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PROMOS VCROCINGe anal) 3 CLEMENT GREENBERG YVE-ALAIN BOIS T.J. CLARK JEAN-PIERRE CRIQUI UL amy VS EIN Loh ase UU ESIS) ETS aA Se oe E HAROLD ROSENBERG BIE 1a Le) ORGANIZACAO, APRESENTAGAO E NOTAS COROT W a aly er) WoO I Jorge Zahar Editor Scleco ¢ teaducio dos textos que compéem esta cdletinea autorizadas pelos respectivos autores ou scus representantes legais; as fontes encontram-se indicadas ao final de casa enszio Para os textos de Clement Greenberg. is Copyright © 1996 by the Estate of Clement Greenberg Copyright © 1997 da edicio em lingua portuguesa: Jorge Zahat Editor Ltda. rua México 31 sobreloja 20031-144 Rio de Janeiro, RJ tel. (021) 240-0226/fax (021) 262-5123 Todos os ditcitos reservados A reprodugio nio-autorizada desta publicagio, no todo ou em parte, constitui violagéo do copyright. (Lei 5.988) Fundacao Nacional de Arte ~ Funarte rua da Imprensa 16, 72 andar 20030-120 Rio de Janciro, RJ tel. (021) 297-6116/fax (021) 266-4895 Departamento de Agio Cultural Produgao Editorial Gilberto Vilar José Carlos Martins Coordenagao de Edicées Edigio de Texto Ana Fanfa Ivan Junqueira ' Diviséo de Texto Capa e Projeto Gratico Ivan Junqueira Elizabeth Laffayette Catalogagiio-na-fonte Funarte / Departamento de Pesquisa e Documentagio Clement Greenberg ¢ 0 debate critico / Organizacio, aptesentagio e notas Gloria Ferreira e Cecilia Cotrim de Mello; tradugio Maria Luiza X. de A. Borges ~ Rio de Janeiro : Funarte Jorge Zahar, 1997. 280p. ISBN 85-85781-31-9 ISBN 85-7110-383-6 (ZE) 1. Arte-critica, I. Ferreira, Gléria, org. IL. Mello, Cecilia Cotrim de. TI. Borges, Maria Luiza X. de A. CDD-701.18 Entrevista com Clement Greenberg ANN HINDRY — Como o senhor chegou & critica de arte? — Comecei pela critica literaria quando tinha uns 30 anos, Nio sentia especial interesse pela arte contemporanea, mas morava no Greenwich Village ¢ havia por l4 muitos pintores, de quem comecei natutalmente a me aproximar. Foi assim, por exemplo, que conheci Lee Krasner, que mais tarde se casatia com Pollock. Bla desempenhou, alids, um papel essencial na evolugio da pintura dele. Seria preciso Ihe fazet mais justiga. De qualquer maneira, a arte ndo me era de todo desconhecida, eu havia sido uma ctianga prodigio no desenho € meu pai me fizera freqiientar os cursos noturnos da Art Student League desde os 16 anos. — Sex ambiente familiar era aberto para a arte... — Sim e nio; havia respeito pela atte, mas nenhum conhecimento real, O professor a quem meu pai me encaminhou, a conselho de um tio mais “esclarecido”, nos mostrava reproducées dos impressionistas, mas no que me dizia respeito era pura perda de tempo, j que meu unico sonho era pintar e desenhar como Norman Rockwell moderna quando j4 estava na universidade._ ~ Assim, por volta do final dos anos 30, no Greenwich Village, eu escrevia sobre literatura, depois, pouco a pouco, comecei a escrever sobre arte para The Nation © a Partisan Review, depois cada vez mais sobre arte ¢ cada vez menos sobre literatura. Talvez eu tivesse a impressio, onde estava, de que aconteciam mais coisas na arte, mas a verdadeira raz, penso eu, estava ligada ao fato de que, com a atte, cu tinha a sensago de escrever a partir de dentro, quando no caso da literatura isso me era impossivel. Bu me julgava em condigdes de fazer pintura,cscultura ou desenho profissionalmente, mas nfo poesia. Foi escrevendo sobre atte que fiz minha educacio artistica. Houve quem me ctiticasse muito por nao ter formagao universitaria na matéri SO comecei a ver arte 143 — A base do sen pensamento, tal coro 0 conbecemos ¢ tal como o senbor a expés em sens dois primeiros ensaios, jé estava muito definida bem antes do surgimento dos expressionistas abstratos... Quais foram os artistas, as obras, que o levaram a escrever “Vanguarda e kitsch” « um pouco