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GRAFISMO INDIGENA ESTUDOS DE ANTROPOLOGIA ESTETICA Lux Vidal (Crganizadora) Anne-Marie Pessis e Niéde Guidon Berta Ribeiro Lucia Hussak van Velthem Jean Langdon Aracy Lopes da Silva e Agenor T. P. Farias Lucia Andrade Regina Polo Miiller André Amaral de Toral Dominique Tilkin Gatlois Jussara Gomes Gruber Jaime Garcia Siqueira Jr. Studio Jearse Nobel rapes ema Coordenagao Editorial Carla Milano Revisao Marcia ‘T. Courtouké Menin Oscar A.F, Menin Solange Guerra Martins Producao Grafica Sueli Abrew Albuquerque Raquel Sakae Tsukie Hashima Capa Ana Elena Salvi Foto de Vincent Carelli mostrando pintura facial dejenipapo, com motivo rabo de peixe, aplicado na india Xiksin Kukreiti. Fotos ‘As fotos de autoria nao identificada nas legendas foram realizadas pelos autores de cada artigo respectivamente. Apoio Cultural Todos os autores deste livro receberam, em algum momento, para 0 desenvolvimento de suas pesquisas, apoio © auxilio da FAPESP, CNPq € outras entidades Dados Intemacionais de Catalogagao na Publicagao (CIP) (Cimara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Grafismoindligena: estudes de antropologia estética Tux Vidal, organizadora — Sao Paulo: Studio Nobel: Ecitora ca Universidade de Sao Paulo. FAPESP, 1992, Bibliografia. ISBN 85-85445-02-05, ISBN 85-314-0066-X | fnctios da América do Sul — Iconogeafia 1 Vidal, Lux Boettz, 92.0728 cpp-980.1 fnclices para catélogo sistematico: 1sIndios: América do Suk Iconogratia 980.1 ologia estética: enfoques tedricos € contribuig6es earls Luc Vidal ¢ Aracy Lopes da Silva © avango quantitativo e qualitativo dos estudos de etnologia dos poves indigenas da Amazinia nos tiltimos vinte anos tem sido constante ¢ de grande relevancia te6rica, amptiando.o saber em via de constituicao. Os temas fundamentais abordados tém sido a organizacio social, a cosmologia, o ritual, o xamanismo, as dimensbes ecologica e economica, a dinamica temporal das sociedades da regiao, além de andlises dos processos de sua insercao na sociedade nacional Recentemente, uma abordagem mais sistemitica das manifestagoes tecnicas, artisticas e estéticas, em contextos especificos, tem contribuide muito para a melhor compreensio da construgio social ¢ individual nessas sociedades. De mancira ainda incipiente, vém aumentando também os estudos sobre as concepgdes amerindias do discurso e da musica, De modo geral, avangam os trabalhos de sintese e comparativas em niv temitico ¢ microrregional No contexto dessa produgao, os temas abordados nos capitulos precedentes, além de oferecerem uma oportunidade para o conhe: detalhado da arte grifica desociedades indigenas espectficas, cont para reflexdo aprofundada sobre problemiticas muito em evidéncia no momento atual vivido pelt antropologia enquanto disciplina teérica, ‘Trata-se, em especial, da discussao sobre as relacdes entre Inovagio tradig4o na produgio da variacio eda dinimica culturais (Lopes da Silva 1990). Nesse quadro, os trabalhos aqui reunidos preocupam-se com os mecanismos da criagao attistica e da expressio estética de significados cognitivos por meio dos quais as diversas culturasindigenas aqui tratadas ordenam e expressam sua percep¢io do mundo e de si mesmas; analisam © modo pele qual sao representadas, pela via das imagens veiculadas por sua arte grafica, as concepcdes consideradas relevantes (segundo critérios culturais particulares a cada povo indigena) sobre a vida social ¢ as relagSes cnte a sociedade, a natureza ¢ 0 cosmo, Pelas mesmas razdes, a atengio dos autores detém-se sistematicamente nos modos peculiares de convivéncia, em sociedades especificas, do estilo coletivo e do exercicio da capacidade criadora individual; da asticulacdo enve repetigao © variagao na producao da cultura, tal como sdo efetiva e caracteristicamente vivenciadas nas sociedades orais, ou seja, nas que prescindem do regisiro documental escrito. Consideram como pressupostos 0s processos envolvidos no exercicio e na constnigio da meméria social, definidora de uma identidade particular, em si mesma € em sua relacdo com processos histéricos dos quais so atores os membros das sociedades cuja arte foi aqui descrita e 279 analisada. Assim, varios dos trabalhos desta coletinea consideram as manifestacdes visuais que analisam como sendo expressaoestetica grifica de identidades étnicas e culturais de povos indigenas confrontados com contextos econdmicos e politicos demudanga, conduzidos principalmente sociedades nacionais em que se desde fora, ou seja, desde o polo das encontram inseridos. Essas quest6es, cuja reflexdo mais detathada apresentamos ao final deste antiga, em sgem de estudos em que 0s dados relativos a expre: estética sio obtidos e compreendidos como elementos constitutivos de contextos socioculturais globais, © que permite que 4 arte seja captada tanto em seus proprios termos quanto em tenmos de signifi simbélicos culturalmente elaborados, mecanismos cognitives que, enquanto clementos de teorias cosmo-sociolégicas nativas, dio ordem ¢ sentido ao mundo. De acordo, portanto, com essa ahordagem, os capitulos precedentes invariavelmente trazem informacdes relativas as técnicas © matesiais empregados pelos artistas indigenas, aos motives ¢ padrOes de seus desenhos, a composicao de cores caracteristica em cada caso, 20 estilo da arte grifica de cada povo aqui representado. Por outro lado, as representacées iconogréficas s10 compreendidas em seu significado cul- tural proprio, ea perspectiva antropoldgica, presente em todosos artigos, garante que essa compreensio se busque fazer de acordo com a visto © sentido claborados pelos membros das sociedades espeeificas em qu tém vigencia, Assim, ao buscar captar a arte em seus proprios termos, os a consideram os trés elementos que a constituem: a habilidade qualidades de forma e design de um