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85 cadernos de teatro — ILUMINACAO — E. Wilson — OS PRIMEIROS ENSAIOS — H. Clurman — AHISTORIA DO aero OOLOGICO — E. Albee Seg OC eee — O PEDIDO DE CASAMENTO — A. Chekov *— DOS JORNAIS = DOS JORNAB CADERNOS DE TEATRO N. 85 Abril - Maio - Junho — 1980 Publicacio d’O TABLADO patrocinada pelo Servico Nacional de Teatro — SEAC — FUNARTE, 6reto do Ministério de Educacio e Cultura Redagio ¢ Pesquisa a’ TABLADO Diretor-responsdvel — JoK Séxcio Marino NUNES Diretor-executivo — MARIA CLARA MACHADO Diretor-tesoureiro — Eooy RezeNpE NUNES Redatores — BERNARDO JABLONSKI, GUIDA VIANNA © ‘CanManna Lypa ‘Secretéria — Suvia Fucs Redagéo: 0 TABLADO Ay. Lineu de Paula Machado, 795 - ZC 20 Rio de Janeiro — 22.470 — Brasil 0s textos publicados nos CADERNOS DE TEATRO 36 poderio ser representados mediante outorizacio da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT) ‘Av. Almirante Barroso, 97 Rio de Taneiro ILUMINACAO A iluminagao, 0 iltimo elemento incorporado & produ- cdo teatral dentro de uma perspectiva histérica, é 0 mais moderno, em termos de técnica e equipamento. Em seus primeiros dois mil anos de histéria conhecida, o teatro sempre foi representado durante o dia e a0. ar livre: a principal razio disso esté ligada sem diivida alguma a necessidade de luz. A luz do sol, afinal de ccontas, € uma excelente fonte de iluminacio. ‘Como nio havia mesmo fontes de luz sofisticadas, ‘0s autores ulilizavam a imaginacdo — 0 mais adequado instrumento disponivel — para sugerir periodos notur- nos ou mudangas de luz, Os atores empunhavam tochas (ou easticais, como o faz Lady Macbeth, para indicar ‘que € noite. Os autores também usavam’a linguagem: ‘Quando Shakespeare faz. Lorenzo dizer, em O Mercador de Veneca: “Como é doce a luz do luar sobre este ‘banco” nio se trata apenas de uma bela frase poética; a idéia era também lembrar a platéia que a cena se passava & noite. © mesmo serve para a elogiiente pas- sagem em que Romeu diz a Julieta que precisa partir porque © dia desponta, Por volta do ano 1600, 0 teatro comegou a ocupar os interiores. Velas e lamparinas foram utilizadas até 1803, quando um teatro em Londres instalou iluminagio a gis, Embora a iluminacio se tornasse mais acessivel nos séculos XVII ¢ XIX, sua eficécia era ainda muito limitada. Além de poucos eficientes, ainda cram um convite a incéndios. Através dos anos muitos teatros nia América e na Europa, foram duramente atingidos por trigicos e custosos incéndios. Em 1879 Thomas Edison inventou a limpada in- candescente (limpada elétrica), e com ela se iniciou ‘a era da iluminacéo criativa no teatro. Tais lampadas, além de seguras, podem ser controladas. O brilho © a intensidade podem ser aumentados ou diminuidos por ‘uma resisténcia elétrica. O mesmo instrumento ¢ capaz de produzir tanto a luz forte do dia como a esmaecida claridade do erepisculo. Além disso, por intermédio de | um filme colorido, ou de uma “gelatina” colocada sobre © refletor, 0 colorido pode ser também controlado. Essa flexibilidade um instrumento poderoso na consecuca0 de efeitos teatrais. FUNCAO ESTETICA DA ILUMINACAO. © suigo Adolphe Appia (1862-1928) — cendgra- fo ¢ iluminador, foi um dos primeiros a vislumbrar as vastas possibilidades artisticas ¢ estéticas da ifuminagao no teatro, Ele escreveu: “A luz esta para a produgio assim como a musica para a partitura: 0 elemento ex- pressivo em oposicdo a0s signos literais; e, como a mi sica, a Tuz pode expressar to-somente 0 que pertence a esséncia inerente a visio de todas as visdes.” Norman Bel Geddes (1893-1958), americano, imaginativo se- guidor de Appia, também afirmou: “Uma boa ilumi nagio adiciona espaco, profundidade, clima, mistério, parédia, contraste, mudancas de emogio, intimidade ¢ medo, Em termos simbélicos, pode-se dizer que a ilumi- | nagio € capaz de proporcionar o seguinte: 1, Tempo e espaco. Pela cor, sombras ¢ intensi- dade, a luz pode sugerir a hora do dia, fornecendo a palida luz do alvorecer, a luz brilhante do meio-dia, as cores vividas de pér-do-sol ou a luz mais fraca da noite ‘A. iluminagdo pode indicar também a época do ano, ‘com luzes de verio ou inverno, ou ainda o lugar, com claridade de interiores ow de exteriores. 2. Clima. Uma pega alegre ¢ leve pede cores quen- tes e brihantes: amarelo, Iaranja e rosa. Uma peca mais pesada requer azuis, azuis-esverdeados © tons mais escuros. 3. Estilo. Numa pega realista, a iluminagio_simu- laré 0 efeito de fontes comuns — abajures, ‘luz solar externa, etc. J4 numa producdo nio-realista, o ilumi nnador pode ser mais imaginativo: feixes de luz podem atravessar 0 escuro, esculpindo os atores no paleo; uma luz vermelho-vivo pode envolver uma cena de danagao; tum verde-pélido pode ajudar a criar o clima enfeitigado 2 de um pesadelo, Por seu tom e sua textura, a iluminagio pode indicar imediatamente 0 estilo da pec 4, Ritmo. Desde que mudancas de luz ocorrem em ‘um tempo continuo, pode-se estabelecer um ritmo cor- rente através do espeticulo. Mudancas abruptas, em. “staccato”, acompanhadas de “blackouts” completos, vio expressar_ um determinado ritmo, enquanto dimi- nuigdes graduais, linguidas, expressario um ritmo opos- to. As mudancas de luz s40 coordenadas temporalmente com as mudanas de cena. A importincia deste prin- Cipio € reconhecide pelos direores ¢ iluminadores, que tomam grande cuidado em adequé-las, “‘coreografando” mudangas de luz e cena como se fossem movimentos de danca. 5. Reforco de uma imagem central. A luz, como os cendtrios, figurinos, etc., tem de ser coerente com o es- tilo geral e 0 clima da’ producdo. Uma luz errada pode distorcer ou mesmo destruir o efeito total do espetéculo. ‘A luz, sendo ao mesmo tempo o menos procminente e ‘© mais flexivel dos elementos teatrais, pode ajudar enor- memente na criagdo da experiéncia teatral. Gordon Craig (1872-1966), um inovativo diretor de teatro inglés (além de “designer” ¢ te6rico), falava em “pintar com a luz”. O iluminador deve de fato pintar com a luz, e ainda mais, ele pode expressar algo do sentimento, ¢ mesmo da substincia de uma pega, em um nivel ‘sensorial ¢ simbélico. Aspectos Priticos da luminagao Em termos priticos, a luz do espeticulo cabe a0 ituminador, Seu primeiro dever 6 0 de tomar visivel a face dos atores © suas ages no palco. Ocasionalmente, iluminadores levados pelas possibilidades climéticas da luz, fazem uma cena ficar tio escura que simplesmente no se percebe 0 que esti acontecendo no palco. clima € importante, ¢ claro, mas ver os atores & mais. impor- tante-ainda. As vezes, 0 proprio texto requer um obscure- cimento — numa pega’ de “suspense”, por exemplo, quando se apagam as luzes numa casa mal-assombrada. De qualquer modo, tais cenas sio excegdes. Na maioria dos casos, se 05 atores mio esto sendo vistos correta- mente, pode-se dizer que o iluminador fracessou em seu trabalho. Outro detalhe pritico referee ao foco. 0 foco de luz dirige nossa atengéo para uma parte do paleo — geralmente onde uma importante agdo esté ocorren- do — a0 mesmo tempo que afasta nossos olhos de outras freas, A luz deve estar somente nas reas de atuagio € nio nos cenérios ou em lugares fora do paleo. A maior parte dos cenérios nfo & pintada para receber uma forte carga de luz direta, e nfo seria convincente se iluminada em excesso. Além do mais, a énfase de luz. nos cendrios desviard a atenglo da platdia, que deveria estar concen- trada nos atores. Assim, a primeira preocupagio exis- tente 6 fazer com que 0 foco esteja no lugar certo, Nesse sentido, os iluminadores devem estar atentos para que a luz nio vaze, isto 6, deixar que um foco dirigido para determinado lugar passe a iluminar também as reas adjacentes. ‘Um exemplo positive da utilizaglo de focos se dé quando, num palco dividido, duas agdes diferentes se passam em pontos opostos. Neste caso, & a iluminagio que guia a atengio da platéia de um lado para 0 outro, & medida que @ luz se reduz de um lado e aumenta de outro. Tipos de Refletores Utilizados Basicamente, so de trés tipos: “spotlights”, que langam um feixe de luz es- treito © concentrado. 2. “floodlights”, que cobrem uma pequena érea com uz difusa, 3. “border lights", uma fila de luzes que banham tuma seg do’ paleo ou do cenério, Antigamente, as luzes de ribalta — uma fileira de luzes na frente do palco, na parte de baixo — eram muito populares. Mas, pelo fato da fonte de luz vir de baixo, este tipo de iluminaco tem a desvantagem de provocar sombras fantasmagéricas no rosto dos atores € acabam servindo como uma espécie de barreira ent platéia e atores. Com o desenvolvimento de luzes mais, versiteis e poderosas, a ribalta foi eliminada. Hoje, a maioria das luzes atinge 0 palco de cima, provenientes de instrumentos colocados na frente © nos lados do palco. O Angulo do feixe de luz com a vertical gira em torno de 45°, préximo ao Angulo médio da iluminagio solar. Em geral, também, a luz do. palco provém de varias fontes: pelo menos duas, para um ppalco italiano, e pelo menos quatro, para um teatro de arena, As Iuzes devem convergir de lados diferentes, para evitar sombras que fatalmente resultariam se apenas tum dos lados da face fosse iluminado. Uma vez. os ftores jé estejam adequadamente iluminados pelas luzes frontais superiores, outros refletores sio adicionados cima e atrés dos’ atores, para proporcionar maior di- mensio e profundidade as figuras no paleo. ‘Quanto a cor, ela também deve ser mesclada, a fim de que tons fortes ndo predominem, o que faria com {que 08 atores parecessem pouco naturais. AS luzes pro- jetadas podem ser quentes (Ambar, amarelo e ouro), ou frias (azul, azul esverdeado e lavanda). Em conjunto, as cores frias e quentes dio profundidade, textura ¢ nnaturalidade. A excecdo quanto a estas regras para an~ gulos e cores surge em certas cenas que requerem os chamados efeitos especiais; assim, quando Hamlet de- fronta-se com o fantasma de seu pai, fortes sombras © estranhas cores devem estar presentes no palco. A ilu- minacéo geral para uma peca como Hamlet deve con- trastar fortemente com aquela para outro tipo de peca. Para ressaltar o aspecto trégico ¢ sombrio de Hamlet, convém uma iluminagio fria. Quanto aos fngulos, se a peca for encenada num palco italiano, deve haver focos vindo de cima e de tris, para conferir um tom de escultura, semi-real, aos personagens. Por outro lado, montagens de musicais como GODSPELL pedem mais, Tuzes quentes originando-se de todos os lados do paleo, para reforcar o sentimento alegre e aberto existente na pega. CONTROLE DA ILUMINACAO Falamos do avango da iluminagio: em termos tée- nicos, este é de longe, 0 mais desenvolvido aspecto do teatro, Instrumentos de iluminagio podem ser pendu- rados por todo o teatro e iluminar cada parte do palco, fe serem controlados por uma ‘nica pessoa sentada diante ‘de um painel eletrOnico, ou mesa de controle. Mudan- cas de luz podem ser programadas antecipadamente. ‘Algumas vezes, numa producdo complicada (um musi- cal ou uma montagem de Shakespeare) podem se dar de 75 a 150 mudangas de luz, Estas mudancas podem variar do blackout (quando todas as luzes sio apagadas rapidamente) ao jade (diminuigdo gradativa da ilumi- ago) ou ao cross fade (enquanto algumas luzes dimi- nuem em intensidade, outras aumentam). E mais, com ‘© moderno equipamento hoje existente, as _mudancas podem ser precisadas automaticamente, de modo que ‘um cross fade aconteca sempre num mesmo © exato imero de segundos; assim a “adivinhagio” fica eli- minada. (Extraido de The Theater Experience, de E. Wilson, McGraw-Hill Book Co, 1976. Tradugio e adaptago. de Bernardo Jablonski.) OS PRIMEIROS ENSAIOS H. Clurman Quando os atores so chamados para_o primeiro ensaio, 0 diretor jé fez uma parte considerdvel do seu trabalho; $6 agora 05 atores estio comecando 0 seu. 0 diretor e 0 autor devem lembrar-se disso, Nao tomar conhecimento deste fato dificulta o progresso do trabalho. ‘Apés receber 05 atores ¢ apresenté-los uns aos ‘outros, pego ao cendgrafo para explicar 0 cenério, Este torna-se mais significativo, e o interesse dos atores por ele aumenta apés a pega fer sido lida muitas vezes Todos os atores leram o texto a s6s. Agora, pela primeira vez, vo 1é-lo juntos. Nas companhias perma- nentes, os atores tomam conhecimento do texto através e uma leitura do autor ou do diretor, dependendo de quem 1é melhor. Se 0 diretor e 0 autor concordarem em fazer alguns cortes no texto durante seus primeiros encontros, € acon selhavel que os atores tomem nota desses cortes antes de comecar a primeira leitura. Nessa ocasiio é prefe- ivel que eles Ieiam 0 texto completo, em vez. de partes individuais do livro ou trechos. Perturba aos _atores cortar trechos que j4 esto sendo decorados. Haverd necessidade de mais cortes nos estigios mais avancados do trabalho; na verdade, hé sempre mais cortes a serem feitos do que se pode imaginar. Quanto mais cedo esses cortes forem feitos, melhor serd para todos. Confrontados pela primeira vez com 0 diretor, 0 autor € 0 produtor, os atores tendem a exibir uma expresso muito evidente que “nada esté acontecendo”. Eles esto “escondendo 0 jogo”. Os atores ingleses, nas primeiras leituras, sio mais audaciosos e mais. fluentes que os americanos. Isto é devido a0 “profissionalismo” dos atores ingleses — o que simplesmente significa mais pritica na_profissio. A facitidade que eles possuem & também devido & maior énfase que dio & dicgio © voz No inicio da minha carreira eu costumava ensinar aos atores, nessas ocasides, a “falar” seus textos da peca lum com 6 outro, fazendo-se ouvir por todos os outros do grupo, Falar’ seus textos como numa conversa, eu explicava, € 0 primeiro passo em direcio & verdad. Nao importa quanto essa explicagio tenha de verdade, o que cu realmente pretendia era atenuar 0 nervosismo, deixar 0s atores saberem que eles nio eram obrigados a im- pressionar ninguém (de acordo com as leis trabalhistas hos EUA, um ator que nio assinou o contrato de exi- bigdo da’ peca pode ser despedido no quinto dia de ensaio). Mas logo aprendi que no havia vantagem em dar aos atores qualquer instrugio nas primeiras leiturs, nfo importa quais fossem, Eles poderiam ler da mancira que quisessem e nao deveriam ser interrompidos, a menos que se tornassem inaudiveis ow ansiosos em pro- duzir efeitos. Eu costumo brincar, dizendo: “Se algum de voeds estiver maravilhoso logo de inicio, vou ter que despedi-lo: isso me deixaria sem nada para fazer!” Uma equipe bem escolhida — e sempre deposito completa confianga nos atores que escolhi'— nfo necessita ne- numa adverténcia especial Depois de cada ato hi um intervalo de dez minu- tos. Uma peca de duraco média é lida pela primeira vez em pouco mais de duas horas e meia. Safmos entio para almocar, © que, de acordo com os contratos traba- Iistas vigentes, deve ser feito em nio menos de uma hhora e meia, Como a tensio da primeira leitura é can- sativa, concedo um perfodo de almogo (ou descanso) maior. Confio assim que 0 clenco estaré comparativa- mente mais relaxado quando chamado para a leitura da tarde Em cada companhia ¢ diferente 0 tempo reservado para todo o processo de ensaios. Em certos teatros euro- pus, uma peca pode ser ensaiada durante doze sema- has ou mais. Nesses teatros, 0s atores geralmente repre sentam em outras pecas de seus repert6rios durante este periodo. Os ensaios raramente duram mais do que cinco horas por dia. Considero isto © tempo ideal para ensaios diérios. Peter Brook ensaiou “Sonho de Uma Noite de Verio” durante oito semanas. Em nossas produgées profissionais reservamos qua- tro semanas de ensaio para uma peca “comum”, cinco semanas para um musical. A lei exige que o tempo de ensaio seja limitado a sete/oito horas ‘© meia diérias, podendo ser prolongado para dez a doze horas na se- mana antes da estréia para o publico. Na véspera da estréia, 0 tempo de ensaio nao é limitado — desde que se passe sempre doze horas entre as chamadas para ensaio. ‘Se 0 produtor quer prolongar os ensaios além de {quatro semanas, pode fazé-lo, desde que pague aos atores salério extra, ou no menos que 0 minimo legal. Mas isso s6 pode ser feito se os atores concordarem ‘com este tipo de contrato. Devido ao custo atual de ‘uma producio, estender o periodo de ensaio sem 0 apoio de representagdes pagas pode ser exorbitante. Mesmo 0 periodo de quatro semanas de ensaio no é tanto quanto pode parecer. As primeiras trés semanas sio computadas nha base de semana de seis dias. Essas primeiras trés se- manas de sete horas didrias de ensaio implicam na pro- cura de um palco vazio ou qualquer outro espago com este propésito, e devem incluir a prova dos figurinos, ete. Os trés ou quatro dias seguintes so devotados aos en- saios completos no cendrio, com roupas, maquiagem, Tuzes, ete. Isto é feito em preparacio para estréias em tournées (fora da cidade) ou na cidade. As estréias ou cexperiéneias em tournées slo representagdes pagas aber- tas a0 piiblico, Durante este perfodo sao permitidos so- mente quatro horas de ensaio por dia (exceto para os dois dias normais de mating). E necessério ter isso em mente para entender alguns problemas da profissio e a “psicologia de pessoal” que Surgem devido a esta_presso do tempo, A. primeira produgdo do “Group Theatre”, House of Connelly de Paul Green, foi ensaiada durante doze semanas, apro- ximadamente; sua segunda peca, “1931”, foi ensaiada durante ito Semanas, e Men in White, de Sidney Kings- Tey, durante dez semanas. Todas as trés pecas foram dirigidas por Lee Strasberg. Devido a certas circunstin- ceias s6 me foram permitidas as quatro semanas regul mentares para todas as minhas producdes, exceto Para~ dise Lost, de Odets (seis semanas), Golden Boy do ‘mesmo autor (cinco semanas), e, mais recentemente, ‘A Touch of the Poet, de O'Neill (cinco semanas). © planejamento dos hordrios de minhas producies sio, como ja disse, tipicos do teatro comercial. Nunca fui obrigado a adiar uma estréia_marcada. Devo con- tudo mencionar uma observacio feita por um ator que participou de uma das minhas produgdes: “Harold | ensaia uma pega como se nunca fosse haver uma noite de estréia!” Isto diz alguma coisa sobre o meu “método” Eu me recuso a criar um clima de pressa. Mesmo no texto mais rudimentar, quatro semanas de ensaios no sio suficientes. A propésito, nao posso deixar de citar tuma frase de Stanislavsky: “Nao importa quanto durem (08 ensaios, sempre se precisa de mais duas semanas.” Na segunda leitura da pega, os atores podem ler até mais despreocupadamente do que na primeira. Nao importa, Eles estio tomando conhecimento da peca e lum pouco mais acostumados com as vozes ¢ faces uns dos outros. Eles devem mesmo escutar melhor. Durante ‘08 dois primeiros dias de leitura, como j foi dito, eu nao dou nenhum conselho, nao’ fago_nenhum comen- tirio: eseuto e observo, Estudo 0 material: 0 texto como foi lido © as caracteristicas dos atores. Minha brinca~ eira costumeira no final do dia — quando, para es- panto dos atores, eu dificilmente acrescento uma pala- vra — é dizer, “Vocés devem admitir que a direcio hoje foi perfeita.”" E verdade! O diretor deve calar-se € permitir aos atores © a0 texto “misturarem-se” sem interferéncia. Este “tratamento” € repetido na manhi do segundo dia, Os atores, mesmo entio, podem ler no mais con- Vincentemente do que no primeiro dia, mas sio mais ccapazes de escutarem uns aos outros. Eles estio agora desejosos de ouvir alguma palavra do diretor. No meu caso, isso geralmente segue-se depois do almogo no segundo dia, isto é depois da terceira leitura, Os atores sido agora’ suficientemente familiarizados com 0 texto para lucrarem algo com uma discussio sobre ele. Muitos diretores ¢ atores consideram a discussio geral_de_um texto supérflua. Eles querem comecar 0 trabalho imediatamente. Principalmente os atores ingle ses; eles desejam “por os pés no chao”, isto é fazer ogo as marcagées depois da primeira ou segunda lei tura, Mas falo aqui do que costumo fazer. Oportuna- ‘mente revelei a inclinagio habitual de tais atores, como por exemplo, Ralph Richardson, que fica de certa forma Gesanimado com qualquer conversa que ndo esteja li- ‘gada