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Francots Hartoc Organizador A HISTORIA DE HOMER A SANTO AGOSTINHO PREFACIOS DE HISTORADORES € TEXTOS SOBRE HSTORIA REUNIDOS € COMENTADOS POR FrANGOIS HAKTOG, ‘TRADUZIDOS PARA © PORTUGUES POR JACYNTHO LING BRANDAO Belo Horizonte Editora-UEMG 2001 Nao sem reformulagio (comegando pela cristl), © t6pos da bistoria magistra permanecerd ativo até o fim do século XVII, mesmo quando se pensava, como o velho Frederico da Prlissia, que, no fundo, a Gnica licdo era que nio havia ligio — isso tanto € verdade, que “as besteiras dos pais sto logo esquecidas pelos filhos*." Isso nao impede que a histéria permanega sobretudo como ocupagio dos que fazem a his- tOria, Se a primeira cétedra de hist6ria foi criada em 1504, em Mayence, pard um tradutor de Tito Livio, seu ntimero n3o aumentou de maneira significativa seniio durante 0 século XVII. Entra-se entao num outro regime de historicidade, formulado na Alemanhe ao Gltimo terco do século XVIII € realizado pela Revolucto Francesa: 0 da hist6ria concebida como processo e incarnada no progresso, Qs conceitos antigo ¢ moderno de hist6ria entdo se separam — uma distancia entre eles se instala, a qual faz com que saia de nosso campo de experiéncia 0 conceito (tornado de sepente) antigo. Diferente do francés ou do inglés, 0 alemao exprimiu-o lingdisticamente. Os historiadores alemaes dispunham de duas palavras para nomear a hist6ria: Historie e Geschichte. Historie era simplesmente a bisforia latina e significava (quase sempre) a narrativa dos acontecimentos (2 historia rerum gestarum), enquanto Geschichte, vinda do alto alemao, designava antes (© que se passou, acontecimento. Do ponto de vista de _uma hist6ria conceitual, dois fendmenos produziram-se entio: ‘duma parte, 0 emprego de Geschichte no singular (como singular coletivo: “a hist6ria"), € nao mais no plural Cas, historias de.."); de outra parte, 2 absorgaio de Historie por Geschichte — de tal modo que © substantive die Geschichte acaba por sobrecarregar-se, sozinho, com todas as significagdes: designa, dai em diante, 0 que acontece, a narrativa que se faz € a propria ciéncia hist6rica” Até esta definicio, que completa o circulo, formulada em meados do século XIX por J. G. Droysen: “A Histbria € saber de si mesma.” F 0 historiador é seu profeta ANTES DA HISTORIA O-SABER DA-NUSA-E-A MEMORIA DO AEDO Por que comecar pela epopéia, que positivamente ndo é uma forma de historia? Porque na Grécia tudo comega com a epopéia, que marcou a cultura grega de modo profundo duradouro, sem dtivida — mas também porque a bistéria, enrtortes 0s sentidos do termo, procede da epopéia: vem dela e dela se separou. O dispositivo da palavra épica, a meméria do aedo, uma certa descoberta da bistoricidade sao as con- digdes que possibilitam o que, alguns séculos mats tarde, serd nomeado, por Herddoto, hist6ria (historie). Embrenbar na questo da bist6ria na Grécia pela epopéia (séculos VIT-VID é esbocar uma pré-histéria do conceito de bistoria. “ Avbpa pot évvere, Modoc, moddtponov, &¢ paAa TODAE mAdyxOn, éxei Tpoing iepdv tronieOpov Excpac * TOY B dvopuinwv tev datea coi véov Eve, TOAAK 86 yév névtw maBev dAyea bv Kard Bvudv, épviuevos ify te woxiiy Kah véotov Eraipwy.! “Bonere vBv yor, Modoai ‘OASuma Bidar Exove0, «83 Susic yap Beat ore, népsoré te, tore te névTeL, Hutis BE xAéos olov dxovoucy o85é-n Bucy, Gi mivec Hrendves Aavaay Kat xofpavor faa * TANOdY Dodx Sv 2yd pworfooBat O88 Svourives, 088 ef ror Béxer ubv yAGooar, BEKxc BE oTSucrt elev, 90 havi 8 &ppnktoc, xdaxeov BE 01 Frop Evein, ek pit ‘Odvumddes Modan, Atds ainidxot0, @vyatépes, vacated Soo dnd “Tato AABov * doxods ad vndv tpéw vids te mpondaas. I. TEXTOS 1. A PRESENGA DAS MUSAS No momento de iniciar seu canto, € a elas que 0 aedo se dirige: para poder cantar Ulisses que muito vagueou, para poder nomear cs chefes aqueus da expedicao contra Tria. Homero, Odisséia, 1, 1-5 © homem diz-me, Musa, multiforme, que muidssimo Vagueou, desde que, de Tr6ia, a sagrada cidadela pilhou, E de muitos homens viu as cidades e o espitito conheceu — E muttas dores ele, no mar, em seu nime sofrev, Lutando por sua vida e pelo retorno dos companheiros.! Homero, Mada, 2, 484-493 Dizei-me agora, Musas que a olimpica morada tendes, Pois vés sois deusas, presentes estais a tudo e tudo sabeis — Enquanto n6s a fama apenas ouvimos, nada sibemos — ‘Quem os chefes dos danaos e seus condutores eram, A multidao eu préprio nao diria nem nomearia Nem se dez linguas e dez bocas eu tivesse, Vor infrangivel e bronzeo peito em mim houvesse, Se as Climpfades Musas, de Zeus que tem a égide Fithas, nfo Iembrassem quantos a Tr6ta foram. Os chefes assim das naus divei e as naus todas. Ai v6 no8 ‘Holodov Koriy sibatav dorbriv, pvac romatvovd "ExtkGvog tnd CaBEo10" rovbe Bé ue mpusriara Bedi pds pHOOv Eerrov, 25 Modoon ‘Odvnmdbes, odpar Ards ainidxoro" « Tloméves &ypawnor, xdx’ tr€yxea, yaotépes dtov, yew yesbeo TOAAK Aéyerv érsporow duoia” ‘Guev B , cbr L6EAonev, dane ynpsoao8an. » “Ac Hhacav KOOHa peydAov Ards dpriémeion, 30 Kai por aKintpov EBov Sddvng EpiBnréos Sov Bpéyao8on Onnr6v- évenvevaay bE p' dorbAy Ogomy, iver KAsiount Ta Peooduever mpd T Evra Kali peKédov Suveiv paxdpwy yévos atv Eévrwv, abaic 8 adtag mparév te Koi Botarov alév detbery. Toin Movoday epi ddo1g dvOpuirorotvy. 