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MINISTERIO PUBLICO FEDERAL EXCELENTISSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL O PROCURADOR-GERAL DA REPUBLICA, com fun- damento no art. 102, § 1°, da Constitvigio Federal ¢ nos dispositivos da Lei n° 9.82/99, vem propor ARGUICAO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL com 0 propésito de que seja declarada a inconstifucionalidade dos artigos 37, 38 e 39 da MP 446/2008, bem como da NOTA DECOR/CGU/AGU n? 180/2009-JGAS. w 2. Os preceitos fundamentais indicados como violados s40 0 principio da solidariedade, inscrito no ari. 3°, J, da CR, 0 principio da universalidade do custeio da seguridade social, previsio no art. 195, caput, da CR, o principio da legalidade, na forma prevista no art, 195, § 7°, da CR, eos prineipios da administragio péblica, noiadamente os da legalidade, da moralidade ¢ da impessoalidade (art. 37, capui, CR). 3 A inicial segue com cépia de representagio formulada pelos Procuradores da Repiblica Carlos Henrique Martins Lima, José Alfredo de Paula Silva e Paulo Roberto Galvao de Carvalho. Introducéio 4, Os artigos 37, 38 © 39 da MP 446/2008 possuem a seguinte redagio: “An. 37. Os pedidos de renovagio de Certificado de Entidade Beneficente de Assisténcia Social pro- tocolizadas, que ainda nao tenbam sido objeto de julgamento por parte do CNAS até a data de publi- cacao desta Medida Proviséria, consideram-se de- feridos. Pardgrafo Gnico. As representagdes em corso no CNAS proposias pelo Poder Executive em face da renovagio referida no caput ficam prejudicadas, in- clusive em retacio a periodos anteriores. Art. 38. Fica extinto o recurso, em tramitacao até a data de publicaggo desta Mcdida Proviséria, relat vo a pedido de renovagao ou de concesséo origind- tia de Certificado de Entidade Beneficente de As- sisténcia Social deferido pelo CNAS. Art. 39, Os pedidos de renovacio de Certificado de Entidade Beneficente de Assisténcia Social indefe- rides pelo CNAS, que sejam objeto de pedido de reconsideragio ou de recurso pendentes de julga- mento até a data de publicacia desta Medida Provi- séria, consideram-se deferidos.” 5. Por forca desses dispositivos, foram (i) deferidos, sem anélise e sem o cumprimento de quaisquer requisiios, pedidos de renovagio de Cettificados de Entidade Beneficente de Assisténcia Social (CEBAS) pendentes de decisio no Conselho Nacional de Assisténcia Social (CNAS) a data da publicagdo da MP; (ii) arquivadas representagdes administrativas encaminhadas a¢ CNAS, otiundas do INSS, da Secretaria da Receita Previdenciria, da Secretaria da Receita Federal do Brasil ¢ do Ministério Piiblico, que apontavam isregularidades ¢ recomendavam a néo-renovagio de pedidos de CEBAS pendentes de apreciac&o, bem como a anulagao de CEBAS ja deferidos; (iii) arquivados recursos interpostos pelo INSS, Secretaria da Receita Previdencidtia e Secretaria da Receita Federal do Brasil ao Ministeo da Previdéncia Social contra decisdes do CNAS que beneficiaram entidades; (iv) deferidos CEBAS a quem teve o pedido negado no prdprio CNAS, desde que estivesse pendente pedido de reconsideragéo ac préprio érgdo, ou recurso administrative ao Ministro da Previdéncia Social. 6. Além desse cendrio, por si bastante preocupante, boa parte dos parlamentares considerou haver, nesse caso, afronta as atribuicdes do Poder Legislativo, uma vez que essas matérias j4 teamitavam sob a forma de projeto de lei, 7. Ao final, 0 Congresso resolven nao admitir a MP 446/2008, sob o fundamento de que ndo atendia aos pressupostos constitucionais de relevincia ¢ uigéncia. 8, Ocorre que, duranic a vigéncia da MP 446/2008, 0 CNAS | editou resolugdes renovando mais de 7.400 CEBAS!, 0 que levou o Ministério Piblico a encaminkar a0 Congresso Nacional 0 Offeio n? 42/09- GAB/JA/PRDE/MPF de 12/02/20097, no qual expds a necessidade da edigao de um decreto legislativo regulamentando as relagdes juridicas decoreates da rejeigio da referida medida proviséria. No entanfo, nada foi feito. 9. Diante desse quadro, 0 Ministro de Estado da Previdéncia Sociat e a Consultoria Jucfdica de seu Ministério formularam consulta a0 Advogado-Geral da Unido sobre os efeitos da rejeigao da MP 446/2008. Em resposta, foi exarada a NOTA/DECOR/CGU/AGU a® 180-2009-JGAS, de 15/09/2009, aprovada pelo Advogado-Geral, na qual se concluiu que 0 siléncio do Congreso Nacional em regulamentar os efeitos decomentes da rejeigdo da MP seria “uma escotha politica legitima”, tomada em atengio seguranga jutidica, de moda a preservar os atos praticados durante a sua vigencia 10. Copias da referida nota técnica e respectivos despachos de aprovacéo foram encaminhadas aos Ministros Chefe da Casa Civil, da Fazenda, da Previdéncia Social, da Saide, da Educagio, do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, dente outros érgéos, sepultando qualquer possibilidade de revisto, na esfera administrativa, dos atos pertinentes a0 CEBAS fundados na aplicagio da Medida Proviséria n° 4446/2008. UL. Até hoje, portanto, mais de 7.400 entidades beneficiam-se de imunidade de contribuicso para a seguridade social, sem qualquer comprovagdo de que atuam em prol da assisténcia social. Sio esses os - nefastos efeitas que se pretende ver afastados por meio da presenté acio. 4 Em especial pelas ResolugGes 0°3, 7, 6, 11 ¢ 12, de 2008, que seguem anezas 2 Documenta anexa, Cabimento da ADPF 12, A arguicao de descumprimento de preceito fundamental - ADPE - prevista no art. 102, § 1°, da Constituigao Federal, regulamentada pela Lei n® 9.882/99, volta-se conira atos comissivos ou omissivos dos Poderes Pablicos que importem em lesio cu ameaga de lesio aos prinofpios e regras mais relevantes da ordem constitucional. 