O artigo versa sobre a situação geopolítica no Oriente Médio a partir do fim da Guerra Fria (1991) e os seus desdobramentos para a evolução da doutrina militar. Foi produzido durante o Curso de Aperfeiçoamento em Operações Militares, realizado na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO), Rio de Janeiro-RJ, no ano de 2008 e publicado na Revista do Exército em 2009.
Título original
O Ambiente Operacional Do Iraque e Suas Implicações Para a Evolução Da Arte Da Guerra_Rafael Farias
O artigo versa sobre a situação geopolítica no Oriente Médio a partir do fim da Guerra Fria (1991) e os seus desdobramentos para a evolução da doutrina militar. Foi produzido durante o Curso de Aperfeiçoamento em Operações Militares, realizado na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO), Rio de Janeiro-RJ, no ano de 2008 e publicado na Revista do Exército em 2009.
O artigo versa sobre a situação geopolítica no Oriente Médio a partir do fim da Guerra Fria (1991) e os seus desdobramentos para a evolução da doutrina militar. Foi produzido durante o Curso de Aperfeiçoamento em Operações Militares, realizado na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO), Rio de Janeiro-RJ, no ano de 2008 e publicado na Revista do Exército em 2009.
Vol. 146 — 1° Quadri
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Iraque e suas implicagoes na
evolugao da arte da guerra’
Introdugio
ipés a dissolugdo da Unido Soviética e o apa~
Tent fim da confrontagao bipolar, no inicio da
~ década de 1990, os Estados Unidos da Améri-
ca (EUA) continuaram a manter uma parcela
do seu orgamento piblico em um padrao que,
na média, mostrou-se bastante comparivel aos
niveis da Guerra Fria.
A partir de 1998, no segundo mandato do
Presidente Bill Clinton, é langado um progra-
ma de aumento do orcamento destinado aos
gastos com as Forcas Armadas. Essa tendéncia
passa aser acelerada a partir dos atentados de 11
de Setembro de 2001, como Presidente George
W. Bush. Da década de 1990 até o presente
momento, 0 orgamento militar dos EUA, que,
anteriormente, correspondia a dois tergos damé-
dia mundial em 1995, passa a corresponder a
metade em 2005, 0 que levou a aumentar o fos-
so existente entre os orcamentos militares em
todo o mundo.
A invasio do Kuwait pelo Iraque em 1991.
propiciou a Washington demonstrar que o fim
da Guerra Fria ni iria significar 0 término do
papel de gendarme assumido pelos Estados
Unidos. Assegurar 0 controle do Oriente Mé-
dio — que detém dois tergos das reservas mun-
diais de petréleo — tornou-se um formidavel
*Colaboragio da EsAO,
Oauroré Capitio de Engenharia
Rafael Farias”
trunfo frente tanto aos seus aliados europeus e
japoneses quanto a China, todos dependentes
dessa fonte energética.
Em 1991, adespeito da dissolugao do Pac-
to de Varsdvia, os EUA decidem nao somente
mantera Organizagio do Tratado do Adlanti-
co Norte (Oran), como ampliar seu ntimero de
membros. Nesse sentido, a organizacao é sub-
metida a uma redefinigio no seu papel: é trans-
formada de alianga defensiva em organismo
de seguranca. A partir de 1994, Clinton deci-
de aumentar sua 4rea em diregao ao leste euro-
peu, na antiga esfera de influéncia soviética, a
qual era mantida, principalmente, por inter-
médio do Pacto de Varsévia. Dessa forma, pai-
ses que, durante a Guerra Fria,adotavam como
sistema politico o comunismo passam a inte-
grar aalianga atlintica, Em 1999, Polénia, Hun-
gria, Repiblica Tcheca e as trés Reptiblicas Bél-
ticas da ex-URSS — Lituania, Letonia e Esto-
nia— tomam-se membros, ¢, no ano de 2004,
Bulgitia, Roménia, Esloviquia e Eslovénia tam-
bém aderem a organizacio. A expansio da Otan
em diregio ao leste visa, ainda, integrar mais
uma ex-repiiblica soviética, a Ucrinia, algo que
poderia alterar definitivamente o status guo do
cenatio europeu em favor dos EUA.