diretamente & marcagio — a indicagio das posi- {ges no paleo, caminhadas de um lugar para outro, etc. Dogmatismo no teatro é enfraquecedor. ‘Minha primeira conversa € relacionada como ca- réter da peca que estamos produzindo, sua significagio geral, sua relagio com o mundo em que vivemos. Ao falar do mundo incluo os proprios atores como parte deste mundo. Numa peca estrangeira ou numa pega de Epoca (que transcorre no pasado, como Saint Joan de Shaw) eu discuto o ambiente nacional e/ou histé- rico. A propésito da peca Orpheus Descending, de Ten- nessee Williams, falei sobre o que Williams contou-me. Para a peca de Henry Miller, Incident at Vichy, li relatérios da ocupacio nazista na Franca, fiz entrevis- tas na propria Vichy ¢ falei sobre esas minhas des- cobertas. Minhas observagies podem ser sociol6gicas, psico- légicas, “posticas”. Evito 0 tom seco de colégio. ‘A fina- lidade ‘da conversa é estimular © sentido do valor do nosso projeto, & criar entusiasmo. Os primeitos ensaios sio 0 periodo de Iua-de-mel do. nosso caso de amor com a peca. O mundo do teatro ¢ 0 mundo inteiro, nada de humano esté fora disso. Desse modo, ninguém precisa envergonhar-se ao se aproximar da producio. ‘A experiéncia me ensinou que o estimulo dessas primei ras trocas frutifica nas representacdes. Elas contribuem para sua “aura”, sem a qual geralmente a representacio se toma Grida e sem fascinio. Falo também do estilo da peca, sobre o toque indi- vidual do dramaturgo, sua maneira de pensar, seu ritmo, a espécie de interpretagio que sua peca exige. Tlustro isso através de referéncias ao cardter da escrita, a estru- tura da peca. Nos primeiros anos da minha carreira também gastava um tempo considervel analisando cada personagem da peca. Iss0 nio ¢ mais feito com rigor esquematico. Havia pouca mengio especifica das agdes principais. Nao emprego termos que 86 sio significativos para mim. A intengio é mexer com os atores de acordo com suas naturezas individua Falando com os atores sobre seus textos, alguns iretores pensam que € melhor falar com cada um part cularmente. Isso pode ser aconselhével num estégio m: avangado de ensaio, Mas quando estamos descrevendo (0s contornos gerais da peca e como as vérias partes do texto constituem a finalidade geral da pega, prefiro me irigir a0 elenco com todos presentes. Isso acentua o sentido de coletividade do empreendimento, pois cada parte afeta a outra, Essas primeiras conversas sio uma festa de idéias: cada ator pode eseolher 0 que quiser. Os autores € atores geralmente se divertem e participam quando con- vido. Mas costumam nio querer terminar’ jamais; hé muito © que assimilar. Alguns atores devem notar 0 essencial do que eu disse, especialmente no que influen- cia seus. proprios paptis. Eu os encorajo, mas no in- Sisto nisso, Nas produgses posteriores a 1949, reservei muito dos meus insights para esses momentos de leitura fou representagio de eenas ou atos interos, quando eles deviam ficar gravados mais firmemente na conscitncia dos atores. Atualmente, minha primeira comunicacio com 0s atores dura pouco mais de uma hora Prosseguimos enti a leitura com “interrupcdes”. Depois que uma passagem ou uma cena foi lida, explico dde que maneira minhas generalizacdes anteriores se apli ‘eam ao que acabou de ser lido, Essas interrupgdes, as quais admito que freqlientemente tém sido muito demo- radas, continuam através da leitura de toda a_peca Os atores comecam a ver a peca suas partes através dde uma perspectiva mais nitida. Outra coisa que tento consepuir durante esta etapa inicial de trabalho & tragar 0 progresso da agi mais fntima da peca: como cada segmenio ¢ cada cena reve- Jam 0 desenvolvimento da continuidade da acio dos personagens e da peca, de maneira que a configuragio desta, como um todo, tomna-se evidente. Quando uma ou mais dessas leituras “interrompi- das” forem feitas, o elenco 1é a pega mais uma vez sem interrupeao. Desse modo consegue-se uma certa expe- rigncia da pega. Os atores esto entio preparados para “se Ievantarem” “andarem” com a peca. Através das leituras 0s atores adquiriram um sélido conhecimento “e6rico” da. peca, embora na verdade agora seja. algu- rma coisa mais que isto. Primeiro eu costumo conduzir os primeiros ensaios da maneira ja descrita, por toda uma semana. Mais tarde, devido a um horétio ainda mais rigido de ensaios, i 0 periodo por trés ou quatro dias. Em “Golden quando o tempo de ensaio era de cinco semanas, foi possivel fazer as leituras continuarem por duas se- manas! Mas elas eram, como yeremos, algo mais do que simples leituras. Alguns diretores, particularmente na Inglaterra, es- peram que os atores saibam de cor seus textos antes que os ensaios tenham comecado. Isto deve ser neces- Sirio pelo fato de que no teatro inglés a marcagao co- mega no primero o¥ segundo dia de ensaio. Um diretor {que conheco chama para uma passada completa da peca (com marcagio improvisada) no terceiro ou quarto. dia de ensaio. Embora no exista nada de inevitavelmente desastroso em tais priticas, nunca pratiquei-as, nem {qualquer outro diretor cujas primeiras produgdes impor- tantes foram apresentadas sob os auspicios do Group ‘Theatre (Lee Strasberg, Elia Kazan, Robert Lewis). Nos, na verdade, proibimos nossos atores de decorarem seus textos antes dos ensaios. Por outro lado, € aconselhavel ‘que 0s atores facam isso quando se tratar de pecas de Shakespeare e outras pecas em verso. Mas nenhum dos iretores mencionados ditigiram tais pecas. Acreditamos, fe eu ainda estou inclinado a acreditar, que os atores, ‘20 decorarem seus textos, fora do trabalho nos ensaios, friam preconceitos e endurecem as leituras em moldes festabelecidos de maneira que diminui a receptividade f20 impulso do outro companheiro de pega. Os atores, nessas cireunstancias, dificilmente ouvem uns 20s outros, e dai resulta uma representagdo algo mecinica. ‘© ator deve permanecer sempre flexivel, ser livre ‘e aberto a mudangas € novos ajustes. Isto se torna muito mais dificil de fazer se ele decorou seu texto antes do ontato com outros membros do elenco. Ele se_abstrairé do fator humano tio importante, a “equipe”. Ainda ‘assim, sei que alguns atores que memorizam suas partes fantes’ do ensaio conseguem responder a todas as con- tingéncias da produglo, Neste, como em muitos outros assuntos teatrais, nao existe “absoluto”” (Os primeiros ensaios permitem ao diretor saber algo sobre a espécie de direcdo que melhor se ajusta a cada lum dos atores. Ele estuda 0s pontos fortes e fracos, do ator. Alguns realmente pedem para serem dirigidos: outros ficam perturbados com muitas falas, mesmo {quando elas sio boas. Muitos gostam de descobrir tudo Zexceto assuntes téenicos — por eles mesmos. Eles, cham que falar interfere nos seus processos criativos, no prazer da descoberta. Eles esto geralmente com a azo, e suas inclinagées devem ser respeitadas. Conh 0 atores que relutaram em fazer cerlas cenas de acdo interessantes, porque o diretor foi o primeiro a sugeri-las Nem tudo que o mais hibil dos diretores sugere ao ator; 0 diretor inteligente reconhece isto. A. dire- jo no & uma questio de dar ordens. A relacio do ipo_professor-estudante deve ser evitada. Tenho sido ‘ocasionalmente reprovado e, na verdade, me sinto culpa- do de fazer muito pelos atores ou de dirigi-los muito. Tive que aprender a reprimir minha inclinagio natural. Alguns atores — especialmente americanos — podem ser igualmente perturbados por um diretor calado, que muito raramente dé um conselho, Os atores querem ¢ ti ajuda; quem ser trabalhados. Esta tendéncia vem se tomando tio marcante, recentemente, que minha espe~ ranca € que o alor tomari a iniciativa e acharé seu proprio rumo. E motivo de orgulho para o diretor set capaz de inspirar o ator; deve ser uma alegria maior se o ator for capaz de inspiriclo. Por outro lado, & lamentivel o tipo de diretor que os atores chamam de “guarda de transito”, aquele que restringe suas diregSes aos exteriores da profissio com ‘um eventual comentério “editorial”. Um ator inglés. ve- terano do elenco de “Tiger at the Gates” me disse “Vocé € 0 primeiro diretor que realmente me dirigiv desde Grainville Baker.” ‘“Muitos diretores ingleses”, 0 ator continuou explicando, “acreditam que a sua funcdo consiste em pouco mais que arranjar os elementos fisi- cos da produgéo — marcaglo, cenas de grupo © coisas semelhantes. Esperam que o ator forneca 0 resto, por virtude de seu talento. Tal divisio de tarefas & irreal, Lembro-me de uma ocasido em que um ator de temporada parou quando Ihe dei uma sugestao sobre tum pequeno ponto num dos primeiros ensaios. “Vocé nao precisa me dizer isto”, ele me avisou. “Eu entendo do. meu trabalho.” Néo insisti mais. Decidi nao dizer mais nada a ele por varios dias. Apés um tempo, 0 ator chegou para mim durante um intervalo para almogo © Se queixou: “Voeé esta dirigindo todo munao; nio tem nada para me dizer?” Ble estava pronto para ser dirigido. ‘A diregio ¢ a representagdo constituem uma troca rmiitua, uma estrada de mao dupla; uma espécie de casa- mento. A coisa mais importante que deve resultar de lum periodo inicial de trabalho é 0 entendimento entre © ator e 0 diretor: cada um aprende como tolerar e lidar com 0 outro, Isto torna-se cada vez mais vital nas tapas subseqiientes do ensaio. (Extraido de On Directing, de H. Clurman, New York, Collier Books, 1972, trad. por Carmina Lyra.) © TEATRO NA GRECIA Origens © teatro propriamente dito nasceu na Grécia, mas suas origens remontam & mais longingua antiguidade © ainda hoje pertencem ao campo das hipdteses. Parece que seu nascimento efetuou-se como uma derivacio das dancas mgicas e das representagdes mimicas realizadas pelos bruxos ¢ Ieiticeiros das tribos primitivas com 0 objetivo de afugentar os maus espititos, 0 que procura- vam conseguir combatendo-os com suas proprias armas fantasmagéricas, isto é, com fantasias © pintando o rosto para assim assustar as divindades adversas e fazet com ue clas deixassem os homens em paz. Logo estes exor- cismos tomaram uma forma, ¢ esta forma — a panto- ‘mima, sujeita a certos cinomes impostos pelos costumes rituais — adquiriu um ritmo. Forma e ritmo, unidos ja de mancira indissolivel, passaram a constituir a danca. Esta danca, produto de uma evolucio progressiva através das etapas j4 citadas — exorcismo e pantomi ma — converteu-se em uma forma de culto popular, renovada periodicamente, no s6 como uma oferenda aos deuses benignos para que estes protegessem os ho- mens, como também para satisfazer as necessidades do povo, sempre sedentos de espeticulos. Foi entio do culto’ de Dionisios — 0 Baco dos romanos — deus das 4rvores e dos frutos, da uva e do vinho, da vindima e da ‘embriagués que nasceu o teatro. As adoradoras de Dio- nisios — as bacantes — se reuniam & noite sob a luz das tochas ¢ animadas por uma miisica de flautas pas- torais sacrificavam um cordeiro, cujo corpo despedaca- vam, devorando em seguida sua care palpitante, 0 que produzia uma espécie de frenesi religioso — chamado em grego entusiasmo — que as fazia correr pelos cam- pos entre gritos e movimentos desordenados até acabar fem toda sorte de excessos. Este entusiasmo ou furor dlionisiaco acabou organizando-se em um desfile ou cor- tejo, que se repetia quatro vezcs por ano diante do templo do deus. Um individuo do coro, se destacava dos ddemais na danga ¢ rectava 0 ditrambo, hino em louvor i divindade festejada, ato que se. tem como 0. prece- dente mais remoto e certo da forma teatral. Vestido com pele de bode — isto ¢ de-sdtiro — foi quem dev o home (por causa de sua fantasia) & mais. alta forma de teatro na antiguidade: tragédia, A palavra tragos — bode em grezo — ficou para designar uma das tes classes da representagio dionisiaea, enquanto. que afi fra do sétiro permaneceu lignda so outro tipo de re- Dresentacio menos seri, a tragédia satrica, da qual flevia nascer comédi, de apari¢ao. muito. posterior Mais tarde, a0 lado de Dionisios, a quem eram diri- gidos estes espetfculos, foram introduzidos "novos. per- Sonagens — herdis e reis —na_trama das representa- g6es. AS suas faganhas passaram a ser 0 assunto dos ditirambos, © que consttuiu um grande passo na secula~ Fizacio das festas que até entio mantinham um cunho estrtamente religioso. Tespis, jovem natural de Tearia, na Aiea, trans- formou 0 exarconte, 0 conduter do. coro, em um dialo- gante a0 introduzir © primeiro ator, eriagio Sua, cha- mado hipocrites — respondedor em greg0 — destnado &-dar a resposta ao corifeu em um didlogo interrompido pelas intervengdes cantadas pelo coro. O tema era sem- re herbicoépico, mas 0 coro permaneceu estrtamente lirico, se bem que seus membros, incluido 0. corifeu, se transformavam, de acordo como tema, em cidadios ou figuras de carater coletivo, pertencentes a narrative A Tragédia Grega Querilos € Frinicos foram os imediatos sucessores de Tespis. Frinicos foi criador das méscaras femininas, realizadas em cores claras, para contrastar com a dos homens, sempre mais escuras. Frinicos acrescentou a esta inovacdo a presenca de mulheres no coro e foi 0 rimeiro a introduzir temas histéricos & tragt Os esforgos literdrios destes arcaicos autores se viram completados ¢ aperfeicoados por Esquilo (525- 456 a.C.). Segundo Aristételes, Esquilo introduziu 0 segundo ator, com 0 qual © didlogo adquiriu maior liberdade e naturalidade, Também a técnica teatral foi enriquecida pelo emprego de tumbas e altares no cené- io, aparigdes fantésticas de firias e espectros ¢ pela fixagdo do aparato dos atores: a syrma, uma ampla tGniea com mangas ¢ gola e 0 coturno, saptos com solas ‘grossissimas, destinados a aumentar e realgar a estatura € majestade dos protagonistas — ambos elementos to- mados do ritual da religido dionisiaca. Além disso, Esquilo aperfeigoou o uso das méscaras, cujo nimero ampliou ¢ caracterizou de acordo com a grandeza do novo espetaculo, Todas estas inovagdes, devidas a0 génio teatral de Esquilo, se bem que facilmente aceitas por nos hoje em dia, foram, entretanto, incompreensiveis 20s, romanos. Para estes, todo esse aparato s6 fazia tolher (© ator. Nao percebiam que a intengo era justamente ‘ocultar por completo 0 corpo do ator, do qual sé apa- reciam as mios, permitindo assim que ele esquecesse sua personalidade quotidiana para entregar-se_ integral- mente a sua sagrada tarefa, do mesmo modo que 0 Sacerdote com suas vestes litirgicas se entregava ao culto ‘Ao lado de toda esta série de melhorias, Esquilo produziu um grande nimero de obras draméticas mais de setenta, segundo o testemunho de seus con dadios. Porém 86 chegaram até nés, fora uma lista de titulos e alguns fragmentos, as seguintes sete tragédias {que enumeramos por ordem de aparicio: “As Suplican- | tes", “Os Persas”, “Os Sete Contra Tebas”, “Prome- teu”, e a “Orestia”, sendo esta titima uma tetralogia ‘ou Conjunto de quairo pecas draméticas — trés,tragé- dias ow trilogia trégica e um drama satirico — da qual desapareceu o drama satirico, restando apenas 0 seu tulo: “Proteo”. A tragédia esquiliana se caracteriza por ‘uma grandeza imponente e uma forea tragica de grande tensidade que apesar do hieratismo proprio da juven- tude do género nos transmite uma terrivel e augusta beleza. Sofoctes, homem de esmerada educagio © extraor- | dindria beleza © dignidade, tanto fisicas ‘como morais, protétipo do cavalheiro grego, € o continuador, da obra | de Esquilo, No ano de 458 A.C., quando ainda nao tinha trinta anos, derrotou © seu predecessor e mestre ‘num certame teatral. Vinte vezes mais alcangou 0 triun- fo ao longo de sua prolifica carreira artistica, durante fa qual produziu 123 dramas, dos quais s6 conservamos sete, Observa-se uma grand? unidade de estilo, o que revela uma maturidade muito precoce, Sofocles ¢ 0 criador do terceiro ator, com a conseqiiente expansio do didlogo e a menor importincia do coro que ficou | tlezado a um plano secundéro. Seu tetra difere essen- cialmente do de Esquilo na sobriedade da construcio | dramética, 0 que faz com que uma s6 de suas comédias, Electra possua material mais do que suficiente para fazer | uma trilogia. Em todas as obras que dele se conservam —Aniigona, Ajax, Epido Rei, Traquinianas, Electra, Filotete ¢ Edipo em Colona — 0 herGi, em reago a0 sentido demasiado fatalista do teatro de seu anteces- sor, reflete de um modo vivo a intimidade moral de sua alma, seu “ethos”. — Em relagio a técnica cénica, Sofocles € universalmente reconhecido como o inventor da “skenographia” ou pintura cénica. Foi o primeiro a colocar um fundo definitivo na cena — a “skene” — ©, finalmente, em suas obras cristaliza uma vez por todas a estrutura da trajédia dtica, que ficou constituida da seguinte maneira: primeiro, 0 “prologos” ou exposicio; segundo, 0 “parodos” ou canto de entrada do coro; terceiro, os cinco “episodion” ou episédios, alternados com os cinco “stasimon” ou intervengdes do coro, 0 que dava lugar a uma sucesso periédica de cenas dia- Jogadas ou histridnicas interrompidas pelas exclamagdes liricas do coro, E, por fim, a quarta e iltima parte, constituida pelo “exodos”, canto final ¢ partida do coro. Com Euripides (480-406 A.C.), tltimo dos trés grandes, a tragédia dtica alcanca 0 zénite de sua evo- | Tugio, depois do que comega 0 seu declinio. Homem do povo, sua atitude contrasta com a dos | seus antecessores, que pertenciam as mais altas classes sociais helénicas, Sua mentalidade se manifesta por um implacdvel sentido critico baseado na razio ¢ na légica de uma personalidade autodidata, Euripides alterou por completo a estrutura da tragédia, jé definitivamente con- formada por Sofocles, modificando 0 principio ¢ o fim da mesma. O prologo ficou reduzido a uma breve alo- cugdo dirigida a um deus e na qual se relatam os acon- tecimentos anteriores & ago; 0 éxodo aparece subst tufdo por uma aparicéio sobrenatural de um deus que | atua cortando o fio de toda a trama e precipitando o desenlace. Isto constituiu a primeira aparigio do tio criticado “theos apo mekanes”, ou “deus ex machina” | dos romanos. Pintor do sentimento e das paixdes, Euri- pides é, de certa maneira, o dramaturgo das forcas subconscientes da alma de seus heréis, fato este que o aproxima de algum modo com os mais modernos eseri- tores de hoje. De todas as tragédias escritas por cle, cujo mimero alcangou, segundo certos autores, setenta e cinco, se 10 conservam atualmente dezenove, total superior as de Esquilo e Séfocles reunidas. Seus titulos sio: Alcestes, Medéia, Hipdlito coroado, As Troianas, Helena, Ores- tes, Ifigénia em Aulis, As Bacantes, Andromeda, E'cuba, Electra, As Heréclidas, As Suplicantes, Ifigénia em Tau- ride, O Ciclope, Hércules, Ion, Antigona e Belerofonte. A COMEDIA ANTIGA © iso criow @ comédia, nome derivado, segundo | Arist6teles, de “komos”, cangio burlesca dirigida contra Certos individuos que eram objeto da critica de seus condidadios. A comédia, nascida no Peloponeso, pas- sou por intermédio dos’ seus vizinhos dérios a Atica, onde Epicarmo de Sicilia (550-460 A.C.), a elevou defi- nitivamente de categoria desenvolvendo’ 0 “agon” ou conflito dentro dos temas burlescos tomados da mito- logia herdica. Seus personagens, deuses ou herdis, trans- pportados da cena para a vida quotidiana, se transforma- vam em personagens grotescas ou ridiculas, de caracte- rizaglo muito simples ¢ de ficil utilizacdo para a cri- fica, Assim, por exemplo, vemos 0 vigoroso Hércules © © prudente Ulisses caracterizados como um glutio e um covarde, respectivamente. Esta classificagao de tipos ficou definitivamente estabelecida e deu lugar ao nas. mento de muitos outros, criando-se uma variadissima galeria de tipos que perdurariam ao longo de toda a hist6ria teatral: 0 parasita, 0 soldado fanfarrio, 0 avaro muitos mais. O vestiério e as méscaras se adaptaram 20 novo género, ¢ as dancas nos. intervalos adotaram ‘a forma mais licenciosa de todas, o “kordax”, acomp: nhado de alegre misc: ‘A. comédia alcangou grande éxito gracas a0 extra- ‘ordindrio sentido cfvico do povo grego, que sempre | gostou de ver retratados ¢ criticados nela as persona | gens merecedoras disto, por mais venerdveis que fossem, desde Séerates a