modo geral ¢ o contetido simbolico, Esse tiltimo € de compreensao mais dificil ¢, por isto mesmo, & muitas vezes descartado. Aqui instrumentos essenciais para tentar essa compreensao. Vejamos como 0 faz e como se detronta com a arte quando a toma como objeto de anilise € tema de reflexao, lores antropologia que oferece aos autores os Antropologia e arte: conuibuigdes escolhicas Aoabordar manifestacoes estéticas, aantropologia procura os parametros conceituais e fisicos que definem uma obra de arte. Os termos habitualmente empregados no mundo ocidental para beleva e arte estio cognitivamente atrelados aos valores ¢ conceitos cortentes nese universo, Outras culturas podem nao possuiressas categorias. De acordo com uma visdo antropolégica, afirma-se que oprocesso estético nao & inerente a0 objeto: esti ancortdo na matriz da agdo humana, E possivel, entio, afirmar que o fenémeno estético € feito, digamos, de experiéncias em tom qualitativo. O produtor, 2 platéia ¢ 0 objeto interagem dinamicamente, cada um contribuindo para a experiencia, que é a0 mesmo tempo estética e artistica Cabeassim perguntar até que ponto esses valores sio culturalmente condicionados até que ponto sao algo humanamente maisuniversal. De 280 OO modo geral, para a antropologia interessa o culturalmente definido sem que, no entanto, descaitem-se as possibilidades de investigacdo a partir de conceitos elaborados pela psicologia, pela teoria da comunicacao ou pela estética Determinar © que exalamente constitui a natureza de uma experiencia estética € problematico porque, como afirmava d’Azevedo ja em 1958, tanto a emogio como a cognicio esto envolvidas no que parece ser o prazer da experiencia em si mesmo. Mesmo assim, porém, de uma perspectiva antropologica concebe-se a experiencia estética como aprendida. D'Acevedo diz; “fatores idiossincriticos, de contexto, de situacdo © aulturais, todos contribuem para a criagio destes eventos qualitativos, Algumas formas de arte, no entanto, conseguem ser mais bem- sucedidas ao provacarem essas respostas qualitativas.Ao que tudo indica, nio se pode negar que existam qualidades objetivas de bele universalmente reconhecidas, mas 0 antropdlogo, ao descrever ¢ interpretar os contextos nos quais estas “qualidades objetivas de beleza foram criadas © mantidas, pode acrescentar uma variavel ética, muitas vezes esquecida quandose trata de manifestagoes artisticas, especialmente de povos nao ocidentais, Segundo a tradi¢io ocidental, as artes sio conceitualmente separadas de outras esferas da vida social e cultural, ainda que nem sempre tanto quanto se pretenda. Nas sociedades indigenas, as artes sto uma omamentag?> para as manifestagdes piiblicas © os talentos manuais, mesmo os mais individualizados, sao bastante compartilhados pe populagdo: as coisas sio feitas por artesaos locais € por intermedio de processos que todos conhecem Assim oartista se comunica com sua comunidade queentende 0 que esta sendo expresso. Os simbolos possuem um mesmo leque de ambigiidades para a platéia e para o artista. O critico ocidental nao entende esse contexto e, por isso, acaba por concentrar-se apenas na forma ou por apoiar-se em sua propria fantasia. O que lhe parece altamente original pode, na cultura indigena, ser algo muito convencional ¢ académico, Entre os Kayap6, por exemplo, todas as mulheres pintam todos os homens sabem trancar um cesto e fabricar um cocar de plumas, Assim, pintar e fazer cocares so, para esta cultura, requisitos normais. Isso no impede que, nessas sociedades, haja individuos mais dotados ou mais interessados nas atividades artisticas e esteticas do que outros e reconhecidos como tais pela comunidade. Também nao descart uma “historia da arte” para os diferentes grupos, assim como um espaco sempre posstvel para a criatividade e as mudancas, Os antropéloges possuem uma mancira especifica de abordar as manifestacdes artisticas ¢ estéticas. Desde os trabalhos de Boas, Mauss, Lévi-Strauss e, mais recentemente, Victor Turner € Geertz, sabemos que, se queremos entender o-simbolismo da arte, precisamos”entender a sociedade, Segundo esses autores, nas sociedades pré industriais, a ambicio da arte é significar € no apenas representar. Por isso, a arte envolve todo um sistema de signos compartilhados pelo grupo € que possibilita a comunicacio. 21 Segundo Geertz (1983), um discurse generico sobre a arte parece intitil, A agio sobre a matéria nay € criadora por si mesma: € preciso remeté-la a dinamica geral da experiéncia humana. Sendo assim, os trabalhos de arte acabam por ter uma significacio cultural localmente claborada, Pars esse autor, os diferentes contextos sempre foram o tecido da antropologia cultural e social, mesmo em suas ori universalistas: “para 0 etndgrafo, as formas do saber sio sempre inelutavelmente locais, insepariveis de seus insttumentose de seu meio’ Ou, colocado de mancira mais abstrata, segundo MP, Guédon (citada por Lévi Strauss, 1989), “Todo problema de design é uma tentativa de fazer coincidir duas entidades: a forma e 0 seu contexto. O eontexto delimita o problema, enquanto a forma é a solucdo para o problema”. kin Tristes tropignes Lévi-Strauss (1955) aficmava que “a arte caduveotem um sentido eum fungio, As pinturas do rosto naio padem ser dissociadas do préprio rosto, Nao sto obras de cavaiete, Nio tem nada de gratuito, Buma com um certo objective, com uma ce funcgao dentro da nlagdes mais arte leita sociedade A ctiatividade estética ea sensibilidade nao esto, porém, ausentes, Segundo W.N. Vicem (1970), que realiza pesquisa sobre os indios Tukano, quando acontecimentos estéticos operam para integrar simbolos significativos, cles proporcionam aos individuos percepgdes elegante: poderosas ¢ claras da ordem € da organicidade, incorporadas em certos conceitos locais de relagdes relevantes. F simbolicas, compartilhadas