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Zilé Bernd ‘organizadora AMERICANIDADE E TRANSFERENCIAS CULTURAIS movimento AGRADECIMENTOS Nossos agradecimentos ao Conselho Nacional snto Cientifico e Tecnol6 ‘CATALOGACAONA FONTE, 'DO DEPARTAMENTO NACIONAL DOLIVRO asi Cientifica e de uma bolsa de Produ ‘Americanidade e transfestacias cultras/Zilé Bernd. — Porto pesquisa, a realizagao da presente obra. ‘Também queremos agradecer a0 Programa de 6s-Graduagiio em Letras da UFRGS, por acolher este nosso esforgo intelectual coletivo. 1. Lear — Hist ein 2 itera — inna strangers. L Berd, Zils, 1984 —1. Sie. cpp 308 2003, Direitos desta edigao reservados 3 ‘iteramovimento @edtoramovimento.combe ll ‘TRANSCULTURAGOES ( conceito de entre-Iugar eas literaturas americanas no feminino/ 109 Nubia Jacques Hanciau Desvios crticos no espago ameticano / 120 Graciela Raquel Ortiz A questio do "modelo" na formagio cultural das Américas: um estudo de duas obras de Luiz. Antonio de Assis Brasil / 133 Mariana Lustosa Conseigneia negra e americanidade: 0 dislogo identitario de Nicolis Guillén e Solano Trindade / 150 Liliam Ramos da Silva AMERICANIDADE OBLIQUA. Jorge Luis. Graciela -ges e Osman Lins: postica da letura e americanidade obliqua/ 169 Figuras e mitos da americanidade na fiogao brasileira e quebequense / 186 Zild Bernd ‘Um Quebec inter, multi ou transcultural? A ambiglidade de certos anseios de “organizagio. "1195 Robert Di ‘Transferéncias culturais: diversidade e metamorfoses / 214 Notas sobre os colaboradores /219 Bibliografia sobre transculturagio / 223, APRESENTAGAO AMERICANIDADEE. ‘TRANSFERENCIAS CULTURAIS A Mericanidade ¢ transferéncias culturais abarea 0 ambicioso projeto de pensar 0 conceito de americanidade como i abrangente,ultrapassando as fronteiras das identidades nacionai @ de género, e procurando refletir sobre autores fundamentai ‘Américas para inscrevé-los no mbito das relagdes culturais © interamericanas. O conceito de transculturago é aqui repensado a luz, de textos contemporiineos da drea dos estudos culturais e pés-coloniais, relativizando e acompanhando suas migragGes e mutagdes desde a sua criagao nos anos 1940, em Cuba, até os nossos dias. Igualmente importante, a reflexio atualissima de entre-lugaré aqui apresentada ¢ utilizada como instrumento de andlise das relagdes desse conceito com as representagdes literrias no feminino que transitam entre duas margens, ada racionalidade e ado maravilhoso, entre o pensamento subjetivo ou magico e o pensamento légico. Trata-se de um projeto de comparatismo literdrio interamericano de partida, procuram apontar convergéncias com outros autores que, na ‘América Latina e no Quebec, se preocupam com os mesmos temas. Os de enunciago amet -giaram ou conftontaram-se ‘coms processos de autonomizag: ede transculturago. Assim, {ais artigos interrogam e poem em perspectiva comparatista autores como n em Os passos perdidos, bu: do escritor sobre uma identidade especial - Robert Dion, da Universidade do Quebec, em Montreal — que se associou aos demais membros do grupo de pesquisa "Questdes de hibridagéo cultural nas Américas", apoiado pelo CNPq. Esse grupo, hé vvirios anos, vem buscando definir oestatuto te6rico-critico do comparatismo cultural e literdrio interamericano. ‘A presente publicagdo contou ainda com as contribuigdes dduas das pesquisadoras brasileiras mais conceituadas na fea das literaturas franc6fonas das Américas: Maria Bernadette Porto, abordando a questio fulcral das escrituras migrantes, que emergem dos impasses e das ambigilidades do entre-dois, tais como as tenses entre 0 ‘mesmo e 0 Outro, entre a lingua materna e a lingua estrangeira; e Nubia ‘comparatista p Quebec, como Anne Hébert, Nancy Huston, Nicole Brossard ¢ Régine Robin, ¢ autoras brasileiras como Lya Luft e Carmen da Silva. ‘Ac entregarmos este conjunto de ensaios, que tém como fio condutor ‘questées ligadas & americanidade e aos processos de transculturagao, Programa de Pés-Graduagio em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, estamos entregando nio somente ao pul universitério, mas também a todos os interessados no dislogo , desenvolvidas re 2001 e 2003, que se ancoram no que de mais atual ¢ vigoroso se publicou nas tiltimas décadas no ambito das trés Américas. Zilé Bernd OS DESLOCAMENTOS CONCEITUAIS DA TRANSCULTURAGAO ZILA BERND A, Mratisto para simples nfo exist. Mesmo no modelo da continuidade, no qual, segundo Bouchard (2000), as coletividades tem tendéncia a "reproduzir de modo idéntico” as matrizes culturais das ‘metrpoles, hé transgressio, desvio, deslocamento (sendo subversao total) ddos modelos. Um bom exemplo seria a estatuéria jesuttica dos Sete Povos das Missdes, estabelecidos na América do Sul entre 1710 ¢ 1735. Os jesuftas ofereciam aos guaranis os modelos do barroco europeu, os quai foram sendo pouco a pouco solapadi ° roduziram, ‘a cor amorenada da pele, 0 fot simbélica do poder como 0 coc: de uma arte compésita. No momento em que o "modelo" € modificado para dar origem a algo de novo, nésjéestamos no espaco do transcultural ‘Alejo Carpentier, em Los pasos perdidos, descreve 0 frontispfcio de uma pequena capela no México onde as imagens dos anjos barrocos, representando o sagrado, agitam maracas, instrumento de misica popular de tradigio americana, introduzindo com isto efeitos de deformagio do nal e dando origem a uma estética de imbricagdes: 0 sagrado jue se seguiram 3 Conquista da América pelos europeus. hipétese que as manifestagdes culturais das Américas, 7 se construfram no entre-dois (in between), em uma zona de contato, de fror ‘cubano Femando Ortiz', que observou que, quando hi choque de culturas, transigdo e ou passagem de uma cultura outra, néo hd unicamente perdas, apagamentos ou apropriagdes; ha'também criagio de novos produtos ‘culturais. O processo em seu conjt que caracteriza atransculturagio, donde as trocas se fazem nos dois sentidos e geram uma cultura hibrida original e inacabada. termo transculturagdo & proposto por Ortiz no-eélebs Contrapunteo cubano del tabaco y del azticar. Contudo, jé em 1928, processos transculturais estavam na base do manifesto Antropéfago, Jangado pelos Modernistas brasileiros, embora eles nao tivessem utilizado de modo explicito este conceito, Fazendi da devoracao cultural, ‘os antropéfagos a defendiam como um ato ritual, Nao se devora o inimigo para matar a fome, ma ibsorver suas virtudes. O Movimento Antrop6fago preconiza, iberdade de escolha (deve-se poder escolher o que se vai abs soredo, a digestio e a transformacio dos elementos culturais europeus, mas também os do patriménio cultural indigena e africano, para elaborar uma sintese (que permanece, contudo, inacabada). Em outros termos, eles criticavam a admiragio beatae ingénua da cultura do outro e defendiam a recepeto critica dos diferentes aportes culturais. O resultado dessa mistura, bem feita seria a propria expressio da identidade cultural brasileira. A Antropofagia iio é, pois, outra coisa do que a aceitacdo do fato de que as culturas das Américas ndo podem ser concebidas fora das transferéncias culturais ue se produziram incessantemente desde os primeiros séculos em um Processo que permanece incompleto e inconcluso. + até eno, de acultursdo de descultrao,confirmando que do choque de dus ou ‘mas cults havia sempre per, assimilate processor mais Ou menos importantes de lienasso cultural. 