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Bolsa de Integração à Investigação (BII) financiada pela

Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT)


2008-2009

Centro de Estudos de Fenómenos de Transporte (CEFT)

Estudo da Reologia de Fluidos


Análogos ao Sangue

Orientadores:
Prof. Fernando Manuel Coutinho Tavares de Pinho
Profª. Mónica Sofia Neves de Freitas Oliveira

Agradecimentos:
Prof. Adélio Manuel de Sousa Cavadas
Prof.ª Maria Josefina Figueira Ferreira

Trabalho Realizado por:


Nuno António Aguiar dos Santos – em07177
Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

Agradecimentos

Em primeiro lugar, não há que deixar de agradecer à Fundação para a Ciência e


Tecnologia (FCT) por me ter dado a oportunidade de realizar o presente trabalho no
âmbito da Bolsa de Integração à Investigação BII/UNI/532/EME/2008: “Reologia de
Fluidos Análogos ao Sangue e Suspensões de Partículas Sensíveis a Campos Eléctricos”
e ao meu coordenador Prof. Fernando Manuel Coutinho Tavares de Pinho, Professor
associado da secção de Fluidos e Calor do Departamento de Engenharia Mecânica da
Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e membro do Centro de Estudos
de Fenómenos de Transporte (CEFT), pelos conhecimentos transmitidos e pela
disponibilidade em abordar os problemas expostos durante as reuniões, não
esquecendo a coordenadora Prof.ª Mónica Sofia Neves de Freitas de Oliveira,
Investigadora auxiliar do Centro de Estudos de Fenómenos de Transporte (CEFT), pela
disponibilidade demonstrada no esclarecimento de qualquer dúvida e pelo
acompanhamento nas actividades experimentais.
Um agradecimento especial aos professores do Centro de Estudos de
Fenómenos de Transporte (CEFT): Prof. Adélio Manuel de Sousa Cavadas e Prof.ª
Maria Josefina Figueira Ferreira, pela monitorização e auxilio prestado no
laboratório.
Um último agradecimento aos meus pais, à minha namorada e aos meus irmãos,
pela compreensão e pelo apoio prestado durante a execução deste trabalho, assim
como a todos aqueles que de uma forma indirecta contribuíram para ele.

Nuno António Aguiar dos Santos 2


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

Índice

1. Objectivos .................................................................................................................................. 4
2. Introdução ................................................................................................................................. 5
3. Metodologia .............................................................................................................................. 6
3.1 Reometria de Corte ............................................................................................................. 7
3.1.1 Regimes de escoamento para um fluido ...................................................................... 7
3.1.2 Lei de Newton da Viscosidade ..................................................................................... 7
3.1.3 Tipos de Fluidos ............................................................................................................ 8
3.1.4 Principais Modelos Usados em Reologia...................................................................... 9
3.1.5. Materiais viscoelásticos............................................................................................. 11
3.1.6- Reometria utilizando geometrias de medição .......................................................... 20
3.1.7- Generalidades sobre o reómetro rotacional usado .................................................. 25
3.2-Reometria extensional ...................................................................................................... 28
4. Generalidades sobre o sangue ................................................................................................ 32
4.1- Hemoreologia................................................................................................................... 32
4.2 Cuidados a ter com o sangue ............................................................................................ 32
4.3 Constituição do sangue ..................................................................................................... 33
4.4 Circulação do sangue......................................................................................................... 35
4.5 Reologia do sangue – Alguns modelos utilizados ............................................................. 38
5 Resultados dos ensaios ............................................................................................................ 42
5.1 Análise reológica ............................................................................................................... 42
5.1.1 Ensaio extensional ...................................................................................................... 42
5.1.2 Ensaio de corte ........................................................................................................... 45
5.2 Análise Electroreológica .................................................................................................... 64
5.2.1- Suspensão de amido de milho em óleo de linhaça ................................................... 69
5.2.2- Suspensão de CarboxiMetilCelulose em óleo de linhaça ......................................... 71
5.2.3- Suspensão de óxido de alumínio em óleo de linhaça ............................................... 73
5.2.4- Efeito da intensidade do campo eléctrico nas suspensões electroreológicas .......... 76
6. Conclusões............................................................................................................................... 79
7. Bibliografia consultada ............................................................................................................ 81
8. Anexos ..................................................................................................................................... 84

Nuno António Aguiar dos Santos 3


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

1. Objectivos

Este trabalho insere-se numa bolsa de iniciação à investigação financiada pela


Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e realizada no Centro de Estudos de
Fenómenos de Transporte (CEFT), centrando-se no estudo da reologia de fluidos
análogos ao sangue e da electroreologia de suspensões, pelo que se pretende:

Desenvolver competências na área da investigação;


Pesquisar, ler e interpretar artigos publicados a nível internacional e saber
seleccionar o que é relevante para o trabalho;
Adquirir conhecimentos técnicos na área da reologia que não são
leccionados ao longo do Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica (MIEM);
Estudar trabalhos da literatura sobre reologia do sangue (hemoreologia) e
de fluidos análogos ao sangue com vista à selecção de fluidos análogos ao sangue e á
sua caracterização experimental no reómetro rotacional em termos da viscosidade
viscométrica em regime permanente e dos módulos de elasticidade e de dissipação
em escoamento de corte oscilatório de baixa amplitude, e na medição, do tempo de
relaxação num reómetro extensional;
Aprender técnicas de reometria, com ênfase na utilização dos reómetros:
rotacional Physica MCR- 301 e de ruptura capilar Thermo-Electron Haake CaBER1;
Estudar electroreologia e reconhecer características de suspensões de
partículas sensíveis a campos eléctricos;
Seleccionar algumas suspensões de partículas, prepara-las e caracterizar a
sua reologia em função do campo eléctrico aplicado e da velocidade de deformação
de corte.

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2. Introdução

O conceito habitual de fluido remonta à ideia de que um fluido, liquido ou gás, é um


material que quando sujeito a um esforço de corte escoa irreversivelmente. Contudo,
esta ideia nem sempre é válida. A palavra reologia deriva da palavra grega rheologos
da junção de rheo (fluxo) e logos (estudo), portanto é o estudo do fluxo e das suas
deformações decorrentes, assim como as propriedades físicas que influenciam o
transporte de quantidade de movimento, tais como a viscosidade, elasticidade e
plasticidade. A reologia está então relacionada com a Mecânica dos Meios Contínuos,
o estudo dos Fenómenos de Transporte
Transporte e a Mecânica dos Fluidos, tal como mostrado
na figura 1.
“O
O estudo dos líquidos não newtonianos é normalmente conhecido como “reologia””
[Massey, B., 2002]

Mecânica
dos Fluidos

Reologia

Mecânica Fenómenos
dos Meios de
Continuos Transporte

Figura 1- Representação esquemática da interface existente entre a reologia e a Mecânica dos Fluidos, a
Mecânica dos Meios Contínuos e os Fenómenos de Transporte.

O sangue é um fluido complexo, precioso e dispendioso para ser usado em grandes


quantidades em estudos laboratoriais. O sangue é uma mistura que se degrada
facilmente, o que leva à necessidade de cuidados
cuidados especiais na sua colheita,
manuseamento, transporte e armazenamento. A sua utilização está limitada a
laboratórios especialmente creditados, o que não é comum em aplicações de
engenharia. Assim, são cada vez mais procurados fluidos com características
característi
reológicas semelhantes ao sangue para o estudo em Engenharia.
As suspensões electro-reológicas
reológicas são materiais relativamente recentes que
actualmente apresentam várias aplicações, tais como em amortecedores de
automóveis. Estas suspensões constituem uma nova área da reologia designada por
electromagnetoreologia que estuda as variações do comportamento reológico de
materiais sensíveis a campos electromagnéticos, sob as mesmas condições de análise
reológica. Assim, torna-se
torna interessante seleccionar fluidos electroreológicos
facilmente produzíveis em laboratório para serem utilizados em dispositivos que
beneficiem das propriedades electroreológicas destes, como por exemplo,
amortecedores sensíveis a impulsos eléctricos. A conclusão que se obterá da análise
deste
ste estudo poderá abrir oportunidades de novas investigações nesta área e
consequentemente novas aplicações que beneficiem
beneficiem das propriedades reológicas do
sangue.

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3. Metodologia

A medição das propriedades reológicas de um fluido, reometria, pode ser feita de


modo a estudar diferentes tipos de propriedades. A reometria pode ter por base uma
análise reológica, tal como a que foi feita para a caracterização dos fluidos análogos
ao sangue, ou electroreológica, tal como a que foi feita para a selecção de fluidos
electroreológicos.
Na caracterização dos fluidos análogos ao sangue, foram usados dois métodos de
ensaio experimental que permitem estudar a reologia dos fluidos não-newtonianos:
não
Reometria rotacional, Reometria extensional. Quanto à selecção dos fluidos
electroreológicos
lectroreológicos para serem utilizados em aplicações de baixo custo, foi usado um
método de ensaio experimental que consistiu no ensaio rotacional (de corte) de uma
suspensão sujeita a uma tensão eléctrica constante durante todo o ensaio. Toda esta
metodologia encontra-se
se resumidamente esquematizada na figura 2.

Reometria

Análise
Análise reológica
electroreológica

Reometria Reometria
Reometria rotacional
extensional electrorotacional

Ensaio de corte
Ensaio extensional Ensaio de corte sujeito a uma tensão
eléctrica constante

Ensaio oscilatório

Figura 2-
2 Tipos de ensaios realizados na reometria.

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3.1 Reometria de Corte


A reometria de corte permite medir determinadas funções materiais, nomeadamente
a viscosidade de corte, a primeira e a segunda diferença de tensões normais e os
módulos de conservação e perdas, entre outras. (Alves 2009)

3.1.1 Regimes de escoamento para um fluido


Existem três tipos de regime em que um fluido pode escoar: laminar, transitório e
turbulento.
No escoamento em regime laminar num tubo, a velocidade tem somente uma
componente ao longo do eixo. Em regime turbulento, embora a componente
principal, não estacionária, seja ao longo do eixo, a velocidade tem também
componentes nas direcções normais ao eixo. Em regime laminar o efeito das forças
viscosas supera o efeito das forças de inércia, ao contrário do que acontece em
regime turbulento. (Campos 2007)
O grupo adimensional de Reynolds representa a razão entre estas forças, pelo que o
seu valor permite saber quando é que uma delas se "sobrepõe" ou “domina” a outra.

௘௙௘௜௧௢ ௗ௔௦ ௙௢௥ç௔௦ ௗ௘ ௜௡é௥௖௜௔


ܴ݁ = ௘௙௘௜௧௢ ௗ௔௦ ௙௢௥ç௔௦ ௩௜௦௖௢௦௔௦
(1)

Por observações experimentais concluiu-se que, num tubo de secção recta circular,
desde que não haja perturbações ao escoamento, o regime é laminar quando o
número de Reynolds é inferior a 2100 e é turbulento quando é superior a 4000. Entre
estes dois limites, o regime é de transição. Estes valores limites variam conforme a
geometria do tubo confinante, em particular são função da dimensão característica
escolhida para definir o número de Reynolds. (Campos 2008, Massey 2002)

3.1.2 Lei de Newton da Viscosidade


Considere-se um fluido contido entre duas placas planas paralelas, de área A,

separadas por uma distância H. Uma força F é aplicada na placa superior, fazendo

com que a placa entre em movimento, a uma velocidade u constante em relação à
placa inferior, que é mantida fixa, conforme mostra a Figura 3.

u=u(y)

Figura 3- Representação esquemática do escoamento de Couette entre duas placas paralelas.

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Esta força F dá origem a uma força com a mesma intensidade, mas de sentido
contrário, que é a força de corte que se desenvolve devido às forças de coesão do
fluido sobre as paredes da placa e entre as camadas de fluido, assumindo que o
escoamento ocorre em regime laminar. Este escoamento tangencial promovido pelo
movimento da parede é designado habitualmente por escoamento de Couette.
du
A força de corte dá origem a um gradiente de velocidade, , entre as placas que,
dy
no caso do escoamento ser laminar, em regime estacionário (escoamento em que a
∂v
velocidade não varia com o tempo, = 0) só depende da ordenada do ponto que
∂t
estamos a estudar, y. Supondo que não haja deslizamento do fluido nas paredes das
placas, a velocidade do fluido nas placas adjacentes a este será igual à velocidade
das mesmas. Logo, a velocidade do fluido na placa inferior será nula e a do fluido na
placa superior terá o valor de U- condição de não-deslizamento. (Bird et al. 2001,
Musson et al. 2002)
O perfil de velocidades segundo o eixo dos xx, u , é somente função da coordenada
transversal y e varia linearmente na forma,
y
u= U (2)
H
Pelo que a taxa de deformação será constante em todo o domínio,
du U
γ = = (3)
dy H
Note-se que esse gradiente de velocidades na direcção do eixo dos xx coincide com a
taxa de deformação de corte. (Munson et al, 2007)
A viscosidade dinâmica define-se, por analogia com a lei de Newton para a
viscosidade, como a razão entre a tensão de corte e a respectiva taxa de
deformação,
τ xy τ xy
µ (γ) = = (4)
du γ
dy
A viscosidade dinâmica ou simplesmente viscosidade, µ, é uma importante
propriedade na caracterização de um fluido, pois dá uma ideia da intensidade da
agitação permanente entre as partículas do fluido em causa, isto é, reflecte o
movimento browniano que cria uma resistência aos fluxos de quantidade de
movimento. (Gray et al. 2007, Pinho 2009)

3.1.3 Tipos de Fluidos


Os fluidos podem ser classificados quanto à relação entre a tensão de corte, τ, e taxa
de deformação de corte, γ em newtonianos e não-newtonianos, consoante possam
ser descritos ou não pela equação (4).
Apesar da maioria dos fluidos não newtonianos apresentar comportamento
reofluidificante, existem algumas excepções: em certas suspensões de partículas
irregulares é possível observar um comportamento reoespessante (fluidos dilatantes),
isto é, a viscosidade de corte aumenta com a taxa de deformação.

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Figura 4- Comportamento de diferentes fluidos sujeitos a tensões de corte.

Por outro lado, as suspensões de partículas regulares (esféricas) apresentam um


comportamento misto, sendo reofluidificantes a baixas velocidades de corte mas
reoespessantes a elevadas taxas de deformação quando a concentração de partículas
é elevada. (Pinho 2009)

3.1.4 Principais Modelos Usados em Reologia


Existem vários modelos para descrever matematicamente os comportamentos dos
fluidos indicados na figura 4. O modelo mais geral para a caracterização de
suspensões em reologia é o modelo de Cross, em homenagem ao reólogo Malcolm
Cross que estudou corantes e dispersões de pigmentos, que é descrito pela seguinte
lei constitutiva:
µ − µ∞ 1
= (5)
µ 0 − µ∞ 1 + ( K γ ) m
Em que K possui unidades de tempo e m é uma constante adimensional.
Considere-se o comportamento de um fluido, descrito pela Figura 2, onde é possível
definir dois patamares de viscosidade constante: um deles para uma taxa de
deformação de corte próxima de zero, em que se define viscosidade de corte nula,
µ 0 , e outro para uma taxa de deformação de corte elevada, em que se define
viscosidade de corte infinita, µ∞ . (Barnes 2000, Zhang 2008)

Figura 5- Identificação de dois patamares de viscosidade constante no estudo da variação da viscosidade


de corte com a taxa de deformação de um dado fluido.

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Também existe um outro modelo utilizado na avaliação do comportamento reológico


dos materiais denominado por Modelo de Carreau. Este modelo é bastante
semelhante ao Modelo de Cross, definido através da expressão:

µ − µ∞ 1
= (6)
µ0 − µ∞ (1 + ( K γ ) 2 )m 2

Ambos os modelos apresentam descrições que só diferem na zona intermédia para


valores baixos de K γ ( K γ ∼ 1 ).
O Modelo de Cross, pode ser reduzido a outros modelos, tais como o modelo de Sisko,
a Lei de Potência e o modelo de fluido newtoniano.
Para muitos fluidos, a elevadas taxas de deformação de corte, verifica-se que
µ0 >> µ∞ e K γ >> 1 , e é cómodo utilizar a equação constitutiva que descreve o
modelo de Sisko:
µ0
µ = µ∞ + (7)
( K γ ) m
A Lei de Potência, também conhecida por modelo de Orswado-de-Waele, é um
modelo matemático que pode ser deduzido através do modelo de Sisko, admitindo
que µ∞ é pequeno, sendo dada pela expressão:

τ = Kγ n (8)

Em que K é designado por factor de consistência e n é o índice da lei de potência.


