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A divisdo regional brasileira - uma revisao Introdugao O simbolo da geografia unitéria aguela que ndo separa o fisico do social, 0 natural do humano, 0 ecoldgico do cultural - é a regido Ora, 0 conceito de regido foi vendido como sendo um edificio estavel S6 que néo é (Entrevista concedida por Milton Santos a revista Veja, em 16/11/1994), A divisio do espago geogrifico brasileiro em regides é uma tarefa de carter cientifico ditada tanto por interesses académicos, quanto por necessidades do planejamen- to ¢ da gestdo do territétio Como atividade cientifica aca- éémica, a divisio regional é um exercicio de discussio e elabora- do de conceitos, teorias ¢ méto- dos que levem a um determinado modelo. Esse deve ter como ob- Jetivo @ ampliagio do conheci- mento cientifico sobre o Territério Nacional. = Beta Oa w bras Googe et Departamento de Geogratia— DEGEO ~ ds Di iro, V857, 4, 87-94, 1005, bibliografica Angélica Alves Magnago* A divisio regional, entretanto, € também uma tarefa executada para subsidiar o planejamento, especialmente ao que se refere & definigdo de uma base territorial institucionalizada para levanta- mento ¢ divulgacao de dados es- tatisticos. Essa caracterfstica leva a que os planejadores busquem um modelo de divisdo regional onde as unidades identificadas tenham coeréncia interna ¢ um certo grau de permanéncia de seus elementos/atributos constitutivos 6 que 0 conceito de regio, con. forme afirma Santos, nao € um “edificio estavel No caso brasileiro, as primeiras tentativas de criagio de modelos de recortes regionais datam do ini- cio do Século XX. Desde esse periodo, realizaram-se muitos estu- dos de cunho regional, tendo sido elaboradas varias propostas de identificagao de regides, em dife- rentes escalas espaciais. Considerando-se que 0 concei to de regidio nao é um edificio es- tavel e que 0 territério brasileiro vem pasando por processos mui- to intensos de transformagao, que precisam ser identificados em suas particularidades, parece oportuna uma revisio dos conceitos ¢ do modelo de divisio até agora pro. postos para o Pais Portanto, € objetivo desse tra- balho analisar os diferentes 1 tes regionais elaborados para 0 espago brasileiro, em diferentes 6pocas, procurando situ relagio & evolugao do pensamen- to geogrifico no Pafs, bem como em relagdo as transformacdes da sociedade em sua dimensio espa o-temporal ‘or Jos em 0 marco inicial da divisdo regional brasileira A definigdo do conceito de re~ gio, assim como a formulagio de uma metodologia capaz de iden- tificar, delimitar, descrever e in- a de Geociéncias do Inattute Braslairo de Geogralia © Estatisica ~ DGCIIGE 66 terpretar sua forma e contetido, é preocupaco presente na pesquisa geografica, desde 0 Século XIX' s estudos geogréficos produ: zidos no Brasil, a questo regio nal comega a ganhar consisténcia teérica a partir do inicio do Sécu- lo XX, com a obra de Delgado de Carvalho, onde é introduzido 0 conceito de regio natural. A obra desse autor, no que concerne a questo regional, pode, assim, ser apontada como um marco ini- cial, nfo apenas na tentativa de conceituagdo, mas na pritica de divisdo regional. Delgado de Carvalho, com forte influéncia da Escola Possibilista francesa, reconhecia a agao do ho- mem sobre a natureza. Entretanto, em sua proposta de divisio regio: nal, elaborada em 1913, com fins diditicos, enfatizava a correlagao de elementos do meio fisico, privile giando, assim, a visio da Escola Determinista Ambiental na compre~ enso do espago geogtifico. sse autor apoiava-se na pre- missa de que uma divisio regio- nal deveria ter caréter duradouro, © que nao poderia ser obtido atra- vés da anilise de “fatores huma- nos”, muito dinmicos ¢ mutaveis Dessa forma, a divisio proposta por Delgado de Carvalho basea- va-se apenas em elementos do meio fisico, especialmente 0 rele vo, 0 clima e a vegetacio, defi- nindo cinco grandes unidades naturais, a saber: 1-Brasil Seten- trional ou Amaz6nico (Acre, Amazonas ¢ Para); 2-Brasil Nor- te-Oriental (Maranhao, Piaui, Ce- ard, Rio Grande do Norte, Paraiba, Pernambuco e Alagoas), 3-Brasil Oriental (Sergipe, Bahia, Espirito Santo, Rio de Janeiro, Distrito Fe- deral e Minas Gerais; 4-Brasil Me- ridional (Sao Paulo, Parand, Santa Catarina ¢ Rio Grande do Sul); 5-Brasil Central (Goiés ¢ Mato Grosso) (Mapa 1), Esse quadro regional, embora ela borado visando ao ensino de geogra- fia, teve grande influéncia nos estudos e pesquisas elaborados até 608 anos 30, quando novos conceitos foram, entio, introduzidos na andlise regional O primeiro modelo Os anos 30 e as tentativas de diviséo territorial e regional As transformagdes na organiza- do do espaco brasileiro, apés a Revolucao de 1930 e a instaura- 40 do Estado Novo, deram en- sejo a uma ampla discussio, nos meios militares e académicos, so- bre a questdo de divisio territori- al e diviséo regional No que se refere & territoriali- dade, jd no ano de 1933, 0 major Jodo Segadas Vianna? chamava a atengio do poder piblico para a necessidade de rever a forma de organizacao territorial do Pais, demonstrando grande preocupa- go com a formagao de blocos politicos de resisténcia em algu- mas Unidades da Federagio, es- pecialmente em Sao Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Se- gundo esse militar, seria funda- mental dividir Unidades da Federagao para melhor administré-las, pois 0s estados mais populosos ¢ de maior drea vinham dominando a ogr Rio de Janeiro, v 57,n 4, p 1-163, outdez. 