Por outro lado, @ necessario promover uma analise e apropriacao do, habitualmente designado, conhecimento cientifico adaptando-o aos propésitos da formacao em causa. Assim, a capacidade cientifica do professor tem que ser promovida, duplamente, na dimensao de um rigoroso dominio dos seus pressupostos mais basicos - originarios de uma investigacao funda. mental, muitas vezes realizada em contextos simplificados ou simulados -, e na dimenséo do dominio das formas possiveis de estruturacdo da sua apropriacao - as designadas progressdes pedagégicas - hoje identificado como 0 conhecimento pedagogico do contetido (Shulman, 1987; Grossman, 1990). As caracteristicas da formagio no dominio da didactica das actividades fisicas jogam aqui um papel fundamental. Nao é raro que a formacao a este nivel se circunscreva ao dominio do saber e do saber-fazer préprias de cada actividade, havendo por isso necessidade de reforcar um espaco de formacao que trate especificamente do saber ensinar as actividades, que tome por objecto os diferentes modelos pedagégicos e metodolégicos propostos para auxiliar a sua aprendizagem. Finalmente, uma terceira orientacao esta relacionada com a necessidade de promover a integracao entre a formacao especifica para no Ambito da actividade profissional docente e a formacao de Ambito mais geral, social e cultural do professor. Nesta perspectiva, qualquer acto de formacao privilegiar também momentos de andlise e explora¢ao de contetidos para além dos que dizem exclusivamente respeito as tarefas especificas que caracterizam 0 seu desempenho profissional - de ordem cientifica e pedagogica, ampliando-se no estimulo a reflexao critica sobre 0 seu significado social e profissional. Como tém assinalado 0s modelos criticos de formacao de professores (Feinam-Nemser, 1990), € essencial que o futuro professor seja preparado para con- seguir reflectir sobre os reflexos sociais e culturais de cada um dos seus actos profissionais. Em relacao a formacao continua, a coalescéncia do conhecimento exige que a experiéncias de aprendizagem se referenciem directamente quotidiano concreto dos professores. Estas experi- éncias devem ser realizadas na escola com base na explora¢ao do apoio profissional mituo (Mar- celo, 1999) ou, como vem sendo comum designat, de Comunidades de Aprendentes (O’Sullivan, 2006). A vantagem de utilizar a cooperacao entre pares como estratégia de formacao continua de professores tem sido fortemente realcada pela investigacao produzida a este nivel (Orland-Barak &Tillema, 2006). Com efeito, a designada co-construgao do conhecimento dos professores a partir do didlogo ou conversacao profissional é considerado um contexto social muito importante para a construco dos significados com que os professores operam, bem como uma oportunidade decisiva para a aprendizagem em contextos concretos ("situated context”), AS conversacées profissionais oferecem uma nova maneira de ver, estar e actuar no mundo profissional dos professores, emanci- pando-os de uma mera aplicacao do conhecimento externamente produzido. 1001 ACTAS IX SIMPOSIUM DE POIO Considerando agora a necessidade de respeitar a co-presenca de um modo reflexivo e tacito de utilizagdo do conhecimento, as indicacées exigem que a formacao pondere cautelo- samente 0 modo de construcao do pensamento reflexivo e tacito (automatizado) de abordagem da pratica. Sabemos que o desenvolvimento de guides de pratica é uma consequéncia inevitavel da propria pratica de ensino, uma vez que a sua formacao ocorre pela necessidade de ir cons- truindo modos de intervencao que permitam responder com sucesso as situacdes de ensino, Para garantir a qualidade destes guides é necessirio que a sua construgao se traduza por umn process consciente, de modo a garantir que os efeitos particulares de cada um possam ser claros para 0s candidatos a professores e que a sua inclusdo na estrutura do conhecimento se realize de modo coerente