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ENTREVISTA ENTREVISTA COM GEORGE MARCUS Por Heloisa Buarque de Almeida, Lidia Marcelino Reboucas ¢ Vagner Gongalves da Silva. Tradugio de Heloisa Buarque de Almeida. Em 1993, 0 antropélogo americano George E. Marcus ficou 2 meses no Brasil, ministrando um curso na Unicamp e foi en- trevistado para CADERNOS DE CAMPO. Marcus & professor do Departamento de An- tropologia da Rice University, co-autor de Anthropology as Cultural Critique (com Mi- chael Fischer) ¢ co-editor de Writing Culture (com James Clifford). Considerado um dos participantes do movimento pés-modemo na antropologia americana, ele prefere dizer que faz parte de um grupo que levantou uma critica - profunda ¢ modificadora - 4 antropologia Apesar de valorizar alguns aspectos desse movimento, Marcus se considera mais um etndgrafo da histéria atual da antropologia que um dos expoentes do grupo. CADERNOS DE CAMPO: No preficio de Anthropology as Cultural Critique voce fala na crise da antropologia e das ciéneias huma- nas nos Estados Unidos. No caso, vocé esti falando da falta de incentivo do governo, di- minuigdo do nmero de alunos matriculados na area ¢ dos programas de graduag#o. Como est a situagdo agora? Houve alguma mudanga? GEORGE MARCUS: Esta é a situagfo insti- tucional. "Crise" é uma palavra estranha - dentro da nossa critica antropolégica toda as palavras-chave tomnam-se objeto de reflexao, e entio fica dificil dar respostas diretas, simples. A idéia central que nés tinhamos quanto a uma crise era a de crise intelectual. Mas nao haveria uma crise intelectual se ela no viesse acompanhada de certos elementos institucio- ais, Na historia, sempre acontecem esses momentos de crise institucional, mas é preciso isd-los com parte de uma tendéncia mais Nao acho que o fator institucional seja um problema da mesma magnitude do pro- blema intelectual, mas ele certamente tem sua influéncia, © motivo de ter ressaltado isso é porque. normalmente, nas discussdes que os antropélogos tém sobre suas idéias, eles nao dijo a devida atengio aos fatores institucionais + que so extremamente importantes. Eu diria que os fatores institucionais que se relacionam com a diminuigéio do compromisso por parte dos financiamentos governamentais ¢ até com a diminuigdo da populagdo de estudantes - 0 final do chamado “baby boom" nos Estados Unidos - tém uma influéncia determinante na situago atual da relagdo entre as geragdes na universidade. Estou muito interessado_nisso, porque onde ha o contato entre as geragdes & onde as idéias sfio debatidas - essa é a ques- tGo central. A yeragtio mais velha, dos profes- sores senior na antropologia, chegou a sua maturidade profissional numa época em que havia uma grande expansio no sistema edu- cacional americano. Em parte, acho que isso aconteceu em fungdo da guerra fria. Mas no do periodo pés-guerra, nos anos 50 € 60, eles eram os membros mais respeitados da profis- sio ¢ agora estio aposentados. A visio era de uma antropologia em expansio, ou talvez a questao da expansdo nao fosse um problema. Mas a partir do final dos anos 60. ou no comego dos anos 70, apareceram ondas de redugio na academia americana em geral. Cada onda é um pouco diferente das outras. Em meados dos anos 70 e comego dos anos 80, foi uma onda demografica, na qual percebeu-se que haveria uma diminuigao da populagao de estudantes no futuro, em que houve um corte nos programas de graduagio e ao mesmo tempo um tipo de mudanga nos meios docen- tes. A crise institucional mais recente na situa- do americana foi financeira, mais do que de- mogrifica; tem havido cortes severas nos orgamentos das