pels coletividade, proporcionam uma chave valiost para entender como uma cultura considera-se integrada © com esta compreensiio é projetada e transmitida aosatores sociais, O papel do fendmeno estético-simbélico, incorporado em processos sociais concretos, permite descobrir tanto o valor de criacdo estética nas comunidades locais, quanto a operagio do fendmeno estéico como veiculo da integracdo entre conhecimento e experiencia” Nancy Munn (1973), em seu livro pioneiro sobre a iconografia Walbiri, da Austrilia, € a primeira a estudar em profundidade um sistema grafico contextualizado, Analisa o grafismo enquanto estrutura representacional e enquanto simbolismo sociocultural, Refere-se, assim, A estrutura formal, interna © semantica das representacoes eao significado € funcdo destas na cosmologia e na sociedade, A autora coloca que o estudo do grafismo ocupou posicao periférica em relacio a outras esferas ou Enfases teoricas na antropologia clissica. A arte era vista como uma rea especifica, mas trivial quando comparada a coisas consideradas mais importantes, como 0 parentesco,a estrutura social ou politica, No entanto, hoje, a teoria do simbolismo constitui um quadro de referéncia que pode integrar, em pé de igualdade, © estudo de sisiemas socials, religiosos, cosmoldgicose estéticos, Inaugura-se, assim, uma atmosfera mais propicia para a exploragio do simbolismo visual, A nogao de sistema estético revela a importancia de ser averiguado © significado posicional de cada simbplo, derivado de sua posigio em relagio a outros simbolos na estrutura total de um objeto, evento ou Conjunto iconogrifico, Segundo a colocacio consagrada de Lévi-Strauss, Ado se pode entenderum fendmenose nao se definiu antes o.conjuntoao qual pertence, Nio se pode isolar arbitrariamente certos elementos de tas declaragdes. estctico. 292 uma estrutura global, quc deve ser tratada como tal. Defins edo elemento do sistema em funcio de sta relaco com os outros eleme itos, Buscando uma apreensao abrangente das manifestacdes simbélicas, alias, € que Victor Tumner (1967) centraliza a andlise na exegese de seus significados, desenvolvendo, para este fim, um esquema que distingue res tipos de significacao: a exegese do significado obtida, tomando-se em consideracio as informagdes dos nativos sobre o sentido dos simbolos; o significado operacional, que tende a equacionar significado ¢ uso eque pode ser apreendido chservando-se como as pessoas reagem ativamente a simbolos; e finalmente, 0 significado posicional do simbolo, quedecorre posicao em relagao a outros simbolos na estruturt total Cabe dizer, em sesumo, que—centrando seu foco de ate instancias concretas econtextualizadas de entrecruzamento do universal € do particular e trabalhando com as nogbes de localidade, de estruturas represcntacionais, de significado, scciedade e cultura—a antropologia abordaas manifestacdes artisticas preocupadaem compreender a natureza mesma da experiencia estética e a capacidadede comimicagao da obra de arte, que nasce do encontro de estilos ¢ concepgoes coletiva ¢ culturalmente construidos e aceitos, mas trabalhadas ¢ reclaboradas de modo tinico por artistas que, individualmente, nela colocam sua técnica, sus Sensibilidade € sua habilidade criado De temas e mensagens arte e cultura Em seu conjunto, 0s artigos deste volume baseiam-se em uma concep¢o de iconografis e de grafismos indigenas definidos como veiculos de comunicacio visual estética, Nesse sentido, corroboram a orientagio, proposta inicialmente com relaco especificamente a pintura e a ornamentagio corporais (Vidal, 1978: 87-8), de considerar tais manifestagdes como fontes de informagdes sobre as “relacoes entre grupos, entre individuos, com o sobrenatiral, com 0 mein ambiente. (..) sobre status, processo, atitudes e comportamentos...” Na etnologia brasileira, 2s artes grificas € a ornamentagio corporal S40, #0 que do indica, as mais estucladas, se tomadas em comparagao. por exemplo, com os estudos existentes sobre escultura, miscaras, mtisica danga e poesia. Isso se deve principalmente a primazia dada as manifestacOes visuais € a influencia dos estudos sobre cultura material, que inclui a pluméria, a cestaria ea cerimica Na verdade, porém, existe um outro fator para essa primazia, fator de origem teorica e epistemolégica: a importincia, nas sociedades indigenas da Amazonia tropical, daquilo que passou a ser chamado de “corporalidade” como ponto de referencia para o estudo dessas sociedades. No decorrer dos anos 70, firmou-se cada vez mais a idéia de que “o corpo € uma matriz de simbolos € um objeto de pensamento, Na maioria das sociedades indigenas do Brasil, esta matriz ocupa po: organizadora centual, A fabricacdo, decoracao, transformaco e destruic4o dos corpos so temas em torno dos quais giram as mitologias, a vida 283 1, Du: wtatta € Viveiros de Casiro, ceriniwiias ea Orga 1979). Ografismo sobre ocorpo ea ornamentacao corporal constituemtum dos aspectos dessa construgio. A partir dos estudos sobre as sociedades Jé c Tupi, essencialmente, chegou-se a conchisio de que o corpo é um clemento a partir do qual seria possivel captar a ideologia focal dessas sociedades, Voltaremos a 1550 adiante, no comentario sobre os ensaios que, neste volume, ilustram tal colocagio. Partindo, ainda, de um outro angulo, € imporiaate afirmar que, ne caso das representagdees grdficas, sua forca como formas coletivas provem ‘em parte, de sua presenga tangivel, das imagens com que trabalha. E.clas foperam porque mapeiam fins especificos, desejados, A experiencia cotidiana ¢ 08 Valores mais tradicionais aparecem nas formas grificas assim, elas se transformam em uma linguagem visual, compartithada Nas artes gréficas, por outro lado, o estilo formal transmite muita informac&o a respeito dos produtores e de sua respectiva cultura, Todas as artes, & 0 