13. A presente ADPF é de natureza auténoma. Para o seu cabimenio, é necess4rio que estejam presentes os seguintes requisitos: (a) exista lesio ou ameaga a preceito fundamental, (b) causada por atos comissivos ou omissivos dos Poderes Pablicos, e (c) nao haja nenhum outro instrumento apto a sanar esta lesio ou ameaga. Estes trés requisitos estéo plenamenie configurados, conforme se demonstraré a seguir, 14 Quanto ao primeiso ponto, a tese central dessa ADPF € a de que a concessio de imunidade, sem lei que estabelega 03 requisitos para tanto, viola, entre outros, os principios da legalidade, da moralidade, da isonomia e da solidariedade. 15. Tais principios devem ser considerados como preceitos fundamentais, na medida em que estruturam a relacdo entre o Estado ¢ os seus jurisdicionados. 16. Ha dois atos do Poder Piblico impugnados nessa agéo: a MP 446/2008 ¢ a Nota DECOR/CGU/AGU n? 180/2009-JGAS. 17. Para verificar o atendimento 20 principio da Wy subsidiariedade, essa Corte leva em conta a existéncia de outros processos objetivos de fiscalizaco de constitucionalidade, que possam comrigir de maneira adequada a lesao a preceito fundamental. 18. No caso, 0 requisito esta satisfeito, uma vez que, com a n&o admisséo da MP 446/2001 pelo Congresso Nacional, ndo € possivel discatir a consiitucionalidade dos dispositivos impugnados pela via da ADI. 19. Essa Corte jd entendeu cabivel essa modalidade de agio do controle concentrado de constitucionalidade em hipstese bastante similar A presente. Trata-se da ADPE 84/DF, proposta em face dos efeitos da Medida Proviséria 242/205, que foi rejeitada peto Senado Federal. Irregularidades na concessdo de CEBAS 20. © Certificado de Entidade Beneficente de Assisténcia Social (CEBAS) ¢ 0 principal instrumento de reconhecimento, pelo poder piblico, do preenchimento das condigdes de coustituicio ¢ funcionamento de entidade que pretenda ser beneficiéria da imunidade! de contribuigSes para a seguridade social, nos termos do artigo 195, § 7°, da Constituicso*. 21. Tal imunidade € uma das poucas excecdes a regra geral estabelecida no caput desse artigo, que instituiu 0 principio da solidariedade no custeio do sistema de seguridade social, com a soguinte redacio: “Art. 195. A seguridade soeial seré financiada por @ ‘Apesar de a Constimiigao Pederat atiizar, em seu art, 195, § 7, o termo “venga”, hi muito o Suprema. ‘Tribunal Federal entendeu tratar-se de inunicade. 4 $7 Sko isentas de contribuigéo pasa a seguridade social as entidades beneficentes de assisténcia social ‘que atendam 4s exigencias estabeleckdas etn Ie” toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos ter- mos da lei, mediante recursos provenientes dos or- Gamentos da Unido, dos Estados, do Distrito Bede- ral e dos Muniefpios, ¢ das seguintes contribuigdes sociais: (...)” 22. Em 1991, 0 art. 55 da Lei 8.212/91 estabeteceu os requisitos para 0 gozo daqueta imunidade, Quanto ao CEBAS, previsio ne inciso [J do referido art. 55 e cuja concessao ficou a cargo do CNAS por forga da Lei Organica da Assisiéncia Social (Lei 8.742/93), os seus requisitos foram estipulados originariameate pelo Decteto 2.536/98. 23, Em anditorias, os agentes fiscais passaram a verificar se os requisitos do CEBAS, que haviam sido dados por atendidos pelo CNAS, tinham sido efetivamente cumpridos. 24, Como a contabilidade de diversas instituigdes ndo dava suporte A imunidade — hipdteses, por exemplo, de dirigentes que cram remunerados ou obtinham vantagens de forma simulada, de desvio de finalidade na aplicagao dos recursos a serem destinados 4s gratuidades de assisténcia social etc, - foram gerades centenas de representagdes administrativas ao CNAS, para que anulasse 0 CEBAS defetido/tenovado, ou, até mesmo, para que nao fossem concedidos os pedidos em plocessamento. 25. O CNAS, todavia, por razGes que se desconhece, nado julgou em tempo razoavel tais representagdes administrativas®, que foram se acumulando, permitindo, por anos a fio, o gozo da imunidade por entidades que néo cumpriam os requisitos estabelecidos em lei e em regulamento. Isso, 5. No Offcio n* 355/2007/PRESICNASIMDS, de 2598/07, o CNAS informeu ao Ministisio Patlico Federal que foram encamintadas, de 2000 a 2007, cerca de 533 represemtacces adiinistrabivas, leno sido julgadas apenas 183, porque, enquanio nao sobrevém julgamento, a Secretaria da Receita Federal fica impedida de cancelar a imunidade, uma vez a que 0 requisito do inciso TI do art. 55 da Lei 8.212/91 (porte do CEBAS) continua sendo atendido. 26. Houve também casos de representagies julgadas ¢ arquivadas pelo CNAS, em que o INSS, inconformado com a deciséo, Tecorreu a0 Ministro da Previdéacia Social. 