Você está na página 1de 128
ANTONIO BARROS DE, CASTRO |‘? } ESCRAVOS E SENHORES NOS ENGENHOS DO BRASIL Um estudo sobre os trabalhos do Agucar e a politica econdmica dos Senhores. tese de doutoramento a presentada ao Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Campinas 1976 Este trabalho é dedicado a: Mané Domingos, curvado pelo trabalho e pelos anos, Afonso Camisola, que passava ao long$e metia medo, 86 Vito, quefsabia (ude) consertar, o S63 Tito, que sempre dizia "Sim Sinhé" haurinfla, que tirava bolinhos e pastéis do seu fogdo a lenha, Benedito, Manezinho e Luiz do Vito, amigos da infancia, na Fazenda Santa Clara. Aos meus colegas de trabalho, amigos na necessidade, generosos hes sempre, er{ticos por vezes; aos alunos do mestrado de Economia, dvidos de conhecimentos, inteligentes e combativos; a Luiz Gonzaga, com seu jeito timido de ser caloroso e a Jorge Miglioli por sua sabedoria; aos velhos amigos Liana Aureliano, Ferdinando Figueiredo, Wil son Cano e Joao Manuel Cardoso de Mello; e aos demais amigos do DEPE; meus agradecimentos, pela amizade e o estfmulo intelectual. Minha gratidao, também, 4 UNICAMP, onde encontrei condigdes ideais de trabalho. Esta tese ndo poderia ter sido realizada, sem o apoio logisti co de Peter Eisemberg, Michael Hall, José Serra e Rolfnan Hernandes. Fundamentais, também, foram o apoio e boa vontade, encontrados nas bibliotecas do Instituto do Aciicar e do Alcool, do Institu to Agronémico de Campinas e sobretudo, do nosso Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas. Fernando Novais, Joad Manoel Cardoso de Mello, José Sergio Leite Lopes, Carlos. Mauricio de Carvalho Ferreira e Luciano Coutinho me fizeram erfticas, algumas aceitas, outras no, todas, porém, importantes para a elaboragao destas idéias. Ana viveu comigo, os avangos e rectios, as alegrias e as angus- tias desta tese. A ela, o meu amor. "UMA MACHINA E FABRICA INCRIVEL’ "E verdadeiramente quem vir na escuridade da noite aquellas fornalhas tremendas perpetuamente arden~ tes: as labaredas que estao sahindo a borbotdes de cada uma pelas duas boccas ou ventas, por onde res piram o incendio: os ethyopes, ou cyclopes banha~ dos em suor tdo negros como robustos que subminis~ tram a grossa e dura materia ao fogo, e os forgados com que o revolvem e atigam: as caldeiras ou lagos ferventes com os cachdes sempre batidos e rebati~ dos, j& vomitando espumas, exhalando nuvens de va pores mais de calor, que de fumo, e tornando-se a chfver parva outra vez os exhalar:o ruido das rodas, das cadeias, da gente toda da cdr da mesma noite, trabalmando vivamente, e gemendo tudo ao mesmo tem po sem momento de treguas, nem de descanso: quem vir em fim toda a machina e apparato confuso e es- trondoso daquella Babylonia, n&o podera duvidar, ainda que tenha visto Ethnas e Vesuvios,que 4 uma similhanca de inferno". (Vieira, Serm&o pregado na Bahia 4 Irmandade dos pretos: de um Engenho, em dia de S. Jodo Evangelis. ta, no ano de 1633). 1. Apresentag&o do engenho Desde o seu aparecimento em terras brasileiras, o engenho chama a ateng&e por seu porte e complexidade: "cada um delles ¢ ume machina e fabrica incrivel", diria Cardim em sua narrativa datade de 1583“). sumariamente descrito, ora o engenho um todo compreendende a moenda, onde a cana € esmagada, o aparelhamento destinado a cozer purificar o caldo, tachos, caldeiras, escumadeiras, etc., ea ca- sa de purgar onde o agucar & embranquecido e séco; até aqui, o enge- nho propriamente dito. Além disto, canaviais, matas, animais de tiro, carros de bois, bareagas ¢ um sem niimero de apetrechos para os servi gos complementares e 0 reparo dos equipamentos. Havia engenhos movi- do a agua e por tragdo ="'mal, mas a "maior parte dos engenhos dof Brasil moem com agua" (2) © que nao € de estranhar, 34 que os movi~ dos por animais "tem maior fabrico, e gasto ainda que moem menos” (2) 0 servigo ordinario do engenho, ininterrupto de setembro a margo ou abril, exige intenso trabalho de pelo menos sessenta cs - eravos, segundo Cardim ‘"), 9 produto obtido é relativamente honor’ neo distinguindo-se basicamente os tipos brancos (fino), mascavado © panela °5), 0 volume das safras era tal, que, j4 em 1583, os quaren- ta navios anualmente enviados a Pernambuco nao davam vazio ao produ- to ali optido ‘©. a principic do séoulo XVII 4% seriam empregados 130 a 140 naus, muitas delas "de grand{ssimo porte", para o transpor te da produgéo conjunta de Pernambuco, Itamaracd e Parafba 7), Naturalmente, para montar negécio de tal vulto era preci- so dispor de grandes recursos. 0 problema nado seriam as terras, ja que para obté-la bastava mostrar que se "he home de vosse assim de gente como de criagées ..." 8), as aificuldades proviam, sim dos enor mes gastos iniciais na aquisigio de escravos, na construgao dos edi- ficios, na derru:ada:das matas, na canalizagao das aguas, abertura de caminhos e, enfim,na semeadura das canas. Agregue-se a isto o fa~ to de que a primeira e, possivelmente, a segunda safra obtidas de so lo virgem nao permitem a obtengdo de acucar de boa qualidade (9), custeio do empreendimento, exige, pois, sobretudo na etapa inicial , o grande “cabedal" e requer, em regra, o apoio financeiro de poderosos mercadores (19) » , prépria Coroa, conhecendo as dificuldades a enfren tar na fase de implantagdo e interessada na expansdo da produgio agu careira, desde cedo ofereceria est{mulos sob a forma de isengdes fis cais durante os primeiros anos de atividade (1), No apenas a implantagao mas também o custeio corrente des engenhos acarretava grandes despesas. Segundo queixas referidas por diferentes autores, era grande a mortandade de escravos, 12) 4 que implicava em elevadas perdas e mantinha os senhores endividados. Ha- 2. via além disto de pagar os ordenados de mestres e feitores, de ad- quirir pegas de ferro e cobre, breu, velame, animais de trabalho, madeira de lei e possivelmente Jenha. Todo estes desembolsos teriam de ser cobertos pela receita proveniente da venda do agucar. Segun do um autor anGnimo da primeira metade do século XVII, "He phatica comum no Brasil e se tem por averiguado, que quando o prego do agi n&o pode qualquer senhor de enge nho alevantar a cabega, sd com o rendimento de seu engenho" poden- dotBoStir “os gastos do dito engenho daquela safrae sustentar a casa precariamente" 13), car branco he a dous cruzados . Normalmente, 0 engenho planta e colhe uma parcela ape - nas da cana que moe. 0 resto é fornecido por "lavradores" que rece bem em troca uma fragado (por vezes 50%) do agucar extraido de suas canas. 0 lavrador necessita dispor apenas de escravos, foices ¢ enxadas. Aqui, nado h& limites de tamanho: ha lavradores de 50 ou 60 bem como de 4 e 6 tarefas - sendo esta Ultima medida o equiva - lente 4 quantidade de cana capaz de alimentar o engenho durante 24 horas (14), 0 custo de produg&o dos engenhos nao ¢ certamente algo de imutavel. 0s processos produtivos devem ser vigiados e muito de pende do zelo dos "oficiais", bem como dos cativos, como veremos . Certos cuidados com a salide dos escravos podem propiciar boas eco- nomias. 0 "Regimento de Feitor-Mor de Engenho", de 1663, reflete esta preocupagéo, dispondo mesmo que a morte de cada escravo - ou boi, acrescenta o regimento - devera ser "justificada" ‘15?, por outro lado, determinados custos podem ser reduzidos através de me- lhorias introduzidas nos métodos produtivos. Neste plano, um episd dio merece, sem divida, ser destacado, Dada a insuficiente extra - gio de calde pelas moendas tradicionais (de dois eixos) o bagacgo era ainda mais uma vez prensado "debaixo de uns grandes paos que chamam gangorsas" ‘25). pis, porem, que surge um novo método de moa gem permitindo o duplo esmagamento da cana e uma me}hor extragZo do caldo. Comentando-o, afirma Brandénio: "Tenho esta@Avengio por tao boa que tenho para mim que se extinguirio e se acabardo todos os engenhos antigos". Seu interlocutor, normalmente cético, nao hesita em concordar, j4 que “toda coisa que se faga com menos despesa e tempo deve-ec estimar muito” 17), a previsdo de Brandonio se mos ~ traria correta e j4 Frei Vicente do Salvador diria: "Por serem es ~ tes engenhos de tres paos, a que chamam entrosas, de menos fabrico e custo se desfizeram as outras maquinas e se fizeram todas desta invengao" 8) | #pepoca em que escrevia Frei Vicente, as vantagens obtidas com a inovagdo chamavam jd a ateéngao do fisco, qe baixaria um alvaraé (1614) restringindo os favores e privilégios dos engenhos, dada a redugao de custos obtida com o "novo estado de moer ague cares "(19) . Os engenhos em vigorosa expansao N&o obstante as grandes despesas e os demais obstaculos (20 a : : ¢ >, 08 engenhos brasileiros irrompiam com grande impe enfrentados to, ccnquistando mais e mais espago no mercado internacional. — Ao findar o século XVI, as ilhas atlanti¢as que revolucionaram o merca do agucareiro um século antes (21), comegavam a enfrentar grandes di ficuldades e "o governo portugues, que via nessa época a cultura da cana na Sicilia asfixiada pela concorrencia brasileira, comegou tomar-se de cwidados com a produgao de Madeira e impds 20% sobre o aguear do Brasi1" (22), H& indfcios de que nesta fase pioneira, a propria escala de operag&ao dos engenhos estivesse se ampliando, dado o que, surgi- riam na colénia portuguesa da América verdadeiros gigantes sem para lele, quer nas ilhas atlanticas, quer, ulteriormente, nas explora - (23) | assim, se Gandavo (antes de 173) estimava em gées antilhas ‘) | para Cardim 3 mil arrobas anuais a produgao média dos engenhos ‘” - cércade 10 anos depois - sua produgdo atinge de 4 a § mil arro - pas (25), Mais adiante, por volta de 1618, diria Brandonio que um bom engenho produz "seis, sete, oito, nove, (a) dez mil arrépas de acuear", e mais, que os engenhos de menor porte que produzem até § mil arrobas de aguear, s4o de "pouco proveite para seu dono" lei, datada de 1609 (!), sobre a protegSo de bosques e matas (38 | Da mesma forma intensificava-se a busca e, possivelmente, a disputa de locais adequados 4 instalag&o de rodas d'agua -sobretudo se se tem em conta que o maior rendimento deste dispositivo € conseguido,quan do a roda & ferida pela agua em seu extremo superior (36), ariac,j4 na descrigéo do recéncavo baiano feita por Gabriel Soares percebe- se a preocupagao do autor (que estaria 4 época construindo o seu se gundo engenho) com o levantamento dos sitios vantajosos para a instalag&o de novas rodas hidrdulicas (37), Os engenhos eram - e permangeiam na expansao - pratica - mente independentes uns dos outros. Cada um tratava de solucionar os seus préprios problemas, encomendando no exterior ou improvisan- do localmente tudo aquilo de que necessitavam. 