grafismo em especial, empregam certas convengdes forma} para representar objetos, eventos, entidades, processos, emocbes etc iim observador precisa conhecer 0 contexto dos estilos para poder ler seus componentes formas, De acordo com as colocagdes precedentes @ as principais contribuigdes teGricas no campo da antropologia estética € que permeia 0 volume uma idéia que se apresenta de modos diversos nos varios capitulos, segundo as peculiaridades culturais ¢ historicas dos povos Cstudados. Trata-se, claro est, da nogio de que a arte grifica, em qualquer de suas modalidades, expressa significados cullurais. Mesmo 0 capitulo dedicado a povos pré-historicos (cf. Guidon & Pessis) tem por premissa que “toda interpretagio de grafismos deve levar em conta contexto sociocultural onde foram produzidos” Para os autores do volume, os significados ‘culturais expresses podem dizer respeito a vida em sociedade, 20 modo como individuos s40 tlassificados ¢ como devem ou podem se relacionar entre si, com a patureza e como cosmo. Otta sociedade ea humanidade podem ser vistas como apenas um dos dominios do univers, composio por uma mukiplicidade de espagos relacionados enue si, articulades no tempo, habitados por personagene especilicos, constinsidos por altibutos proprios que os identificam e com os quais a humanidade deve se relacioner. © capitulo dedicado as pinturas rupestres (Guidon & Pessis) contratia a tese corrente em certos meios segundo a qual, em todas as Sociedades, a arte evoluiria de figurativa a abstrata, em seqiiéncia necessiria, Defende a idéia — que 0s demais capitulos do volume vem confitmar, como tendéncia — de que cada um desses tipos de Fepresentacao grifica pode corresponder a um meio de expressio privilegiado para noces relativas i realidade conereta,3 dimensio sensivel douniverso, no primeiro caso (arte figurativa), e para nogdes abstratas ou representagdes relativas a conhecimentos esotéricos, preservados de hao-iniciados ou estrangeiros, na segunda (arte abstrata). ‘Alem disso, os sigaificados culturais expressos pela arte grafica indigena sio, muitas vezes, conceitos abstratos que encontram expressto 284 em fepresentagdes figursuvas’— comprovando « wse da wei do sconcreto" formulada por Lévi-Strauss (1970) — ou em desenhos. geométricos e grafismos puros que dizem, ou melhor, grafam o indizivel; tornam visivel o que ¢ latente ou 0 que esti coletivamente disperso & subjacente a expesiéncia da vida cotidiana ¢ da reflexdo dos individuos, Deis exemplos relativos As enicas de representagio iconogrificn desenvolvidas pelas culturas indigenas revelam algo importante a resp de sua capacidade criativa ¢ cognitiva, € indicam pistas para o grau de complexidade envolite na escolha dos critérios que determina reptesentacbes figurativas ou geoméuico-abstra Da “construgio iconogritlica” Wayana, em sua tentativa de relacionar a identificagio de motives decorativos as categorias de pensamento correspondentes, diz van Velthem: ‘a énfase vecai no significado metonimico em vez de uma representacdo naturalista, pois importa pai os Wayana visualizar as caracteristicas cruciais de cada um deles (animais, plantas ou artefatos) © nao tanto apresenti-los de modo perfeitamente realista, Iconograficamente as caracteristicas podem se expressar deduas formas: na primeira, encontra-se uma representacio por inteiro do elemento, a caracteristica fazendo parte do Conjunto; na segunda, apenas uma caracteristica €representada, ocupando tadoo espaco iconngratice © segundo exemplo nos remete aos Asurini do Xingu cujr “complexidade formal do desenho” corsesponde, segundo Malle. a0 conteudo de ordem cosmologica” que Ihe é proprio, Na definigho de parameiros para a produc psentagiies iconogrificas. nogdo/percepgao fundamental é a da composigio infinita: “a geometrizacdo infinita do espaco na arte grafica Asurini mistura dominios césmicos por meio das abstragdes visuais com contetida simbalico como se, por exemplo, a mata e seus seres fossem vistos por iniermédio de formas ligadas ao sobrenatural(.,.) a mistura ou sobreposicdo dos diversos dominios cosmicos se encontra na praxis Asurini: 03 espiritos participam do cotidiano © os xamas os visitam € se transformam em criaturas imaginirias’. O mundo € percebido, entio, em sua unidade enquanto encoberto por padres geométricos presentes igualmente nos varios dominios de quie é composto. A arte grafica recorta-o, impe-Ihe limites por meio das dimensdes materiais dos suportes onde € aplicada. A continuidade concebida € também a continuidade expressa nos padroes geométricos, Metodologicameate, ao fixar sua atencio nas formas graficas e em suas relagdes com teorias cosmol6gicas ou. sociologicas, proprias as culturas estudadas, 208 autores interessa conhecer 0 que € dito, como & dito, para quem é dito ¢ se isto interfere na definicao da mensagem ou do modo de expresso; interessa conhecer como se relaciona 0 que € dito a outras esferas da vida social ou cOsmica e, especialmente, com outros sistemas de comunicacdo, verbal ou no-verbal, aos quais a arte grafica est necessariamente articulada (Ribeiro; Vidal, neste volume). Na busca pela identificagao do estilo proprio’ arte de cada sociedade, © procedimento metodologico muitas vezes empregado no volume €0 da comparicio, conduzida segundo dois eixos: no tempo (e sao constantes as comparacdes entre a arte produzida em momentos antigos e atuiais da as, Vejamos © primciro. de suas repr 285 historla de cada grupo sstudado, cf. Guidon & Pessis; Ribeiro; Langdon; “Andrade: Vidal; Toral; Gruber; squctra Jr.) € no espaco (comparando-se subgrupos ot diferentes grupos locais de mesma tradicto cultural, em pusea da variacdo entre 05 estilos patticulares, ef, Ribeiro; van Velthem: Vidal). ‘Nos casos estudados, vemos, entio, que culturas diversas enfatizam ou privilegiam conceitos € representacdes