1995 economia ea politica nacionais, po dendo vir a se tornarem estados in- dependentes, como foi 0 caso da tentativa de So Paulo Ao senti- mento de regionallismo, Vianna an- tepunha 0 de nacionalismo, revelando 0 lado ideolégico de sua proposta O resultado final de sua divisfio territorial seria a fragmentagao do espago nacional em 67 unidades administrativas, identificadas a par- tir de apenas um critério: a popula- fio residente. Além de Vianna, também se des- tacaram, nesse perfodo, as propos- tas de divisdo territorial dos politicos Teixeira de Freitas e Everardo Backheuzer A discussdo sobre a organizagio do espaco brasileiro, diante do es- forgo do governo em modernizar € integrar o Pais,’ levantou, também, as questdes do planejamento e da Jo, deixando clara a ne- cessidade de um maior e mais apro- fundado conhecimento sobre 0 Tertitério Nacional. dentro desse espirito de “redescobrimento” do Pais que foram ctiados 0 © Con- setho Nacional de Estatistica (1936) e o Conselho Nacional de Geografia (1937), ligados, efetiva- mente, em 1938, para a formagio do IBGE’. 44 como resultado da ago desse 6rgio, é elaborado 0 Decreto-Lei n® 311, considerado uma Lei Geogra- fica, que dispunha sobre a divisao territorial do Pais Através desse de- creto, definia-se, entdo, a base ter- ritorial para a organizagdo do poder do Estado Novo. Concomitantemente 20 debate sobre a divisio territorial, desenvol- 7 Vera respeito da evolugso do concelto da regiao em: CORREA, Roberto Lobato Regido e organizapto espacial S80 Pao: Atca, 1967 2 VIANNA, ode Segadas Divis8o tortorial do Brasii Revista Brasileira de Geograia, Rio de Janeiro, v 2,n 3, p 372-406, jul 1940 3 Ver a raspeito em DUARTE Aluizio Capdevile Transtormagao na dvisso terra! do Brasil apés 1940, ¢ a proc pesquisa 1984 Rode Janeiro: IBGE, 1984 82 p o espace googie: Relatério do ‘Penta El Aves A criapio do IBGE no contexto a centralzapéo politica do Estado Nove Riode Janeto:18GE, 1999 124p (Documentos para isseminaglo Meméra Institeional,n 4) R bras Geogr, Rio de Janeiro, v 57, n 4,p 1-163, ouvdex. 1995 o7 Mapa REGIOES DO BRASIL. SEGUNDO VARIOS AUTORES ANDRE REBOUCAS HHO REGICES) 1aH9 \ ELISE RECLUS A] __tomnceries 08 DELGADO DE CARVALHO. (0s Rees 1 1013 Cor ResiGes ) 1937 INST BRAS. DE GEOGRE ESTAT. (osrsides) sas MOACIR SILVA (08 NESwES) 1958 {06 REGIBES) Fonte: Guimaries, Fabio M S Divisio regional do Brasil Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v3,n2 p 344, abr /jun 1941 68 veram-se estudos, especialmente a partir do final dos anos 30, que pro- curavam entender as transforma- ges do espaco brasileiro, identificando e descrevendo zonas especificas ou regides geogrificas (Mapa 1). No caso de estudos com delimitagaio de zonas especificas, com fins de utilizagao por érgios piiblicos e/ou privados, pode-se des- tacar, entre outros: 0 zoneamento de Hugo Hamann, sobre a fisionomia econémica brasileira, realizado em 1939; 9 zoneamento do Brasil de acordo com os tipos regionais de ali- ‘mentos, realizado em 1937 por Josué de Castro; ¢ 0 zoneamento geoec ico, realizado pelo Conselho Te nico de Economia e Finangas, em 1939 Esses zoneamentos, com objeti- vos especificos, nao avangaram, contudo, em questdes conceituais © metodolégicas, capazes de le- var a conhecimento mais apro- fundado sobre a organizacao do espago brasileiro, Na mesma si- tuagio encontravam-se, também, 08 estudos sobre regifio que, ne: se periodo, ainda enfatizavam as- pectos vinculados ao meio fisico. Nesse contexto de controvertidas “divisées” do espago brasileiro, segundo crtérios muito diversificados, e pressionado pela necessidade de elaboragio do Anuério Estatistico Brasileiro, o Consetho Nacional de Estatistica adota, em 1938, a divisio regional em uso no Ministério da Agricultura. De acordo com esse drgio piiblico, a divisio do Brasil em regides se daria da seguinte forma: 1-Norte - Acre, Amazonas, Pard, Maranhao e Piauf; 2-Nordeste - Ceard, Rio Grande do Norte, Parafba, Pernambuco ¢ Alagoas; 3-Este - Sergipe, Bahia e Espirito Santo; Vera respito do concelto am: GALVAO, Marlia Veloso; Falssol, Speraito Divieéo reglonel do Brasil Revista Brasera de Geografa, Ro de V 31,9 4,p 179.218, out /do2 1969 4-Sul - Rio de Janeiro, Distrito Fe- deral, Sio Paulo, Parand, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e 5-Centro - Mato Grosso, Goids e Minas Gerais. E, entretanto, apenas no inicio da década de 40 que a questo da divisdo regional ganha novas co tribuigdes te6ricas ¢ metodolég cas, responsaveis pela elaboracao da primeira divisdo oficial do Bra- sil em Grandes Regides. A divisao oficial - 1942 No final da década de 30 e prin- clpios da década de 40, 0 IBGE, através de seu érgio especializa- do, 0 Consetho Nacional de Geo- grafia -CNG- encetou uma cam- panha no sentido de que fosse ado- tada, para fins praticos e, sobre- tudo, estatisticos, uma tinica di visdo regional para o Pais, exceto para alguns casos muito especifi- cos. Tal campanha encerrou-se coma Circular n° I de 31 de janeiro de 1942 da Secretaria da Presidéncia da Repiblica, deter- minando que fosse adotada em todos os ministérios a divi gional definida pelo IBGE. Procede, aqui, uma sucinta re- trospectiva a respeito dessa pri- meira divisao oficial do Pais. O engenheiro Fabio de Macedo Soares Guimaraes, chefe da Di- visio de Geografia, unidade res- ponsdvel, no CNG, pelo referido projeto, apés estudos minuciosos ¢ andlise das diferentes propostas de divisdo regional j4 apresenta- das por érgaos piblicos ou priva- dos e por cientistas isolados, respaldado nos reconhecimentos ja realizados pelos geégrafos do CNG ao longo do Territdrio Nacional, pre- arou um parecer optando pela di- visdo regional realizadaem 1913 por R bras Geogr, Rio de Janeiro, v 57,n 4, p 1-163, ouvidez 1995 Delgado de Carvalho Nessa divi sio, que ja vinha sendo utiizada para fins didéticos, seriam introduzidas pequenas modificagdes na nomen- clatura e algumas subdivisées. A proposta apresentada por Fabio de Macedo Soares Guimardes, de modo semelhante & de Delgado de Carvalho, servia-se da posigao ‘geogréfica para nomear as Grandes Regides e encontrava, também, 0 embasamento para definir as mes- mas nas condiges naturais do terri- tério. Prevalecia, dentro de um quadro de inter-telagdes das condigdes fisicas, principalmente do clima, da vegetagio € do relevo, a nog de fator dominante - a chamada nota caracteristica da regio,’ Elogiada por ndo desmembrar as unidades politicas, a proposta de Fabio M. S. Guimaraes, ainda de modo andlogo a de Carvalho, ajus- tava-se as necessidades da