Carta aos meus companheiros de prisio,
Junho vai longe. Passémos muitos dias presos em celas solitarias, alguns sem comer, com muitas
saudades de quem nos é préximo. Pelo caminho sentimos a solidariedade da maioria
dos prisioneiros e funcionérios. Tivemos apoio de familia e amigos. Nas tiltimas semanas, em
ue mantive a greve de fome que decidimos em conjunto (em Calomboloca), muita coisa
‘mudou. Tive a oportunidade de me aperceber do que nos espera Id fora e queria partilhar
convosco 0 que vi:
Vi pessoas da nossa sociedade, que lutaram pelo nosso pals e viveram o que estamos a viver, a
salrem da sombra e a comprometerem-se em nossa defesa, para que a Hist6ria nao se repita. Vi
essoas de varias partes do mundo, organizacdes de cariz civil, personalidades, desconhecidos
com experiéncias de luta na primeira pessoa que, sozinhos ou em grupo, se aglomeram no
Pedido da nossa libertacao. 14 o sentiamos antes, mas nao com esta dimenso. Muito acima das
nossas melhores expectativas. E esté longe de abrandar. Todos os dias ha noticias de andnimos,
Personalidades ou instituicBes que se juntam pela nossa libertacio.
No nosso pals muita coisa mudou e outras lamentavelmente se repetem, Soube de limites
serem ultrapassados, com mamas espancadas e vigilias & porta de igrejas, reprimidas
cobardemente. Isto expés a fragilidade de quem nos governa. E a prepoténcia, incompeténcia e
ima f€ demonstradas na gesto do nosso processo, trouxeram-nos até aqui. Cada decisSo contra,
acabou por resultar a favor de mais e maior atencdo. Ainda assim, a forca parece
desproporcional. Nao vejo sabedoria do outro lado. Digo-vos 0 que disse noutras situagdes
semethantes: Vamos dar as costas. E voltar amanh de novo. Vou parar a greve.
Conseguimos muita atenco em volta da nossa causa. Muita dela recai agora sobre mim, Por
'ss0 pedi para me juntar a voces em Séo Paulo e assim, podermos falar a uma s6 voz.
A Sociedade: Nao vou desist de lutar, nem abandonar os meus companheiros e todas
2s pessoas que manifestaram tanto amor e que me encheram o coragio. Muito obrigado,
Espero que a sociedade civil nacional e internacional e todo este apoio dos media no pare
Estou inocente do que nos acusam e assumo o fim da minha greve de fome. Sem resposta
Guanto 20 meu pedido para aguardarmos o julgamento em liberdade, s6 posso esperar que os
responséveis do nosso Pals também parem a sua greve humanitéria e de justica. De todos os
modos, a mdscara j8 caiu. A vita j aconteceu. E 0 mérito a seu dono: foi o préprio regime
ue, incapaz de conter os seus préprios instintos repressivos foi, a cada decisSo, obviando a vi
Promessa de democracia, liberdade de expresso e respeito pelos direitos humanos,
‘Abracemos todo o amor que recebemos e agarremos todas as ferramentas. Juntos.
44 ndo somos os “arruaceiros". J4 no somos os "jovens revis". 14 no estamos sos
Em Angola, somos todos necessérios. Somos todos revolucionarios. Fol assim que o nosso pals
nasceu mas, desta vez, lutamos por uma verdadeira transformacdo social, em paz.
E com essa boa fé, que assino
roth