mais especificamente ligadas 4s relagdes estabelecidas entre individuos e grupos em sociedade, de um lado, enquanto ouiras opiam por representar, por meio de sua arte grifica, entidades sobrenaturais © conceitos cosmoligicos mais amples ‘Assim, 93 te caracteristicas do primeifo caso. a sociedades de que tratam 0s capitulos agrupados sob 0 titulo *Pintura corporal e sociedade”, Neste conjunto, ilustra-se — por meio de casos especificos em que predominam as sociedades e culturas da familia lingiifstica Jé do Brasil Central (Kavante, Xerente €Kayap6) ao lado de um grupo Tupi (os Asurini do Tocantins) — a idéia da ornamentacdo corporal domo “sistema de comunicacao social rigidamente estruturado, que Simboliza eventos, processes, categorias ¢ siatus”, revelando que “seqiiéncias de pinturas convencionalmente marcam, no espago € no tempo, transformagdes no plano individual e social que afetam pessoas ou categorias de pessoas” (Vidal, neste volume). Ressaltam-se, nesses capitulos, as fungdes sociais, magico-religio: simbolicas ¢ estéticas da pintura corporal. Os autores detem-se, entio, nas condigoes, MOMENLOS € situagdcs Sociais cm que se verifica USO Ot a auséncia da pintura €o sentido culturalmente constiuido dessas prstic sentido que pode contrastar radicalmente, quando se passa de uma Sociedade 4 outra, Assim, no campo das telacSes entre o social © © sobrenatural, por exemplo, 0 pajé Asurini, por expressar 2 inlerseccio destes dois dominios, abstém-se do uso da pintura ja que, em sua Sociedade, esta atividade est associada exclusivamente a condigio de soctabilidade plena ( pintura corporal existentes em seu repentério tradicional. Porém, 0 papel permitiu também aos homens explorar dons artisticos nunca antes experimentados, criando u contexto para manifestagdes individualizadas, algo que os Ticuna ji vinham fazendo h4 muito tempo, ao transferirem suas pinturas sobre entrecasea para 0 papel. Algo, ainda, que os Kadiwéu também fazem, sO que do couro para 0 papel, com lépis de cor, régua € compassot Mas a capacidade expressiva de significados simbélicos, ponto comum as varias culturas representadas neste volume, no contrasta apenas com a grande diversidade de materiais € suportes utlizados, Contrasta, também, com a riqueza formal dessas manifestacdes, que revela a ctiatividade € 0 envolvimento — nio s6 expressivo de categorias sociais € cognitivas, mas também ltidico © prazeiroso — dos artistas indigenas com sua arte O aspecto Indico ¢ pessoal aparece nos textos sobre os Waiapi (que desenham quando sentem vontade ¢ inspiracio) ¢ sobre os Ticuna (que experimentam uma gama variadissima de temas, ndo sem humor, como no caso do desenho representando a antropéloga Jussara Gruber. alta vestida 4 moda ocidental, de culos e com uma maquina fotografica em punho, perante um Ticuna mascarado, baixinho € manifestamente perplexo!) £ bom lembrar que os espacos propi estéticas individuais nfo se concretizam sempre por intermédio das mesma atividades artisticas. Para os Kayap6, porexemplo, o grafismo (a pintura corporal) @ um sistema semidético bem delimitado, sem possibilidades para representacGes individualizadas, Nesta sociedade, porém, a criatividade tem livre curso nas apresentacdes teatrais com a mascara mekaron, Trata-se de uma brincadcira concorrida, uma troca de perguntas e respostas entre a platéia hilariante ¢ euférica eo mekaron. Este, protegido pela miscara e com voz alterada, emprega toda sua arte no desvendar “mile uma verdades”. Contrariamente a arte grafica, essa manifestagdo estética expressa todo um questionamento social € politico que procura esclarecimento ¢ sentido por meio de uma performance improvisada. “Muitas vezes, também, os homens Kayap6, quando no tém © que fazer, trancam pequenos objetos de formas variadas, em palha, ¢ 0s oferecem as criancas, como brinquedo. Nesta brincadcira, no entanto, algumas personalidades se destacam. Uma vez, 0 velho xami Nhiakrekampin presenteou Lux Vidal, no patio da aldeia e com a maior ttanqiilidade, com um artefato de palha, esteticamente perfeito. Representava um pénis com os testiculos amarrados. Haveria presente mais individualizado? Todos, um pouco surpresos, concordaram: nunca haviam visto coisa semelhante antes: “foi ele quem inventou”. O agradavel incidente leva-nosa pensar, mais uma vez, sobre o significado do “modelo reduzido” (cf. Lévi-Strauss), algo construido, refletindo 0 carater de espelho simbélico dos semimentos. Uma verdadeira experiencia sobre © objeto, unindo o real ¢ o imaginario, tentando, com a perfeita seguranga dos grandes artistas (e amis), articular, em publico, as emogoes mals intimas, a uma linguagem universal 239 Os tsuuhos aqui apresentados tém ainca uma outra caracteristica em comum que deve ser realgaua. :essaltam Os significados simbolicos (sociais, cosmologicos, * idividuais) das artes grificas indigenas em contextos atuais, Evita-se assim que, congeladas em um passado remoto, fiquem no anonimato € totalmente entregues a avaliagoes e apreciagdes externas, poucas vezes capazes de demonstrar 0 devido respeito pelas sociedades € individuos que as produziram e ainda produzem, Assim, pois, como ndo existe algo chamado “indios do Brasil", nto existe também a arte de *nossos indios”. Cada povo tem um nome ¢ uma producio especifica cos artistas também possttem nomese uma identidade Pessoal definida. No caso das mulheres Kayap6, o dificil € nomed-las, ja que todas so pintoray! Porém nao algo admirivel, uma sociedade que consegue alcar uma atividade ai ‘el da coletividade? FE, na maioria dos casos, 0 mesmo se repete com relacao A mtisica ¢ A danca, além da fabricagio do artefato, Sally Price, em seu interessante livro Primitive arts in civilized places, analisa detalhadamente todas as ambigiidades da visao ocidental no que se refere as artes nio-ocidentais ¢ lembra que