0 emprego de meios de transportes fluviais e maritimos, permitindo a cada um enfrentar por conta prépria a diffcil questo do escoamento das safras até o porto de embarque, reforgava esta tendéncia. Segundo Frei Vicente , a tal ponto se adotara a prdtica do auto-abastecimento que se torna va dificil adquirir os mais simples alimentos - de que dispunham em abundancia as casas particulares. Reflexo disto, era calamitoso o estado das "cousas publicas" - fontes, pontes e caminhos - jis "nem um homem nesta terra é repiblico, nem zela ou trata do bem comum , sendo cada um do bem particular" (38), A suficiéneia dos engenhos tinha por contra partida a insignificdncia da vida urbana. "Uma cidade representava fator some mos na organizagdo ecoeva. Habitavam-na governador e bispo com seus famulos, militares jofficiais de fazenda, justiga, mecanicos, merca~ dores. Casas fechadas a maior parte do ano possuiam os abastados , para maior commédidadeiinas festas eclesiasticas ¢ outras occasiées" 32) 3. Eseravo de engenho Muitas das caracterfsticas anteriormente assinaladas apro ximam o engenho de uma empresa capitalista. N&o obstante todas as cdmilitudes hd uma discrepancia fundamental: o engenho opera 4 base do trabalho escravo. Como se processa e como se organiza o trabalho com que mestres e escravos poem em operagao a complexa engrenagem do engenho? Comecemos pelo campo, onde o trabalho & distribuido numas poucas tarefas claramente diferenciadas. Durante © perfodo da safra os cortadores munidos de foice devem abater e limpar, diariamente 5 uma enorme quantidade de canas -350 feixes de doze canas,cada um.Ao lado do cortador trabalha um auxiliar ~ em regra uma escrava ~ in - cumbido de amarrar os feixes de cana‘#0)¢-o5 dois trabalhadores 2 tal ponto se completam que se tornou costume referir-se ao par como una "foices (4) Os. feixes s%0 empilhados no carro ou barco e “evados pa ra o engenho, onde a cana deverd sem mais tardar, ser passada pela moenda. Simultaneamente um grupo de escravos ~ somente homens - cs~ tard abatendo a lenha que ira alimentar as fornalhas. Para estes tra balhos, bem como para outros no interior do engenho, sao estabeleci das tarefas diarias e, "se lhes sobrarem tempo, sera para o gasta ~ vem livremente no que quiserem". Contrariamente, na capina da cana. que se concentra nos meses de inverno (vale dizer no perfodo das chu vas) e em alguifs outras ocupagdes, nado ha tarefa definida, havendo que trabalhar "desde o sol nascer até o sol posto” (uz) a A roda d!4gua, que move os engenhos "reais" do Brasil} via sido de hd muito, introduzida no funcionamento dos moinhoss¥egun do o dito de Antipatro (15 A.C.) com isto poderiam os moleiros repou sar, "pois agora as ninfas do vio se encarregam de seu trabaiho 3 Nos engenhos de agiicar, contudo, a roda d'agua vinha a permitir um 16. regime ininterrupto de trabalho: no extenso perfodo da safra, "no tempo da noite ... se moi igualmente como dé dia (4!) :Emais, a semana € "solteira", ndo havendo interrupgSo siquer aos domingos para limpeza. A importancia do trabalho sem interrupgao € mesmo tal que, observa Antonil, o dispositivo que permite o desvio de Agua e a parada do engenho chama-se pejador, "porventura, por se pejar um engenho real de ser retardado ou impedido, ainda por um instante e de no ser sempre como é azo, moente e corrente" (45) panhar este ritmo incessante de trabalho, grupos de escravos reve~ . Para acom zam-se dia e noite. £ tal a carga de trabalho, que os escravos vi- vem caindo de sono, do que resultam, ndo raro, sérios acidentes ‘"®), “dorminhoco como um negro de engenho" seria uma expressao daf nas. cida on) . Em torno & moenda, opera uma equipe cujas tarefes estado assim divididas: "Num dos lados, assistem dois negros, que continua mente introduzem a cana nos eixos, os quais a arrebatam, comprimin do num estreito espago, sendo necessario 0 servigo de um negro para tirar a cana prensada chamada bagago. Este bagagc € carregado por dois outros negros para um certo lugar, onde é acumulado ..." (#8) 0 ealdo extrafdo da cana serd fervido, clarificado, coa~ do, "melado", temperado e purgado - quando finalmente se obtém 9 agiicar. Asztransformagées se dao 4 medida que a matévia-prima avan- ga de recipiente.a recipiente. 0s escravos, dispostos ao longo da cadeia serao conhecidos ora pela fungao que exercem - por exemplo quidandeiro ~ ora pelo "equipamento" com que operam - caldereiros , tacheiros, etc. As etapas do processo de produgao se relacionam tecnica~ mente, 0 que regula em certa medida o ritmo de trabalho. Assim, o feitor da moenda, devera saber "quanto caldo ha mister nas caldei - ras, para que saiba com este aviso se had de moer mais cana ou parar até que se dé vazdo, para que nao azede o que 34 esta no paro1" (49), Da mesma forma, na fornalha, "o metedor ha de estar atento ao que Ihe mandam os caldereiros, botando precisamente a lenha, que os de cima conhecem e avisam ser necessario, assim para que ndo transbor- de © caldo ou melado dos cobres, como para que nao falte o ferver‘°°) (ser pela sua interdependéncia, quer pela propria nature za das transformagées que levam 4 obtengao do agicar, 2 maioria das operagdes tem seu tempo de duracao pré-estabelecido: "pzixa-se alim par o caldo na caldeira do meio, comumente pelo espago de meia hora; e, ja meio purgado, passa a cair na caldeira de melar por uma hora, GD | através de expedien ou cinco quartos, até acabar de se escumar" tes varios o engenho em seu conjunto consegue o pleio aproveitamento das matérias-primas. Assim, o refugo de certas operagSes - como por exemplo a "segunda escuma" - retrocede, voltando a alimentar o pro - cesso em etapas anteriores; a "cinza das fornalhas serve para fazer decoada" 52); 5 pagaco sera, em parte pelo menos, queimado e levado ao campo como abo 683), 05 animais também sGo contemplados no pro- cesso: a primeira escuma, "imundissima", "vai caindo pelo dito cano em um grande eccho de pau e serve para as béstas, cabras, ovelhas ¢ porcos". Por fim, os préprios escravos sao integrados no circuito,to mando de uma escuma mais limpa "para fazerem sua garapa, que & a be~ bida de qu* mais gostame com que resgatam de outros seus parceiros Beg (54) des’ , ey 7 7 A primeira vista, o que chama a atengdo na condigao do es. eravo, € o chicote do feitor e a brutalidade geral do trato destes "fSlegos vivos": houve casos de escravos langados vivos 4 fornalha farinha, banana, afpins e fe: Mas, nos engenhos, sobretudo, por tras das relagdes de dominio, «=: tem e imperam condigdes de produgdo (58) - ¢ foi isto, justamente que procurei ressaltar nas paginas que precedem. Recapitulando, o trabalho eseravo nos engenhos pode ser assim caracterizado: - a jornada de trabalho é tao extensa quanto fisicamente possfvel, durante o longo perfodo de safra (57), = a elaborag&o do agiicar & um processo miltiplo e comple x0, mas @ divis&o do trabalho encontra-se suficientemente avangada, para que a tarefa de cada um seja simples e repetitiva. Cont-astan- do com o trabalho artesanal, o servigo do escravo nao tem "poros” - momentos de folga em que o trabalho é interrompido para mudangas de local ou de ferramenta 5*, - amatéria prima percorre diferentes estagios e os escra vos em equipes -esquipagdes na linguagem de Antonily‘>9)¢ = revesadamente ocupam os seus postos de trabalho. Os es- eravos num certo sentido ndo "produzem", sendo o agucar produto do engenho, uma colossal estrutura técnica que incessantemente traga ca na, lenha .-. e escravos. 4. Digresso histérica: o longo e tormentoso caminho da fabrica "Mestres, aprendizes e jornaleiros eram, nos primordios das corporagées, praticamente uma 86 classe", sendo que a maioria dos ‘fornaleiros, ma‘s cedo ou mais tarde tornavamsse pequenos mestres' ‘0? 