20. Com a edigio da MP 446/2008, no entanto, todo 0 érduo frabalho de fiscalizagio do cumprimenio dos requisites que permitiriam o g0z0 da imunidade foi desconsiderado, permitindo uma forma de anistia a todas as entidades que tinham pendéncias no CNAS, Para se fer uma ideia da geavidade © do prejuizo que repeescatou © arquivamento das representagdes e dos recursos administrativs, por forga dessa MP, 0 Ministério da Previdéncia Social, em resposia a indagagio do Ministério Piblico Federal, juntow 20 Officio n? 1745/2008/CONJUR/MPS documentagiio que atesta a existéncia de 2.963 reeursos pendentes de decisio na data da publicagdo da MP. 28. Conforme documentagio que acompanha o Offeio n° 1731/2008/CONJUR/MPS, de 17/11/2008, até a edicéo da MP 446/2008, haviam sido jutgados os processos relatives a apenas onze entidades. Todavia, desses pracessos, nove tiveram 6 mérito apreciado ¢, em todos, 100%, concluju-se pelo cancelamento do CEBAS por irregularidades. 29. Com esse resultado, ¢ possivel antecipar o destina reservado aos 2952 processos pendentes de julgamento se ndo fosse a MP 446, que os teve por prejudicados. De resio, os pareceres® que acompanham 0 Oficio n° 1737/2008/CONJUR/MPS, de 18/11/2008, evidenciam, quanto a 4 Ospareceres constam do mesmo arquivo do Oticio a? 1737/2008/CONJUR/MES. processos nav julgados, que a Consultoria Juridica opinou, em todos eles, pelo cancelamento do CEBAS. Seguem algumas ementas, a titulo meramente exemplificativo: “SOCIEDADE DE__ENSINO___ SUPERIOR ESTACIO DE SA (Parecer/MPS/CONJUR(N' 294/2008) — Trata-se de maior wniversidade privada do Pais. O MPF ajuizou ACP para anvlar esse CEBAS deferido pelo CNAS: EMENTA: DIRFITO —_ASSISTENCIAL. RENOVACAQ DO CERTIFICADG DE ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTENCIA SOCIAL - CEBAS. RECURSO. A inscrigéo prévie no Conselho Municipal de Assisténcia Social ou, na sua auséncia, no Conselho Estadual de Assisténcia Social é condigao essencial para a concessio ov renovagio do CEBAS — inteligéncia do art. 9° da Lei 8.742/93 ¢ aut. 3°, inc. H, do Decreto n° 2,536/98. Pata fazer jus ao CEBAS a entidade deve comprovar a aplicacao do percentual minimo de 20% (vinte por cento) da receita bruta anual em gratuidade — art. 2, inc. LV, do Decreto 2° 752/93 e art. 3%, inc. VI, do Decreto n? 2.536/98, Aumera adesio a0 PROUNI sob o palio da Medida Proviséria n° 213/204, nao gera direito adquirido aq reexame de processos de restauragio das isencbes canceladas. Reformada a decisio do CNAS. EUNDACAO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANA PARA O DESENVOLVIMENTO DA CIENCIA. DA TECNOLOGIA EDA cul = FU {Parezer/CONJUR/MPS/N? 247/208); EMENTA: DIREITO ASSISTENCIAL. RENOVACAQ bO CERTIFICADO: DE ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTENCIA SOCIAL - CEBAS. RECURSO. Nio faz jus ao Cenificado de Entidade Beneticente de Assisténcia Social a entidade que nfo comprova a aplicagio do percentual de 20% da receita bruta anual em gratuidade. Descumprimente do art. 3°, wo 10 inciso VI, do Decreto n° 2.536/98. Inaplicabilidade do § 4° do art. 4° do Deeseto n° 2.536/98, uma vez que no se trata de entidade de satide. Reformada a decisio do CNAS. COLEGIO CAMPOS SALLES (Parecer/CON- TUR/MPS/N® 295/208) EMENTA: DIREITO _ASSISTENCIAL. RENOVACAO DO CERTIFICADO_ DE ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTENCIA. SOCIAL —CEBAS, RECURSO. Nao ha direito adquisido & imuaidade concedida com base na Lei 3577/59 ¢ no Decreto-Lei 1.572/77, ambos revogados Nao faz jus a0 Certificado de Entidade Beneficente de Assisténcia Social a entidade que néo comprova a aplicacio do percentual de 20% da receita bruta anual em gratuidade, Descumptimento do art. 2°, inciso 1V, do Decteto n° 752/93 c do art. 3°, VI, do Decreto n° 2.536/98. Inaplicabilidade do § 4° do art. 4° do Decreto 1? 2536/98, uma vex que nfo se trata de entidade de saiide. Reformada a decisio do CNAS.” 30, Outro episddio a demonsirar a concessio inegular de CEBAS foi a chamada “Operagéio Fariseu”. Em marco de 2008, com autorizacao da Justiga Federal, foram efetivadas medidas cautelares criminais de busca e apreensio e prisdes tempordrias por conta dessas concess6es (Inguérito Policial n° —04.389/2004 - autos n° 2004.34.00.024305-8 - Medida Cautelar de quebra de sigilo de dados e/ou telef6nico - Autos n° 2005.34.00.018779-7), e 0 MPF, em setembro de 2008, ofereceu demincia parcial (as investigagées ainda continwam) ao Jutzo da 12° Vara Federal do DF’. 3. O Ministério Pablico Federal também obieve a condenagio n0) - 7 Deixasse de anexartais documentos em razio de sua natureza sigilosa W do ex-Ministro da Previdéncia Social Waldeck Ornelas por ato de improbidade administrativa, & conta de ter beneficiado diversas falsas entidades bereficentes (processo 2006.34.00.006504-9, que tramitou na 7* Vara da Tustiga Federal no Distrito Federal). Foram ainda propostas agbes de improbidade administrativa contsa servidores da Consultoria Juridica do MPS (exemplificadamente, proceso 2008.34.00.000409-7). Matérias publicadas no jornal Correio Braziliense noticiavam um batcdo de negécios na CI/MPS para beneficiar falsas entidades beneficentes. 32. Auditoria do Tribunal de Contas da Unido (Acérdao 292/2007 — Plendrio) também apurou varias irregularidades no CNAS. Ea Superintendente Adjunta da Secretaria da Receita Federal, através do Oficio n° 0152/2008-RFB/SRRFOV/GAB, de 04/06/2008, informou que a estimativa de rentincia fiscal de contribuigées sociais, exclusivamente em relacao a cota patronal (art. 22. 1, Lei n? 8.212/91) e somente do ano de 2007, em face de tais provessos/recursos, pendentes de julgamento, quanto a CEBAS concedidos irregularmente, é de R$ 2.144.990.000,00 (dois bilhdes, cento e quarenta e quatro milh6es, novecentos e noventa mil reais). 