Péricles. Este costume provocou certas medidas restrtivas por parte do poder piiblico, medidas estas, porém, que nio impediram que este género se tomasse cada vez mais popular. Diante do crescente gosto do auditério por esta classe de representagdes, 0 estilo das_eritcas se transformaram muitas vezes em verdadeiras libertinagens e injusticas. Dos autores posteriores a Epicarno temos noticia dos seguintes: Quionides, Magnes, 0 rival da Arist6fa- nes, Cratos e Eupolis. Estes fo ot nomes dos autores mais ihstres anteriores a Aristfanes, de quem falare- mos a seguir, e cuja figura é, ainda hoje, para muitos, O mais allo expoente da comédia de todos os tempos Aristéfanes (425-388 A.C.), poeta satrco © autor genial, nos deixou uma obra que, ndo obstante certos efeitos, quando no indecéncins de lingvagem, € um dos grandes legados fetos. pela cultura grega A huma- | niade "Cam eo plano cma se, ss mar tem chelo’ de poesia e auténica erica construtva, | Desde sua primelra obra lareada, Os Acarmienter —~ pre= | miada em'um concurso onde competiu com obras. de Cratinos € Eupolis —~ até a Assembldia de Mutheres, | pissando por Os Cavalhiros — As Nuvens — onde Fidielariza Sécrates —~ As Vespas — contra mania | Gue tinham seus concidadaoe deplete demanda ju oie ae Pac, Lisirata— contra a guerra © 4 mais | livre de suas produgdes — As Ras — critica a Euri- Pies, etc, 0 teatro” arsiofanesco € um retro. vivo © Eheio de gracejo mordaz da totalidade do ovo atenien- se. Toda a soiedade de seu tempo desila caracterizada tm uma série. de tipos imoras pintador ‘com tal fora de verdade que se tomam arguetipos ‘edmicos, vélidos para qualquer época, destinados a vive, por um milagre Ga poesia ‘cOmica, no eterno. presente Os Festivais Dionisiacos Ditirambos, tragédias e comédias, por serem de certo modo atos religiosos, realizavamse durante os | chamados festivais dionisfacos, dentro da area destinada 2 divindade © em épocas prefixadas que se estendiam | desde meados do inverno até & primavera. A primeira festa ou “rural dionisia” tinha lugar no més de Posei don — dezembro-janeiro — e consistia em uma baca- nal, Sobrevivencia das festas originérias do teatro. A se- gunda ou “lenaea” se celebrava em honra de Dionisio | Lenaeus no més de Gamelion ou do matriménio — ja- neiro-fevereiro —, e sua importincia era sempre local, ‘A terceira ou “anthesteria” tomava seu nome do més de sua celebragdo, Anthesterion ou més das flores — fe- vereiro-marco —, €poca correspondente 4 primavera, A quarta festa ou “grande dion(sia cidada” se celebrava, ‘no més de Elaphebolion — margo-abril — ou més dos | cervos e era a mais importante de todas: celebrava-se no somente para a cidade como também para toda a | nagio © tomavam parte dela os membros do conselho- do governo, estando sua organizacéo ¢ diregio a cargo do “arconte epénimo”, méxima autoridade do Estado. Era este “arconte epénimo” o encarregado de scle- cionar as obras draméticas que seriam representadas durante o festival, de escolher os atores ou componen- tes do coro e de designar os “coregas” que vinham a ser 08 cidadios incumbidos de financiar 0s gastos dos espeticulos. O nimero dos coristas — coregi — para cada festival era de dezesseis a dezoito. No. primeiro dia, antes do festival, se oferecia um sacrificio acompa- tnhado de procissio. O nimero de obras apresentadas foram, desde 0 ano de S08 a.C., de dez ditirambos © irés tetralogias, e mais tarde ainda se acrescentou trés a cinco comédias. ‘Cada uma das dez tribos da Atica apresentava seu ditirambo. © poeta, cuja comédia ou tetralogia (trés tragédias e uma tragédia satitica) seria representada, tinha que ter conquistado este privilégio através de um concurso, organizado anteriormente. 'As comédias eram as iiltimas a serem apresentadas, ao entardecer e depois de um grande intervalo, que 0s ‘espectadores aproveitavam para descansar, pois, como hhaviamos dito, era representado antes toda uma tetra- Togia. Os assistentes costumavam ir para suas casas s¢ refazer para voltar 20 cair da tarde para assistirem fi- hnalmente a comédia, As tragédias se representavam na parte da manhi e comecavam muitas vezes to cedo {ue alguns dramaturgos aproveitavam esta circunstanei para situar 9 comeco de sua obra ao amanhecer. Desenvolvimento das Construgdes Cénicas da ‘Antiga Grécia [As primeiras representagdes helénicas realizaram-se, como jé dissemos, no recinto consagrado a divindade, ou area sagrada, passando depois para a praca piblica ‘ou agora, e finalmente para a vertente sul da Acropolis. Em Atenas, a imortal cidade, centro de toda arte, veri- ficou-se também a evolucio completa da arquitetura cénica, A principio, muito simples, foi se modificando pouco a pouco. As’ representacoes primitivas celebradas recinto de Dionisos Eleuthero ocupavam jé duas reas: uma destinada as evolugdes do coro e a outra para imolar a vitima que como oferenda inicial se sacri- ficava ao deus, Essa Grea, de origem religiosa, conver~ teu-se em uma tribuna de onde atuava o ator. Esquilo acrescentou a skene ou tenda, onde 0 ator se ocultava para tomar a aparecer. Em frente fiava o coro, em torno 9 qual se colocava 0 piblico em forma semicireular, Timitado nos extremos pelo tablado do ator denominado proskenion., Mais tarde consiruiuse uma eseadaria de fmodeira rodeando 2 orquestra, esta mancira nasceu a fstrutura, do teatro. grego, légica e naturalmente nas- tida das necessidades da representa. AX’ principio 0 teatro consistia numa simples cons- trugio de madeira que se desarmava depois dos fest ‘ais. Posteriormente comesou a ser construido com ma- tetais definitivos. Produto deste progresso evolutivo foi © teatro de Atenas, cujas ruinas, ainda existentes hoje, fssim como de outros teatros heiénicos como 0 de Epi- dauro, Eretria, Magel6pols, Esparta, Pérgamo, ete. n03 permifem, gragas a um estudo comparativo, conbecer |S que foram aquelas primeiras construgoes, antecedentes | Neflerdveis das nossas atuais sas de espeticulos, Um Teatro Tipico Como exemplo de um teatro tipico daremos a des- crigio do Teatro Dionisos, em Atenas, cujo_recinto, | igado a todas. as plorias da tragédia © comédias helé- | nicas, constitui um dos santuérios da cultura universal | Ali, sobre aquela skene e sobre aquela orquestra de proporgdes harmoniosas e diante daquele panorama Ttustre, a Acropolis, verdadeiro cenério da histéria, | foram’ representados’ durante mais de dois mil anos as | eriagdes ‘imortais de Esquilo, Sofocles, Euripides | Aristéfanes. (© palco — skene — consistia em uma plataforma | de bloces de pedra.unidos sem argamassa que gigantes ajoethados ~— obra do escultor romano Phaedros — Simulavam sustentar, a maneira de Atlas. Este palco, que media 1,50m de altura por 46,50m de’ comprimento | 2°5,s0m de” protundidade, "se encontrava no mesmo lugar que o primitivo que, parece ter consistido em uma | simples base'de_pedra’ sobre a qual se armava um es- trado de madeira, No centro da. orquestra, semicirculo medinds 19,50m de didmetro pavimentado de lajes, © que se estendia até o paleo, levantava-se 0 altar ‘de Bionisos Eleuthero, Em volta dele os componentes do coro faziam suas evolugdes conforme a obra que repre- Sentavam. Uma fila de 67 assentos de honra talhados fem marmore branco, no centro do qual se destaca 0 | trono do sacerdote dionisiaco magnificamente decorado, constitu’ 2 primeira fila do anfiteatro — cévea —, que tem forma de concha vai subindo pela encosta da monta- n 2 nha, Dividido em trés andares, esta cévea mostra hoje as ruinas de uns trinta degraus de peda calcérea, restos Gos setenta e oito que constituiam o semicirculo ot nal. Os assentos eram esculpidos de tal maneira que cada espectador, sentado sobre uma almofada levada por ele, podia se recostar ou estirar as pernas com rela- tiva folga, (© paleo, transformado mais tarde em casa-palco, cra uma construgio larga, provida de um telhado, 0 qual posteriormente se decorou com duas ordens de colunas que serviam de fundo para a acio. Este cenério estava dotado de trés portas, uma no centro ou porta real, © dduas nos extremos ou portas dos atores. A diteta ¢ & esquerda do palco avancavam duas construgées salientes, 08 parasquenios, entre 0s quais se levantava uma tribuna sustentada sobre colunas que primitivamente eram de madeira ¢ posteriormente de pedra, tribuna esta que for- mava 0 palco propriamente dito. Como cenério se usa- ‘vam os periaktoi, prismas com decoragdes diferentes em cada face © que giravam mostrando a face segundo 0 lugar que se queria evocar. Convencionalmente, & dircita do palco representava lugares da Pétria, enquanto que A esquerda, estrangeiros, Outros elementos 20 jogo ci nico eram:'o ekiklema, praticével com rodas que servia para representar as cenas de interior; as exostras, cujo femprego se ignora; a karonian Klimakes, escada subter- rinea com um algapio, empregada para as aparigdes sobrenaturais, € 0 tealogeion ou plataforma elevada de conde falavam os deuses. A estes elementos préprios do cenério ha que se acrescentar muitos outros que se utilizavam para as apa- rigdes divinas, personagens voadoras © outros recursos para os efeitos mais diversos. (© conjunto dos elementos componentes do teatro grego — skene, orquestra, e anfiteatro ou cavea — to- mou o nome genético de teatro — da palavra grega theomai, isto é, eu olho — nome que cortespondia ori ginariamente cdvea propriamente dita, pela qual se entrava pelas portas principais ou parodoi, que se abriam. sobre uns corredores ou diazomata, que desembocavam, nna orquestra, por onde os espectadores chegavam 20s assentos por umas escadas dispostas radialmente, tendo como centro a orquestra, que por sua vez dividia 0 anti teatro em uns segmentos em forma de cuna ou kerkides. A Técnica Dramética na Grécia AAs representagies helénicas comecavam muito cedo, como jé dissemos ‘anteriormente, € 0 preco da entrada fou teorikon era de dois Sbolos, mas desde o tempo de Péricles os pobres no eram obrigados a pagar. Os ato- res, que segundo vimos alcangaram 0 nimero de trés, primeiro ator ou protagonista, segundo ator ou deutera- onista eo terceiro ou trtagonista —, chegaram, com © correr do tempo, a ocupar um posto de destaque na Sociedade, Assim, por exemplo, Aristodemos e Thetalos foram convidados is cortes de Felipe da Macedénia ¢ de Alexandre, o Grande, respectivamente, onde desempe- nharam importantes misi6es diplométicas. A arte destes flores era completamente diferente da dos seus colegas atuais: a amplitude do anfiteatro e a falta de condicoes fcisticas* obrigavam a uma agio quase que pantom mica, realgada pelas exclamagdes do coro e dos gritos dos alores nos momentos culminantes. Tudo contribuiu para tomar aquelas representacées um espetéculo memo- rivel: a imensa multidao de expectadores, que em alguns teatros como 0 de Megal6polis chegava @ quarenta. mil a luz deslumbrante do sol da Grécia; os majestosos trajes dos atores — syrma, chit6n, himatiOn, cldmides © 0s coturnos, que realcavam a grandiosidade do. persona gem, além das méscaras, realcadas pelos onkos, que aumentava a amplitude do_gesto Este tltimo elemento adquiriu uma extraordindria importincia durante o iltimo grande periodo do teatso rego, 0 da chamada Comédia Nova, contemporaneo de Alexandre, 0 Grande e cujo ilusire representante foi Menandeo (342-292 a.C.). Das suas obras, tio elogiadas pela antiguidade, s6 nos restam alguns fragmentos, ma- 10s restos de uma produgio de mais de cem comédias eseritas durante uma vida de eriago de mais de quarenta fanos, Com Menandeo, segundo o parecer dos seus admi- radores, a comédia deixou de ser uma sétira para passar a ser um espelho no qual se retratavam os caracteres da vida didria. Na comédia o mimero de méscaras.au- 1, Eta deficitneia era contrabalangada em parte pela conformacto especial das miscaras, dotadas de uma espécie de ‘megafone © por uns engenhosos vasos metlicos, que se ach ‘vam distribudos pelos degraus e que aluavam como 0s nossos altofalantes, recolhendo e devolvendo amplifieada a yor emi tida pelo stor do imerior da mascara ‘mentou consideravelmente chegando a atingir quarenta fe quatro tipos diferentes — nove de velhos, onze de jovens, sete de escravos € dezessete de mulheres. Isto basta para dar-nos uma idéia da diversidade dos caracte- res que entravam em jogo. Por esta ocasifio os atores comecaram a agrupar-se fem sinodos ou grémios nos quais se inscreviam segundo ‘sua categoria ¢ 0 papel e género que representavam, 0 ‘mesmo fazendo os misicos — citarstas, flautistas, ete. — ¢ 05 professores de declamagio ou corididaskalos. (Acaptado ¢ traduride de Histéria del Teatro, de Javier Farias, Arquivo: Cademnos de’ Teatro) 13 4 CURIOSIDADES SOBRE O TEATRO GREGO s atores gregos eram todos homens, mesmo para representar papéis femininos. s atores gregos apareciam em cena com formas agigantadas, para isto usavam 0 onkos, penteado elevade fem forma de torre, além do coturno, sapatos de solas grossissimas com a finalidade de elevar a estatura, Qs trajes que os atores gregos vestiam no cram hhist6ricos, mas ‘convencionais gracas a uma estilizada transformagdo dos trajes que se usavam na vida contem- porfinea. A vestimenta principal do ator era 0 quiton, cespécie de tinica larga até os pés, mas diferente da usual porque tinha as mangas largas; ndo era branca mas sim de varias cores, ¢ era presa por um cinturao na altura do peito do ator, devido as descomunais dimensses da figura. Havia também a clémide, manto curto, tevado ‘20 ombro esquerdo, ¢ himatién, manto largo sobre 0 ‘ombro direito, Estas roupas tinham cores simbdlicas, por exemplo, as roupas dos reis eram purpireas, a dos per- sonagens enlutadas escuras. Os grandes hersis levavam uma coroa; 0s personagens exéticos, enfeites caracteris- ticos do seu pais (por exemplo: turbante em Os Persas);, cos deuses, os seus atributos (Hércules, a flecha ¢ a pele de leo), (© coro grego niio tem nada em comum com 0 coro das comédias musicadas. No drama moderno, 0 coro é Juma massa de atores secundirios que falam juntos; de ppersonagens que nao agem individualmente mas’ em ‘grupo, no ultimo plano do quadro cénico; de todas as maneiras, personagens. O coro grego nfo’ é um perso- nagem, E um residuo lirico da personalidade do pocta que nio se resigna ser somente o dramaturgo, a agit sobre a alma dos espectadores apenas através de seus personagens, a renunciar a expresso direta dos seus sentimentos. Por isso 0 coro j4 foi definido como “a voz do poeta", “o espectador ideal”; “uma barreira ‘moral entre a tragédia © 0 péblico”. (© prego das entradas era muito barato e as pessoas {que no podiam pagar, entravam gratuitamente. O espe- ticulo era financiado pelos grandes financistas da época {que por sua vez eram designados por um representante do governo, membro do conselho do governo, formado por esta ocasido para organizar o festival A palavra tragédia vem de tragos, que quer dizer bode em grego ¢ que designava uma das és tppresen- tacées dionisiacas que se realizava por ocasiio das festas em honra a Dionisios. Tragédia satirica designava a foutra representagio da qual devia nascer a comédia muito mais tarde, © seu nome se prende a figura do sétiro, Tanto 0 sétiro como o bode eram figuras ligadas 05 festejos. dionisfacos. Alguns anfiteatros gregos comportavam 4,000 es- pectadores e seus assentos eram tio confortiveis que se podia até esticar as pernas. © prestigio dos poetas draméticos dos atores era to grande que muitos deles cram convidados para ‘ocupar postos importantes na vida politica. Foi assim {que Frinico foi cleito estratezista pelos atenienses, depoi do sucesso que obteve com uma de suas pecas. Quem fra capaz de tal coisa, pensavam eles, seré também um excelente chefe. militar. ‘As pecas eram julgadas em um concurso, organi zado pelo governo. $6 as premiadas 6 que eram levadas. no festival. Entretanto, 0 critério dos jurados nio coin- cidiu com o critério da posteridade ¢ nm mesmo com (0 das pessoas cultas daquela época. Um exemplo € que © grande Euripides s6 conseguiu consagrar-se com cinco de suas noventa e duas pecas. Outros autores, muito inferiores a ele, tiveram muito mais sucesso em seu tempo, mas foram sepultados pela posteridade, enquanto ‘que o nome de Euripides brilha até hoje. |A tragédia grega niio nasceu para diversio nem para passar o tempo. Se fosse este 0 caso teria pasado desapercebida © sem interesse. Nasceu de uma necessi- dade, como parte de um culto de grande importancia para’ toda a cidade, Nao era um recurso, nem tampouco uma diversio para uma lite de pessoas cultas ¢ de aborrecidos, mas tratava-se de uma grande solenidade para toda a cidade em festa, (Arsuiva Cadernor de Teatro) “A HISTORIA DO JARDIM ZOOLOGICO" Edward Albee ‘Tradugio de Luiz Carlos Maciel Intérpretes: Peter — Um homem de quarenta anos, nem gordo nem magro, nem bonito nem feio. Veste um paleté de tweed, fuma cachimbo ¢ usa éculos de aros, Apesar de caminhar para a ‘meia-idade, suas roupas e suas ma- neiras sugeririam um homem mais ogo. Jerry — Um homem de quase quarenta anos, vestido com certo desleixo. Seu corpo, que foi, uma vez elegante, de leve musculatura, comeca a ficar gordo, e apesar de no ser mais bonito, aparenta ter sido. A perda de sua graca fisica nao devia sugerir devassidao; para ser mais exato, ele parece, antes can- sado e acabado. Cena: Central Park; uma tarde de domingo no veréo; época atual. Ha dois bancos, sendo um de cada ado do palco, mas ambos de frente para a platéia. Atrés deles: arvores, folhagens, céu. Peter est sentado num dos bancos. Marcagdes do pal- co: quando sobe a cortina, ele esti sentado no banco da direita. Esté Tendo um livro, Péra de ler, por um Volta a ieitura. Entra Jerry. | terry — Vim do Jardim Zool6- | ico. (Peter nao o nota). Eu falei Eu falei que estive no zool6gico! El, SEU, EU ESTIVE NO JARDIM ZOOLOGICO! Perer — Ein?... O qué?... Des- culpe, 0 senhor estava falando co- igo? Jerry — Eu fui a0 zoolégico e, depois, caminhei até aqui. Essa é a quinta’ avenida? (Apontando além da platéia). PeeR — Bem... eu... acho que sim... Deixa eu ver... Ah, é& € Jerry — E que rua transversal & aquela da dircita? Peter — Aquela? Oh, aquela € a Rua Setenta ¢ Quatro. ‘JeRRY — O Jardim Zooldgico fica perio da Rua Sessenta e Seis; logo eu estou caminhando para o norte. PETER (Ansioso para continuar a Teitura.) — B, parece que sim. Jerry — O velho norte, 0 bom norte PETER (Levemente, por reflexo.) — Ah, ah. Jerry (Depois de uma breve pau- sa,) — Mas nfo é bem o norte. Peter — Nio... néo ¢ bem o norte, Mas nds... nés o chamamos norte, Para 0 norte. 