95 "Ex yap To Movoéwy Kai ExnSddov ‘Amé\AwvoS Gvbpe¢ dowoi Eaor Eni xBdva Kai KiBaprorai, bk BE Atdc Baorrsiec 8 8 BAB10c, Sv TVA Modoan GiAwvror yAvKEpr of dd oTSpatos peer addr" el ydo Tic Kol névBoc Eywy veoxndéi Ovud ‘Snrar Kpabiny dxeaxruevos, adTep dordog vw Movadusy Sepdnav xAéea mporépuv dvOpimwy Suvifon udKapde re Osobg di ’Orvuxoy Exovory, aly’S ye Svobpoovvéwy EmArfOcrar OOdE T KNBEWY néuvatan’ raxxéis bt mapérpame Bipa Beduv. m No prélogo da Teogonia, Hesiodo também comoga dirt- gindo-se as Musas, filbas de Zeus que sabem proporctonar aos homens 0 esquecimento das afli¢des. Esta evocacao poe em cena o proprio Hesfodo chamando-se por seu nome. Hesiodo, Teogonia, 22-34 Elas (as Musas) certa vez, a Hesfodo, ensinaram belo canto, Quando ovethas ele apascentava sob o Hlicon divino. Ea mim, antes de tudo, as deusas estas palavras dirigiram, Musas Olimpiades, filhas de Zeus que tem a égide: Pastores agrestes, maus opréblos, ventres $6, Sabemos muitas mentiras dizer a fatos semelhantes E sabemos, quando queremos, verdades proclamar. Isso disseram as filhas do grande Zeus que falarw claro Ea mim, como cetro, deram um ramo de floride louretro Que cortaram, admiravel. Insuflaram-me um carto Divino, para que celebrasse o que serie 0 que foi antes E mandaram-me hinear a raga dos ditosos que sempre so Ea elas primeiro e por Gltimo sempre cantar. Hesfodo, Teogonia, 93-103 ‘Tal € das Musas 0 sagrado dom para os homens Pois € pelas Musas e por Apolo, que atira longe Que nobres aedos hé sobre a terra ¢ citaristas — ‘Como por Zeus hé reis. Prospero é quem as Musas Amam: doce Ihe corre, da boca, voz. Pois se alguém, triste no &nimo recém-ferido, ‘Teme com aflito coragio, to logo o aedo, Servo das Musas, a fama dos primeiros homens. Cante —€ 08 ditosos deuses que tém 0 Olimpo, ‘SUbito esquece ele as afligoes e de nenhuma preocupacao Se lembra: rpido o revolvem os dons das deusas. 2 i 2. VER E SABER: ULISSES E DEMODOCO. No banquete dos feacios, eis o espantoso encontro de Ulisses Galvo uma tltima vex do naufrdgio, nao tendo retomado | ainda seu nome de Ulisses) e de Demédoco, o aedo cego: | Homero, Odisséia, 8, 62-66 Kijov€ 8 éyysbev FAGev dywv tpinpov dowdy, | ame arora contigo ofl Peer ula sealed os olhos privou-o, deu-the o agracével canto, Ra een henelie cero Paa ele entao Pontonondispde um trono achado de pata TBS dpa Tovtdvoos Biike BpSvov dpyopsnhov p85 um tron 7 é No meio dos comensais.. nécoy Scatopdvev... Jos comens Entre 03 altos feitos dos homens, 0 aedo € entdo incitado a cantar a querela entre Ulisses e Aguiles (que naose conbece por outras fontes). O que provoca, uma primeira vez, as lagrimas de Ulisses. Homero, Odisséia, 8, 72-92 10 logo 0 desejo de beber e comer saciaram, Sot acaand nanan laacne é a ‘A Musa zo zedo impeliu a cantar a fama dos guerreiros, Motd dp! doxbbv dviiesy dexBéuevar xéa dvdpav, Do entrecho cuja fama entio ao amplo céu chegava, oiung Tig ToT Spa KAgos obpavov edpdv ikave, A disputa de Ulisses e do Pelida Aquiles, 18 vEiKog ‘OBvaariog Kai InrsiBew "AxtAMI0G, Quando se afrontaramnerbanquete festive dos deuses ic mote Bnptoavro Gedy év Saati Oaretn Abrap Enel néat0g Koh Bn TUos EE Epov Evro, ” 6 bxmdynotd! éxéeoot, divat 8 dvbpiv “Ayapéuvev Xelipe voy, 8 PGprator ‘AxanBv Bypswvto" &c yep of xpsiwv pvO8rjaato boibog “AnddhOv TloO0t év Hyaden, 80 daépbn Adwvov o8B8v xpnoduevos: t6te yap ba xvAivBero mpwatos &pxih Tpwot te Koh Aavacior Aids peydrov 51 Bovddc, Tait tip dorddg derbe nepixdvtds. Abtap“OBvacei¢ mopdspeov neva dap0s Edw xepdh orapHor Kai Keparhiic elpvoae, KéAvYE BE KOAG mpdowme: aidero yap Painas bx Sposa: Béxpve. AciBuv. THro1 Ure AriEetev deiDwv Betog do1d4c, Baxpv' SuopEduevos xedaA i Saxo dapos Ercoxe rol Bénag duguedmeddov EAdv oxcioaaxe Beciow™ adrap &t dy &pxorto Kai orpsveray deiBerv Darrxwy of Sproror, exci téprove éxéeoowv, &y ‘OBvoedc karé Kpara Kadvyduevos yodaoKey. Com viotentas palavras, ¢ 0 senhor dos homens, Agamemnon, Alegrava-se no espirto porque os melhores dos aqueus contend Assim, pois, em oraculo Ihe falara Febo Apolo, Na saeratissima Pito, quando ultrapassara o pétreo portal, Para consulti-lo. Entio f girava o prinefpfo da desventura Para os troianos ¢ os danaos, pela vontade do grande Zeus. Isso sim cantava 0 aedo ilusire. Entto Ulisses, Grande véu de purpura tomando com as maos fortes, Da cabeca fazia-o descer ¢ escondia as belas faces: ‘Tinha vergonha dos fedcios, os cilios banhados de igrimas. Mas cada vez que parava de cantar o divino aedo, Enxugando as ligrimas, da cabeca o véu ele tirava e, ‘Uma taga de duas asas tomando, ofereca libagzo acs deuses. Entio, quando de novo comerava o aedo € 0 impeliama cantar ‘Os melhores dos feécios, apés alegrar-se com as palavras, De novo Ulisses, escondendo a cabegay gemia— Mais tarde, aps ter prestado bonras a Demédoco, Ulisses pede-Ibe que cante 0 episédio do cavalo de madeira. De ime- diato atende 0 aedo e seu canto €, de fato, a primeirissima narrativa da tomada de Tréia (a Uiada terminara antes da queda da cidade e a Odisséia abre-se de chofre apés 0 acon- tecimento). Qual serd a reacao de Ulises? De novo ele pde-se a chorar. 0 Adrap énei novos Kal EBntios é€ Epov Evr0, BA Tére AnuSBoKoV xpoaspn moASuANG ‘OBvavedc * « Anp6b0x , Eoxa Br oe PporSv aivitow! dmévrwv + #1 0€ ye Mota’ EBtBage, Aids anc, H o€ ¥ARAAWV * Ainy yep Kae xdopov ‘Axaudy dlrov éeiberc, 10 500 Eptav 1 EnaQdv te xoi Sa0 Eudynoay ‘Axatot, 5 té nov #] adrds mapedy Fi GARD éxoBoac. “AAX dye Bi uetabnOt koi row Kdopov éetoov Bovparéov, tov "Eneids énoinoev ody “AOHva, By mor kc dxpdmody Bédov Haye Siog “OBvavess 455 dvbpiiv tumArfoas, di Tov ordnakay. Ai key By wor radta: karc woipav karargtac, adtixa Kai méow pverfcoucn évOpdrotow, 5g &pa tor mpéppwov Beds Grace BEomv ordi. » Homero, Odisséia, 8, 485-498 Tio logo o desejo de beber ¢ comer saciaram, Ento a Demsdoco dirigiu-se o astucioso Ulises: Demédoco, acima sim de todos os mortais te louvo: (Qu a Musa te ensinou, filha de Zeus, ou Apolo, Pois muito em ordem 0 facio dos aqueus cantas, ‘Quanto fizeram e sofreram e quanto suportaram, Como se, em parte, estivesses presente ou 0 ouvisses de outro. ‘Mas cial agora muda € canta a construcio do cavalo De madeira — 0 que Epeio fez com Atena, Aquele que, na acrépole, introduziu com dolo 0 divino Ulisses, Tendo-o enchido de homens, os quais flio desteulram. Pois se sobre isso, parte por parte, para mim discortes, Logo também direi a todos os homens Que um benevolente deus te deu o divine canta. 