adminis- tago publica em geral. Abre-se um paréntesis para ressaltar que ambos ‘08 autores reconheciam que tais li- mites nao tinham existéncia real na natureza. O presidente da Republica, de posse da proposta de divisao re- gional apresentada pelo IBGE, solicitou ao Conselho Técnico de Economia e Finangas um parecer sobre a mesma, que conciuiu pela adogao da proposta do CNG, uma vez que “foi moldada em princi- pios cientifico-geograficos, apre sentando a grande vantagem de ser mais estavel” (esta estabilida- de da divistio proposta devia-se ao fato de a mesma ter-se apoiado, como ja foi explicitado, nos fatores naturais). E bom ressaltar que 0 Conselho Técnico de Economia e Finangas havia elaborado, anterior- ‘mente, uma divisio regional do Bra- sil em regides geoecondmicas, em ntimero de cinco, tendo em vista a R bras Geogr, Rio de Janeiro, v $7, 4, p 1-163, ouvidee 1995 necessidade de se estabelecer um plano racional de estudos para a Conferéncia Nacional de Economia. Assim, agruparam os estados cujo: problemas econdmico-administrati- vos dependessem de solugio co- mum. A primeira divisiio regional ofici- al (Mapa 2) sofreria duas altera- gdes, devido as modificagées ocorridas na divisao territorial do Pais. A primeira, em 1942/1943, ‘ocorreu com a criagiio de novas uni- dades politico-administrativas - os territ6rios federais - que passaram a fazer parte da Unio Territ6rio de Fernando de Noronha (1942), inclu- ido na Regiao Nordeste; Guaporé, Rio Branco e Amapé (1943), inclu- fdos na Regido Norte; Iguacu (1943), inclufdo na Regio Sul; e Ponta Pord (1943), inclufdo na Regiiio Centro-Oeste A segunda modificagao ocorreu em 1946, com a extingao dos Territérios Federais de Iguacu e Ponta Pord. Assim, apés essas alteragées realizadas por determinacio constitucional, em 1943 © 1946, a divisio regional assim se apresentava Regido Norte: Estados do Ama- zonas € Pard, Territ6rios do Acre, Amapé, Rio Branco e Guaporé; Regido Nordeste: Ocidental - Estados do Maranhao ¢ Piaus; Oriental - Estados do Ceard, Rio Grande do Norte, Paraiba, Pernam- buco € Alagoas e Territ6rio de Fernando de Noronha; + Regidéo Leste: Setentrional Estados de Sergipe e Bahia; Meridi- onal - Estados de Minas Gerais, Espirito Santo, Rio de Faneiroe Distrito Federal (apartir de 1960, transformado em Estado da Guanabara), + Regido Sul: Estados de Sio Paulo, Parané, Santa Catarina e Rio Grande do Sul; e ibid p 161 Regidio Centro-Oeste. Estados de Mato Grosso e Goids (e, a partir de 1960, o Distrito Federal). Esta primeira diviséio regional oficial pode ser considerada, sob © ponto de vista da abordagem metodolégica, como empirista, visto ter sido 0 conhecimento do real, do objeto, no caso, o Terti- t6rio Nacional, que serviu de base para a referida divisio Os geégrafos do entéo Conse- Iho Nacional de Geografia ja dis- punham de um conhecimenio empirico do Territério Nacional, adquitido através de varias ex- cursdes de reconhecimento as suas diferentes regides e, assim sendo, segundo Galvio e Faissol “havia uma consciéneia de dife- renciagées regionais, no Pais, ja suficientemente importantes para que fossem feitos estudos dos problemas brasileiros, por re gido, ¢ para que se divulgassem estatisticas, segundo estas mes- mas unidades regionais”® ‘A metodologia empregada ba- seava-se no princfpio da divisdo, isto 6, partia do “todo” - o Terr t6rio Nacional - que sucessiva- mente se dividia e se subdividia em unidades cada vez menores. Desta forma, identificaram-se, pri- meiramente, cinco Grandes Re- gides que, correspondendo aos espagos mais abrangentes, carac- terizavam-se “pela dominancia de um certo mimero de tragos co muns, que as tornaram bem dis- tintas umas das outras”’ Esses espacos foram, entdo, subdivididos em 30 regides que, seguindo a metodologia adotada, apresentavam caracterfsticas ho- mogéneas quanto aos aspectos do meio fisico. Na continuidade do procedimento metodolégico, fo- " ATLAS Nacional do Brasil Rio de Janeiro: IBGE, 1968 122 p *Corréa, op cit, p 26-27 6 ram originadas 79 sub-regides que foram, finalmente, subdivi- didas em 228 pequenas areas, denominadas zonas fisiograi cas (Mapa 3). A opgao técnica pela divisio do Brasil em regiées a partir de as- pectos fisicos do territério apoia- va-se, como jé explicitado, na pre- missa de que esses elementos te- riam maior estabilidade de compor- tamento, permitindo a comparagao de dados estatisticos, coletados para esses espacos, ao longo do tempo. Entretanto, a metodologia adotada na identificagao das unida- des espaciais sofreu algumas criti- cas, especialmente no que se refe- re ao cardter de permanéncia, j4 que as zonas fisiogréficas, definidas a partir de aspectos socioeconémicos, estariam sujeitas a constantes transformagées, dependendo do desenrolar do processo social. Outra critica relevante 4 Divisao adotada diz respeito A fragilidade dos limites das zonas fisiograficas, uma vez que possiveis desmembramentos municipais poderiam alterar os recortes inici- ais, comprometendo a malha es- pacial proposta. Em relago aos aspectos con- ceituais, a Divisdo de 1942 foi, igualmente, alvo de criticas. Se gundo Corréa®, quando se tratava das unidades de maior extenso, ou seja, das Grandes Regives, regides e sub-regides, eram utilizados con- ceitos filtrados do determinismo ambiental, enquanto nas unidades de menor hierarquia consideravam- se aspectos socivecondmicos, os quais transformaram as zonas fisio- gréficas em verdadeiras regides ge- Ogrificas dos possibilistas (no possibilismo, a regio geogrifica abrange uma paisagem ¢ sua exten- sio territorial, onde se entrelagam, 70 R bras Geogr , Rio de Janeiro, v 57, 4,p 1-163, outidez 1995 ‘Mapa? DIVISAO REGIONAL DO BRASIL 1942 Fonte: Guimaraes, Fabio M S Divisio tegional do Brasil Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v4, 1,p 152, jan /mar 1942 ‘Nota: Cartograma da divistio regional do Brasil para fins préticos, aprovado pelo Conselho Nacional de Geografia, R bras Geogr, Rio de Janeiro, y 57,n 4,p 1-163, uvdez 1995 —_em 7] ‘Mapa3- DIVISAO REGIONAL