8. Aos poucos, porém, foram sendo criadas dificuldades para a ascensis a mestre o que da nascimento a uma classe de jornaleiros permanen - tes e, altera progressivamente o cardter das corporagdes remanescen tes. De um lado consolidavam-se as velhas organizagées, agora como "corporagées fechadas", de outro comegam a desenvolver-se associa - gdes de jornaleiros. . A ampliagSo dos mereados e a expans20 ds negdcios ao longo dos séculos XIV e XV, favorecia o crescimento das fungdes co- merciais dos "mestres", que cada vez mais se distanciavam dos artfi- fices - jornaleiros. Estes, por sua vez, percebendo o crescente di-~ voreio de interesses, nao hesitariam em chocar-se com seus "patroes”, em torno a forma e niveis de remuneragdo, processos produtivos e mesmo qualidade de produtos. As lutas daf nascidas seriam particular mente violentas nas grandes cidades alemas e no norte da Itdlia,mas n3o deixariam de surgir também na Inglaterra e na Franga ‘°1), As corporagées de artifices se mostrariam especialmente combativas frente aos .jrandes comerciantes menufatureiros que empre a + Sua capacidade de controle, enorme em certos casos , gavam em ampla escala ¢ colocavam seus produtos no mercado "inte: (62) cional" pode ser ilustrada relo seguinte episddio. Em "1570% Paolo de Siio~ ne, fiador em séda, pediu permissdo para ter um tingidor em sue pré a a controlar com seus proprios olhes o tingimen- pria loja, de fox to do tecido. A corporagao dos tingidores se opés ao pedido temendo abrir com isto um precedente no sentido de que outros produtores pu dessem ter tingidores em suas lojas sob sua supervisSo "mantendo-cs como escravos e fazendo-os trabalhar pelos salarios que quisessem"‘®?) Dentre as normas que pautavam a organizag&o do trabalho a époea, destacavam-se a rigorosa diferenciagao das “artes e a re~ produgdo, em quaisquer circunst&ncias, da hierarquia tradicional , distinguindo, fundamentalmente, entre mestres e aprendizes. Isto se estendia mesmo is indiistrias recém-surgidas e vo=tadas para as ex~ portagdes. Assim, numa fundigZo de objetos de bronze, que produz em massa para o mercado "externo", e onde ja se observa uma incipiente divisdo do trabalho, distinguem-se, ainda, como de praxe, mestres e aprendizes ‘®") po outro lado, quando inequivocamente parcelado o trabalho, as diferentes tarefas tendem a ser tomadas como “artes” . Assim, na produg3o siciliana de agicar, "0s trabalnadores ficam isen tos dos deveres c{vicos curante o tempo de seus contratos, e dividen “se em categorias ..." "... hd "tagliatores" que cortam a cana, "in- fantes planae", jovens que a recortam em mesas especiais, “insaccatg 8. res", que poem os roletes em sacos, “lavatores saccarum", que lavam os sacos, "infantes ignis", mogos que trazem o combustivel, e "fuca tores", que alimentam a fornalna" (65), A combatividade de artifices e jornaleiros urbanos foi em boa medida contornada através do ulterior desenvolvimento de in~ dustrias rurais,que distribuiam trabalho "a domicilio" e aproveita~ vam-se das correntes de 4gua para a realizagao de umas poucas opera goes centralizadas. Para o camponés, a fiagSo, por encomenda nao t: zia uma transformagao profunda de seu regime de trabalho. Era, afi- nal, uma atividade de carater complementar: "Durante o tempo da co~ lheita . tinham que parar por falta de fio" as rodas de fiar ficavam paralisadas e os préprios teares (6) . Crescia, no entanto, sua distancia do consumidor, e concomitantemente, sua dependéncia do comerciante~fornecedor. KR medida que, por diferentes processos histdéricos, que ndo nos cabe discutir, ia se concentrando a propriedade da terr desapareciam os campos e bosques de uso comum, crescia a massa de individuos desligados da terra e potencialmente empregdveis pelas "easas de trabalho". 0s indivfduos que se sujeitavam a ingressar nes tas grandes oficinas, "homens sem propriedade e sem domicilio : xos ...' eram "fundamentalmente, deslocados sociais". Na Alemanha em particular, ainda a meados do século XVII, as chamadas “manufatu vas centralizadas" se assemelhavam a instituigdes penais - donde a expressio corrente "casa penitenciéria e de fiagao" (67), A relut&ncia generalizada ao trabalho nas oficinas manu, fatureiras é assim descrita por um autor citado por Mantoux:"£ um fato bem conhecido para os enfronhados no assunto ... que o trabalha dor manufatureiro que pode subsistir com trés dias de trabalho fica ré ocioso e bébado o resto da semana ... Os pobres nos paises manu~ fatureiros nunca trabalham mais tempo que o necessdrio apenas para : 8 ras viver ..." (88) marx, que desereveu com as mais vivas cores, o pro cesso de subordinacao e enquadramento dos homens expelides do campo dizia que a massa liberada, "para viver, sé poderia escolher entre a venda de sua forga de trabalho ou a mendicidade, a vagabundagem avapina. A historia r@§ ensina, que esta massa tentou primein te tomar este O1ltimo caminho, mas foi desviada do mesmo pelo poder, © pelourinho e o chicote e empurrada pela estreita via que ecnduz mercado de trabatho" ‘69, i Por que se resistia, obstinadamente, ao trabalho nas sas de trabalho" e ulteriormente nas fabricas? Porque nelas era -10. sa - e cresceria on o tempo, até as primeiras décadas do século XIX - a jornada de trabalho; porque as condigdes ambientais ali encontrades eran péssimas; porque o servico eva rotineiro, nada sendo decidido pelo trsbalaador; e, por ditimo, mas decisive, por- minimo o saldrio dos t que os patrées tudo fazian pare vedui balhadores. on, as manufatures fariam dos Be acdrdo oor. ngle ses "uma nago de ilovas , Seu disefpulo f- Smith, acrescente ria: "0 homem cuja vide repetinds umes simples operagses «++ a geralmente torna~se Ao s ignovante como é possivel a um ser humano toraar-s 5 en suma, a isto tudo que ce resis~ tin; o homem do povo ato rnay-se "mao-de-obra". Para ele 5 a "fSbviea ena vma nova fF 540; 0 relégio um novo tipo de 7 carsereiro" $7), as press6es da legislagao cont ornativas sanbin a pregagio de doutrinas ¢ valores a "vadiagen séculos, terminariam no entanto por "nodernos® , vencer (73) + A dos pigores do regime fabril, (74) a padvées de censumo cos trabalhadores > fa aliada @ nelhevi cilitariam enernd eoit.gaéo das novas condigées de trabalho ~ eo neio ambiente s=bril no tardaria a converter-se numa “segunda natureza" pava a recem surgide classe operéria. 5. A questdo do ir7balho escravo A adogio do trabalho eseravo, desde os primérdios do regi me colonial nas Matrices ven sendo tradicionalmente explicada de duas maneiras. Tomewos estas ex? s, como elas surgem em Capitalism e Escravico de ric Williams. A mais simples delas ~ simplista mes- zac cos, ou melhor, quantitativo 35a em mo s@ expre! pa no século XVI, os trabalhadores car, do tabaco e do,algo adequada para permitir ¢ nfo pode larga es "2. sunpreende pele infelicidade nu A ma cbra, Ge peoposiigho do ante estinulante. Antes de mais +o, extmondinant a afipmativa carece de senti~ da, porque formulaca em tors globa do: uma pequens par os suropeus vindos para o Nove Mundo, seria no-intistria de Barbados; ac invés disto, o bastante para opex om boa medida, expelidos, com o adven- os que ali j4 es to do agicar. Yor outers aco, LA que ver, que do infeio do séeule XV sll. ameados do século XVII, a Inglaterra atravessou um perfodo de exir ordinéria expanso demografica - passando sua populagao de menos 3 para mais de 5 milhdes de habitantes (78) - © que, aliado & diss-- lugao dos mosteiros e ao primeipo SEmeg Se surto de "fechamentos via margem 4 proliferac%o dos etpaupers"), andarilnos =, "yagabundos" e salteadores,que tantos problemas trouxeram aos Tudor. 0 mesmo argumento, no 4mbito das relagdes Portugal~Bra - come em Furtado ‘77) - tem maior validade, pelo menos numa perspec tiva estritamente quantitativa. Ainda aqui, no entanto, ha de ter-se em conta, que a to referida pobreza demogrdfica de Portugal € em par te iluséria, pois refere-se ao pafs como um todo, ignorando os con - trastes entre o Minho onde "pequenas propriedades e grandes familias eram a regra geral e 0 Alentejo e o Algarve, Sreas de domf{nio lati- (78) | de qualquer maneira, lembr fundiario e escassamente povoadas mo=nos que os portugueses partiam para a India em quantidade: oiten~ ta mil homens de 1497 a 1527 ‘7, 4 itha de S20 Tom’, no entanto , que 4 mesma época conhecia um vigoroso surto agucareiro, devia con tar, fundamentalmente, com deportados, para obter reindis, e os 3 ou 6000 trabalhadores de seus engenhos em 1540 (°°), cram escravos africanos ... A segunda explicagao, ainda como a formula E. Williams , invoca o fato de que dada a abundancia de terras desocupadas, torna -se necessdria a compulsao para que se obtenham trabalhadores nas grandes exploragdes coloniais. "Sem esta compulsao, o trabalhador iria exercitar sua inclinagao natural para trabalhar sua propria ter rae labutar por sua propria conta" ‘81), Esta é uma velha tese para sempre associada aos nomes de Wakefield e Marx ~ conquanto, en tre nds, tenha sido inequivocadamente formulada (ainda que em defe~- sa da eseravidao) por Azeredo Coutinho: “entre as nagdes em que had muitas terras devolutas e poucos habitantes velativamente, onde ca~ da um pode ser proprietario de terras, se acha estabelecida, como justa a escravidio" (92) | £ justamente diante desta tese - indevidamente retirada- da de seu contexto cldssico, a "moderna colonizagao" do s&culo XVIIT ~ que a digressZo anteriormente feita torna-se particularmente im ~ portante. Para o europeu dos séculos XVI e XVII, 0 trabalho corren- te na grande lavoura e nos engenhos coloniais & simplesmente inacea tavel. Ou, visto por outro Angulo, e nas palavras do governador Go mes Fre*re de Andrade em 1665: "Sabida coisa é que os trabalhos das suas fabricas sé escravos podem suportan" (89), na mente da época a idéia de que um homem livre fosse reduzido a A vigor, nao cabie 12. “prago" de outrem. Ainda em 1700, buscando retratar a situagdo do es cravo diria o jesuita Jorge Benci: "Trabalha o livre e colhe o fruto de seu trabalho: trabalha o servo e o fruto do que trabalha colhe-o seu senhor" ... "pode haver sorte e estado mais lamentével?" "ver eu que outrem come, as maos lavadas, o que eu trabalhei e me custou o meu suor" Se ao pobre europeu do século XVI era estranha a moderna condig&o de "trabalhador" - com mais razdo era ela alheia 4 experién cia portuguesa. A propésito, convém relembrar o regime de remunera - g&0 dos marinheiros lusitanos. Além dos proventos normais, tinham eles participago no préprio coméreio, concebidd’ como empresa conjun ta de toda a tripulagdo. Nas expedigSes 4 India cada homem do mar , de acordo com o seu posto, era autorizado a adquirir certa quantida~ de de pimenta: "£ disso causa os muitos lugares que Sua Majestade ne, las (naus) da, porque o capitao tem sua camara, despensa e outros lu gares da mesma maneira o piloto, mestre, contra-mestre, guardiac, marinheiro, que todos tém lugares assinalados, de modo que até o me- nino grumete e pajen ndo carecem dele ..." 