7 Jerry (Observa Peter que, ansio~ 0 para se ver livre dele, prepara ‘cachimbo.) — Olha rapaz, voc® no quer arranjar um céncer no pulmo, quer? rim — Nao, senhor; no com isso aqui. momento, enquanto limpa os éculos. Jerry — Entéo, voce quer arran- jar cincer na boca; e vai ter que usar uma daquclas coisas que Freud usava depois que arrancaram um lado inteiro do queixo dele. Como € mesmo que se chamava aquilo? Peter (Sem jeito.) — Um apa- relho protético. Jenny — Isso mesmo, um apare- tho protético. Voce & ‘um homem instrudo, néo €? Voct & médico? Perer — Oh, nio. que eu ti isso em algum lugar; acho que foi no “Time”. (Ele volta ao seu livre.) Jerry — Bem, 0 “Time” no é para qualquer um. PotER — Nio, acho que nio. Jerry (Depois de uma pausa) — Puxa, estou contente de saber que aquela é a quinta avenida. Perer (Vagamente) — £2 Jerry — Eu no gosto muito do Jado oeste do. parque. Perer — Nio? (Com prudéncia, ‘mas interessado) por qué? Jerry (Fora do assunto) — Nao sei Peter (Volta ao seu livro) — Oh! Jenny (Péra por alguns segundos, othando Peter, que, finalmente, le- Vania os olhos, outra vez, perplexo) “A "Voc’ ‘se incomoda de conversar comigo? Peter (Levemente incomodadd) — Bem... ni, nio. Jerry — Bem... mas nio esti querendo conversar. E, vocé se im- porta sim. PeTer — Néo, eu, sinceramente, nijo. me import. Terry — Voce se importa sim. Perex (Finalmente, decidido) — Nao, na verdade, eu ndo me impor- to, absolutamente 15 16 Jerry — B... esté fazendo um bonito di Peter (Fixa, desnecessariamente, 0 céu) — EB... 6 sim; esté muito bonito. Jerry — Eu estive no Jardim Zoolbgico. PeTER — Vocé jé me disse isso, antes... niio disse? Jerky — Amanha voc vai ler sobre isso nos jornais, se vocé nio assistir na sua televisio hoje & noite, ‘Vocé tem televisio, nfo tem? Perer — Tenho sim. Nés te- mos duas; uma para as criangas. Jerry — Vocé é casado? PETER (Satisfeito, com énfase) — Sim; € légico que sou. JeRRY — Bem, mas ser casado niio € uma obrigagao. PereR — Nao... claro que no. JerRY — Vocé tem esposa. Perer (Espantado pela aparente falta de relacao) — Claro! Jerry — E vocé tem filhos. Peter — Tenho dois. Jerry — Meninos? Perer — No, meninas... duas meninas. JERRY — Mas voc® queria me- ainos. Peer — Bem... naturalmente, todo homem quer um filho, mas Jenny (Zombando) — $6 que voce rio descobriu a receta Peer (Chateado) — Eu no quis dizer isso. Jerry — Vocés nfo pretendem ter mais fihos, pretendem? Peter (Um pouco distante) — Nio. (Voltando-se aborrecido.) Por «que voc pergunta? Como vocé pode saber? TeRRY — Pelo jeito de voce eruzar as pernas; alguma coisa na sua voz; ou, talvez, seja somente um palpite. E por causa de sua mulher? Perer (Furioso) — Isso no € da sua conta. (Jerry diz sim com a ca- beca. Peter acalmando-se.) Bem, vyoeé tem razio. Nés ndo vamos ter mais filhos. Terry (Suave) — & descobriu a receita, Perer (Perdoando) — que nio. Jerry — E, agora, que m: Prrer — O que é que vocé estava falando sobre Jardim Zoolégico... Que eu ia ler, ow ver?. Jerry — Vou the contar daqui a pouco. Vocé se importa que eu faca mais. perguntas. Peter — Oh, no! Jerky — Eu The digo porque; eu nio falo com muita gente — s6 para dizer coisas, como: "me dé uma cer- yeja”, ou “onde € 0 mictério”, ou “gue hora 0 filme comega’, ou ai: “ira a mo dai, rapaz”’— Voce es eo PETER — Nao, nio compreendo. Jerry — Mas'de vez em quando eu gosto de conversar com alguém; conversar, realmente; gosto de ficat conhecendo esse alguém; de saber tudo sobre ele. Peter (Sorrindo, mas ainda sem jeito) — E eu fui escalado pra hoje? Jerry — Numa ensolarada tarde ‘de domingo como essa? Quem me- Thor do que vocé, um homem bem ‘easado, com duas filhas €... um ca- chorro? (Peter sacode a cabeca) Nao? Dois cachorros. (Peter sacode @ cabeca,) Nenhum cachorto? (Peter voc’ no acho sacode a cabeca melancolicamente.) Oh, que pena! Mas voce. parece. gos- tar de animais, Gatos? (Peter faz que sim com a cabeca, tristemente) Ga- tos? Mas isso mio pode ter impor- tincia para voce, mas... para sa mulher". suas fihas. (Peter faz que sim com @ cabega) H& mais alguma coisa que eu deva saber? Perer (Limpando @ garganta) — Hi... Ha ainda dois periuites. tum para cada uma de minhas flhas. Jenny — Péssaros. Perer — Eles ficam presos numa gaiola no quarto de minhas filhas. JERRY — Sido doentes?... 05 pas- saros? Pere — Creio que nao. Jerry — & pena. Se fossem doen- tes voc’ poderia soité-los e os gatos ppodiam comé-los e, talvez, morrer. (Peter fica pélido por um momento é. depois, sorr) E que mais? Como que voce pode sustentar essa fa- milia toda? Peter — Eu... trabalho na di- reco de uma... uma pequena edi- tora... nés publicamos livros esco- lares. Jenny — Otimo, excelente. Quan- to € que voc’ ganha? Peer (Ainda animado) — Espe- ra af Jenny — Ob, vamos, diga PETER — Bem, eu ganho cerea de 1.800 délares. por ano, mas nunca ando com mais de quarenta. délares no bolso... no caso de voeé ser assaltante... Jerry (Ignorando o dito. acima) — Onde é que voce mora? (Peter esté relutante.) Olha, seu no pre~ tendo roubar vocé, nem seus passa rinhos, nem seus gatos ou suas filhas. PereR (Muito alto) — Eu moro centre Lexington e a Terceira Aveni da, na Rua Setenta ¢ Quatro. Jerry — Nao foi dificil dizer, foi? Perer — Eu nio quis parecer. & que vocé propriamente nio_con- versa; voce s6 faz perguntas. E eu sou... eu sou, geralmente, um reti- cente. Por que voc’ fica parado af? Jerry — Eu you andar por aqui, Gurante algum tempo e, de vez em quando, eu me sento. (Lembran- do-se) Espere até voce ver a expres- ‘sio da cara dele. Peer — A cara de quem? Otha aqui; é alguma coisa sobre o Jardim Zoolbgico? Jerry (Distante) — O qué? Peter — zoolégico. Alguma coisa sobre o Jardim Zool6s JERRY — O zo0légico? Perer — Vocé 0 mencionou vé- rias vezes. Jerry (Ainda distante, mas vol- tando bruscamente) —'O. Jardim Zool6gico. O Jardim Zootégico? Ah, ‘sim, 0 zoolégico. Eu estive Id antes de vir para c4, J4 Ihe disse isso. Diga, qual € a linha diviséria entre a alta~ média classe-média ea baixa-alta classe-média? Perer — Meu caro amigo, eu.. Jerry — Nio me chame de caro amigo. Perer (Infeliz) — Eu estava ape- nas, querendo ser amével, Descul- pe. Mas vocé compreende, sua per- funta sobre classe-me desconcertou, Jerry — E quando vocé se des- cconcerta, voce fica amével? Perer — Eu... eu ndo me ex: presso bem, as vezes. (Tem uma pia- da sobre si mesmo) Eu sou um edi- tor, no... um escritor. Jerry (Divertindo, mas ndo achan- do graca) — Esté bem. Mas a ver- dade € que voc’ estava querendo me agradar, Peer — Vocé nio precisa falar assim. (Neste ponto, Jerry pode come- sar @ caminhar pelo paleo com lenta, mas crescente resolucdo € autorida- de, medindo os passos de tal manci- ra que a longa fala sobre 0 cachor- ro vem no ponto mais alto da curva.) Jerry — Esti bem. Quais sio os seus escritores favoritos? Baudelaire e J.P. Marquand? PETER (Cauteloso) — Bem, gosto de ingimeros escritores; tenho uma considerivel... digamos, liberdade de gosto. Esses dois que vocé citou sto excelentes, cada um no seu gé- nero. (Entusiasmando-se) Baudelai- re, maturalmente... & de longe 0 ‘melhor dos dois, mas Marquand tem seu lugar... em nossa... literatura. Jerry — Chega. Perer — Desculpe. Jerky — Voc’ sabe o que eu fiz antes de ir ao Jardim Zoolégico, hoje? Andei toda a Quinta Avenida, desde Washington Square. PETER — Ah, voct mora no Vil- lage? (Isso parece interessar Peter.) Jerry — Nao. Tomei o subway até © Village de modo que eu pudesse caminhar a Quinta Avenida inteira até 0 zool6gico. Essa é uma das coi- ‘sas que uma pessoa tem que fazer; as vezes, uma pessoa tem que se afas- tar muiio do caminho para atingir um ponto relativamente proximo. PETER (Quase com desagrado) — ‘Ah, eu pensei que voce morasse no Village. Jerry — O que € que voc’ esti tentando dizer? Encontrar um sen- tido nas coisas? Colocar as coisas no J lugar? Usar o velho trugue do curio- | so? Bem, é fécil eu the explico; moro numa pensio de quatro andares, no fim da zona este, entre a Avenida Columbus e 0 oeste do Central Park ‘Moro no sltimo andar, nos fundos; © meu quarto é ridiculamente peque- no ¢ uma das paredes ¢ feita de ti- bua; essa parede separa meu quarto de um outro, também, incrivelmente pequeno; por isso eu acho que os ois quartes foram antes um quarto 6, mas no tio pequeno, O quarto Sout. lado sinha, pare. de tdbua é ocupado por uma “bicha” negra, que sempre deixa a porta do seu quarto aberta; bem, nem sem- pre, mas sempre que ela esti depi- ando as sombrancelhas, 0 que cla faz como um ritual budista, Esta bi- cha negra tem dentes estragados, 0 {que no € comum; tem também um Guimono japonés, 0 que é também bastante raro; ¢ usa o quimono para ire volar a0 banheiro, no hall, 0 aque € bastante freqlente, O que eu Guero dizer é que ela vive indo 20 Banheiro. Mas munca me chateia, € nunca Teva ninguém para seu quarto. Tudo que ela faz € depilar as som- brancelhas, usar seu quimono © it a0 banheito, Ja os dois quartos da frente no meu andar sio um pouco maiores eu acho; mas também nao Sto grandes. Tem uma familia porto- riquenha num deles; 0 marido, 2 mu- There algumas ctiangas; no sei qquantas. Essa gente me diverte um Bocado. E no outro quarto da frente tem alguém morando ld, mas eu no sei quem é, Nunca vi. Nunea, nunca Jamais. ever (Embaracado) — Por qut. Por qué... Por qu’ vocé mora nessa JeRRyY Nio sei, (Distante, outra vez) — 1 PeTeR — Nao me parece um Iu- gar dos mais agradaveis... onde vocé mora. Jerry — Bem, nio; nfo é um apartamento como os do seu baitro. Mas ndo tenho uma esposa, duas fi Ihas, dois gatos e dois periquitos. (© que eu tenho: artigos de toillete, ‘algumas roupas, um fogareiro, que eu nao devia ter, um abridor ‘de Tatas do tipo que funciona como uma chave, vocé sabe; uma faca, di garfos, e duas colheres, uma grande fe uma pequena; trés pratos, uma xi- ‘cara, um pires, um copo, duas mol- ‘duras para fotografias, ambas vazias, uns ito ou nove livros, um baralho pornografico, um baralho comum, tuma velha méquina de escrever Wes- tern Union que s6 bate as letras ‘maiiisculas ¢ um pequeno cofre sem fechadura, que tem dentro... 0 qué? Pedras! Algumas pedras que eu apa- nhei na praia, quando era garoto; debaixo delas, estio algumas cartas amassadas..." cartas de “pedidos", por favor, por que vocé nao faz isso; por favor, quando vocé faré aqui E cartas de “perguntas”, també Quando voct vai escrever? Quando vocé viré? Quando? Quando? Quan- do? Estas cartas so as mais recentes. PereR (Mal humorado fixa seus sapatos e, entéo) — E aquelas duas ‘molduras’ vazias? Jerry — Nio vejo. necessidade nenhuma de maior explicagio. Nio esté claro? Nio tenho fotografias de ninguém para colocar nelas. Perer — Seus pais... talvez.. uma namorada. . JERRY — Vocé é um homem de- do ¢ de uma incoeréncia verda- deiramente invejével. Mas minha ‘querida mie © meu querido pai es- tio mortos... e isso me entristece, voo8 sabe... Mas aquela conhecida dupla de “vaudeville” est represen tando agora nas nuvens © eu nao sei como poderia contemplé-los arruma- dinhos ¢ emoldurados num quart. ‘Além disso, ou, antes disso, para ser fexato, a querida mame abandonou © querido papai quando eu tinha pouco mais de dez. anos; ela embar- Cou numa excursio adiltera, através dos Estados do Sul... uma tournée que durou um ano... © a compa- hia mais constante’ que ela teve entre outros... entre muitos ou- tos... era um tal Mr. Barleyearn. Pelo menos, foi o que o querido pa- ppai me contou, depois que ele foi a0 Sul... ¢ voltou... trazendo o corpo dela. N6s tinhamos. recebido a no- ticia, veja voc’, entre 0 Natal ¢ 0 ‘Ano Novo, de que a querida mamie tinha ido desta vida para outra me- thor num daqueles imundos cortigos do Alabama, E morta, ela era menos bem-vinds. Eu quero dizer que a querida mame ndo passava de um corpo rigido e frio. De qualquer ma- neira, © meu bom e velho pai cele- rou o Ano Novo por umas duas semanas e, depois, se atirou na fren- te de um dnibus, 0 que mais ou me- nos resolveu este problema familiar. Bem, nio; depois entéo, teve a irma da querida mamae que nio era dada nem ao pecado nem as consolacdes do alcool. Eu me mudei para a sua casa € $6 me recordo da severidade de tudo que ela fazia: dormir, co- ‘mer, trabalhar, rezar. Ela caiu mor- ta mas escadas de seu apartamento, que, entéo, era também o meu, na tarde de minha formatura no colégi. Uma piada horrivelmente sem gra- ga, se vocé quer saber 0 que eu acho disso. tudo. PETER — Que coisal... que coi- Jenny — Que coisa, 0 qué? Isso. tudo j4 foi hd tanto tempo que eu nfio consigo integrar-me na his- téria com @ mesma emogio ou. como se eu fosse personage dela. Talvez, agora, voce possa compreen- der, entretanto, porque a querida mamie € 0 querido papai estio sem moldura. Qual € 0 sew nome? Seu primeiro nome? Perer — Peter, Jerry — Eu tinha esquecido de perguntar. © meu é Jerry. PerrR (Com ligeiro riso nervoso) — Al6, Jerry Jerry (Responde com a cabeca) — Agora, vejamos: qual é a razio para ter a fotografia de uma mulher, especialmente em duas molduras? ois eu tenho duas, voce se lembra. Nunca deito com uma dona mais de uma vez e a maioria delas nfo se deixaria fotografar no quarto num momento desses. Seria estranho © acho que triste, também. Perer — Elas? Jerry — Nao. O que é triste é que eu no consiga estar com uma dona mais de uma vez. Nunca fui ‘capaz de usar 0 Sexo com, ou como se diz?... ter relagdes com alguém mais do que uma vez, Uma vez 56 e acabou-se... Oh!, espere! Quan- do eu tinka quinze ‘anos... e coro de vergonha s6 em me lembrar que a minha puberdade tenha vindo tan- to tempo depois... eu era um h-o- m-o-sse-x-u-al. Eu quero dizer pe- derasta.... (Muito répido...) pede- rasta... com todos os “ff” ¢ “ com sinos badalando, bandeiras des- fraldadas ao vento. E durante onze dias, eu me encontrava, a0 menos duas vezes por dia, com o filho do superintendente do parque... um rapaz grego, cujo aniversirio era no mesmo dia do meu, s6 que ele era lum ano mais velho. Eu me sentia muito apaixonado.... mas talvez te- nha sido s6 sexo. E, agora, eu gosto de prosttutas; gosto sim, de verdade. Mas por uma hora. Perex — Bem, isto me parece per- feitamente compreensivel Jenny (Trado) — Olha aqui! Vooe vai_ me aconselhar a casar e criar periquitos? Perer (Também irado) — Deine os periguitos em paz! E continue sol- teiro se vosé quiser. Isso nio é da minha conta Néo fui eu quem co- regou essa conversa... © Jenry — Esté bem, esté bem. Des- culpe, Entio? Vocé esté zangado? Perer (Rindo) — Nao, nio es- tou Jerry (Aliviado) — otimo, (Vol- tando ao seu tom anterior.) inte- ressante que voc me tenha pergun- tado sobre as molduras. Pensei que yoo’ fosse me perguntar sobre os baralhos pomogrificos. Perer (Com um sorrivo de quem sabe do que se trata) — Eu conhego cesses aralhos. Terry — Nao € 0 caso. (Ri) Eu acho que quando vocé eta garoto, ‘voc ©. seus amigos passavam esses baralhos um para o outro, ou voce tinha 0 seu? Peter — Eu acho que muitos de 16s. tinhamos. Jerry — E voce jogou fora pouco antes de se casar. Peter — Olha aqui. Eu nunca mais precisei_dessas coisas, depois que fiquei mais velho. Jenny — Nao? Peter (Embaracado) — Eu pre- firo nio falar sobre esse assunto. Jerry — Entéo nfo fale. Além disso, eu nfo estava tentando desco- brir sua vida sexual, depois da ado- Teseéneia e em épocas dificeis; onde eu queria chegar era a diferenca de valor entre as cartas pornogrificas {quando voc’ € garoto e cartas por- nogréficas quando vocé & mais ve- Tho. Essa diferenga é que quando voc’ € garoto voce usa as cartas como ‘um substituto para a experiéncia real fe quando vocé é mais velho vocé uusa_a experiéncia real como um substituto para a fantasia, Mas creio {que vocé prefere ouvir o que me aconteceu no Jardim Zoolégico. Perer (Entusiasmado) — Ob, sim, no zoolégico, (Depois, sem jeito) Quer dizer... se voct.. Jerry — Deixe-me contar, porque fui 16... bem, deixe-me contar-Ihe algumas coisas antes. J4 Ihe falei so- ‘bre o quarto andar da pensio onde ‘moro. Acho que 0s quartos sio me- Thores nos andares de baixo. Acho que sfio, nfo sei. Nao conhego nin- guém no terceiro nem no segundo andar. Oh, espere ai! Sei que hé uma senhora morando no terceiro andar, nna parte da frente, Eu sei, porque ela chora o tempo todo. Toda vez ‘que stio ou chego. Toda vez que passo pela porta de seu quarto, sem- pre a ougo chorando, um choro aba- fado, mas muito definido. .. Muito definido mesmo. Mas quero falar é da dona da pensio e sobretudo de sew cachorro. Eu ndo gosto de usar palavras muito duras para descrever pessoas, Nio gosto. Mas a dona da pensio € gorda, feia, mesquinha, estipida, suja, ordinéria, bébeda, um saco de’ imundice. E vocé pode ter notado que, como muito raramente sou irreverente, niio posso descrevé-la to bem quanto seria possivel. PETER — Voct a desereve. . muito realismo. Jerry — Obrigado. De qualquer maneira, ela tem um cachorro © eu vou Ihe falar sobre cachorro, pois cla © seu cachorro so porteiros de ‘minha residéncia. A mulher jé € bas- tante desagradavel; ela investe pelo hall de entrada, espionando para ver se eu nfo levo coisas ou gente para (© meu quarto; ¢ quando cla jé to- ‘mou seus dois ou trés copos de gin com limio no meio da tarde, ela sempre me faz parar no hall e agarra (© meu casaco ow meu brago e aperta seu corpo contra 0 meu parame conservar num canto de tal mancira ‘que ela possa conversar comigo. Voc’ nao pode imaginar 0 que € 0 cheiro de seu corpo ¢ o seu bafo. . e-em algum lugar do fundo daquele cérebro do tamanho de uma ervilha, tum érgdo que desenvolveu apenas 0 suficiente para fazé-la comer, beber, falar, ela oferece uma nojenta paro- dia do desejo sexual. E sou eu, Peter, sou eu 0 objeto de sua viscosa se- xualidade. Perer — £ revoltante. B horrivel Jerry — Mas eu achei uma ma- neira de conservé-la a distancia. ‘Quando ela conversa comigo, quando cla me espreme com seu corpo © co- chicha sobre seu quarto, tentando cconvencer-me a ir até 1, digo, sim- plesmente: mas amor, ontem nio foi ‘© bastante para vocé, ¢ anteontem? Entio, ela se desconcerta, aperta os seus pequeninos olhos, ela sua um pouco e, entio, Peter... neste mo- mento € que ‘eu acho que pratico algo de bom naquela_atormentada casa... um sorriso ingénuo comeca ‘a se formar no seu rosto. indescriti- vel, e ela dé risinhos € solta gemidos fenquanto recorda ontem ¢ 0 ante- fontem; enquanto cré e revive 0 que com rnunea aconteceu, Entlo, ela me lar- ga e caminha para junto daquele monstro negro que € 0 seu cachorro ¢, finalmente, volta para seu quarto. E eu estou salvo, até 0 nosso pro- ximo encontro. «= incrivel I acreditar que gente assim cexista, realmente, Terry (Um pouco zombeteiro) — E coisa que se Ié nos Jivros, néo €? PerEr (Seriamente) — BE. Jerry — Seria melhor que tudo isso no passasse de ficgo. Voeé tem razao, Peter. Bem, 0 que eu estou querendo lhe contar € sobre 0 sew Eachorro; € vou lhe conter agora. Perer (Nervosamente) — Ab, sim; 0 eachorro. Jerry — Nao vi embora. Vocé no esté pensando em ir, esté? Peter — Bem... no. Jerry (Como se se diriisse a uma crianga) — Porque depois de eu the conlar sobre 0 cachorro, sabe, en- Wo... enti eu vou falar sobre 0 que aconteceu no Jardim Zoolézico. Peter (Sorrindo, timidamente) — Voo’... voce & cheio de histérias, Jerry — Vocé nio € obrigado escutar. Ninguém esti prendendo voc’ aqui; lembre-se disso. Ponha isso na cabeca Perer — Eu sei. Jury — Sabe mesmo? Otimo. (A seguinte e longa narrativa me pa- rece que pode ser feita com wma srande movimentagdo, para se obter com ela um efeito hipnético em Pe- ter ena platéia, também. Alguns ‘movimentos especificos foram suge- ridos, mas o diretor e 0 aior que in- terpreta Jerry poderdo obter melhor | resultado por si mesmos.) Bom. | (Como se lesse num enorme cartaz) fa histéria de Jerry e 0 cachorro. (Novamente natural.) O que vou the contar tem algo que ver com as ra- zies pelas quais as vezes € necess rio que uma pessoa se afaste muito do caminho para atingir um ponto relativamente proximo; ou também seja somente eu que penso assim. Em todo 0 caso, foi por isso que fui 20 Jardim Zoolégico hoje ¢ porque ca- inhei em diregio ao norte... até ‘que cheguei aqui. Bem. © cachorro, eu acho que ja Ihe disse, € um ver- dadeiro monstro negro; tem uma ca- Bega desproporcionalmente grande, orelhas pequenas, bem pequenas, ¢ olhos... injetados de sangue, talvez porque estejam infeccionados; quan- to a0 corpo, voc pode ver as cos- telas dele através da pele... O cachor- ro é negro, todo negro; todo negro com excecio dos olhos avermelha- dos, e... sim... uma ferida aberta em sua pata dianteira... direita que também é vermelha. E, ah, 0 pobre monstro, eu acho que é um eachorro velho mesmo... certamen- te, um cachorro velho € maltratado... Quase sempre tem uma erecio. também vermelha, portanto. E. | que mais?... ah, sim; hé aquela cor wa, amarela, esbranquicada, tam- bém, quando ele mostra as. presas. Assim: foi isso que ele fez, quando me viu pela primeira vez... no dia em que mudei para a pensio. Tive medo daquele animal, no primeiro momento que 0 vi, Animais ndo vio com a minha cara, como se eu fosse So Francisco que vivia com passa- ros dependurados nele o tempo todo. Ew quero dizer € que os animais me slio indiferentes... como as pessoas | (Sorri, ligeiramente...) na maioria das vezes, Mas esse cachorro_nio | me era indiferente, Desde 0 comeco, cle vinha rosnando para agorrar uma das minhas pernas. INdo era Taivoso, tio, voce, sabe; era um cachoreo meio trpegor-mas que corra. muito tem tings, Entretanto, eu sempre onseguia fugi Uma ven, ele aran- ou um pedago da minha calga, albe, oot pode ver aqui, onde esié. re- mendado; fol no dia seguinte & mi- tha chegada; mas. com um pontapé me live dele e corr, répido, para