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Inato versus adquirido: a persisténcia da dicotomia’ Emma Ota Fernando Leite Ribeiro Vera Silvia Raad Bussab! Universidade de So Paulo Resumo Abstract A hist6ria da dicotomia inato The dichotomy innate-ac- versus adquirido nas ciéncias do quired has a long and controver- comportamentoélongae contover- sial history in the Behavioral sa, 0 que se deve particularmente Sciences, particularly because as intensas reagdes contririas a0 of strong reactions against the lado inato da oposig@o. A heranga innate side of the debate. The de padrdes comportamentais tem inheritance of behavior has been sido severamente subestimadatan- severely underestimated by topelos behavioristascomo porou- behaviorist and also by other tras correntes como apiagetiana. A traditions like that initiated by dicotomia persiste, apesar das ten- Piaget. In spite of attempts to tativas para negé-la, simplesmente deny it, the dichotomy persists porque parece ser real ¢ necessé- simply because it scems to be ria, Nioé adequado classificar “uni- true and necessary. It is not sen- ® Lanate ve. sequined: the persistence of the dichotomy ' Bndereso para correspendéncias: Departamento de Psicologia Experimental, Instuto e Psicologia, USP, Av. Prof. Mello Moraes, 1721, 08508900, So Paulo, SP (E- imal: tsbussab@usp.br, Giribel@usp.br ¢emmaotia® wip.br), Trabalho desenvolvida ‘com apoio do CNPS. Reviets do Clgncias Humanas, Flosanépolis: EDUFSC, 2.34, p:283-311, outubro de 2003 284 — Into versus edquirid: a pessistnca ds dicotomis dades” inteiras de comportamento como inatas ow adquiridas, mas 0 poder do efeito genético éinquesti- ondvel, mesino quando 0 foco da discussio é © homem, Emogies € outros fenémenos afetivos sio tio importantes quanto os comporta- mentos através dos quais se mani- festam. Sto apresentadas evidén- cas de que é impossfvel explicé-tos exclusivamente através de proces- 0s de aprendizagem. Diferentes reas de investigacio— incluindo 0 estudo da cognicao—tém mostrado 2 importincia da genética para a compreensio de fenémenos psico- Iogicos. Estudos de gémeos mono- Tigéticos ¢ dizigéticos, criados jun- tos ou separados, demonstram ine- quivocamente 0s efeitos dos genes sobre comportamentos e caracteris- ticas psicoldgicas de um modo ge- ral. Estudos de Psicopatologia si pacticularmente clucidativos daim- portincia e complexidade dos efei- tos genéticos. Depois de apresen- tar evidéncias dos efeitos do genes sobre comportamentas e processos psicologicos, so examinadas con- cepgdes equivocadas de determina- ‘go genética, envolvendo justifica- tiva de status quo e situagdes de inighidade social, dorado das mu- Theres pelos homens ¢ racism. Palavras-chave: Cultura, aprendi- zagem, hereditariedade, gémeos, Biologia, Psicologia Evolucioniria Revista de €3 cias Humanas, Floranspoli: sible to classify whole “units” of behavior as either innate or ac- quired, but the powerful gene- tic effect is unquestionable, even if the discussion is restricted to humans. Emotions and other affective phenomena are just as important as their overt behavi- oral displays, and available evi- dence shows that it is impossi- ble to explain them exclusively by learning processes. The im- portance of genetic determi- nants of psychological proces- ses~ including cognition —is re- ceiving growing attention in di- fferent areas of investigation. Studies of monozygotic and di- zygotic twins reared apart and together, have revealed impres- sive evidence of genetic effects ona wide variety of behavioral and psychological traits. Men- tal illnesses are substantially he- ritable. After an examination of evidence on the magnitude and complexity of heritability in behavioral and psychological processes, some misunderstan- dings were addressed, such as the idea that biological determi- nism is antithetical to social or political change and justifies se- xism and racism. Keywords: Culture, learning, he- reditarity, twins, Ethology, Evoluti- onary Psychology. EDUBSC, 34, p283-311, cutubro de 2003 Exma Otta, Fernando Late Ribeiro € Vere Svan Road Bassab —~ 285 Introdugio A nogdo de heranga de caracteristicas fisicas e psicol6gicas, bem como a de sua aquisigéo por influéncia do ambiente sao catego- tias de pensamento de nossa cultura, Expressoes como “tal pai, tal filho”, “dize-me com quem andas [...]", “éde pequenino que se torce 0 ‘pepino”, “quem puxa aos seus nao degenera”, mostram que a idéia de classificar aspectos psicolégicos dos individuos, ora como inatos, ora como adquitidos, faz parte da cultura popular. A observagao informal de animais domésticos e de pessoas cer- tamente foi o que det origem a dicotomia, apesar das enormes com- plexidades, tanto da transmissio genética, quanto dos efeitos do am- biente, Foram essas mesmas complexidades, no entanto, que impedi- ram que a observacao cotidiana, ainda que interessadac intensa, como no caso de criadores de animais, agricultores ¢ educadores, chegas- se a algo mais do que alguns conceitos confusos. Por mais que se acumute a experiéneia ingénua, a trama de semethangas ¢ diferen- gas entre pais e filhos ¢ um desatfio dificil demais para a informalida- de, Somente quando 0 assunto foi examinado com um esforgo cienti- fico formal foi possivel chegar a uma conceituagao coerente da vaga idéia da heranga, F os efeitos do ambiente, nao obstante todo 0 em- penho cientifico do século XX, ainda néo receberam uma organiza- Go conceitual equivalente a da genética. HA cerca de 135, anos Francis Galton (1822-1911), a propésito destas questies, cunhou a expresso “natureza e criagio” ou “natureza e educacdo” para se referir As duas principais fontes de diferencas indi- viduais ~ genética ¢ ambiente (PLOMIN E MCCLEARN, 1993). Gal- ton usou os termos da dicotomia, nature versus nurture, parafraseando Shakespeare, que na obta The tempest usou a expressio nature murtu- repara se referir aos elementos que compdem a personalidade, valendo- se do sugestivo jogo de palavras sugerido pela teferida expresso na \ingua inglesa? (RIDLEY, 2003). © tena “natureza-criagdo” continua atual na Psicologia; a dicotomia persiste. Em diferentes dreas recebe diferentes nomes: 2) nativismo vs. empirismo, nas dreas de sensagio ¢ percepeao; b) maturagao vs. aprendizagem, na psicologia do desenvolvimento; 1 dev bor ded, n whose mtr ae can never sic, dd yr Pree + Catt no at oa Revista de Ciencias Humanss, Flosandpolis: EDURSC, 2.34, 9283-311, outubno de 2003, 286 — Inato vereasadgirdo: persitéacia da dcctomis ) aprendizagem geral vs. aprendizagem preparada, nas dreas de apren- dizagem e cognicao; d) hereditariedade vs. ambiente como determi- nante da variagio humana, na psicologia das diferencas individuais (KIMBLE, 1993). No século XX deu-se um confronto entre os dois pélos da dico- tomia, em grande parte devido & oposigio entre etdlogos ¢ psicdlogos behavioristas. Os et6logos, por sua formagdo zoolégica, ¢ entusias- mados com algumas descobertas de grande repercussio, julgaram- se proptietérios do comportamento. Afinal, depois do enorme pro- gresso do conhecimento biolégico de anatomia e fisiologia, teoria da evolugdo e outros