8°) 9 gineito & partici pag&o no trdfico, denominado "liberdades da India" ou ‘dos homens do max" foi mantido até 1648, "quando D. Jodo IV, suprimindo~os, orde - nou que a remuneragZo se restringisse 3s soldadas” (85), Diante do que precede, parece~me claro, nao faz sentido falar em "escassez de oferta de mao~-de-obra" C87 om Portugal, e is~ to, independentemente de haver ou nao uma grande quantidade de pobres sem terra e mesmo sem paradeiro no Reino. Por razées semelhantes ,nao é possivel “explicar” a escravid&o nas colonias pela tese fronteira aberta-trabalho compulsério, j4 que para isto,é necessdrio transpor para o meio colonial quinhentista o seguinte tipo de raciocinio:"se se imaginasse uma produgao exportadora organizada por empresa4rios que assalariassem trabalho, os custos de produgdo seriam tais que ip , isto porque, "os salarios dos pediriam a explorag3o colonial ... produtores -diretos tinham de ser de tal nfvel que compensassem a al- ternativa de eles se tornassem produtores aut6nomos de sua subsistén cia evadindo-se do salariato ..." 8), ona, assim como, nao existiu sempre "m&o-de-obra", tampouco cabe supor que o europeu, 4 época em que tinha inicio os trabalhos nas col@nias, pensasse em termos de “alternativas", mormente sendo elas a propriedade de terras ou 0 trabalho no engenho ~ seja no eito, seja na elaboraga: do acifear . Lembremo-nos que para A. Vieira, os trabalhos do agiicar evocam a paixdo de Cristo, que "parte foi de noite sem dormir, parte do dia sem descansar, e taes sdo as vossas noites ¢ os vossos dias" ... "e no é isto mesmo o que passa com os servos?" (84 18, abalho, nem genero de vida no mundo mais parecido 4 Cruz "N&o had e Paix&o de Christo, que o vosso em um destes engenhos" (89). N&o obstante o anterior, advirta~se que um niimero conside rdvel de portugueses trabalhou no agiicar. Os grandes engenhos empre- (90) gavam de 15 a 20 reindis » genericamente chamados “oficiais" e "mestres". Os termos dispensam comentarios, sao fungdes de comando , com denominagSes nitidamente procedente do regime artesanal de traba lho. Trata-se de indivfauos muito bem pagos ‘°), @ a eles, sim, tal vez ocorresse estabelecer-se na lavra de mantimentos - desde que lo- os escravos de que dependem to- grassem comprar, "por subido prego (92) dos aqueles que “fazem suas lavouras" no Brasil A Gltima ponderagao merece ainda um reparo. Estabelecer sitio ou granja no Brasil, nio era o mesmo que em outras partes. So~ bretudo nos primeiros tempos, seria, alias, uma temeridade afastar~ -se dos engenhos para instalar-se em matas e campos despovoados. A proteg&o dos senhores. era, entdo,praticamente indispensdvel aos mo- padores: os engenhos, "aldm de fabricas de aguear, eram baluartes ar mados e sempre alerta a ataques do gentio, de corsdrios, piratas ou inimigos" ©82), Fora o que, da. {gnulidade da vida urbana, e 2 tendén cia & auto-suficiéncia dos engenhos (no que toca a mantimentos) 0 pequeno produtor arriscava-se a ser um elo perdido de uma cadeia ine xistente. Passados os primeiros tempos e consolidada a economia mo- nolftica dos engenhos o pequeno niimero expressiva retomada da produgio agucareira de engenhos ali caracterizados como movidos a Agua parece-me em boa medida, decorrer, de que na maioria dos casos a forga motriz empre- gada simplesmente nao é indicada: diz-se a freguezia tal, dispde de tantos engenhos, sem que se indique a forga motriz 6209) | Cumpre advertir, no entanto, que o que acabamos de afir- mar aplica-se, de preferSneia, 3s principais zonas produtoras, e em especial 4 maior delas, o recSneavo baiano. Areas menos favorecidas e de import&ncia secundaria, empregaram com muito mais frequéncia, pequenos engenhos de tragdo animal, De acordo com o Padre Vieira, os engenhos do Rio de Janeiro eram, em sua maioria, meras engenhocas , "eomo ali so chamados, sendo que trés deles ndo chegam a igualar a um engenho grande, tanto em tamanho como em rendimento" ©2210, segue ramente, algo de similar poderia ser dito a respeito de Sergipe. Por outro lado, parece-me claro que apds mais de um s&culo de crise, quando retoma o agucar brasileiro no filtimo quartel do s&culo XVIII, os grandes e poderosos senhores dos primeiros tempos j4 constituem excego, Dentro os engenhos ent&o surgidos, possivelmente, um grande niimero ser€ de pequeno porte. Deixemos para mais adiante o tratamen~ to deste tema. Admitida a equivaléncia das técnicas caberia ainda ter em conta a possibilidade de que as noves colonias agucareiras, ocu= pando terras virgens, levassem sens{vel vantagem sobre o Brasil, cu> jos solos j4 estariam se ressentindo do uso intensivo na cultura da cana. Esta hipStese tende a ser facilmente aceita j4 que uma das "caracteristicas" do trabalho escravo, segundo muitos, é a progressi va destruigZo do solog: "0 cultivo por escravos.,.. portanto, nado per mitindo a rotago de culturas ou a geréncia qualificada tende inevi- tavelmente a exaurir a terra do pafs e conseqtentemente requer Seu sucesso permanente no meramente um solo fértil, mas uma extensdo pm ticamente ilimitada de terras" (71). wiitiams @ ainda mais taxativo: "Q maior defeito da escravidio reside no fato de que ela rapidamente exaure 0 solo... "6?22) 0 rapido decif{nio da fertilidade nfo sd fot de fato veri, 39. ficado nas Antilhas em geral, como @ mesmo apontada como o principal fator da crise de Barbados vinte anos apenas apds iniciado o cultivo extensivo da cana na itha ‘218, No 1itoral nordestino, porém, o qua dro era outro. A vresisténcia dos magap&s ao desgaste por cultivo de cana € comprovadamente excepcional, "0 salao porém e as areis mistu vadas ainda que ndo tem vigor do magapé, tem em compensagao a pro~ priedade de se restabelecer depois de esgotada, dentro de 3 ou 4 anos, Spare pdoree crescer algum mato e tendo-as em descanso, quando se nao quela fecundi-la com estrumes. Depois disto ellas produzem admira- velmente a mesma cana.,."°21" | wo era pois sem razio, que desde ce do se gabava as qualidade da faixa tmida litoraneas para o cultivo da cana, Seu desgaste era notadamente lento, o que combinado com a imen sa quantidade de terras, possibilitando novas derrubadas, permitia que se trabalhasse indefinidamente com solos vigorosos. Em suma, 0 cansago das terras, vez por outra aludido, por um ou outro autor, nao chegou a ser um grave problema para a cultura canavieira nordestina. Quanto muito, impunha o abandono de certas terra a beira-mar ea cons trugdo de engenhos de "terras dentro", "que hoje sao de maior rendi- mento", segundo Antoni1 215), Mais importante que o desgaste do solo foi no nosso caso o distanciamento e consequente encarecimento da lenha, 4 medida que progrediam as derrubada; este ponto ser mais adiante retomado. De qualquer forma, a depauperag3o progressiva do solo, que permite a concepgaio de um ciclo ou modelo evolutivo, distinguindo a implanta- gdo, o auge e o declinio do agucar - valido, pelo menos, nas peque- nas ilhas do Caribe - no foi verificada no litoral nordestino 6718, Tampouco ai residem, por conseguinte as refzes da grande crise que se abate sobre os engenhos brasileiros na segunda medate do sdeulo XVII. 3. A crise em marcha; a reagHo dos senhores Afastadas a explicagZo mercantilista, a tecnoldgica e¢ a fundada nos rendimentos decrescentes da terra, onde devemos buscar as vazdes de ser da perda da hegemonia dos engenhos brasileiros? Recapitulemos em breves tragos o desenrolar dascrises li mitando-nos de infeio, 4 verificadag$ no século XVII. A sucessHo de crises tem infcio, como j@ foi assinalado, com a invas%o holandesa da Bahia em 1624/5. Ja neste primeiro episé- dio irrompe com extraordindrio vigor, algo que viria a marcar a vida da colonia durante o perfodo que se abre: a atitude militante dos se nhores, mobilizando todos os meios ao seu alcanse na defesa de seus multiplos interesses. Tanta é a forga que exerceme em tantas dire 40. gdes, que seria valido utilizar as reivindicagdes e medidas tomadas en defesa dos engenhos, como fio condutor da andlise neste primeiro pe riodo erftico. A inoursio holandesa teve como consequéncia a perda de “neia safra dog agueares do ano de 623 ¢ toda a de 624, ¢ muita parte da de 625" . As perdas, em prine{pio, nio eram to grave mas os engenhos revelavam-se bastante vulneraveis: "faziam-se muitas execu gdes, e no cobrar das dividas os agueares eram arrematados por metade do prego que valiam" (218 . 