No que concerne a redefinicio do papel
da Otan, durante a guerra na Bésnia, em 1994
€ 1995, ela atuou como braco armado aéreo daOnrganizacdo das Nagdes Unidas (ONU) e, pela
primeira vez na sua histéria, entrou em guerra
no Kosovo —margoajunho de 1999. Comisso,
a Otan passa a cumprir um papel suplementar
atuaco dos BUA em éreas nas quais Washing-
ton nfo quer se engajar diretamente, como
ocorreu no Kosovo e vem ocorrendo no Afega~
nistio, ondea organizacio tem progressivamen-
te substitufdo os EUA no pais.
Na Asia, os EUA renovam sua histérica
alianga com o Japao e se opde frontalmente a
qualquer medida de Pequim em relagio aTaiwan.
Além disso, aumentam as pressdes contra a
Coréia do Norte, aliada chinesa.
Os atentados de 11 de Setembro ea sub
sequente invaso ao Afeganistio permitem 20s
EUA nao somente se restabelecerem militar-
mente, mas também estender sua area de in-
fluéncia em direcio as ex-reptblicas soviéticas
da Asia Central, particularmente Usbequistao
¢ Casaquistio, e sobre o Caucaso, na Georgia.
‘Com isso,os EUA conseguem estabelécer bases
militares e aumentar sua érea de influéncia em
uma regio estrategicamente situada entre seus
dois rivais potenciais — China e Riissia—, os
quais esto em plena colaboraco militar.
A invasio do Iraque em 2003, em busca
de supostas armas quimicas, bacteriolégicas e
nucleares, encaixa-se nessa estratégia. Nesses
termos, tratam de assegurar sua érea de influ-
éncia sobre duas das mais importantes regides
detentoras de jazidas de petrdleo, No Oriente
Médio, mais do que controlar a produgao € 0
fornecimento desse recurso energético, é ne-
cessario manter sob controle uma regiao vital
para a Europace para o Japio. Na Asia Central,
por sua vez, trata-se de assegurar o controle de
uma érea que também € rica em petréleo e, além
disso, conter a franca expansio mussa. Histori-
camente pertencente ao espago de projecio so-
viético, ela também é importante para a ma-
nutengio do crescimento econémico chinés por
causa de suas fontes energéticas.
‘Aguerrano Iraquee suasimplicagées
O teatro de operagdes, com o qual o Exér-
cito dos EUA se depara a partir de 2003,¢ res
ponsével pela implantagio de significativas mu-
dangas, particularmente no que se refere 4 dou-
trina. Durante a década de 1990, com os con-
flitos na Bésnia, na Somalia e no Kosovo, passa
ase tornar mais frequente o combate em locali~
dade. A guerra no Iraque tem servido,dessa for-
ma, como um palco para a experimentacao e
consolidagio da nova doutrina do Exército dos
Estados Unidos. A especificidade do combate
urbano a insurgentes é responsivel por grandes
modificagdes. Nesse sentido, percebe-se que:
1) foco dapreparacio da tropa paraocom-
bate deve estar voltado parao soldado. Eleé quem,
de fato, representa a operacionalidade da tropa
pela qual combate. Os equipamentos militares
séo, na verdade, um meio para que ele cumpra
da melhor maneira possivel a sua missio;
2) O combate a insurgentes eo combateem
localidade, ou combinagio de ambos, mostram
que o tradicional cenario da guerra regular, base
para.o adestramento da maioria dos exércitos em
todo o mundo, parece estar sendo relegado 20
campo da Histéria Militar,
3) A surpresautilizada pelos insurgentes, bem
como o emprego de uma combinagio de titicas
‘ndo-convencionais de combate emétodosrudimen-
‘ares para guerrear mostra uma certa tendéncia para
aguerra do século XI: a tecnologia militar nao é
mais predominantemente decisiva para avit6ria.