mais tarde, “Rumo a°um mais novo Laocoonte”? — Eu nio tinha em mente artistas especificos e, embora realmente 0 assunto fosse pintura, na época muitas coisas me pareciam assumir mais importincia do que a arte contemporanea. Eu estava impregnado de Bertolt Brecht... a grande arte ao alcance das massas... Foi ao preparar um. artigo sobré Brecht para uma revista alema publicada em Paris, Das Wort, que fui parar, por assim dizer, em “Vanguarda e kitsch”, mas nfo gosto muito do modo como escrevi aquilo, é rigido demais e um pouco simplista para meu gosto. Enfim, est4 14. — Entao o senhor é um critico de arte autodidata... Considera-se mais um critica on um historiador? — Historiador de maneira nenhuma, nao sei o suficiente para ser historiador. — Como vé'0 papel do critico de arte em relagdo ao do historiador da arte? — Ah! Detesto esta pergunta! Antes de falar do papel do critico de arte, falemos de suas qualificacdes. Blas esto ligadas a seu gosto. Sua vocacio é mostrar, tanto na arte contemporanea como na arte do passado, © que cle prefere, contrapondo-o ao que nio prefere e, de certo modo, convidar o leitor a ver se esta de acordo com ele. O problema que se coloca entao é, certamente, o do leitor que mora, por exemplo, em Des Moines, ¢ nao tem oportunidade de ver tanta arte contemporanea como o de Nova York. — Poderiamos voltar a alguns dos conceitos-chave da critica de arte, tal como o senbor os entende, e que foram muitas vexes mal interpretados on deturpados: juizo estitico, experiéncia intuitiva, 0 gosto, a qualidade... — Pode-se olhar arte e no ter experiéncia estética, como se pode ouvir miisica com o pensamento em outra coisa... pode-se assim simplesmente passar diante de um quadro ou escultura. Mas quando se faz 0 ligeiro esforgo de centrar a propria atenciio no que se tem diante de si, ent&o se gosta ou nfo se gosta. O juizo estético é isso. A experiéncia intuitiva que leva a cle no é procurada. Nao decidimos se vamos gostar ou deixar de gostar.... Nao temos poder de decisio... Acontece de amigos queridos nos mostrarem uma obra de arte de que, desolados, descobrimos niio gostar, ou, 20 contririo, 144 de gostarmos a contragosto de obras que uma pessoa que detestamos nos mostrou. A experiéncia estética é intuitiva, nao tem nada a ver coma légica. Eyidentemente, muitos fatores externos, nao estéticos, entram em jogo. Trata- se ento de trabalhar sobre si mesmo, nfo é tio dificil assim. — Esté querendo dizer que se trata de se defender de algum pati pris resultante de uma experiéncia talvex inconsciente? —Nio, nio é assim que as coisas se passam. Vou lhe dar um exemplo. Degas era um anti-semita notdrio e, no entanto, quando vejo seus quadros, penso que no fim das contas ele era de longe o melhor dos impressionistas... Eu preferiria que tivesse sido Monet, mas é assim... Diante dos quadros da poca boa, no hd nada a fazer... S6 € possivel gostar imensamente... Gosto muito também de Andrew Wyeth... ele est mais para 0 académico, nio longe do kitsch... mas eu o prefito a Rauschenberg ou Jaspet Johns... Nao posso fazer nada... Alguns pensam que digo isto por pura provocacio. Em absoluto. O trabalho de um critico consiste em se desprender das coisas no pertinentes do ponto de vista da arte. S) — Pode precisar sua acepgao do termo gosto? — Ba faculdade de apreciar a arte. —Na condigiio de orttico de arte, 0 senbor enuncia seu judo estético, comunica sen gosto — que é algo de muito pessoal — para convencer... —Nio, 0 gosto é para todo mundo. Ademais, no comunico meu gosto, mas 0 processo desencadeado por ele, Nao ajo de maneira diferente por ser “critico, mas, a partir do momento em que esctevo e proponho os resultados de meu gosto em escala social, busco evidentemente o assentimento. Kant fala dessa busca de assentimento na Critica do juizo. a Nao digo: “Concordem, porque sou