universidades. Este & um fato que afeta todas as disciplinas que sdo mantidas pelos fundos da universidade - estadual ou particular - nos Estados Unidos, ¢ nao por subyengio. As Ciéncias sio menos afetadas por que elas se readapatam e encontram outras fontes de financiamento para a pesquisa: ¢ 0 financiamento mantém os professores € os, alunos. Nés nao temos nada parecido com isso. ntio, as ciéncias humanas estdo encolhendo ¢ isto provoca um impacto muito forte, Um outro fator externo & que todo esse periodo da critiea da antropologia tem suas raizes num momento anterior, © acho que ji estava sendo gerado debaixo da superticie. Ele apareceu a partir da cr suagem de meados dos anos 80, mas o ambiente geral do pais era bastante conservador. Foi um periodo muito conservador - ¢ ainda &, apesar da elei gdo de Clinton -, tivemos Reagan, Bush, que trouxeram mudangas profundas na vida ameri cana e a academia perdeu seu papel politico. Foi um fato importante. 14 muito efeitos insti- tucionais e de Ambito mais geral que precisam ser compreendidos. ica da CADERNOS DE CAMPO: Entéo. apesar dessas crises no nivel social ¢ institucional, a grande crise é a crise dos paradigmas, Como voeé aponta nos seus trabalhos, temos a inven Entrevista: George Marcus G40 de um texto modemista, em oposigao 20 texto etnogrifico realista, Essa idéia talvez tenha aparecido por aqui um tanto exagerada, algo como um tipo de trabalho que desistisse de ser cientifico, uma proposta de se deixar a cigncia de lado, Sei que nao € isso que voce propde, mas vocé nao acha que algumas pes- soas nesse movimento pés-modemo da antro- pologia parecem deixar 0 projeto cientifico de lado? Quer dizer, cientifico no sentido de uma busca da interpretagdo, da explicagaio? GEORGE MARCUS: As contradigdes no trabalho, a falta de um paradigma positivista, tem sido parte integrante da prética antropo- logica desde © comego da antropologia mo- derna, com Malinowski, ou seja, a antropolo- gia do século XX - € até antes disso para al- gumas pessoas. Isso nio é novo. A questo é que ha certas tendéncias que estiio no coragao. da antropologia que sio radicalizadas pela nossa critica. Porque na antropologia, esse método, esse tipo de tradugio ¢ interpretagdo hermenéutica, sempre foi parte da ciéneia an- tropolégica - ¢ eu usei a palavra ciéncia. Nunca houve uma percepgdo completa deste aspecto da antropologia, O que a nossa critica fez foi radicalizar algumas dessas questdes que ia estavam presentes na antropologia - ¢ a nossa critica também tem sua historia. Toda essa questo de se deviamos desistir da ciéneia © passarmos a ser apenas literatura nao existe, isso faz parte de uma certa incomprecnsio & critica, A questo verdadeira, para mim. 6 que, quando passamos a considerar os problemas que jd estavam na antropologia ¢ foram radi- calizados pela critica, precisamos saber quais, slo os limites. Ou seja, & preciso nos concen- ramos nessas questdes. em vez de deixé-las nas notas de rodapé. no fundo da sua cabega, nas margens do seu trabalho, ¢ dar-lhes mais atenedo, Minha idéia & que dessa forma pode- mos fazer transformagdes. esas questdes nao podem ser limitadas a meras precisdes, deta- Cadernos de Campa, 1° 3, 1993, Ihes metodolégicos. O que é perigoso na eriti- ca € que ela pode ser transformadora, nao hi limites claros, Nao basta s6 considerar os pontos levantados pela nossa critica ¢ conti- nuar com o trabalho da ciéncia, a critica nao sera contida assim, ela ndo sera interrompida. Hé varias tradiges do pensamento ocidental por tras da nogdo de ci refle eos antropélogos conheciam vagamente essas no- ges, alguns mais do que outros. Na situagdo gue