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GRAMSCI, HEGEMONIA E RELAGOES INTERNACIONAIS: IM ENSAIO SOBRE 0 METODO Robert W. Cox Hé algum tempo, comecei a ler os Cadernos do cércere, de Gramsci, Nesses fragmentos, escritos numa prisio fascista entre 1929 da ideologia com a produgao. Nao é de sur- preender que Gramsci nao tenha diretamente muito a dizer sobre relagoes internacionais. Apesar disso, achei que seu pensamento aju dava a compreender o significado da organizacao internacional com a qual eu estava ocupado naquela época. Particularmente valioso foi 10 de hegemoni ceitos correlatos que ele el seu cones ‘mas também foram valiosos varios con }orou para simesmo ou desenvolveu para minha forma de entender 0 que Gramsci sgemonia ¢ esses conceitos afins, ¢ sugere como ppenso que eles podem ser adaptados, preservando seu significado essencial, para compreender os problemas da ordem mundial. Ele 1nao pretende ser um estudo eritico da teoria politica de Gramsci, € apenas uma derivagao de algumas idéias dessa teoria politica para ‘uma revisio da teoria corrente das relagdes internacionais 12, m2 p. 162 W. Cox Gramsci e hegemonia Os conceitos de Gramsci fora tanto de suas reflexdes sobre 0s peri {que ajudavam a langar uma luz exph de sua propria experiencia pessoal de luta politica e soci hd reflexes sobre 0 movimento dos conselhos operarios do inicio da década de 1920, sua participagao na Terceira Internacional todos derivados da historia ~ épossivel usar os conceitos de maneira frutifera se ddos de suas aplicagdes, pois ao serem assim abstraidos, suas diversas sao quando posto em contato com determinada situagao que ele aju- daa explicar ~ contato que também desenvolve o significado do con- ceito, Nisso reside a forca do historicismo de Gramsci, assim como sua capacidade explicativa. Mas 0 termo “historicismo” costuma ser ‘mal-entendido e criticado por aqueles que procuram uma forma de conhecimento mais abstrata sistemitica, universal e a-histérica,’ seu pensamento a0 objetivo da prisio, sempre se referia ‘a0 marxismo como “a filosofia da praxis" Poderiamos supor que, a0 ‘menos em parte, isso se deve ao fato de querer enfatizar 0 objetivo revolucionério prético da filosofia. Em parte também pode ter sido para mostrar sua intengio de contribuir para uma corrente de pensa- ‘mento vigorosa, em processo de desenvolvimento, a qual recebeu seu jimpulso inicial de Marx, mas nao esta circunscrita para sempre 3 » Esse parece ser 0 problema de Anderson (1976-1977), que afirma ter encontrado incoeréncias nos conceito ‘questio, ver Thompson GRAMSCI, HEGEMONIA F RELAGOHS INTERNACIONAIS #103, ‘obra deste. Nada poderia estar mais longe de suas intencdes do que lum marxismo que represente uma exegese dos textos sagrados, cujo objetivo seria refinar um conjunto atemporal de categorias ¢ con- ceitos. COrigens do conceito de hegemonia Existem duas correntes principais que levam 3 idéia gramsci A primeira nasceu dos debates da Terceira Inter- sia da Revolugio Bolchevique e da criacao de a segunda, dos textos de Maquiavel. ira primeira cortente, alguns comentaristas procuraram ar 0 pensamento de Gramsci com 0 de Leni do, ia de uma hegemonia do proletariado, Gramsci ‘dura do proletariado. Outros comentaristas sublinharam sua concor~ dincia basica.? O importante € que Lenin se referia 20 proletariado, russo tanto como uma classe dominante quanto implicando ditadura, e a diregao implicando lideranga com 0 con- sentimento das classes aliadas (principalmente o campesinato). Na verdade, Gramsci apropriou-se de uma idéia corrente nos circulos da I: 0s operirios exerceriam hegemonia sobre as ,¢ ditadura sobre as classes inimigas. Mas essa idéia foi ‘ada pela ‘Terceira Internacional somente no qu: classe operiria ¢ expressava o papel da classe operii tum alianga de operdrios, camponeses ¢, talvez, alguns outros grupos potencialmente simpatizantes da transformagio revolucionéria.* io da década de 1920: da revolusio e s6 poderia andar um novo Fstado por meio de uma alianca com o campesinato ¢ alguns elementos da ppequcos burguesia. Na verdade, Gramsci considerava 0 movimento de ouselhos operirios uma escola de lideranga desse tipo de coal as Stvidades antes de ser preso cram dirigidas a construgao dessa co 104 @ Rosser W. Cox A originalidade de Gramsci consiste no viés que deu a primeira corrente: comecou a aplicé-la a burguesia, a aparato ou me de hegemonia da classe dominante.” Isso Ihe permitiu distin «casos em que a burguesia havia alcangado uma posigio hegemonica de lideranga sobreas outras classes daqueles em que nao havia alcan- sado. No Norte da Europa, nos paises onde 0 ca eu primeiro, a hegemonia burguesa foi a m monia envoh em troca da aq ideranga burguesa, concessées que pode- riam levar, em ia, a formas de democracia social que Preservam o capitalism ao mesmo tempo em que o tornam mais, aceitivel para os trabalhadores ¢ a pequena burguesia. Como sta he- _gemonia estava firmemente entrincheirada na sociedade civil, a bur- uesia poucas vezes precisou, cla prépria, administrar 0 