eu que estou dizendo”, e sim: “Olhem a arte de que estou falando, e vejam se estéo ou niio de acordo comigo.” As palavras nfo bastam, é preciso olhar. Jé me aconteceu de mudar de opiniao, mas nunca por causa da retérica de alguém, apenas porque fui rever alguma coisa apés ter tomado conhecimento do juizo de alguém cujo gosto eu respeitava, que era capaz de ver. — Que recomendagio faria a um jovem critic? — Olhar de novo, olhar sempre... tantas coisas quanto possivel. A primeira e nica credencial do critico é seu juizo estético. Os melhores textos criticos estao repletos de juizos de valor. Chega de desctigdes ou de hist6ricos, de juizos de valor! As pessoas mais enfadonhas sio as que 145 nio tém opinides ou que nfo as exprimem. Fi a mesma coisa com relagio aos criticos de arte; eles devem dizer do que gostam, do que nio gostam, © que acham bom etc. Manter-se sempre ad hoc. — Como ¢ até que-ponto 0 senbor pensa que a critica pode ou deveria influenciar a arte em elaboragio? Considera que jd 0 fox? — Nio ha tegras para isso. O critico pode ajudar um artista, mas pode também prejudicé-lo. Influenciamos forcosamente um artista ao operarmos uma escolha em suas obras quando vamos ao atelié e assinalamos este ou aquele quadro e nao outros, mas é preciso evitar ser mais especifico, dizer que gostariamos de mais cor aqui e ali, por exemplo, — O senbor tem a impressio de alguma vex ter influenciado um artista de maneira negativa? — Fico feliz em responder que acho que jamais o fiz. Posso estar enganado, é clato, mas no me lembro de que isso tenha acontecido. — Quando vin, pela primeira vex, uma arte americana que tbe tenha parecido superior a arte enrapéia, sobreiudo, no caso, a francesa? : — Diria que foi em 1944, quando deixei o exército. Encontrei Pollock € ,outros artistas dentre os que iriam se tornar os expressionistas abstratos. Com o fim da guerra, a arte francesa dos anos 40 chegou até aqui e achei que ela nfo estava a altura, que a producao americana tinha nitidamente mais forca. — O senhor diria, como quer a lenda, que experimenton um espécie de epifania.ao ver as obras de Jackson Pollock? — Nao, tudo isso foi muito mais Progressivo. Primeiro vi um quadrinho na galeria Art of this Century, de Peggy Guggenheim. Pareceu-me bastante bom. Depois houve uma exposicio, no final de 1943, que me fez pensar que era preciso leva-lo a sério, Mas no fui © Unico a lhe ptestar atengio, John Graham, por exemplo, viu Pollock antes de mim./Por fim, ele fez aquela pintura mutal para o vestibulo da casa de Peggy Guggenheim,|na rua 63, Leste, ¢ foi af que pensei: “esse sujcito deve ser fantastico...”. — De todo modo, de mantira mais geral, 0 choque deve ter sido grande, pois, pouco tempo depois, o senbor, declarou que a arte americana é a melbor do mundo... Como, a seu ver, a arte americana passou de um calibre nacional a um calibre internacional, depois universal? 146 — A qualidade! A qualidade ¢.o frescor. O que me parecia patticularmente decepcionante na arte francesa posterior aos anos 20 era aquele respeito excessivo pelo formato. Havia-se aprendido a ligdo de Cézanne... Cada pincelada remetia 4 forma da tela. Havia aquela espécie de submissio 4 forma do quadro. Tudo devia se encaixat corretamente no interior, como num puzzle. Compreendi entio que a atte vinda de Patis nao tinha a mesma forca e que a raz4o era essa. Os americanos — Pollock, Motherwell, um pouco mais tarde Rothko e Gottlieb — nZo estavam pteocupados com isso, eram mais espontineos, tumultuavam as coisas, por assim dizer, faziam mais barulho. — Mesmo assim, 0 senbor reconhece neles os efeitos da grande arte francesa... —Sem diividal_O expressionismo abstrato se construiu originalmente em Paris, 4 distdncia, Artistas como Barnett Newman ou Adolph Gottlieb nao paravam de torcet o natiz diante da moda francesa, mas tiraram 0 