A expressão (8) pode ser escrita em função da viscosidade, por aplicação da lei de
Newton da viscosidade:

µ = K γ n −1 (9)

Este modelo descreve o comportamento dos fluidos reofluidificantes, em que n<1, e


dos fluidos reoespessantes, em que n>1. (Barnes 2000)
Se n=1, a equação (8) reduz-se à Lei de Newton da viscosidade para fluidos
newtonianos, equação (4), tal como se pode inferir da equação (9).
Os fluidos de Bingham (B) são fluidos que possuem uma tensão de cedência, τ 0 , e
que após serem submetidos a uma tensão de corte superior à sua tensão de cedência,
escoam com um comportamento newtoniano. A descrição matemática deste
comportamento é feita através do modelo de Bingham, que consiste na sobreposição
do comportamento de um sólido (com uma dada tensão de cedência, τ 0 ) com o
comportamento de um fluido newtoniano, descrito pela Lei de Newton da
viscosidade, equação (4), o que resulta na seguinte expressão:

τ = τ 0 + µ pγ (10)

Em que µ p é a viscosidade plástica que coincide com a viscosidade infinita, µ∞ .


Por analogia, os fluidos de Herschel-Bulkley são fluidos que possuem uma tensão de
cedência, τ 0 , e que após serem submetidos a uma tensão de corte superior á sua
tensão de cedência, escoam com um comportamento reofluidificante ou

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reoespessante consoante o seu índice de potência, n. A descrição matemática deste


comportamento é feita através do modelo de Herschel-Bulkley, que consiste na
sobreposição do comportamento de um sólido (com uma dada tensão de cedência,
τ 0 ) com o comportamento de um fluido descrito pela lei de Potência, equação (8) e
(9), o que resulta na seguinte expressão:

τ = τ 0 + K γ n (11)

Como se pode reparar através da análise das equações (10) e (11), o modelo de
Bingham é um caso particular do modelo de Herschel-Buckley. [Barnes, H., 2000]
Para finalizar a análise dos fluidos com tensão de cedência, também existem o
modelo de Casson que descreve o comportamento dos fluidos de Casson, dado pela
expressão:
τ = τ 0 + µ p γ (12)

Que se pode escrever sob a seguinte forma:

τ = τ 0 + µ p γ + 2 τ 0 µ p γ (13)

3.1.5. Materiais viscoelásticos


Para além da tensão aplicada, o factor tempo também influência as propriedades de
um fluido não-newtoniano. Assim classificam-se fluidos, quanto à sua dependência no
tempo, em reopécticos, caso a viscosidade aumente com o tempo, e em tixotrópicos,
caso a viscosidade diminua com o tempo. Esta classificação aplica-se quando a
dependência do tempo é irreversível, isto é, quando não existe armazenamento de
energia elástica, somente dissipação. (Alves 2009)
Por último existem determinados fluidos viscoelásticos, denominados por fluidos de
Boger em que é possível observar uma viscosidade de corte aproximadamente
constante, apesar do seu comportamento não newtoniano. (Pinho 2009)

3.1.5.1 Modelo de Kelvin-Voigt e de Maxwell


Os materiais viscoelásticos, que tal como o nome indica exibem características
viscosas (como os líquidos) e também características elásticas (como os sólidos),
podem ser descritos pelo Modelo de Kelvin-Voigt, que consiste na analogia entre uma
mola (representa as propriedades elásticas do material) e um amortecedor
(representa as propriedades viscosas material). A lei constitutiva deste modelo pode
ser obtida através do princípio da sobreposição dos esforços, considerando que a
tensão total é a soma da tensão devida à componente elástica (mola) com a
componente viscosa (amortecedor), isto é,
σ = Eε + µε (14)

Na figura 6 é representado o comportamento puramente elástico de uma mola, e na


figura 7 é representado o comportamento puramente viscoso do amortecedor,
quando sujeitos a um esforço axial de tracção.

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Figura 6- Mola com comportamento idealmente elástico. (Silva 2005)

Figura 7- Modelo físico da deformação viscosa: (a) amortecedor (b) representação esquemática
(c) variação linear da tensão com a taxa de deformação (caso ideal). (Silva 2005)

A expressão (14) é uma junção da lei de Hooke com a lei de Newton da viscosidade,
podendo ser vista como sendo uma equação diferencial que pode ser resolvida,
considerando que a seguinte equação é uma solução particular da equação.
σ0
ε= (15)
E
A solução dessa equação é:
E
σ0 − t
µ
ε= + Ce (16)
E
Admitindo que para t=t0, a deformação é nula, ε = 0 , obtém-se:

σ0  
E
− ( t − t0 )
µ
ε= 1 − e  (17)
E  
Para um dado instante t=t1 (t1>t0), a deformação é:

σ0  
E
− ( t1 − t0 )
µ
ε1 = 1 − e  (18)
E  
Esta deformação tem características de uma deformação por fluência, uma vez que
aumenta sem variação de tensão e a taxa de deformação diminui com o tempo. (Silva
2005)
Na figura 8 encontra-se representado o comportamento no tempo do modelo de
Kelvin-Voigt.

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Figura 8- Representação esquemática do Modelo de Kelvin-Voigt. (Silva 2005)

Como podemos observar no gráfico ε = ε (t ) , em cima, toda a deformação é


recuperada. Estamos, pois na presença de um comportamento característico de um
“sólido”. Num fluido, só parte da deformação pode ser recuperada.
Podemos afirmar que apesar do amortecedor dissipar energia, a deformação é
recuperável (é uma deformação elástica), desde que tenda assimptoticamente para
zero. Note-se que o amortecedor, ao contrário da mola, quando sujeito a uma tensão
não se deforma instantaneamente, mas escoa. Com o aumento da deformação no
tempo, a tensão aumenta na mola e, como consequência, diminui no amortecedor, o
que provoca uma queda da sua taxa de deformação.
σ0
Fazendo t →∞ , tem-se a equação (15), ε = , verificamos então que o termo que
E
envolvia a taxa de deformação desaparece, isto é, toda a tensão é transferida para a
µ
mola. O tempo de reacção deste modelo é determinado pela quantidade ,
E
designada por módulo de fluência ou coeficiente de relaxação, cujo inverso é
designado por tempo de retardação.
Uma associação em serie da mola com o amortecedor é descrita pelo Modelo de
Maxwell. A taxa de deformação total deste modelo é a sobreposição das taxas de
deformação da mola e do amortecedor. A lei constitutiva que o descreve é:
σσ
ε = + (19)
E µ
Ao contrário do Modelo de Kelvin, o Modelo de Maxwell é uma equação diferencial
cuja solução é uma tensão e não uma deformação. (Silva 2005)
Admitindo que σ = Eε 0 , para t=t0, é uma solução particular da equação diferencial,
então resolvendo-a obtém-se:
E
− ( t − t0 )
µ
σ = Eε 0 e (20)

Da equação 20 podemos concluir que a tensão é uma função exponencial do tempo


afectada por propriedades elásticas, tais como o módulo de Young (E) e propriedades
viscoelásticas, tais como o tempo de relaxação, E
µ.

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Figura 9- Modelo de Maxwell: (a) Fluência; (b) Relaxação. (Silva 2005)

Como foi mencionado anteriormente, o amortecedor não se deforma


instantaneamente, a deformação imposta é a primeira totalmente transmitida para a
mola, o que causa a tensão inicial, σ = Eε 0 . Esta tensão decresce no tempo, com a
deformação do amortecedor, visto que este causa uma redução na tensão aplicada à
mola. (Silva 2005)
µ
O tempo de reacção deste modelo é determinado pela quantidade , designada por
E
tempo de relaxação, cujo inverso é designado por módulo de relaxação.

3.1.5.2 Outros modelos reológicos


A combinação dos 2 modelos dá lugar ao modelo de Burgers que consiste na
combinação em série de uma mola com um amortecedor mais um arranjo paralelo de
um amortecedor com uma mola. Existe, portanto, uma infinidade de combinações
possíveis, tanto em série como em paralelo, entre um dado número de molas, m, e
um dado número de amortecedores, n. (Qaisar 1989)
Algumas dessas combinações utilizadas na caracterização dos materiais viscoelásticos
encontram-se representadas na tabela 1, acompanhadas pela sua respectiva equação
constitutiva.

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Tabela 1- Outros modelos usados na caracterização dos materiais viscoelásticos.

3.1.5.3 Efeito Weissenberg


O efeito de Weissenberg é um fenómeno provocado devido à viscoelasticidade dos
materiais e consiste em mergulhar um veio num material viscoelástico, e de seguida
aplicar ao veio uma dada velocidade de rotação. Verifica-se que enquanto o veio
roda, o material sobe pelo veio, devido às tensões normais geradas no escoamento,
tal como se pode observar na figura 10. (Bonn et al. 2004)

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Figura 10- Efeito de Weissenberg num material viscoelástico. (Pinho 2009)

3.1.5.4 Caracterização reológica dos fluidos viscoelásticos


Os principais fluidos estudados em Reologia podem ser resumidos no esquema
abaixo indicado.

Sem tensão de
Newtoniano
cedência
Independentes
Fluidos Viscoelásticos Bingham
do tempo
Com tensão de
Não newtoniano
Puramente cedência
viscosos Herschel-Bulkley
(inelásticos)
Reopécticos
Dependentes do
tempo
Tixotrópicos

Figura 11- Classificação esquemática dos fluidos mais importantes em Reologia.

3.1.5.4.1 Escoamento de corte simples


Para fluidos que exibem propriedades viscoelásticas observa-se experimentalmente
que, num escoamento de corte simples, surge uma força normal que tende a afastar
as placas paralelas. Essa força normal advém do coeficiente da primeira diferença de
tensões normais ψ 1 , não ser nulo. Esta propriedade material define-se pelo
quociente entre a primeira diferença de tensões normais, N1 , e o quadrado da taxa
de deformação, isto é,

N1 σ xx − σ yy
ψ1 (γ) ≡ = (21)
γ 2 γ 2
Verifica-se experimentalmente que a generalidade dos fluidos viscoelásticos
apresenta um comportamento reofluidificante em ψ 1 , partindo de um patamar
constante a baixas taxas de deformação. Embora ψ 1 seja usualmente positivo para a
generalidade dos líquidos poliméricos, tem-se constatado experimentalmente que
poderá ser negativo no caso particular dos cristais líquidos. (Alves 2009)

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Um outro parâmetro que é possível obter num escoamento de corte é chamada


coeficiente da segunda diferença de tensões normais,ψ 2 , definido por:

N2 σ yy − σ zz
ψ 2 (γ) ≡ = (22)
γ 2 γ 2
Em que N 2 representa a segunda diferença de tensões normais. A determinação
experimental de ψ 2 não é simples e envolve habitualmente várias medições num
reómetro. Para fluidos viscoelásticos observa-se experimentalmente que ψ 2 é
geralmente negativo, e o seu valor absoluto é significativamente inferior ao de ψ 1

(tipicamente ψ 2 ≤ 0,2 ψ1 ).
Para fluidos newtonianos, as tensões normais num escoamento de corte simples são
nulas ( σ xx = σ yy = σ zz = 0 ) logo as diferenças de tensões normais também o são (
N1 = N2 = 0 ), assim como ambos os coeficientes das diferenças das tensões normais (
ψ 1 = ψ 2 = 0 ).
Concretizando, existem 3 parâmetros independentes que podem ser obtidos através
da reometria de corte e que permitem caracterizar o comportamento de um
material: a viscosidade de corte, µ , e o coeficiente da primeira e da segunda
diferença de tensões normais, ψ 1 e ψ 2 , respectivamente. (Alves 2009)

3.1.5.4.2 Ensaio dinâmico


Como complemento às medições em escoamento de corte no regime permanente,
realizam-se ensaios dinâmicos com vista a caracterizar o efeito da elasticidade. Para
tal aplicam-se tensões (ou deformações, dependendo do modelo que estamos a
utilizar) de pequena amplitude com carácter sinusoidal. As tensões (ou deformações)
aplicadas deverão ser suficientemente baixas para evitar a destruição estrutural do
material, e para que as funções materiais medidas sejam independentes da tensão
aplicada, permitindo assim estudar o comportamento viscoelástico dos materiais.
Dado um aparato semelhante ao ilustrado na figura 12, ao aplicar uma deformação
oscilatória sinusoidal à placa superior,
γ ( t ) = γ 0.sen (ωt ) (23)
Verifica-se experimentalmente que, para materiais viscoelásticos, a tensão de corte
encontra-se desfasada relativamente à deformação induzida, tal como se pode ver na
figura 12.

Figura 12- Desfasamento da tensão de corte relativamente à deformação a que a amostra é sujeita num
escoamento dinâmico de corte.

Nuno António Aguiar dos Santos 17


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

Assim sendo, a tensão de corte é dada pela expressão:

τ xy = τ 0 .sen (ωt + δ ) (24)


Em que δ é designado por ângulo de perdas, e traduz-se o desfasamento entre a
deformação e a tensão. Desenvolvendo matematicamente a expressão (23), tem-se:

τ xy = τ 0 .[ cos(δ ).sen(ωt ) + sen(δ ).cos(ωt )] (25)


De onde se pode concluir que a tensão de corte pode ser expressa com a soma de
uma contribuição elástica, em fase com a deformação, e de uma contribuição
puramente viscosa (dissipativa) desfasada em π . Fazendo τ 0 = Gγ 0 (25), em que G
2
é o módulo de rigidez ao corte definido pela expressão:
E
G= ( 26)
2(1 +ν )
Sendo ν o coeficiente de Poisson do material, tem-se:
τ xy = γ 0 . G ′ (ω ) .sen(ω t ) + G ′′ (ω ) .cos(ω t )  (27)

Surge assim o conceito de módulo de armazenamento (conservação), G ′ , e de


módulo de perdas, G ′′ . A componente elástica (comportamento sólido) a uma dada
velocidade angular, ω, é caracterizada pelo módulo de conservação, G ′ , e a
componente viscosa (comportamento fluido), G ′′ . (Barnes 2000)
Os módulos, G ′ e G ′′ são dados pelas seguintes expressões:
τ0
G′ = cos(δ ) (28)
γ0
τ0
G′′ = sen(δ ) (29)
γ0
Note-se que estes módulos possuem unidades de pressão, tais como o módulo de
rigidez ao corte, G. Dividindo uma expressão pela outra, tem-se:
G′′
tan (δ ) = (30)
G′
Existe também o Módulo Complexo, G ∗ , que é um parâmetro que combina a resposta
sólida com a resposta liquida, definida pela expressão:

G∗ = G′2 + G′′2 (31)


Se a resposta da tensão se encontrar em fase com a deformação, isto é, δ =0, então
τ0 E
G′ = =G= e G′′ = 0 , logo o material diz-se perfeitamente elástico. Por
γ0 2(1 + υ )
outro lado, se a resposta da tensão se encontrar em fase com a deformação, isto é,
π
δ= , então: G ′ = 0 e G ′′ = µ .ω , logo o material diz-se puramente viscoso (fluido
2
newtoniano).

Nuno António Aguiar dos Santos 18


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

O modelo de Maxwell é matematicamente descrito pela seguinte equação


constitutiva:

2
 µ
G ω 
G′ = 
G
2
(32)
 µ
1+ ω 
 G
µ.ω
G′′ = 2
(33)
 µ
1+ ω 
 G
Devido ao aparecimento de escoamentos secundários, provocados por efeitos de
inércia no escoamento, alguns ensaios podem ser seleccionados como válidos,
inválidos ou válidos numa dada região para baixas frequências, tal como mostra a
figura 13. O ensaio diz-se inválido quando se desconhece o tipo de escoamento
secundário que vigora ao longo do ensaio. Logo, todos os ensaios reológicos devem
ser feitos através de escoamentos cinemáticos conhecidos. (Barnes 2000)

Figura 13- Efeitos da inércia em escoamento oscilatório.

O ponto de intersecção do gráfico abaixo ocorre quando G ′′ atinge o seu valor


máximo, igualando-se ao valor de G ′ , de modo a que G′ = G′′ , tal como indicado na
figura 14. Esse valor é atingido para uma frequência igual ao inverso do tempo de
G
relaxação, isto é, para uma frequência igual a .
µ

Figura 14- Comportamento descrito pelo Modelo de Maxwell num ensaio oscilatório, com o ponto de
intersecção indicado.