estas fazem parte das artes do mundo contemporiineo & devem ser tratadas com honestidade ¢ em péde igualdade comas demais que compéem este mesmo mundo. Re ed pages evaracocs tio einovacao. acao dos incvkluos x historia na eriaggio da cultura A concepgio — consensual na antropologia — de cultura como sistema simb6lico, pormeio do qual as sociedades humanas atribuem significados a sua experiéacia ¢ formulam suas concepgdes, impondo ordem a0 mundo, aponta para um de seus aspectos basicos: 0 carater dinamico da Itura, Situagdes hist6ricas novas propiciam c, muitas vezes, exigem a formulagao de novos significados ott a rectiacao de simbolos tradicionais. Experiéncias historicamente engendraday sao vivenciadas no ambito de culturas especificas, scja no sentido da reafirmagio da ordem © das concepcoes vigentes, seja no sentido de sua reformul Trata-se de dois modelos de reagao perante a historia de modo nenhum mutwamente exclusivos, Podem conviver, segundo Sablins (1985), em uma sociedade determinada, que reagiria de modos diversos segundo as esfer: social € do pensamento atingidas. Assim, cada cultura em particular mantém-se nesta tensio provocada pels articulacio entre tradigaoe inovacao:reconhecer no Familiar, definir~ se pela tradicdo; reinterpretar 0 novo € o desconhecido por meio do estabelecido, do consensual, do convencional; recriar a tradi introduzinde novos sentidos € novos simbolos sto alguns dos processos que dao a cultura sua vitalidade e sua forca Essa tensio @ vivenciada coletivamente através do tempo, ¢ seu produto da, a cada cultura em particular, sua propria face. Porém ela € vivenciada também em outro plano: muitas vezes, é o individuo que, orientado pelos padres culturais vigentes proprios a seu grupo, mas 200 reagindo criativamente as situac6es cue se Ihe apresentam, da expressao concreta a concepgées ou valores dispersos na sociedade, latentes ou embrionarios. Fsse9 sido processos que, segundo propée Barth (1987), estio na base da produgio de variacao em cosmologia de povos geogtifica, lingiiistica, ecoldgica ¢ culturalmente muito proximos, mesmo quando nao sao alteradas suas condicdes objetivas de vida, Nocxcmplo examinado pelo autor, inovagdes ecpecificas em rituais de iniciag’o vio sendo introduzidas ao longo do tempo, 3 medida que sesucedem as “performan- ces" € 08 periodos intermedidrios entre elas, quando os especislistas guardam (e reelaboram) consigo um conhecimento esotérico que € pate de uma tradi¢ao compartilhada pelos varios povos de sociedades vizinhas HA, portanto, uma grande uadi¢io que sofre alteragdes especificas em cada grupo local, por meio da relagdo que se estabelece en respectivos especialistas no ritual e a platéia que participa de cada ritual realizado. Essa mesma tensiio — entre tradicAo € inovagio — é examinada por Obeyesckere (1981), com relagio a criagio €a0 uso de simbolos pe na vivéncia religiosa, uma experiéncia que se desenrola em um contexto definido por simbolos e significados compartilhados coletivamente. O autor fevela como a religiosidade individual € moldada ¢ expressa em termos culturalmente definidos e disponiveis ao crente como algo dado. reafirmando uma perspectiva bastante conhecida eaceita na antropologia Além disso, porém, detém sua atencio no polo oposto: demonstra como simbolos socialmente compartilhados sto vivenciados em nivel indi- viduale, mais ainda, como asinovacdes ctiativas dos modosde expressio ou de concepgio religiosa sio produzidas individualmente e, segundo, que condicoes sao identificadas € aceitas como patriménio comum (e a ele incorporadas) ou ndo. A andlise de Langdon (neste volume) da experiencia alucinégena dos xamas Siona da Colombia, como fonte de contato com outras dimensoes cosmologicas € como fonte de inspiragio artistica, oferece um outroexemplo de como tal tensio pode ser vivenciada tre seus O que nos interessa reter dessa discussio maisampla e, emespecial, dos autores aqui mencionados é 0 destaque dado a contribuicao indi- vidual nos processos de reelaboragio € recriagio culturais ao longo do tempo. Nos capitulos precedentes, hd varias mengdes a vivéncia daquela tensdo (entre tradigio € inovacdo enquanto dimensio necessaria da cultura) no campo da criagdo estética cm sociedades indigenas sul- americanas, Essas mencées sao feitas em trabalhos que tratam da preservacio do estilo da arte grilica propria de uma cultura em particular pelo exercicio da criatividade ¢ da habilidade individuais ¢ das relagdes entre estilo ou tradigdo e experiéncias historicas provocadas pelo contato com as sociedades nacionais, Os capitulos relativos aos Ticuna ¢ aos Kadiweu (cf. Gruber © Siqueira Jr., respectivamente) s40 exemplares desta questio. Mostram 2 manutencao do estilo basico como mecanismo ¢ expresso da resisténcia oferecida pelos povos indigenas em quest4o as imposicdes historicas da sociedade brasileira, Nos dois casos fica claro o sentido atribuido pelos 21 Ticuna € K.. .-cu s sua arte er manto reforgo ¢ expressio de sua identidade diferenciada. Trata-sc, assim, de uma dimensio decididamente politica de que tais poves dotam a sua arte grifica no enfrentamento com asociedade nacional, em um contexto ji explicado fartamente pela teoria da etnicidade (cf,, entre outros, Carneiro da Cunha, 1986). Qs mesmos trabalhos ¢ ainda alguns outros (van Velthem, Andrade, ‘allois) mostram como 0 momento atual da historia dos povos indigenas Ihes permite impor sua marca e seu estilo, definidores de sua identidade cultural diferenciada a campos inovados. Assim, revelam as possibilidades de novos usos de sua arte grafica bem como 0 uso de noves suportes como, por exemplo, o attesanato para comercializagao, no primeira cas €0.uso do papel, no segundo, Vidal mostra comoterum ritmo muito rapido de mudancas historicas écaracteristica da natureza mesma destas sociedades que sio