Cima (Inirigado,) At8 hoje no es- obri (como 08 outros ‘héspedes = trranjam com ee mas voce, exra- mente ji stbe que eu penso, acho que era's6 comigo. De qualquer ma- tera, isso confinvow por ume. e- mana, sempre que eu chegava: mas funea quando eu safa. E engracado. Ou melhor, era engragado. Eu po- devia arrumar a mala e viver na rua por eausa do cachorro, Bem, ete fava pensando isso um dia ‘no meu quarto, depois de ter sido corido pelo cachorro até 16. decid. Pri- meio, vou sufgcar esse cachorro de gentilezas ¢ se isso nfo der cert. ou maté-lo. simplesmente, (Peter tsiremece) Nao reaja a nada Peter: escute, 96,80, Assim, no din se- guinte, sai ¢ comprei um pacote de Sanduiches de carne, mal” passada, sem malho e sem eebola; no cam ho para, casa, joguel fora 0 pio ¢ guardel 56a etme, (Talves, agdo para a cena sepuinte) Quando che- uti 2 pensio, 0 cachoro estava es perando por mim. Entreabri a porta, Es estava ele no hal, esperando por mim. Entrel, com toda cautla, © nio se esquega:’ ‘com a came na mio; aio pacote e botei a came no Ghio ‘a ‘uns quatro metros de ond: © clo estava’ rosnando para mim. ‘Assim! Ele rosnou; parou de rosnar: fungou, e comegou a. andar, leat mente; e em sepuida, mais répido; © mais répido na direcio da carne. Bem, quando ele chegou perto dela, parou e olhou para mim, Ew sorri; ‘mas para experimentar a reagio dele, voc’ compreende. Ele virou a cara para a carne, cheirou-a, fungou mais, e entio RRRRAAAA GGGHHHH, esse jeito... e passou a abocanhar ‘os pedagos. Era como se ele nunca tivesse comido nada em sua vida, ‘com excecio do lixo. O que devia ser verdade. Acho que a dona da pensio s6 come lixo. Bem, ele co- meu a came toda, quase que tudo de uma vez, fazendo ruidos na gar- ganta como uma mulher. Entdo, de- pois que ele terminou de comer a carne, ¢ de ter tentado comer tam- bém papel, ele sentou e sorriv. ‘Acho que ele sorriu; sei que gatos sorriem, Foi, para mim, um momen- to muito grato. Entdo, GGRRR.. ele rosnou e avancou desta vez. En- tao, fui para o meu quarto, deit fe comecei a pensar de novo no ca- chorro, Para falar a verdade, eu me sentia ofendido ¢ estava furioso, tam- bém. Afinal, eram seis excelentes sanduiches de care sem molho... Eu tinha sido ofendido. Mas, pouco depois, decidi tentar a mesma coisa por mais alguns dias. Como yocé deve ter percebido, o cachorro vinha ‘limentando aqucla antipatia comigo. E eu imaginava que no seria capaz de superar essa antipatia. Assim, ten- tei por isso mais cinco dias,” mas acontecia sempre mesmo: ele r0s- ava, fungava, caminhava, mais ré- pido, me olhava, avancava na carne, GRRRRRR sorta, rosnava, Grrr. Bem, por esta época a Avenida Co- Iumbus j6 estava coalhada de pies eeu estava ja mais enojado do que fofendido, Portanto, decidi matar 0 cachorro, (Peter ergue a mio em protesto) Ob, no fique alarmado, Peter, no fui bem sucedido. No dia fem que decidi matar 0 cachorro, ‘comprei apenas um sanduiche, de came e aquilo que eu pensei que fosse uma mortifera porcio de ve- reno para rato. Quando comprei_o sanduiche, disse ao homem que no ‘se preocupasse com 0 pio, porque eu 86 queria a came. Esperei uma eagio dele, como: “nds nio vende- ‘mos nenhum sanduiche de carne sem pio"; ou, “o que € que vail fazer; Segurar a carne para comer?” Mas nao: ele sorriu, embrulhou a carne em papel impermeavel e disse: “Uma mordida para seu gatinho?” Eu ai quiz dizer: “Nao, néo € bem isso; isto aqui faz parte de um plano para envenenar um cachorro que eu cO- rnhego.” Mas voct nio pode dizer “um cachorro que eu conhego” sem ficar engracado; entio eu disse re- ceio que tenha dito um pouco alto demais e de uma mancira muito for- mal: £ UMA MORDIDA PARA O MEU CACHORRO. Todo mundo me olhou. Isso sempre acontece quan- do tento simplificar as coisas, todo mundo me olha. Bem, isso nao inte- ressa agora. Ao voltar para @ pen- ‘40, misturei com as méos a carne | © veneno, sentindo jé, aquela altu- ra, tanta tisteza quanto nojo. Abri porta do hall e Id estava 0 mons- ‘0, esperando para apossar-se da costumeira oferta ¢, depois, saltar em cima de mim, Pobre coitado, ele ja- ‘mais soube que, no momento em que ele sorriu para mim antes de se aproximar, foi suficiente para pas- sar a minha raiva, Mas, lé estava ele preparando para atacar, esperando. Botei 0 bolo de veneno no chio, aproximei-me da escada ¢ fiquei ‘observando. O pobre animal engoliu ‘a comida como de costume, sorriu, ‘0 que quase me fez mal, € entlo, | Gree... Eu dispaei eseada_acima, Simo ‘de costume, E_ ACONTECEU GUE 0. ANIMAL FICOU. MOR- TALMENTE DOENTE, Figuei si. tend disso, porque ele passou ano tar eaperar ius © por que a dona da persis parou. de beber. Ela me fer Porat no. fall ‘na mesma noite da fentava de. bomicidio‘e me conf denciou_gus Deus havia atingido seu uerido dachorinno com. um golpe Ramente fal, Ela havin exec Go de" sus descontolada sensu Se c's clhos estavarn muito aber- fos, pela primera vez. Pareclam 03 tid do "cachorto. Choramingou -€ Gmplorou_ que eu rezasse pelo ct chor. Eulquis dizer: madame, eu $f tenho. quelrezar por mim mesmo, iu bicha negra, pela fama porto: Fen, pela pessoa que. mora 10 (quam da treme e que eu nunca Vi Meir" ‘muther que" chora.deliberad Mnente do outo lado da porta fecha- ne: peto resto das pessous de todas Sf" penaes do mundo inter além ap baal madame, eu no sel Teast Maan pare simplficar as coisas ta promt! que ia rear. Ele me SIhol’Diste fue eu era um meni fowo ¢ que provavelmente queria que O eachorro morrese. Eu respond € or minhes palavras havia muita si feridnde, que ado desjava amore Gorcachonto, Nao. queria, e nfo era $8 porque taka side eu quem o nha fnvenchado, Receio que tenia de The ddan que cu quetia que 0 cachorro vives para ver 0. que aconeceria Tom as nossas novas Felagics. (Peter Gemonstra seu erescente desgoto ¢ tim antagonism que, amb, cre oe lentanonte) Por favor compreen- i Potry esse colsas sto imporan- tes. Voee deve acreitar_em mim; | sso "importante Nos, pre | Sonhccer'e efeitos de notsas ages. (Outro profundo suspiro) Bem, de qualquer maneira, o cachorro recupe- rou-se, Nao tenho a menor idéia de como ou por que, a ndo ser que ele soja um enfeiticado cdo que guarda (8 portées do inferno ou outro re- figio do mesmo tipo, Nao estou bem Iembrado de minha mitologia. Vocé esté? (Peter comeca a pensar, mas Jerry continua) De qualquer manei- ta, e voc’ jf perdeu a oportunidade de ganhar por uma pergunta no va- lor de oito mil délares, Peter; de qualquer maneira, 0 cachorro ‘nio morreu ea dona da pensio recupe- rou a sua sede, em nada alterada pelo renascimento de seu latido. De- pois de ter assistido a um filme que estava sendo levado em um cinema da Rua Quarenta e Dois, um filme que eu jé tinha visto; depois da dona da pensio ter-me contado que seu cachorrinho estava melhor, estava certo de que cle estaria esperando por mim. Eu estava... bem... como se diz?.... seduzido?.... fascinado?. no, ndo era bem isso... eu estava ansioso a0 ponto de ter 0 coracio partido, é isso, Eu estava ansioso a0 onto de ter 0 coragdo partido para ‘me ver, mais uma vez, frente a fren- te com o meu amigo. (Peter reage) ‘Sim, Peter, amigo. E a tinica palavra adequada. Eu estava a0 ponto de ter © coragdo partido, etc., para estar, uma vez mais, frente a frente com ‘© meu amigo clo. Entrei pela porta e avancei, sem medo, até 0 centro do hall. O animal estava li... fi tando-me, Olhei para ele; ele olhou para mim. Acho que... acho que nnés ficamos muito. tempo assim. pettificados, como duas estétuas. - olhando um para o outro. Eu olhei ‘mais para sua cara do que ele olhou para a minha. Eu quero dizer que osso me encontrar durante mais tempo em olhar para a cara de um cachorro do que um cachorro pode se encontrar em olhar para a minha, ‘ou para qualquer outra pessoa, tan- to faz. Mas durante aqueles vinte segundos — ou aquelas duas ho- ras — que nds nos olhamos, um para a cara do outro, nds estabele- ‘eemos um contato, E era isso que eu queria que acontecesse; eu agora gostava daquele cachorro © queria que também gostasse de mim. Eu ti- nha tentado gostar dele ¢ eu tinha tentado matilo, sem sucesso. Eu esperava que isso acontecesse, mas nio sei porque esperava que um ca- chorro pudesse compreender_alguma coisa, muito menos minhas razdes... ‘mas eu tinha esperanca. (Peter pa- rece hipnotizado) E. que... & que (erry esté estranhamente tenso, ago~ ra)... € que se vocé nio pode con- viver com gente, vocé precisa ten- tar... de alguma forma COM ANI- MAIS! (Muito mais répido agora, ‘como wm conspirador) Voce nao compreende? Uma pessoa tem que encontrar uma maneira de relacio- nar-se com alguma coisa. Sendo pode com as pessoas... se no pode com as pessoas... com ALGUMA COISA. Com uma cama, com uma barata, com um espelho... no, isso seria dificil demais, este seria ‘um dos tltimos passos a tomar. Com uma barata... com... com... com lum tapete, com um rolo de papel higiénico....ndo, isso também nao. Vocé esté vendo como & dificil en- contrar coisas? Com a esquina de ‘uma rua, com muitas luzes de todas as cores refletindo no chio oleoso € seco das ruas... com um pouco de fumaga... um pouco... de fuma- com... com baralhos porno- agrificos, com um cofre... SEM CA- DEADO. .. com 0 amor, com o vo- | mito, com o choro, com 0 dese- jo, porque as prostitutas ndo. sio prostitutas, quando ganham dinheiro com o seu corpo — o que é um ato de amor ¢ cu poderia pro- viclo — com o gemido, porque vocé esti. vivo, com Deus. Que tal essa? COM DEUS QUE E UMA BICHA NEGRA QUE USA QUIMONO E DEPILA AS SOMBRANCELHAS? QUE £ UMA MULHER QUE CHO- RA DECIDIDA DO OUTRO LADO DA PORTA FECHADA... com Deus que, segundo me contaram, deu as costas a tudo algum tempo atris. com — algum dia — com as pes- soas. As pessoas. Com uma idéia; um conceito, E que lugar melhor para transmitir uma idéia simples do que o hall de entrada de minha pen- sio? Ali, seria UM COMECO! 0 que € melhor para um comeco. para compreender e, possivelmente, ser compreendido... para um co- ‘meco de entendimento do que com... (Aqui Jerry parece cair numa fadiga quase grotesca)... do que com UM cachorro. Simplesmente: um cachor- 10, (Aqui, siléncio que pode ser pro- Tongado por um instante ow mais; depois, Jerry, fatigado, termina a sua historia.) Um cachorro.... Me pare- ve uma idéia perfeitamente valida. Lembre-se de que 0 homem & 0 me- Thor amigo do co. Portanto: eu e 0 cachorro ficamos olhando, um para © outro. Eu mais tempo do que 0 cachorro, E 0 que eu via, entio, era sempre a mesma coisa, depois desse encontro. Agora, sempre que eu © © cachorro nos vemos, nés paramos conde estamos. Olhando um para o outro com mistura de tristeza e sus- peita e fingimos uma indiferenca mi- tua, Passamos um pelo outro com seguranca; compreendemo-nos. triste, mas vocé tem que admitir que ngs mos compreendemos. Tinhamos feito varias tentativas de contato, ‘mas falhado. © cachorro voltou 20 lixo e eu ganhei uma passagem sol téria, mas livre. Eu nao voltei. Que- ro dizer que ganhei uma passagem livre e solitéria, se é que uma perda pode ser mais considerada como um Iuero, Aprendi que nem a delicadeza e a crueldade por si mesmas, inde- pendentes, uma da outra, criam um resultado ‘que as supere; e aprendi que as duas combinadas, juntas a0 mesmo tempo, criam verdadeira emo- ‘cao, O que é ganho é perda. E qual foi o resultado? Nos, 0 cachorro © ‘eu, tinhamos aleangado um compro- misso. Mais do que uma troca. Nao nos amamos mais, nem nos ferimos, porque nao tentamos mais nos apro- ximar um do outro. E quando eu o alimentava, nfo era isso um ato de amor? E ‘quando ele tentava me morder, no era isso talvez, um ato de amor? (Silencio. Jerry’ dirige-se para 0 banco de Peter, sentando-se ‘a0 seu lado, Esta 6 a primeira vez que Jerry se senta durante a peca.) Fim da historia de Jerry ¢ 0 cachor- ro. (Peter estd silencioso) Entio, Pe- ter? (Jerry fica subitamente alegre) Entéo, Peter? Voce acha que eu po- deria vender esta histria para “Se- legdes” e ganhar duzentos délares na série “Meu tipo inesquecivel?” Ein? (erry esté muito animado, Peter perturbado) Vamos, Peter, 0 que é que vocé acha? PereR (Paralisado) — Eu... nio sei... no sei... ndo compreendo... ‘acho que no. (Quase chorando) Por que voce me contou tudo isso? Jerry — E por que nio? Perer — EU NAO ENTENDI NADA! Jerry (Furioso, Mentira, ‘mas baixo) — | PETER — Nio, nao é mentira. Jerky (Calmo) — Tentei explicar tudo enquanto contava a_histéria E contei devagar, ela se refere a.. Peer — NAO QUERO OUVIR MAIS NADA. Vocé nio me inte- ressa, nem a dona da pensio © mui- to menos 0 cachorro dela. . Jerry — O cachorro dela! Eu pensei que ele fosse meu... Nio. Vocé tem razio. O cachorro é dela, Peter. (Olha Peter decididamente, sacudindo a cabeca) Eu nio sei 0 que tinha na cabeca; € claro que voce nio pode compreender. (Mo- nétono e cuidadoso) Eu nio moro zna sua rua, néio sou casado com dois periquitos ‘ou qualquer que seja 0 arranjo 1é da sua casa. Eu sou um transit6rio permanente, 0 meu lar sto as infectas pensdes do lado oeste da cidade de Nova Yorque, que é ‘a maior cidade do mundo. Amém. Peter — Desculpe... eu nio quis. . Jerky — Esté bem. Desconfia que vocé no sabe bem o que pensar de mim, nao € Perer (Tentando uma piada) — 'A gente encontra pessoas de todos ‘05 tipos na minha profissio, (Sorri entredentes.) Jerry — Voc & um sujeito en- gracado. (Forca um riso) Sabia dis- 50? Voce ¢... dotado de uma gran- de comicidade. Perer (Modesto, mas divertin- do-se) — Oh, no. Nio sou mi (Ainda sorri entredentes.) Jerry — Peter, eu 0 deixo cha- teado ou... confuso? PereR (Iuminado) — Bem, devo confessar que no era esse 0 tipo de tarde que eu havia previsto. ‘JERRY — Vocé quer dizer que nio sou a pessoa que vocé esperava. . Peer — Eu no estava esperan- do ninguém. Jerry — Nio, eu nfo quero di- zer isto. Mas voc’ me encontrou. . feu estou aqui € no vou embora. Perer (Consultando o reldgio) — Bem, voeé pode ficar, mas eu tenho de ir embora. Jerky — Ora, vamos; fique mais ‘um pouco. Perer — Eu tenho de ir para casa; voc’ compreende que Jerry (Fazendo cécegas nas cos- tas de Peter) — Ora, vamos. PETER (Sente muita cécegas, Jerry continua e a voz dele vai ficando em falsete) — Nao, eu... OHHHHH! Pare com isso. Nio faca isso. Pare. OHHHH, nio, nio. TERRY — Ora, vamos. PETER (Jerry continua a fazer c6- cegas) — Oh, hi, hi, hi, Eu tenho que ir embora, Eu... hi, hi, hi. Afi- nal de contas... Pare com isso, pare, hi, hi, hi, afinal de contas os pperiquitos ja deverdo estar jantando a pouco. Hi, hi, © os gatos estdo botando a mesa. Pare, pare, ¢, e... (Perdeu todo o controle) € ‘és... vamos... hi, hi, hi... uh... ho... ho... ho... (Jerry para de fazer cécegas em Peter, mas a com- binacdo das cécegas e suas préprias extravagdncias pdem Peter rindo quase histericamente. Durante 0 seu riso, Jerry observa-o com um sor- iso curioso e fixo.) Jerry — Peter? PereR — Oh, ha, ha, ha, ha, ha, hha, ha. O qué? 0 qui Jerry — Escute aqui. PrrER — Oh, ho, ho, ho... © que é Jerry? Oh 23 ¥ JERRY (Misteriosamente) — Pe- ter, voce ndo quer saber 0 que acon- teceu no Jardim Zoolégico? Peer — Ab, ha, ha, ha, ha. O qué? Oh, sim; 0 zool6gico. Oh, oh, ‘oh, oh, Bem eu tive meu zo0l6gico particular por um momento com. hi, hi, hi, os periquitos prontos para jantar e... ha, ha, ha... sei Mio MJenky (Calmamente) — Sim, foi mesmo muito engracado, Peter. Nao pensei que pudesse ser tio engraga fo, Mas voo8 quer ouvir © que acon- teceu no Jardim Zool6gico ou ndo? Peter — Quero. Quero, sim, cla- zo, Conte, © que aconteceu’ no 20016- sico? JERRY — Agora vou Ihe contar 0 que aconteceu no 200l6gico. Mas antes devo dizer por que fui a0 20016- gico. Fui até 1d saber de que ma- Reira as pessoas vivem com 05 ani mais e como os animais vivem uns ‘com os outros e com as pessoas, tam= bbém. Néo foi, provavelmente, uma experiéneia muito proveitosa, com todo. mundo separado do resto, pe las_grades, os animais isolados. da maioria dos outros e as pessoas sem- pre separadas dos animais. Mas as- Sim € que si0 0s z00l6gicos. (Em- purra Peter com 0 brago) Chega pra ls. PereR (Amistoso) — Desculpe, mas vocé ja nio tem bastante es: aco? Tenny (Sorrindo, ligeiramente) — Bem, todos 0s animais estavam Ii ¢ tuma'porgao de gente estava 1a, pois E'domingo e todas as criangas, tam- bém, estavam 1é, (Empurra Peter de novo) Chega pra 1s. Perer (Paciente, ainda amistoso) — Esté bem, (Ele se afasta mais ¢ Jey tem todo o espaco que poderia 2h desejar) a Jerry — Estava muito quente, por isso havia_um mau cheiro no ar e todos os vendedores de baldo © to- dos os vendedores de sorvete ¢ todas ‘8 focas latiam e todos 0s passaros gritavam, (Empurra Peter com mais orca) Chega pra lit Peter (Muito aborrecido) — Eu no posso chegar mais pra la, pare de me bater. O- que € que hé com Tenry — Vooé néo quer ouvir a historia? (Bare de novo no braco de Peter.) PeveR (Confuso) — Nao sei, $6 sei que no quero que me batam no brago. Jerry (Bate de novo no braco de Peter) — Assim? Peter — Pare com isso! O que é que hi com voce? Jerry — Eu estou louco, seu merdal ‘PeveR — Bem, agora eu nio gostei. Jerry — Escute aqui, Peter. Eu quero este banco. Voce vai sentar Raquele ali adiante, se vocé for bon- inho eu Ihe conto 0 resto da his- t6ria, Peter (Aturdido) — Mas... por qué? 0 que & que ha com vooé? ‘Alem disso, no yejo razdo nenhuma para par este banco. Eu me seno agi "quase todos 0s domingos, 2 tarde, quando 0 tempo esti bom. E sosse- ggado aqui, Nunea vem ninguém sen- tar-se aqui; este banco sempre foi TeRRY (Suave) — Saia deste ban- co... Peter. Eu quero este banco. ever (Quase choramingando) — Nao! Jerry — Ja disse que quero este banco © vou ficar com ele. Dé o fora daquil PETER — Nilo se pode ter tudo © que se quer. Voc8 devia saber dis- 30; € a lei das coisas. Pode-se ter algumas coisas que se quer, mas nio tudo. JeRny (Ri) — Imbecill Vocé 6 um retardado_ mental! Perer — Pare com isso! TERRY — Vocd 6 um veget deitarse no cho, PereR (Intenso) — Agora, voce vai me ouvir, sou... J4 agiientei a tarde toda Jerry — Nem tanto. Fever — 0 suficiente. 34 0 agiien- tei 0 sufiiente. Escutei o que voce tinha a dizer porque parecia que vo- é... bem, porgue pensei que voce precizava conversar com alguém, Terry — Vocé sabe arranjar bem as coisas, metodicamente; © apesar disso... oh, qual a palavra que devo empregar para Ihe fazer justia CRISTO, voce me enche... saia da qui ¢ me dé 0 meu banco. ever — MEU BANCO! Jerry (Empurra Peter para quase fora do banco) — Suma da minha vista, Peter (Retornando a sua posicdo) — V4 a... v4 para o inferno, E de- mais, Vocé jé esté demais. Eu nio vou the dar este banco, este banco no 6 seu e... acabou-se. Agora, vi embora. (Jerry bufa, mas nao se move) Vé embora, j4 disse. (Jerry nndo se move) Va embora daqui..