18 Nos anos 70, 0 ensafsta uruguaio Angel Rama retoma a nogiio de transculturagao proposta por Ortiz e desenvolve uma proficua teoria da ‘obras de um certo nimero de : jaria Arguedas, Juan Rulfo, Garcfa Marquez € Guimaries Rosa, ele i que sua magnifica produgao ficcional no é caudatéria nem da {As viagens dos ideologemas nfo param por af eles no apenas se deslocam, como também sofrem metamorfoses e se travestem. Na esteira de Ortiz. (1940) e Rama (1970), nos anos 1990, escritores do Caribe ibe so chamadas a inventar novos projetos 1a coabitacio. Seria, pois, uma resposta & a logica da diversidade, e de um outro 19 pensamento, o pensamento da margem (Mignolo, 2000, p.247). Embora dé grande importincia ao conceito de transculturagio, porque esse ou a tépica da raga, presente nas teorias da mestigagem, a, apesar de tudo, "as sombras da mestigagem". Ble tuigdo, a nogio de pensamento da margem (bordé ‘que remete a uma enunciagio fraturada e hibrida (porque cor de territ6rios culturais diversos) que no pode mais ser controlada e que passa a oferecer novos horizontes criticos aos discursos confinados no interior de cosmologias hegem61 Moreiras (2001), que retoma as reflexdes de Rama para quem a “eransculturagdo — isto é, o macroprocesso de tradugiio através do qual ‘os elementos de uma cultura so naturalizados em uma outra —insiste na conciliagdo, na conjungio e na unificagdo dialética do campo cultural global" (p.234). Embora aceite que 0 conceito é produtivo, Moreiras, Tembra que se trata de um modelo que apaga ¢ neutraliza tudo que ele ilo pode comportar e agenciar. Essa observacao é de grande importancia: cela nos chama a atengio para o fato de que nos processos transculturais hi incluso, apropriagdo, mas ha também censura, exclusio e eliminagai de-um certo niimero de fatos culturais ¢ eleigio privilegiada ‘Umaexpressiio americana emerge destes jogos de desterrto ede reterritorializagio que esto na génese das transferéncias culturais ‘que se realizam no contexto das Américas, O escritor cubano José Lezama Lima escreveu sobre formas proliferantes e incorporativas que ‘surgiram na América gragas & reutilizagdo de restos, de vestigios e de marcas (as vezes quase indeléveis) deixadas por diferentes culturas, algumas das quais passaram pelo genoc{dio ci como a dos carafbas e arawakes que habitavam a tegidio do Caribe antes da chegada de Colombo. As operacées transculturais criam condig&es favordveis A emergéncia de novos lugares de enunciagiio em oposigio a um pensamento eurocentrista e etnocéntrico que, durante longo tempo, considerou as metrépoles como sendo o tinico lugar abalizado de cenunciagao. Para fecharessas muito breves reflexes que visam fundamentalmente a constituir um conjunto de subsfdios para a discussio que se seguird ‘sobre o tema central de nosso projeto de pesquisa ~ Americanidade 20 transferéncias culturais ~€ preciso referir como, no espaco cultural do Quebec, a transculturagZo foi pensada. LLangado em 1948, 0 movimento estético Refus Global (Recusa Global), pelo artista plistico Paul-Emile Borduas, teve uma extraordinéria repercussao no Quebec. Caudatério do surrealismo ¢ de outros movimentos de vanguarda europeus, 0 movimento teve um grande impacto, sendo até hoje objeto de estudos por ter sido o primeiro grande propulsor da autonomizagio litetéria no Quebec. Surgindo na interface fentre cosmopolitismo ¢ localismo, 0 movimento em torno de Recusa Global, também conhecido como automatismo, ‘stabelece a ponte entre arte e conhecimento, entre ate ediscurso, ce encena as premissas fundamentals que cul ‘no process0 ‘conclusivo de desalienagio e de autonomizagio da prixisliteréria ica, infletindo destarte na propria conformagao do iio coletivo do ento Canadsé-francés (Abreu, 2001). ‘Surgindo em um periodo conhecido como a "grande noire. cescuridio), caracterizado por uma grande opressio nos planos social e artistico, o Refius Global promove, assim como a no Brasil, uma rebelidio, com conseqiiéncias imprev hipocrsia, a repressio e a obediéncia servil a modetos esclerosados. © manifesto apresenta uma estrutura tripartite: a) dissecagao da sociedade ‘anadense-francesa, vitima de traumas hist6ricos com a passagem para 0; b) tomada de consciéncia, através de ditos ~ porta- jiosas; c) apelo a 3 camadas mais profundas do ser, reatar comas fontes vivas € 0 exercicio do pensamento "selvagem’ e criar um clima propfcio a consolidagio de uma verdadeira 'va de pensar as transferéncias culturais € apresentada ., por Jocelyn sm uma recente ‘0 dominio britinico em Ontrat muitas décadas mais tarde, no coniexto quebeque Létourneau? através do conceito de reatualizagio. "Tvs as tages desta bea do autor otaduzdss do fanots para o potvgués por mim 21 ‘comunicagdio, apresentada no VI Congresso Internacional da ABECAN publicada no niimero 2 da Revista Interfaces Brasi/Canadé, 0 autor prope esta nogio que seria mais funcional do que conceitos tais como mestigagem, transculturagio, crioulidade ou hibridago, os quais, segundo ele, seriam modismos advindos da pés-modernidade. mutagio de um hi conversiio de regagiio de uma personalidade, hé io de um eu sem alienagio deste eu. Na pritica, a reatualizagio de um agrupamento cultural ¢o que permite a este ‘agrupamento resolver seu paradoxo de .do ser diferente ‘ao mesmo tempo (Létourneau, 2002, p. Com essa teorizagio, 0 autor exorciza a histeria coletiva que vé na globalizacio uma ameaga de extingio da diversidade cultural: ele d& rnumerosos exemplos sobretudo da realidade do Quebee, onde a abertura para influéncias vindas de fora, ao invés de provocar a destruigao da cultura francéfona e da heranga canadense-francesa, faz paradoxalmente o inverso, provocando "a reatualizagio do estoque de referéncias destes, agrupamentos’. Létourneau tentou igualmente comprovar sua teoria em Porto Alegre, quando esteve visitando a Feira do Livro. Notou que obras da literatura universal e best-sellers estadunidenses eram muito vendidos, mas que 0 campeiio de vendas, em 1999, foi um dicionério do porto- alegrés, o que comprovaria a sua tese de que ‘0 desejo da maioria dos individuos € o de voltar as culturas de ‘que sio herdeiros para redefini-las com base em uma espécie de alteridade refletida, isto €, com base em uma vontade de reconhecer 0 Outro em Si sem necessariamente ter que se tornar Outro (Létourneau, 2002, p.45). Gostaria de contra-argumentar em relagdo & reatualizagio, apresentando razdes de ordem seméntica. A reatualizagdo implica ~ segundo 0 Diciondrio Houaiss da Lingua Portuguesa —a transformagao fem valor atual de um patriménio antigo. Hé nesse termo um mal-estar ‘que advém do prefixo "re" que remete a movimento para trés, volta a um estado anterior, repetigao, reforgo ou acabamento, semas que, com 2 