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vy: KRY ivse Ah Ni SAA artigo trata da questdo da cidade ideal versus a cidade real, mapeando sinteticamente as raizes histéricas da imaginacdo utépica no urbanismo, como uma tentativa de superagao do presente defeituoso.Critica a nogao do futuro perfeito imbricada nas verientes tedricas do urbanismo moderno,seus paradoxos ¢ dilemas na contemporaneidade, em especial pela perda do sentido social na produgao material da cidade e nas posturas assentadas na ilusdo e na alienacdo projetual como discursos legitimadores do efémero na cidade do consumo. Postula tornar o invisivel em visivel, de modo a desvelar as articulagdes entre a imaginagao € a realidade concreta. ' Arquiteto dovtorande, professor da Faculdade ede Mestradoem Arquitetura e Urbanismo da UFBa CIDADE IDEAL, oy IMAGINAGAO E REALIDADE ANTONIO HELIODORIO LIMA SAMPAIO inferno dos vivos nao é algo que serd: se existe, aguele que jé esta agut, Inferno no qual vinemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas ‘maneiras de nao sojrer. A primeira é facil para a maioria das pessous: acetiar Inferno e tornar-se parte deste alé 0 pono, deixar de percebé-io. A segunda é larriscada ¢ exige atengdo e aprendizagem Sontaat ber reccriecr quem 0 presersivlo, e abrir espa, De Marco Polo para Kublai Khan. In 4s Cidades Invisivets de Halo Calvino. lomo a forma urbana envolve maltiplas leituras e entendimen- tos, seu aprofundamento requer nexos € vVinculos com as nogdes de espago- tempo. espago-forma. estrutura superficial e profiunda da forma, niveise escalas de tratamento, clementos & atributos basicos, etc. Tais conceitos- cchave fundamentam a idéia de realidade bbem como o sentido do termo cidade. inexistindo como conecitos descolados da historia das coisas construidas pelos homens e sua visio do mundo ideal real. E-claro que, independente de época. tempo de durago como de existénciae mesmo de uma dimensio (escala), ‘qualquer cidade desempenha fungdes: dito de outro modo, possui um papel. Na visio de Rolnik, cidade é “cenaroe expressdo de dominio sobre um territério, sede do poder e da administracdo, lugar da producao de mitos ¢ simbolos” (1988:8), quando, entio, questiona: “..ndo estariam estas caracteristicas ainda presentes nas metrépoles contemporneas? Cidades da era eletrénica, nao seriam suas RUA 6 torres brithantes de vidro ¢ metal os centros de decisao dos destinos do Estado, pais ou planeta? Nédo seriam seus outdoors, vitrinas e telas de TV os templos dos novos deuses? Certo, ndo hé mais murathas: ao contréirio da cidade antiga, a metrépole contempordnea se estende ao infinito, {..1° (Roltik, ibidem.) A idéia de centro de dominio sobre um territério parece se ajustara qualquer tipo de cidade -religiosa, militar, comercial, industrial, etc. - e perpassa as mais diversas ‘manifestagdes de época - culturais, econdmicas, politicas ~ sempre delimitando uma certa relago entre homem e natureza, na sua dimensio espacial, de modo a realizar 0 “dominio sobre um territ6rio”. De Babel a Brasilia, ou seja. da utopia a realidade, a cidade sempre esta expressando um papel de dominio que. em Gltima instincia, reflete um ccontexto que perpassa tanto o campo real como o imagingio. O que distingue, entio, uma cidade ideal de uma cidade real? Como surge a necessidade de se pensar uma cidade ideal? Para qué? Com que propésito? E plausivel admitir que a cidade ideal, como uma ‘manifestagao ut6pica, tem raizes num trago que caracteriza a humanidade: a decepgao com o presente defeituoso, do qual ‘emergem os impulsos de repensar o existente, o real vivido, ancorados no desejo de que algo ainda inexistente possa vira se realizar. O presente defeituoso a ser Substituido por um futuro perfeito tem sido o mote inspirador da imaginag3o utépica, até mesmo quando regressiva no sentido de um retomo a um mundo perdido (0 Eden?) Utopia vem do gregoe,literalmente, significa a negagao do topos (lugar). ou seja, u-topia = lugar nenhum. Neste sentido a cidade ideal pode ser aqui