- voot é um vagabundo... € © que vocé é. Se vocé nfo for, vou chamar tum guarda para levi-lo dagui. (Jerry ri, fica) Estou lhe avisando, vou cha~ mar um guarda Jenny (Suave) — Voc8 no v chamar nenhum guarda; eles estio 0 outro lado do parque, preocupa- dos com as “bichas", tirando-as de fcima das drvores e de trés das moi- va tas, Bles fio fazem mais nada. A tiniea fungio deles & essa. Vocé pode gritar até arrebentar; nfo vai adian- tar nada, Perer — POLICIA! Estou the isando, vocé vai ser preso. POLI- ! (Pausa) Eu disse POLICIA! (Pausa) Isto € ridiculo! JERRY — Vocé € que & ridiculo: um homem deste tamanho gritando policia numa linda tarde de domingo ‘ho parque, sem que ninguém esteja The fazendo nada. ‘Mesmo que um guarda jé tivesse terminado a ronda aparecesse por ‘aqui, ele ia provavelmente pensar que ‘voc ndo anda bom da bola Perer (Com nojo ¢ impotente) — Deus do céu, eu vim aqui s6 para ler e, agora, vocé me toma o banco. Vocé € um’ louco. Jerry — Ei, tenho novidades para voeé, como se diz. Tomei conta do seu precioso banco e vocé nunca mais, vai tél de volta. Perer (Furioso) — Saia do meu banco. Nao me interessa que eu es- teja agindo com bom senso ou nao. Eu quero este banco para mim e quero que vocé SAIA DAQUI! Jerry (Zombando) — Oh... 6 quem enlouqueceu, agora! Perer — Saia! Jerry — Nao, Peter — ESTOU LHE AVISAN- Do! Jerry — Vocé no imagina como voce esti se tornando ridiculo! Perer (A firia apossouse dele) — Nilo me interessa (Quase choran- do) SAIA DO MEU BANCO! Jerry — Por qué? Vocé tem tudo © que quer no mundo, Vocé falou de ‘seu lar, de sua familia, de seu equeno Jardim Zoolégico. Vocé tem olha, tudo e agora quer também este ban- 0, Voce acha que um homem deve lutar_por essas coisas? Diga, Peter, este banco aqui, este ferro e esta ma- deira, este banco representa a sua honra? E por ele que vocé acha que deve lutar? Voct pode imaginar al- ‘guma coisa mais absurda? Perer — Absurda! Olhe, eu no vou discutir honra com vocé nem tentar explicé-la. Além disso, nio é uma questo de honra. Mas’ mesmo que fosse voc no entenderia. Jerry (Com desprezo) — Voct rio sabe do que esta falando, sabe? Esta € provavelmente a primeira vez fem toda a sua vida que vocé tenta enfrentar alguma coisa mais. dificil do que limpar a latrina de seus 2: tos. Estipida! Voc nfo tem idéia, ‘a menor idéia daquilo que as outras pessoas precisam? Perer — Oh, rapaz; escuta_aqi voc’ nio precisa deste banco. E cla- ro que nao. JERRY — Preciso sim; preciso. Perer (Tremendo) — HA anos {que venho aqui; tenho tido momen- tos de grande prazer, de grande sa- tisfaco, aqui, neste banco. E isso € importante para um homem. E sou ‘um homem de responsabilidade, sou ‘um homem ADULTO. Este banco é meu, € voc’ ndo tem nenhum di- reito de me tomé-lo. Jerry — Entio, lute por ele, De- fenda-se; defenda seu banco. PereR — Vocé esti me forcando a fazer isso. Levante e brigue. Jerky — Como um homem. PeTER (Furioso) — Sim, como um homem, jd que vocé insiste em zom- ‘bar de mim. Jerry — Tenho de the dar crédito por uma coisa, Peter; vocé & um ve- etal, e ainda por cima, levemente, miope... eu acho, Peter — CHEGA! JERRY.— . . .mas, vocé sabe, como cles costumam falar na televisio 0 tempo todo, vocé sabe, © eu falo, sinceramente, Peter, vocé tem uma certa dignidade; isso me surpreende... Prrer — PARE! JERRY (Levanta-se_preguicosamen- fe) — Muito bem, Peter, nds luta- remos pela posse deste banco, mas ser uma luta desigual.... (Tira do bolso e abre com um clique uma faca assustadora.) PETER (Subitamente desperta com 4 realidade da situagdo) — Vocé esté Touco! Vocé esté louco _varrido! VOCE VAI ME MATAR! (Mas an- tes que Peter tenha tempo para pen- sar no gue vai fazer, Jerry atira a faca a seus pés.) Jerry — Ai esti, Apanha. Vocé apanha esta faca para que a luta possa ficar de igual para igual. Perer (Horrorizado) — Nao! TERRY (Atira-se sobre Peter, agar ra-o pelo colarinho. Peter levantarse: suas faces quase se tocam) — Agora voce apanha a faca € lute comigo. Voc? vai lutar pelo seu amor pro- prio; vai lutar por este maldito banco. Peter (Esforcando-se) — Nao. Deixe.... deixe eu ir embora! ele. socorro! Jerky (Esbofeteia Peter) — Lute, seu filho da puta; lute por seu ban- co; lute por seus periquitos; lute por seus gatos; lute por suas duas filhas; Tute por sua mulher; lute por sua masculinidade; seu verme_insignifi- ante. (Cospe no rosio de Peter) ‘Voce nem pode fazer um filho macho em sua mulher. Peter (Escapa, enfurecido) Isso 6 uma questio de genética e nio 25 ’ de virilidade, seu... (Afastasse e apanha a faca, recua um pouco; ele respira com dificulda- de) Vou-ihe dar a ultima chance; suma-se daqui e me deixe em paz! (Segura @ faca com o braco firme, mas a certa distancia, na sua frente, ndo para atacar, mas*para se de fender.) Jenay (Suspira profundamente) — Que assim sejal (Atira-se contra Pe- ler © empurra 0 corpo contra a faca. Tableau: por um momento, comple- to siléncio. Jerry atravessado pela faca no extremo do brago ainda fir- me de Peter. Entao Peter grita, ajas- tase, deixando a faca em Jerry. Jer~ ry nao se move. Enido ele também rita, 0 som de um animal fatalmen- te ferido com a faca enterrada nele. Jerry cambaleia até 0 banco, que Peter abandonara. Senta-se fitando Peter: os olhos e a boca abertos em ‘agonia.) PerER (Sussurra) — Oh, meu Deus, oh meu Deus, oh meu Deus. . . (Ele repete essas palavras muitas ve- es, rapidamente.) JeRRY (Jerry esté morrendo, mas ‘agora a sua expressio parece mudar. Os miisculos do rosto relaxaram-se, sua voz varia, algumas vezes ferida pela dor, mas na maior parte do tem- po ele parece distante de sua morte. Sorri.) Obrigado, Peter; agora, com toda ‘sinceridade, Peter, muito’ obri- ‘gado. (Peter boquiaberto, nao pode se mover, paralisado.) Oh, Peter, eu estava com tanto medo que voce fosse embora. (Ri como imagina 0 medo que eu tinha que vocé fosse embora e me deixasse $6. Agora vou Ihe contar 0 que aconte- ceu no Jardim Zoolégico... quando eu estava 1é, quando ew estava no zoolégico, eu decidi que caminharia 26 rumo ao norte. encontrar. le) Voct nao | seu monstro. | guém ou alguém... ¢ decidi que conversaria com voc’. . e Ihe diria certas coisas... e essas coisas que eu Ihe diria fariam com jue... Bem, aqui estamos. Compreen- le? “Aqui estamos. Mas... nfo sei. sera que eu planejei tudo isso? Nao... eu nao poderia ter planejado tudo. Mas acho que sim. Agora, jé Ihe | comtei tudo que vooe queria saber, no contei? E agora voce sabe de tudo que aconteceu no zo0l6gico. E agora voct sabe o que vai ver na televisio © 0 rosto de quem eu the falei, 0 meu rosto... 0 rosto que vooé esta vendo agora, Peter... Pe- ter... Peter, obrigado. Eu vim até voce. (Ri fracamente) © voc me confortou. Meu caro Peter! Peter’ (Quase desmaiando) — Meu Deus! Jexry — E melhor vocé ir agora. Pode aparecer alguém e vocé nao vai querer estar aqui, quando este alguém chegar. PETER (Nao se move mas comeca «@ chorar) — Ob, meu Deus, ob, meu Deus JeRRY (Mais fraco ainda, perto da morte) — Voc8 nao voltaré mais aqui, Peter, voce foi desapropriado, Perdeu seu banco, mas defendeu sua hhonra. Peter, eu vou Ihe dizer uma coisa: vocé nio € um vegetal; esté ‘bem, voce € um animal. Vocé tam- bém’é um animal. Mas 6 melhor voce ir embora, Peter. Depressa, & melhor voo8 ir... (Jerry apanha’ um lengo € com grande esforco limpa no cabo da faca as impressdes digitais) V4 em- bora, Peter, depressa. (Peter afasta-se, vacilante) ‘Esper... espere, Peter. Leve seu livro... 0 livro. Aqui junto de mim... no seu banco.... ‘ou melhor, no meu banco.... Venha, apanhe 0 seu livro. (Peter movesse para o livro, mas recua) Depressa... Peter. (Peter corre até 0 banco, apa~ nha 0 livro, recua) Muito bem, Pe- ter... muito bem. Agora, vi embo- ra. Rapido. (Peter hesita por um mo- ‘mento, depois sai do paleo) Depres- sa...’ (Os olhos de Terry estdo fe- chando).... Depressa.... seus. peri- quitos estao fazendo o jantar... 0s gatos... 08 gatos esto botando a mesa... Peter (Fora do palco num gemi- do) — Oh, meu Deus! Jerry (Os othos ainda fechados, bbalanca a cabeca e fala; uma com- binagdo de bufo e stplica) Oh... meus Deus. (Ele est morto,) PANO ~ ANALISE DE: O PEDIDO DE CASA. MENTO DE ANTON CHEKHOV Hl PECA EM UM ATO | | Ivan Vasilievich Lémov vem pedir a mio da filha de seu vizinho, Stepan Stepanovich Chubokow, grande proprietério de’ terras. O pedido € bem recebido por este. A filha entretanto, nfo sabendo a razio da visita do rapaz, nao The dé tempo de formular o pedide. Co- mega uma discussio a respeito das terras que ambas as familias, possuiam, & qual se vem juntar 0 pai da rmoga. A discussd0 vai aumentando em intensidade, até ‘© momento em que o pretendente, furioso, retira-se, sem ter podido atingir sua finalidade, Depois da partida, 0 ppai mostra & filha a pretenséo do rapaz. A moca fica esesperada por ter perdido a ocasiio de casar-se implora ao pai que va buscar o vizinho. Este volta, ¢ comecam entio os trés a falar sobre generalidades, ten- tando a mogaencaminhar a conversa para o assunto que a interessa. Mas, novamente, surge um desentendi- mento, desta vez por causa de cachorros, cada um achan- | do que o seu é superior a0 do outro. A coisa degenera | em insultos a ponto de fazer com que o pretendente caia | desmaiado numa cadeira, 0 que assusta a moca, pen- | sando que, talvez, 0 rapaz tenha morrido, Finalmente, volta a si, hd beijos, 0 casamento fica resolvido, e quan- do tudo parecia solucionado, uma nova discussio surge | fenire os noivos, enguanto 0 pai grita, cada vez mais alto: “Champagne! Champagne!” Idéia — Tendo como pretexto um pedido de casa- mento, surge a oposicdo entre dois temperamentos igual- mente teimosos e entre duas familias igualmente presas | ais suas terras e as suas posses, criando uma situacio | cémica, de rivalidades, que, presumivelmente, continua- | ri mesmo depois da uniso das duas familias. ‘Mécanismo — Marcar bem os temperamentos, 0 da _moca, autoritrio, teimoso, e 0 do rapaz, também teimoso mas pusilénime a fim de que a comicidade surja do choque dessas duas personagens. Personagens — Stepan (proprietério rural, homem teimoso € interesseiro, fortemente preso a terra); Naté- lia (sua filha, de vinte cinco anos, autoritéria, empre- endedora); Ivan (homem sio, mas impressionvel), Cenério — Realista; a ago passa-se numa sala da propriedade rural de Stepan Roupas — Realistas: Ivan, vestido de modo ceri- ‘monioso, luvas brancas, de acordo com o pedido que vem fazer; Natdlia, vestido caseiro e avental; Stepan, camponés rico. Quem pode montar — Gente moga em geral, estu- dantes, grupos amadores ou profissionais. Pode ser complétada talvez, com outra peca. Pablico — qualquer espécie de. piblico. Sobre Checov, consultar 0s Cadernos n° 29. © PEDIDO DE CASAMENTO de Anton Checov Personagens: SrePAN SrePANIC CHUBUCOV NATALIA STEPANOVNA, sua filha Ivan VAssILigvic LoMov Cuusucov — O14, meu amigo, mas mesmo voce? Arre! Que milagre Como vai passando, fuito bem obrigado; 0 senhor est bem? Cuunucov — Hum... mais ou ‘menos, meu amigo, assim-assim, con- fiando em Deus, e coisa e tal. ... Mas esteja A vontade, sente-se por favor, ‘ndo faca ceriménia... esta casa é sua, embora vocé nunca se lembre ddos vizinhos... Mas, meu caro ami- g0, porque esti tio solene, to ceri- monioso... de fraque, Iuvas bran- cas, e coisa e tal?... Vai a alguma festa importante, Ivan Vassilievic? Lomov — Nio, Stepan Stepanic, no vou a nenhuma festa; sai s6 para vir aqui. 27 ‘Citunucov — Mas entio, para que tanto luxo, meu amigo? Até parece que voce veio em visita de pésames! Lomov — Stepan Stepanic, eu the cexplicarei do que se trata. Vim sua ‘easa, meu caro amigo, para dar-the tum pequeno ineémodo; vim pedir-lhe um favor... J4 outras vezes tive a honra de dirigir-me ao senhor, € to- das as vezes, 0 senhor... eu... Per- doe, estou um pouco confuso Permite que eu tome um gole d'égua, meu caro Stepan Stepanic? (Bebe) Cuuaucoy (Consiga mesmo) — Seré que velo pedir-me dinheiro? Pois nao dou! (Alto) Coragem, meu amigo, de que se trata? Vamos, de- sembuche. Lomov — Bem, Stimat Stepanic desculpe, Stepan Stimat, quero di zer,.. Acontece que eu... que eu. estou perturbadissimo, como 0 se hor pode verificar com seus proprios olhos:.. Enfim, s6 0 senhor poderd me ajudar... eu sei, pois é... eu sei que nada fiz para merecer sua consideracdo, eu sei que nio devo. nio tenho o direito de the pedir au- xilio. Cuvaucoy — Vamos, meu amigo, deixe de rodeios € entre no assunto, ide uma vez, coragem! Lomov — Sim... sim... imedis tamente. Eu... eu vim pedir a mio de sua filha Natilia Stepanovna. Cuunucov — Como?! Oh, meu rapaz, meu prezado amigo, receio nao ter otvido bem... repita, por favor. Lomov — Stimat Stepanic, eu te- tho a imensa honra de pedir a mio. ‘Cuunucoy — Oh! Filho! Estou ra- diante, feliz, ¢ coisa e tal... Que bom! Esperei tanto por este dial Sem- pre foi este o meu maior desejo!. . Sempre gostei de vocé como de um filho... Meu filho! Que Deus aben- ge voots, que Thes conceda fel dade, amor, temura, € coisa e tal Gue’'sorte, ‘meu amigo, que grande alegrial.... Mas © que ainda. estou fazendo aqui? Figuel tonto, comple- tamente tonto de emocio! Ah, meu amigo, no agiento. mais, touro’ de alesria, de fei espanto, ¢ coisa € tal... Lomov — Estimado Stepan Stepa- nic, 0 senhor acha que posso ter al~ guma esperanga? Cuusucov — Que perguntal Que mulher teria coragem de recusar um rapaz bonito, elegante, simpético © inteligente como voc’?! Aposto que cla ja esté de beigo cafdo © coisa e tal por voc’... Vou correndo! (Sai) Lomov (Sozinho) — Que friot Es- tou todo txémulo! Como se estvesse fem véspera de exame. © problema agora € um s6: resolver de uma vez. Quando a gente pensa demais, rodeia ddemais, esperando pelo ideal ow pela grande paixio, acaba nio casando.. Brrr... que friol... Natéia Stepa- hovna parece ser uma moga muito prendada... néo é feia, € instru da... Entéo por que esperar mais? E preciso tomar uma resolucio! Hi. ja comeca 0 zum-2um no owvido. (Bebe dqua) Mas eu preciso casar Em primeiro lugar, tenho 35 anos, isto 6 ja estou, como se diz, na ida- de critica, Em segundo lugar, preciso dde uma vida organizada e regular Em tereeiro lugar, tenho uma lesio cardiaca, 0 meu coracio vive aos pi- notes. Ando irrascvel. .. agitado, sempre como um desesperado. Pronto, pronto, jé sabia... 05 labios estio. tremendo, e agora volta este maldito tic da pélpebra esquerda Eo pior de tudo ainda € 0 sono } Quando me deito, mal comeco a dor- mir, sinto logo na ltima costela: tic.’.. uma alfinetada que me reflete nno ombro e passa para a cabeca. Pulo da cama como um louco, dow uma volta ¢ me deito de novo, Mas quan- do comego a fechar os olhos, outra vex aquele. iu. tues. que... € assim @ noite toda. Narain (Entrando) — Como? voc’? Papai me disse: “VA até a sala, minha filha; um fregués esté & sua espera para tratar de um negécio com voes.” Boa tarde, Ivan Vass levi! Lomov — Boa tarde, minha en- cantadora Natlia Stepanovna! Narktia — Pego-the desculpas se aparego de avental, assim como cos- tumo estar quando trabalho!... Eu estava debulhando ervilhas... Mas por que € que voce sumiu nos sit mos “tempos? Sente-se, sentese. Nio quer almogar conosco? Lomov — Nio, obrigado, eu jé almocei. Nathua — Entio fume... aqui tem 08 f6sforos... Que dia. lindo hoje, ndo €? E ontem chovew tanto que os camponeses no puderam tra- bahar o dia todo! Vocé conseguiu ceifar muito feno? Eu, imagina, man- dei ceifar © campo inteirinho. nha uma pressa danada... ‘estava com medo que o feno se estragasse ‘com a chuva. Mas agora ja me arre- pendi, Teria sido melhor esperar mais ‘um pouco, Mas 0 que ha com vocé? Vai a alguma festa? Que é isso? Até ficou mais bonito... Vamos, conte- me a verdade, por que esti to ali ado hoje, 0 que fot que aconteceu? Lomov — Bem, minha querida Na- Lilia Stepanovna, eu explicarei Trata-se do seguinte: resolvi pedir-Ihe esta pequena entrevista... natural- mente a senhora ficara espantada e, ‘quem sabe, até aborrecida. .. eu po- rém... (Consigo) Meu Deus, que frio medonho! Natkuta — Entio? Fale de uma vez! Lomov — Falarei, procurarei ser claro e breve. Como a senhora jé deve estar cansada de saber, eu, des- de a infancia, tenho a honra de co- nhecer,a sua familia. A minha pobre tia e 6 marido dela, que me deixou, quando morreu, seu herdeiro univer- sal, tiveram sempre a maior conside- ragio e estima pelo seu pai e pela sua pobre mie. As familias Lomov ¢ Chubucov sempre mantiveram as me- Ihores relagdes. Além disso, como a senhora sabe, minhas terras confinam ‘com as suas. A nossa “Campina do Boi” limita com seu bosque de pe- tGnias. NATALIA — Perdoe-me se 0 inter- rompo. Mas o senhor disse: “A nos- sa Campina do Boi.” A “Campina do Boi" por acaso Ihe pertence? Lomov — Sim, senhora, € minha! Nathuia — Nao digal Pois fique sabendo que a sua “Campina do Boi” pertence & minha familia. Lomov — Nao senhoral A “Cam- pina do Boi" é minha, prezada Na- xilia Stepanovna! NATALIA — Que novidade € essa? E sua por qué? Lomov — Como “por qué?” Tal- vez a senhora ndo tenha compreen- dido bem... eu estou falando da “Campina do Boi” situada entre 0 bosque de petiinias ¢ 0 “Pantano ‘Queimado”.. NarAuia — Eu seit Pois é nossa Lomov — A senhora esté enga- nada, querida Natélia Stepanovna: aquelas terras sio_minhas. Natkuia — Ivan Vassilievie! Des- de quando essas terras Ihe perten- com? Lomov — Como “desde quando’ Elas me pertencem desde “sempre! NaTALtA — Ahl Isso é que nao! Lomov — £ sim. E posso provar tudo o que digo! Sei que, ha algum tempo, houve efetivamente umas di- vergéncias de opinido sobre a pro- priedade “Campina do Boi”, mas ‘agora todos sabem que ela me per- tence, Quanto a isso nfo hé divida possivel. Peco licenea a senhora para relatar os fatos como eles se passa- ram: a avé da minha tia deu a “cam- pina” em usufruto vitalicio aos colo- haviam fabricado tijolos por conta dela! Os colonos do av6 do pai da senhora desfrutaram a renda da “cam- pina” durante 40 anos, ¢ acabaram por julgar-se donos da. propriedade; quando porém veio a emancipagio dos servos da gleba- Natduia — Tudo isso é mentirat Pura invencionice! Tanto o meu av6, como © meu bisav6 sabiam que a propriedade deles chegava até 0 “Pan- tano Queimado”; isso significa que a “Campina do Boi” também sem- pre foi nossa. E se me permite di- zer, acho qualquer discussio sobre fesigassunto absolutamente indtil © até mesmo irritante! | Lomov — Eu provarei a senhora com documentos a veracidade de tudo quanto disse, Natélia Stepa- novna! Nathuis — Nao, 0 senhor esti brincando, ou ento esté se_diver- tindo a minha custa... Imagine s6! Nés somos proprietatios dessas ter- ras hi mais de 300 anos, e agora, | sem mais nem menos, aparece um | sujeito afirmando que 'a "Campina” nos do avé de seu pai, porque cles | nnio 6 nossa! Onde ja se viu isso? van Vassilievic, desculpe-me, mas eu niio posso acreditar em nenhuma palavra do que esta dizendo. ... Nao {quero dizer com isso que cu faca {questo de possuir a “campina!” Ein mede a0 todo 5 alqueires, © poder valer uns 300 rublos; mas’estou irri- tada_com suas pretensoes! Nao. su- porto injusticas, meu caro Ivan Vas- silievie! LoMov — Minha amiga, ouga-me por favor! Os colonos do av6 de sew pai, como ja tive a honra de esclare~ certhe ainda hi pouco, fabricaram tijolos por conta da avd de minha tia; a avé de minha tia para recom- pensé-los, NATALIA — Deixe em paz 0 avd, a av6, a tia... a “Campina do Boi" pertence minha familia, ouviu? E no quero saber de mais nada! Lomov — A “Campina do Boi” é de minha propriedade. NaTAUA — Sua, coisa_nenhuma! ‘A “campina” 6 nossa! Nao adianta iscutir! Mesmo que o senhor ficasse aqui dois dias a fio, contando-me mi- hoes de historias de av6s, tias © ti- jolos, no faria outra coisa senio iti tar-me mais ainda do que ja estou; eu niio me convenco, nio recuo; pode perder qualquer ilusio quanto a isso. Aguela “campina” € nossa, nossa e nossa, entendeu? Eu no venho pe ir-lhe as suas propriedades, ndo sei ‘0 que fazer com elas, mas nio tenho a menor intengdo de perder as que me pertencem... E com isso espero ter-me explicado com bastante cla- rezal ‘Lomov — Natélia Stepanovna, sai ba a senhora que eu nao preciso da- quele pedacinho de terra: & simples- mente tuma questio de prineipios. Se fa senhora quiser posso dar-Ihe a “cam- pina” de presente! - 29 30 Narduia — Essa é boa! Eu é que posso Ihe dar a “campina” de pre- sente, pois ela é minal... Franca mente, Ivan Vassiievic, estou achan- do a sua atitude muito estranha ALE hoje nds sempre 0 consi tum bom vizinho, um amigo; ainda no ano passado_nés the emprestamos a nossa eeifadeira, € por i880 tivemos que esperar para colher 0 nosso tri- 80; e agora vem o senhor e nos trata como se f6ssemos mendigos; quer dar-me de presente uma terra que é minha! Veja s6- que absurdo! Lomov — A senhora parece que- rer insinuar que eu sou um ladrio! Natélia Stepanovna, fique sabendo que eu jamais me apoderei de terras alheias € nio permitirei que ninguém faga tal acusagio contra a minha pessoa! A “Campina do Boi” é minhat Nardin — Mentiral nossa! Lomov — © minha! Natta — £ nossa! E aman mesmo mandarei para li os meus co- Tonos capinar! Lomov — 0 qué? NATALIA — Hoje mesmo os meus ceifadores estardo Lomoy — Eu 0s enxotarei a todos! Narain — 0 senhor nio faré uma coisa dessas! Lomov — A “Campina do Boi” € minha, entendeu, & minha! Narduia — Pare com issol E no arite! Na sua casa pode berrar a von- jade, mas aqui tenha a bondade de comportar-se! Lomov — Natilia Stepanovna, ou- game bem: se nfo fosse esta minha terrivel, brutal palpitagio cerdiaca, a