eu conheco, nao conheco a situagaio da antropologia no Brasil, mas nos Estados Uni- dos, essas tradigdes permaneceram proposita- damente irrelevantes - diria até que foram ig- noradas. Mas é impossivel ignori-las hoje, esse é resultado das mudangas intelectuais dos anos 70, nos Estados Unidos. Como vocé sabe, na Inglaterra, a antro- pologia se baseia no conceito de sociedade, ¢ uma antropologia Social, a cultura ngo é im- portante. Mas a antropologia americana se baseia na nogio de cultura, uma nogdo um tanto confusa, Os antropélogos acabaram des cobrindo, acho que nos anos 70 e de forma crescente até hoje, que todo o debate e discus- slo sobre cultura foi apropriado por outros campos das humanidades. E. surpreendente- mente, com discussdes ¢ questdes muito mais, interessantes sobre cultura, Normalmente é um pensamento bastante tedrico e no muito con sistente, ndio tem uma tradigdio empirica, por- que vem a partir da base textual das humani: dades. No entanto, aparecem discussdes cada vez mais ricas sobre a cultura, algumas delas parecem muito ingénuas do ponto de vista da antropologia, cles reinventaram coisas que nds 4 conheciamos muito bem. Mas foi uma gran- de forga intelectual, algo que ndo estava mais acontecendo na antropologia, que havia acon- tecido ha muito tempo, com trabalhos antigos. Nao quero dizer que a antropologia estava morta, ela era bastante vital naquilo que ela sempre fez bem. Entretanto, os campos sempre atraem pessoas de outros campos. aquilo que as pessoas chamam de forma pejorativa de “moda”. Acho que a moda ¢ algo produtivo, é onde aparecem as idéias, mesmo que sejam idéias mal desenvolvidas, _irresponsaveis. Nesse ponto, faltava alguma moda na antropo- logia, faltava esse tipo de debate no comeco dos anos 70, ¢ foi essa a sua crise. Havia um pouco de funcionalismo, estruturalismo, estudos materias € ecoldgico: havia a etno-ciéncia e a antropologia cognitiva, ete, Ou seja, muitos ramos da antropologia ¢ os seus cultos. Mas depois do estruturalismo nao apareceu mais uma posigdo quanto ao que deveria ser um paradigma de trabalho, ow um, direcionamento, A antropologia estava fazendo grandes etnografias, mas era um espaco em que nada estava prevalecendo, ¢ foi quando a antropologia cultural no sentido de Boas se colocou, Nés a conheciamos pelos trabalhos de Geertz. Foi isso que completou esse espago nos anos 70, foi 0 momento da antropologia cultural interpretativa, Geertz. foi predominante - e ele estava na margem, ele tem uma personalidade muito diferente de pessoas como Marshall Sahlins ou Eric Wolf, ele nunca teve seguidores. Ele estava na margem, mas a stia marginalidade tornowse central, mesmo se considerarmos que o seu trabalho ji era respeitado antes. Na falta de um debate paradigmatico - se devia prevalecer_ 0 estruturalismo ou outra corrente, debate que caracterizou os anos 50) ¢ 60 - era um momento em que existiam muitas correntes. ¢ nenhuma delas era nova. entio, nos anos 70, foi a vez da antropologia interpretativa A antropologia interpretativa ndo era especificamente uma antropolgia critica. como a que era feita por Bob Scholte. Dell Hymes. Leo Marx. Geertz. era mais um liberal, néo era muito politizada. Nao havia politica em Geert- s6 uma politica liberal que estava em des- crédito, mas ele se manteve longe da politica O que havia cra uma percepgao da importancia da filosofia e da teoria social européia da Epoca; isso foi uma abertura, Os alunos de Geertz. foram encorajados a encontrar a cultura por si priprios onde fosse possivel, ¢ muita gente saiu de Chicago naquele periodo. Foi uma época emocionante, com Geertz, Schnei der e outros lendo