Nuno António Aguiar dos Santos 19


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

Note-se que um fluido não-newtoniano a baixas frequências comporta-se como um


fluido newtoniano. (Alves 2009)
Chama-se número de Deborah, De , ao quociente entre o tempo de relaxação e o
tempo de teste, ou seja,
௧௘௠௣௢ ௗ௘ ௥௘௟௔௫௔çã௢
‫= ݁ܦ‬ (34)
௧௘௠௣௢ ௗ௘ ௧௘௦௧௘

Baixos números de Deborah indicam comportamento viscoso (liquido) e elevados


números de Deborah indicam comportamento elástico (sólido). (Whorlow 1992)
Resumindo, existem várias formas de medir o tempo de relaxação de um fluido:
(1) Num ensaio extensional;
(2) Num ensaio oscilatório de baixa amplitude;
(3) Num escoamento Couette, pois o tempo de relaxação é dado por:
1 Ψ1 1 N1 1 σ xx − σ yy 1 σ xx − σ yy 1 σ xx − σ yy
λ= = = = = (35)
2 µ 2 µ .γ 2
2 µ .γ 2 2 τ xy 2 2 τ xy .γ
.γ
γ
Sendo σ yy = 0 , então:

1 σ xx
λ= (36)
2 τ xy .γ

3.1.6- Reometria utilizando geometrias de medição

3.1.6.1 Prato-Cone
Embora existam reómetros de placas paralelas, o seu uso não é prático, por razões
tecnológicas, uma vez que apenas é possível deformar a amostra de uma forma
limitada. Geralmente utilizam-se reómetros rotativos, os quais promovem o
escoamento da amostra entre dois cilindros concêntricos, discos paralelos, ou entre
um cone e um prato. Na Figura 15 ilustra-se uma geometria cone e prato,
frequentemente usada em reometria, dado que promove uma taxa de deformação
uniforme em toda a amostra. (Alves 2009)

Figura 15- Ilustração de uma geometria de cone e prato usada em reometria.

Nuno António Aguiar dos Santos 20


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

A tensão de corte relaciona-se com o binário, Т, através da expressão:


3T
τ xy = µ (γ ).γ = (37)
2π R 3
E a primeira diferença de tensões normais pode ser obtida a partir da equação:
2F
N1 = ψ 1 ( γ ) .γ 2 = (38)
π R2
Em que F representa uma solicitação vertical que tende a separa o cone do prato, e
que tem origem na componente elástica da tensão dos fluidos viscoelásticos (devido
à existência de tensões normais não nula). Por outro lado, para elevadas velocidades
de rotação do cone, as forças de inércia podem ter uma influência significativa,
originando uma força normal negativa, que pode ser estima pela equação:

N1,inercia = −0,15ρω2 R2 (39)

Em ensaios realizados a velocidades elevadas, ou seja, a elevadas taxas de corte,


surgem escoamentos secundários (vórtices de Taylor) derivados de instabilidades
inérciais. Esses vórtices alteram os resultados obtidos nos ensaios de forma
significativa. A figura 16 (b) mostra a leitura que se obtém no gráfico µ = µ ( γ )
quando os efeitos das forças de inércia se sobrepõem aos efeitos das forças viscosas.

(a) (b)
Figura 16- (a) Aparecimento de escoamentos secundários. (b) Efeito dos escoamentos secundários nos
resultados do ensaio.

Em que R é um número adimensional, r é a distância do eixo de revolução à


partícula de fluido mais distante, ω é a velocidade angular, α é o ângulo que o cone
descreve com a placa horizontal e ν é a viscosidade cinemática. Quando R ≥ 0.5 ,
ocorre a formação dos vórtices de Taylor. (Barnes 2000)
Admitindo que r=R (raio do cone), isto é que todo o fluido está confinado ao limite
imposto pelo cone, tal como na figura 16 (a), pode-se escrever:

R 2ω.α 2
0,5 ≤ (40)
µ
12
ρ

Nuno António Aguiar dos Santos 21


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Fazendo ω = γ.tan (α ) , obtém-se:

R 2γ tan (α ) .α 2
0,5 ≤ (41)
µ
12
ρ
Como o ângulo é pequeno, α = 1º , pode-se fazer a seguinte aproximação: tan (α ) ≈ α
, substituindo em (42) tem-se:
R 2α 3
µ≤ρ γ (42)
6
Logo, a seguinte expressão permite obter o valor da viscosidade que se pode medir
para um valor da taxa de deformação de corte máximo na zona em o ensaio pode ser
considerado válido.

R 2α 3
µmax = ρ γ (43)
6

3.1.6.2 Cilindros Concêntricos


A medição em cilindros concêntricos consiste em colocar a amostra a analisar entre o
espaço existente entre os dois cilindros, manter o cilindro com maior diâmetro
exterior fixo e aplicar uma velocidade angular constante, ω , ao cilindro interior, de
modo a promover um escoamento Couette. Se designarmos o raio do cilindro interior
por R1 , e o outro raio por R2 , então a taxa de deformação de corte será dada por:

R2ω
γ = (44)
R2 − R1

(a) (b)
Figura 17- (a) Cilindro exterior de raio R2 (b) Geometria de encaixo na árvore do reómetro (cilindro

interior de raio R1 ).
Considerando desprezáveis os efeitos do escoamento abaixo do cilindro, a tensão de
corte, τ , é dada pela expressão:
T
τ= (45)
2π R12 H

Nuno António Aguiar dos Santos 22


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Em que H é a altura da parte recta (não cónica) do cilindro interior.


Aplicando em (46) a equação (4) e (45), obtém-se:
R2 − R1 T
µ= (46)
ω R2 2π R12 H
Para fluidos pouco viscosos a escoarem no interior de dois cilindros concêntricos (tal
como mostrado na figura 18) com o cilindro interior a rodar a elevadas velocidades,
formam-se escoamentos estacionários provocados por instabilidades inérciais
chamados Vórtices de Taylor quando a rotação excede um valor crítico. Essa rotação
crítica depende da geometria e do fluido, e define-se de forma generalizada através
do número de Taylor que consiste numa relação entre os efeitos das forças
centrífugas e os efeitos das forças viscosas, isto é,
௘௙௘௜௧௢ ௗ௔௦ ௙௢௥ç௔௦ ௖௘௡௧௥௜௙௨௚௔௦
ܶܽ = ௘௙௘௜௧௢ ௗ௔௦ ௙௢௥ç௔௦ ௩௜௦௖௢௦௔௦
(47)

Figura 18- Características da geometria de cilindros concêntricos.

Para uma geometria de cilindros concêntricos, semelhante à mostrada na figura 19, o


número de Taylor é dado pela seguinte expressão:
2 4 2
 R  ( R2 − R1 )  ρω 
Ta = 2  1  2   (48)
 R2    R1    µ 
1 −   
  R2  
 
R1
Para espaçamentos pequenos entre o raio exterior e o interior, > 0, 95 , o número
R2
de Taylor critico é aproximadamente 1700, mas para espaçamentos grandes (
R2
< 1, 25 ) é dado por:
R1

 R 
Ta = 1700 1 + 2  (49)
 10 R1 
Na figura 19, encontra-se representada a geometria de cilindros concêntricos
utilizada.

Nuno António Aguiar dos Santos 23


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Figura 19- Geometria de cilindros concêntricos.


Para valores do número de Taylor superiores ao valor do número de Taylor critico,
surgem escoamentos secundários, tal como mostra a figura 20, que afectam
drasticamente a medição, geralmente quando se atingem escoamentos com números
superiores ao número crítico, a experiência apresenta valores muito distanciados dos
previstos, pelo que se pára o ensaio. (Barnes 2000, Whorlow 1992)

Figura 20- Escoamentos secundários, vórtices de Taylor, formados pela rotação dos cilindros
concêntricos.

3.1.6.3 Prato-Prato
Considere-se um escoamento torsional, formado entre os dois pratos, tal como
mostrado na figura 21, induzido pelo movimento de rotação do prato de cima. A taxa
de deformação para este escoamento é dada por:

γ = (50)
h
Em que R é o raio do prato e h é a distância que separa os dois pratos. (Whorlow
1992)

Nuno António Aguiar dos Santos 24


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Figura 21- Representação esquemática do uso da geometria prato-prato.


A viscosidade do fluido pode ser obtida através da seguinte expressão:

9 M .h
µ= . (51)
8 π R 4ω

3.1.7- Generalidades sobre o reómetro rotacional usado


O reómetro utilizado neste trabalho foi o reómetro rotacional Physica MCR301TM,
fornecido pela empresa Anton Paar GmbH e possui várias geometrias, tais como:
Pratos paralelos de diâmetro 50 e 75 mm;
Cone e Prato de diâmetro 50 e 75 mm, com ângulos de inclinação de 1 e 2º;
Cilindros Concêntricos de diâmetro 17 e 27 mm;

(a) (b)
Figura 22- (a) Reómetro rotacional Physica MCR301TM e (b) detalhe de um sistema de pratos paralelos.

Na figura 23 é possível visualizar uma representação esquemática dos principais


constituintes de um reómetro rotacional.

Nuno António Aguiar dos Santos 25


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O reómetro rotacional permite obter vários parâmetros que caracterizam


reologicamente um fluido, tais como a viscosidade de corte e os coeficientes da
primeira e da segunda diferença de tensões normais.

Figura 23- Representação esquemática do reómetro rotacional a funcionar com uma geometria Prato-
Prato (PP).
A amostra a analisar é colocada em cima de um prato fixo (coating, a vermelho),
entretanto a geometria move-se na direcção perpendicular ao prato, prensando a
amostra. Após a fixação da amostra entre o prato fixo e a geometria móvel, a
geometria móvel roda com uma dada velocidade angular, ω , fazendo com que a
amostra seja sujeita a um escoamento de Couette. Deve-se ter cuidado
relativamente ao volume de amostra que se coloca no prato móvel, pois esta deve
ser analisada exactamente na zona delimitada pela geometria móvel e o coating, não
devendo ser ensaiada fora do limite imposto, nem pelo contrário ser analisada muito
antes desse limite ter sido atingido.
Além disso, deve-se ter cuidado para não verter qualquer quantidade de amostra
para a geometria móvel utilizada nessa medição, fazendo com que esta execute o
ensaio rotacional com gotículas presas na sua parte superior. Este descuido provoca
alterações no momento de inércia da geometria e pode afectar significativamente as
medições, principalmente no aparecimento de escoamentos secundários mais cedo
do que o previsto, e consequentemente num aumento inesperado da viscosidade no
caso de um ensaio de corte em regime permanente.
A interface do software Rheoplus usado no comando do reometro Physica MCR301TM
pode ser visualizado na figura 24, em que são mostrados os parâmetros a utilizar para
o ensaio. Nessa janela podem se fazer variar a temperatura do ensaio através do
sistema de arrefecimento Peltier e a gama de taxas de deformação de corte a
utilizar no ensaio. No caso de se utilizar a geometria prato-prato, é possível variar
não só a temperatura e a taxa de deformação de corte, mas também a distância
entre pratos. Se se utilizar a geometria de cilindros concêntricos, por exemplo a que
foi utilizada no capítulo 5.2 CC27-E, também é possível fazer variar a diferença de
potencial que induz o campo eléctrico.

Nuno António Aguiar dos Santos 26


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Figura 24- Interface com o Software Rheoplus do reómetro usado, Physica MCR-301.

No final da programação dos parâmetros a utilizar deve-se ter em atenção se o motor


se encontra bem calibrado. Esta calibração deve ser feita num período mínimo de
120 em 120 dias.
No final do ensaio, os resultados aparecem sob a forma de gráfico e da respectiva
tabela. Contudo é necessário ter em atenção que os dados não são todos válidos. Na
verdade, existem valores de viscosidade obtidos para valores pequenos de taxa de
deformação de corte que devem ser rejeitados devido a incertezas relativas à
resolução do aparelho, e valores de viscosidade obtidos para valores elevados de
taxas de deformação de corte que devem igualmente ser rejeitados devido à
formação de escoamentos secundários que aumentam esses valores de viscosidade
(instabilidade inércial).
Além disso, na tabela de resultados dos ensaios, existe uma coluna denominada por
Status que indica se os valores foram medidos numa situação limite ou não. Quando
uma variável atingiu um valor-limite, os resultados dessa medição devem ser
verificados com cuidado. A seguinte tabela apresenta as principais mensagens
mostradas na coluna Status:

Nuno António Aguiar dos Santos 27


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Tabela 2- Descrição das principais mensagens mostradas na coluna Status.

Status Description

The time settings for the calculation of the mean value could not be
Mea kept; the available time is not sufficient for the pre-set number of
raw values.

The maximum electrical torque has been reached during adjustment


MD+
(DSO only).

Tanδ has been limited because the minimum or maximum possible


taD
value has been reached.

"Direct strain" has been enabled during strain controlled oscillation


DSO
(MCR / UDS with DSO option only).

Dy The dynamic for the speed controller has been set to xxx % during a
xxx% rotational measurement.

DyAuto The adaptive controller (speed control) has been used.

Steady state has been reached for the measuring point (rotational
Sdy
measurements only).

The maximum electrical torque has been reduced due to the level of
TR
the motor temperature.

The dynamic for the stress controller has been set to xxx % during a
CS_xxx
rotational measurement.

3.2-Reometria extensional
Por outro lado, a reometria extensional permite medir funções materiais em
escoamento extensional e é usado para medir o tempo de relaxação ou a diferença
das tensões normais. No caso vertente, apenas o tempo de relaxação é possível ser
medido. Este tipo de ensaio consiste em gerar um escoamento puramente
extensional, sem corte, para medir as propriedades materiais do fluido, para isso são
fixadas ambas as extremidades de uma dada amostra através de duas placas, e de
seguida fazer mover uma das extremidades através do movimento de uma das placas
(ou das duas, tal como representado na figura 25), sujeitando a amostra a um esforço
axial, traccionando-a. (Alves 2009)

Nuno António Aguiar dos Santos 28


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Figura 25- Representação esquemática do escoamento extensional. (a) Amostra no instante inicial; (b)
amostra durante o processo de extensão.
No caso da figura 25, o escoamento denomina-se por extensão simples se o campo de
velocidades for expresso por:
 − 1 ε x 
2 
 
u =  − 1 ε y  (52)
 2 
 ε z 
 
Em que ε é a taxa de extensão, assumida constante.
Geralmente o filamento de líquido tem forma cilíndrica, sendo portanto
recomendável o uso de coordenadas cilíndricas para o estudo do escoamento.
Logo,
 − 1 εr cosθ 
2
  
u = − εrsenθ 
 1 (53)
 2 
 ε z 
 
E,
1
ur = − u x 2 + u y 2 = − εr (54)
2
Em que θ é o ângulo que o eixo radial, rr, faz com o eixo dos xx.
Considerando um filamento cilíndrico de comprimento L e raio R (ambos função do
tempo), pode-se exprimir a taxa de deformação extensional por:
d ε 1 ∂L
= (55)
dt L ∂t
A deformação extensional, ε, é definida como sendo a relação entre a variação do
comprimento, ΔL, em relação a um dado comprimento de referencia, L. Isto é, um
aumento de comprimento do filamento, dL, traduz-se numa deformação dε, ou seja,
Nuno António Aguiar dos Santos 29
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dL
dε = (56)
L
Que se pode escrever:
dL
εdt = (57)
L
Integrando ambos os termos é possível demonstrar que:
L = Lo e εt (58)
Conclui-se, portanto que o comprimento do filamento aumenta exponencialmente
com o tempo.
Dado que o volume da amostra também se conserva é possível enunciar que:
π R02 L0 = π R 2 L (59)
Aplicando a expressão (52), atrás deduzida, tem-se:
− 1 εt
R = R0e 2 (60)
Pelo que se pode inferir que o raio do filamento diminui exponencialmente com o
tempo.
Se integrarmos a equação (50), obtemos a deformação total (real) a que a amostra é
sujeita, denominada por deformação de Hencky que é dada pela seguinte expressão:
L R
ε = ln = 2 ln 0 (61)
L0 R
A tensão σ a que a amostra vai estar sujeita é obtida pelo quociente entre e a força
exercida na amarra, F, e a área de secção recta do filamento,

F F.eεt
σ= = = τ zz −τ rr (62)
π R2 π R02
A viscosidade extensional uniaxial é definida por:
τ zz − τ rr
µE = (63)
ε
Frequentemente utiliza-se na caracterização dos fluidos uma constante designada
por número de Trouton, Tr, que é definida pelo quociente entre a viscosidade
extensional uniaxial e a viscosidade de corte,
µE
Tr ≡ (64)
µ
Um fluido com número de Trouton igual a 3, diz-se Newtoniano.
Existem outros parâmetros, para além da viscosidade dinâmica e do número de
Trouton, para avaliar reologicamente o comportamento de alguns materiais nas áreas
da Engenharia, tais como a massa volúmica, a tensão superficial e viscosidade
intrínseca e cinemática, que determinam e justificam a sua selecção para uma dada
aplicação. (Alves 2009, Pinho 2009)
A viscosidade cinemática, ν, é definida como sendo o quociente entre a viscosidade
dinâmica e a massa volúmica do fluido em estudo, ou seja,

Nuno António Aguiar dos Santos 30


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µ
υ= (65)
ρ
A viscosidade cinemática pode ser interpretada a viscosidade como uma espécie de
velocidade média especial do movimento browniano. Ora, como o movimento
∆௦
browniano é aleatório e tem uma velocidade aritmética média nula, ‫∆ = ݒ‬௧ = 0, é
∆௦
preferível criamos uma velocidade que é ∆‫× ݏ‬ . Desta forma o que contabilizamos é
∆௧
um somatório de deslocamentos, que é independente das direcções e sentidos, mas
que só mede a intensidade. (Bird 2001, Stewart 2001)
A viscosidade intrínseca, η, é uma viscosidade relativa a uma mistura ou solução e
nunca a substância pura, sendo definida pela expressão:

η − η0 η – Viscosidade da solução.
[η] = lim
φ → 0 η0 × φ
η0 – Viscosidade do solvente puro. (66)

ϕ – Concentração do soluto.