com os outros elementos do conhecimento. A auséncia de qualquer preocupacdo reflexiva na formacao tende a criar condicdes para que os guides de acco sejam desenvalvidos de modo atienado, recorrendo sobretudo a uma aprendizagem por imitacao (observacao), e que a sua integracao no conhecimento seja episédica, sem ligacdo a outras unidades de informagao. Alguns excessos dos modelos de racionalidade técnica na formacao também conduziram a uma formacao prescritiva do conhecimento, sustentada em justificacées abstractas e pouco contex- tualizadas dos modos de intervencao profissional. Esta é uma tentacao facil da formacdo que urge evitar porque contraria a qualidade da formacao dos guides para a acco. Para garantir uma intima articulacao entre o desenvolvimento do pensamento reflexivo e do pensamento tacito, é desejavel seguir, simultaneamente, dois modos de relacao possiveis: situando a reflexdo a montante e a jusante no processo de elaboracao dos guides de pratica. No primeiro caso, 0 diagnostico de problemas de pratica profissional e inventario de solucdes € pré- vio ao desenvolvimento das rotinas de ensino. A reflexdo tem aqui um sentido inicial projectivo, preparando 0 aluno para momentos ulteriores de acco. No segundo caso sao as préprias rotinas de ensino que constituem o objecto da reflexao, e aqui o sentido é, primeiramente retroactivo. Em ambos os casos, @ absolutamente necessario que salvaguardar uma estreita relacao entre os momentos de reflexao e os momentos de pratica, procurando evitar os excessos de alguns mode- los reflexivos, que se iniciam e terminam em si mesmos, sem qualquer andlise de consequéncias para a pratica e que acabam por traduzir-se por uma inalteracéo da mesma (Zeicnher, 1992) Os riscos de uma pratica alienada ou dos excessos da abordagem reflexiva ¢ particular: mente incidente durante as experiéncias de pratica pedagégica, nomeadamente quando nao esta presente um proceso adequado de Supervisdo Pedagégica. Uma supervisio adequada deve- ra caracterizar-se por ser sistematica e prolongada no tempo, baseada na alternancia entre mo- mentos de pratica, momentos de fundamentacdo e momentos de reflexao individual e colectiva, ser orientada num clima de apoio confianga e expectativa positiva miituas, e ser desenvolvida por supervisores que dominam as técnicas de supervisao (Glikman & Bey, 1990). Para este efeito devem utilizar-se de modo pedagégica e tecnicamente rigoroso, 0 conjunto de técnicas de for: maco que tém sido largamente sistematizadas para fomentar o desenvolvimento de competén cias de registo, reflexao, demonstracio e treino da pratica (Onofre, 1996). Quanto a formacao continua, uma vez mais a utilizacdo das Comunidades de Aprendentes como base de formagao se pode revelar como a forma mais adequada para o desenvolvimento do espirito reflexivo e critico dos professores em relacao as suas praticas. A pesquisa sobre a utilizacao desta estratégia demonstrou que os professores desenvolvem uma compreensao mais profunda da sua pratica profissional, permitindo uma maior consciencializacao sobre a as suas crengas e rotinas (Orland-Barak & Tillema, 2006). Além disso, os professores alteram as suas perspectivas acerca do conhecimento e do conhecer, especialmente aquele que ¢ relacionado com a compreensao da sua agenda individual, promovendo o desenvolvimento de uma verdadei- ra epistemologia da pratica. 1002 BIBLIOGRAFIA BENAVENTE, A.M, (1990). Escola, Professores e processos de mudanca. Livros Horizonte. BRANCO, A. & ONOFRE, M. (2005). Professional Training Demand and Supply and PE Teacher's Satisfaction About It, Paper presented at the 2005 AIESEP World Congress - “Active Life- styles”, 17-20 November, Lisbon. CALDERHEAD, J, (1996). Teachers: beliefs and knowledge. In D. Berliner & R. Calfee (Eds.), Handbook of Educational Psychology. New York: MacMillan: 709-726. CARTER, K. (1990). 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