avangos, o comportamento do animal integral era a iiltima drea a ser submetida ao pensamento cientifico. Ao chegar a ela, deram-se conta que os psicélogos a tinham invadido, com estra- tégia de pensamento ¢ método completamente diferentes do que su- geria a vitoriosa tradigao biol6gica. f verdade que o Behaviorismo recebeu do fisiologista russo Ivan P, Pavlov (1849-1936) um impulso conceitual mais forte, a idéia de condicionamento. No entanto, Pa- vlov estava longe do Ocidente, e foi facil superar esse toque bastar- do € considerar a Psicologia como proprietéria do comportamento. Acresce que 0 ambiente filoséfico predominante favorecia 0 empi- rismo, ¢, assim, 0 Bchaviorismo procurou acomodar todo seu objeto a nogio de aquisic&0, rejeitando, explicitamente, o polo oposto da dico- tomia. E de outras dreas da Psicologia, alheias ou mesmo avessas a0 Behaviorismo, nao surgiu nenhum movimento forte de resisténcia contra 0 predominio do adquirido sobre o inato. Na obra de Piaget, por exemplo, nao obstante sua formacao bioldgica, todo o empenho conceitual ¢ metodolégico voitou-se para a aquisi¢ao, e pouco mais do que algumas estruturas gerais foram concedidas ao inato. Occonfronto era inevitivel. Os psicblogos viram nos et6logos uma certa fragilidade conceitual, em comparago com as discuss6es internas da Psicologia, e também uma lassiddio metodolégica, em contraste com seus elaborados instrumentos de mensuragao e tratamentos estatfsticos. Eos ctélogos denunciavam a ingenuidade ou a pretensio desmesurada de uma Psicologia que nio observava a natureza ¢ que se restringia a ‘uma ou duas espécies, colocando-as em ambientes tio artificiais que o comportamento patecia reduzido a algumas reagdes de preparagées fi- siolgicas, sem dar-the oportunidade de exibir toda a sua natureza. Revisa de Ciéncias Humanas, Plorianépolis: EDUFSC, 2.34, p.283-311, outubro de 2003 nana O«s, Fernando Lele Riveiroe Vera Siva Raa Bussab —- 287 No confronto entre nativistas ¢ ambientalistas, uma parte impor- tante da questo resulta da complexidade da prépria nogo de compor- tamento. Nao é facil descrevé-lo nem medi-lo. Nao hé unidades ade- quadas, Nossa linguagem, 20 dizermos que este comportamento é inato ou aquele € adquirido, esté carregada de imprecisdes. Ao dar como certo que, se é inato, nfo adquitido, e vice-versa, é enorme a proba- bilidade de estarmos errados a respeito de componentes ou aspectos do comportamento em questi. Em casos especiais, nos quais esto implicitos varios pressupostos, esse tipo de afirmago pode ser razoa- velmente aceito, Ao dizer que 0 choro de um recém-nascido é inato, ou ‘que um utso, 20 andar de bicicleta, esti fazendo algo adquirido, senti- ‘mo-nos razoavelmente seguros de nossa linguagem, Mesmo assim, pelo ‘menos no caso do urso, precisamos dar como subentendido que a afir- maga se refere & montagem do conjunto todo, ¢ no aos seus compo- nentes (equilibrio, coordenacbes, etc.). Contudo, 05 casos especiais servem apenas como instrumen- tos de retérica na discussio sobre a dicotomia, Em muitos outros, 0 que se vé & que a escolha entre inato ¢ adquirido nao pode ser feita ara 0 conjunto completo que estiver sendo estudado. Sempre seré possfvel mostrar que este ou aquele componente escapa nogo ra- dical de “puramente” inato ou adquirido. Outra ingenuidade, nessa discussio, é atribuir ao inato caracteristicas que, teoricamente, ele ndo precisa ter: inevitabilidade ¢ imutabilidade, E a contrapartida disto & que o fato de sofrer alteragdes resultantes da experiéncia no impede que um dado aspecto do comportamento seja inato. As informagdes genéticas orientam a construgio do sistema nervoso central, assim como os outros sistemas, dando-lhe uma or- ganizagao que é muito mais complexa do que uma simples maquina de aprender. O estudo do comportamento animal mostra abundante- mente que 6 possivel nascer j@ conhecendo um vasto ¢ relevante conjunto de caracteristicas ambientais e jé sabendo o que fazer dian- te delas (ALCOCK, 2001). Nas dltimas décadas do século passado, depois de um verda- deiro confronto entre ambientalistas ¢ nativistas, duas conclusdes importantes, para cettos autores, foram: a) a impossibilidade de quali- ficar © comportamento como inato ou aprendido, na medida em que ele € sempre produto complexo das duas fontes de determinacao; Reviste de Ciducias Humanss, Florzndpolis: EDUFSC, 34, 9283-311, outubro de 2008, 288 — tnato versus adgusdo: a persitéacia da dicotomia ¢ b) a necessidade de orientar as pesquisas para a identificagao do processo pelo qual os fatores inatos ¢ adquiridos se integram (ADES, 1986; HINDE, 1973). Bsta concepedo ainda ¢ atual e vem sendo reite- radamente afirmada, Entretanto, 0 que se tem assistido desde a sua formulagio nao tem sido uma assimilagdo efetiva desta idéia, mas sim sucessivos renascimentos da dicotomia. Hé uma forte resistencia em, admitir qualquer controle genético sobre o comportamento, especial- ‘mente © humano, em parte por mats entendimentos do que seja 0.con- trole genético. Mata-se a dicotomia e ela ressurge das cinzas, tal qual Fenix. Os reaquecimentos constantes da polémica sfo reveladores da necessidade de aprimoramentos conceituais. A nossa tese € que a di- cotomia persiste porque ela é necesséria. As tentativas de se abando- nar um dos lados, especialmente as tentativas de abandonar © inato, tém se revelado pouco iiteis. Emogoes O terreno das emogdes € particularmente propicio para a identifi- cago das determinacdes genéticas sobre o comportamento e para re~ flexdes sobre a dicotomia inato-aprendido. Quem nos ensinou a ficar alegtes ou a sentir tristeza? A propria palavra desperta emogGes © re- mete &s emogées reconhecidamente primarias: alegtia, tristeza, medo, raiva, surpresa e repugndncia, assim como as considetadas secundérias, vergonha, citime, culpa e orgulho, ¢ ainda as emogdes de fundo, como calma ou tensdo. Todas elas universais, ‘A emogo nos acompanha em nossa vida cotidiana. Tem inspira- do 08 escritores, os milisicos © os potas, © também 05 etdlogos e 0s Psic6logos. Nao € por acaso que as emogbes estio presentes nos dois extremos da Btologia, desde sua origem até agora. O nome de Charles Darwin (1809-1882), criador da teoria da evolugao, que foi umetdlogo antes mesmo que a palavra tivesse sido inventada, destaca-se por sua influencia em determinaro modo como se pensa hoje. respeito de emo- ges, A sua obra The expression of the emotions in man and animals, publicada em 1872, é um cléssico na érea. Darwin sustentou a natureza inata de grande parte da expressio ‘emocional, baseando suas conclusdes em evidéncias que ainda podem ser consideradas atuais: o aparecimento precoce em bebés, antes de haver oportunidade suficiente de aprendizagem: a similaridade de forma, [Revista do Cidnclas Humanas, Flaranépolis: EDUFSC, 9.34, » 283-21 -eutubeo de 2003 Enna Ota, Ferando Leite Ribeiro ¢ Vera SAvia Road Bassa comtexto e funedo entre individuos com experiéncias notadamente diferentes entre si, como entre pessoas cegas e com visio normal, e entre diferentes grupos cufturais humanos, e, finalmente, as homolo- gias ¢ analogias reveladas pelos estudos comparativos de