Assim, a viscosidade intrínseca é uma propriedade inerente ao soluto e ao efeito que


ele vai ter ao ser dissolvido num dado solvente, ou seja, é uma medida do contributo
específico do soluto. Pela análise dimensional da equação, infere-se que esta possui
dimensões equivalentes ao inverso da concentração [ML-3] que expressa em unidades
do Sistema Internacional (SI) seria kg.m-3. (Pinho 2009)

Nuno António Aguiar dos Santos 31


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4. Generalidades sobre o sangue


4.1- Hemoreologia
A hemoreologia é a ciência que estuda a deformação, o fluxo e a constituição do
sangue. Este campo inclui investigações sobre o estudo das propriedades
macroscópicas do sangue usando ensaios reométricos e também propriedades
microscópicas in vitro e in vivo. (Robertson et al. 2008)
Dado que a unidade básica de um organismo vivo é a célula, cada célula necessita de
nutrição quer para se manter viva, quer para desempenhar a função fisiológica a que
está destinada. A produção da energia na célula é realizada através das mitocondrias
(caso a célula seja animal), em que o trifosfato de adenosina (ATP) é decomposta em
difosfato de adenosina (ADP) e num radical fosfato ou, em alternativa em
monofosfato de adenosina (AMP) e dois radicais de fosfato. Por seu lado, a formação
de ATP decorre da oxidação dos alimentos. (Pinho 2009)
As várias formas de fosfato de adenosina são assim compostos intermédios que
reagem com os alimentos para lhes extrair a energia que é requerida pelas células,
cabendo ao sangue o papel de agente de transporte nestas várias operações.
A função da circulação sanguínea é pois a de fornecer oxigénio e combustível
metabólicos e a de remover os resíduos desse metabolismo, como o dióxido de
carbono, CO2, e a água, H2O, do interior das células dos organismos.
O sangue é ainda responsável pela absorção de nutrientes (hidratos de carbono,
gorduras e proteínas) enquanto circula no seio de órgãos por onde chega a energia do
exterior, a absorção do oxigénio e a libertação do dióxido de carbono e vapor de
água enquanto circula pelos pulmões e pela remoção de resíduos não gasosos
resultantes dos processos metabólicos, depositando-os nos rins. (Pinho 2009)
Assim, conclui-se que a hemoreologia está intimamente relacionada com o estudo
dos fenómenos de transporte, a mecânica dos meios contínuos e a mecânicas dos
fluidos.

4.2 Cuidados a ter com o sangue


O sangue é um fluido complexo, precioso e dispendioso para ser usado em grandes
quantidades em estudos laboratoriais. O sangue é uma mistura que se degrada
facilmente, o que leva à necessidade de cuidados especiais na sua colheita,
manuseamento, transporte e armazenamento. A sua utilização está limitada a
laboratórios especialmente creditados, o que não é comum em aplicações de
engenharia. Assim, são cada vez mais procurados fluidos com características
reológicas semelhantes ao sangue para o estudo em Engenharia.
Relativamente aos cuidados a ter, é necessário garantir que:
A amostra seja constituída por material colhido com o mínimo de
contaminação por flora dos tecidos adjacentes;
Todos os recipientes de colheita e transporte se encontrem esterilizados;
A amostra tem que estar isolada de agentes microbianos;
Os recipientes para recolha não devem encher-se para além dos seus 2/3
de capacidade. Estes recipientes devem fechar-se hermeticamente, caso contrário,
têm que ser mantidos na posição vertical durante todo o transporte.
Nuno António Aguiar dos Santos 32
Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

Além disso a utilização de sangue, enquanto fluido biológico, exige a identificação de


cada amostra, devendo constar nos dados: o nome do individuo, indicação do grupo
sanguíneo, data e hora da colheita (NP EN 14820 2008).
É importante, também salientar que as amostras biológicas, como sangue, devem ser
transportadas o mais depressa possível ao Laboratório de Microbiologia (LM), a fim de
evitar a proliferação da flora microbiana indígena ou de colonização, o que irá
mascarar e dificultar o isolamento do(s) agente(s) patogénico(s). Quando não for
possível transportar de imediato as amostras biológicas ao LM, estas devem ser
conservadas de acordo com as condições aconselhadas pelo LM (refrigeração, meio
de conservação, etc.) variáveis com o tipo de produto biológico.
Dados esses problemas associados à utilização do sangue para o estudo reológico, os
fluidos análogos ao sangue são cada vez mais utilizados e procurados para o estudo
de propriedades hemoreológicas importantes na investigação e desenvolvimento do
comportamento do sangue. (Robertson et al. 2008)

4.3 Constituição do sangue


O sangue é uma mistura que consiste numa solução de glóbulos vermelhos (hemácias
ou eritrócitos), glóbulos brancos (leucócitos) e plaquetas sanguíneas que se
encontram em suspensão num plasma, ou seja, é uma mistura difícil de analisar
devido à presença de muitos e diversos constituintes com diferentes formas.
Na figura 26 encontra-se representado em corte um vaso sanguíneo em que são
identificados os principais constituintes do sangue. Na figura 26 encontra-se
representado em corte um vaso sanguíneo em que são identificados os principais
constituintes do sangue.

Figura 26- Representação dos constituintes do sangue na vista em corte de um capilar.

Os glóbulos vermelhos são os constituintes maioritários e transportam cerca de 5 m3


de oxigénio para os vários tecidos do organismo, por cada 100 m3 de sangue em
circulação. O transporte de oxigénio é executado pela hemoglobina, que ocupa cerca
de 25% do volume do glóbulo. A hemoglobina tem como uma das suas características
a reversibilidade da combinação com o oxigénio. Cada 0,1 litro de sangue contem
cerca de 0,015Kg de hemoglobina e cada Kg de hemoglobina é capaz de se combinar
com 1,33 x 10-3 m3 de oxigénio. Em cada mm3de sangue podemos encontrar cerca de
5 milhões de glóbulos vermelhos. Na ausência de tensões aplicadas ao sangue, os
glóbulos vermelhos apresentam-se sob a forma de discos bicôncavos com um

Nuno António Aguiar dos Santos 33


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

diâmetro médio de 8 µm, uma espessura de 1 µm no centro e cerca de 2 a 3 µm na


periferia, mas são capazes de sofrer grandes deformações para poderem passar pelos
capilares de dimensão inferior.
Os glóbulos brancos são ligeiramente mais volumosos que os vermelhos, são
igualmente deformáveis, mas existem em muito menor número, da ordem de 1 a 2
por cada 1000 glóbulos vermelhos.
As plaquetas são mais numerosas que os glóbulos brancos, encontrando-se em
concentrações de cerca de 80 a 100 por cada 1000 glóbulos vermelhos, e
apresentando-se com uma forma arredondada de diâmetro, que varia entre os 2 e os
4 µm.
O sangue, em termos de substancias orgânicas, é constituído por:
Proteínas especiais, tais como a albumina (responsável pela regulação da
pressão osmótica), a globulina (anticorpo, responsável pela imunidade do
organismo), as aglutininas (responsáveis pela aglutinação dos nutrientes no sangue) e
o fibrogénio e protrombina (responsáveis pela coagulação sanguínea);
Substancias nitrogenadas de excreção, tais como a ureia, o acido úrico e a
creatinina;
Lipidos, tais como o colesterol e os triglicéridos;
Glícidos, tais como a glicose;
Aminoácidos.

O sangue, em termos reológicos, comporta-se como um fluido não-newtoniano,


embora o seu constituinte maioritário, o plasma, seja um fluido newtoniano. Essa
diferença no comportamento reológico do sangue deve-se à presença dos glóbulos
vermelhos que a baixas taxas de deformação formam aglomerados com a estrutura
de fibras longas (rouleaux) e fazem com que o sangue descreva um comportamento
não-newtoniano reofluidificante. (Dutta e Tarbell 1992, Larson 1999)
O comportamento reológico dos fluidos biológicos, tal como o sangue, varia de
indivíduo para indivíduo, dentro de gamas estreitas, sendo afectado por
determinadas patologias. Por exemplo, variações subtis do comportamento reológico
do sangue (devido a enfermidades diversas) resultam normalmente em riscos
cardiovasculares acrescidos. Por outro lado, diversas patologias conduzem a
variações apreciáveis do comportamento reológico do sangue (e.g. anemia;
leucemia; doença de Raynaud; doença de Crohn). Assim, o sangue é um fluido difícil
de analisar devido à presença de muitos e diversos constituintes com diferentes
formas. (Vlahovska et al. 2009)

Nuno António Aguiar dos Santos 34


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

4.4 Circulação do sangue


O sangue circula ao longo de um sistema de tubos fechados que permite o seu
transporte a todas as partes do corpo - Sistema circulatório do sangue.
Os vasos condutores de sangue são classificados de acordo com a direcção de
transporte do sangue. Os que estão ligados à saída do coração designam-se por
artérias que, ao diminuírem de calibre, passam a designar-se por arteríolas. Por
outro lado, os vasos que conduzem o sangue para o coração são denominados por
veias que, ao diminuírem de calibre, passam a designar-se por vênulas.
O sistema circulatório do sangue é fundamentalmente composto por vasos sanguíneos
de diferentes calibres, tal como pode ser observado na figura 27. Assim, os vasos
sanguíneos podem ser classificados em função do seu calibre em três tipos:
Artérias – estes vasos sanguíneos transportam o sangue a todo o corpo,
possuindo paredes espessas e dilatáveis (50 a 4000µm de diâmetro). As artérias são os
vasos responsáveis pela saída do sangue pelo coração, e ramificam-se dando origem a
vasos de menor calibre, os capilares.
Veias – estes vasos sanguíneos transportam o sangue dos pulmões para o
coração. Possuem diâmetros geralmente compreendidos entre os 20 e os 5000 µm.
Capilares - estes vasos sanguíneos ligam as veias às artérias e são
responsáveis pela respiração celular, isto é, permitem as trocas gasosas entre o
sangue e as células. Possuem diâmetro da ordem dos 8 µm.

Figura 27- Tipos de vasos sanguíneos.

O sistema circulatório pode ser dividido em 2 subsistemas, isto é, 2 percursos:


a pequena circulação e a grande circulação.
A grande circulação compreende a saída de sangue do coração, pela artéria aorta,
até ao seu retorno ao coração pelas veias cavas, após ter fornecido todos os
nutrientes e oxigénio a todas as células, recebendo destas o dióxido de carbono e
outros produtos de excreção celular. A função do coração é semelhante ao de uma
bomba, isto é, o coração aumenta a pressão do sangue para níveis suficientemente
elevados que permitem que o escoamento seja capaz de vencer todas as resistências
à circulação sanguínea (perda de carga). O caudal volúmico total do sangue que
passa pelo coração é de cerca de 300l/h, sendo repartido por todos os órgãos. (Pinho
2009)

Nuno António Aguiar dos Santos 35


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

Esse caudal volúmico divide-se em seis subsistemas de circulação: coronária,


cerebral, cutânea, dos órgãos, muscular e renal. Na tabela 3 encontra-se
apresentada a percentagem de caudal bombeado do coração que cada subsistema de
circulação recebe.
Tabela 3- Subsistemas de circulação.

Tipo de circulação Orgãos % de caudal

circulação coronária músculos do coração 5%

circulação cerebral cérebro 15%

circulação cutânea pele 8%

circulação dos orgãos estômago, fígado, baço, intestinos 30%

circulação muscular músculos 17%

circulação renal rins 25%

A pequena circulação leva o sangue do coração, através da artéria pulmonar, até aos
alvéolos pulmonares para expelir o dióxido de carbono e receber o oxigénio, voltando
ao coração através das veias pulmonares. Na figura 28 encontram-se representados
os principais orifícios do coração.

Figura 28- Representação esquemática dos principais orifícios do coração.

A função respiratória está intimamente ligada à função circulatória, visto que só


mantendo uma boa capacidade ventilatória é possível o sangue receber a quantidade
de oxigénio necessária à manutenção dos órgãos, com especial atenção para o
cérebro. A respiração compreende a fase de ventilação pulmonar e a fase de
respiração celular, na qual se processam as trocas gasosas entre o sangue e as
células. A fase ventilatória processa-se através de ciclos e cada ciclo ventilatório
compreende um momento de inspiração, que corresponde à entrada de ar oxigenado
na árvore brônquica e alveolar, seguida da expiração, na qual o ar menos oxigenado
sai da árvore brônquica, passando a um momento de pausa até ao próximo ciclo
ventilatório. Num adulto, a frequência ventilatória situa-se num intervalo de 12 a 18
ciclos/minuto. Quanto à sua pulsação (frequência cardíaca), esta situa-se no
intervalo de 60 a 80 batimentos/minuto. (Alt et al. 2002)

Nuno António Aguiar dos Santos 36


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

Um batimento cardíaco é composto por dois intervalos de tempo: uma sístole


(contracção muscular das câmaras do coração que provoca a saída do sangue para o
resto do corpo pelas artérias) e uma diástole (dilatação muscular das câmaras do
coração que permite a entrada do sangue no coração pelas veias). Habitualmente é
medido a pressão sistólica e diastólica como forma de garantir que o indivíduo não
tem problemas de hipertensão.
A tabela 4 apresenta os valores críticos da pressão sistólica e diastólica que
permitem classificar o estado de saúde do indivíduo.
Tabela 4- Classificação do estado de saúde do indivíduo relativamente a problemas de hipertensão.

Pressão Pressão
Classificação do estado sistólica, diastólica,
de saúde do indivíduo mmHg mmHg

Hipotensão <90 <60

Normal 90-119 60-79

Pré-hipertensão 120-139 80-89

Hipertensão de nível 1 140-159 90-99

Hipertensão de nível 2 ≥160 ≥100

Em seguida, é apresentado na figura 29 um gráfico de colunas que apresenta os


valores de pressão que vigoram nos diferentes vasos sanguíneos que constituem o
sistema circulatório.

Figura 29- Distribuição da pressão ao longo do sistema de circulação humano.