3. 0 HISTOR A epopéia conbece a personagem do histor, ou melhor: personagens que desempenbam 0 papel de histor, de arbi- tro? Em duas ocasiées, na liada, apela-se a ura histos para soluctonar uma situagdo de confltio (netkos). Primeiro exemplo: por ocasido dos funerais de Patroclo, Ajax e Ido- meneu entram em desacordo no momento de saber quem, apés ter dado a volta ao marco, estava a frente na corrida de carros organizada por Aquiles. Ajax, entdo, propée tomar Agamémnon como histor. a ‘Toy 8¢ xorwadpevos Kpqray éyds dvriov n8Ba- «Alay, véixos diptote, kaxoppadts, GAG re mdévea Beseat "Apyeiwy, bn tor vbog éorw éanviis. ‘Aedp6 vov A tpinoBos mepiBdueOov HE ALEATOG, Yoropa 8’ "ArpeiBny "Ayapénvova Belper dud, “Smndtepar mp400" ‘inno, iva wisng émoTiveav. » ach 8 etv dyopi toa d8pdor - EvBai BE vEiKOS apsiper, 860 8 dvbpes bveixeoy divexa. nowFig dvbpbq dmopOruEvoo «6 uv ebxero ndve darobobvan Brine mhatoxwy, 6 8 dvaivero undkv EAgoBen * dug 8 i€oOny ex Toropt neipap EAEGBOL. Aaci 8! éudoréporav Emixvov duds épovot™ kripvxec 8 Spa Aadv éprirvov - ol BE yépovtes da’ ém Eeordion Bors tong Evi KUKAL, oxfirrpa Be xnptxav ev xépd Exov Hepodsveny * toiow Exert Hiacov, dyovEnsic dt Bixatov - xeiro 8 dp’ Ev péao0I0t Bw xpvacio téAavta, 16 B6pev 8¢ were toi Bixny Wivrata etxo1. Homero, Iliad, 23, 482-487 Ea cle, furioso, o chefe dos eretenses, em face, diz Ajax, excelente nas disputas, malicioso, em tudo mais Xs inferior aos argivos, porque teu espicito é duro. Agora vamos! apostemos um tipode ou um caldetido , como drbitro,o Atrida Agamemnon tomemos, n¢s ambos, Para dizer quais os primeiros cavalos, a fim de que saibas e Ipaguest Segundo exemplo: no extraordindrio escudo, forjado por Hefesto para Aquiles, representa-se, entre outras, uma cena ‘em que dots bomens, que um grave desacordo separa, dect- dem apelar para um histor. Homero, Iliada, 18, 497-508 Ea multidao, na praca, estava em massa, Li uma disputa Levantara-se: dois homens discutiam por causa ds sangio Por um homem morto. Um jurava tudo ter pago, Ao povo falando; 0 outro negava ter recebido algo. Os dois foram a um drbitro para receber a senterga. A multidao, em volta, aplaudia, favorivel a um ou outro, E arautos entio a multidao continham, A seu lado, velhos Sentavam-se em pedras polidas, num circulo sagrido, Tendo nas maos os bastdes dos arautosde voz possante: Com ele levantam a voz e, um apés outro, julgam. E eis que jazem, no centro, dois talentos de ouro, Para dar a quem dentze eles a sentenca mais reta ditar, 33 Il. GLOSSARIO MUSA Demédoco recebeu o ensinamento — diz Ulisses — da Musa, filha de Zeus, ou de Apolo. Para Hesiodo, zeloso dos detalhes genealdgicos, as Musas sao filhas de Zeus € da Meméria (Mnemosyne). Mnemosyneé antes de tudo uma poténcia de evocacio, nio de recolhimento. Sempre pre- sentes, as Musas sabem tudo e cantam 0 que é, 0 que sera, 0 que foi. Sob sua inspiracio, o aedo — como 0 cego Demédoco — vé 0 que todavia jamais viu e se “lembra" do que, para ser exato, jamais conheceu. Como fundamento do saber, hd essa evidéncia de uma presenga no mundo. Em particular, o poeta da Guerra de Tr6ia, semelhante a Zeus do alto do Olimpo, vé paralelamente 0s dois lados: 0 dos aqueus tanto quanto o dos troianos. No século If d.C., Luciano ainda fara referénc a esse olhar de Zeus, mas entio para falar do historiador. Oniscientes, as Musas podem dizer tudo: nao apenas 0 que , mas também, se 0 querem, 0 que nao é — tanto contar “mentiras (psetidea) semelhantes a fatos (etymoisin)", quanto “verdades (alethéa) proclamar”. Abre-se ja af a possibilidade de partilha entre 0 real ¢ a ficcio, que se apresenta sob a forma do como e da imitacao. HISTOR Ninguém é bistor, mas assume a fungao de — sempre num contexto de desacordo. Agamémnon é escolhido pelos dois protagonistas certamente porque € o chefe dos aqueus. Na cena do escudo as coisas sto menos claras: 0 bisior € esco- Ihido dentre os ancidos? Se sim, 0 que o qualifica como tal? E quem decide? Para Emile Benveniste, histor, conforme a etimologia (re- corde-se a formula de juramento: fsi0 Zeus, que Zeus seja testemunha!), € a testemunha (mdrty), “enquanto zquele que sabe, mas, antes de tudo, enquanto aquele que viu". Entre~ tanto, em nenhuma das duas cenas da Ilfada trata-se de uma testemunha que viu: Agamémnon nao viu seguramente nada €, na outra cena, o bistornio é evidentemente testemunha do Meo assassinato. Infelizmente para nés, as duas cenas interrom- pem-se antes do fim. Aquiles pe termo a disputa antes mes- mo que Agamémnon entre em ago. E 0 escudo nao pode descrever 0 proceso em si. © bfstortem um papel ative? Agamémnon ird promover uma investigagac para saber quem estava 3 frente no momento do desacordo, ov é ele tio somente (e muito provavelmente) o fiador — e, nesse sentido, a “testemunha” — dos compromissos assumidos (da aposta) por Ajax ¢ Idomeneu? Do mesmo modo, no caso do assas: ato, & 0 bistor que propde uma solugao pars o conlflito, ou ele somente o fiador, a “testemunha”, para agora e para © Futuro, de um compromisso aceito pelas duas partes, de acordo com a “reta sentenca” proferida por um dos ancitios? Seu papel se aproximaria entao do que era stribuido a0 mnémon, homem-meméria ou “recordacio viva’ (L. Gernet) — como acontecia, particularmente, na cidade cretense de Gortina. O mnémon é uma sorte de testemunha piblica “que