tomada como uma utopia, ‘no sentido empregado por Thomas Morus (1516), que criou termo ~a rigor um neologismo - para nomeara sua cidade imagingria. ‘Como Morus tinha em mente uma critica social & sua £poca, inspirado no humanismo renascentista, o que postulava mesmo era uma nova ordem baseada num projeto de sociedade ideal, perfeita. Por outro lado, credita-se a Plato a formulagdo mais antiga de uma pdlis ideal, quando descreve Cidade dos Homens na sua obra A Repiiblica, Esta obra, a0 lado de outras duas, As Leis e Critias. fundamenta um ideal utépico instaurador dos germes daquilo que a modernidade vai incorporar sob a forma do Estado ¢ da Constituigao, A visto platdnica, no fundo, materializa “um dos sonhos ‘mais antigos do homem, situado na base da imaginagdo ldpica: 0 de habitar uma cidade perfeita. Uma cidade. e ‘nao uma casa e, muito menos, um pais ou uma nagao” (Coetho, 1980:21). Tanto Plato (século IV, a.C.) como depois Morus (século XVI, d.C.) imaginam uma cidade ideal, perfeita, fazendo contraponto com a realidade imperfeita que contestavam. RUA 6 lusteagbo do Uropie de Thomas Morus ‘Como nao eram revoluciondrios, na verdade ancoraram seus Pensamentosem sentimentos morais,cuja interiorizagoadviria de convicedes intimas impulsionandoa todos a no praticarem ‘omal, transformando a cidade num espaco de bons, justos € fratemnos cidadaos. Da excessiva atengao a ordem, leia-se ordenamento da sociedade, derivam os germes da cidade ideal dos instauradores do pensamento utépico - Plato e Morus - que. por certo, vao justificar depois, na modernidade, a racionalizagdo da vida urbana, cujo ordenamento é 0 pressuposto basilar e fonte de inspiragdo do que seja uma cidade igualitéria, justa, perfeita. Excecdo, é claro, para os ‘escravos, ainda admitidos por Morus. A justiga na cidade ideal, ut6pica, é sempre algo que interessa ao Estado e pouco diz respeito ao individuo, e, seja como discussio filos6fica (Plato), obra literéria (Morus) ou modelo espacial modemo (Le Corbusier), a preocupagdo central estar na ordem e no controle social, de modo a se evitar a conturbagdio, a anarquia, a revolugio (“Arguiterura ow revolugdo”, ja dizia Le Corbusier). Assim, a cidade ideal aparece historicamente como superagio da cidade real, cheia de equivocos ¢ erros de toda 55 cordem, incorporando uma espécie de visio maniqueista de mundo, reduzindo areafidade a uma condigdo dualista entre algo ideal (o bem) e algo real (o mal). Sobre a utopia como forma de repensar a realidade, Coelho (op. cit.) observa, com base em Karl Manheim, varios 3 de mentalidade utopista, cujos programas especificos tendem a se organizar em torno de algum eixo estrutural, identificando quatro tipos basic a) aquele que produz os movimentos messifinicos, marcados pelo fanatismo religioso, ndo se propondo a promover qualquer revolugdo social, mas a busca de experiéncias misticas ¢ espirituais, baseadas na crenga € na {dos individuos: b) aquele baseado na presenga dos ideais liberal humanitarios. Em geral postulam um futuro indefinido e limitam-se a redefinir meros dispositivos de regulaglo ¢ controle das relagdes mundanas. Tal como o primeio tipo, Possui um trago conservador (a exemplo da Utopia de Monts); ©) oterceiro, caracterizado pela harmonia coma situagao existente, em que prevalece a mentalidade do aqui e agora voltada para aperfeigoar o sistema social vigente. Aponta-se © Leviaidide Thomas Hobbes (século XVIII) como exemplo paradigmiitico de apologia a sociedade de mercadoemergente nna Europa: 4) ouiltimo, aquete representado pelo programa socialista- comunista, radicalizando a utopia liberal-humanitaria, no sentido de um futuro historieamente determinado pela © quadto sintético acima vai indicar que as utopias do século XIX de algum modo resultam de um longo processo, cuja génese se da a partir dos séculos XVI e XVII, quando a mentalidade utopista liberal vai ser ultrapassada pela visio utopista revoluciondria instaurada no século XVIII. aprofundada depois. na pratica, por revolucées propriamente