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(Os tiposide texto « ‘Oqve, afinal, um texto? .. Texto Complementar Redacéo de Salo 2- Modalidades da redacdo Modolidades da redacéo «. ‘eto Complementor Redacéo de Sola 3- Definindo a narrative Nortativa Texto Complementar Redacéo de Sala a 4- Os componentes narratives .. Personagem Tempo. Espace ‘AcGo Terto Complementar Redacdo de Sola $- Foco narrativo.. Autore nerrador: diferencas Texto Complementor Redacéo de Sola 6- Os discursos. narratives Tipos de discursos Texto Complemenior Redecaode Sola Exercicios Propostos 7=Planejando © texto narrative... Lendo um exernplo Texto Complementar Redacéo de Solo : 8- A verossimilhanca narrative ... Inireducéo Texto Gomplemeniar : Redagéo de Sola es 9- A narracéo ¢ 0 uso dos clich8S Clich&s: um perigo para as narrativos Testo Complementor Redagéo de Sola 10 -A construcdo da personagem Texto Complementar Exercicios Propostos, 11 -A construgéo da espacialidade © cenério ¢ 0 resultado narrativo... Texto Complementar . Redagio de Sola i 12 -A construcdo da temporalidade ae ee pe ee SSUSREBSLSESESFESSSSSBSBSD 13 208 dex pecados mortais da narracao Dez pecadios moriais Texto Complementar Redacée de Sole 14 -A dissertacao Disseracdoi que, como é, pora 0 que serve? Teo Complementor Redagéo de Sola 15 =As coracteristices do lingvagem dissertativa ‘As diferencos entreflae escrito Texto Complementar Redagéo de Sala 16 -A diviséo estrutural da dissertacéo: a tese, @ arqumentocde © 0 fecho.... 71 Texto Complementar.. Redactoid@ SA6 sn 17 - Os'fipos de tese: como Iniciar uma dissertagio . ‘Como 6 quese comeca uma dissertac60? Texto Complemeriar 5 | Redacée de Salo nnn % 18 - Os fipos de argumentagéo: os parégratos me sia porigrafo orgumenitiv0 nnn B Tarts Complementar 8 Redagée de Sola 8 19 -Os tipos de fecho: como concluir uma dissertacéo # Ofecho no texio disserative Bs Texto Complementar 5 Redagéo de Sola % 20 - Dez pecodos mortais da redagdo dissertativa I. 7 Texto Gomplementar 8 Redacée de Sola : # a 98 % 9% % wy 8 SSIVERTABSBS 21 -A delimitacéo do tema: riqueza dissertative : Texto Complementar : Redagio de Sola 22 ~Coesto e coaréncia |: mecanismos de coesio Texto Complementor Redacto de Sola... 23 -Coeséo e coeréne Texto Complementor I: articulagéo RedacSords Salat. 101 24 - Coes60 @ coerdncia Ill: a macroestrutura do texto dissertativo wun. 102 Os defeitos de um texto pora vestibular ‘Texto Cortiplomentr «.. Redacéo de Sala 25 “Deducao e inducso.... Texio Complementar.. Redacto de Sala 26 - Dez pecados montais do redacoo Texio Complementar Redagae de Sola E 27 -& redacéo subjetiva ~ 08 temas subjetivos Teo Complementar . Redacao de Sala... a 28 -Redacao reflexiva — os temas filos6ficos ... Texto Complementar .. Redacao de Sala 29 -# carta Texto Complementar Redagéo de Sale 30 -Elaborando um projelo de carla posse & passo Texto Complemeniat Redacio de Sala Goberits ‘Cerlos Drummond de Andrade. “© lutador* em Nove Reunigo. ‘Arosa do povo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985. > O que é, afinal, um texto? Cu) Falar & uma coisa... escrever é outra (e constante) pergunta que os alunos fazem aos professores de redacdo ¢ a seguinte: como é jque eu aprendo a eserever? ‘Acresposta é.a mesma, sempre: ~Escrevendo; escrever se aprende escrevendo! Isto quer dizer, em breves palavras: treino, perseveranca e até uma boa dose de teimosia! Ninguém nnasce sabendo escrever bem. E vocé pode aprender a fazer isso invejavelmente, desde que se disponha a trabalhar ideias, ler muito (jornais, livros e revistas), ouvir os outros, falar