coisas pela primeira vez Muitos alunos de Chicago se abriram para a hermenéutica alema contemporanea, 0 pensa- mento francés. ete A questio que. como Geertz, cles tinham que descobrir as coisas sozinhos, por- que essas idéias no estavam incorporadas no curriculo universitario de antropologia, nem na graduagdo, nem na pés-graduagdo, Nos anos 60 ¢ 70, 0 curriculo universitirio era muito previsivel, se vocé olhar os catalogos de dife- rentes escolas vera que eles ndo incorporavam essas mudangas. Muitas matérias nao estavam presentes, como cursos sabre parentesco, ¢ havia a inelusdo de cursos feministas e cursos com nomes bastante peculiares. Por exemplo. ‘antropologia politica” seria substituida por “politica no sistema mundial", ou algo pareci- do com isso. Foi uma geragio de tran pessoas como eu, na casa dos 30 ¢ dos 40, que estavam na graduagdo no final dos anos 60, nos anos 70 e até comego dos 80. Os alunos de pds-graduagdo que vieram depois disso. depois do periodo da critica, so muito diferentes de nés. E nds fomos muito diferentes dos nossos "pais". de Sahlins. Wolf, os grandes nomes da antropologia americana. Em meados dos anos 80 nds nos cor centramos em um aspecto, mas nao nos foca- mos num paradigma, ndo havia paradigma algum, nds nos voltamos para un tipo de er ca. E fomos ampliando essa critica. Em vez de substituirmos 0 estruturalimo por outra corren- te, ou termos a esperanga de um novo para- digma através do qual unificariamos os traba- thos, 0 que unificou foi uma critica poderosa. Hoje. hd uma ruptura profunda na ac: demia porque os alunos mais novos nio com- partilham as mesmas referéncias intelectuais com os mais velhos. O que a geragio mais nova faz & muito diferente de que foi feito antes. As pessoas da geragdo da transigdo as Entrevista: Geor re Marens aprenderam a antropologia tradicional, fizeran trabalho de campo em algum lugar e rapida- mente passaram a fazer outras coisas. A minha gerago, em geral, respeita a geragdo anterior. Nao ¢ preciso "matar 0 pai” no sentido do pro- vérbio, nao ha necessidade de destruir a gera- gio anterior, porque as suas idéias sto basica- ‘mente aceitas. $6 que apareceu um conjunto de idgias alternativas Quanto a nossa relagdo com a geragdo dos mais jovens, nés temos as mesmas refe- réneias intelectuais. Mas a nogdo de uma car- reira, do motivo que leva cada um a fazer o seu trabalho & muito diferente, Os mais jovens parecem ser mais radicais. temtam trazer senti- dos alternativos para os seus trabalhos. [ pos- sivel analisar sociologicamente as diferengas. Na antropologia americana ha lugares em que a siluagdo parece mais interessante do que em outros, Por exemplo, a Califérnia tem muitos departamentos famosos por causa da sua gran- de expansio econdmica, Hd também uma crise € cortes nos programas da California mas. a0 mesmo tempo, a natureza da sociedade local esté se modificando, Estas mudangas estio afetando a universidade. As grandes lutas de mudangas na California aconteceram nau versidade, como as mudangas de curriculo. ¢ 0 seu grupo académico foi atingido profunda- mente. Percebo melhor a atuagio dos jovens antropélogos em lugares como Santa Cruz. Jes ndo so mais radicais nas suas idéias do que em outros lugares, mas eles pareeem ter uma imagem mais ativa, Eles ndo sio ativistas, em movimentos sociais fora da universidade, mas sim nos seus trabalhos, As pessoas da geragao de transi¢do nao sao assim, isso é um. grande diferenga. Nds somos parecidos com os mais velhos em termos de carreira, mas dife- rimos nas bases intelectuais: somos parecidos em termos intelectuais com os mais novos, mais diferimos em termos de carreira, CADERNOS