diferentes espécies animais. Desse modo, 0 estudo das emogées foi posto no contexto evolutivo, ¢ foi colocada a questo funcional: de que forma uma particular emogo ou um comportamento ajuda na sobre viven- cia? Darwin produziu uma série de hipsteses e de observagdes que servem de guia para a Etologia até hoje. No entanto, apesar desta origem tao nobre ¢ antiga do interesse por emogdes, a Ftologia, da mesma forma que o Behaviorismo, apegou-se & idéia de comporta- ‘mento para definir seu objeto. Outros assuntos, tais como sensagio, petcepcio, emagao, sentimento, cognigdo, sonhos, que fazem parte indiscutivel desse objeto, ficamna periferia, quando muito, como apén- dices do nicleo comportamental. Tal distorgdo se deve, principal- mente, a dificuldades metodolégicas. S6 agora, na ponta mais atual da Ftologia e da Psicologia Evolu- tiva, a emogio reaparece com forga total. Hé quem diga que o sécu- Jo XX foi o século da razao e que agora estamos recuperando a emo- gio (DAMASIO, 1994, 1999). Talvez seja um exagero, porque em certo sentido 0 século XX também foi o século do apego, da expres- sfio das emogdes, do comportamento nao-verbal e da redescoberta do valor sério da brincadeira (Ribeiro et al.. 2004). Mas, de fato, esta em andamento uma releitura das emogdes. Novas tentativas de inte- gtagdo da razdo com a emogao também esto sendo ensaiadas (MOR- RIS, BRAMHAM e ROWE, 2003). Na moderna Psicologia Evolucionéria as emogdes tém sido entendidas como programas superordenados que coordenam mi tos outros, ou seja, como solugdes de problemas adaptativos de mecanismos de orquestrago; organizam percep¢des, atenedo, in- feréncia, aprendizagem, memoria, escolha de objetivos, priorida- des motivacionais, estruturas conceituais, categorizacdes, reagdes fisiolégicas, reflexos, decisdes comportamentais, processos de co- municagao, niveis de energia e de alocagao de esforgos, coloragio afetiva de eventos e de estimulos, avaliagdes da situagao, valores, varidveis reguladoras, como auto-estima, e assim por diante (COSMIDES e TOOBY, 2000). Revita de Cidnciae Humans, Florandpelis: EDUFSC, 04, 283-311, outubro de 2008 290 — Inato versus adguirid’ persistéacia du dicoromia Uma emogao nao se reduz a uma categoria de efeitos, como alte rages fisiol6gicas, inclinagbes comportamentais, avaliagées cogniti- vas, ou sentimentos, pois envolve todos estes niveis, assim como ainda outros mecanismos distribuidos através da arquitetura fisica e mental. A estrutura da atencao € regulada pelas emogdes. A preocupaciio es- treita a atencao; as emogses positivas alargam-na, O nivel de ativagtio depende da emogio. As alteragbes fisioldgicas, como mudangas cir- culatorias, respiratorias, endécrinas, dependem da especificidade da emogo em jogo. Limiares de contragio muscular baixam em certos casos e aumentam em outros, revelando o valor adaptativo da reagao. Outro exemplo do ajuste funcional das emogGes é a alocagio de rea~ ‘ses imunol6gicas no nojo. Cada emogao atua sobre Virios outros programas adaptativos, desativando alguns, ativando outros e mudando os pardmetros de ter- ceiros, permitindo que todo o sistema opere de modo eficaz e harmo- nioso, toda vez. que se defrontar com certos tipos de condig6es. Con- forme andlise de Cosmides e Tooby (2000), numa situacdo tipica de medo, como quando uma pessoa esta sozinha & noite em lugar estra~ tho, ativa-se 0 circuito de detecgao da presenga de alguém ameaga- dor ou de algum animal. Ocorrem mudangas na percepeao ¢ na aten- ho, exemplificéveis pela mudanga de limiar aos pequenos ruidos. Hé mais detecedo de perigos A custa do aumento de alarmes falsos. A mudanga motivacional é notavel; a seguranga ganha prioridade maxima, Nao se tem mais fome, no se pensa mais em conguistar um namorado, ou em treinar nova habilidade. Ha um redirecioy mento de objetivos: onde esté meu bebe? Minha mie? Onde esto meus amigos? Onde estéo os que podem me proteger? Ganham pri oridade determinadas categorias, como perigoso ou seguro. As rea- Ges fisioldgicas parecem depender da natureza exata da ameaga e da melhor maneira de enfrenté-la. Convém notar que estas emogoes no so necessariamente conscientes, No curso da evolugao, a légica funcional das emogdes ganhou sua sofisticada elaboragdo para resolver problemas ancestrais. Ne- nhuma maquina jé desenvolvida pelo homem conseguiu alcangar acom- plexidade do maquindrio natural. Programas de emogdes que levam os individuos a se engajatem em atividades aparentemente sem sentido ‘em curto prazo, como luto, brincadeira, fascinagdo, culpa, depressio, Revise de Ciéncias Humanas, Flriandpolis: EDUFSC, 0.34, 283-311, outubeo de 2008 imma Ota, Ferando Leite Ribelro ¢ Vera Siria Raad Bussab — 291 sentimento de triunfo, devem ser analisados em termos de como mo- dificam a arquitetura psicolégica para beneficios que devem ser ava- liados estatisticamente e em longo prazo. A funco destes estados emocionais deve ser compreendida com base na anilise de suas po- tenciais conseqhéncias, como ganhos de conhecimentos, modifica- ges de prioridades motivacionais ¢ reorganizacao do conjunto de escolhas de variveis. A hipétese de Cosmides e Tooby (2000) & que emogdes espeet- ficas ativam sistemas especificos. A felicidade, por sua vez, sinaliza ‘oportunidade para brincar e para explorar (FREDERIKSON, 1998), O processo de memorizacao é afetado pelas emogdes. Os eventos ‘mais emocionantes podem ser memorizados em detalhes. A suspeita de traigo do marido pode trazer 4 tona uma torrente de lembrancas de pequenos detalhes que pareciam sem sentido na ocasio. Meca- nismos altamente especializados de aptendizagem podem ser ativa- dos, como no exemplo do desenvolvimento tipico de aversio alimen- tar, notavel por poder ocorrer apés uma tinica experiéncia, mesmo quando os efeitos desagradaveis so sentidos apenas muito tempo depois da ingestio GGARCTA, 1990), ou como nos bem conhecidos condicionamentos de medo em primatas, nos quais se verificaram facilidades marcantes para o desenvolvimento de alguns medos, como © de cobras, em contraste com dificuldades para a aprendizagem de outros, como de flores. E muito mais facil aprender a sentir medo de cobras do que de flores (LEDOUX, 1995) A propria coloragio afetiva dos eventos pode ser entendida como uma forma de aprendizagem, ao impregné-los com atributos como perigoso, doloroso ou alegre, Nesse (1990) considera que a fungio do humor é refletir o quanto certo ambiente é propicio para a ago. A suspensio de atividades comportamentais na depressio, acompanhada de intensa atividade cognitiva, sugere esforgo de reconstrucio de modelos do mundo, eliminando as condigdes que levaram & propria depressio, muitas vezes associadas a fracassos em investimentos comportamentais intensos, incapacidade de manter contato afetivo ‘com uma determinada pessoa ou conservar uma situaco social. Por outro lado, a alegria € uma resposta a um acontecimento inespe- radamente favordvel que amplia as escolhas e acentua 0 interes- se, permnitindo a liberagdo de novas energias num rumo confidvel Revista de Cigncias Hamanss, Ploriandpolis: EDUFSC. n.34, p.283-311, outubro de 2003, inio versus aqui: a persitéecia da dicotomia Culpa, luto, depressio, vergonha, gratidio, enternecimento, atragio se- xual so promotores de alteragées dos espectros de escolhas e dos graus de intetesse. Por exemplo, reelaboragSes pos-traumitticas tipicas so cconstituidas por repeti¢des sucessivas das imagens do evento traurnsti- co. Depois de um estupro, tais reelaboragdes podem durar de 6 a 18, meses € cessar repentinamente, como se estivessem sendo extraidas, durante este tempo, todas as informagdes possiveis, num processo de aprendizagem complexa ¢ terap8utica, Importa notar que hé um grande inventitio de sabedoria de alta qualidade incluido nestes programas. O oérebro foi projetado pela evolt- Ho para usar informagées derivadas do ambiente e do proprio organis- ‘moa fim de regular fumeionalmente o comportamento. 