ditas. Assim como © pensamento ut6pico evoluiu para uma ‘concepgao de socialismo cientifico, também o urbanismo, seguindo a trilha, vai pretender instaurar um urbanismo cientifico, no qual o ordenamento espacial baseado num sistema de valores apoiado na razdo, voltada para um homem- tipo universal, vai constituir-se um dos mitos da sociedade industrial emergente no século XIX. Um novo modo de existir emerge da transformagdo das ias, impactadas pelos meios de produgao € pela inovagdo tecnolégica dos transportes, determinando a -aparigao de novas fungdes urbanas. Sua teorizagao, assentada em diferentes visdes de mundo, baliza aquelas duas concepgdes modemas de cidade ideal denominadas por Choay (1965), em sua antologia, de vertentes progressista e culturalista (além da sem-modelo). Desde o pré-urbanismo ‘do instituidas as condigdes seminais de uma nova disciplina 56 Copa da primeira edigéo do Leviata de Thomos Hobbes ‘com pretenses de imaginar cientificamente a cidade modema: ourbanismo. O que os autores progressistas tém em comum é uma certa concepgiio de homem e de razao subjacente as, suas propostas de cidade ideal. A nogao de um homem perfeito equivale a idéia de individuo-tipo - que independe das contingéncias. dos lugares e do tempo a que pertence -, possibilitando a identificagao das necessidades-tipo, deduzidas cientificamente como verdades absolutas. Na visio progressista de mundo, a Revolugao Industrial é uma forga motriz e. como acontecimento historico, deve ser apropulsora do desenvolvimento humano capaz de promover © bem-estar. Tais premissas ideoldgicas vao alavancar © pensamento utépico, assim problematizadas por Considérant: “Dado um homem, com suas necessidades. seus gostos ¢ suas inelinagies natas, determinar as condigdes do sistema de construgdo mais apropriado & sua natureza” (citado por Choay, op. cit:21). Na forma do espaco progressista predomina o campo aberto, cheio de “vazios” e muito verde, numa espécie de resposta higienista a cidade real, cadtica, amontoada de construgées. Do falanstério de Fourier. da leéria de Cabet Hygéia de Richardson, o espago verde como envoltorio das, edificagdes marca a relagdo homem-natureza, em que 0 simbolo de progresso se expressa pelo dominio do a, da luze dda agua, depois reapropriados por Le Corbusier, Wright, Gropius e outros como “meios” que devem ser igualmente distribuidos entre todos. RUA 6 A preciso eo detalhe revelam nd apenas importincia estética na impressdo visual (perspectivada) como também centa rigidez construtiva que erradica possibilidades de improvisos ou variantes na adaptagao dos modelos. A habitagiio é estandardizada, ¢ a preocupagio com tipos ideais alcanga a escola (Owen), 0 hospital e a lavanderia hardson), sendo que “a primeira coiva de que temos de cuidar é a moradia” (Proudhon). instituindo o germe da preocupago moderna com os programas sociais voltados para areprodugaio da forga de trabalho na cidade industrial. ‘Ao contririo da cidade real antiga, compacta, 0 espago progressistaé concebido atomizado... na maioria dos caso, 6 bairros, comunas ou falanges sao eno-suficientes e podem ‘ser justaposios indefinidamene, sem que sua conjungaio produza uma ensidade de natureza difereme {...| Um espaco onde abundam zonas verdes e vazios que excluem uma atmosfera propriamente urbana. O conceito classico de cidade se dilui, no entanto surge 0 de cidade-campo ceajo destino veremos mais adiante.” (Choa. op. cit:25.) A nogio taylorista de rendimento maximo, pripria da produg&o industrial, dissimula nas varias formulagées rogressistas um viés politico autoritério, cuja terminologia democritica ndo consegue esconder a nogio de controle baseado numa autoridade forte, cemtralizadora, garantidora da “harmonia” indispensavel a coesao social. Jéos autores culturalistas possuem como trago comum a nogo de grupo humano em contraposigao a idéia de individuo-tipo, além de uma vis&o nostilgica quanto ao desaparecimento da unidade orgiinica da cidade tradicional, destruida pela pressio desintegradora