guarda a lembranga do passado em vista de uma decisio judicial". Sua presenga indica o aparecimento, no direito, de uma “fungao social da meméria”> A historfede Herédoto, com seu zelo de guardar a memé- ria do que aconteceu dos dois lados (gregos ¢ barbaros), conservari algo da posigao do histor como arbitro, mesmo se 0 historiador nao € nem pode ser um histor. Poder-se- sustentar que é justamente porque ele no o € que tem neces- sidade de bistorein Cinvestigar). AEDO Inspirado pela Musa, 0 aedo celebra os deuses ou 08 altos feitos dos herdis, E trazido para os banquetes ¢ dele se espera que proporcione, aos convivas, prazer (térpsis) ¢ esquecimento das afligdes presentes. Quem vive gloriosamente até morrer receberd, em troca, uma gléria imortal que nao se consome (kléos apbthiton), cujo dispensador € © poeta: Aquiles € 0 prototipo dese herdi. Pelo canto do aedo os keréis trans- formam-se em "homens de antigamente” assim se tece, se tepete e se transmite um passado glorioso: 0 passado. “O homem, diz-me, Musa, multiforme...": © prélogo épico € partilhado entre a primeira pessoa e a segunda. O eu do aedo (moi, no dativo) acolhe e transmite a palavra divina. 33 Simples medium, presente enquanto dura sua performance, um extvazio, sem nome € sem autoridade prOprios. A estru- tura trabalhada no (dificil) prologo de Hesfodo é mais com- plexa. A forma dual (primeira/segunda pessoa) da lugar, pelo menos num momento, 2 terceira pessoa: no mais Vos, as Musas, mas Blas, as Musas; nfo mais eu, 0 poeta, mas ele. Designado de chofre por seu nome préprio — Hesfodo — que lugar ele ocupa, pelo menos por um tempo, senao o do autor? ULISSES Ble € aquele que sempre s¢ lembra: no esquece nem 0 dia do retorno, nem que € um homem ao qual 2 morte aguardla no fim da rota, Ao contrério de seus companheiros, 03 esquecidos, ele jamais esquece quem é. Homem-meméria, nesse sentido ele & também o Resistente, aquele que durante dez anos sofreu no mar — ele que de ‘muitos homens viu as cidades € 0 espirito conheceu". Aquiles, ceifado em plena gléria, brilha para sempre no tempo épico, espécie de eterno presente, enquanto Ulisses, por seu retorno sem cessar retar- dado, sempre bem perto de perder tudo (até seu nome), experimenta 0 que ja é “o tempo dos homens". Mesmo se @ Odisséia © apresenta como um viajante a contragosto, essa experiéncia do mundo, direta ¢ penosamente adquirida, faré dele uma figura inspiradora da historiogeafia, de Herédoto a Polibio — e mesmo mais além: 0 historlador verdadeiro sera aquele que no economiza nem seu tempo, nem sua pena, nem seu dinheiro para percorrer os espacos @ ver com seus, proprios olhos.t Essa exigéncia — ou essa reivindicacao — serd, durante muito tempo, o fundamento de sua autoridade, pelo menos na Grécia. A cena do encontro de Ulisses com Demédoco tem um valor emblemético. Solicitado por Ulisses, 0 aedo canta a queda de Tr6ia, Ea primeira narragio do “acontecimento” — €, sobretudo, a presenga de Ulises atesta que “isso” real- mente teve lugar. Af se encontra, portant, a primeira nasrativa “hist6rica”. Mas com esta diferenca que muda tudo: Demédoco nao esteve-Id-e-ndo viu nada, enquanto Ulisses ocupa, 20 ‘mesmo tempo, a funcio de objeto da narrativa e de testemu- nha (© superstes latino, o sobrevivente). Daf a espantosa 6 (falsa) questio dirigida por Ulisses ao aedo: tia natrativa nio € demasiadamente exata para nao provir de uma viso direta? A visto humana (historiadora avant Ia lettre: ver com seus proprios olhos ou ouvir de alguém que viu) torna-se, por um instante, 0 padrio da visio divina. Tem-se entio a surpreendente ¢ fugaz sobreposiga0 de dois Demédocos: um (ainda) aedo € o outro (ja) *historiador”. Espécie de luz langada sobre uma outra possivel configuragio do saber: justamente aquela da primeira historiografia, 2 qual Herédoto, mais tarde, dard forma e nome. Essa configuraczo nao torna a hist6ria nem necessaria, nem ao menos provavel, mas simplesmente possivel. 7 A OPERACKO HISTORIOGRAFICA HISTOREIN, HISTORIE, SEMAINEIN 40 Toide AéyeL Anndxpitos ... Nod piv Kok xepl abros (ypdgerl § cepvevdnevéc dot nov ex TH moAvBABiG” « Byd 88 tv Kat’ buavtdv évOpéauv viv metorny txexravnoduny, toropéwy te wifxtota, Kai dépas te kai yéag meloras eBov, Kai Aoyiuv dvOpdmuy mastotov émxovod, Kci yoaunéwy covOéc.0g werd Gmodeitews ovbeig x pe maprAdatev, O88 “oi Aiyortloy xadeduevor ‘Apnedovdarat, abv Toic B'ér row ert Ere bySSnovta. én Eetvng byevsOnv. »" ExiAGe yap BatvrGvé te xoi Hepoida xoi Atyuntov toic te Mayors Kai tig teen padnresuv. “Exaroiog Miaxrforoc Sbe poBeirar + tdBe ypdipio, tc nor Soxet dandéa elvan * ot ydip Adyo TOAAOL Te Kol yersiot, th Eo} aivovras, eioty. L TEXTOS Investigar é, antes de tudo, ver por si mesmo. 1. DEMOCRITO Fragmento, 299, Diels-Kran2, citado por Clemente de Alexandria, classificado entre 0s fragmentos “que nao so auténticos”. Isto diz Demécrito... sem divida € sobre si mesmo que escre- ve, quando fala em algum lugar, glotiando-se da amplitude de seu saber: "Eu sou, dentre os homens de minha €poca, o que mais nave- ou, investigando o mais longe possivel — e multissimos ares © terras eu vi, mutcssimos homens sabios oui e, na composiio de escritos com demonstracao, ninguém ainda me ultrapassou, nem ‘mesmo, dentze os egipcios, os chamados Arpedona>tas, com 0s quiais, durante oitenta anos 20 todo, estive no estrangeiro." Pois cle viajou A Babilonia, 8 Pérsia e 20 Egito para ser discipulo dos magos ¢ dos sacerdotes. Deméerito de Abdera, século Va.C., fildsofo que desenvotve @ teoria atomisia do universo, tem a reputagao de ter aumen- tado sua experiéncia do mundo através de viagers e de inves- igagées. Um outro traco de sua “biografia” faz dale discipulo dos sabios do