0 préprio corpo, € isto retine aspectos cognitivos e emocionais. Como reunir aprendiza- germ com amor, citime e nojo? O termo cognigao é as vezes usado para se referir a um tipo de pensamento deliberado, voltado para uma solucdo de problema, como na Matematica ou no jogo de xadrez. Um pensamen- 10 “frio”, isento de paixiio. Este uso aparece na Psicologia, quando se separa pensamento de sentimento ¢ emocio. Do ponto de vista da perspectiva evolutiva, o conceito de cognigaio tem de servir para todas as atividades cognitivas, “quentes” ou “frias", € no para algum subconjunto de operagGes. Esta visto da perspectiva evo- Tutiva abe novas possibilidades de investigagtes, obscurecidas por outros esquemas. Esta perspectiva vem sendo corroborada de diversas maneiras (por exemplo, MORRIS et al., 2003). Uma descoberta heuristica decor reu da demonstragio de que sem emogio a rezio parece néo funcionar. ‘A demonstracio cléssica veio da descricdo do caso de Phineas Gage, atendido pelo médico Harlow em 1848, cuja andlise foi retomada pelo casal Damdsio, Depois de um acidente durante uma etapa de cons- truco de uma estrada de ferro, na Inglaterra, em que uma explosio de pélvora fez com que uma barra de ferro trespassasse sua cabeca, pro- vocando danos no lobo pré-frontal, este paciente apresentou alteragdes de natureza especifica. Surpreendentemente, ele sobreviveu e retormou ‘a consciéncia logo depois do acidente. Preservaram-se as capacidades de meméria, de linguagem e outras capacidades intelectuais. Porém, ele mostrou profundas mudangas no seu comportamento social, com ines- peradas auséncias de emocionalidade, pela falta de cuidados no trato com os outros, antes marcantes em sua personalidade, e pela tremenda dificuldade para tomar decisGes. Revista de Ciéncias Humanas, Floiandpoliss EDUFSC, 234, p.283-311, outubro de 2003 ma One, Femiando Leite Ribeiro # Vera Silvia Read Bussad — 293 A reanélise deste caso antigo e de alguns pacientes atuais levou Damisio (1994, 1999) ao desenvolvimento de uma teoria de marcadores somaticos, em que considera que no processo bdsico de tomada de deci 62s estd envolvida uma pré-selecdo emocional; ou seja, sem emocio a razio nao funciona. Através deste raciocinio, cai por terra aidéia de que arazdo nobte, sem emogGes, funciona melhor. Por mais que possamos ter dividas quanto 2 teoria dos marcadores somaticos desenvolvida por Damiésio, que, alids, aparentemente, nfo teve o impacto que seria de esperar nas Neurociéncias, parece que o principio do entendimento das razes da emoggo vale a pena. Hé, de varias fontes, um entendimentoe uma redescoberta do papel da emogio. ‘Tudo isso sem contar com o jé bem conhecido papel das emogdes na regulagdo social. Além de cumprir um papel na organizagao dos processos psicoldgicos individuais, as emogdes tém reconhecida fun- dona organizagao social. A expresso invohmmtéria de emogoes uma chave para 0 entendimento da vida social da espécie, reveladora de sua ecologia social. Pode-se considerar que o entendimento da impor- téncia adaptativa da comunicacdo animal e do processo filogenético da ritualizacao tenke sido uma das principais contribuigdes da Etologia classica (ver, por exemplo, CARVALHO, 1998). Express6es especifi~ ‘cas anunciam as emogdes humanas universais, geradas em contextos semelhantes € associadas a reagdes padronizadas, conforme tem sido demonstradoem muitos estudos interculturais (como em EIBL-EIBES- FELDT, 1989; EKMAN, 1994). Nio é facil definir emogdes, sentimentos, sensagBes, percepgies c estados de consciéncia, O que se nota, na histéria da Psicologia, em particular na sua evolugdo recente, € que os investigadores que nao se deixam deter por dificuldades conceituais tém feito descobertas de valor incontestével. Sao contribuigdes inimagindveis em ambientes académi- cos nos quiais, em nome de uma discutivel assepsia conceitual, esteriliza~ se grande parte do préprio objeto da Psicologia. E insensato desprezar 95 problemas de conceituacao, No entanto, € bem possivel que o melhor caminho para promover o progresso teérico seja estudar os fenémenos ‘mal definidos da melhor maneira possfvel, em vez de deixé-los no limbo, ‘ou negar sua propria existéncia. Tampouco deve levar-nos a ignoré-losa auséncia de modelos de aprendizagem que explique sua origem, reme~ tendo-0s 20 polo inato da dicotomia. Revista de Citncias Humsnas, Ploranépolio: EDUPSC, n:34, p.283-31 outabro de 2008 294 — ato versus adie: a pessstincia da dicoromia Os estudos de gémeos € a dicotomia inato x aprendido ‘Os nascimentos de gémeos idénticos nos colocam diante de um arranjo natural especial para o estudo dos efeitos dos genes sobre os comportamentos ¢ sobre as caracterfsticas psicol6gicas de um modo geral. A natureza nos presenteou com um experimento natural raro 20 produzir um nascimento de gémeos idénticos a cada 250 partos e um de gémeos fraternos a cada 125 partos, Mesmo entre os animais, isso no € comum; como se sabe, uma ninhada de camundongos ou de cies no é composta por gémeos idénticos (RIDLEY, 2003). Aotracar a hist6ria da controvérsia inato versus aprendido, Ridley identificou a origem da dicotomia no trabalho clissicode Francis Galton, justamente num estudo de gémeos, em 1864. Apesar das limitag6es metodoldgicas deste estudo inicial de 35 gémeas idénticos e 23 nao idén- ticos, Galton apresentou todos os fundamentos sobre os quais se assen~ tam as pesquisas atuais. Hoje, se dispde de bases de dados notaveis, com tamanhos de amostras que chegam a milhares ¢ com representa- Gio de diferentes faixas etdrias, da inffincia a velhice, e de diferentes paises — por exemplo: Estados Unidos, Austrélia, Finlindia, Noruega, Suécia, Holanda e Inglaterra (GOLDSMITH, 1993). Estudos de géme- 08 idénticos e fraternos podem ser complementadas por estudos de ado- Gio ¢ gémeos criados em separado, Acumulam-se evidéncias empiricas (BOUCHARD et al., 1990, MCGUE et al., 1993) de que efeitos genéti- cos estiveis explicam aspectos estéveis do temperamento na infiincia & da personalidade no inicio da idade adulta. Os estudos de gemeos parecem preencher todos os requisitos para atender ao raciocinio bésico dos estudos de genética do compor- tamento. A comparacdo de gemeos monozigéticos versus gémeos di- zigéticos, criados juntos ou separados, tendo ainda como parametro dados de outros irmiios, naturais e adotivos, parece