da industralizagaio. Ruskin ¢ Morris vio se apoiar na tradigao do pensamento, cujo vies historicista parte de uma critica as realizagbes da civilizagao industrial comparadas aquelas das civilizagdes {do passado. instituindo outra visio de mundo distinta da progressista. Possivelmente a distingo conceitual entre cultura. civilizagao deita raiz.na oposigaio de conceitos como orginicoe mecdinico, qualitative ¢ quantitatvo, participagaio € indiferenga, associados a um questionamento ideolégico em que “a proeminéncia das necessidades materiais desaparece ante a das necessidades espirituais” (Choay, op. cit.29), A cidade ideal culturalistatem como pressuposto uma “bela ‘otalidade cultural”, organicamente concebida,circunscrita a limites precisos de crescimento, devendo sua forma edificada ‘expressar um contraste sem ambigilidades com a natureza. A dimensio (escala) das cidades ¢ um pressuposto a integragao orgdnica com a natureza, que é vista no como objeto de dominio do homem, mas como elemento mesmo de inspirag’io formal: a cidade se adequa a natureza, nio 0 contririo. A assimetria e a curva so coisas natur a simetria e a reta RUA 6 Tanto aestética condena o geometrismo regulador como ‘no se pauta na “fealdade prépria da sociedade industrial", que, em iiltima instincia, resulta de uma caréncia de cultura que deveria se inspirar no estudo da Idade Média e sua arte. Ligado a tradigao, o desenvolvimento se pautaria no artesanato € ndo na indastria, logo inexistem protétipos, standards ou padronizagdo das partes da cidade. Cada edificago deve expressar seu cariter proprio, conforme sua distingao € uso, ‘num clima ou ambiente urbano organicamente constituide como testemunho da propria historia. A idéia de comunidade se desdobra em firmulas democriticas de gestio. cujo plano politico em nada se parece com o centralismo autorititio do modelo progressista, ea imaginagdo ut6pica é de certo modo regressiva, na medida em que aponta o passado como fonte de inspiragtio do modelo ideal. Finalmente. o pré-urbanismo sem modelo diz respeito Aqueles pensadores que, sem recorrerem ao mito da desordem nem ais metiforas de um “estado patologico” na cidade real, no concordam e até criticam a idéia de se proporem modelos ideais de cidade. Tanto para Marx (1818-1883) como para Engels (1820-1895) 0 papel historico da cidade real. por incipio, exclui e anula o conceito de desordem, pois que a cidade capitalista 6, ela propria, a expresstio de uma nova ordem. centrada num outro modo de produgdo ¢ relagdes sociais que niio mais dizem respeito a sociedade feudal, nem tampouco se estruturam numa possibilidade de acesso indiscriminado ao progresso por parte dos trabalhadores. Estes. ‘expostos a dominagdio 4 exploragdo da mais-valia, em iltima instdncia, sdo regulados pela lei do valor ¢ seus desdobramentos no meio urbano - transformando valor de uso em valor de troca (Marx & Engels, 1961). Assim, a questio da moradia na tradigdo marxiana nao se reduz.a uma projecdo espacial e deve ser vista como resultado dos desequilibrios demogniticos, das desigualdades ccondimicas e culturais que separam os homens da cidade dos do campo. Em sintese, o desenvolvimento capitalista é. em esséncia, desequilibrado c nao pode ser homogéneo, pois se desenvolve na base por contradigdes estruturais entre as relagdes de produgdo ea proviso dos meios necessirios a reprodugaio da forga de trabalho, impondo limites, cuja resolucao independe dda concepeao espacial da cidade em si, enquanto modelo ideal descolado da formagaio social. Noutro viés, Kropotkin (1842- 1921) vai radicalizar a nogao de controle. afirmando: “regulamentar, tratar de prever ¢ ordenar 0 todo seria simplesmemte criminoso” (citado por Choay, op. cit:36) Deste modo, na sua visao anarquista de mundo, imaginar uma cidade ideal toma-se, no minimo, um exercicio intl. Esti claro, os sem-modelo demonstram sempre a inviabilidade de se estabelecer uma sociedade perfeita por decreto. E, mais, de antemdo, a cidade real sendo fruto do processo social, ndo