certeza, vio de encontro ao que 0 autor quer significar com este conceito: "o intelectual deve-se fazer nao apenas pensador junto a culturas, mas também 'passeur' cultural” (p.46). Ora, quando se emprega "re", entra-se na zona do ensimesmamento (repli), do mito do eterno retorno, da nostalgia e da repetigdo. Nao entendo as razées pelas quais © ensaista quer se afastar do conceit prefixo "trans" remete a "para além di passagem ou a mudanga, a transigdo, a transformagio, 0 transversal, 0 ‘obliquo, ete., portanto muito mais adequado & nogdo de "travessia” que quer transmitir adotando a expresso "passeur", que vé no intelectual um condutor, um "atravessador” de sentidos para além das fronteiras territoriais e culturais. Hi na reatualizago uma volta ao passado que pode conter um aspecto de imobilidade, de desejo de reencontrar as raizes, correspondendo a uma atitude defensiva, Ora, Létourneau est nas antipodas da vertente identitéria em que os agrupamentos créem ter encontrado a esséncia do devir universal unicamente em seu estoque de referéncias. O conceito que 0 autor propée revela-se, pois, ambiguo, tornando-se menos eficaz do que 0 conceito que elegemos como nicleo central do projeto de pesquisa do CIEC (Conselho Internacional de Estudos Canadenses): Transculturalismos e transferéncias culturais. ‘O conceito de transculturagao tem uma grande vantagem sobre © ihe é assegurada pela propria etimologia, qual seja, a de estar associado, como jé mencionamos acima, a transformagoes, igSes, mudangas e sobretudo a uma dindmica de inscrigao iturais mais dispares do popularda cultura de massas para dar origem a montagens novas ¢ originais. Concluindo, ainda que de maneira provis6ria, essas reflexes em tomo dos processos transculturais € suas implicagdes para a formagio cultural das Américas, & vilido afirmar que, na base de um conceito 1a p6s-modernidade como o de hibridagao cultural, por exer m-se processos de transculturagio, pois 0 sujei transculturagdo situa-se entre (pelo menos duas Iinguas e duas definigdes da subjet cconstantes entre elas. Acreditamos ter conseguido mostrar quanto foi imperativo, na realidade do Novo Mundo teorizar, em momentos diversos, 23 as conseqiiéncias das fricgdes de conceituagées que, embora ressurgindo com apelagies ai somo transcult | sapa realizado — sobretudo no ambito da cultura popular~ de minimizar } tos danosos para a diversidade cultural representado pelo igo parece ser o de impl anco/negro, etc.) para en ‘constantes mesclas, telescopagens aberto ao reaproveitamento e a reciclagem de vestigios cculturais de origens diversas alijados da cultura das elites. [REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ABREU, Leonor de. Recusa global in: BERND. Z., org CD-ROM :Anologia de exo fundadores ice Universiy Pres, 25 AMERICANIDADEE AMERICANIZACAO ZILA BERND Definindo os objetivos s objetivos da presente reflexdo so muito ambiciosos, talvez CP oseciademoeate smbicione,& por iano pode ed percurso fique inacabado, Mas )s que valha a pena tentar refazer a trajet6ria que 0 conceito de americanidade perfaz. através das ‘Américas, retragando seus deslocamentos, suas transferéncias © as razSes pelas quais ele é ora reivindicado ora rejeitado, pairando quase sempre to difano da ambigtidade. Iustifica-se/0 esforgo por) jimamente associado S questdes de identidade, io de afirmagao ident extraordindria heterogeneid: ontinente americano, esta proposta parece irriséria: como se identificar algo com tantas facetas onde convivem a riqueza e a pobreza, onde os desnfveis econémicos e sociai io imensos e onde tantas culturas se mesclaram em diferentes momentos de sua hist6ria? Outro obstéculo talvez ainda mais dificil de vencer é que a proposta de adesio a uma identidade continental obriga a romper \ com os tradicionais pontos de referéncia étnicos, lingilfsticos e nacionais | que sto os que, via de regra, eriam entre os individuos a nocao de pertenga uma comunidade) A grande vantagem & que a nogio de americanidade 26 ~com suas variantes "américanité" e "americanidad" —obriga.a introduzir aa dimensao da alteridade na reflexio sobre o identitrio, podendo se ;pararas populacdes S. Antes de entrar na questio propriamente dita da migragio do conceito de americanidade através das Américas, para questionar a lade ou nao de sua utilizagdo no despertar do século X: ainda que brevemente, alguns esforgos jé empreen tentarapreendé-o e projeté-lo no Ambito dos estudos |. Em 1995, Literatura UFRGS), onde 0 conceito foi usado no sentido de pertenca a América, com énfase na possibilidade de contribuir para o esgargamento de determinadas fronteiras indevidamente impostas entre as literaturas americanas, permanecendo a Europa como comparante incontornével. ivro foram langados desafios para a pritica de um comparatismo rio interamericano. No mesmo ano de 1995, Imprevisiveis Américas (Sagra Luzzatto! ABECAN) teve a intengao de discutir questées de hibridagao cultural nas trés Américas e de se interrogar sobre a lade de as Américas possufrem uma cultura que, apesar de sua prodigiosa heterogencidade, teria em comum 0 trabalho de e sobre 0 hbrido. Em 2000, essa obra coletiva teve uma versio revista e aumentada, editada em inglés, em Amsterda, sob o titulo de Unforeseeable Americas: questioning cultural hybridity in the Americas, onde foi empreendido o uestionamento mais aprofundado da hibridagio cultural nas Américas. A cctiagdo do GT-Relagées literdrias interamericanas da ANPOLL, no ‘ano 2000, deixou claro o interesse de mais de 20 pesquisadores de diferentes universidades brasileiras em exercer um comparativismo literdrio entre as Américas, exercicio esse que implica a revisio de muitos conceitos te6ricos, entre os quais o de americanidade. ‘Nossa caminhada seré longa, pois temos que, antes de mais nada, nos entender sobre o que significam as expressdes americano/a, americanidade, americanizagdo e até mesmo América. Se formos buscar ajuda no Diciondrio Houaiss da Lingua Portuguesa, ele nos confirma que "americano" é uma nogo imprecisa, relativa em geral & Américado Norte, em especial aos Estados U sm uma segunda acepgio, ‘ou a qualquer pais deste 27 americanos dos Estados Unidos ¢ "americanizagao" € 0 efeito de americanizar-se, de querer tornar-se semelhante aos cidadiios que vive. nos Estados Unidos da América por admiragao ao seu modo de vida. A ambigilidade vem do fato de esses cidadios nao se nomearem estadunidenses, mas americanos, num proceso metonimico hipervalorizante. Enquanto os habitantes dos pafses latino-americanos estavam se empenhando em se definir como argentinos, uruguaios, colombianos, brasi icados em resolver a questio da identidade naci estadunidenses se apropriaram dos termos ‘América "americano", fazendo com que hoje, quando se fala de “cultura americana” ou “cinema americano" ou simplesmente quando dizemos que "fulano & americano", por exemplo, associa-se 0 a primeiro lugar, aos Estados Unidos. ‘Uma das personagens de Noé! Audet, ao viajar do Quebec aos Estados Unidos, € impedida de entrar no pais pelos funcionérios da alfindega