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DIVULGAGAO. A QUIMICA AMBIENTAL E A HIPOTESE GAIA: nova visio sobre « vide na Terra? Wilson F. Jardim e Aéclo P. Chagas Instituto de Quimic Recebido em 15/10/91 Unicamp - C. Postal 6154 - 13081 - Campinas - SP ‘The Gata hypothests, by J. E. Lovelock, s briefly presented and commented. It wishes to distinghish ‘one as the only current hypothesis able for to deal with global environmental problems. Keywords: Environmental Chemistry; Gala hypothesis. INTRODUCAO ‘A Quimica Ambiental em-se firmado como uma importan- te rea da Quimica, no 6 pelas razdes sociais da poluigio da devasiogio ambiental, mas também pela fonte de proble- mas e de desafios que tem trazido aos quimicos: detecsio de poluentes, tratsmento de efluentes, desenvolvimento de pro- essos ndo-poluidores, desenvolvimento de produtos bio-de- sgradaveis, etc... No entanto os problemas atuais nilo sio ca- racterizados apenas pelos seus aspectos qualitativos semelhan- tes sos que os quimicos jé vinham tratando, mas também por problemas qualitativamente diferentes, como aqueles que en- Yolveri grandes ecossistemas como a simosfera © 0 Oceano. ‘Os quimicos jé tém longa experiéncia no que se refere & sampliagio de escala. Da bancada para a planta piloto e desta para a escala industrial, « complexidade alarga-se cada vez mais. E existe todo um conjunto de teorias, regras de proce- dimento, ete, que auxiliam 20 quimico ¢ 20 engeaheiro na soluglo destes problemas. Na questio do meio ambiente tém- se situagées de um certo modo semelhantes a essas, mas hé ‘ouras que so completamente diversas. Pode-se comparar um Jago # uma fabriea, porém © oceano jé é algo nko apenas ‘maior, mas mais complexo, qualtaivamente diferente. Quan- do se tenta extrapolar em tal amplitude, nlo se pode prever para o macro-sistema todas as interagGes possiveis, porque ‘esti se lidando com nichos ecoldgicos altamente complexos. E neste caso, nem ecélogos, nem quimicos, nem quaisquer ou- ‘tos cientistas tém experiéncia e poderio prever final dist. Existe alguma teoria que posse auxiliar os cientistas am- bientais (quimicos, bidlogos, fisicos e outros) no trato destes problemas? Esta € a grande questio, Uma resposta a ela é 0 que tentaremos dat neste artigo. fa, mosttando de forma sucinta 0 que 6a “hipotese Gaia", como surgiu e qual a sua importancia para as cigncias ambientais, enquanto a inica hipétese dispo- nivel atualmente para trata’ dos grandes ecossistemas de for- sma global ‘A HIPOTESE GAIA ‘A hipétese de que a vide, por si s6, tem mantido o am- biente otimizado através do controle da temperatura e da com- posigio quimica da biosfera foi desenvolvida pelo cientista e {inventor inglés James E, Lovelock, com a ajuda de uma es- pecialista em microbiologia, a ameticana Lynn Margulis. Foi enominada hipétese Gala, ou simplesmeate Gaia por ser esta ' palavra uilizada na antiga Grécia ("yea") para identificar a ‘Mie Terra" como um ser vivo e pulsante. As idéias do autor principal desta hipétese foram coletadas, cm sua maior parte, fem dois livros: “Gaia: A new look at life on Earth", publi- QUIMICA NOVA 1511) (182) ‘eado em 1979, ¢ “The Ages of Gaia. A biography of our li vving Earth", publicado em 1988 De ecordo com Lovelock, “através da Teoria Gaia eu vejo ‘Terra ¢ 8 vida nela conta, como um sistema, um sistema ‘que om a capacidade de regular « temperatura a composiga0 da superficie terest © manté-la confortével pera as seres vi- vos. Est sistema é auto regulével por um provesso sivo man- tido pele energia livre disponivel da luz solar”. ‘Embora apresentada & comunidede cintiica em 1968, ape- nas recentemente que Gaia passov # ser debetida como sea- do realmente uma hipétese cientifica e nio ume visio esoté- Fica da interdependéncia bistica ¢ abidtica de nosso planci. ‘A hipStese Gaia comesou a tomar forma quando Lovelock era consult da NASA © engajado no programa que investi ava a vida em Marte, procurando experimentes que pudes Sem ser feitos na superficie do plancta epés 0 pouso da espa- sonave nio-tripulads Vicking. Lovelock argumentava que 10 fra necessério sair da Terra para se constatar que nfo havia Vida em Marte. O mesmo se aplicava