33. Esse 0 quadio apanhado pela MP 446/2008. Medida proviséria dectarada inconstitucional pelo Poder Legislative 34, A partir da Emenda Constitucional n° 32, de 2011, foi alterado o fratamento conferido As medidas provisérias, de modo a contemplar positivamente as consequéncias advindas da perda de eficdcia ou da rejeicio das MPs, em relagdo aos atos praticados durante a sua % 12 vigéncia, E que, embora a redagdo original do art. 62 jé falasse sobre a necessidade de o Congresso Nacional disciplinar as relacées jurfdicas decorrentes das MPs que perdessem a eficdcia, nfo havia previsio alguma em caso de inércia do Poder Legislativo. Eis, no que interessa, o texto atual: “Art, 62. Bm caso de selevincia ¢ urgéacia, Presidente da Repiblica poderd adotar medidas plovisérias, com forga de lei, devendo submeté-las de imediato a0 Congresso Nacional. J § 3° As medidas provisérias, ressalvado 0 disposwo nos §§ 11 e 12 perdorio eficdcia, desde 0 edicio, se nio forem convertidas em fei no prazo de sessenta dias, prorogavel, avs termos do § 7°, uma vez por igual periodo, devendo 0 Congreso Nacionat disciplinar, por decreto legistativo, as telagées juridicas detas decorrentes. (..) § 11. Nao editado o decreto legislative a que se refere 0 § 3° até sessenta dias apds a rejeigho ou perda de eficécia de medida proviséria, as relagdes juridicas constitufdas e decorrentes de atos praticados durante sua vigéncia conservar-se-20 por ela regidas.” 35, N&o obstante, hi uma situagio que escapa a essa disciplina. 2 aquela em que o Congresso Nacional nao admiie a medida proviséria, por vicio de inconstitucionalidade. © § 5° do art, 62 da CR dispée: “8 5° A deliberacao de cada uma das Casas do Congreso Nacional sobre 0 mérito das medidas provisérias dependerd de juizo prévio sobre 0 alerdimente de seus pressupostos constitucionais.” 36. Hi, portanto, um juizo de constitucionalidade que precede aanilise do mérito das MPs. 0 * wo 37. Os §§ 3° © 11 do art, 62, como decore de sua propria literalidade, esto limitados 4s hipéteses em que (i) a MP perde a eficdcia, on seja, 0 Congreso néo a examina, ¢ (ii) a rejeita, ow seja, analisa o seu merito. 38. E nao poderia ser difereme, uma vez que, no direito brasileiro, a inconstitucionalidade gera, como regra, a nulidade da norma, a sua absoluta inaptidgo para a producto de qualquer efeito. Conforme ensinam Gilmar Mendes, Paulo Gonei e Inocéacio Martires Coelho: “O dogma da mulidade da lei inconstitucfonat pertence & tradigio do Diteito bresileiro, A teoria da nulidade tem sido sustentada por praticamente todos os nossos importantes constitucionalistas. Fundada na antiga doutrina americana, segundo a qual “the inconstitucional statute is not law at all”, significativa parcela da doutrina _ brasileira posicionou-se em favor da equiparagio entre inconstitucionalidade e milidade. Afirmava-se, em. favor dessa tese, que o reconbecimento dz qualquer efeito a uma lei inconstitucional importaria va suspensio proviséria ou parcial da Constitui¢io. Assim, jilgada procedente a ADI ou improcedente a ADC, ier-se-4 uma declaracdo de nulidade da lei inconstitucional. Eventual deciséo de carder resttitivo hd de ser expressa, nos termes do art. 27 da Lei a. 9.868/99, como adiante sera analisedo.”* 39. Assim, nfo cabe ao Congresso Nacional decidir pela validade ou pela admissio de efeitos, ainda que tempordrios, de norma contratia a Constituigao. 40. Em seforgo a esse entendimento, a Resolugio n° 1, de 2002, do Congreso Nacional, segundo a qual as consequéncias da nio aprovacdo da medida provisoria variam segundo a natureza da decisio: (i) 8 Cwso de Direito Constituctonal, 5* ed., Séo Paulo: Saraiva, 2010, pp. 1419-1420. As nots de rogape nig foram transcrtas. a4 caso qualquer das Casas do Parlamento decida pelo nao atendimento dos pressupostos constitucionais, a medida provisdria seré arquivada (art. 8°); (i) caso haja rejeicdo de mérito, a Comisséo’ Mista deve se reunir para claborar projeto de decreto legislative que discipline as relagées juridicas decorrentes da vigéncia da norma (art, 11). Contira-se: Al, sentido de sua autocontengia no que diz respeito A andlise sobre o atendimento dos pressupostos constitucionais de relevancia e urgéncia, sob © argumento de que esta cabe ao Legislative”. E seria muito pouco razoavel “Art. 8° O Plendrio de cada uma das Casas do Congresso Nacionat decidira, em apreciacao ptcliminar, o atendimento ou nao dos pressuposies constitucionais de retevancia e urgéncia de Medida Provisoria ou de sua indequacao financeira ou orgamentiria, antes do exame de mérito, sem a necessidade de interposigtio de recurso, para, ato continuo, se for 0 caso, detiberar sobre 0 mérito, Parégeafo tnico, Se o Plenério da Camara dos Deputados ou do Senado Federal decidir no sentido do nao = atendimento = dos_—ppressupostos constitucionais ou da inadequagio financeira ou orgamentiria da Medida Proviséria, esta sera arqquivada. () Art. 11, Finalizado 0 prazo de vigéncia da Medida Proviséria, inclusive 0 seu prazo de promogacio, semi 2 conclusio da votacao pelas 2 (duas) Casas do Congresso Nacional, ou aprovado projeto de tei de conversio com redagao diferente da proposta pela Comissdo Mista em sev pareces, ou ainda se a Medida Provisstia for rejeitada, a Comissdo Mista reunir-se-4 para elaborar projeto de decrefo legislativa que disciptine as relacdes juridicas decorrentes da vigéacia de Medida Proviséria.” Registre-se ainda que a jurisprudéncia dessa Corte é no 9 ADI 2736, rel. Min. Cezar Peluso, Die 058, publ. 29,3.2014; ADI 1717 MC/DE, sel Min, Sydney Sanches, DI 25/02/2000, p. 50. 