que a profbem de entrar na" América”. "Sans blagt js ont usurpé leur seul usage le nom d'Américains” (Audet, 14 Maximilien Laroche, em seus ensaios, desde 0s anos alertando para esta situagdo que nos impede de nomearmos ngs mesmos de americanos sem correr orisco da ambigtldade. Ele chama 1 atengio para a necessidade de romper com 0 cfrculo vicioso que une ‘obrigatoriamente "uma certa palavra a uma coisa: a palavra americanidade, por exemplo, e a realidade América do Norte e, mais particularmente, ‘essa palavra ea realidade dos EUA" (Laroche, 1992, p.193).O interessante no texto de Laroche é que ele ndo apenas constata a apropriagio do termo pelos estadunidenses, como destaca os efeitos de ambigtiidade que dela decorrem, passando para uma argumentagao vigorosa em favor da reversiio dessa situago e propondo que redescubramos a América, ou que juntos ~ latino-americanos, antilhanos, brasileiros, quebequenses —areinventemos. Nesse sentido, ele cita os autores Bell Gale Chavigny e Gari Laguardia ‘que, no livro Reinventing the Americas, comparative studies of literature of the United States and Spanish America (Cambridge University Press, "ojo & brincadsra, protest le moro na América! Ela tm Vontade de gritar hes nr, ‘izethes que eles wsurparam, para sou uso particular, @denominagao de amercanos" (A teadagso€ minh), 28 1986), afirmam que "a reinvencdo da América deve comegar pela demonstragao (revelagio) da incoeréncia retérica que cometemos a cada vez que designamos os Estados Unidos pelo signo ‘América’, um nome que pertence de direito aos hemisférios” (Chavigny ¢ Laguardia, 1986, -VIIL, apud Laroche, 1992, p.195). Percurso brasileiro ‘No século XVII, José Basflio da Gama compe O Uraguai (1769), ‘obra que esté nos fundamentos da identidade nacional, invocando o "génio ), 0 que corresponde a personificago da ‘Musa invocada inicialmente no canto I, Menciona ainda, no canto V, a "Liberdade Americana’ (com maitisculas)e refere-se aos indios vencidos das Misses jesufticas como o "rude Americano que reconhece as ordens tha © a imagem de seu rei prostrado adora" (Gama, V, 137- imo Sétimo, em relagdo aos escravos: "e passam da mesma Africa a América para viver e morrer cativos" (Vieira, 1981, p.84); ou 0 Sermo do Espirito Santo: "e o pudera dizer com muita razio aos nossos da América” (Vieira, 1981, p.142). Mas talvez seja no Sermio da Epifania que aparega mais nitidamente sua concepgao da ‘América como um todo onde o Brasil se inclui, Menciona ainda o fato de ‘os trés reis magos representarem a Asia, a Af ‘© Novo Mundo, como fica, indaga 0 padre (Vieira, 1957, p.206-209), clamando para que essa nova terra seja mais respeitada. Destaque-se portanto que, no que se refere ao Brasil, nem sempre se cometeu a “incoeréncia ret6rica” de que falam os eriticos acima mencionados, pois a historiografia literéria brasileira nos mostra que, do século XVII a0 XIX, circulava a palavra "americano" em referéneia 0 Brasil. José de Alencar, no prefiicio ao romance Sonhos d'ouro (1872), a0 introduzir a expressio "literatura nacional", fala em "seiva americana": A literatura nacional, que outra coisa nio¢sendo aalmada pia, {que transmigrou paraeste solo virgem com uma rag se impregnou da seiva americana desta terra que regago e cada dia se enriquece ao contato de outros povos e a0 influxo da civiizagao, 29 igo determinow uma busca de afirmaga0 sur soi (no ensitiesmamento), num retomo nostalgico ao passado e numa ites da provincia. A célebre os quebequenses) é reveladora ja para a determinacao e Itura quebequense foi, A representado pela ‘comega a haver uma abertura no debate identitério, com a inclusio de lum niimero maior de interlocutores, representados pelos nur desenvolvimento de uma apagamento do sentimento de pertenca a uma sociedade distinta, 0 Quebec. ‘A americanidade nao se confunde com americanizagio (assumir ), pois remete — a0 contrério — a insergfio de um 32 (2001), que introduz 0 conceito de americanidade da francofonia como ‘uma pluralidade de pontos de vista e contraponto dialégico & ago. Gérard Bouchard, em Gendse des nations et cultures du Nouveau ‘Monde (2000), vale-se reiteradas vezes do conceito de americanidade emprestando-Ihe um sentido de resistencia & atitude de buscar sempre referéncias na Europa. Para ele, 0 conceito € paralelo ao de afticanidade ou antithanidade, designando|*srsoria das transagdes através das q membros de uma populagao nomeiam.e ou sonham.com. seu habitat" (Bouchard, 2000, p.23). E interessante notar também que americanidade ‘esigna, em sua reflexzo, as marcas que a cultura e o falar populares se distanciarem dos padrées da norma culta emanada da al ).Oemprego que faz do conceito é muito positivo, chegando mesmo a afirmar que s6 emerge uma literatura quebequense, a «qual i nomear a nagao que passaré a chamar-se Quebec, quando a cultura se ona realmente americana, isto 6, deixa-se impregnar pelos neologismos, (Bouchard, 2000, as figuras da americanidade, assim como, lo, em um primeiro tempo, e depois cas da americanidade, Para o autor, & inidade da América Latina esté inacabada porque os proces dade e ruptura (em relagio aos modelos europeus) vém-se nando, € os mecanismos de apropriagao simbélica nao estao ainda amente conclufdos. Jean Morisset é bem mais reticente em relagio logema da americanidade, colocando-o sob suspeigdo, por se tratar Hiolar que niio hé um equivalente em inglés para essa palavra, 0 que nos leva a crer que 0 ideologema nao circula ~ ou a0 menos no com esse 0 de uso corente na At ‘América, a Amie Latina, Latina no século XIX, para sblishar a rent da Aria do name angles cf r6tulo — no contexto angléfono. Nesse sentido, 0 ge6grafo da cultura & comparatista que assinou numerosos artigos de envergadura comparatista Quebec/Brasil prefere falar de Américas no plural, para eliminar toda & qualquer ambigitidade e para introduzir a perspectiva da diversidade e da pluralidade, Pierre Nepveu, em Intérieurs du Nouveau Monde: essais sur les tératures duu Québec et des Amériques, esclarece j& no prefiécio suas es em relagao A nogdo de americanité, segundo ele, neologismo quebequense que freqientemente significou (© novo (Nepveu, 1998, p.7). Contudo, a relagdo de abertura que o autor prope com respeito & América faz do livro um ponto de referéncia obrigatério para quem pretend deter-se na questio das relagSes entre as identidades nacionais e uma virtual identidade continental, 4 com melting pot, na revitalizante proposta de Nepveu, é a possibilidade que a americanidade—ou como quer que queiramos chamar as tentativas de estabelecimento de didlogo entre as Américas ~ oferece as literaturas, por mais ligadas que estejam a culturas particulares, de se 6 Le mythe américain dans les fictions d’Amérique, de autoria do critico ‘quebequense Jean Morency (1994). Comparando autores estadunidenses € quebequenses, conclui sobre a presenga, no corpus ‘um mito unificador centrado no principio da renovacaio. chama de mito americano, o qual constituiria a grande narrativa das metamorfoses do homem em contato com 0 Novo Mundo. e