DO BRASIL EM MACRORREGIOES E ZONAS FISIOGRAFICAS 1950 GRANDES RESIOES > wore Fonte: IBGE, Diretoria de Geociéncias, Departamento de Cartografia n de modo harmonioso, componentes humanos e natureza)? A Divisio Regional de 1942, conforme se observou, constituit um primeiro modelo, de cardter oficial, de uma base territorial para fins priticos de divulgagio de dados estatfsticos. Apresentava, contudo, fragilidades quanto aos aspectos tedrico-metodolégicos adotados Segundo Galvao, “este processo de divisdo continha, assim, em sua estrutura, uma contradigo com 0 prinefpio da I6gica, segundo o qual uma divisdo deve seguir, em todos 08 escaldes ou niveis, o mesmo cri- ‘ério, apenas com diferentes graus de generalizagio”” O segundo modelo Contribuigdes tedrico-metodolégi- cas & revisio da divisio regional - da década de 40 ao inicio dos anos 60. O perfodo compreendido entre a divisao regional adotada oficialmen- te em 1942 ca sua alteragao, coma proposigao de um nove modelo, ao final dos anos 60, foi marcado por poucos estudos que avangassem na discussio tedrico-metodolégica sobre 0 assunto (Conforme analisado anteriormen- te, 08 estudos regionais no Brasil achavam-se amplamente apoiados na influéncia de autores europeus, especialmente das Escolas Determinista Ambiental possibilista, que trabalharam como conceito de “regido natural”. Essa influéncia foi decisiva na divisdo re- gional do Brasil, oficializada em 1942. Outras tendéncias, entretanto, viriam a se fazer sentir a partir da segunda metade da década de 40 Os anos 40 e 50, como se sabe, foram marcados por uma politica de redemocratizaciio do Pafs ¢ pela “op cit, p 28 op elt, 182 © Ver Duarte, op eit transformagao de sua economia, antes apoiada em atividades rurais, para um contexto urbano-industrial Essas alteragdes, evidentemente, ocasionaram transformagées na organizagao do espago, quer em sua divisdo territorial’, quer na forma de se aprender tal espago. Nesse contexto, os estudos regi onais mostravam uma tendéncia & reviso tedrico-metodolégica, passando os autores a trabalhar com © coneeito de regio geogréfica Alterava-se, conseqtientemente, 0 préprio método de identificaco, de~ limitagaio e compreensio do espago regional Entre os estudos que procuraram fazer revisdo conceitual, merecem_ destaque os realizados pelo Prof. Jorge Zarur, ainda na década de 40, os de Orlando Valverde, nos anos 50 cos de Fabio Guimaries e Pedro Geiger, ja na década de 60. Apoiado em estudos de autores como Hartshorne, Saver, Bowman, Odum e Whittlesey, Jorge Zarur apresentou, em 1946, um interessante trabalho sobre andlise regional” Segundo esse autor, na hist6ria do regionalismo a expressao “regiao” teria duas interpretagées: na primeira ela seria uma sistematizagao regional, um meio para se conseguir controle ~ regido como uma entidade abstrata - ¢, na segunda, uma drea_ com certos atributos definidos, ou seja, uma entidade real e concreta. Ainda no que se refere ao aspecto conceitual, Zarur apresentou, no ar- tigo citado, ts definigdes de regido: a primeira, com sentido geral, significando uma area qualquer na superficie da terra; a segunda apontando para o sentido de uma R bras Geogr, Rio de Janeiro, v $7, 4,p 1-163, ouvidez. 1995 éirea complexa, com agrupamento ‘ou combinagdo de elementos fisicos estéticos ou mesmo elementos humanos; e, na terceira, assumindo que a regiao seria uma area intrinsecamente constituida de elementos reais, dindmicos e interdependentes A partir dessas definigdes, Zarur apresentava, nesse seu artigo, 0 conceito de regido como sendo: “uma érea conereta, na qual a combinagao dos fatores ambientais e€ demogréficos criaram uma estrutura econémica e social homogénea"” Nota-se que esse conceito dife- ria bastante daquele predominante nas décadas anteriores, ou seja, a “tegidio natural”, especialmente no que dizia respeito & énfase dada aos aspectos socioecondmicos, Outra di- ferenga marcante refere-se ao des- taque dado ao dinamismo regional, 0 que se opunha, na época, & visio da regidiocomo algo estatico,ou pelo me- ‘nos com maior grau de permanéncia do que uma “regifio humana” Zarur fornecia, ainda, nesse arti- 0, subsidios a andlise regional, cabendo destacar a de deum plano de andlise que, embora desse idéia de um receituétio, com regras fixas, avangava na discussio do papel das atividades econémicas ¢ instituigdes na caracterizago dos espagos regionais. Chamando a atengio para a identificago de pro- blemas regionais ¢ para a proposi- do de solugdes para os mesmos, 0 autor, por fim, revelava uma preo- cupaco com o planejamento regio- nal -fato pouco comum nos estudos geogréficos daquele periodo. Jana década de 50, entre outros estudos, pode-se destacar aqueles efetuados pelo Prof, Orlando Val- verde, adotando, também, 0 con- ZARUR, Jorge Andlses regionas-Aevisa Brasileira de Geografa, Rio de Janeto, v 8,2, p 177-188, abr un 1940, R bras Geogr, Rio de Janeiro, v 57, 4,p 1-163, out/dez, 1995 en ceito de regido geogréfica, Em seus artigos de natureza regional’? , Val- verde, apesar de utilizar preferen- cialmente elementos do meio fisico na identificagio e delimitagéio da re- pido, dava muito destaque ao papel do povoamento, privilegiando a ané: lise da evolugao da estrutura eco- némica na caracterizagao de regi- Ges. Observa-se que as regides por ele identificadas, segundo o pensa- mento possibilista de Vidal de la Blache, cortespondiam ao concei- to de paisagens, ou seja, entida: des concretas, com certo grau de homogeneidade, podendo ser descritas e entendidas como com- binagoes especificas de elementos fisicos e humanos. Apesar dos acréscimos de conhe- cimento que estudos como os de Zarur, Valverde, Guerra, entre outros, trouxeram nese periodo, foi somente nos anos 60 que 0 conceito de regio geografica passou a merecer maior atengao ¢ aprofundamento, Como referencial tedrico para a questo regional, na década de 60, pode-se, inicialmente, reconhecer os conceitos desenvolvidos por Fabio de Macedo Soares Guimaraes" Embora ndo superando totalmen- te 0 modelo