15 que esse Poder se visse constrangido a declarar essa inconstitucionalidade com efeitos apenas prospectivos. 42. Assim, em conclusao quanto a esse i6pico, a MP 446/2008 foi dectarada inconstitucional pelo Congresso Nacional, tratando-se, portanto, de ato nulo ab initio, do qual nao se pode extrair efeito juridico algum. Possibilidade de 0 Judicidrio declarar a auséncia dos pressupostos de relevaneia e urgéncia 43. Ainda que em cardter de excepcionatidade, essa Corte admite cxercer o controle de consiiiucionalidade dos requisitos constitucionais para a edicio de uma medida proviséria®. Por ocasiao do deferimento de medida cautelar na ADI n° 3964, entendeu ausente o requisito da urgéncia para edigao da MP 397/07. 44, No caso em exame, a MP 446 basicamenie reproduz o texto do Projeto de Lei n° 3.021/08, encaminhado ao Congresso sem qualquer pedido de regime preferencial de tramitagio. A tnica diferenga relevantc entre os textos esté na renovagio automética dos CEBAS pendentes de julgamento, constante apenas da MP. 45. Pergunta-se: qual a urgéncia na renovagio automética do CEBAS, principalmente 4 vista do quadro de irregularidades que o cerca? Petmitir que entidades que nao aplicam 0 percentual exigido em gratuidade continuem a fazer jus aquela imunidade? dg 10 ADI2736, id 16 46. Na exposigo de motives que acompanha a MP 446, a urgéncia, aparentemente, vem justificada pelo fato de que, a partir da Sumula Vinculante n° 8, 0 prazo para constituigéio de créditos das contribuigdes para a seguridade social passou a ser quinquenal. E conclui- se: “Por forga dessa nova situagic sera necessério que até o final de corrente ano fossem analisados e julgados, sob pena de incidéncia do institwto da decadéncia dos créditos tributérios porveatuza devidos pelas entidades, pelo menos cerca de 1.274 {mil duzentos ¢ setenta e quatro) processos de renovagio de Cebas, em tramitacio ne CNAS, ¢ cerca de 380 (trezentos e oitenta) recursos interpostos perapte o Ministro de Estado da Previdéncia Social. Q juigamento desses processos, seja por parte do CNAS, seja por parte dos Ministérios responsiveis pelas dreas de atuagio das entidades, torna-se invidvel em tho curto espago de tempo — até o final do presente exercicio. Corre-se 0 risco de se ter que. indeferir fiminarmente grande parte dos pedidos, negat provimento a recursos de entidades, ou acolher 0s recursos contra decisies do CNAS que concederam © Cebas sem a necessdria andlise detida de cada caso concreto, 0 que certamente poderd tedundar, em witima instincia, em prejuizo 4 populaggo que necessita dos relevantes setvigos prestados por grande parte das entidades beneficentes nas éreas da educacio, da satide e da assisténcia social.” 47. Os argumentos, contudo, nao impressionam, Primeiro, porque a concessfo/renovagio de CEBAS nio se sujeita a prazo decadencial algum. Ainda que decorridos cinco anas, inviabilizando a cobranga de eventual crédito de contribuigdes para a seguridade social, subsiste para a Administragao a possibilidade de examinar se a entidade satisfaz os tequisitos para a concessio/renovacio do CERAS e, consequentemente, Mw 7 para o beneficio da imunidade. Segundo, porque, enquante nio decididos os Tecursos e as representagées administrativas, a entidade continua de posse do CEBAS e, portanto, habilitada no sé a imunidade, mas também as contraprestagées que Ihe cabem!!, 48. Por fim, mas no menos importante, 0 fato jf enunciado de que 0 Legislative, Poder com competéncia primfria para tanto, teve por ausentes os ptessupostos constilucionais de urgencia e relevancia. 49, Assim, a Medida Proviséria n° 46/2008 ressente-se de seus pressuposios constitucionais, devendo todos os atos juridicos dela decorrentes ou em vittude dela fundamentados serem anulados. Ofensa ao art. 195, § 7°, da CR - impossibilidade de a tei isentar entidades do cumprimento de exigéneias tendentes ¢ dermonstragdo de retorno para aseguridade social 50. © ant. 195, § 7°, da CR estatui que “sdo isentas de contribuigdo para a seguridade social as entidades beneficentes de assisténcia social que atendar as exigéncias estabelecidas em lei”. 51. A interpretacao desse enunciado nao pode estar divorciada do que se contém no caput do dispositivo: “a seguridade social serd financiada por toda a sociedade, de forma direta ¢ indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orgamenios da Unido, dos Esiados, do Distrito Federal e dos Municipios, e das seguinies contribuigées to 13. A propria MP 446, cin véxios dispositivos, determina que 0 cencelamenig do CEBAS seja precedide de ccontraditorio ¢ ampla defesa, 18 sociais(...)”. 52. Tem-se af uma das melhores tradugdes do principio da solidariedade, solidariedade esta erigida pelo texto constitucional a objetivo fundamental do Estado na construcio de uma sociedade mais justa (art. 3°, I, ¢ predmbulo). A solidariedade € também recurso de que se vale o Estado para reduzir as desigualdades e erradicar a pobreza e a marginalizagdo (art. 3°, IMD). Segundo Stem «... 