DE CAMPO: Quanto a posi¢do politica, parece-nos que o seu grupo, da critica, Cadernos de Campo, 0° 3, 1993, mantém uma posi¢ao politica muito clara com © seu objeto de estudo, com a forma como os contatos € 0 trabalho etnogrifico sto feitos. Como vocé vé a posigio do antropélogo na sociedade, em geral? Vocé acha importante fomarmos uma posigdo, por exemplo, quanto as questdes de racismo, ow do renascimento do nazismo. etc? GEORGE MARCUS: Lista questo ¢ sempre colocada de alguma forma contra 0 pos-mo- dernismo. O capital intelectual do pos-moder- nismo vem da Europa, mas o seu debate tipicamente americano, em termos do trabalho central. Ha muitas respostas para essa questio da politica, € uma é dizer que a velha forma de pensar a relacdo do intelectual com a pol nao é mais relevante. Nos anos 60. cujo resultado foi muito estranho. houve uma participagdio muito gran- de da academia na politica. com 0 caso do Vietnam ¢ tudo mais, mas depois disso veio um grande siléncio. A partir dos anos 70. nos, Estados Unidos, tem havido uma total aliena- do dos intelectuais quanto a politica. Eles se voltaram para dentro. Existe essa nogdo de que ha uma dimenséo politica muito forte no traba- Tho académico ¢ quem partilha dessa idéia nado compreende que os intelectuais se considerem com uma forte posigdo politica fora da aca- demia, Porque sua atuagao politica é muito convencional, por exemplo. através da filiagao em partidos que sio parte da nossa sociedade - isso faz parte de nossa identidade, mas é uma atuago comum a qualquer individuo, Em muitos lugares esse tipo de agdo esta se exau- indo, a nio ser em areas do mundo em que ha mudangas reais. mas ai a velha forma de fil Go politica nao faz muito sentido, Nessas regides, os intelectuais e os académicos estio envolvidos de forma diferente. Mas a que politica colocada pelo pés-modernismo pritica antropoldgiea ¢ uma questio ética. uma diferenga cultural verdadeira. {io na ha 6 Quanto ao racismo, é claro que o an- tropdlogo pode discutir a emergéncia do ra- cismo, ete. Os antropélogos americanos que tém se declarado quanto a essas questoes, principalmente na Europa, as vezes tém uma posigdo um tanto fitil. eu acho, Mas na Euro- pa, principalmente. ¢ uma questo importante. E muito dificil falar de antropologia-e de teo- rias racias sem nos lembrarmos que as teoriat racias foram parte da antropologia em varios momentos, inclusive em lugares como a Fran- ga ¢ a Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, Em um certo momento cultura substitui a nogde de raga na antropo- logia, ¢ acho que. nos Estados Unidos. isto foi uma luta que foi vencida ¢ considero que tenha sido um vit6ria fundamental na época de Franz Boas. Uma vitéria que continua sendo impor- tante depois de Boas, exceto para a antropo- logia biolégica onde também era um tema marginal, a questio racial era ignorada. Mesmo na época dos movimentos pelos Dirci- tos Humanos dos negros nos Fstados Unidos. 0s antropélogos nao tiveram uma participagdio importante, O tema das relagdes racias foi esquecido pelos antropdlogos ¢ agora teremos que repensar. mas repensar relacionando-0 a0 coneeito de cultura, 1) uma area a ser pesqui- sada, Considero que © proprio tabalho que os antropdlogos fazem, ¢ esse & um dos des argumentos do pés-modernismo, ¢ ineren- lemente politico, Portanto, a mera estratégia de posicionamento numa pesquisa ji & politica. Para os europeus ou os brasileiros pode nao ser realmente politica, a politica verdadeira talvez esteja quando voed faz uma pesquisa em conjunto com um partido ou uma posigio. de forma a contribuir com uma luta politica mo- mentanea da sociedade. E: péia de satisiazer as implicagdes politicas de uma pesquisa. Mas. no contexto american © no contexto inglés. isso ndo acontece. A ques- to para nds é se a sociedade tem uma politica intima, onde o Ambito pessoal ¢ politico. Este La ¢ a forma eu © tipo mais importante de politica. ¢ a politica que muda as condigdes de vida. Nao sei se este tipo de visio da politica é relevante para o Brasil ow para a Europa Ha uma idéia de que 0 pis-modernismo € hermético. € apenas um esteticismo. Existe mesmo este forte elemento de esteticismo mas isso é necessario na antropologia, porque qualquer mudanga fundamental exige um nove imaginario ¢ isso ¢ objeto de estudo. Mas ndo significa que ndo possa ser politico ou que ndo possa ser critico: e cerlamente nio ¢ literirio, essa visto faz parte de um certo nervosismo reac Nao acho que os antropétogos ores ou poetas frustrados que agora podem eserever seus romances de outra forma, Eles sempre esereveram romances ¢ poemas. Acho que apenas houve uma abertura e ela trouxe muitas contribuigdes. Uma delas & um tipo de antropologia humanista, com a qual eu ndo estou envolvido, Mas ha autores muito bons ¢ interessantes nessa area, como Paul Stoller © Tedlock nos Estados Unidos. El estdo envolvidos com a aspecto humanistico da antropologia. Mas essa idéia de uma antropologia literdria nunea aconteceu ¢ nao acomtecera.As pessoas ndo vio deixar de fazer trabalho de campo, ¢ este & @ medo que alguns, parecem ter. Ndo ¢ um rompimento com a tradigdo da antropolo, Outta contribuigdo é © experimenta- lismo, uma idéia que me agrada, mas que as- susta muita gente porque voce no pode cons- ruir uma disciplina a partir de experimentos.t: preciso formar outras pessoas. é preciso ter um debate tedrico. Todos os exemplos de James Clifford vieram da historia da antropologia. ele reinventa ou reconstrdi trabalhas clissicos, Ele mostra alo que & sempre esquecido, ou seja, que 0 cientificismo posterior & Segunda Guerra 0 tipo de cigncia da qual nos queremos nos libertar, ¢ nao a Cigneia em geral: é apenas ientificismo estreito. positivista. tipico do pos-guerra ao qual ninguém mais se filia, Nao nla perguntar apenas o que acontecer’i com ni sejam e Entrevista: George Marcus a cigncia, depende de qual cigneia nés estamos falando. Clifford esta reconstruindo um legado da antropologia, mas no quer dizer que precisamos escrever de forma diferente, 0 trabalho dele sé mostra como 0 pés- modernismo pode ir a fundo pensando o trabalho de outros autores. CADERNOS DE CAMPO: O que voce esti pesquisando agora, qual seu atual trabalho de campo? GEORGE MARCUS: Sou um exemplo ruim Acabei de terminar um trabalho que comecei ha dez anos sobre familias dindsticas ¢ ha um livro sobre isso, Lives in Trust liyro re- sume uma parte do trabalho, mas nao todo ele Ainda faltam algumas partes a serem finaliza- das. Mas nao continuarei neste projeto. © meu lava nessas familias como um polo de extrema concentragdo de riqueza e como se desenvolvia um tipo de cultura especifico entre os scus membros. Mas 0 tipo de trabalho em que estou interessado atualmente é aquele que nos forga a fazer justaposigdes analiticas. onde d justaposigdes de elementos que voce nunca imaginou que poderiam ter alguma relagao. Eno, cu tentei_ comparar as familias di- ticas_americanas com a aristocracia em Tonga, fazendo uma justapasigao, Como voeg pode comparar um aspeeto de uma sociedade com um aspecto de um outro: grupo m Eles tém sua existéncia enquanto culturais que devem ser reveladas etnograficamente, mas ¢ interessante fazer uma comparagdo entre mundos descontinuos. Estou muito interessado em como poderemos pesquisar