senhora haveria de ver! Em todo caso, repito! A “Campina do Boi” é minhal Narduia — B nossa! Lomov — & minha! Cuwnveov (Enirando) — O que foi que houve? Por que estio gri- tando? Natkuin — Senhor meu pai, por favor, queira explicar a este senhor a quem pertence a “Campina do Boi": a nés ou a ele? Cauaucoy — A nés, é claro! Lomov — Desculpe, Stepan Stepa- nic, mas como pode pertencer ao se- nhor? Pego-Ihe que seja razodvell A av6 de minha tia dera a “campina” fem usufruto aos colonos do avé do senhor. Os colonos usufruiram a ter- ra durante 40 anos e acabaram con- siderando-a como propriedade sua, deles; quando porém veio a eman- cipagio dos servos da gleba... Cxvaucov — Um momento, meu caro, voc’ esté se esquecendo de que 6 colonos nfo pagaram nada a sua v6, exatamente porque @ proprieda- de do terreno estava em demanda, € coisa e tal. ... Mas agora até os mos- quitos sabem que a “campina” é nossa! Lomov — Eu demonstrarei aos se- nhores que a “campina” me pertence! ‘Cuusucoy — E como poderd de- rmonstrar tal absurdo, meu amigo? Lomov — Deixe isso por minha conta! Cuuaucov — Mas, pelo amor de Deus, por que esti berrando tanto? Com’ berros voc8 no conseguiré de- rmonstrar coisa alguma. Eu nio venho pedirhe as terras que the perten- em, mas tampouco tenho a intengao de perder as minhas. E por que de- veria eu perdé-las? Bem, uma vez que estamos tratando deste assunto, quero que vocé saiba de uma coisa se vocé tem a intengio de contestar a propriedade da “Campina do Boi", fique sabendo que eu a darei de pre | sente aos meus colonos antes de ce- dé-ta a0 senhor. Esta claro? Lomov — E com que direito o senhor pode tomar a liberdade de dar de presente uma coisa que nio The pertence? ‘CituBucov — Se eu tenho ou nio © direito de fazer uma coisa que me agrada, € coisa que s6 a mim com- pete resolver; no estou acostumado ser tratado da maneira por que oo’ me estd tratando, e coisa ¢ tal ‘Meu rapaz, eu tenho 0 dobro da sta ‘dade, por isso trate de falar comigo com todo o respeito e sem se exaltar, Lomov — O senhor me trata como um idiota ¢ esté se divertindo & mi- nha custal O senhor afirma que as ‘minhas terras pertencem ao senhor, ¢, ainda por cima, pretende que eu fique camo © impassivel. Os bons vizinhos no agem dessa_maneira, Stepan Stepanict O senhor no é um vizinho ¢ sim um ladrio! CiuBucov — O qué? Que foi que disse? Natta — Papai, eu vou man- dar imediatamente os’ ceifadores para CruBucov — Que foi que voce disse? Que foi que teve a coragem de dizer? Nathtia — A “campina” € nossa, ‘¢ eu no renunciarei a ela, no, nio nio! Jamais! Lomov — Veremos! Eu demons- trarei_em juizo que a campina me pertence! Ciuivcov — Em juizo? Pois nao, vocé pode recorrer aos juizes, e coisa ¢ tal... quando quiser! V4, lé! Eu agora ji sei quem 6 voce, conheco-o muito bem; ‘vooé esti apenas pro- ccurando motivo para_provocar uma briga © coisa © tal. B da sua natu- reza brigar, discutir ¢ coisa ¢ tal... Toda sua familia foi sempre assim. E de familia! Lomov — Nao ofenda minha fa- milia, ouviu? Os Lomov sempre fo- ram gente honesta, todos eles, ¢ nun- ca ninguém da minha raca compare- cceu em juizo acusado de roubo, como © tio do senhor! Cuunucov — Toda a raca dos Lomov & doida! NATALIA — Todos eles, todos eles! Cuunucov — Seu avd vivia bé- bedo, e sua tia mais moga, Nastasia Michailovna, fugiu com um arqui- teto, e coisa ¢ tal. Lomov — E a mae do senhor era capenga! Ai! O meu coragio!... A ‘minha eabega, meu Deus!... Por ca- ridade, dé-me um pouco de ‘gual... ‘Cuusucov — Seu pai era um jo- gador ¢ um comilao! NathuiA — E sua tia, uma taga- rela! Lomov — Ai, meu Deus! A mi- nha perna esquerda esté completa- ‘mente paralisadal.... senhor é um atrevidol... Ai, ai, meu coragao! E todos sabem’ que 0 senhor antes das eleigdes arrumou... Ai, ai, nio enxergo mais!... Onde esti o meu chapéu?... NATALIA — Tudo isto é vil, nojen- Cuupucov — E vocé, sim, vocé mesmo no passa de um brigio, um hipécrita, um fanfarrio! Pronto! Lomov — Ah! Aqui esti o meu chapéu! Ai... Ai... pobre cora- Gio... Onde esti a safda desta mal- dita casa? Onde esté a porta? Ah. acho que vou morrer!... Perdi a pera, perdi a minha perna para sem- pre... Ah! Cuusucov — Nunca mais se atre- va a entrar nesta casa! Naviuia — Pode apelar para a justical Veremos quem ganharé! Ah! (Lomov sai.) ‘Cuunucov — 0 diabo o carregue! NaTitia — Mas que sujeito! Cuusucov — Que patife! Boneco empalhado! Natitia — Idiota, eretino e atre- vido! Nao s6 tem a coragem de dizer que a “Campina do Boi” Ihe perten- ce, como ainda se atreve a levantar a voz em nossa casal Cirvaucov — E esse sem-vergo- nha, que nao enxerga um palmo dian- te do. proprio nariz, ousa_ vit agui fazer-me um pedido... Um pedido entendeu, Natélia? NATKLIA — Que pedido, papai? ‘Cuusucoy — Que pedido? Hum, vvos8 quer mesmo saber? Pois bem. Este atrevido veio pedir-me a sua mio! Natkuia — Pedir a minha mio? E 36 agora & que o senhor me conta Cuvaucov — Chegou aqui todo enfeitado, 0 miserdvell O descarado! Nariuia — Ele veio pedir-me em casamento? A mim? (Cai numa pol- ‘rona) Pelo amor de Deus, meu pai, chame-o de volta, chame-o de volta, éepressal Cuuaucov — Chamar de volta a quem, minha fiat Nardin — Depressa, depressa, ande, papai, chame-o de volta! Ai meu Deus, cu you desmaiar, depres- sa papail Cuupucov — Natélia, Natélia, ndo faga isso! Que foi que houve,’ meu anjo? (Consigo mesmo) Que € que devo fazer agora? Ab, sou um pobre infeliz! Acabarei_ me matando! Ew io agiiento. mais! NATALIA — Papai, chame-o de vol- ‘estou morrendo! Morro! CuuBucoy (Cuspindo) — Sim, vou!... Mas para de berrar, ‘com todos os diabos! (Sai correndo.} Nardi (Sozinha) — Que fize- mos, Deus meu, que fizemos? To- mara que ele volte, tomara! Cuuaucov (Yoltando) — Pronto, ele esiard aqui dentro de um segun- do, € coisa € tal... Diabos 0 car- reguem! Ah, mas quem vai falar com ele € s6 vocé, ouviu? Eu nem quero ver aquela cara de. NatAia — Tomara que ele volte, tomaral Cuvaucov — Ji the disse que ele virdl Ah, minha Nossa Senhora, ter filha solteirona € 0 diabo! Eu ‘aca- barei me matando, sei que acabarei me matando, € uma fatalidade! Foi insultado, injuriado, expulso de mi nha casa, ¢ tudo por sua culpa, ouviu? NatAuA — Minha? Culpa sua! Cnusucoy — £ boa! Minha cul (Lomov aparece na porta) Bem, vou- ‘me embora, Entenda-se com ele! (Sai) Lomov (Entrando abatidissimo) — Estou com uma palpitacio horroro- sal... E a minha pobre pera, ail, Sinto uma dor aqui do lado. NatkuiA — Peco ao senhor que desculpe ao meu pai e a mim... n6s cexageramos um pouco... O senhor compreende, Ivan Vassilievic, os tem- Peramentos nervosos se exallam com facilidade... Agora porém lembrei- me perfeitamente: a “Campina do Boi pertence mesmo a0 senhor. Lomov — Ai como 0 meu cora- co esta pulandot.... Entio a “Cam- pino do Boi” & minha... Pronto, Agora vai recomegar o tique nas pal- pebras!.. a 32 Natta — Sim, meu amigo, a | “campina” the pertence, 0 senbor & © inico e incontestivel proprictirio aquele pedacinho de terra... Mas sente-se....sente-se... (Sentam-se) © ‘senhor tinha razio, sabe? Nos que estivamos enganados.... Lomov — A senhora compreende, € apenas uma questo de principio. Eu nio me importo com 0 terreno: ‘© que me interessa 6 guardar os meus prineipios. Nahi — compreendo, uma questio de principios. Bem, s¢ © senhor néo se. incomoda, vamos ‘mudar de assunto, Lomov — E, como a senhora sabe, tenho todos os’ comprovantes. A ave de minha tia, deta aos colonos do pai da senhora. .. NarAuta — Chega, vamos deixar tudo isso de lado..." (Consigo mes- | | | ma) Meu Deus, como é que vou co- megar? (Alto) O senhor pretende comecar cedo a sua estacio de caga? LoMov — A caga aos galos de ‘campina, s6 pretendo comecé-la de- pois da colheita. Ah, a propésito, a senhora ndo sabe? Uma coisa horri vel aconteceu! O meu fiel cachorro Godunha... que a senhora tem a hhonra de conhecer, esté mancando. NatAtia — Que pena! Que foi que | houve com ele? Lomov — Nao sei... com certeza deve ter brigado com outros cachor- 05, ou entio caiu da janela... Ah, um cachorro formidivell Para nio falar no que ele custou! Uma fortu- na! Uma fortuna! Paguei por Godu- nha em Minorov 125 rublos. NATALIA — Um prego exagerado, Ivan Vassilievie! Lomov — Pelo contrério, eu acho jue foi até muito barato: Godunha um cachorro extraordin: Natkta — Meu pai pagou pelo nosso Vopirando 85 rublos... ¢, se © senhor me permite dizer, Vopiran- do é um cachorro muito melhor que © seu Godunha! Lomov — Vopirando melhor do que © meu Godunha? Por favor, Na- talia Stepanovna! Vopirando melhor do que 0 Godunha? Oral Nardin — Melhor e bem methor! Verdade que Vopirando & ainda mui- to novo, ainda no esti completa- mente formado; mas no hé cio que possa superar Vopirando na agiidade € na velocidade, nem mesmo entre os cachorros do. Conde! Lomov — Natélia Stepanoyna, mas a senhora ja se esqueceu de que 0 seu Vopirando tem a mandfbula curta? E cachorro de mandibula curta nio presta para a caca. Narktia — Curto de mandibuta? Eis af uma novidade para mim! Nun- ‘ca ouvi dizer isso! LoMov — Posso assegurar-lhe que © maxilar inferior é mais curto que 0 superior. Nardi — Como 6 que o senhor sabe disso? Teve a paciéncia de me- dir os maxilares do meu cachorro? Lomov — Tive. Para levantar a caga ele serve, nio ha divida.... mas abocanhar a presa, para isso ni vale nada Naritia — Em primeiro lugar, 0 meu Vopirando é de raga pura: é ho de Avanca e Tragaprepos; 20 ppasso que ninguém conhece a drvore eneal6gica do seu viralata. ... Godu- nha € feio e velho. LoMov — Velho! Pois fique saben- do que eu nio trocaria © meu Godu- nha. por cinco Vopirandos... Go- dunha é um cachorro e Vopirando €... Bem, nfo adianta discutir. Cachorros da espécie de Vopirando a gente encontra em qualquer esqui- na... E para ele 25 kopekos jé seria muito dinheiro! Natkuia — Ivan Vassilievic, 0 se- nhor hoje no almoco deve ter engo- lido 0 génio da contradicdo. Ora, in- venta que a “Campina do Boi” the pertence; ora, que o seu Godunha € melhor que'o meu Vopirando. Nio gosto dos homens que dizem sempre © contrério do que pensam. © senhor sabe perfeitamente que Vopirando é cem vezes melhor do que 0 Godu- nha... Por que entéo, insistir em afirmar 0 contrério? Lomov — Pelo que vejo, a Senho- ra Natélia Stepanovna julga-me um ego. ou um idiota... Quer ou nio admitir que Vopirando tem maxilar curto? Natktia — & mentiral Lomov — Por que se exalta, Na- ia Stepanovna? NATALIA — E por que 0 senhor continua dizendo tais absurdos! B de- sagradavel: 0 seu Godunha j4 esti nna hora de levar um bom tiro nos miolos, € 0 senhor insiste em querer comparé-lo ao meu maravilhoso Vo- pirando! Lomov — Natélia Stepanovna, queira desculpar-me, mas eu no pos- so continuar discutindo este assunto: ‘meu coragio nao agiienta mais! NATALIA — Ji tive ocasio de no- tar que os cacadores que mais dis- cutem so exatamente os que menos entendem do negécio. Lomov — Natilia Stepanovna, ca- lesse pelo amor de Deus! Meu cora- 40 vai estourar.... (Grita) Cale-se! NATALIA — S6 me calarei quando © senhor resolver afirmar que © meu Vopirando é cem vezes melhor do que 0 seu Godunha, Lomov — Cem vezes pior. Para © inferno com 0 seu Vopirando! Ai, ‘minha cabega... meus... 0 meu ombro! NarAuta — Pensando melhor, Go- dunha nio precisa de um tito’ para esticar a canela: ele ja € um cadaver ambulante! Lomov (Chorando) — Cale-se! ‘Meu coragdo parou de bater! Natktia — Nao me calo! Ciunucov — O que é isso? © que foi que houve? Narita — Senhor meu pai, diga sinceramente, com toda a franqueza, {qual dos dois eachortos 0 melhor: ‘© nosso Vopirando ou 0 Godunha deste senhor? Lomov — Stepan Stepanic, por favor, responda apenas a esta’ per- gunta! Vopirando tem ou no tem um maxilar mais curto? Cuusucoy — E mesmo que ti- vesse? que mal hé nisso? O que esta provado € que em toda a regiio no existe um cachorro melhor do que ele, € coisa € tal. Lomov — Sim, talvez, a no ser © meu Godunha.... Stepan Stepanic, seja honesto. . ‘CauBvcov — Com licenca, meu caro amigo; no se exalte, com li- eenga...Godunha sem divida tem suas qualidades... € de boa raca, tem pernas fortes, ancas redondas € coisa ¢ tal... mas tem dois defeitos ‘gravissimos: esté velho € tem 0 fo- ‘inho curto. Lomov — O meu coragio no me deixa sossegado um $6 instante! Mas ‘vamos aos fatos... Peco 20 senhor que se lembre de que na iltima caga 4 raposa, 0 meu Godunha corria sem- pre emparelhado com Mexerabo, 0 cachorro do Conde, 20 passo que Vopirando tras. Cusucov — Ele ficou atrés por- | que um colono do Conde deu-the | uma chicotada! | Lomov — E fez muito bem! To- dos 0s cachorros corriam atrés da raposa, € Vopirando ia no rastro de tum bezerro! CHusucov — Mentiral... Meu caro amigo, eu sow um tanto nervoso, por isso peco-lhe que acabemos com esta_discussio. O colono chicoteou Vopirando apenas porque estava com inveja dele!!! Sim senhor! Todos tém inveja do meu cachorro, inclusive 0 senhor! Alls, se bem me lembro, © senhor tem inveja de todos os ca- chorros que so melhores que seu viralata... Logo comeca a encon- trar defeitos nos outros, a falar mal deles... Lembro-me_perfeitamente! Lomoy — Eu também me lembro perfeitamente! ‘Cuunucov — “Eu também me Iembro perfeitamente...” Do que € que 0 senhor se lembra? Lomov — Ai, meu coracio!.. E a minha pobre perma! Nao agtien- to mais, ail Naratia — “Ai, meu coracao! Mas que espécie de cagador é 0 se- nhor? O seu lugar seria na cozinha, descascando batatas, © nio andar correndo atrés de raposas! “Ai, o meu coracio!...” Citusucov — £ isso mesmo! Que espécie de cagador & vocé? Com 0 seu coracio deveria ficar de cama, que € lugar quente, e nio andar de 1a para cé, de c4 para lf, a cavalo! Se ao menos vocé saisse para cacar, mas nao! Fica s6 atormentando 0s cachorros dos outros ¢ dando palpi- tes errados, etc. Mas vamos mudar de assunto! Fico um tanto descon- ficava um quilémetro trolado quando me zango de verda- de, O que € fato é que vocé nio é tum verdadeiro cacador. Lomiov — Eo esnhor, seré por caso um verdadeiro cacador? O se- hor 86 aparece mas cagadas para se ‘mostrar na companhia do Conde € intrigar os outros... Ai o mew co- ragiol... O senhor € um intrigante! Cxvsvcov — 0 qué? Eu, um in- trigante? Cale-se! Lomov — Intrigante! Cvsvcov — Rapazola! Fedetho! Lomov — Velho ¢ velhaco! Cusvcov — Calese ou eu o mato como se mata uma perdiz! E com a espingarda velha! Lomov — Todo mundo sabe que vocé apanhava da sua mulher... ai a minha pobre pera! A minha ca beca! Estou com a vista atrapalha- dal... Ai... ai... vou eair... vou desmaiar!. CHuBucov — E vocé se deixa go- vernar pela sua governante! Lomov — Pronto, pronto, pron- to... Nao disse? Mew coragio es- tourou!... Onde esté o meu om- bro?... perdi o meu ombro!... Ai, you morrer! Estou morrendo! Mor- rit (Cai numa poltrona) Chamem um médico, depressa, um médico! (Des- ‘maia.) CauBucov — Coitadinho do nené! Nao quer uma mamadeira? Ai, meu Deus! Agua, gual Depressal Estou me sentindo’ mal! Natta — Que espécie de caca- dor & 0 senhor que nem sequer sabe ‘montar um cavalo! (Ao pai) Papai! ‘Que foi que aconteceu com el Ps apai, olhe! (Grita) Ivan Vassi- jevic! Morreu! Esti morto! 33 Cavavcov — Estou me sentindo mal... estou com falta de ar.. Arl... arl... Um pouco de ar! Natkuia — Estard orto! Ivan Vassilievicl Ivan Vassilievie! Mew Deus! Meu Deus! Meu Deus, que fi- zemos! Esté morto! (Cai numa pol- trona) ‘Um médico! Chamem um médico! Cuunucov — Que é que voe’ tem, Natélia? Que foi que houve? Que foi que houve? NATALIA — Ele morreu. orto! ‘Cuusucov — Morreu? Quem mor- reu? (Vé Lomov) Ah! Ele morreu ‘mesmo! Minha Nossa Senhora! Agua, ‘um copo de gua! Um médico, cha- mem um médico! (Aproxima 0 copo da boca de Lomov) Vamos, bebe. Que nadal... Nao adianta!.,. Quer dizer que esté morto de verdade! Morto © coisa € tal... Ai, coitado de mim! Eu sou o mais infeliz, 0 ‘mais desgragado de todos os homens! Por que ainda nio me matei? Pot {que ainda nio cortei o meu pescogo com uma navalha? Que estou espe- rando ainda! Déem-me uma nava- Tha! Quero uma navalhal Déem-me um revélver! (Lomov comeca a se mexer) US... ele esté se movendo! Ressuscitoul... Meu caro amigo, beba, um pouco de Agua... Nio, devagar... assim... assim... esté bem! Lomov — Que formigamento em ‘meus olhos! Que nevoeiro!... Onde estou eu? Nao vejo nada! ‘Cuunucov — Case-se o mais de- pressa possivel... Va para o diabo gue 0 carregue! Fla esté de acordo! (Une as maos de Nalétia ¢ de Lo- ‘mov) Ela concorda e coisa e tal 34 Eu vos abencoo e coisa ¢ tal... con- = est tanto que se vio embora daqui € me deixem em paz! Lomov — Como? © qué? (Levan- tase) Quem concord? Cuupucov — Ela, Natélia, a mi- nha Natélia concorda! Vamos, abra- cem-se, beijem-se!... E... sumam- se daqui! Narduia — Que bom! Ele esté vie vo... sim, sim, eu concordo! Ciunucov — Vamos, beijem-se! Que € que estio esperando? Lomov — Hein? Beijar? Quem & gue, devo tar? (Lomov Nata iam-se) Ah, como é gostoso! Mas, desculpe, eu no entendi bei. de que se traia? Ah, ja sei... M Deus, que formigamento nos. meus olhost Sinto-me tio feliz, Natalia Ste~ panovnal (Beija-the a mio) Ai, a tinha pobre perma! Onde esté ela? Narktia — Eu também sinto-me to feliz, meu caro Ivan Vasilieviel ‘Cuunucov — Puxa, que alivol Naritia — Pelo menos agora, voeé tem que reconhecer que Godu- nha € pior que © meu Vopirando. Lomov — Nao senhora! E cem vezes melhor! Naritia — & mil vezes pior! Cuunucov — Pronto! Comecou a felicidade conjugal! Champanha! ‘Champanha para todos! Lomov — Muito melhor! Nauta — Muito pior! Pior! Pior! Cxuaucov — Champanha! Cham- panhal PANO NOTICIAS DO SNT CONVENIO LEVARA TEATRO AO INTERIOR DO ESTADO DO RIO © SNT acaba de publicar Edital, sob 0 n? 06/80, regulamentando 0 Projeto de Interiorizacio da Ativi- dade Teatral no Estado do Rio de Janeiro, elaborado pelo Departamento de Cultura da Secretaria’ de Educa ‘eo e Cultura do Estado do Rio de Janeiro. O SNT patrocinar os espeticulos a serem realizados em dez ‘municipios fluminenses. valor do patrocinio sera de Cr$ 15.000,00 (quin- ze mil cruzeiros) por espeticulo, no maximo, incluin- do-se ai despesas com transporte, hospedagem e alimen- taco. Seré dada preferéncia 3s montagens de textos de autores nacionais. Poderao ser patrocinados, por grupo, ‘até o méximo de dez (10) espetdculos entre as monta- gens para adultos e eriancas As inserigées estiio abertas até 0 dia 21 de julho, na Divisio de Integracdo Cultural do Departamento de Cultura, da SEEC-RJ, na Rua do Passeio, 62, 119 an- dar, das 10 as 17 horas. Somente poderio ‘concorrer ‘grupos cujas pecas ja tenham sido estreadas até a data da_inscricio. (© grupo ou empresa escolhido no poderé cobrar mais de Cr$ 50,00 (cinglenta cruzeiros) por ingresso. ‘A Comissio Julgadora seré composta de trés_mem- bros escolhidos pelo SNT e Departamento de Cultura da SEEC-RJ. O resultado sera fornecido dez dias apés ‘© encerramento das inscrigoes. REGULAMENTA O PROJETO _INTERIORIZACAO DA ATIVIDADE TEATRAL NO ESTADO DO RIO DE JNEIRO © Servigo Nacional de Teatro da Secretaria de Assuntos Culturais do Ministério da Educagio e Cultu- ra, de acordo com o Projeto Interiorizagio da Atividade Teatral no Estado do Rio de Janeiro, do Departamento de Cultura da Secretaria de Estado de’Educacéo e Cultu- ra do Estado do Rio de Janeiro, patrocinaré espetéculos 2 serem realizados, no minimo em 10 (dez) municipios fluminenses e para tanto faz publicar para conhecimento dos interessados 0 presente Edital que regulamenta o citado projeto, com as seguintes cléusulas e condigoes: 1 — DO PATROCINIO 1.1 — 0 valor do patrocinio ser, no maximo de CxS 15,000,00 (quinze mil eruzeiros) por espeticulo, 'nele incluido despesas_com transporte, hospedagem ¢ alimentagdo. Poderio ser patrocinados, por grupo, até (© maximo de 10 (dez) ‘espetéculos, po- dendo ser inclufdos, dentro do patrocinio, espeticulos infantis, dando-se preferéncia, fem qualquer caso, is montagens de textos de autor nacional, ‘Toda e qualquer despesa decorrente da realizagio dos espeticulos, ser de respon- sabilidade exclusiva do’ patrocinado, a quem € vedado 0 uso do nome dos: ps tocinadores, para a contratacdo de ser vigos ou compra de materia. 