0 Estado Social apresenta a resposta do século 20 & revolugio industrial, A guerra e 4 crise econdmica com 0 objetivo de estabelecer justica e seguranga sociais, ‘solidarité devant les risques de la vie’, por meio da qual ele contribui para a diminuicéo da tensio social e por meio da qual ele consribui para a diminuigéo da iensao social ¢ caida da paz nacional, Desenvolvimento do Estado Social € uma tarefa essencialmente determinaate do Estado na moderma sociedade industrial. Nisto sesidem duas maximas fundamentai Primeiro: justica social, como principio universal do o:denamenio para a estraturacho politica da comunidade, quer, com énfase no social, garantit pata todas as partes da sociedade a capacidade existencial, econémica e culvural para viver trabalhar, num nivel razodvel (standard). () Segundo: seguranga social exige a criagio ou manutengio de instituigSes ou medidas, que, preventiva ou corretivamente, conferem o auxilio cxistencial necessirio para a protecdo da siurecdo de vids do individuo no caso da falta de reserva existenciais em crise, sejam por idade, incapacidade, desemprego, doenga oa desamparo.” 53. Gilmar Mendes, Inocéncio Miariires Coelho ¢ Paulo th 12 STERN, Kus. Das Staatsrecit der Bundesrepublit. T.1, 2 ed. Munique: CH Beck, 1984, pp 911 e ss. Apud Douglas Yemashita: Principio da Solidaricdade en Diraito Tribuidrio’, in “Solidatiedade Social © Tributardo", coord. Marco Aurélie Greco ¢ Marciano Seabre de Godai, So Paulo: Dialética, 2005, p. 56. 9 Gustavo Gonet" também veem no principio da solidariedade um dos mais importantes fundamentos da seguridade social, tal como positivada em possa Constituigao: S4. “Iniciando peta seguridade social, como um todo, pode-se dizer que ela tem entve os seus principais fundamentos 0 principio da solidariedade, na medida em que abrange um conjunto de agées de inicistiva dos Poderes Péblicos ¢ da sociedade, destinadas a assegurat os direitos relativos & saide, & providéncia © A assisténcia social, com financiamento a cargo de toda a sociedade, mediante recursos orcamentitics e contribuicoes sociais destinados ao custeio de prestagées que sio devidos nfo apenas aos segurados, mas também — na vertente da assisténcia social - a todos os que delas necessitarem, independentemente de contribuigko (CFB, aris. 194, 195 ¢ 203), © que, afinal, significar concretizar, aesse especifico setor, um dos principios fundamentais da Repéblica Federativa do Brasil - ‘construir uma sociedsde Jivre, justa e solidaria' — enunciado no art. 3°, I, da Constituigao” A vista do principio da unidade da Constituigéo, que impée ao intérprete considezar a necessdria interdependéncia entre o sentido da parte © o semido do todo", € imperative concluir que a imunidade prevista no § 7° do ait. 198 36 6 possivel se cla se traduzir em setomno & seguridade social, mantendo higido o principio da solidariedade. Como ensina José Guilherme Ferraz da Costa’: “De modo cociente, 0 texto original da Constituigio Federal contemplou incentivo fiscal consistente na rentincia de receitas de contribuicdes para a seguridade social apenas em relaghe avs 13 Op. cit, p. 2308, 14 Hd i p14. 99° 18 Incentives Fiscais na Seguridade Social, tose de mestrado, Poatificie Universidade Catélica, Sao Paulo, 2004, p. 59, 20 entes privados que promovam agées de assisténcia social, cuja clientela esti aa base da pirémide social, partindo-se do pressuposto de que se trata dos mesmos beneficidrios da assisténcia social estatal, que seria acionada para protegélos na avséncia de iniciativa privada equivalente.” 55. Como contraface, nao é permitido ao legislador tratar da matéria como bem Ihe aprouver: os requisitos para o gozo da imunidade devem Jevar em conta necessariamente a contrapartida para a seguridade social. Dai por que a priprio § 7° nfo se conienta com a mera condicao de “beneficente de assisténcia social” da entidade. A lei ao qual se sefere deve estipulae os xrequisitos tendentes a selecionar, dentre as entidades beneficentes de assisiéncia social, aquelas merecedoras do beneficio. 56. Essa Corte, aliés, j4 assentou que, mesmo no caso de cldusulas do tipo “na forma da lei” ou “exigéncias estabelecidas em lei”, ha sempre um contetdo constitucional a sex perseguide ¢ do qual o legislador nao pode estar apartado: “Concurso piblico: magistratura estadual: lei que concede ao Tribunal de Justica poder de veto a candidato: inconstitucionalidade. 1. Ewibora a Constituicio admita 0 condicionamento do acesso 20s cargos puiblicos a requisitos estabelecidos em Iei, csta nfo 0 pode subordinar a pressupostos que facam inécuas as iaspiragdes do sistema de coneurso piiblico (art, 97, § 1°), que sao um corolério do principio fundamental da isonomia, 2 Além de inconciliavel com a exigéacia constitucional do concutso piiblica e com o principio de isonomia, que a inspira, a eliminacio de candidatos, mediante voto secreto © imotivado de um colegiado administrativo - ainda que se trate de wn Tribunal - esvazia e frauda outra garantia basica da Constituigho, qual seje, a da universalidade da jurisdi¢io do Poder Judiciéri & 24 tanto vale proibir explicitamente a apreciagao judicial de um ato administrative, quanto disciplind-lo de tal modo que se fage impussivet verificar em juizo a sua eventual nulidade. 