sua tentativa de superacao dos conflites iniciais.. Para encerrarmos, a tentativa de cartografar as migragdes do 34 ideologema da americanidade, no que se refere ao Quebec, € oportuno destacar a posigao do recente artigo (Le Devoir, out. de 2001), Lamonde desabafa, criticando justamente a inflago da nogdo de americanidade nos éltimos tempos, sobretudo a partir da Ctipula das Américas (Sommet des Amériques), 1. Ble quer evitar que a nogao ncias e se torne um novo jidade quebequense quanto a centende por americanidade a (© a aceitagio) de pertencer a0 continente e de vivenciar Lembra que hé uma sintese a realizar e que (odas as herangas, logo a americanidade ¢ a . € que a nogio de americanidade niio deve-se confundir itagio incondicional da americanizagao "ou de qualquer ibenho logemas niio apenas viajam, como também se ‘ese travestem, a exemplo dos tricksters que povoam 0 mericano. Assim, em 1927, quando surge no Haiti a Revue , seus objetivos so os de chamar a atengao para o que havia de jo nas Américas antes da chegada dos conquistadores: os palavra de ordem do manifesto de Normil a Revue Indigene, parece ser oda renovagao, ja rompido, A nogao de identidade apresentada pelos 35 articuladores da revista ultrapassa os limites dos essencialismos como 0 que leva 0s latino-americanos a definirem-se como indios ou negros. ‘Somos antes de tudo homens, arma Sylvain, concluindo que os haitianos devem exoreizaraculpa de ignorara América Latinae tomar consciéncia de que "um perigo comum nos ameaga”, ou seja, a alienacao cultural e 0 franco-tropismo que leva a cultura das elites a adquirir um carter ivo e subalterno. Trata-se, como o Manifesto Antropsfago Falar a partir de um "ponto de vista indigena’, isto 6, aut6ctone, americano é a proposta que encerra 0 tevue Indigéne, coincidindo com os pressupostos seu lema "Tupi or not Tupi". Reatar -rompida parece ser a tendéncia dos , convergindo com as teses da Antropofagia, {que se inspiraram no ritual antropofégico dos primeiros habitantes da América, os tupinambis, para formular sua teoria da regido do Caribe de lingua francesa, (Eloge de la créolité), assinado pelos martinicanos Jean Bernabé, ‘Chamoiseau ¢ Raphaél Confiant. A crioulidade é um agregado interacional (de influéncias recfprocas) ou transacional (acordo que tem. por base concessées reciprocas) de elementos culturais caribenhos, europeus, africanos, asidticos, ete., que a hist6ria reuniu em um mesmo solo. E, portanto, fruto de um turbilhio de significados em um s6 significante, constituindo uma especificidade aberta, contrariamente & negritude que se concentrava em tomo de uma "especificidade fechada”: a einia e a cultura negras. Seus autores distinguem americanidade, antilhanidade e crioulidade, conceitos que poderiam, no limite, recobrit _asmesmas realidades. Os processos de americanizagdo (entendidos aqui no como desejo de tomnar-se estadunidense, mas como proceso continuo de identificagao com as Américas) e o sentimento de americanidade dela decorrente serviriam para descrever processos de adaptacio progressiva das populagdes ao chamado Novo Mundo. Diferente seria o processo de crioulizacdo, que designaria 0 "contato brutal de populagdes cculturalmente diferenciadas que foram levadas a inventar' cculturais, para permitir sua coabitagdo" (Bernabé, et ali 36 Definida desta maneira, a crioulidade englobaria a americanidade, pois implica um duplo processo: - a adaptagio de europeus,aftcanos assticos ao Novo Mundo; levando & criagio de uma cultura sincrét Edouard Glissant, que havia proposto a superagio da negritude de antilhanidade (Discours Antllais, 1981), fornece ices sobre o Diverso e a Relagio (Poétique de la idas bases para a crioulidade. Embora a principio dos signatérios do Eloge, acaba por avalizar 0 0, preferindo, contudo, imprimir-Ihe um carter dinimico, coma lugio do termo crioulizagao, que remete a0 devir inerente a0 (0 de identidade. Em uma publicagao recente, Walter Mignolo (2000, p.239-249) te sobre acrioulidade, que considera um caso especial de pensamento margem (border thinking), em que as diferentes populagdes em senga no espago do Caribe sto chamadas a inventar novos projetos s que Ihes permite coexistr. Setia, portanto, resposta & busca de tra l6gica, a l6gica da diversidade, e de um outro pensamento, 0 samento da margem (Mignolo, 2000, p.247). No contexto do Caribe, vérios sio 08 autores que se ref idade de forma recorrente, como 0 jf citado Max 3tre-lugar que € americano. Afi rica e ndo a Europa (embora sinta- ra dos antepassados). escreverem francés, ‘entre dois mundos, um espago de hibridagdo. J4 que no, nem inteiramente canadense (ou 37 quebequense), ele prefere nomear-se americano, como forma de reconhecet-se em uma identidade mais ampla. Prefere, portanto, ser reconhecido no como escritor francéfono (palavra inventada pelos franceses), mas como escritor americano que escreve em uma lingua francesa crioulizada. Percurso hispano-americano ‘Nao poderiamos concluir esse périplo em busca das apariges, migragdes e metamorfoses do ideologema da americanidade sem relembrar que ele surge na América Latina como americanidad. Aimé Bolafios? nos informa que o conceito de americanidad desenvolve-se acompanhando um longo processo de diferenciagao e de identifica, ‘sublinhando a importincia do pensamento crioulo da Tlustragao, fino, americanos. S itica do presidente norte-americano Mi ‘América Latina, como "A América do Sul para os americanos do Nort ‘Asbases assimilacionistas dessa doutrina otiginaram a “resposta" Iatino~ americana que se expressou através da americanidad. Teriam sido, segundo Avila, a postura dos norte-americanos de se declararem paladinos da democracia que deu origem a uma identidade antagonista na América Latina, opondo as Américas do Norte ¢ do Sul. ‘Nao se pode deixar de mencionar José Marti; quando o tema € a americanidade. José Marti sonhou cont uma América "nossa": no antol6gico Nuestra América (1891), articula seu pensamento em torno ide uma ameficanidade homogénea, ptefigurando uma América "com ‘um $6 peito e uma s6 mente", a unio dos povos ¢ 0 advento de "novos homens americanos", Nao se confunda aqui o ideal de Marti, que corresponde a um ideal da modemidade, de vistumbrar uma América ‘e homogénea, com 0 conceito de americanidade que vimos YaformaySesfomecdas através de mensagem cltrnica em janeiro de 2002 38 tentando construir no ambito desse artigo. Na conjuntura da p6s~ modernidade, reconhece-se a vasta heterogeneidade de culturas em presenga na América e sua capacidade de hibridagio e de aceitagio do viveree em uma harmonia polifOnica, como referem os autores do Eloge lée la créolité, Mart é ainda hoje uma referéncia obrigat6ria por valorizar todos os elementos da América (a sua natureza, a sua cultura, 0 Set Povo rmestigo) € por acreditar na possibilidade de constituir um continente harménico, reconhecendo-se direitos de indios, negros, brancos € crioulos, ‘Deve-se ao cubano José Lezama Lima (1910-1976) uma das reflexes mais licidas sobre a relagio do escritor com a América sobre ‘anecessidade de uma "expresso americana” ,Essa expresso americana se caracterizaria pela proliferago e pela voracidade, no sentido de bertura para a recepgdo de influéncias, pela capacidade de recuperar 3s, vestigios, marcas de culturas desvalorizadas para reencens-las para definir a ori jva conceitualmente da tese da transculturagio sso comprova que, da imbricaglo de aportes culturais os ‘os em presenga no continente, nao hé apenas perdas, mas @ jo de expressdes culturais inéditas. is Américas io percorrido, podemos perceber que hd nuangas s de americanidad, américanité © ,ossa hipétese inicial. Americanidad 39 surge primeiramente como forga propulsora das independéncias e, mais tarde, como revide ao temor de um neocolonialismo norte-americano, estando ligado a determinadas urgéncias de uma América que precisa concluir seus processos de independéncia social, politica e econ6mica.