determinista/possibilis- ta de regido, Guimaries defendia conceitos bastante diferentes daque- les que preconizara na década de 40. Nessa etapa de seus estudos, em 1963 especificamente, ele conside- rava que: “...a8 regides nao séo ob- {jetos concretos, encontrados na face da Terra; de fato no passam de “construgdes mentais” de esquemas delineados pelos gedgrafos, para ajudar a compreender a realidade” Dessa forma, “os quadros regionais sto construgées subjetivas... ndotém cardter absoluto e variaro com os critérios seguidos e com os objetivos que tém em vista”. Diante desse novo referencial, Guimaries discutia alguns problemas classicos da geografia regional, dentre eles a divisio, a delimitagao € a nomenclatura das dreas. Em relag&io & divisfo regional, admitia que grandes areas poderiam ser subdivididas, tanto pela pratica do parcelamento (método dedutivo), quanto pelo agrupamento (método indutivo). Afirmava que a divisio regional ndo deveria subordinar-se as divisOes politico-administrativas. Criticava o método classico de de- marcagdo, através da superposic: de regides clementares, propondo que grandes areas fossem divididas, supondo uniformidade quanto a alguns aspectos importantes: “Quan- to maiores as regides, maior seré 0 grau de generalizacio, de esquematizacao, e 0 critério para sua individualizagao que esta re- lacionado a escolha de uns poucos aspectos, considerados importantes para defini-las”. A esse fator decisivo denominava nota caracte- ristica ou leading factor. No tocante & questo da deli- mitagio, Guimaries sustentava que’ “O problema principal nao é 0 da delimitagao, mas sim o da determinago das préprias regides”. “Nao 6 0 continente, mas 0 contetido”, afirmava E propunha: “Uma vez resolvida a individualizagio de uma regifo e das suas vizinhas, passa-se a mareé-las no mapa, separando-as por linhas que se limitam esquema- ticamente. O tragado dessas linhas, necessariamente, tem muito de arbi- tério, mas poderd apoiar-se num ou mais elementos caracteristicos, as “notas caracteristicas” ou leading {factors a que nos teferimos”. Outra contribuigdo de Guimaraes, no artigo em questo, referia-se 20 problema da escolha da nomenclatura regional Segundo o autor, o ideal seria dar & regido 0 nome de sua caracteristica prin pal, individualizadora. Reconhecia, entretanto, que a tendéncia, nos estudos regionais, era ade se adotar uma nomenclatura popular, jé consolidada. Da andlise do pensamento de Guimaries, no inicio da década de 60, pode-se retirar algumas questes importantes para a revisio do mo- delo de divisdo regional entdo vigen- te, a saber: a mudanga no conceito de regido “natural” para “geografi- ca”, 0 reconhecimento do cariter dinimico das regides, a assungao da regio como uma construgo men- tal; 0 uso preferencial do método dedutivo de subdivisdes sucessivas para a identificacdo de regides e a defesa do uso de leading factors na identificagdo ¢ demarcagéo de unidades regionais. Apesar do avango tedrico repre- sentado por esses estudos, a divistio regional do Brasil permanecia prati- camente inalterada, ocorrendo ape- nas mudangas na composigao inter- na das regides, como as ocorridas em 1960, com a mudanga do Distri- to Federal para a Regifio Centro- Oeste e a criagdo do Estado da Guanabara, na Regio Leste. Cabe lembrar que tanto os dados do Censo Demografico 1950, quanto os de 1960, foram divulgados a partir dadivisio regional de 1946, utilizan- do-se, igualmente, para esse fim, as subdivisdes das regides em zonas fi- siogréficas, elaboradas também de acordo como paradigma possibilista Outras contribuigdes ao debate regional vieram a ocorrer a partir da segunda metade dos anos 60. ® Var, por exompo, o artigo de: VALVERDE, Orlando Estudo regional da Zona da Mata de Minas Gerais Revista Brasiera de Geograta, Rio de Janeiro, v 20, 3, B 982, jan mar, 1958 ““GUIMARAES, Fabio Macedo Soares. Observaebos sobre o problema da dvisdo regional Rlavista Brasileira do Geograia, Pio de Janeio,v 25," 9,p 260. 811, jul/set 1963 14 Com as mudangas na sociedade brasileira, desencadeadas apés a instalagdo, no poder, do regime mi- litar de 1964, havia a necessidade de se repensar alguns conceitos que j4 nfo davam conta da explicagzo da realidade brasileira. A centrali- zagio do poder, a ideologia da integragdo nacional, e a necessi- dade de modificacdo na divisdo territorial do trabalho, passaram a ser elementos importantes na gestdo do territério, pelo governo militar, com grandes repercussdes na organizagao do espago A pesquisa de cardter regional, apés 1964, em resposta & nova ordem social, econémicae politica jgente no Pafs, passa entdo a privilegiar alguns temas, entre os quais podem ser destacados 0 pré- prio conceito de regio, o plane- Jamento regional ¢ os conceitos de desenvolvimento e desigual- dades regionais. Entre os gedgrafos que traba- Iharam com esses temas pode-se citar Guerra’ (1964) que discu- tia 0 conceito de regiao e sua im- porténcia para o poder nacional. Segundo esse autor, as regides geogrdficas seriam areas indivi- dualizadas pelo complexo de fato- res fisiograficos e culturais, de in- teresse para o poder nacional. “Os fundamentos geograficos do Poder Nacional sdo as grandes regides gco-grificas, e os fatores sdo os diferentes elementos caracteriza- dores dessas regides”. Guerra chamava a atengio para a importancia de se diferenciar re- gides tendo com base fatores socioeconémicos: “Assim, as diver- sifieagdes regionais sio da maior importancia para o Poder Nacional Todavia, se houver desequilibrios socioeconémicos muito grande: TEUERAA, Aniénio Tele A rogido geogricae eva importanca para o poder nacional Revista Brasileira de Geogratia, Fo ce 463, jul fat 1064 “@RASIL Resolugion 695.4017 do|unho de 1966 Encarrogaa Seoreatia Gor entre as regides geogréficas de um pais, a tendéncia & fragmentagio da unidade politica sera grande”, ‘Comegaram, assim, a surgir no- vas tendéncias no estudo regional, que viriam a ser decisivas na elabo- ragdo de um novo modelo de divi- so regional para o Pais. Espacos