é algo cujo futuro possa ser rigorosamente 57 previsto, esgotando-se no campo das fantasias as bem- intencionadas concepydes dos socialist ut6picos. A vontade de transformagao estrutural, revoluciondria, preenchea nogdo de projeto. ‘A materializagdo da utopia - embora enfraquecida na contemporaneidade - tem exercido historicamente uma ‘motivagdo que estimula a imaginagao de propostas visando transformar a realidade, no como uma falsidade ou algo irrealizavel e em contradigdo com a realidade, mas como ‘uma hipétese apontando um deslocamento de sua ténica, ou seja. a “passagem da Utopia na diregdo da Eutopia” (Coelho, op. cit:94). Aino €0 modelo o que importa, mas, sim, entender que a realidade nao é homogénea, equilibrada € harménica; muito pelo contririo, é plural e multiforme, endo o priprio projeto origindrio da tradigao utépica também imperfeito, carecendo de outro que o corrija ¢ outro, e mais ‘outro, mesmo quando as distopias proliferam por todos os Jados. O principio, j4 assinalado por Freud “é o do prazer que domina o aparelho psiquico desde 0 momento inicial do individuo” (Coetho, op. cit:97), esequer & preciso elaborar “um ediculo do prazer” (Fourier) para a admissio de que no se trata de um vicio 0 desejo das coisas Neste viés o projeto - enquanto desejo - & sempre uma coisa que adquire diferentes estatutos face a intencionalidade humana e, tal como a realidade, assume diversas formas, conformea consciéncia do sujeito frente aos objetos. A rigor ndo se pode falar de uma realidade, mas de realidades, cuja pluralidade decorre de ser o homem um ser nio passivo. posto que é ele o proprio construtor do mundo. edificador da sua realidade. Através das ciéncias. filosofia, arte e religido, qu também possuem suas verdades e estatutos legitimadores, 0 homem comunica-se, relaciona-se com o mundo. Portanto a idéia de homem uno, indivisivel, ¢ uma representag0, ndoé real. De certo modo, nto existe um mundo em si, mas sim ‘uma multiplicidade de mundos criados a partir da condigio humana, conforme os pontos de vista dos sujeitos. Logo. a vverdade €algo relativo a construgo de cada saber especifico, imtermediada pelo meio simbélico criado pela linguagem, através da palavra na construgdo dos; Entio desvelara cidade real implica uma con: alcangavel quando se vai além da visto primeira, in circunscrita a um universo de significagao mediatizado pela pré-nogdo, pelo preconceito - ou seja, aquilo que antecede os ‘conceitos propriamente ditos. O real é sempre produto de um jogo entre a materialidade do mundo ¢ os limites significagdo (da linguagem) utilizados para referen: lo, tanto envolve a consciéneia (social) como 0 inconsciente (do individuo). Tal condigao, inerente a qualquer érea do saber, demarca a impossibitidade de as ciéneias humanas serem exatas & 58 previsiveis, sobretudo quando se sabe que os cientistas vao cconstruindoa realidad cientifica em visdes compartimentadas por dreas ou campos de atuagdo, cuja totalidade nao depende da soma ou justaposigdo das partes. A tendéncia tem sido acreditarna impossibilidade de construgao de uma ciéncia que abranja todas as realidades. como um todo uno ¢ indivisivel, baseada em leis férreas e teorias que abriguem tudo aquilo que existe. O real é, portanto, um conceito humano mais afeito 4 filosofia; ndo & tarefa para ciéncias especificas ou antes, particularizadas, como acreditavam os primeiros utopistas e alguns adeptos da Teoria Geral dos Sistemas (Bertalanfi. 