Permitir a concre- tizagio, em ambiente natural, de todos os controles necessérios para o estudo de efeitos do ambiente e da genética. Mesmo assim, os estudos de gémeos ficaram relegados até o final da década de 70, talvez por causa das possiveis falhas metodoligicas e dos proviveis desvios ideoldgicos, conforme Ridley (2003) assinala em revisio do assunto, Nessa ocasiio, um reencontro de irméos gémeos depois de 40 anos de separacdo, Jim Springer ¢ Jim Lewis, anunciado pela imprensa de Minneapolis, chamou a atengo de Thomas Bouchard. Revista de Citnclas Humanas, Florianépolis: EDUFSC, 0.34, p.283-311, outubro de 2005, Emma Ota, Feruando Leite Ribeiro e Vera Sivta Raed Bussab — 295 ‘O estudo que ele entdo realizou com os irmaos Jim revelou uma lista impressionante de semelhangas, quanto a aparéncia, vo7, corpo, hist6- ria de saiide, dor de cabega, hibito de fumar, pressio alta, hemorréi das, gostos ¢ preferéncias. Ocorreu a Bouchard uma completa inver- sto do raciocinio vigente, na suposigao de que gémeos idénticos eria- dos em separado poderiam ser ainda mais parecidos do que os criados juntos, pois na mesma famflia as diferencas poderiam ser exageradas, tese que depois se confirmou em varios estudos subseqiientes. Os gé- meos separados mais cedo eram mais semelhantes entre si que aque~ Jes separados mais tarde, (0s primeiros estudos de gémeos feitos pot Bouchard, que nos trés anos seguintes conseguiu reunir e examinar 39 pares de gémeos, ainda receberam severas criticas, com acusagbes de énfase exagerada nas semelhangas, descuido quanto a0 tempo de contato anterior e as semé Ihangas de educago, 0 que 0 levou a realizagio de pesquisas minucio~ sas, incluindo também gémeos dizigéticos criados em separado. Ao far zer isso, Bouchard encontrou uma safda brilhante para a armadilha con- cceitual que impedia qualquer progresso no entendimento dos efeitos ge- néticos e ambientais; sempre era possivel alegar potenciais semethangas ambientais para justificar as semelhangas psicolégicas e assim anular qualquer indicagio de efeito genético. As caracterfsticas dos gémeos monozigéticos passaram a ser analisadas com parémetro nas semelhan- gas de gémeos dizigéticos, outros irmios¢ filhos adotivos. Segundo este raciocinio, as diferencas entre as cormclagbes de gémeos monozigéticos ede gémeos dizigéticos, criados separados nos dois casos, assim como as diferengas entre os dois tipos de gémeos criados juntos, podem apon- tar a magnitude da influencia genética, bem como a do ambiente, para & variago de cada trago psicolégico investigado. (O que estava em jogo na época era a hipstese “nada nos ge- nes”; acreditava-se piamente que existiriam enormes diferengas de personalidade entre gemeos idénticos que fossem criados em sepa- rado. Os estudos de gémeos produziram uma verdadeira revolugio nna compreenso da personalidade. A pesquisa realizada por Bouchard ficou conhecida como o Estado de Minnesota de gemeos criados em separado (Minnesota Study of Twins Reared Apart - MISTRA), ¢ trouxe & tona novas questdes ¢ compreen- ses para o entendimento da dicotomia, Por exemplo, Bouchard (1997) Revista de Cisncias Humanas, Flerianépo EDUFSC, n34, p.283.311, outubro de 2003 296 — alo Versus aduirdo: a persinneia de cota reanalisou os dados da aplicago de um teste vocacional; a medida de cortelacdo dos gémeos monozigéticos criados em separado & da or- dem de 0,50, enquanto a medida de correlacao dos gémeos dizigéticos também separados é da ordem de 0,07. Considerando-se os dizigéticos como um grupo de controle, poder-se-ia dizer que a diferenga entre os grupos, da ordem de 0,43, € determinada por efeito genético. Os dados sobre 0 desenvolvimento de quociente de inteligén- cia (Q0) também ilustram os efeitos genéticos, ao mesmo tempo em. que se prestam & problematizacio das questées de desenvolvimen- to. As semelhangas de QI entre os gémeos criados a parte nZo podem set explicadas por idade de separaco, quantidade de conta- to entre eles ou caracterfsticas gerais das familias adotivas. Outra restrigdo as comuns superestimativas de efeitos ambientais provém. de estudos sobre individuos ndo aparentados criados juntos, pois ‘medidas feitas na inffncia revelam uma influéneia ambiental da or~ dem de 30%, que cai com o passar do tempo, ao invés de crescer. Além disso, 20 tever 05 resultados da literatura sobre QI de gémeos criados juntos, Bouchard e MeGue (1981) mostraram aumento doefeito a heritabilidade em fungdo da idade. Nos jovens, a influéncia do am- biente € de 40%, e nos mais velhos decai rapidamente. A influéncia dos genes no QI vai crescendo de 20, para 40, 60 e 80%, em faixas etdrias sucessivas A correlacao entre inteligéncia ¢ tamanho do cérebro & de 0,40, © que, literalmente, deixa lugar para génios de cabega peque~ naj ainda assim, é uma boa correlagio. Recentemente, com 0 apri~ moramento dos equipamentos de leitura cerebral (scanners), foi facilitado 0 acesso as medidas da massa cinzenta, e foi constatada uma correlagio alta com inteligéncia geral, de 0,89. Além disso, a correlagao de variacao da massa cinzenta de gémeos idénticos al- canga 0 patamar de 0,95, enquanto a de fraternos € de 0,50, 0 que ‘mostra que a variacdo deste trago est quase totalmente sob 0 con- trole do efeito genético, deixando muito pouco espago para a influ- éncia ambiental (POSTHUMA et al., 2001). Estes resultados precisam ser bem entendidos comportam va~ rias hip6teses, embora sugiram um prevalecimento do efeito genético com o passar da idade. O proprio Bouchard parece levar em conta ‘um conjunto mais geral de indicadores 20 apontar, no final do artigo, Revista de Citncias Humanas, Foriangpois: EDUFSC, 2.34, p.283-311, outubro de 2003 Emma Ona, Fernando Leite Ribeiro e Vera Siva Raad Bsa 97 ‘que a conclusdo mio negar a influéncia do ambiente nem negar a exis- (Gncia de ambientes inadequadose debilitadores, ¢ tampouco minimizar os efeitos da aprendizagem, mas supor o ser humano como um organismo ctiative dindmico, para oqual a oportunidade de aprender e a experiencia em novos ambientes amplificam os efeitos do gen6tipo no fenstipo. Independentemente das consideragdes sobre a complexidade do proceso de desenvolvimento, deve estar claro que os estudos de _gémeos tém produzido uma demonstragao inequivoca dos efeitos da heranga (RIBEIRO et al., 2004). A lista de caracteristicas psicolégi- ‘cas nas quais 03 gémeos monozigéticos sao significativamente mais semelhantes entre si é impressionante, a comegar pelas caracteristi- cas relacionadas 20 temperamento, como choro, irritabilidade, medo, impulsividade, sorriso e sociabilidade (GOLDSMITH e CAMPOS, 1982; NEWCOMBE, 1996), Para se ter uma idéia, mesmo em medidas de tragos tidos como prototipicamente culturais como a religiosidade, a correlagdo entre gé- ‘meos idénticos € da ordem de 58%, e entre fratemnos, de 27%. Em outro estudo, comparando-se as chamadas atitudes de direita, através de pes- uisa de opinides sobre a pena de morte, sobre os imigrantes e outras, 0s gémeos idémticos criados separados se correlacionaram em 62%, € 0s fraternos criados separxlos, em 21% (BOUCHARD etal, 1999). O mesmo tipo de resultado foi obtido na