* Quanto & américanité quebequense, trata-se sobretudo de destacar seu cardter francéfono, de reconhecer que a heranga européia niio foi exclusiva e que hé lugares de meméria (lieux de mémoire) incontornaveis acionados & vivéncia americana. Gérard Bouchard fala, em sua obra {citada, em "genese das ages e das culturas do Novo Mundo" e um dos grandes defensores da "americanidade quebequense”. A ies nacionais, repousaria sobre a idades novas ou culturas fundadoras. Lembremos que 10vas so definidas por Bouchard como aquelas que Ivem modelos culturais a partir da ruptura com as metrépoles (¢ no a partir da continuidade, como € 0 caso das coletividades transplantadas). O autor lembra também que esses espacos novos or se erige a nova cultura, embora fossem na verdade jé habitados pelas ‘uma espécie de tempo-zero (ao menos virtual, ¢ as vezes real) da vida social” (Bouchard, 2000, p.15-16).. J4 no contexto do Caribe, 0 conceito de crioulizagao abrange ultrapassa o de americanidade como um desafio de organizar a comunhao "das diversidades humanas que no precisam renunciar ao que elas so" (Chamoiseau, 1997, p.203). Parece que ha aqui uma clivagemem relagao A idéia de “génese" das nagdes e das culturas através dos mitos de recomeco, presente na concepedo de americanidade quebequense, pois, no dmbito da crioulizagao, surge o conceito de “digénese” (Glissant), ou seja, uma negacio da génese, da origem e dos recomegos. Nas Américas, "o ponto de impulso € indiscemivel, e mével, erecapitulativo, indo o nascimento sem comego * (Chamoiseau, 1997, p.204). ‘Segundo E. Glissant, a entrada em contato, no Novo Mundo, das cculturas atavicas (que possuem seus mitos cosmogénicos) dé origem a culturas compésitas que nao geraram géneses, pois no adotaram esses de criagao vindos de fora, até porque sua origem nao se perde na tem uma histéria. No que conceme as sociedades Esse pensamento converge com o de Lezama Lima, para quem a icanidade, ou a expressio americana, emerge com as formas proliferantes e incorporativas do barroco que, nas Américas, gracas a0 trabalho da transculturaco, ao aproveitamento dos restos, dos vestigios © ddas marcas deixadas por diferentes cul ‘A americanidade na América dos processos de transculturacao e de hibridaco com seu valor acrescido da imprevisibilidade. O proceso est inacabado, como sugere 0 historiador quebequense, mas sempre 0 estard, pois os processos de identificagdo esto em continuo devir. O que interessa nao é propriamente ‘acabamento, mas que as trocas, as interpenetragdes € os processos de desierarquizacao continuem a se realizar ¢ que a idéia de uma ‘canidade compartilhada entre o norte e o sul continue a possibititar aco. ‘Colocamos, em epigrafe a esse artigo, versos andnimos entoados pelos colonos italianos aqui chegados no século XIX. Sua curiosidade tem relagio & América era muito grande, e muitas foram as ut se geraram em razio da expectativa da chegada. A América foi pressentida poreles como um "massolin di fior", um ramalhete de flores, heterogéneo, lo. As flores arranjadas em um ramo guardam cada uma sua identidade, mas sua beleza adquire um esplendor maior quando na harmonia do arranjo. Essa pode ser uma utopia oitocentista, mas ‘corresponde a intuigao de um grupo que optou pela América como lugar sho Housiss (2001), digentico ¢o que se desevolve em dois hospedeiros medio e otro defiitiva ~ die de passa (1035). 41 (2 mutation. Québec: Les Presses de Univ. mar, 1980, ad, 1997 Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, francophones d Europe Conte Oris ‘Amsrique. in: PETERSON, M. ls bases dune comparaison, 202. " novas formas de habitar as las pode ser a via de acesso a ia © recuperagio da diferenga Américas e de definir nossa perten americanidade como lugar de resisténci colonial. BERND, Z, oes, Confuences Montreal: Balzac, 1992 Col REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ALENCAR, José de. in: TELES, wonsaetal (Ore) Preficiae de mance brass Porto Alegre: Académ 2p. ANDRADE, M. Macunaina.o herd tom ne ANDRES, B. & BERND, orp ident Bene, 1999, ter. Sbo Paul: Marin, 1975. 1.e luéaice dans les Amériques. Qube: Nota io Paulo: EDUSP, 1997, inking Local histories Global amerigue CAIRO. ER: Francico Ad CANCLINI NG. Consumidoresyciudadana CHAMOISEAU, P COUTINHO, &, do Brasil 2, Seo Pal: Cul Nacional, 1957, NEGOCIACOES IDENTITARIAS E ESTRATEGIAS DE SOBREVIVENCIA EM ‘TEXTOS DE MIGRAGOES NAS AMERICAS MARIA BERNADETTE PORTO (0) de que forma um ser humano pode viver (Gomi K. Bhabha) No mundo em que vaio, estou constatemente a erar-me (ant Fanon) ‘os urbanos como uma das maneit Conforme estudamos ao longo do perfodo nto de outro Projeto Integrado apoiado pelo 4 do, Freqiientemente —e aqui osestudos de Augoyard ) sobre o assunto nos oferecem pistas interes 2001, p.20). Quanto ao Quebec, a questo ide fundamentada até recentemente no confronto entre franeéfonos proteger-se do Outro pela defesa da fos com a Franga ~ ganha hoje um out to da presenga cada vez mais vindos nao s6 da longe de ser (in)definigo identitéria dos quebequenses. Espago por exceléncia da inventividade e da experiéncia dos iteratura constitui um campo privilegiado para a criaglo de, 48 jos marcados pela jo. Enquanto somo Lya Luft (A asa esquerda do icon Hatoum (Relato de wm certo Oriente, Reconhecendo que, ircos s6 vieram a alcangar informada pelos melhores recursos da moderni conversio da experiéncia dos transplantados ~ sem abstr Iongo do processo de reinvengio de sua identidade, eles podem apelar recursos variados que vao desde 0 apego excessivo a sua origem a ymento da mesma. Com 0 jores em que aprofundaremos aspectos dessa temaitica, passaremos a yumas de tais estratégias, partindo sempre de obras iluminadas pela vivéncia da migracio, Em primei ; 6 possivel reconhecer a busca da im de por parte de seres exilados que a assumem como forma de escaparem a situagdes embaragosas de incGmodo ou de confronto. Visiveis demais ~ ‘como € 0 caso dos judeus segundo Moacyr Scliar (2000, p.28)'— eles rocurariam, em certas ocasides, esconder sua estranheza. De fat de serem encarados com neutralidade, parecer marcados pel ou pelo "menos" —como é sugerido por alguns sobrenomes de