a Venus. Em Marte nlo hd oceanos. Caso # vida tivesse florescido em Mart, certs mente teria de faz#-lo na atmosfera; ou entdo seria estagnada pela auséncia de um fluido de escoamento. E interessanle mencionar aqui que « propria definigdo de vida foi alvo de inimeros debates ealre os consultores da NASA durante 0 programa Vicking. Por exemplo, a presenga de DNA ou de ‘ualquer composto contendo um carbono assimético pode ser tum indicio de vida tal qual nés, terrestres, a concebemos. Es- tes mesmos indicios podem, no entanto, no serem validos para Marte. ‘Assim, Lovelock acreditava que embora alguns parkmetros ‘bioquimices pudessem ser indicios da vida conforme ela se esenvolve no nosso planeta, estes certamente ido se aplice- iam para todo sistema solar. As leis termodinamicas, no catanto, sc aplicariam além das fronteiras do nosso planets, ‘lém do nosso sistema solar. Sto universais.E foi justamente explorando « Segunda Lei da Termodintmics, ou sea, lei do aumento de entropia[veja NOTA 1], que o autor comperou © estado de equilforio existente na atmosfera teresire frente 4s condigées encontradas nas atmosferas de Marte © Venus. ‘A tab 1 epresenta 0s dados desta comparagio: a composi- #0 das atmosferas de Marts, de. Véous, da Terra ¢ de ume Kipotética Terra sem vida {vide NOTA 2} também a energia livre molar dessas stmosferas. Em Marte e Vénus tem-s0 & predomintncia do didxido de carbono. Os teores de oxigénio so extremamente baixos quando confroatedos com 0s 21% de nossa atmosfera. Comparados 80s outros {78s casos, nossa terra estd longe de ser um sistema termodinimicamente esté- veP. Caso todas as formas de vida fossem extntas da bios: fera, « nosse atmosferatenderia pars uma situagio de equil- ‘io, apresentando eo final de alguns milhares de anos umn composicio quimice bastante semelhante & indspita stmosfera TTABELA 1 - Composigto e Termodinkimica das atmosferas da Terra, Venus ¢ Marte {a} “Componentes Veous Mane Term Tere (catmola) © sem vide ‘ancteitoas a ‘idxido de cubs «9658S CORSE itropteio 3827 oxigtaio ager 01321 tapos smetano tmgot ungoe 1.72104 egos lempersnim supericlaPC 459-5313 Oa HO presto rupericaltar 900.0068 10 AFG mol! [) 5396s a7 {a} baseada no quadro 2 da ref. 1 ¢ tabela I da ref. 3. [b] Energia livre padrio molar de formapio da almosfera & temperatura superficial, calculada com dados da ref. 4. {6} veja NOTA 2. de Véous © Marte (tb. 1, iltima coluna). ‘A manutengio da conceniragio de metano em 1.7 ppm na stmosfera erresit, frente a presenga de um poderoso oxidan- te como 0 oxigénio, sé é possivel frente a um aporte anual de cerca de 1 x 10? toncladas de metanol”. Do mesmo modo, sho necessrias cerca de 2 x 10° toneladas de oxigénio a cada ‘no pera repor aquela quantidade que foi consumida na oxi- dagdo deste mesmo metano! «De acordo com Lovelock, este controle da composigio quimica da simosfera & feito por Gein. Esta situacho de alta energia livre ou de insabiidade termodinimica da nossa atmosfere é consequéncia direta da vide que af se insta, Neste caso, nossa atmosfera pode ser considerada como um reator de fuxo com agitago mantido fem estado estacionario*, onde as concentraydes permanecem ‘constantes devido a0 porte de reagentes ¢ retirada dos pro dotos, © tempo de residéncia do metano ¢ estimado em 3,6 ‘Um outro aspecto importante sobre a composigto quimica a stmosfera terrestre nestes tltimos 4 bilhées de anos, espe- cialmente quanto a0 oxigénio, é sbordada por Lovelock. Acre- dita-se que, antes do aparecimento da Vida em nosso planets, ‘a concenttagio do oxigénio fosse da ordem de 10!