Oriente. Passa-se da viagem de investigagao & viagem para fregilentar-se a escola de. 2, HECATEU DE MILETO: © PRIMEIRO-A-ESCREVER A TRADICKO Hecateu de Mileto, Fragmento 1, Jacoby Assim fala (mytheftaf) Hecateu de Mileto: escrevo isso como me parece ser verdadeiro; pois 0s relatos (logo dos gregos sto, como me parecem, muitos € ridiculos. Hecateu, cidadao de Mileto, viveu em torno de 500 a.C:; primeiro prosador grego, autor de um Percurso de Terra Habs tada (em dois livros — Europa, Asia) e de Genealogias (perdi- das), considerado muitas vezes como o primeire bistortador, representante da “razao” jonica. Mas Herddota, que o conbece € 0 utiliza, distancia-se dele, chamando-o de logopoi6s (contador de historias). a "Hpodérov Sovpiow totoping damddekic Abe, dc rite re yevonevar 8 dvOpimwv 16 xpdvyp Beira yevaTat, mite Epya nevada. te Koi Owowaord, ta nev "EAAnoL, Te BE PapBépora cmodexVEvra, GxAEA yévnTar, TH TE Gana Kod Br fy aitiny Exongunaav drrfroior. 1. Tlepoéav pév voy of Adyiot Poivieag altiong pack yeveoOan tig Biachopiig * rovtous yap, dxd tiic "EpvBpiis kadeonévng Baddoons dmxouévous én tHvbe tiv BdAacoav Kor cixriavtas TodTOV Tov Xdpov Tov Kod vov cixéovar, adtixa vavniAiqar paxpijo émBéo8or, dnaywéovras 8 opria Aiysand te Kai “Agavpta TH te GAN [xdpH] EoamxvéeoBa Kol Bi} Kah 8 “Apyos * 7 BE “Apyos tobtov Tov xpdvov mporixe &xao1 Tay év TH vay 'EAAGD. Kodeouéva xdpn. ‘AmKouévous dt Tod BoinKas és Bi 1 “Apyos Tobto BiarGeo8ar Tov doptov. Ménaty 8& i Extg Awépy Gx’ ic dnixovto, Beprornnévwv ot oxeBov mévtwv, ErOiv tm viv Bddaooay yovaixas dAAag te TOAAAS Kal BH Kak TOD Baoiréog Ovyarépa 1 BE of of'voua elvan, kare TSUTD 1 Kak “EdAnves dévoust, ‘ToBv thy ‘Ivéxov. Tadras ordoas Kate npvuYny Tig veds GvéeoBai TOV gopriov tGv op fv Ovuds wdrwra, Kai Todg dolvixac diaxehevoapévovc dpyijoo ex’ abtdc. Té&c wey 57, mAéovag TGV yovanxdy daopoyeiv, tiv 8 ‘lobv obv Ago donaadiivat - Lobaronévovg be ke vhy véw oixeoBar dmomdovtas tx’ Aiyéaton 2. Oitw ev ‘Todv és Atyontoy dmxéoBar Agyovor Tépoce, ob« cig "EAANVEs, Kat TOV dBtxqudtwv mPGTOV rodto dpa peré BE tadta "EArrive tds (0d yp Exover ToSvoua danyiioaodan) gadt vic bowing & Tépov mposoxsvras pda tod Baoidéoc riv a 3. HERODOTO Se ele é, conforme a formula de Cicero, o “pat da bistéria", 0 prefacio (prooimion) de suas Historias representa a certido de nascimento desta. Hist6rias, 1, 1-5 Esta a exposigio da investigagio de HerSdoto de Tirio, para que nem os acontecimentos provocados pelos homens, com 6 tem- 1po, scjam apagados, nem as obras grandes e admiriveis, tazidas & luz tanto pelos gregos quanto pelos barbaros, se tornem sem fama — ,no mais, investigagao também da causa pela qualfizeram guerra ‘uns contra os outros 1. Dentre os petsas, dizem agora os sibios que foram os fenicios a causa do diferendo: pois estes, vindo do mar chanacio Vermeiho para este mar € pasando a habitar esta regio que ainda agora hhabitam, logo dedicaram-se a grandes navegacées e.transportando cargas egipcias ¢ assirias, abordaram em outras regides, particu- armente em Argos. Naquele tempo, Argos ultrapassiva todas as re- gides da hoje chamada Grécia. Chegando entio 0s fenicios a Argos, poem-se a vender a carga. No quinto ou sexto dia apés sua chega- da, quase tudo j tendo sido vendio, foram A beira do mar diversas € muitas mulheres — ¢ também a filha do rei. O seu nome era, conforme o que dizem também os gregos, Io, filha de fnaco. Che- sgando junto a proa do navio, elas compravarn, da carga, o que mais desejavam; entio 0s fenicios, encorajando-se mutuamente, langa- ram-se sobre elas. A maior parte das mulheres escapou, mas fo, com outras, foi raptada, Embarcando no navio, foram embora, navegando para o Egito. 2. Assim To chegou ao Egito, dizem os persas, nio como dizem 0s gregos —e assim teve inicio a primeira das injastigas. Depois, disso, dizem eles, alguns gregos (pois nao sabem informar seus nomes), atracando em Tiro, na Fenicia, raptaram a filha do rei, Europa. Poderiam ser cretenses. Assim, ficaram clas por elas. “a Ovyarépa Evpemy * cinoay 5° dv obtor Kpfites. Toota: nev dA Toa mpds Tou ah yevéoOar * erd BE tadta “EAAnvag aitiovg tic Sevrépns dixing yevéoOar. Karomadoovtas yep paxph vat és Aldv te tiv Koaxiba ot Et bao rorapdv, evOedrev, BiompnEauévovg Koi TéAka TSv civexey daixaro, dodo tod Paoiréoc iy Gvyatépa MnBeiny. Tépiyavta 8 tov Kéaxwv Baowéa é& thy 'EAAdba kripwxa aitéew te Bixag tig domayiig Kol dmartéety tiv Ovyarépa * tobe Bt dnoxpivacBar ce OBE Exsivor ‘Tos wig ‘Apyeing ESoady opt Bixas tig domaviic’ ode Gy asrol Bdcerv Excivorn. 3. Acutépy dE Ayovor evel pete Taste “AnEavbpov toy Tpiduow dxnxodta tadta sedfoat ol, éx Tig 'EAAdBo< Bt’ dnayiic yevéoOor yovaixa, Emotduevoy névrag bn ob disce Bixag * od8t yap Exeivous Bibévat, Obtw 64 padoavros abtos ‘EAévay, Toicr “EXAna BEar mpGrov méwyovtas dyvérovc srouréew te "Exévny oh Bieas tis domayic atrée. Todg 8 mpoicxopévey tadta mpodépetv fe Mndeing thy dproyiiy, ds ob Bévres adtol Bixag ob8t Exdévres dxawtedvtey Bovrotats of nap’ dArev Bikas yiveaBan. 4. Méxor nev dy Toston dpaayes pobvac elven map” GAMPov, 1 BE dmd tostov “FAAnvas Of ueyddus aittoug yevéo0un * xpotépovg yap diptan otpareseabat tg tily “Aoiny fi obéas & thy Ebpdaav. Td uév voy &prdter yovaixas dvopav dBixwv voniter Epyov evan, 7 BE Gpraaerokov onovbiv rofoacar Tywpéew cworirav, 7 BE undeniay Spnv Exe éprocdeiséiov owpodvev: Bia yap di bn, a wh abroad Eosrovro, odk dv ApréCovro. Ehéac uv Bi ods &x Tic ‘Aging A€yovot Tépoat dpaatouévov tay yovorKGy Aédyov oddéva notfoaoda, "EAAnvac B& Aaxedosyoving Bivexev yovaixds oTéhov néyav Gvvayeipar Kai Emewra @O6vtag és tiv ‘Aciny Thy Mpiduoo Sivan Kateheiv. "Amd tosrov ail AyHfoaoBar 1 “EAAnvicdy odiot eivar moréutov. Thy yap ‘Aoiny Koi té tvorxtovra Ever BépSapaoixmodvra of Mépocs, tiv 8& Ebpimny rol 1d 'EAAnviKdy fynvran xexcopioBar. “4 Depois disso, os gregos foram causa da segunda injustiga, Nave- ‘gando em ampla nau para Ba, na Célquida, € atinginclo 0 rio Fasis, ali, desincumbindo-se das outras coisas pelas quais ‘inham vindo, raptaram a filha do rei, Medéia. Tendo enviado 0 1€i dos colcos ‘um arauto & Grécia, para pedir justica pelo rapto € pedir de volta & filha, responderam-lhe que, como 0s outros nio haviam repacado sua injustiga pelo rapto de Io, a argiva, no haveriam eles de oferecer nenhuma reparacio agora. 