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UNIVERSIDADE FEDERAL. DE SANTA CATARINA, Reitor Liicio José Botelho Vico Reitor ‘Aviovaldo Bolzon EDITORA DA UFSC Diretor Executive Allies Buss Consetho Eaitorial Eunice Sue Noda (Presidente) Coméio Celso de Bras! Camargo Jogo Hemesto Weber ‘José Isaac Plat Lulz Henrique de Aratto Dutra ‘Nileéa Lemos Pelandhs ‘Sérgio Femando Torres de Freitas Ivete Simionato GRAMSCI: sua teoria, incidéncia no Brasil, influéncia no Servico Social | 3° edigdo revisada e atualizada G ® a necesinicnto tora ca usc cone tacne Campus Unive Tncae ua tartira 217 Peres ‘na Ponal 72 5005000 Sio Paulo sP 88010570 Horandptis Sc ‘Batnasesorin 2 6) S31 0m 38 3 6 Buniseces50 ‘yas = conexbevtennoracom be SR educDederauiciy —_uspudrcoeneier com br |Binapawvatedtorauisete Dien erat Pro Robert casio ips Marit cis Amid Neva Sets Mote Supesin tdci "ay Verges Ming eva Gert Sora Des Tis Repine de Sos Fee Cnsopcn (cating ote pl ac Uris ds Tele Fr eS Ct) S55 Sanat hee Gans sun torino Buna no Servic Soca 3 ed. lrimepal fda LFSC. Sao Pri: Caser Editor, 2008, Inc bibograt 1. Gram, Antonio, 189-1907. 2. Senviga Seca Thala TW NIT (Cae Tory SON ESA ered SE) erro toot o iio pubes on Puc pel fora da UPS Carter Earn A Carlos Nelson Coutinho, rmestree amigo. . | Capitu A trajetdria intelectual de Gramsci LI DaSardenha aTurim 1.2 As Cartas €:0s Cadernos do careere 1.3 Aconcepyiode hegemonia 1.4 Osintlectuais eo paride politico 1.5 Ateoriado Estado ampliado 1.6 A.concepytiode ideologia ede filosofia da prxis 1.7 Americanismoe frdismo 22, GRAMSCr snorted Batic Seri Soi 11 Da Sardenha a Turim A passagem do século XIX para oséeulo XX, nareaidade italian, temseu rim marcado po um amplo debate envolvendo pemsdorescomo Spavent, Villar, Labriola, Gentilee Croce, que passamaconsinirocentod debates taliano Esse dete, fecundo rico, ambivalenteecontraditéro, preaunciavs, ao mesmo tempo, © trnsito para um novo mado de pensar, © espectro ‘deol da wad positivist vai cedendo lugar demergéncia dereflexdespermeadas por novos matizes tics, por diferentes Posigbes, que vio ganhando corpo ao longo do tempo. E no contexto desse debate dedi nadia no final doséculo XIX, ‘que mascera Antonio Gramsci. ‘Gramsci nasce em Alles, uma pequena cidade agricola da provincia de Cagliari, na Sardenha, a 22 de janeiro de 1891 Francesco Gramsci é0 nome do pai, cu senbor Cicclo, como era ‘conhecidoem Ghilarz, onde chegaraem 1881 paradiigirocatécio. De origem albanesa, Francesco prtencia.a uma familia de radio militar de Gaeta (seu pai havia sido coronel do exército).Chegoua completar o curso secundatioe estudava advocacia quando teve ue abandonar os estudos devido & morte do pai. A mic ~ Giuseppina Marcias ~ era filha de um coletor de impostos de ascendénciaespanhoa, Francesco Giuseppina tiveram ste ilhos, sendo Antonio o quarto dele. (Os primeiros anos da vida de Gramsci nio foram diferentes ‘daqueles das criangas pobres da Sardenha. Nas modestasescolas clementares de Gilarza, reqUentadas na sua maioria por ilhos de ccamponeses analfabetos, Gramsci sua irma Teresina logo se destacaram, Elestinham, além de uma certa tendéncia para os studs, vantagem de contar coma ajuda da mie na fase inicial de alfabetizacio, 1 Sere ee dette, ver Press (1987) Garin (19), Dis (1987. Cpt: Astin de Grams 2B |A paixdo e o interesse pela leitura, Gramsci jf os hav ‘adquirido desde crianga. Aauséncia de lz nacasa onde morava levava-o, juntamente com arma a fazer pequenas elas de seo para prolongaraleitura durante a nite Ao coneluira quinta série primi, por volta de 1903, Gramsci interrompe os seus estuclos e comega.atrabalhar dez horas por dia rnocartério de Ghilarza, onde carregava pastas de processos que pesavam mais do que ele. ss0 ocorreu