3. A cireunstancia de tratar-se de wm concutso para a carrcira da magistratura - a0 contrario de legitimar 0 poder de "veto de consciéncia” a candidatos agrava a sua itegifimidade constitucional: acima do problema individual do direito subjetivo de acesso A fungio piblica, situa-se 0 da incompatibilidade com 9 regime democritico de qualquer sistema que viabilize a cooplagio atbitréria, como base de composigio de um dos poderes do Estado. 4. O STF - por fidelidade as inspiragées do principio do concuiso piblico - tem fulminado por diversas vezes 0 veto a candidato a concurso, ainda quando vineulado a conclusées de exame psicotécnico previsto em Jei, se a sua realizacdo se reduz a "entrevista em clausara, de cujos parimettos téenicos nao se tenha noticia" (RE 112.676, Rezek: com mais racio € de declararse a inconstitucfonalidads, se & conclusio do exame psicotécnico - seja qual for a sua confiabilidade ~ ndo se vincula o Tribunal que - “conforme ele, contra ete ou apesar dete” -, recebe o poder da eliminagio de candidatos, com ou sem entrevistas, por jufzo da consciéncia de votos secretos ¢ imotivados. 5. De reconhecer-se o direito | investidura de candidata 3 magistrada, que, depois de habilitada nas provas do concurse, ado foi indicada A nomeagio - entao, de competéncia do Poder Executivo - por forga de veto imotivado do Tribunal de Justiga. 6. Couseqaéncias patrimoniais pretéritas da preterigio do direito A nomeagio a calcular-se conforme 0 ctitétio do STF em casos assimilavcis.” (RE 194657, Relator(a) Min. SEPULVEDA PERIENCE, Tribunal Pleno, juigado em 04/10/2001, DJ 14-12-2001 PP-00083 EMENT VOL-02053-07 PP-01487) 37. No caso, os artigos 37, 38 e 39 da MP 446/2008 penmitiram que aproximadamente 7.400 entidades tivessem direito a0 (iy 22 CEBAS —requisito para a imunidade — independentemente do cumprimento de qualquer exigéncia, o gue viola a literalidade do § 7° acima transctito € de todo o sistema no qual ele se insere Ofensa ao art. 37 da CR: violacao a principios da Administracdo Publica. 58, Toda a atividade administrativa, a teor do art, 37 da CR, deve se nortear pelos princfpios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiéneia, Este ¢ um norte nao s6 para 0 Poder Executivo, mas também para os demais, no exercicio das suas fungaes tipicas. De modo que nao cabe ao Legislative elaborar normas que vio de enconiro a eles. 59. © principio da impessoalidade, no Ambito da administragio publica, é decoréncia do principio da isonomia. Segundo explica Celso Antonio Bandeira de Melio™: “Nele se traduz a ideia de que a Administracdo tem que utara todos 0s administrados sem discriminagdes, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguicGes fio tolerveis. Simpatias ou animosidades pessoais, politicas o1 ideologicas rio podem interferir na attagio admiaistrativa © niuilo menos interesses sectétios, de facgdes ou grupos de qualquer espécic. O principio em causa nic € senio 0 préprio principio da igtaldade ou isonomia, Esti consagrado explicitamente no art. 37, caput, da Constituigao, Alm disso, assim como “todos sto iguais perante a lei” (art. 5°, caput), a fortiori teriam de sé-lo perante a Admainisteagtio.” © 16 Curso de Direito Administrativo, ZP*ed., Sao Paulo: Malheiros, 2080, p. 114, 23 60. Tal principio ganha ainda maior expressio quando a ele se somam os principios da solidariedade e do custeio universal da seguridade social. # que a regra praticamente intransponivel nessa maiéria é a da tolalidade, Até a imunidade — como j4 visio - tem por propésite igual retomo A seguridade social. Antes, portanto, de ser uma excecdo, é uma previsao que confirma a regra do custeio universal. él. De modo que o tratamento conferido as 7.400 entidades é de privilégio, porque salvas de demonstrar efetiva contrapartida & seguridade social, Aliés, muito pelo contrario: foram beneficiadas porque, em algum momento, tal pressuposto, quanto a elas, foi posto em diivida. 62. Ou seja, exatamente aquelas entidades com pendéncia junto & administracao ¢ que puderam usufruir do exclusivissimo beneficio da imunidade sem atengio a qualquer requisito, 63. Tal fato tem repercussées dbvias no campo da moralidade administrativa. Parece fora de discussio a reprovagio moral que recai sobre anistia concedida a entidades suspeitas de fraude. 64, A eficiéncia administrativa, por sua vez, fica seriamente comprometida, Numa ésea de recursos tio necessérios, mas ainda insuficientes para atender toda a demanda de uma populagéo com graves problemas de pobreza e miséria, 6 inconcebivel que entidades que Supestamente se beneficiaram da imunidade sem contrapartida ao sistema continuem a dela fazer jus, independentemente da anélise dos fatos suspeitos. 65. Por fim, mas néo menos importante, o principio da legalidade, uma vez que, nao obstanie se tratar de matéria reservada 4 Jei, a Nota DECOR/CGU/AGU n° 180/2009-IGAS cntendev pexsistentes os 10° 24 efeiios da MP 446, mesmo a vista de sua nao conversio em lei, por conta de o Congresso Nacional afirmé-la inconstitucional. Medida cautetar 66. Estao presentes os pressupostos para a concessdo da medida cautelar na presente agao. 67. Quanto ao fumus boni inris, cle sc evidencia diante de toda a atgumentacio exposta ao longo desta inicial 68. No que diz respeito a0 pericuilum in mora, ele decorte do quadro deficitério da Previdéncia Social, que se agrava a cada ano. 69. No momento em que a Nola DECOR/CGU/AGU n° 180/2009-IGAS validou, no Ambito do Poder Executivo Federal, a inconstitucional anistia promovida pela MP 446/2008, diversas entidades que tm a obrigacao de contribuir para o sistema previdencirio deixaram indevidamente de assim proceder. 