homogéneos, funcionais e polarizados - subsidios ao planejamento na segunda metade da década de 60 Solicitado a colaborar na elabo- ragdo do Plano Decenal, que nortearia 0 planejamento nos anos 60, o IBGE envolveu-se novamen- te com a questdo regional. Le- vando-se em conta que duas dé- cadas ja haviam transcorrido desde a aprovagio da primeira divisao re- gional e que nao s6 0 Territério ‘Nacional jé se achava mais conhe- cido, como também novas aborda- gens metodolégicas j4 estavam sendo utilizadas, o IBGE concluiu que uma nova divisdo regional te- ia que ser elaborada. Na Resolugdo que 0 CNG enca- minhava a sua Secretaria'®, ficava claro que o érgio considerava que © modelo antigo de divisdo regional no satisfazia mais aos propésitos ‘a que se destinara, tanto para fins praticos (base para levantamento de dados), quanto para fins técnico-cientfficos (conhecimento da realidade do Pais). O CNG re- conhecia a importancia de se aten- der a uma crescente demanda por uma divisao revisada, segundo cri- térios e normas atualizados, reco- mendando a adogio de um “crit rio eclético”, onde os conceitos de est de Servieo [60] IBGE, Ro de Janeiro, ano 14, n 792, p 5,15 ul 1956 — — R bras Geogr, Rio de Janeiro, v 57, n 4,p 1-163, outidex 1995 regides polarizadas e homogé- neas se combinariam a fim de atender as finalidades de ordem prética Sugeria, por fim, a identificagdo de unidades regionais hicrarquizadas, Essa Resolugao do CNG, na re- alidade, vinha ao encontro no ape- nas das necessidades de gestio do territério, mas também do meio técnico-cientifico, que jé trabalha- va com novos conceitos desde inicio dos anos 60. O modelo de regio natural, entronizado pela Escola Determinista Ambiental € ampliado pelos possibilistas para regidio geografica, estava defini- tivamente superado ‘As novas tendéncias no pensa- mento regional, muito voltadas para a questo do planejamen- to, estavam inseridas no conjunto de transformages socioecondmi- cas desencadeadas apés a II Guerra Mundial. A maneira como vinha-se dando a expansao capi- talista, desde o final daquele con- flito, com suas inevitaveis conse- agliéncias na produgao de novas for- mas de organizagio do espago bra- sileiro, acentuava a necessidade de reformulacio do modelo de divi slo regional do Pats. ‘Segundo Corréa"” “... nfo se tra- ta mais de uma expansio marcada pela conquista territorial, como ocor- teu no final do século passado; ela se dé de outra maneira e traz enor- mes consegiiéncias, afetando tanto a organizagio social como as for- mas espaciais criadas pelo homem. Uma nova divisio social e territo- rial do trabalho € posta em agao, envolvendo introdugio e difusio de novas culturas, industrializagfio, urba- nizagao e outras relagdes espaciais.. 1v 26,0 9,p 459: Jecer as normas para uma nova dvisto regional da Brasil Botti bras Geogr , Rio de Janeiro, v 57, 4,p 1-163, out/dez 1995 en Trata-se de uma mudanga tanto no contetido como nos limites region: ou seja, no arranjo espacial criado pelo homem”. Dado 0 novo contexto politico- econdémico do Pafs ¢ consideran- do a ampliacao do conhecimento te6rico-metodolégico, os estudio- sos da questo regional, fortemen- te influenciados pelas teorias de localizagao de Christaller e dos Pélos de Desenvolvimento de Perroux ¢ Baudeville, passam a utilizar novos conceitos vinculados a dimensio espacial do desenvol- vimento econémico. Essa tendén- cia fica muito clara no Congres- so de Integragao Nacional, re- alizado na cidade de Salvador, em 1966. Nesse Congreso, alguns gedgrafos apresentaram um infor- me sobre os estudos basicos cla- borados, no IBGE, para definigio de pélos de desenvolvimento no Brasil , onde eram discutidas as novas abordagens regionais"* Segundo Pereira et al. (1967), para a elaboracao de politicas gover- namentais havia a necessidade de reconhecimento de dois nfveis regionais bisicos: o primeiro, mais amplo, seria composto por sistemas espaciais (compreendendo as macrorregides) e, 0 segundo, por regides (abrangendo as microrregi- es, as bacias e as dreas metropoli- tanas, entre outras). Além da preocupacio com as questdes de escala espacial, havia a busca da compreensio da funcionalidade dos locais, bem como procurava-se entender as relagées entre a cidade e sua regio. Assumia-se ‘que uma cidade dominaria uma regizio através de suas atividades de enqua- dramento tercic Top ot, p 17 Com grande influéncia de Rochefort, procurava-se, nesses estudos, entender ¢ aplicar os con- ceitos de homogeneidade e pola- rizago ao caso brasileiro. Nesse sentido, foi realizado um estudo preliminar procurando identificar os diferentes espagos funcionais do Pais, divididos em regides de nivel superior e de segundo ni- vel, tendo sido reconhecidos nove pélos de desenvolvimento (Sao Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizon- te, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife, Fortaleza e Belém) 66 centros secundérios. O método introduzido (Rochefort - Autreux), adaptado ao caso brasileiro, compreendia os seguintes passos: 1°—analisaro equipamento tercisrio polarizador e estudar sua distribui: G40 pelos centros urbanos; 28 — estabelecer a relagio entre 0 poder de polarizagiio e a agio polatizadora; ¢ 32 classificar as cidades segundo © grau de polaridade medido atra- vés de notas (scores) atribuidas a0 equipamento de categorias de ati dades tercidrias. Outro conceito bastante discuti- do, no final dos anos 60, referia-se a “homogeneidade de elementos ou fatores no espaco” Geiger”, em estudo preliminar de 1967, procurava nao apenas entender esse conceito, mas aplicé-lo & divisdo regional do Brasil, atendendo, assim, as solicitagdes da Resolugo 595, do CNG. Nesse texto, o autor afirma- ra inicialmente que “no estudo da superficie terrestre, a geografia descreve extensdes diferenciadas do espago, como reflexos dos fe- nomenos cuja qualificagdo decor- re de determinadas expressdes quantitativas” A caracterizagao de uma regiio = “espago diferenciado da superti cie terrestre” - seria feita a partir de fenémenos de massa, que