0s senhores, através de seu mais potente instrumento de poder, a Camara d@ Senado, realgam suas dificuldades e tratam de pressionar as autoridades do reino, A amplitude de suas rei vindicagSes @ realmente de surpreender, As medidas preconizadas cha- mam a atengao sobre questGes cruciais para o presente e o futuro da colonia, Vejamos, sumariamente, que reivindicam os oficiais da Camara de Salvador, em sua representagao datada dé 1626, Primeiramente, tra tam de garantir-se o fornecimento de cativos baratos, langando mao para isto, das reservas de silvicolas: "- Que VY. M. mande passar provisSo para que o Governonador do Rio de Janeiro faga vir para esta Capitania todos os Indios dos quintos dos que ora descer%o do certdo de Sao Paulo e se faga por ajw tar nas ditas capitanias gentio para se fazerem duas aldeas e se mane dem buscar em dous navios..." "= E assi. mesmo se lhe conceda que a custa da mesma impo sigZo se mandem navios aos portos a descer gentio de paz até mil almag por que por falta delle se vai cada vez emprobecendo esta capitania.! "- Que mande V. M. passar proviso para que o Governador de licenga para se hiv ao certGo descer gentio donde o ouver..." Pedem a seguir que a moeda seja desvalorizada para sustar os "déficite comerciais", de que vinha resultando verdadeira drenagem da moeda colonia. Solitam ainda, para reanimar o comércio, uma inje- gio monet&ria co” numerfrio "batido" na prdpria colonia. "— Que dé-V. M. licenga se acrescentar dous vintens em ce da pataca para que assi se nao leve deste estado o dinheiro, que he cauza de abater muito os pregos dos fructos da. terra". "— Que V. M. conceda licenga para que neste estado se ban 1 cruzados de moeda de cobre e outros tantos de vintens tHo até 50 e dous vintens, porque so mui necessdrios para o comércio e uso da terra". wl. Por fim, reivindica-se iseng3o tributaria, por um prazo de dois anos, assim especificada: "- Que V. M. lhes faga mercé aos moradores daquella Cidade e seu districto que nfo paguem direito de seus fructos nestes primei-~ roe dous annos..." (229), Neste mesmo ano, reuniam-se os oficiais de Camara para de- liberar sobre o prego (mfnimo) do agucar em casos de liquidagao de df- vidas, tratandc, ainda, de suspender as cobrangas de dividas, para que nfo sejam os moradores executados" (220), Estas medidas —adicionais vem como que completar o quadro: estamos diante de um auténtico progra ma de defesa da economia agueareira. Daqui por diante, década apds 4é- cada, ao longo das sucessivas orises, grandes forgas serdo mobilizadas em torno a estas medidas. As marchas e contramarchas do governo metro- politano, acatando, qualificando ou rejeitando a polftica econdmica dos senhores, serao outros tantos sinais de conjunturas mais ou menos favoraveis e da maior ou menor press%o por parte do "povol da colonia. A pretendida reativagZo da escravatura indfgena, asseguran do fontes internas de abastecimento de cativos, adquiriria maior im- port&neia a seguir, dado o agravamento das lutas com os holandeses sua extensdo 4 costa africana. A par disto, tratava-se de medida que solidarizava as capitanias ricas e pobres. Com efeito, as dificuldades para a aquisigao de afrizanos sempre foram grandes nas areas menos do~ tadas. Se a Camara da Bahia clamava por Indios, as atitudes no Rio de Janeiro eram bem mais viclentas. Assim, quando do conhecimento da bu- la de Urbano VIII (1639), declarando incorrer em excomunh%o os que ca~ tivassem e vendessem os frdios e "para evitar que esta cidade do Rio de Janeiro se levantasse".., "convocou o prudente governador procurady res para uma concordata do povo com os Padres da Companhia...". Mais violenta ainda seria a reagio em S30 Paulo, onde nfo havia lavoura que permitisse a aquisigdo de afvicanos e o apresamento de silvfoolas era um tradicional meio de vida ‘221) | Uma das principais frentes de luta dos senhores foi sem di vida a questGo das dividas, sua cobranga e execugdes. A colocagdo de obstaculos 4 penhora dos engennos nao era, em 1626, uma novidade, As~ sim, nos Anais da Biblioteca Necional encontra-se um requerimento onde se solicita que seja "renovada a proviso de 1612 que determina que os lavradores e proprietarios de ergenhos do Brasil ndo pudessem ser exe- cutados, os rrimeiros por maig qyvmetade de suas novidades (produg%o) @ os segundos por dois tergos" 622) , A mais importantes medidas tomadas em favor dos engenhes neste campo, datam de 1636 e de 1663, Procura-se em ambos os casos estabelecer o prinefpio de que na cobranga’das dfvidas os engenhos nio 42, podem ser desmembrados, e mais, que o seu pagamento deve, em princi- pio, provir dos proprios rendimentos do engenho. A primeira medida & uma provisdo de Governador, enqunto a segunda, que atende a uma re- presentagdo do Procurador do Senado da Camara da Bahia, & ditada pe~ Ja propria Coroa (77), atvavés delas ficam os senhores praticamente garantidos de que sd serdo executados quando suas dividas alcanssem valor semelhante ao do engenho (ou um dos engenhos) de sua proprieda de, Este enorme privilégic, ao que parece nao era ainda o bastante para assegurar os interesses dos senhores, na erf{tica fase que se abre. Em 1665, assolada a Bahia pela epidemia da bexiga e reduzidas as cotagdes do acucar pelo ingresso em massas do produto antilhanow mercado, pressionam e obtem os "Officiais da Camara da Bahia",.."que por tempo de seis anos se nao rematassem por dividas os generos da terraantes do tempo das frotas..," (224), Trata-se, no caso, de cvi- tar que na liquidag%o de débitos o aguear ou outros generos — sejjam computados a reduzidos pregos por falta (arranjo ou conivéncia ) dos compradores locais. 0 mesmo documento informa-nos que a medida seria revigorada por mais seis anos em 1682. Um ano depois, estava o Sena~ do da Camara a solicitar a Sua Alteza que "a iseng3o 4 penhora se ex tendesse aos escravos de cada engenho" (225), Uma outra frente de lutas se abriria em 1644 coma insta rag&o do regime de comboics para a condugSo (obrigatéria) dos navios empregados no comércio da colenia, Em princfpio, tratava-se de um be neficio para os produtores e comerciantes pois vinham se tornando in suportaveis as perdas de navios tomados em pleno mar pelos holandeses, argelinos e mais corsarios que entao infestavam a zona equatorial atlan tica, Na pratica porém, temiam os colonos, com raz&o, que os artigos importados seriam encarecidos. Além disto as exportagdes seriam tam- bém prejudicadas pela necessidade de esperar durante meses (houve ca- sos em que se esperou anos!) pela safda da frota para a Europa. A viva oposigZo das Camaras da Bahia e do Rio 4 implanta- Ho do regime de comboios € para Boxer, um "exemplo incisivo da influ @ncia exercida pela Camaras da colonia e da extensdo de seus poderes" (226) 4 providéneia se mostraria particularmente nefasta para os pro dutores de aguear, pois o produto, paralisado nos armazens da colonia, envelheciga e perdia qualidade, Daf nasceriam severos atritos: os co- merciantes do Reino alegando que foram ludibriados comprando produtos inferiores a pregos de artigos de primeira, e os senhores protestando que o agucar era originariamente (ao ser encaixado) "fino", Juntamen= te em torno a este problema foi redigido o jd referido "Parecer... " de JoaoPeixoto Viegas em 1687, No que concerne ao problema da qualida de inferior do aguear brasileiro, diz Viegas que: "Antes da institui 143, gZo de irem do Brasil juntos em frota que se carregam dos engenhos e partiam os navios logo que se achavam carregados, eram finos os agu- cares e tinham "créditos" e 'bondade" (227) , Juntamente com o regime de frotas, havia sido criada uma Companhia de Coméreio 4 qual caberia organizar o comboio, englobando todos os navios mercantes que fossem ou retornassem do Brasil. Go- zava ela de monopdlio no fornecimento de vinho, azeite, farinha e ba calhau e, posteriormente, lhe seria entregue o "estanco" do pau bra- sil. As eriticas dos colonos ao monopolio do comércio daque- les géneros foram tao ou mais acerbas que os reclamos em relagZo a unificagdo da frota, 0 monopdlio da companhia pouco durou, sendo abo- Lido em 1658: a propria Campanhia dentre em breve seria virtualmente descaracterizada, ao convertemse em junta de Comércio em 1663 ‘778, 9 regime de frotas, porém, foi apenas parcialmente abolido ao ser libe rada a navegagZo para o Brasil a partir de 1658; o retGrno para © Reino continuaria a fazer-se através do oneroso sistema de comboin - em regra anual ou bianual ~ até 1765. A partir do infeio da insurreig3o pernambucana (1644) pa rece ter ocorrido um movimento expansive nas lavouras da Bahia ¢ dco Rio, Atuavam neste sentido, a chegada de refugiados das zonas confla gradas e as altas cotagdes atingidas pelo aguecar. Os senhores baia- nos, que se beneficiam deste movimento, preocupam-se, no entanto, em limitar ou mesmo impedir a multiplicagao dos engenhos. Interessa-lhes, sobretudo, impedin que lavradores montassem engenhos, libertando-se de sua dependéncia; "Os senhores de engenho procurdo ter agregados a si quantos lavradores mais possam ter" '229) ainia mais tarde Cairu, esorevendo, alias, em meio a um vigoroso movimento expansive, Natu- valmente, os interesses dos senhores nfo se revelam tal qual, vindo, por exemplo, entremeados de ponderagdo sobre a delicada questo das lenhas., Em carta datada de 1661, a Coroa, em divida sobre o que mais Ihe convém, resolve consultar os oficiais da Camara e homens do gover no: "se me presentarem aqui alguns papéis em que pretendem mostrar ~ as grandes perdas e danos que se podem seguir aos Engenhos que de pre sente est&o fabricados no reconcavo desta Cidade de se irem acrescen tando outros maritimos por causa de uns e¢ outros se virem a perder pg la falta que ja ha de cana... Pedindo-me mandasse passar lei com as penas que parecesse para que de nenhum modo se consentissem fabricar mais engenhos algum maritimo, nem pela terra dentro em parte onde, prs. judique as lenhas ou canas dos Engenhos que estSo a beira~mar" Neste filtimo terreno obtiveram os senhores uma significa- 4h tiva vitdria em 1681, ao ficar estabelecido que a dist@ncia minima o brigatéria entre engenhos seria de 1/2 légua. Suas veivindicagdes mio foram contudo atendidas na forma originaria, pois a decis&o aplica- va~se apenas aos engenhos de "terra dentro" ~ excluindo-se os mariti mos e autorizando-se expressamente a construgdo de novos engenhos, preservada a distancia estipulada (?