devido a pristode seu pai, aacusado de peculato e adulteragio de declaragbes no cartérioem ‘que trabalhava Na diel situago financeiracm que seencontrava, familia, experimentar, desde menino,situagbes bastante Srduas e intrincadas, as quais enfrentard com enorme intrepidez.e, no ‘menos, com evollae ressentimento.. ‘As marcas que levard pela vida io se referem apenas & impossibilidade de prosseguir seus estudos pelas dificuldades familiares enecessidade de abalhar. © ponto de parti darevolta ‘de Gramsci derivava do fato de que somente quem posssia meios financetos poder continuarnaesco, mesmo se noo metecesse particularmente, Essa situagdo gerard no jovem sardo um forte instinto de rebelito e de indignaglo contra os ricos, contra as regras do costume tradicional conservador, contra estabeecido, conta as leis injustas da Sociedade do seu tempo. Gramsci (1967, 1.33) elembrard mais tarde, com um certo tom de revolta: “Qual Tio motivo que mesalvou de me transformar aumengomadinho? ( instinto de rebeldia que, em prinespio, era dirigido contra os ricos, devido ao fato de nao poder estudar, eu que havia tirado rola dez em todas as matérias do curso primério, enquanto 0s, filhos do agougueito, do farmacéutico, do negociante de tecidos ccontinuariam a estudar” Osestudos ginasias esecundrios, Gramsci os competard ainda na Sardenha, onde permanece até 191. Nessaépoca, a sua preocupagio no era com os estudos formais, mas com aleitura 24 ORANSCI: sue inden Bras ntudian Servi Sci [Esse perfodo é mareado por importantes descobertas histSrico- politica, feitasndo somente através dos livros, mas também pelo conhecimento da vida da regito edo pais, oque colaborou para Ueayarnovasorientagdes ao jovem estudantesarda, Jno principio 4 século, Gramsci podia acompankar grande movimentagio que ‘cotta no eens econdmico ¢ politico da lia de ento2 [Nesse periodo, intensos conflitos sociais marcaram a ‘walidade italiana, tendo como consequénciaabaixa prodatvidade agricola, odesemprego, a emigraco em massa, sobretudo para ‘América. dsparidades entre Norte Sul se aciravam de forma crescente. Ao Norte, desfraldava-se a bandeira do progresso econdmico edo desenvolvimento. Notéveiseram os progressos ue apareciam no setor industrial, concentrados na regi setentrional.O Sul, porém, continuava marcado pela forte evolucio dos problemas sociais, fruto da politica de modernizagao conservadoraassumida pelo Fstado aps o processode unificago A inserglo da Ida naera do captalismo ea sua patcipagio no ciruito da economia européia no ocorreram sem consequéncias Ardsticas especialmente para a massa trabalhadora do campo. OS vventos da livre concorrénca exigiam um novo perfil da economia: modemo, arrojado, capaz de assimilar as novas exigéncias do ‘mercado internacional, Dos novos atores do mundo econdmi cexiglam-se, sem davida, upturas com ancien régime italiano, 0 {que nao ocorreré sem privilégios e concessdes do Estado. Os reflexos da nova poltica econdmica atingiam, também, 0 plano Poltco. A ideologia do favor comandavaasrelagdesentreo Estado ea classe burguesa. Gramsci (1954, p.77),em 1920, detecta com clareza esta situagio, ao escrever que “o poder do Estado reocupou-se apenas com a desenvolvimento, mesmo doentio, do capital industrial: protegdes, prémios, favores de todo tipo e de Os aos owns orm res ds esos rela por Fa (1979), "sj (1952, Sats (1987) e Couto 198). Capilo 1: Attn de Gram 25 todia medida. Os campos foram saxqueaos, fetldade esteilizada, ‘as poupangas camponesas iveram que emigrat.O poder do Estado defendou selvagemente 0 capital financeiro. Sao incontaveis na bistéra italiana contomporiinea as mores dos opesirios explorados ras fbricas e das camponeses pobrescolocados na impossibilidade de poder vver pela legislasSo