1970). A estaaltura pode-se inferir como inadequado separar a no ser para fins didaticos, tal como se faz com a forma seus elementos - as noges de sujeito, método e objeto, no processo de apreensdo, andlise critica e projetacao da cidade, ‘Ademais 0s métodos gerais disponiveis - axiométicos, hipotético-dedutivos, indutivos, dialéticos, andilise-sintese. experimentais ou hermenéuticos - nao inviabilizam por sias possibilidades heuristicas de um método aberto is descobertas a longo de um trabatho intelectual qualquer. Feyerabend (1974) tem sido um dos crticos implacaveis ‘80 que se refere a0 papel tradicional do método na formulagaio as técnicas ciemtificas, na medida em que aciéncia descarta a intuigdo e a ocorréncia do acaso como fatores importantes € quigd preponderantes no surgimento de novas teorias. A seu ver, a descoberta das teorias é um proceso criativo, em ‘que somente a posicriori se di, de fato, uma formalizagao! explicitagiio do método, visando a sistematizagao € fundamentagao da teoria. O que dizer do projeto? Como decorréncia. a metodologia enquanto 0 estudo dos ‘métodos apenas mobiliza, a rigor, nos diversos campos do, saber. 0s fundamentos ea validade do corpo tebrico que ajuda adescrevere/ou explicar um objeto. E ébvio que, nas etapas de andlise, & substancialmente mais clara a recorréncia a métodos ja experimentados: entretanto, no campo da proposiciio, do ato projetual propriamente dito, como exercicio dda imaginagao criadora, ¢ sempre dibia a passagem entre a teoria que explica o objeto ea construgiio imaginaria de uma forma urbana expressa num vir-a-ser. Esta condigao admite paradoxos entre sujeito, métoxio e objeto. que transcendem o campo racional e tangenciam outras dimensdes do processo criativo, antes restrito aos procedimentos nas artes e. contemporaneamente. tido como afeito a qualquer tipo de saber. Criatividade é algo indispensavel a reconstrugo das leituras e othares, ampliando a critica da visio de mundo de uma época, seja centrada naquilo que Marx chamou conscigncia -ndo alienada - seja naquilo que Foucault (1981) vai denominar episteme - que permeia os virios saberes. Peloexposto, cidade ideal, imaginaga0 erealidade de certo modo slo conceitos indissociiveis no pensamento doanquiteto- urbanista, tal como diz Argan: “Todavia sempre existe uma RUA 6 cidade ideal dentro ou sob a cidade real, distima desta como 0 mundo do pensamento 0 é do mundo dos fatos [JA idéia de cidade ideal esté profundamente arraigada em todos os periodas histéricos. sendo inerente ao cardter Sacro anexo a instituicdo e confirmado pela contraposigiio recorrente entre cidade metafisica ou celeste ¢ cidade terrena ou humana”. (Argan, 1969:73.) Do ponto de vista da forma, ¢ como isto se processa na imaginago, a imagem da cidade modelo aparece sempre relacionada com aquelas culturas nas quais representagio/ imitagao foi ou é modo predominante de operacao artistica, sempre concebida como imitagio de um modelo, que tanto pode ter como paradigma a natureza, as formas do passado ‘ou de um futuro imaginaric, mesmo que remoto (nas tecnotopias. p.€X.). Neste viés. a forma urbana da cidade ideal aparece sempre como expresso representativa de valores, conceitos, aributos qualitativos. de uma ordem urbanistica que reflete uma ordem social que se contrapie & cidade real, explicita ou implicitamentecriticadae recodificada. Por outro lado, a forma urbana da cidade real étambern uma expresso de valores. conceitos, atributos, etc., sé que, dialeticamente, as relagdes entre qualidade e quantidade, muito mais proporcionais ¢ ajustadas no passado, so hoje, contemporaneamente. ‘uma sittiagao antitética, nna qual esta a base de toda 2 problematica urbanistica ocidental (Argan, op. cit:74). Deste modo, a ‘mudanga das quantidades (espagos, pessoas, fluxos) altera qualitativamente os atributos da forma no espago-tempo, coisa que evidentemente os mode- los de cidade ideal no ‘conseguem superar, ‘napritica, sempre é possivel desenhare repetir omesmoesquema ‘numa maior ou menor dimenso, transformandoomodelonum ‘médulo que serepete, seja ele uma rama em xadrez, um esquema radioconcéntrico, umaestrutura sca linear, estrelar etc, RUA 6 Certamente por isto, por se desconhecer a légica entre miiltiplos e submiiltiplos formais, em que mudangas nas dimensdes (escala) ateram aesséncia, é que proliferam varios paradoxos entre qualidade e quantidades, imaginadas sem se atinar para seus graves desdobramentos no mundo real. ‘Ademais a cidade real reflete as circunstncias contraditorias

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