°)) , N&o obstante as muitas lutas e algumas vitérias, a situa gdo em 1688 é desalentadora: “os estrangeiros dispensavam os aguca ves porque nado lhes achavam conv niéncia" pela "carestia dos pregos a que subiram eo vicio e faisidade com que fabricam” (792) | quafro anos mais e temos o préprio governador declarant: "Que brevemente deixardo de moer muitos engenhos que jd=niecpotem-cemes-empanbee-que ja no podem com os empenhos que tém, e pelo adiante sucedera o mes~ mo a todos: porque no & poss{vel poderam com os seus gastos" (799), 0 motivo imediato da crise torna-se agora patente : "pelo abatinen- to dog assucares nesse Reino e gastos de fretes, comboio e mais direi tos apenas se tire 14 0 prego que aqui se di por elles". Nestas cir- cunstaneias, os préprios mercadores recusam-se a comprar, preferin- do "levar dinheiro do que assucan" (234), Chegados a este ponto, devemos voltar a ter em conta 0 incisivo "Parecer,,." de Peixoto Viegas: "A causa dos Ingleses ¢ Fran eeses e os mais do Norte se divertirem do assucar do Brasil... foi o excesso de prego a que chegou em Portugal pelos anos de 44 até os. de 54, que se vendia no Reino a 3.200 reis e 3.500 reis... Se logo que cessou a guerra, se tiraram os novos direitos que se acrescenta~ vam pela necessidade dela, podiam os do negécio baixar-lhe o prego..! e os estrangeiros "ndo se cansariam em busca-lo em outra parte como fizeram". Mas isto nZo se deue “este incendio taianho (a crise atud) se nos originou daquela faisca de cobiga inconsiderada" (2387, Apés denunciar o que pensa serem falsas solugdes, afirma Viegas, categdrico: "consiste o remédio em tirar a causa que originow o mal... alivie-se o agucar dos (impostos) que o carregaram no tempo que ele tinha preco grande... tiresse do tabaco os rigores do estan~ co" e a "carga insuportavel do vintem por libra ficando (apenas) os direitos que antes tinha". Na sua ousadia vai ainda mais longe Vie- gas, defendendo o refino dos agucares inferiores na colénia: “podia ajudar contra os acucares de Barbados e Indias, mandar Si Majestace que no vio a Portugal os batidos e mascavados... e para se aprovei- tarem no Brasil os mascavados mandar S, Majestade que se refinam ca que a isso acudirdio logo oficiais desta mecanica, e armadores deste negdcio como tem os estrangeiros". Nao vé, porém, que haja saida veal papa a colénia "porque os seus frutos lavram-se hojeYabun dancia pelos estrangeiros" encerra o parecer com uma exorta glo desdenhosa e previdente: "Vejam 1£ os sdbios da politica qual pode ser o remédio, cu lhe nfo vejo, senfio dar-nos peus algum novo fruto de estima e prego” (26), No ano seguinte ao Parecer de Viegas, vemos sur+ tir efeito a pressdo exercida pelos interesses da colénia. Ea carta datada de 16 de margo de 1688 © cnderegada ao governador Matias da Cunha & dito: “Bu El-Rei vos envio muito sauder. Sen do-me presente o estado em que se achava o comércio deste Rei- no, € que os géneros dele no tinham saca porque pars os s+ trangeiros os havia deixado sem conveniénoia a carestia dos Pregos a que subiram, e o vicio e falsidade com que se fabrican 0S agueares de que resulta & Coroa e aos Vascalos tio grande prejufzo como € a falta ¢o comfrcio... Fui servido manda acs Tribunais a que tocava que vendo-se, considerando-se esta mats ria com a circunspecgiio que mereeia a sua importincia, e que havendo-se para este efeito todos os nomens priticos em o ne~ gécio de cuja experigncia e verdade se pudesse esperar o | me+ ihor arbftrio me consultassem com o seu parecer os remédios que se deviam dar aos danos que atualmente se experimentava no coméreio ... @ parecendo conformemente que os danos do conér- cio tenham a causa conhecida na carestia dos Pregos e no vi{- clo e faisidade com que se fabricavan os agucares com que ere preciso dar-se tal forma e providéneia que na prego dos sineras Rouvesse moderagilo e na fabrica dos agucares verdade porque en quanto assim nio fonse nao teriam conta acs estrangeiros e crex serian os danos do coméraic até a sua ultima e total rufna.., mandei pelo que pertence a este Reino abater os direitos nas AlfEndegas no agucar e tabaco, e pelo que respeita a esse Esta do estabelecer e publicay a lei que com esta minha carta se vos renetes © porque também se considerou que se devia dar algun a Livio aos vassalos desse Retado nodenandorss, 2 pregos dos ging Pos com que se fornecem os engenhos No ano seguinte, no entanto, algumas destas deci. ses sHo j4 revogadas suspendendo-se o tabelamento doe quatro géneros "com que as fornessem os engenhos" ficando igualmens te Livre o prego do aguear 6238), 4 cormespondéncia de Canara Coutinho que governa a Bahia a partir de 1690, continua retra tando una situagdo de rufna e ingolvéncia; isto pelo menos att a2 (239), Ao longo desta primeira grande depressac vemas os 46. semhores, colhides no auge de seu poderio, desenvolver esforcos en todas as frentes para resguardar seus interSsses. N3o apenas diante do fisco © do comircio seus interésses so vivanente defendidos; também os lavradores, como vimos, sentiran o piso de sua atuagdo. F de presumir-se, ainda, que, como agravamen~ to da crise, os escravos também tenham sido vitimados, por senho res Avidos de cortar despesas ¢ tratando - através de seus fei tores, naturalnente ~ de extrair ainda mais trabalho da mio-de~ vobra disponivel. No caso, porfim, dificiimente se ancontrargo € vidéncias .histéricas. As vozes que entZo se levantaram m favor des escravos, come Jorge Renci e mesmo Vieira, falam em tese, ‘Bo se prestando seu testemunho para a observagdo de novimentos de conjuntura (240). Através da militéncia dos serhores, de sua identi- fieago com ce interesses "gerais" da colénia e da importdncia adquirida por orgios pilblicos como as Camaras de Senado, 2 cols, nia iniciava sua transigdo de um aglomerado de engenho, fazen- das, igrejas « fortes a uma sociedade - ¢ uma economia - em o. brido. E foi tal o fmpeto primeiro deste sociedade em seus pri, medvos passos, que as autoridades de Lisboa ressentidas, decla- rariam, 4 propésito da questo da escolha de magietrados pana a Camara da Bahia: " & CSmara da Bahia se devia logo responder se Vewamente de sorte que entendam aqueles vereadores que Vossa Al teza ndo tinha repartido com eles o cuidado de como hi de gover nar sua monarguia que néo podem ter voz mais que para a sua Gueixa, a que VYossa Aiteza acudia como principe, como pai e co- mo senhor, quando justificadat ¢ 24) | 4. Seguindo e ampliando o diagndstico de Viegas. Pretendemos no que segue sugerir uma interpretagtio da primeira grande depresso, que tendo em conta a cérteira and tise de Peixoto Viegas, va mais além, incorporando dimensSas que the escaparam ou que, talvez, nfo fosse de sua conveniéncia le- vantar, No extraordindrio éxito dos engenhos, nas décadas de passagem do século XVI para o XVII, devem sen buscadas as vat zes mals longfnquas da crise. 0 sucesso da empresa agucareira trazia consigo o desmedido enriquecimento dos senhores, acarre- tendo a ostentagde @ 9 absenteismo, Nenhum testemunho da opuldn cia © estravagincia dos senhores na fase de esplendor (infoio do séeulo XVII) mais eloquente que o de Pyrard de Laval. in We meio a pitorescas observagdes o viajante francés relata o ca- so de um senhor que "possuia banda de miisica de trinta figuras, todos negros escravos, cujo regente era um francés provengal " e “estava a construir um navic de quinhentas toneladas (grande para o tempo), bellissimo, no qual pretendia, dentro de um anno partir para Portugal" (#2) mo de ostentagdo, nio cabe dilvida, perém, que o luxo nao eva + Este era sem diivida um caso extre- pouco na colénia e que oreacia com o Sxite da empresa agucared ra. Tao ou mais grave era, no entanto, um outro proble Mas nascido também do sucesso dos primeiros tempos. 0s engenhos cresciam até atingir um certo tamanho ou escala adequada, a par tir daf e & medida que se expancia a fortuna do proprietdnio, es te - além de elevar seus gastos de consumo ~ fundava ou adquixi seu segundo, terceiro e mais engenhos. Com a multiplicag%o das propriedades aumentava, naturalmente, a dist§ncia entre o pro- priet@rio e 2 produgSo, entre possuir engenho e fazer trabalhar escravos, Por isto mesmo preoscupa-se um individus como Jo&o-Fer nandes Vieira, dono de pelo menos cinco engenhos, em redigir un "Regulamento de Feitor", Trata-ee, obviamente, de reduzir os ma les do absenteismo, universalmente tido com> um fator negativo, vespons&vel pela queda do rendimento e outros muitos danos. Nas suas prudentes recomendagdes aos senhores, ressalta Antonil,mais de uma vez a importaneia de sua presenga na propriedade onde exer ce, entre outras, fungdesde Grbitro e. poder de diltima instan cia. Cairu, quase um s€culo mais tarde, iria mais longe, decia- vando taxativamente: "Acresce o gravissimo incomodo da presenga incessante do proprietario 2 sua lavoura para esta poder ter u seu devido rendimento, pois que qualquer fazenda da terra vale tanto como a alma de seu donot ©2439), Em flagrante contraste com anterior, por volta de 1650-60 os propriet&rios de engenhos nas antilhas eram ainda ex-colonos, modestos em seus habitos e vigilantes de tudo 2 quantc afetasse o rendimento de suas exploragSes. Por iss> mos= mo, o luxo e o absenteismo patenteados na Bahia (o norte estava