Nuno António Aguiar dos Santos 37


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

4.5 Reologia do sangue – Alguns modelos utilizados


Nesta secção apresentam-se propriedades reológicas do sangue e sobretudo modelos
constitutivos que a representam. Os diferentes modelos possuem graus de
sofisticação diferentes e naturalmente em função disso darão respostas que nem
sempre são idênticas. (Picart 1997)
O modelo mais simples é o newtoniano, com um coeficiente de viscosidade
µ=0,004Pa.s. Com uma massa volúmica de 1060Kg/m3 (e calor especifico de
aproximadamente 3760 J/(Kg.K)) à temperatura de 37ºC, a viscosidade cinemática
que daí resulta é 4x10-6 m2/s. Como a viscosidade depende da estrutura dos seus
vários constituintes, uma opção frequentemente adoptada é considerar o fluido como
newtoniano e em cada situação utilizar o valor da viscosidade mais adequado ao
escoamento. Por exemplo, os valores da viscosidade do sangue variam conforme o
calibre do vaso sanguíneo, apresentando valores de viscosidade maiores em vasos
sanguíneos de maior diâmetro. Esta variação está relacionada com o efeito de
Fahraeus-Lindqvist que consiste no alinhamento de células e na formação de uma
camada de plasma isenta de células junto às paredes dos vasos sanguíneos.
Quando se considera a variação da viscosidade com a velocidade de deformação, um
modelo frequentemente utilizado para o sangue é o modelo de Casson. Este modelo
(equação 12) contabiliza o efeito da tensão de cedência e de acordo com Charm et al
(1965) os parâmetros a utilizar numa gama de velocidade de deformação entre 0 e
106 s-1 são τ0=0,0108 Pa e µp=0,00276 Pa.s. (Pinho 2009)
Substituindo na equação τ = τ 0 + µ p γ (12) obtém-se:

τ  0, 0108 + 0, 0109 γ + 0, 0276γ (67)


Note-se que a tensão de cedência é bastante baixa e é afectada pelo hematócrito
(H), ou seja, a percentagem de glóbulos vermelhos existente no volume total do
sangue. Esta dependência pode contabilizar-se através da seguinte equação:
1 A.( H − H m )
τ0 3
= (68)
100
Onde A=0,0037 ± 0,001 (Pa)1/3, sendo Hm o valor do hematócrito abaixo do qual não
há tensão de cedência. Este modelo, embora muito simples, está longe de prever
correctamente a viscosidade do sangue e por isso existem equações reológicas
constitutivas ainda mais complexas, mas previsivelmente mais correctas. No entanto
ao recorrer a equações mais complexas a obtenção de soluções analíticas torna-se
impossível e as soluções passam a ter de ser exclusivamente numéricas.
Walburn e Schneck (1976) propuseram mais que uma equação. Uma lei de potência, a
37ºC, com os parâmetros K=0,0134 (Pa.s)n e n=0,0785.
Easthope e Brooks (1980) propuseram um modelo que possui quatro parâmetros, x1 a
x4, para além do hematócrito (H). (Easthope e Brooks 1980)
 x4  1− x3 . H
 x2 . H + 2 .γ
 
τ = x1.e H
(69)

Com x1 = 2, 70; x 2 = 3, 66; x 3 = 0, 389; x 4 = −0, 00495 .


Nesta equação, a tensão τ vem dada em mPa e ela é válida para uma gama de taxas
de deformação entre 0,031 e os 120 s-1. Esta equação, realmente da autoria de

Nuno António Aguiar dos Santos 38


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

Walburn e Schneck (1976) tem como desvantagem a previsão de uma viscosidade


infinita no limite de taxa de deformação nula. De notar que a equação foi
determinada para viscosidades a 25ºC que nela não há tensão de cedência. De facto o
seu valor é baixo e alguns investigadores (Dutta e Tarbell, 1996) afirmam que a
tensão de cedência só é detectável em ensaios realizados em condições estáticas.
Outros modelos possíveis, mas puramente viscosos, embora de ajustamento não tão
bom como o da equação de Walburn e Schneck (1976) estão listados no trabalho de
Easthope e Brooks (1980), mas a equação (63) será a melhor do conjunto.
Uma outra equação é a lei de potência, utilizada por Das e Chakraborty (2006), e
retirada da literatura. Aqui os parâmetros da equação constitutiva dependem de
várias grandezas como a fracção de hematócrito (h), ou seja, a percentagem de
glóbulos vermelhos existentes na amostra, e a concentração de hemoglobina, entre
outros.
Assim,

µ = K .γ n −1 (9)

Com K = C1 .e C2 .h e n = 1 − C3 .h .
A constante C1 é dada pela seguinte expressão:

 C4 .( PTMA ) 
 
*  h2 
C1 = C .e
1 (70)

Com C1* = 0, 00797 (Pa.s)n, C2 = 17,167 , C3 = 0, 651 , C4 = 0, 00795 (Pa.s)n.


O parâmetro PTMA representa a diferença entre a proteína total e a albumina, e
numa situação normal observa-se que PTMA=0,0325 e o hematócrito médio é de 45%.
Para além destas características, o sangue apresenta também dependência do
tempo, dos tipos tixotropia e viscoelasticidade. Estas características são importantes
para explicar o comportamento hemodinâmico em escoamentos que se afastam do
regime permanente, sejam eles escoamentos pulsantes ou escoamentos em
geometrias de secção não constante, como por exemplo em bifurcações ou junto a
contracções e expansões.
As medições do comportamento viscoelástico do sangue foram feitas por Thurston
(1973) através de ensaios num escoamento oscilatório de baixa amplitude para medir
os módulos de conservação e de dissipação, tendo mostrado que o sangue apresenta
valores consideráveis de componente elástica, embora inferiores em magnitude aos
da componente viscosa, nas gamas de frequência de interesse fisiológico.
Thurston (1979) também derivou, a partir de medições mais extensas, uma equação
inspirada nos modelos generalizados de viscoelasticidade de Maxwell e que é capaz
de prever o comportamento viscoso e elástico do sangue. Na tabela 5 encontram-se
algumas dessas medições obtidas utilizando os parâmetros µ0=0,11 Pa.s e µ∞= 0,004
Pa.s.

Nuno António Aguiar dos Santos 39


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Tabela 5- Parâmetros do modelo constitutivo para o sangue com µ0=0,11 Pa.s e µ∞=0,004 Pa.s (Thurston,
1979).

j (μ0)j - Pa.s λj - s

1 0,0930 25

2 0,0033 1

3 0,0050 0,3

4 0,0032 0,1

5 0,0016 0,01

6 0,0007 0,001

A relação entre a tensão e a taxa de deformação que este autor derivou é do tipo
multimodal, com uma componente newtoniana do solvente com viscosidade µ∞ e é
dada pela equação:
6
τ = ∑ τ j + µ ∞ .γ (71)
j =1

Onde cada modo elástico vem representado pela equação:

∂τ j ( µ0 ) j
τ j + λj = 2
γ (72)
∂t 1 + ( λ j .γ )
Desta equação constitutiva resulta que a viscosidade de corte do fluido é
determinada pela seguinte expressão:
6 −1
µ = µ ∞ + ∑ ( µ 0 ) j 1 + ( λ j .γ ) 
2
(73)
j =1  

Quanto à viscosidade dinâmica complexa, num escoamento oscilatório de corte, ela


vem dada por:
−1
( µ0 ) j 1 + ( λ j .γ ) 
2


6
µ * ( γ ) = µ∞ + ∑ (74)
j =1 1 + iωλ j
A comparação dos resultados deste modelo com valores experimentais realizada por
Thurston (1979) é de boa qualidade.
No mesmo trabalho, Thurston (1979) apresenta um segundo modelo para quantificar
o efeito da tixotropia e recomenda a seguinte expressão:

Nuno António Aguiar dos Santos 40


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

6  t
− ' 
µ ( t ) = µinicial + s ∑ wi .  1 − e λi
 (75)
 
j =1
 
Onde µ se refere quer à componente viscosa (µv) quer à componente elástica (µe) da
viscosidade complexa. Nesta expressão λ i' são constantes de tempo do processo
tixotrópico. O parâmetro s distingue os dois conjuntos de tempo, λ i' e λ j , pois s=-1
quando há ruptura da estrutura e s=+1 quando à formação da estrutura, enquanto wi
são os coeficientes de peso das várias parcelas. Os coeficientes λ i' e wi são
determinados por ajuste a resultados experimentais e devem haver sempre termos
de ruptura e formação de estrutura.
Existe um outro modelo denominado por modelo de Ellis, que embora não seja
normalmente utilizado para representar a reologia do sangue, apresenta uma
característica comum ao modelo de Casson, que é muito utilizado para descrever o
comportamento do sangue. Ambos os modelos são não-lineares na tensão e no caso
do fluido de Ellis isso é ainda mais notório porque a equação é implícita na tensão.
Estas características introduzem uma nuance no cálculo, que no entanto continua a
possuir uma solução analítica.
A equação constitutiva que rege o modelo de Ellis é:

1
σ= γ (76)
A + B.σ α −1

Que se pode escrever de forma equivalente,


1
µ= (77)
A + B.σ α −1

A não-linearidade deste modelo reológico causa problemas, pois não permite a


elaboração de uma equação explícita. Assim, o cálculo terá que ser sempre
numérico.

Nuno António Aguiar dos Santos 41


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5 Resultados dos ensaios


A apresentação e discussão dos resultados encontra-se dividida em duas abordagens
de análise distintas: uma análise reológica de fluidos análogos ao sangue e uma
análise electroreológica de suspensões de partículas que possam ser utilizadas num
sistema de amortecimento de baixo custo.
A primeira parte deste trabalho consistiu em seleccionar um fluido análogo ao sangue
e identificar as suas propriedades reológicas. Segundo Vlastos, G. et al, 1997, os
fluidos com propriedades análogas ao sangue são as soluções aquosas de goma de
xantano (XG) a uma concentração de 500ppm e de poliacrilamida (PAA) a uma
concentração de 125ppm.
Na caracterização reológica destes dois fluidos foram utilizados dois reómetros:
reómetro rotacional Physica MCR- 301 com as geometrias cone-prato (CP 75-1) e
prato-prato (PP 75) e reómetro extensional de ruptura capilar Thermo-Electron
Haake CaBER1.
A segunda parte deste trabalho consistiu em seleccionar suspensões de partículas
num óleo sensíveis à presença de campos eléctricos na sua vizinhança. Segundo Tam,
W. e tal, 1996, um fluido electroreológico consiste em partículas de um
semiconductor dispersas numa suspensão não-conductora eléctrica, geralmente um
óleo. Assim sendo, foram concebidas suspensões de partículas de
CarboxiMetilCelulose (CMC), Amido de milho (Maizena) e óxido de Aluminio (Alumina)
em óleo de linhaça.
Na caracterização electroreológica destas suspensões de partículas foi utilizado
apenas o reómetro rotacional Physica MCR-301 com a geometria de cilindros
concêntricos CC27/E, juntamente com a célula electroreológica C-PTD200/E.

5.1 Análise reológica


5.1.1 Ensaio extensional
Actualmente existe pouca informação sobre a reologia extensional do sangue, sendo
assim nesta secção somente se irá caracterizar os fluidos análogos ao sangue
utilizados neste trabalho, a solução de goma de xantano (XG) a 500ppm e a solução
de poliacrilamida (PAA) a 125ppm. Os parâmetros utilizados neste ensaio
desenvolvido no reómetro de ruptura capilar (CaBERTM- Capillary Breakup Extensional
Rheometer) foram a abertura desde 3,01 a 8,98 mm com um perfil exponencial e
uma temperatura de ensaio constante próxima da temperatura ambiente, de modo a
desprezar eventuais fenómenos de transferência de calor que possam interferir na
medição.

5.1.1.1 Solução de goma de xantano a 500ppm


Com o objectivo de caracterizar, em termos de reologia extensional, a solução de
goma de xantano (XG) foram realizados dez ensaios a uma temperatura de 19ºC
(próxima da temperatura ambiente) que são apresentados na tabela 6.

Nuno António Aguiar dos Santos 42


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

Tabela 6- Resultados dos dez ensaios extensionais da solução de goma de xantano.

Temperatura Tempo de
do ensaio (ºC) relaxação (ms)

19 4,31

19 3,53

19 3,51

19 3,94

19 3,98

19 4,12

19 4,28

19 3,37

19 3,46

19 3,62

Através de uma análise estatística da tabela 6, conclui-se que o tempo de relaxação


médio, a uma temperatura de 19ºC, da solução de goma de xantano a 500ppm é
cerca de 3,81±0,35 ms.
De acordo com o modelo de Maxwell:
D −t
= k .e 3λ (78)
D0
Que se pode escrever na seguinte forma:

 D t
ln  =− + ln ( k ) (79)
 D0  3λ

 D  D
Assim, através do traçado do gráfico ln   = ln   ( t ) é possível determinar o
 D0   D0 
tempo de relaxação de um dado ensaio extensional.
No nono ensaio, por exemplo, seleccionou-se uma zona linear no gráfico do logaritmo
da razão de diâmetros em função do tempo, de modo a obter um tempo de relaxação
médio da solução. A zona linear é linear é mostrada na figura 30 com um erro de
ajuste (fit quality) de cerca de 0,422%, assim como algumas propriedades da solução,
entre as quais o tempo relaxação.

Nuno António Aguiar dos Santos 43


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

Figura 30- Gráfico da evolução do logaritmo natural da razão dos diâmetros com o tempo.

O tempo de relaxação obtido foi cerca de 3,46 ms, o que está próximo do valor
obtido na tabela 6.

5.1.1.2 Solução de poliacrilamida a 125ppm


Com o objectivo de caracterizar em termos de reologia extensional a solução de
poliacrilamida foi apenas realizada uma série de três ensaios a uma temperatura de
20ºC.
Tabela 7- Resultados dos três ensaios extensionais da solução de poliacrilamida.
Temperatura do Tempo de
ensaio (ºC) relaxação (ms)

20 33,8

20 34,5

20 33,7

Verifica-se, através de uma análise estatística da tabela 7, que a solução de


poliacrilamida apresenta, a uma temperatura de 20ºC, um tempo de relaxação médio
aproximadamente igual a 34,00 ± 0,44ms.
Pode-se concluir que embora ambas as soluções sejam fluidos análogos ao sangue em
termos de reologia de corte, estas não o são em termos de reologia extensional, pois
por comparação dos valores médios do tempo de relaxação observa-se que a solução
de poliacrilamida apresenta um comportamento cerca de oito a nove vezes mais
elástico do que a solução de goma de xantano.

Nuno António Aguiar dos Santos 44


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

5.1.2 Ensaio de corte


Na caracterização da reologia de corte dos dois fluidos análogos ao sangue, foram
realizados vários ensaios no reómetro rotacional com o objectivo de comparar os
resultados obtidos com os dados existentes sobre a reologia do sangue retirados de
Vlastos, G. et al, 1997 que se encontram apresentados na tabela 8.

Tabela 8- Dados sobre a reologia do sangue para uma temperatura de 37ºC.

Taxa de Viscosidade
corte, γ de corte, µ
(s-1) (Pa.s)

0,0103 0,1580

0,0599 0,0997

0,121 0,0743

0,527 0,0362

1,17 0,0237

5,99 0,0112

11,4 0,0086

58,1 0,0054

118 0,0046

230 0,0040

Estes dados podem ser representados de forma gráfica, tal como se pode observar na
figura 31.
1
Viscosidade de corte

0,1
(Pa.s)

Sangue
T=37ºC
0,01

0,001
0,01 0,1 1 10 100 1000
Taxa de corte (s-1)

Figura 31- Dados sobre a reologia do sangue para uma temperatura de 37ºC.

Nuno António Aguiar dos Santos 45


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

Segue-se uma descrição dos resultados, sob forma gráfica dos dois tipos de ensaios
realizados na caracterização reológica de corte: ensaio de corte e ensaio oscilatório.
Em ambos os ensaios, seguiu-se o protocolo de traçar 50 ou 100 pontos entre gamas
de taxa de corte definidas, sendo que os gráficos obtidos no tratamento dos ensaios
com 100 pontos serão mais pormenorizados do que os que foram obtidos com 50,
notando-se um maior número de irregularidades ao longo do gráfico.
Nos ensaios de corte foram utilizadas as geometrias Cone-Prato (CP-75-1) e Prato-
Prato (PP-75). Enquanto nos ensaios oscilatórios foi apenas utilizada a geometria
Cone-Prato (CP-75-1).

5.1.2.1 Geometria Cone-Prato (CP-75-1)

5.1.2.1.1 Dependência da Temperatura

Relativamente à geometria de Cone-Prato de 75mm com um ângulo de inclinação de


1º, foram realizados dois conjuntos de três ensaios a temperaturas diferentes: 15, 20
e 25ºC, para avaliar a influência da temperatura no ensaio, tal como se pode
observar nas figuras 32 e 33.
1º Conjunto:

10
Viscosidade de corte (Pa.s)

0,1 15ºC
20ºC

0,01 25ºC

0,001
0,01 0,1 1 10 100 1000 10000
Taxa de corte (s-1)
Figura 32- 1º Conjunto de Curvas obtidas para o ensaio de corte da solução aquosa da goma de xantano a
500ppm.