70. Para se ter uma pélida ideia do que isso pode representar, a Superintendente Adjunta da Secreiaria da Receita Federal, através do Oficio 1° 0152/2008-RFB/SRRFOI/GAB, de 04/06/2008, informou que a estimativa de renineia fiscal de contribvigées sociais, exclusivamente em relacao a cota patronal (art. 22, 1, Lei n° 8.212/91) e somente do ano de 2007, em face de tais processos/recursos, € de R$ 2.144.990.000,00 (dois bilhées, cento e quarenta e quatro milhSes, novecentos e noventa mil reais). 7. O Supremo Tribunal Federal tem consciéncia desse grave & 25 quadro. No julgamento do Habeas Corpus n.° 98.021/SC, enfrentanda caso em que lesio 4 Previdéncia Social alcangou 0 montante de R$ 2.020,00, o acérdao ficou assim ementado: 72. consignou: “Penal. Habeas Corpus. Art. 168-A do Codigo Penal. Apropriagao Indébita Previdenciéria. Bem juridico tutelado. Patrimbaio da Previd8acia Social. Cardter —supraindividual. Principio da insignificincia. Inaplicabilidade. Reprovabilidade do comportamento. Ordem denegada. I-A aplicagdo do principio da insignificancia de modo a tomar a conduta atipica exige sejam preenchidos, de forma concomitante, os seguintes requisitos: (i) minima ofensividade da conduta do agente; (ii) nenkuma periculosidade social da acio; Git) reduzido grau de reprovabilidade do. comportamento; ¢ (iv) relativa inexpressividade da tesio juridica, IU — No caso sob exame, nao ha falar em reduzido grau de reprovabilidade da condaia, uma vez que 0 delito em comento atinge bem juridico de cardter supraindividual, qual seja, 0 patriménio da pievidéncia social ou a sua subsisiéncia financeira. Precedente. Il — Segundo relat6tio do Tribunal de Contas da Uniao, o déficit registrado nas contas da ptevidéncia no ano de 2009 j4 supera os quarenta bilboes de reais. IV ~ Nesse contexio, invifvel reconhecer a atipicidade material da conduta do paciente, que contribui para agravar o quadro deficitério da previdéncia social. V—Ordem denegada.” Em seu voto, 0 Relator, Ministro Ricardo Lewandowski, “A isso, some-se a situagdo deficitiria em que se encontra a Previdéncia Social, consoente atesta telatorio do ‘Tribunal de Contas da Unido sobre as contas do Governo da Repiblica referente a0 ao 26 exercicio de 2009, do qual transcrevo, no que interessa, 0 seguinte trecho: 2B. Parece claro, pottanto, que a seguridade social néo pode aguardar 9 desfecho da presente acio mantendo-se a situagao atual: entidades beneficiérias de imunidade para contcibuigdes sociais, porque ausente qualquer an: 74. Diante do exposto, espeta o requerente que, apés o ‘Quanto ao Regime Geral da Previdéncia Social, 0 Grifico 1 ¢ a Tabela 1 mostram que a arrecadacfo liquida em 2009 teve um aumento nominal de 21,4% em telagio a 2008, atingindo um valor de R$ 182 bilhdes. Segundo o Ministério da Previdéncia Social, centre os fatores que explicam esse resultado esifio: recuperacho do mercado de trabalho formal; empenho gerencial para aumentar a attecadacio; etevacao do teto do RGPS de R$ 3.038,99 para R$ 3.218,90 a partir de fevereito de 2009, 0 que ampliou a base de contribuigao €, consequentemente, as receitas comrentes. ‘A despesa com bereficios previdencidrios crescen 12,7% no exercicio, totalizanda RE 24,9 dilhGes. Isso acontcccu devido aos seguintes fatores: reajuste no salério minimo acima da inflacao em fevereito de 2009, fazendo com que o piso pievidencidrio aumentasse significativamente; aumento dos beneficios pagos; e reajuste em fevereiro de 2009 dos beneficios com valores acima do salirio minimo. Considerando 0 valor da despesa superior a arrecadagio, em 2009 houve um aumento nominal da necessidade de financiamento de 18,4% em comparacao a 2008. O resultado previdenciério, em 2009, foi negative cm RS 42,9 dilhdes, sendo R$ 40,3 bilhOes para financiar o Seior Rural e RS 2,6 bilhdes para o Setor Urbano.” ise sobre a regularidade do CEBAS. ng 27 cumprimento das formalidades legals, seja concedida a medida cautelar, pata suspender, até o julgamento final dessa ago, os efeitos da Nota DECOR/CGU/AGU 1° 180/2009-JGAS e dos atts. 37, 38 & 39 da MP/446, determinando-se, em consequéncia, que a Administragdo Pablica (Ministério da Educagia, Ministério da Satide e Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome) avalie imediatamente todos os processos/recursos alcancados pela MP 446/2008 relativamente a regularidade do CEBAS. Pedide final 7. Em face do exposto, o Procurador-Geral da Repdblica requet seja julgado procedente o pedido, para que se declare a inconsiitucionalidade da Nota DECOR/CGU/AGU n° 180/2009-IGAS, afastando os efeitos dos arts. 37, 38 e 39 da MP 446, e determinando, em consequéncia, que a Administragao Publica (Ministésio da Educacéo, Ministério da Satide e Minisiérin do Desenvolvimento Social e Combate 4 Fome) avalie imediatamente todos os processos/recursos alcangados pela MP 446/2008. Brasilia, 339 de maio de 2012. ab DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA VICE-PROCURADORA-GE: D IBLICA APROVO: ROBERTO MO! IRO GURGEL SANTOS PROCURA '-GERAL DA REPUBLICA Parsoenn0mns1620128

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