imigrantes, ‘em que o excesso de consoantes ou a falta de vogais produz.estranhamento nos ouvidos nao habituados a tais sonoridades. £ 0 que aparece na fala de um imigrante italiano, personagem da pega de teatro Déja l'agonie de Marco Micone (1988, p.30), que afirma que todos aqueles que so vistos: como falsos quebequenses possuem nomes em que hé um excesso ou uma caréncia de vogais. Assim, no seu cotidiano ling parecem dotados de “une langue en trop", "une langue en moi evocarmos 0 subtftulo de um livro de Robin (1993). O fato de os imigrantes nao poderem passar despercebidos diante dos nativos de seu " Embora a queso da idenidade judia merega um estudo& pate ~ 0 que nto nos tress no momento ~ ela nor pemite compreendr vis aspects da situa do stranger, confor apoata Régine Robin (1993), 50 de adogiio € retomado, sob outro angulo, pela personagem Sassa, ance Les lettres chinoises, de Ying Chen. Nesse livro, construido mia epistolar, essa personagem mostra para onoivo, recém-chegado ua dificuldade de deixar a China, seu pats natal: Nadia é mais valioso do que a felicidade de um desaparecimento ‘completo de si mesmo. Por isso ndo tenho medo de abendonar ‘uma lingua por uma outra, Nao tenho medo de ser estrangeira. sumo, no tenho medo de me apagar aos olhos dos outros dos meus. Nio, ndo é isso que me assusta no exilio. Ao eu tenho medo de me tomar visivel demais em outro pais ( Iranqiilas do que nas luzes curiosas (Chen, 1996, p:36).. Him outras palavras, o femor do exilio em Sassa decorre justamente jo espago do Outro seré muito dificil para ela conseguir ito da homogeneizago, 0 que ela obtém na sua Jo Iiyguas, wo contrario do que se diz de Babel, nfio aponta jis antes para a perda das diferengas. ‘Jogo colonial © por todo mecanismo de los (ou nos) seres dominados, prefere no romance “que Kafieram 0 processo colonial. Ao se de up magamento de uma (Olivier, 1994, p.184) ~ os "4 sobreviver, recorrendo a impossiveis ‘permanéncia num pais que parece isfzer e de se refazer. jue se Valet exilados refere-se a possibitidade de York), resolve rever seu pais natal ap6s uma década de permanéncia no Canadé. Contrariamente a0 que esperava, Amparo nao consegue reencontrar a cidade de sua infancia nem a propria Cuba, "pais longinquo, irreal, onirico” guardado por entre as brumas das reminiscéncias de uma ‘menina (Olivier, 1994, p.43). ‘A defasagem entre o pais real eo pais das lembrangas se confirma no romance Nur na escuriddo (Miguel, 1999), onde a distancia temporal ‘eas profundas modificagdes do Libano nao impedem Yassef de se ancorar nas suas paisagens afetivas. Assim, pouco adiantaria mostrar-Ihe que "o Lfbano de décadas nem retrato na parede € mais", pois o que conta é"o com macieiras em flor, timaras e figos mas, escarpas onde os cabritos se escondem (Miguel, sr mais que As vezes negue, niio pode imaginar-se que no pl tulda criativamente pelas tintas da memraf ancestral e pelo repert6rio de lethbraneas de na ‘que acumulou ao longo de toda uma vida: De repente no era apenas o seu Lfbano dos tempos de crianga e adolescente que Ihe surgia integro, era todo o mundo drabe que de vérios mundos érabes, de seu patrimnio ao coti experincia dos imigrantes no cenéio. pessoas oriundas da itha , depreendemos uma frase que parece ilustrar 0 que se passa "Reinventar tudo, claro, ¢ 0 tempo todo. 0 (Chamoiseau, 1997, p.298), imma ainda ter-se inspirado em narrativas autobi tle autoras vinculadas a0 Libano. Ana Miranda lade da lingua arabe e de receitas da jr suas memérias, a personagem parece Pilavras como se aspirasse odores, misturando sabores {orra de origem: Bie ova cpt cus vin motrin mma nce ia hmhhmbyai no para de mexer iranda, 1997, p.13). involuntéria proustiana, trechos centrados \s desencadeadas por cheiros adquirem marcadas pela experiéncia do e: Eo ‘ocheiro da mexerica’, es, em que a vivéncia da desterritorializagao € vista como ‘esma carta insinua que o personagem jé se encontra w hagamento (no é casual a escolha das palavras no inicio do texto: valado de seu pafs: a0 dizer que ele nfo gosta mais de salsicha ‘acos, Pedagos. Fragmentos. Tudo arrebentado. Estilhagado. Ab, Tabricada na sua aldeia, ele parece sugerit que "o imigrante conhece ‘os de mim, relembra a cangio") (Esteves, 2000, p.55). Arraigado sao ueeseao de desapropriagdes pelas quais sua identidade se constr6 hhostalgicamente ao cheiro de frutas de seu pafs natal, diz.o narrador: vem eessar® (Porto, 2000, p.67). Assim, por meio do jogo de negociagoes ‘ganhos, personagens migrantes je um proceso em abert. sobrevivéncia desenvolvidas ras em que se permutam perdas & aboram-se constantemente através d ‘Vimos até agora lgumas estratégias de tea experiéncia da migragio, dentre as quais destacamos a procura = idade, a reinvengio da origem e miltiplas tentativas de se Valencia e Malaga, nem mesmo as importadas do Marrocos ou val, Todavia, éno plano anaes daGrécia, nenhuma delas superava o cheiro forte da mexerica de ares rninha infincia, Ouvia a vor de minha avé dizendo que chupat 3 mea tima era bom para os rinse anelava ardentemente $2 ‘meio-amargo da lima e seu suave odor. Nunca mais se perfumes, cheguel a temer, nos momentos mas di ¢ estratégia textual, a pritica Peta nostalgia pela distincia, quando parecia que a morte poderia Anno € adotada em textos migrantes de modos diversos. Além de tolher-me a qualquer instante (Esteves, 2000, p.58-59). c ssfrio que acompanha 0 romance, superficie do texto, como se d no mesmo livro ou de Milton Hatoum, as onde, por exemplo, na pagina 21 se reconhece @ .¢ 0 odor da mistura de ‘ sdifer ‘nova terra, maksuna"; "sadig, amigo”. ‘eséneias acompanha um dos personagens nos seus passeios pela cidade de Manaus. Enquanto figura da hibridagio, salada ha muito no norte do Br fratas tropicais (cuptagu, graviola) de um cheiro longinguo que emana de seu passado. “Frutas para saciar 0 olfato, ndo a fome", levam-na a recuperar, pela imaginagio, o enebriamento provocado pelos figos d8 s ua infinela, cujo aroma, por sua vez, “era a ponta de um novelo de ‘assim, guardam as suas diferengas. Para hhist6rias narradas" (Hatoum, 1997, p-89). rientagao causada num libanés pela chegada Tmpulsionados pela falta de bens culturais préprios des jo 0 introduz. no cotidiano brasileiro a partir origem, sees exilados procuram compensé-la pela aquisiga0 de aliments ‘cos de sua terra. Como mostramos em outra ocasiao (Porto, .ga de Marco Micone (1991), um personagem Pecém-chegado a Montreal pede, numa das cartas a sua mulher, que el Ihe envie queijo e dois litros de azeite produzidos na sua aldeia nat ‘Apesar de seu carter simples, tal pedido revela que, para atravessay 0 personagem recorte & meméria gustativ ranifestagio de fidelidade a sua origem. Ora, uma pequena observ ‘Sempre tive fixago por algumas frutas, Lima, jaca, mexerica ‘Abacate nem tanto, Durante todos esses anos, sentia, perambulando nos mercados espanhdis, o forte aroma da jaca Patrando-me pela narinas. Nem as mais finas mandarinas de que mits vezes oferece mais do que 2 rota bebida sleolca destilads 56 se viver "Outra-mente", para