Decorrem disso algumas importantes aplicagées:
a) Torna-se extremante relevante o desen-
volvimento dos atributos da area afetiva duran-
te a preparacio eo adestramento das tropas. O
combate modemo, particularmente em locali-dade, exige que a lideranga ¢ a iniciativa sejam
desenvolvidas em todos os escaldes, principal-
mente entre os soldados.
b)Noquese refere & conquista de uma de-
terminada localidade, mesmo que, para o cum-
primento dessa missio, seja designada uma bri-
gada ou uma forca-tarefa valor batalhao, serio
0s pelotées e, mais especificamente, os grupos
de combate que, 20 conquistarem seus objetivos,
determinariio o sucesso da missiio. Nesse sentido,
aumenta a importancia do adestramento das
pequenas frages, uma vez que, at
ria das vezes, isoladas, deverio estar aptasa levar
a cabo o cumprimento de suas missdes sem
depender de ordens dos seus superiores imedia-~
tos. Também se torna importante o treinamento
de diversos tipos de condutas a serem tomadas;
4) A atuacdo dos insurgentes também pro-
voca intimeras modificagdes no que se refere A
logistica. A conquista da cidade de Bagdé no
ocorreu exatamente conforme havia sido plane-
jada em virtude de problemas quanto ao trans~
porte de suprimento, Os comboios logisticos tor
naram-se alvos preferenciais para serem destrui-
dos pelos insurgentes. Com isso, a logistica sofre
‘uma evolucio no seu emprego. Em vezde se res
tringir a entrega do suprimento, ela se toma uma_
missio de guerra, na qual aumentam significa~
tivamente os aspectos referentes 4 seguranga e,
principalmente, ao ataque; e
5) O combate em localidade dificulta nao
somente a logistica de suprimento, mas tam-
bém ade saide. O atraso na chegada do pron
to atendimento médico tem sido responsavel
por causar baixas, até mesmo em feridos recu~
periiveis. Por causa disso, o combatente tam-
bém precisa estar pronto para executar proce
na maio-
Referéncias
dimentos de primeiros socorros. O adestramen-
to da tropa também deverd incluir, portanto,
métodos eficazes para que o prprio combaten-
te prepare os feridos para a evacuacio.
Sendo assim, percebe-se que, a despeito da
grande disponibilidade de equipamentos mo-
dernos por parte do Exército dos EUA, houve
‘uma grande necessidade de adaptacfo ao ambi-
ente operacional iraquiano.
Ensinamentoscolhidos
A busca por novas fontes energéticas ¢ de
‘matérias-primas mostra-se como mais provivel
linha de ruptura poder desencadear conflitos
armados. Nesse sentido, a guerra assimétrica no
Traque, em que um exército dotado de um for-
midavel aparato bélico encontrou crescentes difi-
culdades para enfrentar tropas com equipamen-
tos rudimentares, apresenta-se como um desafio.
O que se percebe na evolugao daarte da guerraé
que, mesmo com a progressiva implantagio da
tecnologia do combate, a importincia do com-
batente é fundamental. Isso nao implica, entre-
tanto, que armamentos modernos deixem de ter
relevancia para garantir uma maior probabilidade
de vitéria em campanha. Sucessivos reveses en-
frentados pelas tropas americanas no Traque,pro-
piciados por insurgentes dotados de armamentos
menos letais, indicam que o combate em locali-
dade necesita de uma constante revisio doutri-
naria, tanto por parte da tropa quanto por parte
do armamento por ela empregado.
E de suma importancia acompanhar essa
tendéncia da evolugao da arte da guerra, pois o
sucesso em campanha dofavante serd ditado
pelo exército que mais bem souber empregar a
simbiose soldado-tecnologia.
LATLAS DU MONDE DIPLOMATIQUE: COLIN, Armand, Paris, 2006, paginas 62,63, 152, 153,157,158 e 159.
POLITICA EXTERNA, Editora Paz e Terra, volume 12 n° 1,Junho/Julho/Agosto 2003, paginas 31 a 41.