3. E dizem que, na segunda geracio subsequiente, Alexandre, filho de Priamo, tendo ouvido falar disso, quis ter uma mulher da Grécia por rapto, sabendo que nfo haveria absolutanente de repa- rar sua injustiga, pois os gregés também nio a haviam reparado. ‘Assim, tendo raptado Helena, os gregos decidiram primeiro enviac ‘mensageiros para pedi-la de volta e pedi justica pele rapto. Ouvi do isso, os outros contrapuseram-thes o rapto de Medéia: no ten clo eles ent8o reparado a injustiga nem atendido ao que se recla: mava, queriam agora obter justiga de outrem. 4, Assim, até entlo, havia apenas raptos miitucs, mas depois, disso 08 geegos tornaram-se 05 grandes culpados: foram 0s pri- meiros que comegaram por enviar uma expedicio A Asia, antes que ‘outros Europa. Ora, raptar mulheres eles consideram ser obra de homens injustos, mas empenhar-se em tomar satisfecdo pelas rap- tadas, coisa de tolos: no ter nenhuma preocupagaocom mulheres raptadas & préprio de gente sensata, pois € evidente que, se elas, no quisessem, nfo o seriam. Bles, sem davida, os asidticos, dizem 0 persas, nao levaram absolutamente em conta as mulheres rapta- das, enquanto os gregos, por causa de uma mulher lacedemdnia, reuniram uma grancle armada e, em seguida, indo para a Asia, des- truiram o poder de Priamo. A.paitir disso, sempre consideraram que o que € grego é seu inimigo. Pois reivindicam como seus a Asia 0s povos birbaros que a habitam, enquanto consideram como algo distinto a Europa e 0 que é grego. 4s 5. Oro yey Tépoc Agyouer yevéoBon, xch B& Thy ‘fon SAwor edpicxovar abior Eodaay thy épxiv Tig ExOpng Tiic bs Tods “EAAnvac. Tept BE tig “Toc odx Gyoroyéover Mépanor obtw Poivixes * 08 ySp &prayi adéas xpnoapévoug Adyoum dyayciv adrhv é Alyomrov, GAA" dg bv 1 “Apyei ufayero 7 vawKrrip@ ‘aig vedo: tne BE Euae byxvos éodoa,, aiBeouévy Tod¢ toréas, obtw 3A sedovriv astiv Tic Poiviet ovvexmrdoan, de dv nih Kardnrog yevntan. Tata pév vov Tlépoo te Kot boivixes Aéyouan. “Byd BE neph ev TosTOV ob Epxouan épewv ds oBtw6 F Drug Kwg tora kyéveto, tv Be olde adtdg parov tndpEavta dBixwv Epywv & tods “EAAnvas, ToBtov onutivas mpobricouat é¢ tb xpdow TOs AdyoD, buotwas huKpe Koi peydAra Koren dvOpuimuy Exekusy. T& yap 19 médan peydrar fv, Te OAK adtav oMrKpe yeyover TH BE én’ tuéo Hv peydda, apétepov fiv omxpé. Tiv avOpurniny dv émorduevos eddauoviny odbanc ev THvTS pévovaay, Empvrigonar éubotépav Spotias. 5. Assim dizem os persas que tudo aconteceu —e na tomada de flion encontram 0 principio da hostilidade que tm para com os gregos. Sobre Io, 05 fenicios no concordam com os persus no se- guinte: dizem que no a conduziram 2o Egito usando de rapto, mas. que, em Argos, ela teve relagdes com 0 capitio donavio. Tao logo percebeu que estava gravida, ficou com medo de seus pais e par- tiu, por sua prépria vontade, com os fentcios, para nao ser desco- berta, Isso € 0 que tanto os persas quanto os fenicios dizem. Bu, sobre cessas coisas, no tei dizer que acontecerum assim ouassado. Aquele que eu proprio sei ter sido a primeira a comecar as agbes injustas contra os gregos, indicarel e prosseguirei a seqiéncia da natrativa, percorrendo por igual as pequenas ¢ as grandes cidades dos ho- mens. Pois a maioria das que antigamente eram grandes torna- ram-se pequenas; € as que, em meu tempo, eram grandes, antes cram pequenas. Sabendo, portanto, que a felicidade humana ja- mais permanece no mesmo pont, recordarei igualmente ambos os tipos. Origindrio de Halicarnasso, vivendo em torno de 480-420 @.C., Herédoto conbeceu o exilio, que fez dele um estrangetro, pelo menos até sua instalagdo em Titrio, na Itdlia; viajou, viveu em Atenas. Suas Historias cobrem 0 periodo de 550 a 480, com numerosas retrospectivas, Sua vida trscreve-se entre dois confiitos maiores: as guerras médicas, que ele escolheu contar, ¢ a Guerra do Peloponeso, que Tucidides contou e, as- sim, nomeou ‘para sempre”. Durarue esse pertodo, as mudan- as politicas so importantes: Esparta, em primeiro lugar, Ate~ nas, em seguida, desempenham os papéts principats. Do pon- to de vista politico, a isonomia substitul a eunomia ea demo- cracia afirma-se, particularmente em Atenas. 4. PAUSANIAS Fis, muito mais tarde, um exemplo de retomada e de transformacdo do tema herodotiano das “cidades grandes @ pequenas” ¢ da instabilidade das coisas bumanas, num autor do século If d.C.: Pausdinias. Origindrioda Asta, autor da Descricio da Grécia, ele fot um grande viajante em torno do Mediterraneo. ” 33. [1] Bi 8b 4} Meyda még mpoBvntg te tH méon ovvorxioOeioa Jxd “ApxdBuv at drt peyiorog Tov 'EAArvav ermiow é¢ adtiy Kéopov Tov dimavta Kot eddaipoviav Thy dpxatay dbypnran kai 13 woAAG tor abtiic tpeima &f Hudv, Cada ovdev énonoduny, eiBdog 1 Seapsviov veisrepa det rive BEAU eipydtecden, Kat Snoting Te ndvtar té Te exvps Koi Te doVEVE Koi TH ywvoueva Te Kot éxéca dadAAvvtat peraBdrrovoay thy Toxny Kol Gros dv abty rapioriirat nerd toxvpac avayens dyousay. [2] Muxiiven nev ye, 108 pds, ‘TAiov monéoD Toig"ERARaY Aynoanévn, Kai Nivos, Eva Hv “Aoovpions Bactacia Kai Bousnor OABar pooriver Tob "EAAnviKod mote dEw6etoc, ol