2. — DA INSCRICAO fa 2.1 — As inscrigdes estardo abertas no periodo compreendido entre os dias 7 a 21 de julho na Divisio de Integracio Cultural do Departamento de Cultura, da SEEC-RJ, sito a Rua do Passeio n? 62-11? andar, no hordrio de 10 as 17 horas. 2.2 — Somente poderdio concorrer a0 patrocinio ‘0s grupos cujas pecas ja tenham sido es- tueadas até a data da insericdo, 2.3 — A documentagio exigida para a inscricéo a) Ficha Técnica e Artistica do espeté- culo; ) Curriculo do grupo amador ou da empresa; ) Currfculo dos participantes da_mon- tagem; ) Fotocépia autenticada do documento de identidade ¢ do CIC dos represen- 35 aa Bl 22 tantes legais do grupo amador ou da empresa; ) Autorizagéo fornecida pela SBAT ou pelo préprio autor credenciando 0 in- teressado a encenar 0 texto; f) Atestado de liberagio da peca pela Censura Federal; 2) Documentacio fotogréfica (minimo de 5 fotografias) da realizagio do espe- taculo; h) De acordo com a categoria em que se classificarem os inscritos deverao.apre- sentar, ainda, os seguintes documentos: — No caso de grupo amador; — Estatuto registrado e respectiva certidao, No caso de empresa: — Registro da firma e respectiva cer- tidao; — Atestado de quitagio da empresa com (© Imposto Sindical; — Comprovagio de inscrigio no Minis- tério da Fazenda (CGC); — Comprovacio de inscrigio na Secre- taria Municipal de Finangas (ISS); — Certificado de Regularidade de Situa- io (INAMPS). Quaiquer dos documentos acima, quando apresentados em fotocdpia, deverd estar autenticado ou ser apresentado 0 original para comprovacao. 3 — DISPOSICOES GERAIS © grupo ou empresa no poder cobrar na bilheteria, ou através de outras modal dades de venda de ingressos, importincia superior a CrS 50,00 (cingiienta cruzeiros). ‘A Comissio Julgadora seri composta, de 3 (trés) membros escolhidos pelo. SNT © 0 Departamento de Cultura da SEEC-RJ. 33. — 34 — ase = a ae © resultado seré fornecido 10 (dez) dias apés 0 encerramento das inscrigdes, na sede do Departamento de Cultura da SEEC-RJ, e divulgado posteriormente pela imprensa © grupo ou empresa se obriga a fazer constar de todo 0 material de divulgagio, interno ou externo (publicidade, cartazes, programas, filipetas, etc.), relacionado com © espeticulo ¢ durante todo 0 tempo em {que estiver em cartaz, os seguintes dizeres: “COM 0 PATROCINIO DO DEPARTA- MENTO DE CULTURA DA SEECRI E DO SERVICO NACIONAL DE TEA- ‘TRO — SEAC — MEC’. © pagamento do patrocinio, objeto deste EDITAL, seré concedido em duas parce- las. a saber: a) 50% (cingienta por cento) apés a assinatura do contrato; b) 50% (cingiienta por cento) mediante apreseniagio de documentos _com- probatérios de realizagio do nimero Se espetéculos fixados, por contrato, ‘comprovagio do atendimento a cléusu- la referente & divulgagio e da apresen- tagio de outros documentos. segundo as normas exigidas para a prestagio de servigos. © pagamento das parcelas acima discri- minadas s6 ser feito mediante a apresen- tacdo pela empresa potrocinada da res- pectiva Nota Fiscal de Servigos ou de uma declaragdo de Isencdo de Emissio da refe- rida Nota Fiscal, em se tratando de grupos amadores. Os grupos em débito contratual com 0 SNT nio poderio obter 0 patrocinio pre- visto neste EDITAL. © SNT, se notificado pelo Sindicato de Classe, Suspenders o pagamento a empre- sa patrocinada, enquanto ela estiver em débito com as suas obrigacbes legais, com qualquer um dos profissionais participan- tes do espetéculo patrocinado. 3.9 — O nio cumprimento das exigéncias deste EDITAL e de qualquer das cléusulas do contrato a ser celebrado, implicaré na inabilitagdo da empresa para firmar novos compromissos com o SNT, além de ficar ‘a mesma obrigada a devolver a impor- tancia j4 recebida, sob pena das sancoes civis © penais. 3.10 — Os casos omissos serio resolvidos pela Comissio Julgadora, com a homologacio do Diretor do Servigo Nacional de Teatro. Rio de Janeiro, 4 de julho de 1980. DOS JORNAIS 08 ORFAOS DE PASCOAL Em que categoria da satividade teatral enguadrar Pascoal Carlos "Magno? Apesar de ter tide na sua juventude_algumas pevas de Sua autoria encenadas com. sucesio, eter mesmo {rabalhado ‘ocasonalmente como ator, ele no chegou a exercer ontistentemente 0 ofleio. de artist, em nenhum dagueles se- ores em que as premiagées dos melhores do'ano esido tradi- Conalmente subdivididas. Como critica realizou, mas péginas do Correo da Manha, anos a fio, um impressonante trabalho de ivulgacao; mas a eritca propriamente dita no era o seu forte ‘pom 80x voeagéo, pois & sun vontade de ajuder indiserimina- Mlamente a todos sobrepunhase a0 espirito_analitico e-& eapa- Cidade de interpretar criativamente uma reallzacho eSnica, Pela Tegisldo agora em vigor, cle ndo teria como obler registro, 1nd Ministério do. Trabalho, como profisional de teatro. Ainda fssim, € posivel que ele tenha contribuldo mais para 0 desen- Yolvimento. da arte teatral no. Bras, durante quase um melo século, do que qualquer outra pessoa fisica, “Alls, a pessoa fisica de Pascoal Carlos Magno era, na verdade, toda ‘uma’ instiuigdo. Sozinho le foi, por exemplo, © Teatro do Estudante; foi o Teatro Duse; foi ‘todos os Fest ‘ais de Teatros de Estudantes; foi as Caravanas de Cultur e'foi a Aldeia de Arcozelo onde, ainda no ano pasado, fi gra Semente doente, insaiou e acompanhou 0 Seminario. Nacional Ge" Artes Cenicas” Claro que quando digo que, Pascoal foi tudo isto sozinho, io de contenas. de colabo: estas inciativas fundamentais» para 'a cultura nacional exisido e futifiead, Num pats to dotado de talentos nos diversos terrenos da criagdo. dramética, so. rafos ot verdadeiros talentor “de ani- ‘mador cultural. Mais do que ninguém, e mais do que qualquer foutra. coisa, Pascoal foi precismente’ isto: um notével anima- dor ‘cultural. Para. tal ele dspunha, no. mals allo’ g ‘qualdades esenciaiss a. convioggo. “de que, parafraseando a expression imposible n'est pas rancais, palavra impostvel fo deveriaexistir no. vocabulério brasciro, pois os mals ulé picos soahos slo suscetiveis de serem transformados em reali ‘ade, coma forsa de vontade e a obstinagior uma capacidade ‘e Tideranga. no. autoritiri, baseada em suave persuasio; uma habilidade politica que’ the permitia utilizar ‘9 seu. pres tipo peswoal para extra verbas ¢ aurilios de todas as fontes, teria As vezes as mais inesperadas, de onde auxilios « verbas pudes- ‘sim ser extraldos. Quando s minha geragéo teatral, a da segunda metade dos ‘anos. 50, chegou a. penetrar no. pancrama teatral, grande parte ‘das tarefas mais importantes de Pascoal_ ja. estava-cumprida fou em vias de execugdo. Embora muitos dentre nés_tenham ‘Sirgido ‘na’ sua esters, e tenham sido. por ele. deckivamente ‘judados, “questionavamos ‘multas vezes radicalmente. Desagra- flava acs jovens da minha geragdo 0 seu tom paternalisia, os Seus rompantes de demagogi visio critica que o levava rmedioerdades, e uma certa inssten fem desempenhar “mono- ida"real o papel do petsonagem Pascoal Carlos cua principal aratidio do. mundo e, sobretudo, das autoridades, Apesar desias iscordineias, nenhum de née excapou. a Torea do seu. Prestigio moral. Em todas as boas brigas em defesa dos interesses mais Fegiimos. do teatro. nacional, la estaya 0. velho Pascoal, com 4 suas iveverentes e corajosas tradas, pontuadss de um’ senso de humor todo. pestoal. Ela estivamos todos nds a tomar 2 beengio do patriarca, e esperando que cle cumprise mais uma vez, como tunea debxou de cumprir, a sua missio de_porta-vor das’ reivindieagies © dos interesses de todo © teatro nacional aljado da vida publica ‘pelos detentores do poder. A sua cat- ‘eira diplomética foi prematuramente cortada, por motivos mes- ‘inhos, tendo sido ele, salvo erro, o primeira Embaixador ‘quem funea fot confiads ‘uma Embalxada. Apesar de toda a fa" habildade 'e ‘obstinasdo, jé nlo haviaverbas nem apoio para ov seus projetor. E permitivse que 0” seu patrimdnio. pes foal, representado pela casa de Santa. Teresa ‘que serviu de cendrio a tantas inieiativas de mais alto sentido elven, fos endida para que 0 Embaixador ‘aio “passasse necestidades na Sima’ etapa de sua vid Apesar de tudo, Pascoal tinka bons motives para morrer trangillo e com a sensacio de um dever exemplarmente cumpri- do. Raras slo, a6 hoje, as iniciativas realmente vilidas do teatro ‘brasileiro aque no este ligndo alguem que tenha recebido, em alguma fase de. Sua carrera, um empurrdo deci- ‘vo do" patriarea' de. Santa ‘Teresa, Eo seu maior soho — a Aescentralizagio do teatro € 0 crescimento das. atividades.regio- nals — parece hoje mais préxime de se concretizar do que fm. qualquer outro” momento. da. Histéria. No. dia.-mesmo_ em ‘Que Pascoal era enterrado, encerravase no Teatro 80 SESC de Sfo Touo de. Merit! a carreira do mat importante. espetéculo isto no Rio desde 0 inkio do ano, O Auto das Sete Luar de Barro, trabalho de um grupo de" Caruaru. Eis uma confirma- ‘eo. consagradora, entre tantas outras, de um apostolado que agora cheea_ao fim, mas cujos frutos continuario.alimentando Ge" modo decisivo "a atividade teatral brasileira. (Yan Michalski, extraido do Jornal do Brasil, 275-80), PASCOAL: TEATRO FOI A MOTIVACAO DA VIDA. Pascoal Carlos Magno foi teatrologo, pocta, memoria, sta ¢ diplomata, Nasceu ‘no Rio de Janeiro, em 13 de ‘de 1906" Filho de imigrantes itallanos, Seu pai era mo- Janet diestoalfaiate, mas ‘dotado de extraordiniria sensibilidade ar- titi ‘Pascoal viveu a infincia ea juventude em Paula Matos (Sania Teresa), em contato muito fatimo com 0 povo, as ma nifestagdes populares, os tears, a vida, noturna da cidade, 4 vide boémia. Ele e seus irmios conviviam realmente com © pove. vest como melhor tern, a melhor mmisa, Acabava de ibertarse de una gripe. Fora uma convales- enga longa e fici. Apenas # mulher — a mie de Pascoal — Sabla a razlo daguela saida vespertina Li ia ele com um canudo debaixo do brago. Exam os vers do flho, (Opa os descobrira, encarregara uma das me- hhinas” deo copiar A maquina. E fora. conversar com wm Amigo elite, ‘Jesembargador. Maso amigo 0. disuadira, [Nao walla pena ser posta... © alfiate arquitetara um plano, E foi hater com o canudo de versos debsixo do brago numa ‘casa aristocritica. Era a casa do Conde Afonso. Celso. Entre- fou um cartdo. Fizeram-no entrar. Pouco depois, aparccia 0 Fonds, Etude’ se esclareceu.'O- alfaiate sara 0 cartho do Simigo desembargador, que era amigo do. conde. E logo_de- lamou ‘tum sonelo do conde para sua. filhinha doente, Fora fee belo soneto — de um pai afito diante do destino de sua filha. que o fizera procurilo afotamente. Também eu tenho lum fitho doente, frig, que faz versos. Os versos esto aqui, Senhor conde, Entres0-ds a apreciasdo de Voss. Exceléncia (© conde comovido prometeu que iria U-los. E a 1¢ de rmaio de 1919, chegava_20 modesto endereco de. Paula Matos tima carta do'Conde Afonso Celso, dizendo que o poeta tinha talento. Foi ese o primeiro contato de Pascoal Carlos. Magno ‘com literatura em termes seis. Dois livros de poemas juvenismarcaram a sua entrada triunfal na vida Wterdria, ainda muito joven, Com Ana Amélia Quecirds ‘Carnelto de Mendonga, funda a Casa do Estudante do" Brasil. No inicio da década de 30, com Raul Bopp e Jost Jobim, ‘entrou para a carrera diplomética, Foi servic como viceconsl fem. Liverpool, onde Rio Branco "servia. Foi, depois, transfe- filo para Londres, onde passou os anos draméticos da guerra Em Londrsy esereveu 0" seu romance muito aplaudido, Sol Sobre as Palnciras, publicada em ingles ecm portugues. A. 4 de dezembro de 1945, foi eleto. vereador pela, UDN. Veio asumir a sua cadeira na’ Cimara Municipal do Rio, Fez Critica de teatro no Correlo da Mana. Fundou 0 Teatro Duse, fem sua casa de Santa Teresa. AS irmis, que moravam na, Trax Sea Afonso, na ‘Tijuea, foram’ morar'com ele. A familias Teconstitulu. Sol Sobre at Palmeiras, langado em portugues fazia Foi este talver_o perfodo mais feliz da vida de Pascoat Carlos” Magno. O seu ‘consivio mais inimoe dinimico com © teatro, Lanyou inumeros tore, como Sérgio Cardoso, que | Sie Gescobrin para fazer 0. Homfe!, Sua casa em Santa Teresa feta uma offeina leatral, paleo, ponto de reunido, academia © ‘entra. soca “Transferido para a Grécia, esereveu em Atenas grande parte do seu livto de memérias, que 6 publicaria bem mais Stscelino 0 convidou para’ subshefe da Casa Civil da Presiden tia da Repiblica, Durante © Governo Juscelino, Pascoal foi no Gatcte 0 grande protetor do teatro ¢ da arte cm geral. O seu spoio era ‘certo, fe houvesse talento, vocagao e valor. [fe re are | tarde 0 enterro Je Juscelino da sede da Manchete ao Aeroporto Sentos Dumont, misturandose a muld4o que cantava e home- rageava o grande lider. Tndicado para Embaixador na PolGnia, comecou a estudar polonés, mis no chegou a viajar para Vars6via. Perseguiies Iresquinhas.perturbaramthe a carfeira. ediu aposentadoria, fantes do tempo. Nio chegou a ter uma Embaixada, Recolhe-se sabiamente A sua casa de Santa Teresa, na curva da Rua Hermenegildo de Barros, com vista_maravihosa Sobre a cidade, a cavaleiro do mar. Reabriv o Teatro, Duse. ‘0 Ministro Jarbas Pasarinho 0 prestigiou, comparceendo, pes: Soalmente 2 ato solene de inauguracio, Pascoal vollou a fazer Crea no Correo da Mand, Mais do que nunca se unit 20 ‘A sitima realizsio de Pascoal foi a Ald sonho derradeiro de uma. vida cheia de empreendimentos ativas generosas. A aldeia sintetizava a sua existéncia inte Era um centro. nacional, uma universdade live, uma fundacio Ae arte. Pascoal sonhava, como sempre, E. como sempre. hava jitdncia entre 0 seu sonho ¢ & dspera realidade. cruel da fe Arcozslo, Howe disabores diiulades de orem material, Pascos! foi chrigaig a oder son cist elon antiga, de Santa | eect tient ‘sn colegio de sntor burden, Candnouse | A'Academia Brasileira de Letras cm 1973 e. fot derrotado, Mudouse para um apartamento alugado na Rua Dias de Barros, A vista ampla era. a mesma. Mas ele € que ja nfo ert © mes ino, fiscamente. A. velhice 0 tocara. Os itimos. anos foram Ge" luta. Pascoal teimava em servi, pois o seu ileal. sempre fora este, servi, dare. Pascoal foi fiel até-o fim a este ideal, ‘duc vinha da sua mocidade, Servi a jwentude. Servir a0 teatro. FForam a dua eausas permanentes e até pateticas da sua vida ‘Acasa da juventude, a causa do teatro, ‘Ainda publicon um volume de poemas, com preficio, de Roberta Alvim Cofréa. A sua possia era toda feita' de melan- cola, “de tristeza, de um fra surpreendente em um or, voltado para a vide, desalento, de ‘um tom eegiaco, ave fer assim (Ho ativamente empreende- ‘1 acto, © dinamismo eriador. Ct do seu spirit, vida aitada foi a nomeaso para | © Conssiho eleral de Cultura. Erno psblico,reconhecimento flos seus métitos no longo exforgo em dafesa de nossa cultura Sa fora’ membro do Consetho Estadual de Cultura, 39 feu destino osclou entre a pocsia © o teatro. Roberto Ribeiro ‘reeditou em 1962, Sol Sobre as Palmeiras, mistura de romance e-livro de meméfias, ‘com Paula Matos, 0. teatro, a ida" noturna Wo Rio, 0 claustro de S40 Bento, "a sombra’ de Seu" pal, italiano sensivel, cafes, carnavais, uma’ juventude que comeyata a agitarse na década de 20, 0 Rio Velho de Laurinda Santos Lobo, pacata cidade trang, a beica-mar, com seus poetas. Pascoal soube fixar tudo iso, no seu grande livro auto- ic, escrito. em Londres, 0b. 0 bombardeio, em plena ‘Ali Tixou ele para sempre um pedago de si mesmo tho Brasil de outror Cansado, triste, tou bravamente pela sobrevivéncia da sua Aldein de “Arcozelo (Extrailo do Jornal do. Brasil, 285.80) ROMANTICOS A BRASILEIRA Teatro Completo, de Gongalves Diss, 469 piginas. Teatro Completo, de Josquim Manuel de Macedo, 2 vols, 589 paginas Fiigao’ do Servico Nacional de Teatro s¢ os modismes aluslmente marcam a agao cultural braseira. B hintrico, Essa dependéncia, Yer Tos'de um nase colonial trago\de seclar negsedo da hicionalidage, nio invalids. a qualidade do que se_produatu no Brasil ainda ‘que no se possa deixar de comiderar que muitos autores Tenham sido apenas diuiores dos eradores originals No teatro ene aspecto ¢ especialmente dramtico. Se Houve no Brasil uma maniféstagio.cuttral que. wveu como olhos. vor {alos para 2” Europa, macagucando estln Je dramaturgia © formas” de repesenagio, fol 0. teatro. Desde Anchiea, com Sus autos ditioos para’ a platéia de indion, a rela pouco Tudou. Mesmo quando’ os inion fainm teatro imitavam © seu modelo ‘Mas se somente na histéria contemporinea do. teatro bra sikico ‘conseguiuse wma ‘cera. lberdade. de evagio, livre de Dresses modelares ou” de exemplos externos, nem por iso 8 Fistria de now teatro foi menos interesante. No perodo em ae forecin 9 romantimo na Europa, os eras da old {Stam asallades por uma, restive! compusio. de reprodu © dernier dos waraus iterrion da metropole. 1 & iegavel ‘Que Tot nese periodo do iniio. a wm pouo. mas dame: {de do sicolo” XIX — que floresceu a ‘iteratura. dramdtica brasileira,” Mains Penna, Joaquim Manuel de. Macedo e Gon falves Dias ‘cio sida. provas "Todos foram” disiores dos Snones'emanador “da Europa, mas sem vida 30. mesiearany Stores capazes de recriar sob as doces plmeiras tropicals st igges aprendidas, mas com wma dose’ de qualidade. que. 0: Utine como nerdadiros indore, ‘obras _completas de Joaquim Manoel de ‘air dole volumes —"e de Gongalves Dias demonstra que cada um, com seu estilo e. temperamento, | trangplantou para o Brasil at ases do. romantisma europe, som perder as carscteisucas nacionais. Gongalves ‘Dias, apesar de situar # ago de suas pecas em lugares distantes © s¢ apol Tortemente no drama romdntico, manipula seus. textos. teatra com elementos de melodrama tio aros, desde entio, & platéia brasileira. B verdade. que as difculdades encontradas por’ Gon galves Diss’ para encenar suas peas durante a vida provam ‘que a transposigdo sem intermediagdes do. estilo literério nem Sempre resulla em linguagem acessivel. Goncalves Dias s6 coa- Segura chegar ao palco de uma grande cidade brasileira em 1957, atraves do. Teatto Brasileiro. Je Comédia, ronicamente | scusado ‘de ser uma cabecode-ponte do” teatro europeu no Brasil. Mas o'valor de sin obra —~ mais on menos aculturada — 6 nos prova que 0 teatro brasileiro do seculo. XIX, a exemplo do que’ ocorre esporadicamente ainda hoje, teve uma profunda Aificuldade em se reconhecer como tal. Nas quatro peras que escreveu — Leonor de Mendonca, Packul, Beatriz’ Genel Toabdill — o' drama histérico obscureceu qualquer” vestgio nae ional. Como 0 situa 0 ensasta e eritico Sabato Magali, tragos mateadamente brasileiros dos Primeros Cantor. transfor- maram-se a dramaturgie, num propésito universalist, em que importa mais a posivel eiséncia humana e individual Jo que a ‘sua subordinagio a critérios nacionais”. 0 caso de Joaquim Manoel de Macedo é um tanto diferente. Mais ligado um teatro de costume, seu aparecimento se seguil 2 Martins Penna, para muitos 0 verdadeiro eriador da comedia brasileira. Av comparacio com Penna € naturale ‘Inevitvel ‘Apesar da ingenuldade © do conservadorismo. de Martins Penna, fot sua época. um dramaturgo corajso, ‘Mostrando a socie= dade brasileira, fitrada e atenuada sob a otica de certas repras, Penna avangou tematicamente trazendo para cena uma parte do. universo brasileiro, Usando "0 mesmo. romantismo eam pllando um pouco ‘mais os seus temas, Joaquim Manoel de Macedo esereveu comedias e dramas que mostram a vileza de uma sociedade fundada na hipocrsia, no preconceito © ma. va dade. E claro que suas observacdes'tém ‘uma forte conotactio ‘moral e que ox conflitor se. resolvem igualmente sob uma agio ‘moralita, amor, entendido como” uma relagso ica, 6 um deus ex-machina que resgata dividas, sfrimentos fsicos © morals f recompie a unidade. Torre em Concurso e 0 Primo da Cali- drnia'permitem a Manoel de Macedo fugit do exceso de ro- Iantismo, "estabelecendo. divertidas’ situagGes draméticas que exijam a’ nés, brasleros de qualquer tempo, um pouco mais (Macksen Luiz, extraido do Jornal do Brasil, 1980) © TEATRO ESTA PERPLEXO Um veto ameaga a Fundayio de Artes Cénicas Nacional de Artes Céni- cas, sono’ © ideal de toda’ classe teatral, std ameapada: o

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