de pequena escala, que tém proporgdes demogrificas reduzidas, nas quals a distancia entre o momento da tomada de uma decisto ¢ sua implementagio pode ser também muito pequena, e onde, ainda, a contribuigao da criatividade ‘out da reelaboracao individual pode assumir importancia crucial no proceso de reeriagdo ou de reafirmagao cultural. Em seu artigo (neste volume), Vidal analisa a relacdo da arte de cada subgrupo Kayapo com 0 processo hist6rico vivenciado por cada um deles ou, nos termos de Barth (1987), examina as variagoes que cada subgrupo introduziu, 10 longo do tempo e porintermedio de seus artistas (enquanto individuose enquanto membros de suas respectivas sociedades), em uma fradiga0 comum. Tais variagdes seriam, portanto, responsavels pela definicio, a0 cabo de um dado perfodo de tempo, de um estilo proprio a cada subgrupo, capaz tanto de identific4-lo em sua especificidade quanto demostri-lo membro de uma tradicao mais ampla: a Kayapo. “Tal dinamica — advinda da tensao entre tradicAo e inovagao, cultura ¢ realizaco individual, estrutura © historia — revels-se, nos casos analisados neste volume, de modo ainda mais surpreendente gragas a0 fato de se tratarem de sociedades sem escrita, Cabe aqui uma mengio as idéias de Detienne (1981), 20 tratar das relacdes entre oralidade e escrita como formas preferenciais de organizacio € expressio do pensamento humano ¢ da memoria social, Para 6 autor, amemiéria se conste6i pela combinacio necessaria de dois mecanismos bisicos: a repetigao € 4 variagio, A memorizagio que privilegia a repetigdo comaltissimo grau de fidelidade seria caracteristica das sociedades letradas, c impensivel nas sociedades 4grafas. A fixidez, a coeréncia interna, a sujeicao a andlise critica s4o elementos aponiados jé por Aristoteles e Plato (cf. Vernant, 1982) camo distintivos do texto escrito. Da oralidade seria proprio o envolvimento pessoal, 0 carisma do orador, a possibilidade da recriagdo do discurso no ato mesmo de sua enunciagio, pela via da interagdo entre natrador € platéis; @ variagao, enfim, Mas a variagao se faz a partir de um repertorio comum, de um patriménio cultural coletivamente construido, compartilhado, compreendido, Seria, portanto, propria a oralidade, a capacidade da fusio do passado € do presente em um discurse tinico, momentineo & fugaz, mas suficientemente ancorado em uma tradigao cultural para ser 292 reconhecido como verdadeiro ¢ —_ nificativo, capaz ae reafirmar © expressar “idéias essenciais compartilhadas" (cf. Detienne). Aexisténcia dos grafismos, nestas sociedades, permitiria questionar ou,a0 menos, relativizar stia defini¢docorrente como “sociedades Agrafas” (cf. Leal Ferreira, 1991). A arte gréfica, enquanto sistema de comunicagio visual, permite, portanto, 0 exercicio da meméria social — no sentido definido por Detienne — ao revelar-se como exercicio da repeticio de mMoliVos € estilos definidores de cada cultura em especial, € como campo fertil de expressao da rviatividade individual, da incorporacio de temas motivos, materiais, técnicas, significados € dimensdes que, a0 mesmo tempe, refletem 0 momento histbrico vivenciado com os desafios © as acomodagées (ue exige. a percepcio individual do processo e a base cultural, a adigao compartilhads, a partir da qual o artista constitui sua visdo € seu modo de expressio € se mostra como representante de seu grupo € de seu pove. Bibliografia BARTH, F. Cosmologies in the making-a generative approach fo cultural variation in inner New Guinea. Cambridge, Cambridge University Press, 1987. CARNEIRO DA CUNHA. M. Antropologia do Brasil. S20 Paulo, Brasiliense, 1986, D'AZEVEDO, WL. “Astructural approach to aesthetics: toward a definition of art in anthropology”. American anthoropologist. 1958, 60: 702-14 DETIENKE, M. "Parla bouche et par loceille" In: Invention de la mythologie. Pais, Gallimard, 1981, pp. 50-86. GEERTZ, C, Local knowldge further essays in interpretive anthropology. Nova York, Basic Books, Ine, 1983. LEAL FERREIRA, M, Frojeto de pesquisa. Curso de pos-graduagao em Antropologia Social, Universidade de Sao Pavlo, 1991, mimeo LEVESTRAUSS, C. Tnstes tropiques. Paris, Plon, 1955. —— .0 pensamento selvagem. Sao Paulo, EDUSP/Cia Editora Nacional, 1955, bes symboles et leurs doubles. Paris, Plon, 1989 LOPES DA SILVA. A. “Tradicbes, inovacbese criatividade: a andlise comparativa de cosmologias vistas Como proceso”. In: Anudrio aniropoldgico 90. Rio Ge Janeiro, Tempo Brasileiro, 1991 MUNN, N. Walbirt tconograpiy graphic representation and cultural symbolism in “4 Contnal Australian Society. Rhaca & London, Comell University Prese, 1973, OBEVESEKERE, G, Medusa's hair, An essay on personal symbols and religious experiences. Chicago & Londres, The University of Chicago Press, 1981 PRICE, S. Primitive art in civilized places. Chicago, The University of Chicago Press, 1989. SAHLINS, M. Islands of history. Chicago, ‘The University of Chicago Press, 1985. SEEGER, A; DA MATTA, R ; VIVEIKOS DE CASTRO, F. “A construgao da pessoa nas sociedades indigenas brasileiras™. Boletim do Musou’ Nacional, Série antropologia. maio de 1979, 32: 2-19 TURNER. V. The forest of symbols aspects of Ndembu ritual. ithaca & Londres, Cornell University Press, 1967. VERNANT, -P *Raisons da mythe”. J Mythe et société en Gréce ancienne. Paris, Maspero/Fondations, 1982, pp. 195-250. VIDAL, L.A Pintira corporal enire indice brasileiros", Revista de antropologia. 