Note-se que na figura 32 o gráfico obtido no ensaio relativo a uma temperatura de


25ºC apresenta uma viscosidade superior aos restantes gráficos para uma taxa de
deformação de corte inferior a 1s-1. O que contradiz a equação de Andrade que
explica que a viscosidade de um fluido diminui com o aumento da temperatura.

Nuno António Aguiar dos Santos 46


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

2º Conjunto:
10
Viscosidade de corte (Pa.s)
1

0,1 15ºC
20ºC

0,01 25ºC

0,001
0,01 0,1 1 10 100 1000 10000
Taxa de corte (s-1)

Figura 33- 2º Conjunto de curvas obtidas para o ensaio de corte da solução aquosa da goma de xantano a
500ppm.

Na figura 33, ao contrário do que acontece na figura 32, gráficos de ensaios


realizados a uma temperatura mais elevada possuem uma viscosidade mais reduzida.
É de salientar que o gráfico µ = µ ( γ ) obtido num ensaio de corte não é válido para
todas as regiões de taxa de deformação de corte. Na verdade, o ensaio está limitado
por duas fronteiras que definem uma região do gráfico que não é influenciada pelo
aparecimento de escoamentos secundários, nem pela resolução do aparelho de
medição (insensibilidade para valores inferiores a um certo valor para o momento
torsor).
Assim sendo, os gráficos seguintes relativos a ensaios de corte estarão limitados à
esquerda por uma fronteira devida ao momento torsor mínimo que o sistema
consegue medir e à direita por outra fronteira devida à ocorrência de instabilidades
inerciais, ou seja, o surgimento de escoamentos secundários (vórtices de Taylor).
A primeira fronteira pode ser determinada através das equações (4) e (37), obténdo-
se:
3M min 1
µmin = (80)
2π R3 γ
O manual refere que o momento torsor mínimo é cerca de 1x10-7 N.m, mas por uma
questão de rigor será utilizado um valor 200 vezes superior (2x10-5 N.m). O valor do
raio da geometria utilizada 0,037491 m. Com estes dois parâmetros é possível
visualizar esta fronteira traçando a curva para alguns valores “pequenos” da taxa de
corte. Sendo assim, seleccionou-se a seguinte tabela:

Nuno António Aguiar dos Santos 47


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

Tabela 9- Condição mínima de resolução.

Taxa de corte Viscosidade de


γ (s-1) corte μ (Pa.s)

0,1 1,8121340

1 0,1812134

10 0,0181213

100 0,0018121

10
Viscosidade de corte

Resolução
1 Minima
(Pa.s)

0,1

0,01

0,001
0,1 1 10 100
Taxa de corte (s-1)
Figura 34- Condição de validação dos ensaios devido à sensibilidade do momento torsor do
aparelho.(válida unicamente para a geometria de cone-prato).

Através da seguinte expressão é possível determinar a outra fronteira:


R 2α 3
µmax =ρ γ (82)
6

Através de uma análise da massa volúmica da solução feita através de picnometria,


concluímos que ρ=1000,5 Kg/m3. Sendo R=0,037491m e que α=1º=π/180 rad, então
atribuindo valores de taxas de corte elevados, é possível visualizar graficamente a
fronteira correspondente à tabela 10 representada na figura 35.

Tabela 10- Condição de instabilidade inercial.


Taxa de corte Viscosidade de
(s-1) corte, µ (Pa.s)

10 1,25E-05

100 1,25E-04

1000 1,25E-03

10000 1,25E-02

Os dados da tabela 10 encontram-se representados na figura 35.

Nuno António Aguiar dos Santos 48


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

0,1 Vórtices de Taylor

Viscosidade de corte
0,01

(Pa.s)
0,001

0,0001

1E-05
10 100 1000 10000
Taxa de corte (s-1)
Figura 35- Condição de validação dos ensaios devido ao aparecimento de instabilidades
inérciais (válida unicamente para a geometria de cone-prato).

Aplicando essas fronteiras, obtém-se os gráficos que se encontram representados nas


figuras 36 e 37.

10 Vórtices Taylor
Viscosidade de corte (Pa.s)

Resolução Minima
1
15ºC

20ºC
0,1
25ºC

0,01

0,001
0,1 1 10 100 1000 10000
Taxa de corte (s-1)

Figura 36- Resultados do 1º conjunto de ensaios limitados pelas duas fronteiras.

Nuno António Aguiar dos Santos 49


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

15ºC
1
20ºC

Viscosidade de corte (Pa.s)


25ºC
0,1
Vórtices Taylor

Resolução
minima
0,01

0,001
0,1 1 10 100 1000 10000
Taxa de corte (s-1)
Figura 37- Resultados do 2º conjunto de ensaios limitados pelas duas fronteiras

Ampliando os gráficos representados nas figuras 36 e 37 na região considerada válida,


obtêm-se os gráficos mostrados nas figuras 38 e 39, cujos valores de viscosidade
correspondem aos esperados. Além disso, é possível observar que nos dois gráficos
representados nas figuras 38 e 39, a viscosidade de corte diminui com o aumento da
temperatura, sendo a curva com viscosidade mais elevada a obtida no ensaio a 15ºC.
No gráfico 36 para valores de viscosidade de corte obtidos para valores de taxa de
deformação de corte inferiores a 10 s-1 verifica-se que a curva que apresenta valores
de viscosidade mais elevados é a curva relativa ao ensaio realizado a 25ºC, o que não
está de acordo com a realidade.

Nuno António Aguiar dos Santos 50


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

0,1
Viscosidade de corte (Pa.s)

15ºC
0,01
20ºC
25ºC

0,001
10 100 1000
Taxa de corte (s-1)

Figura 38- Zona válida da taxa de deformação de corte (1º conjunto).

0,1
Viscosidade de corte (Pa.s)

15ºC
0,01
20ºC

25ºC

0,001
10 100 1000
Taxa de corte (s-1)

Figura 39- Zona válida da taxa de deformação de corte (2º conjunto).

A obtenção dos gráficos a diferentes temperaturas permite obter, através de uma


técnica de tratamento de resultados designada por Time Temperature Superposition,
uma curva mestre (master curve) para uma dada temperatura de referência, Tref.
Este método consiste em representar a viscosidade reduzida em função de um
parâmetro que resulta da multiplicação de um parâmetro adimensional aT pela taxa
de deformação de corte. Esse parâmetro aT é dado pela seguinte expressão:

Nuno António Aguiar dos Santos 51


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

µ (T ) .Tref ρ ref
aT = (83)
µ (Tref ) .T ρ

E a viscosidade reduzida (reduced viscosity) pela seguinte equação:


Tref ρref
µr = µ (T ) (84)
aT .T ρ

Por sua vez, o parâmetro aT é dado pela seguinte expressão que deriva da equação
de Arrhenius:

 ∆H 1 1 
aT = exp  −  −   (85)
 R  T Tref  
Em que ∆H é a energia de activação e R é a constante dos gases ideais.

Aplicando o logaritmo a ambos os membros, tem-se:

∆H 1 1 
ln ( aT ) = −  −  (86)
R  T Tref 
E consequentemente que,

∆H ln ( aT )
=− (87)
R 1 1 
 − 
 T Tref 
Assim sendo, para além de ser possível obter uma curva mestre para cada conjunto
de três ensaios a diferentes temperaturas, é possível quantificar o valor de ∆ H ,
R
que pela análise dimensional da equação (87) possui unidades de temperatura.

0,1
Viscosidade reduzida (Pa.s)

0,01 15ºC (aT=1,11)


20ºC (aT=1,00)
25ºC (aT=0,90)

0,001
8 80 800
aT*Taxa de corte (s-1)
Figura 40- Curva mestre (1º conjunto).

Nuno António Aguiar dos Santos 52


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

Fazendo uma interpolação linear entre os pontos retirados dos gráficos representados
na figura 40, é possível determinar o quociente entre a energia de activação e a
constante dos gases ideais. A interpolação obtida encontra-se representada na figura
41 e possui um factor de correlação quadrático de 0,9998.

0,09 y = 1801,5x - 0,0015


R² = 0,9998

0,04
ln(aT)

-0,01
-6E-05 -3E-05 1E-20 3E-05 6E-05

-0,06

-0,11 1º Conjunto
(1/T)-(1/Tref) (K-1) Linear (1º Conjunto)

Figura 41- Interpolação linear obtida através dos três pontos retirados do gráfico anterior e que permite
determinar o quociente entre a energia de activação e a constante dos gases ideais.

Dado que a recta que interpola os três pontos obtidos em cada gráfico é dada pela
seguinte expressão:
1 1 
ln ( aT ) = 1801,5.  −  − 0, 0015 (88)
T T
 ref 
∆H
Então o seu declive é = 1801, 5 K
R
Efectuando o mesmo procedimento para o segundo conjunto, tem-se:

0,1
Viscosidade reduzida (Pa.s)

15ºC aT=1,10

20ºC aT=1,00

25ºC aT=0,83
0,01

0,001
8 80 800
aT*Taxa de corte (s-1)

Figura 42- Curva Mestre (2º conjunto)

Nuno António Aguiar dos Santos 53


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

Fazendo uma interpolação linear entre os pontos retirados dos gráficos representados
na figura 42, determina-se o quociente entre a energia de activação e a constante
dos gases ideais. A interpolação obtida encontra-se representada na figura 43 e
possui um factor de correlação quadrático de 0,9627.

0,1
y = 2414,9x - 0,0319
R² = 0,9627

0
ln(aT)

-6E-05 -3E-05 1E-20 3E-05 6E-05

-0,1

2º Conjunto
-0,2 Linear (2º Conjunto)
(1/T)-(1/Tref) (K-1)

Figura 43- Interpolação linear obtida através do três pontos retirados do gráfico anterior e que permite
determinar o quociente entre a energia de activação e a constante dos gases ideais.

1 1 
ln ( aT ) = 2414,9.  −  − 0, 0319 (89)
T T
 ref 
∆H
De onde se pode concluir que o declive é = 2414,9 K
R
Segue-se o estudo da dependência da reologia da solução de PAA com a temperatura,
a determinação da curva mestre e o valor do quociente entre a sua energia de
activação e a constante dos gases ideais.
Analogamente à solução de goma de xantano, obtém-se os gráficos que podem ser
observados nas figuras 44 e 45.

Resolução minima
0,01
Vórtices Taylor
Viscosidade de corte (Pa.s)

PAA 15ºC
PAA 20ºC
PAA 25ºC

0,001
20 200 2000
Taxa de corte (s-1)

Nuno António Aguiar dos Santos 54


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

Figura 44- Conjunto de Curvas obtidas para o ensaio de corte da solução aquosa da poliacrilamida a
diferentes temperaturas.

0,01
PAA 15ºC
Viscosidade de corte(Pa.s)
PAA 20ºC
PAA 25ºC

0,001
30 300
Taxa de corte (s-1)

Figura 45- Ampliação da zona válida do conjunto de Curvas obtidas para o ensaio de corte da solução
aquosa da poliacrilamida a 125ppm.

A partir do gráfico da figura 45, obtém-se através das expressões anteriormente


enunciadas, a curva mestre para a solução de PAA.

0,1
15ºC (aT=1,10)
Viscosidade reduzida (Pa.s)

20ºC (aT=1,00)
25ºC (aT=0,96)

0,01

0,001
1 10 100 1000
aT*Taxa de Corte (s-1)

Figura 46- Curva mestre da solução aquosa de PAA a 125ppm.

Fazendo uma interpolação linear entre os pontos retirados dos gráficos representados
na figura 46, determina-se o quociente entre a energia de activação e a constante
dos gases ideais. A interpolação obtida encontra-se representada na figura 47 e
possui um factor de correlação quadrático de 0,9535.

Nuno António Aguiar dos Santos 55


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

0,08 y = 1172,1x + 0,0174


R² = 0,9535

ln(aT) 0,04

1E-17
-6E-05 -3E-05 1E-20 3E-05 6E-05

-0,04
PAA 125ppm

-0,08
(1/T)-(1/Tref) (K-1)

Figura 47- Interpolação linear obtida através do três pontos retirados do gráfico anterior e que permite
determinar o quociente entre a energia de activação e a constante dos gases ideais.

1 1 
ln ( aT ) = 1172,1.  −  − 0, 0174 (90)
T T
 ref 
∆H
De onde se pode concluir que o declive é = 1172,1K
R

Para finalizar a análise da dependência da temperatura no comportamento reológico


das soluções, faz-se uma comparação das curvas mestres da solução de goma de
xantano a 500ppm com a solução de poliacrilamida a 125ppm, que encontra
representada na figura 48.

XG 15ºC (aT=1,11)
0,1
XG 20ºC (aT=1,00)
Viscosidade reduzida (Pa.s)

XG 25ºC (aT=0,90)
PAA 15ºC (aT=1,10)
PAA 20ºC (aT=1,00)

0,01 PAA 25ºC (aT=0,96)


Sangue T=37ºC

0,001
1 10 100 1000
aT*Taxa de corte (s-1)

Figura 48- Comparação da curva mestre do 1º Conjunto de ensaios da goma de xantano a 500ppm com a
da solução de PAA a 125ppm.

Nuno António Aguiar dos Santos 56


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

A partir dos gráficos representados na figura 48 pode-se concluir que a solução de


goma de xantano a 500ppm é ligeiramente mais viscosa que a solução de
poliacrilamida a 125ppm especialmente na região de taxa de deformação de corte
compreendida entre os 5 e os 500 s-1. Verifica-se que as viscosidades de ambas as
soluções tendem a serem idênticas. Este fenómeno deve-se à fractura das cadeias
poliméricas na solução.
Através da comparação das energias de activação pode-se concluir que a energia de
activação da solução de goma de xantano é superior à da solução de poliacrilamida, e
logo as cadeias poliméricas da primeira solução encontram-se mais fortemente
ligadas. Da observação do gráfico representado na figura 48 pode-se verificar que de
facto a solução de goma de xantano apresenta um comportamento mais estável do
que a solução de poliacrilamida, especialmente para taxas de deformação de corte
elevadas. Como nota final deste subcapítulo, pode-se apontar que na equação da
energia de activação a ordenada na origem para os gráficos apresentados nas figuras
41, 43 e 47 deveria ser nula. Embora o coeficiente de correlação linear ao quadrado
seja muito próximo do valor 1, em próximos ensaios o experimentalista deverá impor
um valor nulo para o valor da ordenada da origem. Outra observação importante é o
aumento da viscosidade nas curvas relativas ao ensaio do PAA para elevadas taxas de
deformação de corte, embora tenha sido limitada pela recta para o qual surgem
instabilidades inérciais. Esse efeito deve-se à elasticidade da molécula de PAA que é
uma molécula muito elástica ao contrário da molécula de XG que é semi-rigida, e que
provoca esse aumento inesperado da viscosidade. Trata-te de uma instabilidade
elástica.

Nuno António Aguiar dos Santos 57


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

5.1.2.1.2 Repetibilidade dos ensaios


Para averiguar a existência de repetibilidade dos resultados obtidos nos ensaios,
foram realizados no mesmo dia dois ensaios de corte entre a mesma gama de valores
de taxa de deformação de corte para a solução de goma de xantano a uma
temperatura constante de 20ºC. A temperatura ambiente foi registada pois prevê-se
que esta poderá influenciar significativamente os resultados.

10
Viscosidade de corte (Pa.s)

Tamb=22ºC
0,1
Tamb=23ºC

0,01

0,001
0,01 0,1 1 10 100 1000 10000

Taxa de corte (s-1)

Figura 49- Repetibilidade dos resultados da reometria de corte para duas soluções de goma de xantano a
500ppm ensaiadas no mesmo dia.

Existem dois factores que podem influenciar as medições: a precisão do aparelho que
se reflecte mais intensamente a baixas taxas de deformação de corte e a degradação
das moléculas que afecta todo o ensaio.
Do gráfico da figura 49 pode-se concluir que existe repetibilidade das propriedades
reológicas das soluções quando submetidas aos mesmos parâmetros de ensaio, pois as
curvas são praticamente coincidentes, não se verificando diferenças significativas. A
única diferença que se poderia apontar ocorre para baixas taxas de deformação de
corte.