andlise de uma ampla amostra de gémeos feita na Austrélia (KIRK ct al., 199). Embora niio seja de simples com- preensio, 0 efeito dos genes nao pode ser desprezado. Nao se acredita quea religiosidade ona atitude politica estejam diretamente representadas nos genes, mas sim que determinadas caracteristicas de personalidade ‘mediadas pelos genes estariam correlacionadas a estas atitudes. As pessoas diferem mais em personalidade se tiverem genes dife- rentes do que se tiverem sido criadas em familias diferentes (RIDLEY, 2003). Para praticamente todas as medidas de personalidade considera- das, os gémeos monozigéticos criados separados mostraram-se mais semelhantes que 0s dizigsticos ctiados separados (BOUCHARD, 1999), A personalidad foi avaliada em cinco grandes dimenstes: aberura, cons- cigncia, extroversio, harmonia e neurose. Os resultados obtidos mos- tram que a variagio devida a fatores genéticos & da ordem de 40%, a influéncia de fatores ambientais partilhados (como a familia), de 10%, as influéncias ambientais tinicas vividas pelo individuo, 25%, finalmente a variagio atribufda a erros de medida é de 25%. Revita de Cilneias Humnas, Florianspolle: EDUFSC, 934, p.283.3 1, cutubeo de 2003 298 — tnato versus adguitdo: persiténcia da leona Evidentemente a c se desenvolver. inca tem necessidade de uma familia para Mas desde gue tenha uma familia para se desen- volver, no importa muito se a familia € pequena ou grande, rica ou pobre, gregaria ou solitaria, velha ou jovem. Uma familia € um pouco como vitamina C: voeé precisa dela ou ind adoecer, mas desde que a tome, o consumo extra nti vai tornd- to mais saudével (RIDLEY, 2003; p. 86). Estudos sobre a heranga de psicopatologias também podem ser clucidativos da importincia e da complexidade dos efeitos genéticos (TORREY et al, 1994). A titulo de ilustracdo, vejamos alguns estu- dos sobre a incidéncia de transtorno bipolar e de autismo. A concor- dancia entre gémeos para transtorno bipolar é de 67% para monozi g6ticos versus 16% para dizigéticos. Para autismo, as indicagbes siio ainda mais fortes, pois a correlagio € da ordem de 96% para mono- zigéticos, enquanto para os dizigéticos & de 23% (RITVO et al., 1985). Diante de dados deste tipo, deve-se imprimir determinado rumo as pesquisas das sindromes autisticas, levando-se em conta as pesqui- sas da genética do comportamento. ‘Umma hipétese que continua sendo investigada ¢ a contribuigaio de virus para o desenvolvimento de psicopatologias. Sabe-se que os fatores genéticos desempenham um papel em determinar se um virus vai ow ndo infectar 0 cérebro (ROOS, 1985). Muitos virus diferentes podem atingir 0 cérebro e permanecer latentes por vérios anos antes de causar infecgdo sintomdtica. Para o virus da pélio, que foi cuida. dosamente estudado no SNC, a taxa de concordancia da infecodo em gémeos monozigéticos é de 36%, e em gémeos dizigéticos € 6%. ‘Os dados para peso também so ilustrativos das questoes que podem ser suscitadas na compreensio das relagGes entre genes € ambiente (RIDLEY, 2003). Em primeiro lugar, hi uma forte indica- io da influéncia do componente hereditério: gémeos monozigéticos criados juntos apresentam correlagao da ordem de 80%, ¢ os criados em separado, a cortelagdo também consideravel de 72%. O efeito da heranga genética fica ainda mais salientado na comparacfo com as correlagées entre gémeos dizigéticos criados juntos, que cai para 43%, [evista de Citncias Humana, Flosiandpolis: EDUFSC, 234, p.283-311, outubeo de 2003 Enna On, Fernando Lele Ribeiro € Vera Svia Raad Busse — 299 e entre pais ¢ filhos adotivos, que é de apenas 4%. Conforme Ridley comenta, embora estes indices sejam notaveis, isto nao significa que as dietas devam ser jogadas fora nem que o ambiente nao importe. O estudo nao diz nada diretamente sobre a causa do peso. Ape- nas tevela causas das diferengas de peso numa familia particular. Dado o-mesmo acesso a alimento, algumas pessoas vio ganhuar mais peso do que outras. Deve-se notar também que o efeito do ambiente nao é Jinear quando sio examinadas, por exemplo, pessoas de diversos nfveis socioecondmicos. Num dos extremos, o ambiente pode ter efeito driis- tico, assim como, no outro, pode prevalecer o efeito genético. Do mes- ‘mo modo, investigando amostra de 350 pares de gémeos, Turkheimere colaboradores (2001) descobritam que a heritabilidade do QI depende do status socioecondmico. Nas criangas mais pobres, constatou-se efeito mais pronunciado do ambiente, ao contrario do verificado no outto ex- tremo da distribuigio. As ptincipais conclusées dos estudos de gémeos so contra-intuiti- vas, Natureza ¢ cultura nao competem. Por causa da alimentagao, as novas geragdes estio cada vez mais altas, mas ninguém acha que isso ‘mostra que a estatura é mais determinada por fatores ambientais do que por fatores hereditérios. Ao contririo, porque mais pessoas esto agora alcangando seu potencial méximo de estatura, a heritabilidade da sua variagao esti provavelmente aumentando (RIDLEY, 2003). Ha complexidades adicionais nos entendimentos conceituais propi- ciados pelos estudos de gémeos. Em certos casos, ao contririo do que seria de esperar por uma légica simplista, quanto mais parecido for 0 ambiente de criagio, mais vao aparecer a heranga e a variabilidade ge- nética. Por exemplo, se meninos ¢ meninas tem jeitos diferentes de apren- der e interesses diversos, como tem sido evidenciado nos estudos de desenvolvimento (como emt BIORKLUND ¢ PELLEGRINI, 2000), uma escola que nio levar em conta estas diferengas ¢ oferecer a mesma estratégia pedagégica para ambos poderd ser inadequada para um deles, e promover uma diferenga maior no desempenho escolar de meninas € de meninos do que promoveria se respeitasse as diferencas. Conforme Ridley (2003) observa, importa menos saber se a nature- za humana é mais inata ou mais aprendida e sim entender 0 modo preciso pelo qual a natureza humana é ambas as coisas. Entretanto, convém sali- eentar que ambos os fatores en'Volvidos na dicotomia realmente iraportar. Revists de Cigncias Humsanas, Forianépolis: BDUFSC, n.34, p.283-311, outubro de 2003 300 — tnato versus sdqurido: a peristéacia da deotomia Os resultados das comparagdes de gémeos apontam a inquestiondvel magnitude dos efeitos genéticos. E preciso perceber que estes efeitos no devem ser escamoteados pela constatagao de efeitos ambientais, dos quais ninguém duvida, nem pela constata¢ao da interacio comple- xa entre 0s fatores, mesmo porque a agao do ambiente também é con- trolada pela agdo dos genes. Por outro lado, mesmo quando as variagdes podem ser total- mente explicadas pela agéo dos genes, isto mio significa que 0 ambiente nao importa, Propositadamente, ora relativizamos o efeito do ambiente, ora o dos genes. E melhor manter viva a dicotomia do que, precipitada e inadequadamente, descartar qualquer um de seus opostos. Melhor ainda é 0 aprimoramento das concepgoes sobre 0 efeito genético e ambiental, com quebra genuina das con- cepgdes estangues. Os genes podem ser considerados como agen- tes da criagdo, assim como agentes da natureza, Nao é sensato perder a idéia da definicao da origem, que pode dirigir de modo heuristico os questionamentos. Por que temer a dicotomi: Encontra-se, especialmente nas Ciéncias Humanas, resistencia em reconhecer a importincia dos determinantes inatos do comporta- mento humano, Uma razio importante é ideolégica, fundada no re- ceio de que a nogao de determinismo biolégico seja usada em defesa do status quo. Edward Hagen, do Instituto de Biologia Teérica, em Berlim, no sitio www.anth.ucsb.edu, apresenta perguntas freqiientes 4 respeito da Psicologia Evoluciondria. Na base da rejeigdo de algu- ‘mas pessoas, diz ele, esté & suposigao de que o determinismo biol6gi- co seja contrdrio a reforma social ou politica. 