aduancira que exaure solo dest riose florestas” (Os primeirossinsis do Boom industrial comogaram a delinear- sepor voltade 1878 coincidiam coma grande crise aréria vivida principalmente na Sardenha, O aumento do prego des produtos ndustias protegidos pola aif alfandegsrias drenavado campo paraa cidade, do Sul parao Norte,em ritmo intenso, grande parte dos recursos disponiveis. Pouca a pouco, © proprietirio rural se aburguesava e 0s ccamponeses tornar-se-iam massa trabalhadora das grandes indistrias. Aacumulagojntema docapital sefortleciacengendrava rages sociis capitalists, que se ampliavam comocrescimento dda indstriae da produgio agricola canalizada para as cidade. inamizava-se, assim, aeconomia ob aégide do capital industrial ce criava-se um grande quadro ilusGrio de ascensio social para aqueles que eram atraidos pelas fabricas e pelos ventos do progresso, Posto em marcha por vias sinuosas, 0 crescimento ‘econémico fcilitou aevasio do campo para a cidade, aprofundou a8 contradigdies jd existentes, desencadeou novos contlites & antagonists scias, marginalizoua partcipacSo popular CO capitalismo nascente emergia marcado, sem dvi, por um forte processo deexcluso, O grande contingente de camponeses passa a ser exclude de qualquer forma de cidadania, Integrado a0 ‘mereado de trabalho, ocarnponésformava uma classe poco defnida. Se, por um lado, anunciava.aemergéncia do subproletariado rural, apresentava-se, por outro, aruigado ao modo de sere de pensar ‘prSpro do campones meridional, como bem o acentua Fiori (1979, 26 GRAMSCr: ster cdinciano Br ntti Serva Sci 143): "Individuaismo,relutaneia a cooperacio,passivdade, med Ge perder oemprego, Poderiam agiratravésde una revolia violent, ‘mas nunca com uma ia paciente ediscplinada”. Noplano imedistamente politico, a Sardenha nio dispunha, de qualquer tipo de organizacao capaz de disciplinararevolta dos ‘camponeses, pois “os partidos no existiam ano sercomo cientela, ideologicamenteapagada, de poderosos agentes de beneficios. A ‘magonaria, mesmo exaltand os nimos,ndocra outra cosa se ‘odisfatce do grande jogo burgués” (Fiori, 1979, p40), "Noperiodo de 1900. 1910, alta destaca-se como um pais «emifranco desenvolvimento e progresso. AoNore, 2s grandes ébnicas se multplam, renovam-se as culturasno vale do P6,formam ses _randes orgaizagées operas, surpemas Camaras de Trabalho com, scores de um ambiente renovado, todo um povo trabalhae Tuta ‘para melhorar as priprias condigdes de existéncia e toda a Itiia parece ligada um impulso nove, a um ove impeto para progress, para obem-estar, para liberdade(Togliati, 1972, p49), ‘A Sardenhaestava,contud, fora desse processohistrico. Permanecia ats, no participevadesseimpulso,continuavalizada As velhas estruturase as velhas condigdes socins, &etema miséria ceatraso de fois camadas da popula insular. Gramsci (1967, 1.5) sentia como uma injustiga profunda ofato de que, na nag italiana, houvesse essa divisio, "essa fenda que colocava, de um Jado, a8 regides avangadas e, de outro, as regides, como @ ‘Sardenha, a Sicilia todas as outras da Itlia meridional, quais| parecia que o progresso era sempre negado”. O pais era visto porele como se fossem duas lias: uma facilmente vistvel aos ‘thos do mundo, moderna, em plena expansio; a outta eivada de contradigies, exclufda, explorada, oprimida, colocada 3 _margem pelo capitalisto nascent, Por estimulos e influéncias diversas, © modo de sent regionalista foi se desenvolvendo em Gramsci, comoem outros, Capi: A ttirininectal de Grace ” {ovens intelectuas sardos daguele tempo. Influgneias advindas da prépriaistéri secular dos dominados, que no haviam permitido a Sardenha possuir uma vida histérica propria, ¢ dos novos

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