Nuno António Aguiar dos Santos 58


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

5.1.2.1.3 Dependência no Tempo


Para averiguar se a amostra exibia tixotropia, tal como o sangue (Thurston 1979), foi
seguido um protocolo adequado para a detecção de fenómenos de histerese,
nomeadamente variou-se continuamente a taxa de deformação de corte entre um
valor mínimo (1s-1) e máximo (3000s-1), como forma de verificar a dependência dos
resultados no tempo. Tal como se pode observar na figura 49, os resultados são muito
próximos, as curvas são praticamente coincidentes (especialmente a elevadas taxas
de deformação de corte) o que indica que embora o sangue descreva um
comportamento tixotrópico, a solução aquosa de goma de xantano, não apresenta
dependência no tempo.
Apenas se detectou histerese para valores pequenos da taxa de deformação de corte,
tal como se pode observar nas figuras 50 e 51.
0,1
Viscosidade de corte (Pa.s)

0,01 XG 1
XG 2

0,001
1 10 100 1000 10000
Taxa de corte (s-1)

Figura 50- Detecção de histerese para baixas taxas de deformação de corte.

Ampliando a zona válida,


0,1
Viscosidade de corte (Pa.s)

0,01 XG 1
XG 2

0,001
6 60 600 6000
Taxa de corte (s-1)

Figura 51- Detecção de histerese para baixas taxas de deformação de corte.

Nuno António Aguiar dos Santos 59


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5.1.2.1.4 Comparação dos fluidos com o sangue

Faz-se em seguida uma comparação da solução de goma de xantano a 500ppm com a


solução de poliacrilamida a 125ppm com os dados do sangue mostrados na tabela 8.
Essa comparação encontra-se representada nas figuras 52 e 53.

1
Viscosidade de corte (Pa.s)

PAA 125ppm
XG 500ppm
0,1
Dados do sangue a 37ºC

0,01

0,001
0,01 0,1 1 10 100 1000
Taxa de corte (s-1)

Figura 52- Comparação dos resultados obtidos no ensaio de corte das soluções de XG 500ppm
e PAA 125ppm a uma temperatura constante de 20ºC, com os dados sobre a reologia de corte
do sangue a 37ºC.

0,1 PAA 125ppm


Viscosidade de corte (Pa.s)

XG 500ppm

Dados do sangue a
37ºC

0,01

0,001
10 100 1000
Taxa de corte (s-1)

Figura 53- Comparação dos resultados obtidos no ensaio de corte das soluções de XG 500ppm
e PAA 125ppm a uma temperatura constante de 20ºC, com os dados sobre a reologia de corte
do sangue a 37ºC.

Dos gráficos representados nas figuras 52 e 53 pode-se concluir que a solução de


goma de xantano é mais viscosa que o sangue e que a solução de poliacrilamida.
Também se pode concluir que a solução de poliacrilamida apresenta um melhor
ajuste aos dados reológicos do sangue do que a solução de goma de xantano.

Nuno António Aguiar dos Santos 60


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

5.1.2.1.5 Análise das propriedades viscoelásticas


Os ensaios oscilatórios foram realizados a 20ºC e foram de dois tipos: varrimento em
amplitude (amplitude sweep) e varrimento em frequência (frequency sweep).
Os ensaios de varrimento foram utilizados para medir a o módulo de armazenamento
G ′ e o módulo de perdas G′′ . Na figura 54 encontra-se representado o resultado de
um ensaio oscilatório com varrimento em amplitude realizado a uma frequência de
10Hz.

1
armazenamento e de
dissipação (Pa)
Módulo de

G' XG
G'' XG

0,1
0,1 Amplitude (%) 1

Figura 54- Amplitude sweep a 20ºC com frequência constante de 10Hz.

Dada a diluição da solução, é difícil determinar a primeira e a segunda diferença das


tensões normais, devido às tensões serem demasiado pequenas, sendo assim estas
não foram determinadas.
Na figura 55 encontra-se representado o resultado de um ensaio oscilatório com
varrimento em frequência a uma amplitude constante e igual a 10%.

1
Módulo de armazenamento
e dissipação (Pa)

0,1 G' XG
G'' XG

0,01
0,1 1
Frequência (Hz)
Figura 55- Frequency sweep a 20ºC para uma amplitude de 10%.

Pode-se concluir que o ensaio foi realizado a uma frequência elevada (10%) e por isso
a curva de pontos relativa ao módulo de armazenamento (G’) e a relativa ao módulo
de dissipação (G’’) não se intersectam, embora se note umas tendências de
aproximação relativa. Deve-se no futuro realizar ensaios a uma frequência mais
baixa, por exemplo 1 Hz, e com uma taxa de deformação de corte compreendida
entre os 0,1 e os 1000 s-1.

Nuno António Aguiar dos Santos 61


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

5.1.2.2 Geometria Prato-Prato (PP-75)

Nesta secção é caracterizada a reologia da solução aquosa de goma de


xantano com uma concentração de 500ppm num ensaio de corte em regime
permanente utilizando uma geometria de medição prato-prato. Embora os
resultados obtidos não sejam aqui comparados com os dados do sangue,
estes constituem uma informação útil para investigações futuras no âmbito
do estudo da reologia dos fluidos análogos ao sangue.
A reometria em sistema prato-prato não é trivial, na verdade existem dois
parâmetros, nos quais a medição nesse tipo de geometria é influência,
nomeadamente, a distância entre as placas paralelas que pode ser
controlada (ao contrário do que acontece na geometria cone-prato) e a taxa
de deformação de corte.
Relativamente aos resultados obtidos no ensaio de corte, em geral, podem
ser obtidos como output do ensaio, várias propriedades, entre as quais se
destacam a taxa de deformação de corte, a velocidade angular, o momento
torsor aplicado e a viscosidade. Contudo, a viscosidade é obtida
considerando que o fluido que está a ser ensaiado é newtoniano, o que pode
apresentar resultados bastante diferentes do que os previstos.
Quando se mede com a geometria prato-prato, a viscosidade é uma função
dependente do binário aplicado e da taxa de deformação de corte, isto é:

1  dM M
µ= 3 
+3 
2π R  dγ γ 
(91)

dM M 3M  1 γ dM 
+3 = 1+
γ  3 M dγ 
Sendo (Whorlow, 1992), então é possível escrever a
dγ γ
expressão (91) na seguinte forma:

dM M 3M  1 d ln ( M ) 
+3 = 1 +  (92)
d γ γ γ  3 d ln ( γ ) 
O gráfico do logaritmo natural do momento aplicado em função do logaritmo da taxa
de deformação de corte encontra-se representado na figura 59 e a partir dele é
possível determinar a equação que interpola melhor o conjunto de pontos e calcular
d ln ( M )
d ln ( γ )
a sua derivada, de modo a obter o parâmetro da equação (92).
y = 0,0006x4 - 0,0048x3 - 0,0053x2 + 0,6906x + 1,4557
8 R² = 0,9942
Logaritmo natural do
momento aplicado

4 XG 500ppm

Logarítmica (XG
2 500ppm)

0
-4 -2 0 2 4 6 8
-2
Logaritmo natural da taxa de deformação de corte

Nuno António Aguiar dos Santos 62


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

Figura 59- Gráfico que permite determinar o valor da derivada do logaritmo natural do momento em
ordem ao logaritmo natural da taxa de deformação de corte.

Foi utilizado um polinómio de grau quatro para interpolar os pontos obtidos no


ensaio, que é dado matematicamente pela seguinte expressão:
4 3 2
ln M = 0, 0006 ( ln γ ) − 0, 0048 ( ln γ ) − 0, 0053 ( ln γ ) + 0, 6906 ( ln γ ) + 1, 4557
(93)
Derivando em ordem ao logaritmo natural da taxa de deformação de corte,
d ln M 3 2
= 0, 0024 ( ln γ ) − 0, 0144 ( ln γ ) − 0, 0106 ( ln γ ) + 0, 6906 (94)
d ln γ
Como resultado final tem-se o gráfico, representado na figura 58, da viscosidade em
função da taxa de deformação de corte.

0,1
Viscosidade de corte (Pa.s)

0,01
XG 500ppm

0,001
0,1 1 10 100 1000
Taxa de corte (s-1)

Figura 60- Gráfico que se obtém após o tratamento dos dados.

Caso se tenham valores da velocidade angular e não da taxa de deformação de corte,


é possível obtê-los, visto que:
∂  vθθ  1 ∂vrr
γ rθ = r  + (95)
∂r  r  r ∂θ
∂vrr ∂ v  ωR
Como = 0 , então γ rθ = r  θθ  ⇔ γ rθ = , em que d é a distância entre os
∂θ ∂r  r  d
dois pratos.
Também era possível limitar o gráfico por duas fronteiras, tal como acontece nas
outras geometrias, fazendo uma analogia com base na geometria cone-prato,
garantindo que a distância entre os pratos paralelos é igual à altura máxima que o
fluido atinge quando se encontra confinado na geometria cone-prato, ou seja quando
o fluido se encontra na iminência de transpor uma distância radial superior ao raio da
geometria. Matematicamente, tem que se garantir que h = R.tan (α ) .

Nuno António Aguiar dos Santos 63


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

5.2 Análise Electroreológica


Os fluidos electroreológicos são fluidos cujas propriedades reológicas variam com a
presença de um campo eléctrico, nomeadamente a viscosidade que aumenta com o
aumento da intensidade do campo eléctrico aplicado. Estes fluidos geralmente
consistem em partículas de um semiconductor dispersas numa suspensão não-
conductora eléctrica, geralmente um solvente oleoso. (Bonnecaze 1991)
Considere-se o escoamento Couette de um fluido electroreológico originado pela
aplicação de uma força F que faz mover a placa superior, tal como mostrado na
figura 59.

Figura 61- Escoamento Couette promovido pelo movimento da placa superior num fluido
electroreológico.

A força F necessária para promover o escoamento do fluido com uma dada velocidade
v na placa superior é:
∂u v
F = µA ⇔ F = µA (96)
∂y h
Em que µ é a viscosidade do fluido, A é a área de contacto do fluido com a placa, v é
a velocidade da placa superior (que se move) e h é a distância entre as duas placas.
Seja V = V ( x, y, z ) a função potencial de campo eléctrico, então o campo eléctrico
gerado pela variação de potencial no espaço é dado genericamente pela expressão:
    ∂V  ∂V  ∂V  
E = −∇.V ⇔ E = −  i+ j+ k (97)
 ∂x ∂y ∂z 
Desta expressão pode-se concluir que sempre que há variação da função potencial no
espaço, gera-se um campo eléctrico, e esse campo eléctrico tem o sentido dos
potenciais decrescentes.
Suponha-se agora que as placas são constituídas por um material conductor, por
exemplo, um metal. É possível criar um campo eléctrico constante, através do
estabelecimento de uma diferença de potencial (tensão eléctrica) entre as duas
placas, por exemplo com uma fonte de alimentação ligada com os terminais ligados a
cada uma das placas.
Considere-se que as placas se encontram ligadas a uma fonte de alimentação, que a
direcção xx é a direcção da força F e que a direcção yy é a direcção perpendicular às
placas, então com a aplicação de um campo eléctrico constante, E, entre as duas

Nuno António Aguiar dos Santos 64


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

placas, verifica-se que as partículas ficam polarizadas, alinhando-se na direcção das


linhas do campo eléctrico.
O campo eléctrico terá direcção vertical e o sentido da placa de pólo positivo para a
de pólo negativo. A sua intensidade será dada pela seguinte expressão:
∆V V + −V −
Ey = − =− (98)
∆y h
Em que ∆V a diferença de potencial entre as placas, isto é a diferença de potencial
entre os terminais da fonte de alimentação, e h é a distância entre as placas.
Assim, as partículas com cargas negativas migram para o pólo positivo, enquanto as
partículas com cargas positivas migram para o pólo negativo, tal como se encontra
representado na figura 60.

Figura 62- Aplicação de um campo eléctrico numa direcção perpendicular à direcção do escoamento.

Essa migração e alinhamento das partículas vão provocar a formação de agregados de


partículas que vão ficar alongados, o que vai contribuir para um aumento da
viscosidade do fluido, fazendo com que a tensão de corte aumente e que a força que
inicialmente possuía uma intensidade F passe a apresentar uma intensidade superior,
F’. Assim, a viscosidade do fluido é função da taxa de deformação de corte e do
campo eléctrico aplicado, isto é, µ = µ ( γ, E ) . (Tam 1996)
A viscosidade do fluido também depende de outros factores, tais como a
concentração de partículas de semiconductor dispersas, o tamanho das partículas e a
própria natureza química delas, assim como a do óleo.
Considerando esses factores constantes ao longo de cada ensaio, é possível observar
o aparecimento rápido e reversível de uma tensão de cedência aquando da aplicação
de um campo eléctrico, mesmo que inicialmente o fluido não a possua.
Pode-se maximizar esse efeito electroreológico produzindo suspensões de partículas
de pequena dimensão com uma elevada concentração. (Wen 2004)
Os fluidos com maior efeito electroreológico são as suspensões de Zeolite ou de
Titanato de Bário (TiBaO4) em óleo de silicone, mas dado o seu elevado custo, tanto
do pó desses cerâmicos, como do óleo de silicone, nesta experiência não serão
utilizados. Em vez disso, serão utilizadas três suspensões: CMC
(CarboxiMetiloCelulose), Amido de milho (químico que entra na composição da
farinha Maizena) e Alumina (óxido de Aluminio) em óleo de linhaça. Foram então
preparadas seis soluções diferentes para as concentrações de 500 e 2000ppm, tendo
sido realizados seis ensaios electroreológicos de modo a inferir a influência da
concentração da solução nas propriedades electroreológicas desses fluidos.
Nuno António Aguiar dos Santos 65
Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

Também foi seleccionada uma solução nesse conjunto de seis pelo critério de ser a
que foi mais influenciada electroreologicamente (solução de amido de milho em óleo
de linhaça a 2000ppm), e foi ensaiada para tensões de 0, 2, 4, 6 e 8 KV a fim de
visualizar o efeito da tensão eléctrica no aumento da viscosidade, e
consequentemente no aumento da tensão de cedência. (Bombard 2000, Ren 2006)
Relativamente à análise dos dados, da mesma forma que os gráficos relativos à
medição na geometria prato-cone se encontravam limitados à esquerda por uma
fronteira devida ao momento torsor mínimo que o sistema consegue medir e à direita
por outra fronteira devida à ocorrência de instabilidades inerciais, também é possível
fazer um raciocínio análogo para a geometria de cilindros concêntricos.
Recorrendo à expressão (47):

R2 − R1 T
µ= (47)
ω R2 2π R12 H
Em que R2 é o raio do cilindro externo, R1 é o raio do cilindro interno, ω é a
velocidade angular, H é o comprimento da secção recta da geometria de cilindros
concêntricos e M é o momento torsor aplicado à geometria.(Whorlow 1992)
R2
Sendo γ = ω , então:
R2 − R1
1 M
µmin = . min
(99)
γ 2π R12 H
Como H=39,9740mm e R1=13,3240mm, R2=14,4600mm e Mmin=0,00002Nm, então:

0, 4485421611
µmin = (100)
γ
Tabela 11- Fronteira à esquerda.
Taxa de corte, Viscosidade de
γ (s-1) corte, µ (Pa.s)

0,1 4,485421611

1 0,448542161

10 0,044854216

100 0,004485421

Na figura 63 encontra-se representado graficamente os dados da tabela 11.

Nuno António Aguiar dos Santos 66


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

10

Viscosidade de corte (Pa.s)


1

Resolução
0,1 Minima

0,01

0,001
0,1 1 10 100

Taxa de corte (s-1)


Figura 63- Fronteira à esquerda.

A fronteira à esquerda é facilmente obtida através da definição de número de Taylor


num escoamento entre cilindros concêntricos, da expressão (49):

2 4 2
 R  ( R2 − R1 )  ρω 
Ta = 2  1  (49)
2  
 R2    R1    µ 
1 − 
  R2  
 
Fazendo Ta=Tcritico=1700, obtém-se:
3

µ max =
1  R1 
. 
( R2 − R1 ) γ (101)
850  R2  R 
2

R2 1 −  1 
 R2 
Substituindo R1=13,3240mm, R2=14,4600mm, tem-se:

µmax = 0, 00316050781.γ (102)

Tabela 12- Fronteira à direita.


Taxa de corte, Viscosidade de
γ (s-1) corte, µ (Pa.s)

1 0,00316

10 0,03161

100 0,31605

1000 3,16050

10000 31,6051

Nuno António Aguiar dos Santos 67


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

100

Viscosidade de corte (Pa.s)


10

1 Vórtices de
Taylor
0,1

0,01

0,001
1 10 100 1000 10000
Taxa de corte (s-1)

Figura 64- Fronteira à direita.