maior proveito dela para sua prépria pintura. Lembro-me de que, nos anos 60, o Consclho Internacional do MoMA havia organizado uma exposicio itinerante de arte americana pelo Pacifico, que devia comegar pelo Japao, em Téquio, depois Quioto. Eu havia sido enviado para lA pelo Depattamento de Estado e compateci ao vernissage da ptimeira etapa, em Téquio, escoltado por meu anfitrifio oficial, um homem muito culto. Ao entrar na primeira sala, ele exclamou admirado: “Como isto € francés!” Ele tinha raz30./Quase todos os artistas da exposi¢ao teriam ficado encantados de ouvir isso, exceto, talvez, Newman € Gottlieb. —Entao 0s americanos tronexeram algo de novo ab que os franceses haviam estabelecida.. A bistiria da arte modernista seria a de uma evolugao progressiva ¢ linear? — No, no ha progresso em arte. Ou antes, talvez se possa falar de progresso dentro de uma tradicao. E, mesmo nesse caso, ha evolugio, nao necessariamente progresso. Por exemplo, nio podemos dizer que houve ptogresso na tradicio ocidental desde o século XV. Houve progresso na fidelidade da teprodugio da natureza ou da figura humana, embora ninguém tenha feito nada melhor desde Vermeer. — Que pensa da maneira como os museus, guardiaes da tradigao, integram a arte moderna e contempordnea? — So todos medonhos, exceto os daqui, dos Estados Unidos. Na Alemanha, os museus costumatn expor a arte moderna nos andares superiores, e estes lembram os pavimentos das grandes lojas de departamento dedicados aos méveis em oferta... A expansio da arte de instalacao nestes 147 ultimos anos me impressionou. Dit-se-ia que a nog&o de instalagio se difundiu muito rapidamente. E tio entediante.... como-as Bienais do Whitney.., Goethe disse que, quando alguma coisa alcanga um sucesso fulgurante, temos todas as razGes pata pensar que nao deve set l4 muito boa... — O que o senhor acha realmente dessa produgao contemporanea que inclui outras disciplinas, que utiliza outros meios, em sintonia com 0 moderno desenvolvimento tecnaligico e psicolégico? Continua pensando que a arte, para ser maior, deve permanecer “pura” (as aspas sao suas)? — Useia palavra “puro” entre aspas porque nao sei o que ela quer dizer, mas foi uma fic¢io Util para os artistas. Quanto 4 arte que faz uso de outros meios, tudo depende do resultado. Até agora ele no é muito conclusive, mas talvez eu nio tenha visto o bastante! A senhora cita Serra e De Matia.), Nao ha muito talento ali... Eles no sio nem bons desenhistas, nem bons escultores. Usam grandes pedacos de aco e as vezes isso funciona, porque é to grande.... De Maria tem algum talento, mas é convencional demais. Flavin também é convencional demais, tem bom gosto demais. | — O senhor disse um dia que a critica de arte era uma disciplina muito “ingrata”... O que queria dizer? Que nem sempre era compreendido? On que, no final das contas, era dificil por em palavras essa experiéncia exclusivamente intuitiva? — Nao ha realmente satisfacao, nao porque o,critico niio é entendido, mas porque ele é apenas um critico. Depois, €é realmente dificil comunicar nossa propria experiéncia de uma obra. Nao é mais facil no caso da literatura, ou da musica. O critico sabe o bastante para saber que nao se pode entrar verdadeiramente-nos “porqués”. Como dizer por que Ticiano é melhor que Maxfield Parrish ou, digamos, Bouguereau? Vemo-nos a repetit os mesmos Iugares-comuns , gastos, os mesmos clichés hagiograficos. — Em outras palavras, o critico de arte se anularia por si mesmo? — Sim, a coisa pode ser posta assim. Nota das organizadoras Trechos de uma entrevista em video realizada por Ann Hindry em Nova York a 17 de maio de 1993, as vésperas do “Coloquio Greenberg”, no Centre Georges Pompidou, Paris, nas dias 19 e 20 de maio, ¢ publicada no Les Cabiers du MNAM, n. 45/46. 148

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