Estado, tocratas proprietarios de terras na Inglaterra, os unkers na Prussia ou jum pretendente renegado ao cetro de Napoledo I na Franga, todos esses governantes serviam, desde que reconhecessem as estruturas hegeménicas da sociedade civil como os limites basicos de sua ago politica Essa viso da hegemonia levou Gramsci a ampliar sua def ‘940 de Estado. Quando 0 aparato administrativo, executive e coerei vodo governo estava de fato sujeito a hegemonia da classe dirigente de ‘uma formagao social Estado aqueles elementos do governo. Para fazer sentido, a nogo de Estado também teria de incluir as bases da estrutura politica da s dade civil. Gramsci pensava nessas bases em termos histéricos co cretos ~a Igreja, o sistema educacional, a imprensa, todas as institui- ‘s0es que ajudavam a criar nas pessoas certos tipos de comportamento © expectativas coerentes com a ordem social hegeménica. Por exemplo, Gramsci dizia que as lojas magénicas da Italia constituiam tum vinculo entre os funcionarios do governo que uinaria estatal depois da unificagao da consideradas parte do Estado quando o obj GRAMSCIy HEGEMONIA F RELAGOES INTERWACIONAIS. #105 da classe domi- nte que unia as categorias convencionais de Estado ‘gramsciana de hegemonia percorreu urn ke eajuda ia base de apoio, Gramsci retirou iagem do poder como um centauro, metade ho- I, uma combinagio necessai © aspecto consensual do poder esta toe coerga0.* Enqu: a hegemonia prevalece. A coergio est sempre ‘mas s6 € aplicada em casos marginais, anomalos. A hegemonia é ciente para garantir 0 comportamento submisso da maioria das pes- soas durante a maior parte do tempo. A conexio com Maquiave bbera 0 conceito de poder (e o de hegemonia como uma forma de po- der) de um vinculo com determinadas classes sociais histéricas e he permite uma esfera maior de aplicagio as relagées de dominio e su bordinaao, inclusive, como vamos sugerir abaixo, as relacoes de or- dem mundial. Mas isso nao separa as relagbes de poder de sua base to é,no caso das relagdes de ordem mundial, transformando- asem relagdes entre Estados concebidas de forma estreita),dirigindo sua atengi0, a0 contrério, para o aprofundamento da consci sa base social. * Gramsci, 1971, p. 169-190. 106 Rossxr W. Cox Guerra de movimento e guerra de posigao Pensando na primeira influencia em seu conceito de hegemo- nia, Gramsci refletiu sobre a experiéncia da Revolucdo Bolchevique ¢ rocurou determinar que lig6es podiam ser tiradas dela para a tarefa da revolugio na Furopa Ocidental.* Chegou conclusio de que as circunstancias da Europa Ocidental eram muito di dda Rassia. Para ilustrar as diferengas de circunstancias e as conse. lentes diferengas nas estratégias necessérias, recorreu a analogia militar de guerras de movimento e guerras de posigao. A diferenca bisiea entre a Russia ea Europa Ocidental estava nas forgas relat do Estado e da sociedade civil. Na Riissia, o apa enquanto a so- il era subdesenvolvida. Uma classe operstia relativamente pequena, liderada por uma vanguarda disciplinada, conseguiu derru- 1-0 Estado numa guerra de movimento e no encontrou resisténcia efetiva do restante da sociedade civil. O partido de van- suarda podia se dedicar a fundagao de um novo Estado, combinando. a aplicacao da coercio sobre os elementos recalcitrantes com a cons. {rugio do consentimento entre os outros. (Essa anise dizia respeito, em parte, 20 perfodo da Nova Politica Econémica, antes da coersio 'da em escala maior contra a populacio rural.) a Europa Ocidental, sob a hhegemonia burguesa, estava muito mais plenamente desenvolvida e ria tomasse 0 controle do aparato de Estado: mas, dlevido & capacidade de recuperagio da sociedade civil, uma facanha esse tipo estaria, a longo prazo, fadada ao fracasso, Gramsci descre- yeu 0 Estado na Europa Ocidental (nessa descrigao, deve der o Estado em seu sent -omo “uma trincheira avancada por trés da qual |hé um poderoso sistema de fortalezas e casamatas”. °O term ropa Ocidental” rfere-se, aqui, das décadas de 1920 ¢ 1930, elatera, Franca, Alemanha GRAMSCt, HEGEMONIA & RELACOLS INTERNACIONAIS @ 107 Na Rissia, 0 Fstado era tudo, a sociedade civil era pri mitiva e gelatinosa; no Ocidente, havia uma relagio apro- Driada entre Estado e sociedade civil e, cilava, a estrutura firme da sociedade ci diatamente, (Gramsci, 1971, p. 238) Por isso & que Gramsci dizia quea guerra de movimento ndo Poderia ser efetiva contra os Fstados-sociedacles hegemdnicas d ropa Ocidental. A estratégiaalternativa éa guerra de posicao, tamente constr6i os fundamentos dos alicerces soci Estado. Na Europa Ocidents ataque prematuro ao Estado, por meio de uma gu 86 revelariaa fraqueza da op sociedade exis- tente econstruir pontes entre os operirios as outras classes subordi- nnadas. Significa construir ativamente uma contra-hegemonia no in- terior de uma hegemonia estabelecida, ¢, a0 mesmo tempo, aumentar cia contra as presses ¢ as tentagdes de recair na busca de ganhos incrementais para grupos subalternos no seio das estruturas

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