O óleo de linhaça é o solvente comum das suspensões electroreológicas


utilizadas neste trabalho. O óleo de linhaça é um fluido solúvel em solventes
orgânicos e insolúvel em água que evapora a uma temperatura de cerca de
145ºC. É um fluido ligeiramente mais denso que a água, a sua massa
volúmica é aproximadamente 1,05±0,09 Kg/m3.

Nuno António Aguiar dos Santos 68


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

5.2.1- Suspensão de amido de milho em óleo de linhaça


O principal constituinte da farinha maizena é o amido de milho. Nesta secção
apresentam-se os gráficos τ = τ ( γ ) (figura 65) e µ = µ ( γ ) (figura 66, 67, 68) dos
ensaios electroreológicos relativos às suspensões de maizena (amido de mliho) em
óleo de linhaça a 500ppm e 2000ppm, a uma tensão eléctrica de 2KV.
10
Tensão de corte (Pa)

1 Maizena 500ppm
Maizena 2000ppm

0,1
1 10 100
Taxa de corte (s-1)

Figura 65- Gráfico τ = τ ( γ ) para duas suspensões de maizena em óleo de linhaça, com concentrações
de 500 e 2000ppm, sujeitas a uma tensão eléctrica de 2KV.

10
Viscosidade de corte (Pa.s)

Maizena 500ppm
Maizena 2000ppm
0,1

0,01
0,1 1 10 100 1000
Taxa de corte (s-1)
Figura 66- Gráfico µ = µ ( γ ) para duas suspensões de maizena em óleo de linhaça, com concentrações
de 500 e 2000ppm, sujeitas a uma tensão eléctrica de 2KV.

Nuno António Aguiar dos Santos 69


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

10
Maizena 500ppm

Viscosidade de corte (Pa.s)


Maizena 2000ppm
1 Fronteira Taylor

Fronteira M
minimo
0,1

0,01
0,1 1 10 100 1000
Taxa de corte (s-1)
Figura 67- Gráfico µ = µ ( γ ) limitado na região válida para duas suspensões de maizena em óleo de
linhaça, com concentrações de 500 e 2000ppm, sujeitas a uma tensão eléctrica de 2KV.
Viscosidade de corte (Pa.s)

1
Maizena 500ppm
Maizena 2000ppm

0,1
0,5 Taxa de corte (s-1) 5

Figura 68- Gráfico µ = µ ( γ ) limitado na região válida para duas suspensões de maizena em óleo de
linhaça, com concentrações de 500 e 2000ppm, sujeitas a uma tensão eléctrica de 2KV.

Da análise dos gráficos representados nas figuras 65 a 68 conclui-se que a


concentração da suspensão de maizena em óleo de linhaça influencia
significativamente o efeito electroreológico da suspensão. Na verdade
verificam-se que a diferença máxima de viscosidades é 30,79% e ocorre para
um valor de taxa de deformação de 2,02s-1.

Nuno António Aguiar dos Santos 70


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

5.2.2- Suspensão de CarboxiMetilCelulose em óleo de linhaça


Nesta secção apresentam-se os gráficos τ = τ ( γ ) (figura 69) e µ = µ ( γ ) (figura 70,
71, 72) dos ensaios electroreológicos relativos às suspensões de maizena (amido de
mliho) em óleo de linhaça a 500ppm e 2000ppm, a uma tensão eléctrica de 2KV.
10
Tensão de corte (Pa)

1
CMC 2000ppm
CMC 500ppm

0,1
1 10 100
Taxa de corte (s-1)
Figura 69- Gráfico τ = τ ( γ ) para duas suspensões de carboximetilcelulose em óleo de linhaça, com
concentrações de 500 e 2000ppm, sujeitas a uma tensão eléctrica de 2KV.

10
Viscosidade de corte (Pa.s)

CMC 2000ppm
CMC 500ppm
0,1

0,01
0,1 1 10 100 1000
Taxa de corte (s-1)
Figura 70- Gráfico µ = µ ( γ ) para duas suspensões de carboximetilcelulose em óleo de linhaça, com
concentrações de 500 e 2000ppm, sujeitas a uma tensão eléctrica de 2KV.

Nuno António Aguiar dos Santos 71


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

10

Viscosidade de corte (Pa.s) CMC 2000ppm


1 CMC 500ppm
Fronteira Taylor
Fronteira M minimo
0,1

0,01
0,1 1 10 100 1000
Taxa de corte (s-1)

Figura 71- Gráfico µ = µ ( γ ) limitado na região válida para duas suspensões de maizena em
óleo de linhaça, com concentrações de 500 e 2000ppm, sujeitas a uma tensão eléctrica de
2KV.

1
Viscosidade de corte (Pa.s)

CMC 2000ppm
CMC 500ppm

0,1
0,9 Taxa de corte (s-1) 9

Figura 72- Gráfico µ = µ ( γ ) limitado na região válida para duas suspensões de maizena em
óleo de linhaça, com concentrações de 500 e 2000ppm, sujeitas a uma tensão eléctrica de
2KV

Da análise dos gráficos representados nas figuras 69 a 72 conclui-se que a


concentração da suspensão de carboximetilcelulose em óleo de linhaça
influência ligeiramente o efeito electroreológico da suspensão. Na verdade
verificam-se que a diferença máxima de viscosidades é 10,36% e ocorre para
um valor de taxa de deformação de 2,44s-1.

Nuno António Aguiar dos Santos 72


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

5.2.3- Suspensão de óxido de alumínio em óleo de linhaça


Nesta secção apresentam-se os gráficos τ = τ ( γ ) (figura 73) e µ = µ ( γ ) (figura 74,
75, 76) dos ensaios electroreológicos relativos às suspensões de maizena (amido de
mliho) em óleo de linhaça a 500ppm e 2000ppm, a uma tensão eléctrica de 2KV.
Dado que a alumina é um cerâmico, e portanto um material de elevada dureza, pode
acontecer que, aquando da formação de cadeias de partículas alinhadas na direcção
do campo eléctrico, estas possam riscar a geometria de cilindros concêntricos
utilizada no ensaio. Assim, para evitar este problema mediu-se a granulometria das
partículas de óxido de aluminio através do granulometro Coulter, obtendo-se um
valor médio de 19,98 µm para a dimensão das partículas de cerâmico. Visto que o
espaçamento existente entre a geometria de cilindros concêntricos é 1,136 mm, seria
necessário ocorrer a formação de cadeias com mais de 56 particulas alinhadas. Caso
o campo eléctrico seja muito intenso, pode ocorrer a formação de colunas
constituídas por várias cadeias paralelas entre si. (Wen 2004).
Os dados estatísticos obtidos no granulometro podem ser consultados nos anexos,
assim como as normas relativas às geometrias de cilindros concêntricos e cone-prato.

10
Tensão de corte (Pa)

1 Al2O3 2000ppm
Al2O3 500ppm

0,1
1 10 100
Taxa de corte (s-1)
Figura 73- Gráfico τ = τ ( γ ) para duas suspensões de óxido de alumínio em óleo de linhaça, com
concentrações de 500 e 2000ppm, sujeitas a uma tensão eléctrica de 2KV.

Nuno António Aguiar dos Santos 73


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

10

Viscosidade de corte (Pa.s)


Al2O3 2000ppm
1 Al2O3 500ppm

0,1

0,01
0,1 1 10 100 1000
Taxa de corte (s-1)
Figura 74- Gráfico µ = µ ( γ ) para duas suspensões de óxido de alumínio em óleo de linhaça, com
concentrações de 500 e 2000ppm, sujeitas a uma tensão eléctrica de 2KV.

10
Viscosidade de corte (Pa.s)

Al2O3 2000ppm
1
Al2O3 500ppm

Fronteira Taylor

0,1 Fronteira M
minimo

0,01 0,1 1 10 100 1000


Taxa de corte (s-1)
Figura 75- Gráfico µ = µ ( γ ) para duas suspensões de óxido de alumínio em óleo de linhaça, com
concentrações de 500 e 2000ppm, sujeitas a uma tensão eléctrica de 2KV.

Da análise dos gráficos representados nas figuras 73 a 75 conclui-se que a


concentração da suspensão de óxido de aluminio em óleo de linhaça influência
ligeiramente o efeito electroreológico da suspensão. Na verdade verificam-se que a
diferença máxima de viscosidades é 18,49% e ocorre para um valor de taxa de
deformação de 2,02 s-1. Na figura 76 encontra-se representada uma ampliação da
região válida do gráfico apresentado na figura 75.

Nuno António Aguiar dos Santos 74


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

10

Viscosidade de corte (Pa.s) Al2O3 2000ppm

1 Al2O3 500ppm

0,1

0,01 0,2 2 20
Taxa de corte (s-1)

Figura 76- Gráfico µ = µ ( γ ) para duas suspensões de óxido de alumínio em óleo de linhaça, com
concentrações de 500 e 2000ppm, sujeitas a uma tensão eléctrica de 2KV.

Nuno António Aguiar dos Santos 75


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

5.2.4- Efeito da intensidade do campo eléctrico nas suspensões


electroreológicas
Nesta secção é apresentado o efeito da intensidade do campo eléctrico na
suspensão de maizena em óleo de linhaça com uma concentração de
2000ppm devido ao facto de ser ter verificado que esta na secção 5.2.1.
possui um maior efeito electroreológico (ver figuras 65 e 66). São realizados
cinco ensaios a uma tensão de 0, 2, 4, 6 e 8 KV e são analisadas as eventuais
diferenças existentes nos gráficos representados nas figuras 77 a 80.

100
Tensão de corte (Pa)

10
0KV
2KV
4KV
1 6KV
8KV

0,1
0,1 1 10 100 1000
Taxa de corte (s-1)
Figura 77- Gráfico τ = τ ( γ ) para cinco ensaios de cinco suspensões de maizena em óleo de linhaça
com uma concentração de 2000ppm, sujeitas a uma tensão eléctrica de 2KV.

100
Viscosidade de corte (Pa.s)

10
0KV

2KV
1 4KV

6KV

8KV
0,1

0,01
0,1 1 10 100 1000
Taxa de corte (s-1)

Figura 78- Gráfico µ = µ ( γ ) para cinco ensaios de cinco suspensões de maizena em óleo de linhaça
com uma concentração de 2000ppm, sujeitas a uma tensão eléctrica de 2KV.

Nuno António Aguiar dos Santos 76


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

Note-se que, através de uma análise ao gráfico da figura 77, a tensão de corte
aumenta com a diferença de potencial estabelecida, e assim o fluido que
inicialmente descrevia um comportamento newtoniano passou a descrever um
comportamento de um fluido de Bingham, com tensão de cedência.
Pela observação do gráfico representado na figura 78, a viscosidade aumenta com o
aumento da diferença de potencial, excepto para taxas de deformação de corte
elevadas.

3
0KV

2,5 2KV
4KV
Tensão de corte (Pa)

2 6KV
8KV
1,5

0,5

0
0 1 2 3 4 5
Taxa de corte (s-1)

Figura 79- Gráfico τ = τ ( γ ) para cinco ensaios de cinco suspensões de maizena em óleo de linhaça
com uma concentração de 2000ppm, sujeitas a uma tensão eléctrica de 2KV.

100
0KV
Viscosidade de corte (Pa.s)

2KV
10
4KV

6KV

1 8KV

0,1

0,01
0 1 2 3 4 5
Taxa de corte (s-1)
Figura 80- Gráfico µ = µ ( γ ) para cinco ensaios de cinco suspensões de maizena em óleo de linhaça
com uma concentração de 2000ppm, sujeitas a uma tensão eléctrica de 2KV.

Nuno António Aguiar dos Santos 77


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

Por observação das figuras 78 e 79 verifica-se que com um aumento da taxa de


deformação de corte, o fluido apresenta um patamar de viscosidade constante,
comportando-se como um fluido newtoniano. Ou melhor, com o mesmo
comportamento que quando sujeito a uma tensão de 0KV. De onde se pode concluir
que a elevadas taxas de deformação de corte o efeito electroreológico torna-se
desprezável, pois ocorre a ruptura das cadeias ou colunas formadas pela aplicação do
campo eléctrico.

Nuno António Aguiar dos Santos 78


Reologia de Fluidos Análogos ao Sangue BII – 2008/2009

6. Conclusões
Os fluidos considerados análogos ao sangue por Thurston (1979) são a solução aquosa
de goma de xantano a 500ppm e a solução aquosa de poliacrilamida a 125ppm.
As soluções de goma de xantano e poliacrilamida à temperatura de 20ºC apresentam
uma viscosidade de corte ligeiramente superior aos dados do reológicos do sangue
obtidos para uma temperatura de 37ºC, sendo a solução de poliacrilamida a que
apresenta um melhor ajuste.
Outro facto a ter em conta é que a energia de activação da solução de goma de
xantano é superior à da solução de poliacrilamida, o que significa que as cadeias
poliméricas da primeira solução encontram-se mais fortemente ligadas, garantindo
uma menor degradação das suas moléculas durante o ensaio, isto é, um
comportamento mais estável. Esse comportamento estável resulta na existência de
repetibilidade em ensaios realizados sob as mesmas condições.
Relativamente à dependência das soluções no tempo, embora o sangue exiba no
tempo uma dependência tixotropica, as soluções de goma de xantano e de
poliacrilamida não apresentam qualquer dependência no tempo, apenas se
verificando o aparecimento ligeiro de histerese para baixas taxas de deformação de
corte.
Um outro resultado a considerar é o resultado do ensaio de ruptura capilar, em que
se obteve a informação que a solução de goma de xantano apresenta um tempo de
relaxação médio de 3,81±0,35 ms, enquanto a solução de poliacrilamida apresenta
um tempo de relaxação médio de 34,00±0,44 ms. De onde se pode concluir que a
solução de poliacrilamida apresenta uma viscosidade oito a nove vezes superior À
viscosidade da solução de goma de xantano. Assim, embora estes fluidos sejam
considerados análogos ao sangue, em termos de reologia de corte, por Thurston
(1979), estes não o são em termos de reologia extensional.
Dados estes factos, pode-se inferir que se objectivo for uma solução com um
comportamento reológico próximo do sangue para baixas taxas de deformação de
corte, a solução de poliacrilamida a uma concentração de 125 ppm apresenta um
bom ajuste. A solução de goma de xantano com uma concentração de 500ppm
apresenta uma viscosidade superior à do sangue, mas apresenta um comportamento
mais estável que a solução de poliacrilamida durante todo o ensaio.
Para se conseguir uma representação mais fidedigna dos dados do sangue, dever-se-á
proceder a uma diluição da solução de goma de xantano, de modo a se obter um
melhor ajuste.
Sobre a análise electroreológica, das três suspensões de partículas em óleo de
linhaça ensaiadas (amido de milho, óxido de alumínio e carboximetilcelulose), a que
apresentou um maior efeito electroreológico foi a de amido de milho sob uma tensão
eléctrica constante igual a 2KV. Verificou-se nesses três ensaios que sob a acção de
um campo eléctrico constante, as suspensões apresentaram um aumento de
viscosidade, e consequentemente um aumento da tensão de corte, adquirindo uma
tensão de cedência. Pode-se também concluir que o aumento da concentração da
suspensão, intensifica a sensibilidade da mesma à presença de campos eléctricos.
A suspensão de amido de milho em óleo de linhaça com uma concentração de
2000ppm foi testada em cinco ensaios realizados a cinco diferenças de potencial
diferentes (0, 2, 4, 6 e 8KV), podendo-se concluir que o aumento da tensão eléctrica

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tem como consequência o aumento da viscosidade da suspensão, e


consequentemente o aumento da tensão de corte da mesma.
Uma outra conclusão a salientar é que o efeito electroreológico torna-se desprezável
a elevadas taxas de deformação de corte, pois a elevada velocidade angular imposta
no ensaio, faz com que ocorra a ruptura das cadeias ou colunas formadas. Este
fenómeno tem como consequência o comportamento da suspensão a uma tensão
eléctrica de 0KV (newtoniano).
Para aplicações a baixo custo, poder-se-ia proceder à moagem do amido de milho, ao
aumento da concentração do mesmo e à utilização de óleo de silicone, assim como
aumentar a concentração de modo a intensificar esse efeito.

Nuno António Aguiar dos Santos 80


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8. Anexos

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Figura 81 – Gráfico obtido através da técnica de medição de granulometria Coulter Counter

Tabela 13 – Valores das estatísticas obtidas na medição da granulometria do pó de Al2O3.

Estatística Valor Unidade

Média 19,98 μm

Moda 14,45 μm

Mediana 31,5 μm

Desvio-padrão 19,4 μm

Variância 376,3 μm2

Covariância 97,08 Adimensional

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