yey Apripwvror mavénedpor, Td 8 Svoua Tay OnBiv &c dxpdnory nOvny Kah oixrropas KaTaBESnKev ob KOdAOKC. Te BE brepypxdra movny td dpxdioy, OfBai te ai Alyson Kot 6 Miving ‘Opxouevds Kat 6 AfAog td Kowvov 'Bariivav bundpiov, ot uty dvBpd¢ idtow pésov Bvvduer xpnudtwv xatabaiovay é¢ eddaipoviav, 4 Affhos 86, ceberdvn robs dipixvovpévoug nap’ “ABrvatuy & Tob tepo8 Tay dpovpéy, Andiwy 8 evexa Eonuds Eon dvOpdmov. [3] Babvadvos dt 108 ubv Brfrov 18 lepdv Aeimeran, Botwddvoc BF rams, fivnva dlbe modewy Tay Téte perioTny Frog , obdev En fiv et WA TEXOG, KAR Koi TipvvBos tig &v Tf] ApYOAL. Tadra nev BA éroinoe 6 Bainwv dvoa Td wnBev a Bb “AdeEdvBpov wg by AlyerTe Kal H Zedevkov napa 7S "Opdvm xOé¢ te dxiouévor Kol mpiiny & tosotTo EmBedsxcin peyédovs Koi ebdaipovias, Sn. abd A r8xN BeEvoorat. [4] 'Embdefxvotan BE Koi by tHe En thy toxdy neilova Kat Bavuatos mcfovos ¥ xaté avubopdc Kai edapayiag mdewg Aruvov yap Mody dnéixev 08 oAby Xpton viigoc, & H Koh 1G SrroKrimg yevéoOen ovppopav tx ToS Bpov daci: tavtay Katératev 6 xABSwV REGGY, Koi KaTébv Te Hh Xpvon Kal idviorat Karé Tob BvO08. Nijcov 3 GAAnV KaAovpévny ‘Tepav <...> T6vde obk iv xpdvov. Olrw ky Tk dvOpdmva apSaKcipd te Kah OvdaKSs Eonry Exvpd. « Pausinias, Descrigdo da Grécia, 8, 33, 1-4 38. [1] E que Megalopolts, fundacia em conjunto, com todo 0 ardor, pelos arcédios (e em que os gregos punham grandes espe- rangas), tenha sido pilhada de todo ornamento e da antiga pros- peridade, sendo em nossa época, na maior parte, 56 nuinas, nao me Provocou espanto. Sei que deus sempre quer criar algo mais novo: tudo, por igual, 0 s6lide € o fraco, o que nasce e quanto morre, a Fortuna transforma e dispde para si, governando de modo necessa- riamente implacdvel. [2] Micenas, com efeito, que comandou os ‘gregos na guerra contra Trdia, Ninive, onde estava a realeza dos assitios, ¢ Tebas da Beécia, que teve 2 honra de, em certa época, presidir a confederagao grega, éstio, uma, deserta, ottra totalmente destrufda, enquanto 0 nome de Tebas esti reduzido 86 & acrépole ¢ ‘a nfo muitos habitantes. As que eram antigamente superiores em. riqueza, Tebas do Egito, Orcomeno dos Minias ¢ Delos, mercado ‘comum dos gregos, slo menos présperas que uma Fessoa comum, de recursos materiais médios, enquanto Delos, excetuando-se os enviados pelos atenienses para a guarda do santuaris, encontra-se deserta de homens, pelo menos de délios. (3] Da Bazilonia resta o templo de Bel, mas daquela Babilonia, 2 maior das cidades que entio viu 0 sol, nada mais hé sendo uma muralha, como também de Tirinto, na Argélida. A essas cidades, com efeito, fez deus que se transformassem em nada, Mas Alexandria do Egito e Seleucéia as margens do Orontes, fundadas ontem e anteontem, chegaram a tal grandeza e prosperidade porque a Fortuna as favoreceu. [4] ‘Mas, uma forca ainda maior e mais espantosa que ras desgracas € sucesso das cidades mostra-se também nisto: nao a muito tempo de navegacio de Lemnos encontrava-s¢ a ilha de Crisa, na qual dizem ter acontecido a Filoctetes a desgraca de ser vitima da serpente; um maremoto tomou-a toda, Crisa afundou e desapareceu no abismo. ‘Outra itha chamada Hera... nessa época nflo existia. Assim, pois, as coisas humanas sio tempordtias ¢ nada é sélido. I. GLOSSARIO EU ESCREVO/GRAPHO Esta primeira pessoa firmemente reivindicada por Hecatew de Mileto marca um momento importante. Fazer 0 inventério do mundo ou ordenar as narrativas (/dgod) feitas pelos gregos — narrativas genealdgicas ou sobre outros assuntos — faz parte de um mesmo projeto intelectual, que tem como instru- mentos a escrita ¢ o exercicio do julgamento (dokein), visando a estabelecer o verdadeiro: “Eu, Hecateu, escrevo e, passando no crivo de meu dokein essas miltiplas narrativas, rio.” Pela propria escrita, a multiplicidade dos ‘mitos" da tibo grega torna-se efetivamente visivel, até mesmo risivel. Trata-se de uma primeirissima transcrigao ou de uma escrita j4 em segun- do nivel — uma mistura entre as duas? E dificil decidir, mas é certo que Hecateu nao trabalhou a partir do nada, Ele nao © primeiro etndlogo dos gregos: transcreve, talvez reescreve, interpreta. Mas a novidade est no préprio fato de ele con- ceber uma tal coletinea, que retine, discerne ¢ produz um novo verossimil, que da ou restitui um lugar e confere um sentido a esses /dgoi miltiplos. INVESTIGAGAO/HISTORIA Investigacao em todos os sentidos da palavra. © termo designa mais um estado de espirito (a agao de quem bisiore) € um tipo de iniciativa (um método), que um dominio parti- cular em que ela se exerce especificamente. £ uma palavra que pertence aquele momento da histéria intelectual: quer dizer o que quer dizer e cada um adapta-a a seu proprio uso. Pode servir para indicar a atividade de um “investigador- viajante” como Demécrito, ou uma investigacao de tipo ju cidrio; os médicos também apelam para ela, os tragicos nio a ignoram. Herédoto fara dela a palavra-chave de todo seu empreendimento (sem esquecer, entretanto, 0 bfstor-rbitro da €poca arcaica). Em suma, se a hist6ria até hoje no cessou de tomar emprestadas as nogGes que emprega e propée para cada época, como um instrumento destinado 2 produzit um bilidade, Herédoto inaugurou essa pri- tica, comegando por tomar emprestado e por 2 disposicio 0 proprio nome do que se tornara a histéria. 