entdo praticamente arrasade) deviam contribuir para os altos “custos" caracterfsticos da producdo brasileira. Ulterionmente, no entanto, os plantadores antilhanos se oxcederiam em. gastos pessoais, tendendc mesmo a fixar (ou manter) residGncia nas respectivas metrépoles - como que, iriam ainda mais lonse qua 08 senhores brasileiros na perda do contrSle efetiva da predue gio (2HH be. Sem magnificar e nem tampouco desprezar estas ra- 25es atuantes na primeira fase do decl{nio brasileiro, movemo~ os no que Segue em outra diregHo, convencides que estamos, pelo contrario com seu aumento..."agregando, “com o qe decurso de tempo (foi) tanto o aumento do uso do agiicar na Europa ¢ tanto Por esta causa o crescimento do comércio de Portugal...." (247). Reconhecida a import&noia do Brasil pare as corvas ibéricas, a disputa entre Espanha e Holanda no podia deixar de projetar-se na América, Jan Moerbeek em sua exposigio dos "Moti, vos porque a Companhia das Indias Ocidentais deve tentap tirar ao Rei da Espanha a terra do Brasil, e isto quanto antes" real~ ga no apenas as grandes safras e o ativo comércio da eol6nia, como a sua import@neia como sustentdoulo do fisco metropolitana Segundo a oua estimativa a soma dos tributos que inoidfim sobre Co aguear exportado de Portugal, seria de "mais ou menos Trinta por cento", Outro tanto, vale dizer, cerca de 30% seria a inci- dSneia dos impostos sobre os artigos levados para o Brasil (248)- Aos pesados encargos tributdrios existentes nos a~ nos 20 iriam se somar novos e novos tributos e taxas por vcasiie da querra holandesa e da restauragZo portuguesa. Sem fentan, sic quer, precisar o significado destas cargas adicionais, tratéms de apontd-las, ainda que topicamente: taxa destinada a oustear os galedes que capitaneavam o comboio para o Brasil (leu); ta- xa destinada a cobrir o empreStimo levantado em Portugal = para financiar a frota de socorro ao Brasil (1647); conteibuiglo pa~ 249, va o cote de Catharina de Braganga, future painha da Inglaterra indenizagao @ Holanda polas suas perdas no Brasil. Esta iltima carga, prevista para os anos de 1661-3 acabou estendendo-se no tempo indeterminadamente, o que também ocorreu com a veferida buted ee 249) contribuigdo para o dote da primesen : Ainda sem descer a detalhes assinalemos que o ime Posto sobre o acucan nas Antilhas Britanicas era de 4 1/28, san do no entanto considerado excessivo, j4 que, nas coldnias fran cesas era de apenas 1%, Ao entrar em territério metropolitane o agicar antilhano era novamente tributado ( no caso inglés, o to tal de impostos chegaria 2 19,5% do valor do agucay), mas ao sex reexportado, os direitos antericrmente pagos eram en boa me dida restitufdos. Quanto & Franga, em particular, "foi caracte- ristico de sua iegislagSo aduaneira sobre o agucar, no sSculs XVIEI, a tendéneia de favorecer o coméncio exportador por moo de elevados direitos de restituicio" (759 4 inportncia des- ta politica pode ser aquilatada pelo #ato j4 comentade, de que © consumo metropolitano francés equivaleria @ 1/6 apenas do gd car importado. Quanto a Portugal, nZo poderia de modo algum dis- pensar os proventos do agucar. As dificuldades do Reino podem ser avaliadas pelo seguinte fato relatado por Viegas: no ano de 1683, tardou a frota a chegar a Lisboa quatco meses além do pre visto, "Foi tal o aperto para acodinao exército do Alemfejo, que se vemediou = falta de sua import&ncia acrescentando a moeda a valia extensiva de 190..." 67) (6. sega, por uma desvaioriza gdo da moedat). E no cabia siquer pensar em restituigSo de di- reitos, pois dada a pequena parcela consumida na metrépole, de- volver, na pr&tica equivaleria a nfo tributary. 9 pobre reino, exaurido na campanha de restauragig tinha que manter-se em pé de guerra, para previniz novas tenva- tivas do reanexag&io por parte da Espanha. isto lhe custava enor memente, e Ihe impunha a busca a quelquer prego de aliancas tis come a selada com a Inglaterra, através do matrimSnio de Catha- rina de Braganca e Carlos II, Somente em 1720, quando 32 se ha- via perdido grande parte do mercado curopeu - e dispondo entio © Reino dos imensos recursos derivados do ours = inia o poverno portugués isentar de direitos a entrada e a safda do agvica ex- Portado de Portugal. A medida seria ainda revogada em 1761, pas sando 0 agicar exportado a pagar 50% do imposto incidents sobre © agticar consumido em Portugai (252), +50, AK sobrecarga tributaria a que estava submetido ° agilcar do Brasil hd que somar outro fator, justamente denunciado © regime de com @ atacado pelas Caémaras de Senado da coléni. boio. Mormente apds assinada a paz com a Holanda, em 1658, pouea pazio de ser tinha 0 sistema de navegagio acompanhada. Deve ser Rotado, que este custoso aparato ce protegio, havia sido emprega do - com éxito apenas relatiyo (253) - para a guarda de carrega- mentos de prata, metal precioso, praticamente monopolizado pelos espanhdis no século XVI. Salvo em condigdes especialissinas, nao poderia sendo prejudicar seriamente o comércio de um produto co- mo o aguica que justamente na segunda metade do sEculo XVIL, atra vessa um perfodo de aguda disputa de mercados. Um outro Fator a pesar contra o agiicar do Brasil, era a marinha mercante portuguesa, fendmeno que se agrava A medi da que avanga o sSculo XVII, J4 nas primeizas décadas do sdculo, era alias patente a superioridade da marinha holandesa: "Diz-so que a metade, ou os dois tergos do trafico entre o Brasil e a Eu ropa, estiveram nas maos dos holandeses durante cs doze anos (460821) de trégua com a Espanha" (754) | 0 atraso da marinha mercante do reino ficou mais que nunca evidente quando se tratou de por em exeougdo o regime de comboio. Precoupavam-se as autovidades em climinar as embarca goes mal aparelhadas, isto porém mostrava-se praticamente inn lizdvel: "0s pequenos regociantes e os donos dos barcos que con tituiam ainda o grosso dos que se dedicavam ao tréfico com o Bra sil, no possuiam capital para construir tais navios" (modernos) (288) | 9 coméreio em geral com o Brasil estava ent&o aberto a to dos ¢ dele participavam numerosos comerciantes. Em 1634, quando a@ requisig&o de navios para que se somassem a grande frota des« tinada a Pernambuco surgiam protastos como o de um movador de Viana do Castele e mestre do navio "OQ Amigo da Guarda" - "navio velho muito pequeno ¢ sem artitharie" que costumava carregar azei te, vinho, bacalhay ¢ sardinha para a colénia e ndo pretendia ver-se incovporado & frota, Da mesma forma protestava uma morado ra de Matosinhos, vidva, propriet4ria do navio “Bom Jesus", que pretendia remeter mercadorias ao Rio de Janeiro, com escala na Madeira (256), Em suma, a marinha portuguesa desgastada polos cor- s€rios ¢ aruinada por tantas guerras era um péso a mais para o comércio colonial, 42 de si sobrecarregado pela excepeional car- ga de tributes, com que devia arcar, 51. Apontaremos por filtimo um fator cuja agdo - nefasta Sobre a economia dos engenhos deve ter crescide com o tempo. tra tarse de atrofia e do arcaismo das fontes de crédite na colénia Enquanto nas principais nagdes européias processava-se neste ten reno no século XVII, verdadeira revolugdo, que traria consigo o surgimento dos primeiros bancos de desconto, no Reino e mais ain da na colénia evam as confrarias religiosas ¢ os préprios merca= dores as imicas fontes de fundos. X medida que avangava a crise, ficando os senhores economicamente endividados, o Snus financei- ro que daf decorria tornava-se insuportével. Em 1675, Sslvador Correia ceclarava perante o Conselho Ultramarino ser este um dos grandes problemas da produg&o acucareira na colénia: "Em todo ° Estado do Brasil se tem introduzi¢o um género de onzena (usura), que 2 a total pufna dos que lavram o aguoar,,," (257), 0 problema era decididamente agravado, pelo fato de encarregan-se, frequentenente, o mesmo indivfduo, de fornecer a erédito os materiais e adquirir o acucar, 0 senhor em dificulds- dos, ficava assim duplamente prejudicado. Nas palavras de Salva~ dor Correia: "Chegam os navios de Portugal e atravessan o ferro, cobre e mais géneros de que necessitam para fornecimento (d) os engenhos, vendendo-lhe (s) nas lojas fiado para a colheita do agucar por vinte e trinta por cento mais do que o compraram, ¢ como a necessidade nfo tem Lei, e quase todos os que levam agu- car esto com mais empenho do gue tem, depois de celebrar o pre+ $0, celebram o segundo do agucar por pregos mui inferiores o ao x ~ . 258 que ndo quer celebra-lo Ihe n&io querem fian".., (798) | Em suma, no centro da crise brasileira do sSculo XVIE hd que colocar as relagdes da colénia com um reino, que ten do sido poderoso império, mal se aguentava como nagao, A massa falida deste império em regressdo tombava sobre a coldnia ameri- cana, No século XVII, este p&so nie podia incidir se nZo sobre os engenhos de agicar, as veréadeiras "vacas de leite" na correta ainda que grosseira expressdo de D, Joo IV. Em Portugal os espiritos liicidos bem percebiam o quan to se fazie necessario incentivar a indistria e diversificar a econonia 259) wie ee tratava de introduzir em Portugal g "o colbertismo, em moda na époce "como afinma Azevedo, com notado desden 260), Tratava-se, isto sim, de conatruiy una economia, em lugar de un império fracassado. Ericeira, protagonista deeta po- tice suicidousse, no entanto, om 1692, e com ele desaparece a projetada reconstrueio. 