etnograficamente essas coisas. como poderemos fazer esse tipo de pesquisa. [um interesse nao muito convencional Leresse CADERNOS DE CAMPO: Mas vocé estava pesquisando a socivdade americana, nos Esta dos Unidos, Cadernas de Campo, w° 3, 1993. GEORGE MARCUS: Acho que em nosso livro, Fischer € eu fomos um pouco ingénuos ¢ tentamos recuperar uma tradigdo critica da antropologia. Haveria sempre uma dualidade. Sempre que um trabalho esta lidando com 0 outro, estamos fazendo uma critica implicita & nossa sociedade. Essa seria uma tradigdo eri ca da antropologia que estaria precisando ser desenvolvida. Mas ela implica em dizer que 0 trabalho critico esta na "repatriagdo”. Na an- tropologia americana. ¢ também na britanica ¢ francesa, a norma geral & trabalhar fora da nossa propria sociedade ¢ depois voltar a ela Nesse sentido € uma antropologia “imperial” ~ nio é este 0 caso aqui no Brasil, Nos departa- mentos de antropologia ¢ Sociologia, de Chi- cago ou até no meu departamento, por exem- plo, os alunos de pds-graduagdo devem traba- Thar no México. na Africa ou na Asia. ¢ depois podem trabalhar com a sociedade americana - @ ha muitos bons motivos para isso. Se os alunos cscolhem trabalhar com a sociedade americana na sua primeira pesquisa, eles nao sio considerados "antropélogos de verdade" Para responder a sua pergunta, sim, cu trabalho com a sociedade americana. mas depois de ter trabalhado em Tonga. Foi s6 por trabalhar em Tonga que fui levado a pesquisar a sociedade americana. Hoje. acabei me trans- formando num etndgrafo do desenvolvimento da antropologia. O que estudei acabou sendo chamado de antropologia pés-moderna, mas no gosto muito desse nome porque foi um nome que apareceu na falta de outro, as pesso- as nfo sabiam como denominar essa tendéncia. Eu tenho minhas proprias posigdes, mas as pessoas me viram como um representante do pos-modernismo. De certa forma as pessoas comegaram a me cobrar posigdes pos-moder- nas, perguntavam-me onde estava a Nova Et- . A questo é que ndo ha uma Nova Etnogratia, ha muitas etnografias, com aspec- tos experimentais. mas ndo geraram uma linha definitiva, A etiquetapassou a ser “antropologia pos-modema", ¢ & uma nomea- do complicada, porque seo que é chamado de pés-moderno € descartado, & rejeitado. enttio devemos descartar tudo 0 que estava sob essa nomeagio, Mas cla esta se formando, as ten- déneias intelectuais atuais ainda estao confu- sas, como estiio nas outras disciplinas. Nao é ¢ nunca foi um fendmeno unificado. Eu accito algumas mudangas ¢ priticas do pés-moder- nismo, mas ndo gosto de algumas extensdes delas. Por exemplo, a questa de se trabalhar ‘ow nao fora da nossa sociedade - isso nem & relevante no Brasil. so importa para a chamada “antropologia imperial”, onde os antropslogos sempre trabalham fora de sua propria soci dade, Mas gosto da idéia de justaposigZo. Além da einografia, a outra coisa que a antro- pologia faz muito bem ¢ a comparagdo, mas a justaposigao é um outro tipo de comparagio. De qualquer forma, trabalhei nos Hsta- dos Unidos; a pesquisa com as familias dinds- ticas estava, claro, dentro da minha pripria sociedade. Também trabathei com os aristo- cratas de Tonga, mas estava realmente interes sado nessas familias americanas. Fu estay; interessado nas relagdes entre a riqueza. o di nheiro, € as pessoas - come eles tém vidas paralelas. Nunca foi minha intengao fazer uma ctnografia familiar. A minha intengdo era a: isto € chamado de "familia" mas, em ter mos culturais. trata-se de outra coisa, Nao podemos constrangé-la simplesmente & antiga idgia dos interes mas cu queria fazer uma outra interpretagio. Foi isso que me fascinou