2a [o ertico} descjo mudanga polttica. Mudan- ¢a politica requer mudar pessoas. Os psic6lo- 405 evoluciondrios argumeniam que as pessoas tem naturezas inatas e inutdveis. Os psicélogos evolutivos opdem-se, portanto, & mudanga so- cial ou politica, ¢ estdo meramente tentando Jjusifcar o starus quo. Revista de Cigncias Humanas, Florianépolis: EDUFSC, u.3, p283. otubco de 2003 Emma Oua, Fernando Leite Ribeiro e Vera Silvia Baad Bussab — 301 No seu livro intitulado Blank slate: the modern denial of human nature, Steven Pinker (2002) argumenta que 0 conceito de tabula rasa esté na base do Construcionismo Social (MALLON € STICH, 2000) ou Modelo Padrio das Ciéncias Sociais (TOO- BY ¢ COSMIDES, 1992). Este conceito foi formulado polo fil sofo inglés John Locke (1632-1704); ele postulava que, no nas- cimento, a mente & vazia de conhecimento ¢ que as diferencas en- te as pessoas so inteiramente devidas as diferentes experiéncias (LOCKE, 1690/1947). © empirismo apresentou-se como uma teoria epistemolégi- ca e filoséfica sobre o funcionamento da mente. Tendo-a como base, os psicdlogos busearam explicar todo © comportamento, a cognigdo € a emogao através de um mecanismo simples de apren- dizagem. O empirismo também se apresentou como uma filosofia politica, que fundamentou a democracia liberal, uma arma contra a igreja e as monarquias tirdnicas. Locke opunha-se a justificat vas dogméticas para a autoridade da igreja, para a realeza e a aristocracia hereditérias € para a escravidéo. Os escravos no cram inatamente inferiores, assim como 05 reis nao tinham sabe- doria ou méritos inatos. Suas mentes eram igualmente vazias de conhecimento de partida ¢ teriam o mesmo potencial de desenvol- vimento se tivessem as mesmas oportunidades ‘Tendo por base o empirismo, as Ciencias Sociais buscaram ex- Plicar todos os costumes ¢ atranjos sociais como produto da socializa- ko diferencial das criancas. Os psic6logos interpretaram as diferen- Gas entre os individuos, entre as ragas e entre os sexos, como inven- Bes ou construgdes sociais. Isto fica claro no Behaviorismo proposto pelo psicSlogo norte-americano John Watson (1878-1958). Estaescola psicolégica baniu da Psicologia talentos, habilidades, desejos ¢ senti- ‘mentos. John Watson (1924/1998) tem uma declaragdo, que s¢ tornou muito conhecida, na qual diz claramente que, se the dessem uma diizia de bebés saudaveis © a possibilidade de especificar © ambiente de ccriagdo, cle seria capaz de transformar qualquer um deles tomado ao acaso no que quisesse: médico, advogado, artista, comerciante ¢ até mendigo e ladrao, independentemente dos seus talentos, habilidades e da raga dos seus antepassados. Revista de Ciencias Humanas, Merianépols: EDUFSC, 1.34, p.283-311, outubro de 2003 20 Inato verius adquitdo: a posistaciad Diferenga nao justifica desigualdade As diferengas entre os sexos so uma arena de discussio acirra- da, e muitas feministas condenam pesquisas sobre as bases biolégicas das diferencas sexuais. Dois tipos de feminismo podem ser diferencia- dos: de eqilidade ¢ de género (GAGGAR, 1983; SOMMERS, 1994; PINKER, 2002). O feminismo de eqiiidade se ope a qualquer forma de discriminagio contra a mulher, mas ndo se compromete com questdes. cempiricas na Psicologia ou na Biologia. O feminismo de género é uma doutrina empirica sobre a natureza humana, segundo a qual as diferen- ¢¢as psicolégicas entre homens e mulheres so todas socialmente cons- rufdas. Bebés sio bissexuais e sto transformados, ao longo do proceso de socializago, om personalidades distintas, uma destinada a mandar, € a outra, a obedecer. O poder é o principal motivo social, ¢ as interagdes umanas sio compreendidas como interagdes de grupos € nio de pesso- as lidando umas coms outras como individuos. O grupo das mulheres & dominado pelo grupo dos homens. 0 conceito de tabula rasa parece & primeira vista favorecer as mulheres. Se nada é inato, as diferengas entre os sexos no so imatas. A desigualdade sexual pode ser mudada pela mudanga das instituigdes. No entanto, homens ¢ mulheres néo sto psicologicamente idénticos. As diferengas entre meninos e meninas aparecem cedo no desenvolvimento; sua forga e precocidade levam Matt Ridley (2003) a dizer que 0 papel dos pais no desenvolvimento da diferenga de géncro dos seus filhos é mais reativo do que causal. Um desenho em quacrinhos de Bill Griffith ¢ ilustrativo. Um personagem comenta com outro 0 fascinio de um garoto de dois anos diante de um caminhio de lixo, enquanto sua irma gémea mal levanta os olhos de sua boneca. E explica que os homens so programados para certas fungdes. O menino de hoje reage do mesmo jeito que seu ancestral remoto. O caminhao de lixo provavelmente era “um mastodonte para o cérebro das cavernas do menino”. Jennifer Connellan ¢ colaboradores (2000) encontraram diferen- gas entre recém-nascidos de um dia de vida quanto ao interesse por faces e objetos. As meninas olharam mais para faces do que para os objetos. Os meninos, por sua vez, interessaram-se mais por objetos. Sve- tana Lutchmaya colaboradores (2002) verificaram que, com um ano, Revista de Cieacias Humanas, Plcanépolis: EDUFSC, 2.34, p.283-311, outubro de 2003 Enna Ona, Fernando Leite Ribelro ¢ Vera Sava Raad Bussab — 303 ‘95 bebés de sexo feminino olhavam mais para o rosto das miles que os bebés de sexo masculino. As pesquisadoras dispuntiam de amostras de iquido amnistico extraidas no primeiro trimestre de gravidez, Analisan- do estas amostras, encontraram uma correlaco surpreendente. Quanto maior o nivel de testosterona durante 0 perfodo fetal, menor o contato viswal de meninos de um ano com suas mies. Esta diferenga precoce de género pode transformar-se mais tarde numa preferéncia diferencial por relagdes sociais. Baron-Cohen (2002) desenvolveu uma hipstese segun- do a qual o autismo seria uma verso extrema do cérebro masculine. A ‘mascullinizagao do cérebro pode ter ido longe demais nos autistas. Crian- gas com Sindrome de Asperger, uma forma menos severa de autismo, tém dificuldade de ter empatia como pensamento das pessoas, mas sio fascinadas pelo funcionamento de objetos (BARON-COHEN, 1995). Esta sindrome atinge predominantemente os meninos (razo menino/ menina 4:1) (OZBAYRAK, 2004). ‘Um volume crescente de pesquisas vem documentando diferen- (gas sexuais que certamente se originam na biologia humana. Contra am, portanto, a suposigao das feministas de género de que (odas as dife- rengas sexuiais que ndo so anatOmicas resultam de expectativas dos pais e da sociedade. Como diz. Pinker (2002), as diferengas sexuais nfo sto caracteristicas arbitrérias da cultura ocidental. Em todas as culturas humanas, as mulheres sio mais responséveis pelo cuidado das eriancas, 0s homens, por atividades que pertencem 20 dominio piiblico. Isto tam- ‘bém ocorte nos kibutzim israclenses, apesar do comprometimento ideo- L6gico dos seus membros com aeliminacao das diferengas sexuais (VAN DEN BERGHE, 1974). Os homens tém uma maior tendéncia a se expor arisco, aagir violentamente e, conscatientemente, tm uma chance maior de morrer jovens (RIDLEY, 2003). Ha diferencas anatdmicas visiveis emestruturas cerebrais entre 0s sexos (GEARY, 1998; KIMURA, 1999). No cérebro masculino os niicleos intersticiais ¢ 0 miicleo do stria termi- nalis no hipotslamo sio maiores. Estas regiées esto implicadas emo! portamento sexual e agressfo. As comissuras que ligam os hemisférios, cerebrais sfo maiores nas mulheres. Do ponto de vista de um gene, estar no corpo de tum komen e estar no corpo de una mulher so estratégiasignalmente boas [..] E melhor para tim babuino ter 0 tamanho de wn macho e ter Revist de Cignelas Mamanas, Florianépolls: EDUFSC, 234, 9.285-311, outubro de 2003, 304 — teato versut adgurdo: a persisténcia da scotomin lentes canines com seis polegadas ou ter 0 tax rmanivo de uma femea e nao os possuir? & per- sna nao ters sentida, Um bidlogo divia que & melhor ter adapragdes masculinas para lidar com problemas mascullnos e adaptagBes femt- rinas para lidar com problemas femininos. As- thin of homens no sao de Marte, nema mulhe= res sto de Venus. Homens e mulheres sdo da Africa, 0 bergo da nossa evolugdo, onde evoli- tram juntos como uma tnica espécte (Plater 2002, p. 343-344). Raga e racismo A Biologia poderia servir como justificativa para o racismo, recei- amos crticos da Etologia e da Psicologia Evolutiva, Racismo é um sis- tema de crengas ou ideologia, estruturado em torno de tr8s idéias basi- eas (MARGER, 1994): a) os seres humanos dividem-se naturalmente em diferentes tipos fisicos; b) estas caracteristicas fisicas esto intinse- camente relacionadas com sua cultura, personalidade e inteligéncia; c) com base na sua heranca genética, alguns grupos sio inatamente supe- riotes a outros. Usando 0 proprio grupo como padrio, os outros si0 julgados inferiores. © racismo 6 manifestago de uma sindrome mais ampla: a xeno- fobia ou medo/édio em relagio aos que sto estrangeiros ou diferentes (CAVALLI-SFORZA e CAVALLI-SFORZA, 1993; QUEIROZ, 1996; QUEIROZ ¢ SCHWARCZ, 1996). Pode ter uma motivasto wtilitéria, quando ura trabalhador teme que seu emprego seja ameacado pela chegada de imigrantes, ou assumir uma forma iracional (Cashmore, 1994). Bm vérios paises europeus encontra-se hoje uma intensificagao de agdes xenofobicas, com uma motivagio racista subjacente, que se manifesta contra a imigragdo de pessoas de outros grupos raciais ou étnicos. Segundo Cavalli-Sforza e Cavalli-Sforza (1993), os seres hu- manos tém uma tendéncia inata a considerar o grupo a que pertencem como uma entidade (NOS) em oposig&o aos que nao pertencem ao grupo (ELES), “Nos” pode ser a familia, o time de futebol ou 0 grupo racial/étnico, “Nés” € uma extensio do eu e ajuda a construir uma barreira protetora a0 nosso redor. Revisa de Citucias Humanas, Flosianépotis: BDURSC, n.34, p.283-311, autubeo de 2008, Enna Ota, Pertando Leite Ribeiro ¢ Vera Sivia Raat Bussab — 308, 0 conde de Gobineau (1816-1882), diplomata francés, desenvol- veu uma teoria racista que inspirou 0 nazismo. De acordo com essa teoria, os alemies, descendentes de um povo mitico, os arianos, erama raga suprema. Mesclas étnicas seriam responsaveis pela decadéncia das civilizagées. Hoje, sabemos que nio existe ragas puras. Qualquer sistema genético apresenta um grau elevado de polimorfismo ou varia- ‘io genética; ou seja, um gene & encontrado em diferentes formas. De maneira geral, as diferengas entre indivfduos so mais importantes que as diferencas entre grupos raciai Criadores de animais que, almejando um resultado mais puro, exage- rem no cruzamento de animais com parentesco muito proximo correm 0 risco de perder a raga, por aumento de esterilidade e queda de vitalidade. Diferengas extemas visiveis de cor da pele entre as ragas podem nos levar a supor que por baixo da superficie existem difetencas de igual magnitude na nossa constituigdo genética, Isto néo é verdade. As dife- rengas que existem sio limitadas, ¢ mais quantitativas que qualitativas em diferentes continentes © em regides distantes de um mesmo conti- nente. A Tabela 1 mostra a freqiiéncia de um gene (GC) que codifica uma proteina que regula a distribuigio de vitamina D no corpo. Este ‘gene aparece em duas formas principais: GC1 e GC2. A similaridade & notvel, Portanto, “quem vé cor da pele no vé GC”, ‘Tabela 1 Distribuigdo (%) dos genes GC1 ¢ GC2 em diferentes regides do mundo Re; GCL Ger Europa 2 28 Africa 88 R india 75 25 Extremo Oriente 76 24 Aimérica do Sul B a Australia 83 n Fonte Baseado em Cavalli Stora Cavall- Sforza, 199 Revista de Cigncias Humanas, Foriandpolis: EDUPSC, 0.34, »283-311, outubro de 2003, 306 — Inato versus adauirdo:& pesisténcia da deotomin A despeito de diferencas de cor de pele, somos muito parecidos de forma geral no nosso patrimdnio genético. Cavalli-Sforza ¢ Cavalli- Sforza (1993) comentam, a partir deste prisma ¢ inspirados em Macbe- th, personagem eriado por William Shakespeare, que a miséria e a cruel- dade causadas pelas diferengas raciais entre os homens so uma histd- ria contada por um idiota, cheia de som ¢ firia, que nada significa Conclusio Concluimos citando Est Mayr (1963): Ieualdade apesar de evidente falta de identidade 6 tn conceito algo sofisticado que requer uma estasura moral que muitos individuos parecem incapazes de atingir Eles negam a variabilidade humana e equiparam igualdade com identidade. Ow afirmam que a espécie humana é excepeional no mundo orginico, na medida em que conside- ram que apenas caracteres morfoligices si0 con trolados par genes e todas as outras caracterist- cas da mente ou da personalidade slo devidas a “condicionamenta” ou outros fatores ndo gent. cos. Estes autores convenientemente ignoram os resultados de estudos com gémeos ¢ das andlives senéticas de tracos nao morfoldgices em animais. Una ideologia bareada em premissas tio eviden- temente erradas 36 pode ser desastrosa, Sua defe- sa da igualdate huumana bascia-se numa afirma- céo de identidade humana. Assim que se prove que a identidade nao existe, 0 suporte para a ‘gualdade se perde (p. 649) Referens 5 bibliogrificas ADES, C. Ente Bidilos ¢ Xenidrins: experiéneia ¢ pré-programas no comportamento humano. In: CONSELHO REGIONAL DE PSICO- LOGIA — 6 Regifo/Sindicato de Psicélogos no Estado de Sio Paulo (Orgs,). Psicologia no ensino de 2° graw: uma proposta emancipado- 1a, Sio Paulo: Edicon, 1986, p. 60-73, Revise de Ciencias Humanas, Floviandpolis: EDURSC, n34, p.283.311, outubyo de 2003 mma Ota, Fernando Leite Ribeiro ¢ Vera Silvis Read tussab — 307 ALCOCK, J. Animal behavior: an evotutionary approach, 7. ed., Sun- desland, MA: Sinauer, 2001 BARON-COHEN, S. 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