50 Entre o bistor € 0 “historiador’, entendido como aquele que investiga paso a passo (bistore’), pode-se ainda inter- calar uma cena interessante de Herécloto (1, 23-24), em que se vé a personagem principal bisionéesthat. Trata-se de Periandro, © tirano de Corinto, quando confrontado com um aconteci- ‘mento excepcional. O famoso cantor Arfon velo encontré-lo para contar-the uma historia extraordinaria. Obrigado a lan- arse a0 mar pelos marinheicos que o deviam conduzic & Itilia, foi salvo por um golfinho. Periandro, que absoluta- mente no creu nisso, antes de tudo detém Arion e, de- pois, quando os marinheiros chegam ao porto de Corinto, manda-os chamar ¢ “informa-se se teriam algo a dizer sobre Asfon” (bistoréesthai ef 1 légoien). Periandro, evidentemente, nao € uma testemunha, nao € também um investigador no sentido moderno (ele nao manda revistar 0 barco), mas interroga-os-marinhetros de modo que sao eles que iro designar-se como culpados, jé que respondem que Arion est bem € que o deixaram em perfeito estado em Tarento, Nessa situaclo de diferendo, Periandro intervém como um mestre do discurso, estatuto que o habilita a fazer perguntas. Historia, formada a partir do verbo bistorein, € derivada de histor (remetendo etimologicamente a idefn, “ver", e a (woida, *saber"). “De Herédoto de Halicarnasso, eis a expo- sigio de sua bistorfe...": expressas ao genitivo, essas pri- meiras palavras (diferentemente do ex épico, disposto no dativo) valem como uma assinatura inaugural daquele que vem apresentar em pablico, em seu proprio nome, sua pes- quisa. O mundo mudou. Ble no pode ser mais um aedo que 4 Musa inspira, pois a economia do discurso épico nao est ‘mais em curso. Ele no é também um bistorque venha dirimir uma querela, com base em suas prerrogativas, seja arbitrando centre versdes conflitantes, seja, sobretudo, agindo como fiador de alguma coisa que foi celebrada. Nao ele é aquele que bistoref (amais se nomeia “historiador’), que reivindica um lugar para seu saber — 0 qual, entretanto, se encontra inteiramente por construie. Daf em diante, para “ver” 6 preciso attiscar-se (ir ver) e aprender a ver (recolher testemunhos, reunir as diferentes versbes, relaté-las, classificdas em fungto do que se sabe por outras fontes e também «m fungio do grau de verossimilhanga). st Desde entio, a bistorie € o procedimento que opera como substituto da visio de origem divina (uma espécie de substi- tuto barato), que redunda numa viséo limitada ¢ jamais de todo adquirida, Por ela passa 0 primeiro tempo da operacio historiografica de Herddoto. No se trata mais sen’o dos homens ¢ do que fizeram eles de grande (0 aedo cantava tanto 03 homens quanto 0s deuses), num tempo que &, tam- bém ele, somente aquele dos homens. Contra o tempo que apaga tudo, o historiador fard uma obra de meméria e, jé que a instabilidade & a regra, é-Ihe necessario dar atengao, “paralelamente”, como um juiz equanime, as grandes € as pequenas cidades: aquelas que eram grandes € se tornaram pequenas; do mesmo modo que aquelas que eram pequenas € se tornaram grandes. Enfim, a Musa, como Gaica enunciadora, tendo-se calado, € substituida, dai em diante, por uma narrativa dé éstrutura dupla: de um lado, o ew investigador e narrador, que vai € ‘vem, avalia ¢ julga; de outro, a profusio dos /6gor sustentados por uns e outros (até o andnimo légetai, diz-se), que aquele inventaria e relata —e, de um a outro, 2s modalidades, sem- pre a serem renegociadas, de um proceso de “interlocugao” que forma a textura profunda e que é a razdo de ser da narra- tiva histérica SIGNIFICAR/ SEMAINEIN- Se Herédoto bistorei, quer dizer que também semaines, isto é: significa (em todos os sentidos do termo). No mo- mento em que toma a palavra pela primeira vez, dizendo eu, semaine: “revela”, “significa” aquele que primeiro tomou @ iniciativa de atos ofensivos em relagio aos gregos. Fle designa, com efeito, Creso, o rei dos lidios, como aitios, ‘culpado", “respdnsivel”. Ora, 0 verbo semainein pertence 20 registro do saber divinat6rio. Seria evidentemente errado Induzir a partir disso que Herédoto € um adivinho ou mes- mo que faz © papel de adivinho, pois esse gesto de desig- nagio ele 0 arrisca, como se preocupa em precisar, a partir de seu proprio saber e nfio como médium de um saber outro. Mas isso nao impede que retome para si, para o progresso de sua investigagio, algo da autoridade do gesto divinatério. 3 Semainein bem como historei sto duas operagdes que possibilitam ver mais longe no espaco € no tempo, além do que se pode ver por si mesmo, deslocando a fronteira entre 0 visivel € 0 invisivel — enfim, duas formas de comecar que dao seu estilo & pratica do primeiro historiados. Nem aedo, nem adivinho, entre 0 aedo e o adivinho: Herédoto. GREGOS/BARBAROS De chofre, o par antOnimo e assimétrico geegos/barbaros, gtegos/nlo gregos. Nenhuma necessidade de justificar essa divisio da humanidade que, os pocmas homéricos, todavia, ignoravam. As guerras médicas impuseram-na: as Hist6rias, a um s6 tempo, dao testemunho dela e contribuem para sua claboracto. Elas territorializam o barbaro, cujc dominio se entende, dai em diante, ser a Asia — e dao-lhe uma feigao: sobretudo a do persa. Mas, para Herdoto, a barbarie é fundamentalmente politica: em face dos gregos que vivem em cidades politicamente organizadas, 0 barbaro € aquele que se mostra sempre incapaz de viver sem reis. Assim como o aedo, inspirado pela Musa, cantava igual- mente a gesta dos aqueus € dos troianos, o historiador se sentir, desde o inicio, impelido a guardar, por igual, 2 me- méria dos gregos € dos barbaros. Exatamente como 0 bistor era chamado a intervir entre duas partes. © historiador nio a atengio a tudo o que eles fizeram, mas somente ao que € grande e suscita espanto (théma). Essa € uma outraesteutura profunda da narrativa hist6rica: © historiador *ré*, deve ver dos “dois lados” e deve utilizar um principio de selecao. Tucidides reformular a exigéncia dos “dois lados", mas 2 sua maneira, quando notard que o exilio the permitiv assist 208 fatos “dos dois lados”. 3

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