po- dem ser quantificados através da correlagio de diversos fendme- nos”. No tocante & aplicagio des- se conceito, Geiger afirmava: “.. a0 se realizar uma divisio regio- nal do pais, caberd verificar, para cada regio, qual o elemento mais dinamico no sentido da organiza- gio da vida regional, € 0 que mais interfere na evolugao de outros fendmenos geograficos”. Geiger procurava, nesse estudo, articular, em nivel de regides, os con- ceitos de espagos homogéneos ¢ espacos polarizados, mostrando que tais espagos nem sempre formati am “regiées”. Chamava a tengo para o fato de que, em espagos me- nos desenvolvidos, poderiam formar- se regides mais homogéneas, com vida de relagdes em torno da produ- 40, enquanto que em espagos mais, desenvolvidos, a vida de relagdes seria mais intensa, com variedade de unidades internas diferenciadas © fen6menos de polarizagio presidin- do aregionalizagio. Considerando os diferentes tipos de “regides”, decorrentes de for- mas diferenciadas de organizagiio do espago, Geiger finalmente propunha que, na realizagio de eestudos sobre divisio regional, fossem utilizados tanto os critérios de homo- geneidade, quanto os de polaridade, que deveriam ser confrontadose com- binados, definindo-se _niveis hierarquizados. Os aspectos tedricos e metodo- légicos da regionalizagio foram, mais tarde, aprofundados por Geiger. Em um de seus artigos, publicado em 1969, 0 autor ressal- ""Vera respello em: PEREIRA, Rubens de Matos. al Estudos basioos para dotngso de polos de desonvolvmento no Brasil Revista Brasileira de Geograta, Rilo de Janairo, v 28, 1, p 82-101, jan mar 1967 "GEIGER, Pedro Pinchas Esboce preliminar da dvisso do Bras nas chamadas rgices homogéneas Revista Braslea de Geografia,Rlode Janel, v 29, 1 2,p 69-64, abr jun 1967 MQEIGER, Pedro Pinchas Regonaizagso Revista Brasileira de Geografa, Ro de Janeivo, v 31, 1,p 5-26, jan mar 1969 6 tava a relacdo existente entre a for- ma de organizagao do espago terri- torial e o gran de desenvolvimento do Pais, afirmando que uma regio é“... uma forma geogréfica que sur- ge apenas em determinada fase his- térica de um territério”. Rompia, dessa forma, definitivamente como modelo anterior de regio (“natural”) € assumia que o processo de regio- nalizacdo estava intimamente corre- lacionado ao desenvolvimento indus- trial de um pais “Nao hé regionali zaco sem desenvolvimento indus- trial”, afirmava Geiger apregoava, ainda nesse artigo, que 0 processo de regio- nalizagdo estava vinculado & homogeneizagao do Pais, consi- derando, porém, que desenvol- vimento capitalista traria consigo especializagao de regides em de- terminadas produgdes ou ativida- des Baseado, portanto, no reconhe- cimento da importincia da divisio territorial do trabalho que, em sua opinido, homogencizaria e,a0 mesmo tempo, diversificaria o espago terri- torial brasileiro, o autor propés uma nova abordagem para a identifica gio de regides no Pais" .adiviséo de maior hierarquia corresponde & distingdio de enormes extensdes ter~ ritoriais, grandes espacos econémi- cos, diferenciados por nivel de de- senvolyimento” Segundo esse conceito, Geiger identificava trés macrorregiées, no Brasil”: a Amaz6nia, 0 Nordeste e © Centro-sul (Mapa 4). Esses grandes espacos, por sua vez, seriam subdivididos em regides me- nores, através da andlise hist6rica de alguns elementos, tais como: recur- sos naturais e seu aproveitamento, movimentos da populacdo; objetivos da produgio; estrutura social e ba- Tangos comerciais e de pagamentos inter-regionais, Daandlise critica dos estudos ela- borados por Geiger, nesse periodo, assim como aos de outros autores a ele contemporneos, como Davidovich, Santos, Becker, Keller ¢ Faissol, entre outros, pode-se ve~ rificar que foram expressivas as contribuigdes te6rico-metodolégicas dadas & drea da geografia regional. Com influéncia de autores estran- geiros, como Friedman e Alonso, esses geégrafos brasileiros, ao final dos anos 60, passaram a conceituar Tegidio como “um espago organiza- do pelo homem”, privilegiando, em seus estudos, a compreensao da evolugao de estruturas econémi- dos flu- tal) regionais. Estava, portanto, superado, em nivel tedrico, 0 modelo anterior de andlise regional. Na prética, essa superagdo se traduziria na amplia- glo do conhecimento sobre 0 Territério Nacional, respondendo, assim, & necessidade de mudanga no modelo de diviséo regional adotado no Pais O novo modelo - 1969/ 1970 Tornada premente a reformula- do da divisao regional do Pafs, os técnicos da Divisio de Geografia do IBGE, entdo responsavel por tal tarefa, julgaram que uma s6 diviso regional seria insuficiente, dado que “a compreensio da organizagao espacial de um pats, do ponto de vista geografico, implica a anélise das duas ordens de fenémenos essenciais de uniformidade do espago: regides homogéneas, tratadas como a forma de organizagio em tomno da produgio, ¢ regides funcionais ou areas distintas, analisadas segundo os R bras Geogr, Rio de Janeiro, v $7, 4,p 1-163, ouvdez 1995 fenémenos de interagao e da vida de relago”. A primeira visava a ser empre- gada para fins estat{sticos ea se- gunda, apoiando-se em estudos de centralidade e Areas de influéncia dos miicleos urbanos, objetivava, de alguma forma, fim da descentraliza- go. Uma terceira divisdo ainda era pretendida, através de uma combi- nago das duas primeiras (esta vi- saria a fornecer informagées basi- cas As politicas de desenvolvimento econ6mico). Em 8 de maio de 1969, a Resolu- ao n® 1 da Comissio Nacional de Planejamento ¢ Normas Geogréfi- co-Cartograticas, considerando que a Divisdo Regional entéo em vigor no mais satisfazia tanto para fins de tabulagdes estatisticas, quanto para fins didéticos, resolveu aprovar ‘uma nova divisio regional (em 1967 havia sido realizada a mesma, em caréter preliminar; a seguir, foi re- vista e oficializada, em 1969). 