neste trabalho. Acho que a chave para revitalizar a antropologia & poder trabalhar com um peque- no grupo mas, no fundo, estarmos falando sobre coisas mais amplas do que s6 0 seu obje- to de estudo. O problema é que temos sempre que falar sobre coisas pequenas, mas no sa- bemos como coloci-las em contextos. mais amplos. Nos sempre emprestamos os contextos mais amplos de outros campos. da historia, de Marx. da teoria, etc, Hoje. 0 que deixa as pessoas Irustradas & que achamos o contexto de um trabalho na teoria, que é uma coisa chata, abstrata. Sempre lemos a resenha de um livro dizendo que o material & maravilhoso, uma grande etnografia, mas 0 desagradavel sto 08 densos capitulos de introdugao e conclusio. A questo académica central € a con textualizagao e, a partir disso, a apropriaglio da pesquisa antropolégica. Nés vamos apenas produzir estudos de caso que outras pessoas, de outras areas, yao usar para seus proprios objetivos? Este ¢ o problema da antropologia que nao esta sendo incluido nos grandes deba- tes intelectuais. O que & mais valorizado na antropologia, a etnografia detalhada, desen- volvida com paixdo, que € sensacional, ndo & feita por ninguém de fora da antropologia. Os antropélogos realmente sabem o que esti acontecendo no sentido mais apurado, mais do que 08 sociélogos, por exemplo. JA discuti esta questo aqui no Brasil e em outros lugares. O problema da antropologia é conseguir real- mente construir 0 contexto do seu proprio trabalho, O meu modo de fazer isso néo é através da argumentagdo, mas através do. proprio objeto de estudo. A antropologia nao pesquisa s6-a familia, é a familia que esta sendo estuda- da, mas a pesquisa acaba sendo mais ampla - isso ndo é um truque, isso é muito sério. No inicio, é sempre um ato da imaginagdo, mas no uma imaginagao livre. precisa ser constan- temente trabalhada. Pode parecer muito idea- lista, mas nao é. Sie poucas pessoas que fazem isso bem feito na antropologia, ou que aceitam correr os riscos. Michael Taussig faz isso no seu livro, € € 0 que mais aprecio no seu trabalho. A tela sobre a qual ele pinta e a forma 139 Entrevista: George Marcus que ele constrdi seu argumento no livro sobre ‘Xamanismo é 0 ponto especial do seu livro. Ha outras pessoas que trabalham bem com isso. Cada pessoa tem uma sensibilidade diferente, por exemplo, Michael Fischer tem muita sensibilidade quanto ao didlogo, os efeitos da abertura do didlogo dentro de uma sociologia que exige uma boa descrigdo ¢ discussdo sobre o tema. A liberdade da linguagem talve7 seja a questdo critica fundamental. O que est sendo muito positive neste periodo & que a antropologia esté ficando cada vez mais interessante, mais interessante do que quando eu era estudante, CADERNOS DE CAMPO: O que vocé achou dos trabalhos que os antropdlogos des- envolvem no Brasil? GEORGE MARCUS: Fiquei surpreso_ pela diversidade de interesses. Na pés-graduagio, 0s alunos da UNICAMP revelaram em geral os mesmos interesses que os estudantes america- nos. O que parece ser especifico no Brasil é 0 interesse nas pesquisas etnolégicas. nos indios, mas fora dessa drea os temas estdio muito dis- persos. Na UNICAMP tem muita gente traba- Ihando com a questdo da violéneia nas dreas urbanas. Mas, para mim, muito dificil perce- ber as linhas gerais, principalmente nessa tea de antropologia urbana, Nao consegui ter uma nogdo geral, ninguém me deu um mapeamento dos trabalhos que sio feitos aqui. Mas fiquei impressionado com a vastidao de interesses. O que me interessaria estudar aqui ¢ a inflagdo & © impacto da inflagao na remodelagaio da vida cotidiana,

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