0 vinho em Portugal eo ouro no Brasil, 52, seriam dai por diante as novas bases de sustentaglo do Reino. Confirmava-se o predominio dos interesses agrSvios en Portugal e tinha infoio um autntico ciclo pavasitario nas relagSes com a colénia. KKK Ha por fim que ganhar uma perspectiva mais ampla e encarar por um momento o conjunto das regides produtoras de agy car, Os altos pragos registrados a partir do infec da insurved gdo pernambucana - a qual provoca o virtual colapso das exporta gdes do Brasil nolandée 6261) ~ estimulariam por toda parte o erescimento da produgo agucareira. 0 cultivo alastrou-se pelo Caribe e chegou a recrudescer no Mediterraneo, Quando ingressa~ ran no mercado, conjuntamente, os novos produtores, os preges acusaram baixas que colocaram em dificuldades, ao que parece, todas as areas produtoras, Tinha assim sua estréia, o mecanismo de resposta desproporcioneda aos est{mulos de pregos, caracte- ristice das regiSes que sdculos mais tarde seriam chamadag ox- portadoras de produtos primZrios". E, Williams vé na crise de Barbados des anos 1$70- 80, to somente um resultado da exaust%o do solo, esta “lei de produg#o com trabalho escravo" (262) ona, . na conjuntura que incitou 4 disseminago do agucar em Barbado (anos 40) 0 prego do produto chegara a 4 libras por quintal; nos anos 60 43 era no entanto, de 2 libras, e atingiria, em 1686/7, o antipica de 16 sh, por quintair 265) metade dos ancs 40 eran excepcionais, a baixa dos anos 70 ¢ 80, denotam, por sua vez, uma situag%o de desequilfprio no mercado "mundial" de agticar, fenédmeno este, decididamente agravado pelo + Sc as cotagGes atingidas na segunda fate de que a sobre-oferta agueareina vinha a tombar sobre um mundo estagnado, debatendo-se em meio 4 “orise geral do século XVII", em curso desde o término da guerra dos Trinta Anos (264) %. Em torno aos determinantes da segunda grande ¢ pressio. Pouco sabemos sobre a recuperagdo verificada na tray sigdo para o sSculo XVIII, Antonil, apds estimar o niimero de en- genhos existentes na Bahia acrescenta “alm dos que se vio fabri cando, uns no Recéncavo, & beira mar, e outros pela terra dentro E88) som margom a divida, o desbravamento de novas frome a nota uma clara mudanga face as condigSes gerais deseritas por Camara Coutinho em 2692. Aquela Spoca, a economia agucareira es~ tava em regressio; agora, muitos "se atreven! a assumin novos « : ; , promissos, a expandir a lavoura e a levantar engennos (286) ram 183, pouco hi que duvidar gue a recuperagdo foi passageira e a ela se guiu-se uma segunda depress%o, terrfvel por sua intensidade ¢ ex tensa em sua duragdo. No ano de i723, uma carta do Senado da Ca- mara vefere-se 4 "universal calamidade que hoje experimentam os Senhores de Engenhos". JaSdo apenas queixas @ ameagas: no re= C6neavo, dizem seus signat&zios, encontran-se "vinte e quatro en genhos desamparados e demolidos", quanto cos demais, "se desco= nhecem do que foran", Nao eva mais possfvel adquirir os eseravos necessarios, © “como estes pela grandeza do trabalho néo duram © vdo morrendo, acabam justamente aquelas propriedades que no 3& cule passado enviqueceram tantos homens". Reflexo da decadSneia geral, a produgSo de agicar reduz-seVina fragSo do que for: antes chegava e mesmo excedia "dezoito mil caixas de dez anos 0 Psu esta parte se vem reduzidas (as safras) e cinco mii” (287), Mais uma vez, marcados até entdo atendidos por pro~ dugdo brasileira, eran arrebatados por competidores antilhanos , 4 frente dos quais encontravam-se agora "colonos" francesce. No fundamental, reproduziasse o ocorrido ao tempo de Viegas; © agu- car do Brasil no tinha safda, "por causa das fabricas que og estrangeiros aumentaram em suas coldnias"que lhes "bastaram para produzir t8o abundamente cépia daquele género, que n&o s& prove- ram deles os seus paises, mas também encheram todos os mais da Europa, com tanta afluéneia © barateza, que suposto seja inte~ rior ao nosso na qualidade, deste se nfo usa ¢ daquele $ que se gasta e tom safda em toda parte; © o peor de tudo é, que também tem entrado no nogso Reino” (768) yai-se mais longe, portanto, @ © préprio mercado portugués € agora ameagado! Nesta segunda depress&o, ao que parece, os tributos diretamente aplicados aos chamados ganeros tropicais (que sido relativamente diminuidos como vimos) nfo tém a mesm2 inpor- *Ancia. Pesam no entanto, e muito, os direitos de entrada na co- 1énia, vepetidamente majorados pelo insaciZvel fisco m ropolita no. Pop sua natureza, este gGnero de taxagZo tende a atingiz a todos, pres tando-se, pois, de fermento ideal 3 rebeldia popue lar. Nas zonas agucareiras, particularmente sensfveis a0 proble- ma da carga tributaria, a insatisfacSo desponta, logo nos primed ros anos de século, em Pernambuco « na Bahia: "Em 171i, auitave ~se a Bahia em reaglo Gs taxas fiscais acrescidas da 10% sobre todos os géneros de importag%o que lhes aumentava o custo tivo, especialmente do sal que, vendido por #80 réis, passou ser por 720, A populagao amotinado, em 17 de outubro, cometeu de uisd S4y Predegées nas casas comerciais dos portugueses e, chefiada pelo juiz do Povo, Joo Figueiredo Costa, alcunhado "o maneta", sa- queou as ditas casas" (269). 0 regime de frotas, de sua parte, continuava a pre judicar a posic&o brasileira; mais tarde, como veremos, a ex- tingdo do comboio viria mesmo a ser apontada como o mais impor~ tante fator determinante da recuperag&o verificada na segunda metade do sécuro (27°) yao obstante os dffios omiundos do com boio e outros problemas que surgidos no perfodo anterior, conti muavam a atuar em prejufzo da produgdo brasileira, a segunda depressdo traz em si um fato novo e de fundamental importancia: os engenhos tinham agora que disputar escravos, oficiais mos- mo ferro e outpas mercadorias, como as minas de ouro, Hi mesmo um quasé consenso entre autores da Epoca e contemperaneos no sentido de que as causas da crise do s€oulo XVIII, provém da correria para as minas e da voracidade dos "paulistas", agambar eando o mercado de escravos e tudo o mais que se vendia na cold nia, As maiores dificuldades acarretadas pelo "push" do ouro proviriam mesmo, da alta espetacular do prego do eseravo. Segundo a jd referida carta do Senado, datada de 1723, escravos que antes se compravam a 40 © 60 mil ris eram agora vendidos a 200, por isto mesmo, pleiteia~se a fixagZo (e controle) de seu prego ‘77 os sanhores de ongerho, om estrena dificuldade trata ram mais uma vez de mobilizar as autoridade em seu favor. Havia que impedir, sobretudo, a extrag%o de escravos das zonas aguea~ veipas. Conseguida a autorizagSo por ordem régia tratou o gover nador Rodrigo da Costa de embargar os caminhos do sul: "Enviou varios Cabos e Soldados aos lugares por onde se faz a jornada para as Minas do Sul, os quais tomaram muitos comboios de ne~ (2722 " . Também o trafico de navics negrei, gros, @ outros género: vos para o sul se tentou controlar. Tudo em vdo; & medida que entravam em produgZo novas e novas minas, o poder econdmico pen dia inexoravelmente para o sul ¢ para ele se inclinavam os inte resses da metrépole que via surgir uma formiddvel fonte de taxas @ tributos de toda ordem no surto minerador. Derrotados em seus intentos, chegavam os senhores por vezes & rufna total, com os campos abandonados e os ongenhos de fogo-morto, N&o havia mais como pagar dfvidas, os d&bitos se acumulavam, sucedendo-se as execugdes, A situagdo seria dramati- camente pintada por Wenceslau Pereira (1738), que arremata o seu .55. parecer, afirmando que, por no mais poderem senhores e lavrado ves "subsistir parece devem implorar e esperar da Real grandeza e benigna piedade de S. M. se digne conceder-lhes uma monatéria geral por alguns anos..."‘?73) §. Mudangas de estrutura na colonia. £ fato incontest@vel que as minas provocaram o en- carecimento dos escravos, ou, dito de outra maneira, introduai- vam um novo e poderoso grupo de licitantes no mercado de escra~ vos, levando-o a uma situacdo de profundo "desequilibrio". Serd este fato suficiente para explicar a crise do século XVIII nas vegides acucareiras? No terdo ocorrido, concomitantemente, im- portantes transformagdes, que expressam em outros planos a pré~ pria crise e preparam o caminho para a evolugHo ulterior da co- nia? Tendo em mente estas questdes, pretendemos no que segue, reexaminar, ainda que brevemente, o ocorrido ao nivel do mercado de escravos; ulteriormente minidos de novos elementos , tentaremos apontar outras dimensdes das mudangas desencadeadas pela segunda depressSo. Numa primeira fase, as encomendas dos minciros de~ veriam simplesmente desorganizar o mereado de escravos: subita- mente, entravam compradores dispostos a pagar o dobro, o triplo ¢ ainda mais pelos africanos..Suas cotagSes nfo podiam senZo sl, tar, como que eram praticamente eliminadas as compras por par te da lavoura. Por que motivo, no entanto, tendia esta situagao a perdurar? Por outro lado, como faziam os franceses para equi- par as plantagdes dominicanas cuja ascensio coincide, aproxima- damente, com o estouro das minas no Brasil? Evidentemente, se os engenhos antilhanos tivessem de pagar os mesmos pregos pelos es eravos gue os da Bahia, sua alta afetaria os custos de pradugio 14 como aqui, sem maiores prejuizos para os produtores de qual- quer das regises, Desde fins do sGculo XVII a posig#o portuguesa na Africa vinha sofrendo grande desgaste; ao ter infcio o novo século, nem mesmo Angola ficava a salvo das investidas de bar- cos procedentes de outras nagdes, o que € patenteado pelo se guinte episédio, narrado em carta pelo governador da Bahia em 1705: "Meu antecessor me entregou carta... que lhe haviam eseri to os do Governo de Angola, pelo qual sera presente a Yossa Ma~ jestade, o que os franceses obraram na PovoagSo de Benquella,

Você também pode gostar