0 mo- delo oficializado identificava cinco novas Grandes Regides (especial- mente para fins didéticos) e unida des menores, as microrregiées ho- mogeneas (para tabulagdes dos da dos e estratos de amostragem do sistema estatistico, agrupadas por estados), ficando os niveis interme- didrios para posterior aprovagao (Decreto n® 67.647, de 23.11.1970, publicado no Didrio Oficial de 24.11.1970 e retificado no de 04.12.1970) O artigo 1° do Decreto n? 67.647, assim explicita: é estabelecida para fins estatisticos a seguinte Divisdo Regional: 1 - Regio Norte. Estados do Acre, Amazonas e Paré; e Territ6rios de Rond6nia, Roraima e Amapé. "Gabe lembrar que essa divsdo havia sido elaborada por Geiger, em 1964, e via sendo adotada por alguns técricas, especialmente gadgrafo, em sous studs sobre a organizacdo do espaco brasileiro, Ver GALVAO, MV, FAISSOL,S op cit, p 199-190 7 bras Geogr , Rio de Janeiro, v 57,n 4, p 1-163, ouv/dez. 1995 Mapa4 DIVISAO REGIONAL DO BRASIL PROPOSTA POR PEDRO GEIGER- 1964 Fpponia 1 — ity io CENTRO SUL ig ; va eas [Jeni mousraans omen Py aie yar Faaencem ty iy Ay at RR Bacar So temons Agi) EE La Caen atthe ht ty r Fate dtconame eri Woden WA ake afi TT 20RA METALORGICA Lt a : = Ey recto, FETA Ee ma {Regie Aarne Diveraifienda? eo aco0 eg moMMD coset geeck Rept dea Sm rnin spose Cessees MA sete oe akee NORDESTE Ayrton as 4 cluabes be wats De 80.000H%e [iris ones Teneo) Eg ZA hai "] keadko asia O1vERS:FICADA REGIRO DE EconOAA SERTANEJA cio NowTE Regite Agro extrtiva) AMAZONIA REGIAO RORO-EXTRATIVA DA EMBOCKEURA AMAZBIICA Resiio AaRARIA Do VALE AMAzGNIC Restio DE GRIAGAO DOS CAMPOS OE RORALA REBIAO DE ECONOMIA EXTRATIVA 1 AOLOMERAGKO MEFRUPOLITANA ‘ls DE 309 O00 nee as Fonte: Geiger, Pedro Pinchas Organizagio regional do Brasil Revista Geografica, Rio de Janeiro, n 61, p $1, jul /dez. 1964 ee 2 - Regido Nordeste: Estados do Maranhio, Piaui, Cea- 14, Rio Grande do Norte, Paratba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, ¢ Territ6rio de Fernando de Noronha 3 - Regidéo Sudeste: Estados de Minas Gerais, Espitito Santo, Rio de Janeiro, Guanabara e io Paulo. 4 - Regido Sul: Estados do Parand, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. 5- Regidéo Centro-Oeste’ Estados de Goids, Mato Grosso Distrito Federal. Ainda nesse decreto, ficou de- finido que, para as unidades me- nores, “a nogao fundamental é a da uniformidade do espago, ba- seada nas caracteristicas socioeco- némicas que os dados estatfsticos devem espelhar, espagos estes que deverio sofrer modificagao, toda vex que uma alteragaio substancial desta uniformidade for afetada pelo processo de desenvolvimento eco- némico”, Esta seria, portanto, uma sificago indutiva, fundamentada no conhecimento da realidade a par- tir de uma trajetéria ascendente, do individuo para o todo, através de t nica de agrupamento, Nessa divisiio regional, a ser ado- ada nos anos 70, 0 conceito de es- paco homogéneo foi definido como forma de organizagio da produ- io, tendo servido de embasamento para a identificagdo dessas unida- des as andlises efetuadas: a) nos dominios ecolégicos (como estes atuam nas atividades e formas de organizacio humana); b) na distri- buigdo espacial da populacio (espa- os caracterizados pelo mesmo comportamento demogréfico no que se refere aos aspectos quantitativos ¢ dindmicos); c) nas regides agrico- las (obtidas através da andlise da estrutura agraria, da forma de utili- zacio da terra e da produgio agri- cola), d) nas atividades industriais (através do exame da sua evolugao segundo os géneros de indistria, sua associagdo, as formas das empre- sas ¢ as dimensdes dos estabeleci- mentos); e) na infra-estrutura dos transportes (as dreas foram classi- ficadas segundo a maior ou menor acessibilidade aos modernos meios de transporte); e, ainda, f) nas ativi- dades tercidrias nao polarizadoras (portuérias, turisticas, militares, etc.) Foram individualizadas dreas que se identificam por certa for- ‘ma de combinagao dos elementos geogrdficos, sempre dentro de determinado nivel de generaliza- ¢do; desde que mudava substan- cialmente um dos elementos, mu- dava a combinagao e passava-se @ outra unidade. Os espagos homogéneos resul- tantes, em niimero de 361 unida- des, que passaram a ser denomi- nadas de microrregides homo- géneas, apareciam distribuidos da maneira como se segue, através das Grandes Regides, que passa- ram a se denominar de Macrorre- gides (Mapa 5). Macrorrgibes | Meroregis a a Nordeste 128 [Sudeste — a ‘su 64 a enone —| a Tais recortes foram usados ja no Censo de 1970 para a tabulagao dos dados estatisticos, donde se con- clui que estas substituiram as anti- gas zonas fisiograficas. R bras Geogr, Rio de Janeiro, v 57,n 4, p 1-163, ouvidez 1995 Pelas denominagdes atribuidas aos ‘macroespagos jé se percehe uma mo- dificagdo na delimitagao dos mesmos A mais expressiva foi o desapareci- mento da Grande Regio Leste, surgindo em seu lugar a Macrorregio Sudeste, Assim, os Estados de Sergipe Bahia, que formavam o Leste Seten- trional, passarama pertencer 4 Macror- regidio Nordeste; os Estados de Minas Gerais, Espirito Santo, Rio de Janeiroe ‘Guanabara (transformado em Munici- pio do Rio de Janeiro, pertencente a0 Estado do Rio de Janeiro, em 1975), juntamente com o Estado de Sao Paulo (até ento pertencente & Re- gio Sul), passaram a formar um novo espaco regional - © Sudeste. Serd bom registrar que a criagio desta nova regidio - o Sudeste - tomava-se imperiosa, vito que a SUDENE, 6rgao criado em 1959 pelo Govemo Federal visando ao desenvolvimento da Regio Nordeste, jé consideravaos Estados da Bahia c de Sergipe como pertencen- tes ao Nordeste. O mesmo acontecia com outros érglios govemamentais. Regido e regionalizacao na década de 70 Os conceitos ligados a Teoria Geral dos Sistemas e ao Modelo Centro - periferia A produgao cientifica, no inicio da década de 70, foi profundamente marcada pelo dificil perfodo hist6ri- co por que passava a sociedade brasileira. Os estudos de cunho regional, conduzidos principalmente por ge6grafos, encontravam-se na mesma situagdo vivenciada em outras éreas do conhecimento cienti- R bras Geogr, Rio de Janciro, v 57,n 4, p 1-163, outdez 1995 |

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