retomarmos a citagio de Bhabha (1998, p.103); gaa a prime igh eve que explcao ritual, ra para [Na verdade, o processo de aprendizado da lingua portuguesa por parte da familia de Yussef comegara jé no cais do porto, no momento simbélico do "Fiat lux", quando o motorista de téxi, com 0 gesto de ina aos recém-chegados a palavra "luz", que passa a ser designado a partir de sua id José (Miguel, 1999, p.23). Como sé nao bastasse a tradugao de seu nome ppara o portugués, com passar do tempo, © mesmo personage é Aqui tocamos numa possibilidade interessante de reinvengiio de nomes e palavras no Brasil feita por personagens Ainda em Nur na escuriddo, € dito que aqui "acaba-se é abandonando. ica numa passagem em que, ao se referit a0 arroz cot lentitha ~mjadra ~ o narrador lembra que, enjoados de comerem ser 1999, p.72). A refere inocente: enquan 1994, p.274), 0 alimento remete aqui ndo tanto ao prazer da boca que 58 absorve, mas sobretudo a uma outra forma de o1 levorar” a cadeia fonica do idioma de origem, contami dizer, pelos ecos de um novo significante aprendido no E também no romance Nur na escuriddo que encontramos outra referéncia interessante a rei gua materna no espago do Em certa passagem, € 10 mais velho estudou arabe 1m os pais em casa e rudimentos do alemiio com um professor particular. jais tarde, ele descobre que "era ¢ nao era bem aquele idi endo recriadas ¢ acomodadas de acordo com as necessidades locais 1999, p.168). Isso sugere que, nos contatos entre seres migrantes, pelo rogar criativo do jogo de (des)apropriagées plurais. De tudo 0 que foi ressaltado até agora, acreditamos ter ficado ito mais do que a representagao de uma fala mais ou menos wevisivel atribuida aos imigrantes — como é 0 caso de 'stou descer” no caso de falantes do érabe (Miguel, sntam-se, pela sua prépria poeticidade, enunciados iaem Amrik, no qual sobressaem o estranhamento Jo das nguas portuguesa eérabe ou ainda passagens Miguel em que, das rece surgir um terceiro: ‘capazes de resolver impasses ¢ impos ‘Aqui deve ser evocada a representagao do amor como estratégia ‘em que se dé 0 encontro de sas que se complementam para além das fronteiras cculturais. A esse respeito € reveladora a descoberta miitua no plano afetivo igemamerindia ‘bagagem, do rio Sdo Lourer eseritora egipeia Mona Latif Gatthas, que participa da literatura migrante do Quebec. Recebendo-o na sua casa e n0 seu corpo, cacos de ‘Ao longo dessa hist6ria de amor construfda ~ ainda que ‘uma vez, confirmam-se @ -m e a importincia da defesa p.86), Tal € 0 consetho dado pelo p: ‘mais tempo no Brasil, ao ini mais experiente, vivendo hi ‘Yussef, que, com 0 apoio do outro, aprende, pouco a pouco, a dominar os segredos da no so raros os mascates que transitam € 0 caso de Amrik (Miranda, 1997) ou das reminiscéncias de Carlos Drummond de Andrade que, em Boi tefere-se aos turcos, nascidos "para vender / bugigangas coloridas em lantes", Emboraseja freqilentemente associado aos turcos, de mascatear também foi adotado por judeus, . para quem esse comércio ambulante era uma iche "tchik". Segundo Scliar, com mercadorias fazenda) num pacote ou num balaio ‘20s bairros populares para vender suas jorias de porta em porta. Precursora do credisrio, tal pritica se dda palavra do outro: vendendo a prestago, 0 ‘anotava as dividas num cartdo e o pagamento era feito na fianga, Dessa pritica teria surgido também o termo gravata era um dos principais produtos vendidos pelos imascates, que conheciam, de perto, ‘a gravata constitufa um objeto ,, de Moacyt Scliar: escolha fortuita. Havia para tal mercadoria retudo no centro dacidade. Lé, gravata lade. O homem que ia pedir empréstimo wwata. O rapaz que procurava emprego ran Barbosaem que aparece o "aati" hoje no me de (Sei, 2000, 43). precisava de gravata, O cavalheiro que, &noitinha, levava a dama ‘a um cinema elegante precisava de gravata, Gravatas baratas, obviamente, descartaveis mesmo ~ mas contendo, no desenho simples ou complicad hieréglifos capazes de revelar aos iniciados os segredos da fama e da fortuna (..) (Seliar, 1998, p59). sugere a continuidade da movéncia no cotidiano vi ‘Ao carregar em suas costas a canastra com mercadorias diversas, v segundo os interesses dos cl i seu pafs de adogao, pois, como se tivessem consciéneia de que ohomem iar e de que o ser humano pode sempre viver sates" de sonhos, smporaneidade sugerem= lo resgate de Babs REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ALEJO CARPENTIER: PASSOS NOS CAMINHOS DA IDENTIDADE ELENA PALMERO de novo alento discurs e, conseqilentemente, gerador sero as décadas de quare ‘temporali protagonismo na metade do s Conjuntamente, os textos manifestaram uma not6ria manipulagao ygico para dar corpo a um nna expressio de 1uragio operado em nossas terra. ,, que nesse contexto incorp ivo e verbal da ficgdo um universo de ,€0 romance, como argument debate, interessando-se em explicar ‘que ja neste momento goza de evidente de 50 um conjunto de textos em que 0 que 0 tempo é um caminho para entender a caso do escritor cubano, uma forma de compreender 0 crizamento de cronotopos culturas que definem o perfil de nosso sincrético continente Recordemos rapidamente que de 1949 a 1959 si escritos El rina rivecn ane © de este mundo (1949), Los pasos perdidos (1953), Guerra del tiempo aT ae) eae erica (1958) e El siglo de las luces (1959), textos nos quais Carpentier a de esados cada vor mas prmaines ee ua ¢ conflituosas, correlaciona tempos que uma metafisica da presenga € = e fim quando, & procura de " Siellieenepnctatcannece eal cigs cena eae li Debate, também, uma identidade em mudanga e continua transformagao, esa répida apresentagao,€ posohel weer resco a selva sempre segundo paradigmas de escrita, em que as coordenai sno romance: um tempo fabular que tonto el G (0s eect compositivas do tempo instauram relagdes narrativas e comunicati ober ay : a), eque d de extraordindria originalidade, sobretudo se pensamos que esse me fap Frage seeundo nossaconvencional dle entender a temporalidade do relato institu a metaficcionalidade & rico referencial mais ou menos hibridez, marcas tipicas de uma n iio spiritual e fisica dessa viagem, tneira, no presente da enunciacio, ficam reduzidas das les de natureza inversa: um tempo que anda com as % consigo © protagonista europeu; e um tempo 10 que ele vai percorrendo como ele mesmo o batiza. neste contexto, parece si uma visio sobre a América e complexa identidade nascida de confluénci retrocessos, encontros e desencontros. Espe do sujeito carpenteriano que questiona toda a nogiio de sujeitoh se configura em uma identidade em continua transformagao, Los pasos perdidos adota compositivamente 0 m viagem, cronotopo narrativo de longa t ist6ria cont i y especialmente significative em nossas letras | tada, ¢ sim a descrigdo dessa 42s pasos pers, o presente do comar forma de didrio ou carta para nomear um mundo em gestacio, € ph cerdnicas dos viajantes cientificos do século XIX também a + mogbes ® segundo uma percepgao estruturada e 78

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