° vezes me- nor do que 0s atusis 21%, Hé aproximadamente 2 bilhdes de ‘anes, com 0 eparecimento das primeiras cianobactérias tole- rantes 20 oxigénio, este gts jd compunha 0,2% da nossa at- mosfera, Porém, nos iltimes 400 milhdes de anos a concen- tragio de oxigénio tem se mantido constante nos seus 21%. nteressantemente, ¢ sabido que numa atmosfera contendo 15% de oxigénio nfo se pode queimar nem o mais seco dos carvées'2. Por outro lado, numa atmesfera contendo 25% de oxigénio, © fogo sera alimentado téo infensamente que, ume ver iniciado, até as timidas florestas tropicais seriam transfor~ madas em cinzas. Seria de responsebilidede de Gaia « manu- tenglo dos teores de oxigénio da nossa stmosfera num valor médio entre a ausencia do fogo (15%) e sus existéncia voraz ¢ incoatroldvel a 25%? ‘A queima de combustiveis fésseis poder alterar esta si- tuagdo? Estime-se que o homem jé queimou cerca de 1x 1086 moles de carbano na forma de combustvel féssil, © que con- sumiu 2 x 1018 moles de oxigénio, ou seja, aproximadamente 0,05% das reservas (na stmesfera hd 38 x 101° moles de oxi- sénio)’. Por outro lado « quantidade de didrido de carbono ‘a stmosfera € 5,4 x 1018 moles. Se este diéxido de carbono colocado pelo homem na atmosfere (os 1 x 10!® moles pro- Yenientes da queima do combustivel fésil) nio tivesse sido retirado (pela fotessitese, pela dissolusio no oceano seguido de outras reagdes, pelo consumo no intemperismo das rochas) teriamos tido um acréscimo de 37% na conceatrasio do mes- mol, As conseqiéncias disto poderiam ser fais pare vida tno planeta, porém até que ponto estes mecanismos de remo- ‘fo do didxido de carbono serio capazes de atuar eficiente- ‘mente do panto de vista cinéico e termodinémico? Se Gaia ¢ capaz de controlar « composigo quimica de at- rmosfer, indireamente também é caper do controle da tem, peratura'na superficie tenes. Caleulase que 0 Sol, hi 4 x 10° ‘tos, num comportamento tipicamente estclar, fosse pelo me- ‘os 30% menas luminoso do que o é atualments?. No entanto ‘Terra ndo era uma bola congelada como seria de se esperar, luma vez que apresentava égua no estado liquido em sua su- perfcie, fato este comprovado pela formagio geolégica de Certs rochas sedimentares. A tniea maneira pela qual a Terra Se mantria numa temperature acima daqucla prevista seria pela presensa de “gases estufa” [vide NOTA 3] em sua atmos- fera, principalmente diéxido de carbono, aménia © melano (ver adiante 0 “planeta das margaridas’) 'E com o passat do tempo, tendo o sol se tornado cada vez sais luminoso e quenie, porque a Terra nko softeu um pro- cesso de superaquccimento tomando o planeta iaviével para sSuportat a Vide? Lovelock argumenta que Gaia foi responsével por tal controle, fazendo com que grande parte do didxido fosse asimilado nos oceanos pelos ftoplanctons, mantendo assim um mecanismo dinimico de produgio e assimilagio deste gis-stufa na atmosferae, conseqtentemente, o controle da temperatura obvio que uma hipstese to revolucionétia como Gaia tenha despertado inimeras discussdes, angariado_admiradores ¢ entices. Das eritcas fetes, algumas, no dizer do proprio Lovelock, foram tremendamente importantes, pois permitiram dar um_ melhor embasamento te6rico a Gaia. Dente estas ti- timas destaca-se a erica de diversos bidlogos, dente os quais S. Schneider, R. Londer, H. D. Holland, F. Doolitle, R. Daw. kins, e outos, que argumentavam que se Gala exist, nto se fia possivel a evolugdo segundo uma selegdo natural, como & atualmente accita. A esta critica Lovelock e Watson ram com a engenhose simulaglo em computador do “planeta das margaridas"™# (0 “planeta das margaridas” ¢ essencislmente um planeta com condigées fisicas semelhantes as de Terra, em torno de luma estrela igual ao nosso Sol. Neste mundo imaginério as principals espécies de plantas sto tés margaridas: uma de cOr escura (preta), outra de c6r “neutra” (cinza) © outra de cor clara (branca). A estrela, como o Sol, tem a propriedade de se aquecer, aumentando’ sua luminosidade com © passar do tempo, caraceristica de todas as esielas neste periodo evolu: Neste modelo. simplificado o ambiente € reduzido a uma tinice variével independente: a temperatura, © 0 biota a trés cespécies: as margardas. Se esté muito fio, abaixo de S°C, as flores nio crescem. Se esté muito quente acima de 40°C, clas ‘murcham ¢ morrem. A temperatura ideal para elas florescerem 220°C. A temperatura média do planeta é detcrminada pelo balango entre 0 calor recebido e o refletido, este pelo albe- do, ou seja, © tom dominante do planeta. Um planeta com tonalidade escura absorveré mais radiagdo (e refletiré menos), tornando-se portato mais quente. Uma tonalidade mais clara, tum planeta mais fio. Assim 0 resultado desta simulaso pro-

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