1978, 21 (1): 87-93. VICENT, WM, *Elbhnoesthetics.and the ritual context: art andexperienee among the “Tariana indians of Brazil." Research proposal University of Chicago, 1970. Notas Biograficas Lux Vidal Estudou na Franga, Espanha e Estados Unidos, onde deteve o titulo de Bachelor of Arts em Filosofia, Antropologia e Teatro. Foi professora no Liceu Pasteur ¢ desde 1969 é professora do Departamento de Antropologia na Universidade de Sao Paulo, onde obteve os titulos de Mestre € Doutor Tem como areas de in teoria antropologica, os indios do Brasil € 1 ctnoestética, I membro do Conselho da Comissio Pré-h Paulo ¢ Assessora dos Indios Kayapé-Xikrin do Cateté © do Baca} autora do livro Morte e Vida de uma Sociedade Indigena Brasileira e de Vatios artigos sobre assuntos ligados a etnologia brasileira e politica, Anne-Marie Pessis Diretora cientifi da Fundagio Museu do Homem Americano € coordenadora de estudos sobre populagdes atuais na area de pesquisa no sudeste do Piaui, ¢ da formulacio ¢ operacionaliza: de projetos de desenvolvimento em areas de piotegio ambiental E responsive! pela pesquisa sobre métodos de anilise da imagem dos registros rupestres da pré-historia e de estudo antropologico das populagdes pré-historicas a partir dos vestigios dos registios visuais, Niéde Guidon Licenciada em Histésia Natural pelt Universidade de Sao Paulo. Tem especializacio em Arqueologia Pré-historiea na Université de Paris, Faculte de Letires et Sciences Humaines—Sorbonne. £ dociorar de 3 eme cycle © doctorat d’ Etat em Paris, Université de Paris 1, Pantheon — Sorbonne, E arqucdloga do Museu Paulista da USP, maitre de Conferences da Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales-Paris, diretora da Mission Franco: Brésitienne du Piause disetora presidente da Fundagao Museu do Homem Americano, Berta Ribeiro Antropdloga e professora visitante do curso de pés-graduacao em Ares Visuais da Escola de Belas Artes-UFR). Especializou-se em tecnocconomia © etnoestética. Publicou cerca de quarenta trabalhos, em revistas especializadas e de divulgacao cientilica, ¢ varios livros, destacando-se: Diario do Xingu, O firdio na Histériado Brasil, O Indio na Cultura Brasileira Coordenou os trés volumes Einobiologia, Tecnologia Indigena ¢ Arte India ds Suma Etnoldgica Brasileira (Darcy Ribeiro, editor) € prefaciou o livro de mitos, da autoria de dois indios Desina, Anfes.o Mundo nao Existia. Lucia Hussak Van Velthem Pesquisadora do Museu Paranaense Emilio Goeldi desde 1975. Graduada em Museologia, recebeu em 1984 0 titulo de Mestre em Antropologia Social pela Universidade de Sao Paulo com o tema “A pele de Mulupere: estudo dos trancados Wayana-Apalai". A pesquisa entre os Wayana, povo de lingua karib do norte do Para, desde 1975, tem como interesse central 0s estudos de cultura material © etnoestética, com Enfase especial motivos decorativos, Desenvolve para tese de doutoramento um projeto que tem como tema as representacdes Wayana da cultura material, 204 Jean Langdon Doutora em Antropologia pela Universidade de Tulane—EUA, Atualmente € professora do curso de pos-graduagio em Anvopologia Social na Universidade Federal de Santa Catarina-UFS Possuitrabalhos publicados nas areas de xamanismo, antropologia médica, ori nuther ¢ educagao indigenas, tendo exposto suas pesquisas em varios paises da América Latina, Durante trés anos trabalhou entre os Siona na Colombia © pesquisa relagdo entre xamanismo ¢ literatura oral dos Aracy Lopes da Silva Soci [wis io Pro-Indio de I pel Universidade de Sie Paulo, onde Jora na Universidade de Harvard (1988. 10 Paulo, da qual participa Doutora em Antropolo; leciona desde 1974, € pe: 89). Ex-presidente da Comis: desde sua fundacao. Pez pesquisas de campo entre os Xavante € os Xerente do Brasil Central © 08 Pataxé Hahahai do sul da Bahia. Suas publicacées incluem estudos sobre estrutura social e mitologia, educacto escolar indigena ¢ de divulgacio cientifica sobre sociedades indigenas e sta probh atual, destinados a criangas jovens e no-indios e seus professores. Agenor T-P. Farias mM 1980 graduou-se em Ciencias Sociais aa Unicamp. £ atualmente professor na PUC Campinas ¢ doutorando em Antropologia pela FELCH USP. O primeito contato com populacées indigenas deu-se em 1974 no Mato Grosso. Viveu na aldeia Kayabi do Rio dos Peixes, Sua dissertaci de mestrado em Antropologia Social, defendida em 1990, foi dedicada ao estude do rituale da sociedade Xerente, grupo Jé do Estado do Tocantins, Atualmente dedica-se a produzir uma ethografia entre os Xerente. dticia Andrade Antropdloga, desde 1982, desenvolve pesqitist entre os Asurini do Tocantins, Defendeu dissertacio de mestrado em Antwopologia Social na USP. Atualmente é uma das coordenadoras da Comissio Prd-indio $ Paulo, Regina Polo Miller Professora do Instituto de Artes da Unicamp, tem se dedicado hi mais de Quinze anosao estudo de manifestagdes artisticas em sociedades indigenas, Elaborou duas teses sobre temas nesta area de pesquisa: a disseriacao de doutorado, versando sobre arte, historia e xamanismo entre os Asusini do Xingu (1987) e a de mestrado, sobre 1 omamentacao corporal Xavante (1976). Esereveu varios artigos sobre a arte indigena, destacando-se “Pintura e Adornos Corporais”, em co-autoria com Lux Vidal, parte do volume Arte India da Suma Etnologica Brasileira, organizada por Berta Ribeiro (Vozes/FINEP, 1986). Coordenou ¢ participou de diversas exposigoes sobre arte e cultura material de grupos indigenas no Brasil Foi membroda equipe de edicio do Levantamentode Povos Indigenas no Brasil/CEDI (1983-85) c antropologa da FUNAL (1978-1984), Coordenou projetos de asistencia com énfase na irea da satide, comercializacao da producao de objetos ¢ defesa do territério indigena 295 ti ire Et da Lu Pe Soe est de mo que 294 André Amaral de Toral Formado pelo Departamento de Antropolegis (ERLCH) da Universidade fro Paulo, defendeu tese de mesirado sobre Sociedade e Cosmologia Kavaja junto ao Programa de Mestrado ¢m “antropologia Social do Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Jancito Desde 1978, realiza pesquisis sobrettdo entre os gmupes indigenas Karaja, Javaé © AV Canoeiro e temartigos publicados principalmentesobre histor

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