e, sobretudo, redigir os temas propostos, E religiosamente, 'Na redacao, como em outras reas do conhecimento humano, noventa € nove por cento da producao € trabalho e transpiragao, ¢ o resto ¢ inspiracdo. ‘Bom lembrar, ainda, que nenhum curso do mundo pretende transformar o aluuno em um eseritor de renome, mas sim fazer com que escreva bem para o vestibular, com aprecidveis qualidades do texto, capaz de tomar eonfortével o seu desempenho diante de uma prova. Kescrever & sempre assim: $6 comecar. As vezes vagarosamente, porque é mais que sabido 0 fato de que escrevernos apenas sobre 0 que sabemos. E vale lembrar mais uma yer; antes da escritura propriamente dita, existe uma fase em que é preciso dispor-se a amealhar conhecimentos; ou seja, ‘vooé vale aquilo que sabe, conhece ou domina como assunto. Escrever exige preciosos estigios anteriores: ver, sentir, ouvir, ler e, finalmente, colocar nutn Papel, por escrito, aquilo que esté no mundo. Em outras palavras, o curso de redacao € coadjuvante para a obtengio de um bom texto: parte do processo € seu (esforgo, abnezacdo, teimosia) ¢ outra parte E dedicago do professor (técnica, acesso ao processos realizadores da redacio, treinos). E um projeto conjunto, faga a sua parte. Saber organizar seu pensamento, questionar sobre os temas, ter (€ dar) opinio sobre os assuntos, {sso 6 tudo o que voce deve esperar de si mesmo(a) e do que aprenderd. E lembre-se de unta coisa nos vestibulares da vida, 0 cartio magnético para abrir a porta das universidades € a sua redagdo. E. fazer um bom texto depende de conhecer a sua lingua, reorganizar seu estilo, fazer-se compreender, Falar 6 uma coisa... eserever & outra. Falar é expressar-se por meio de gestos, pausas, sons baixos, altos, graves, agudos, caras € bocas... Escrever para que tum corretor nos leia © nos avalie ¢ colocar pensamentos concatenados ~ organizados! — num papel, registrar emogdes, posicionar-se sobre a Vida. std, portanto, na hora de comecar. Ee: uma pequena conversa antes de verificarmos cada modalidade de texto. A primeira ba vestibular: um outdoor, um quadro, uma fotografia. Palavra pala Nos préximos capitulos falaremos disso, e 0 primeiro Gigoexasperado), exercicio deste livro incide sobre a utilizagao de texto seme desafas, visual aceitoo combate ba ‘As modalidades dos textos Neste capitulo, vamos nos dedicar a leituras de textos que exemplifiquem as modalidades da redaga ‘uma narragio, uma earta, uma dissertagao escolar, tum trecho de artigo de jornal. Enquanto estiverem Podemos definir um texto para vestibular como uma produgao linguéstica escrita a partir de um contexto determinado e com intengao objetiva, ou seja, em palavras mais simples, um fexto escrito partir de um determinado assunto (tema) e que possa ser entendido por um conjunto de corretores como manifestago do vestibulando sobre os fatos, circunstincias, criaturas, acontecimentos, politica, economia, restritos ao émbito do Brasil ou do mundo. E claro que existe no mundo uma gama enorme de textos nao necessariamente escritos ou destinados 20 sendo lidos, tente observar as caracteristicas espectficas de cada um deles, 0 jogo das palavras, a maneira como © autor as manipula para obter os resultados: fazer rir, contar um fato, negociar uma ideia, opinar sobre acontecimentos. Texto 1 — Narragio Um apélogo -Erauma vez uma aguiha, que disse a um novelo de tina: — Por que est vac’ com esse ar, toda cheia desi, toda enrolad, para fingir que vale alguma cousa neste mundo? —Deixe-me, senhors —Quea deixe? Que a deine, por qué? Porque le digo que esté ‘com um arinsuportivel? Repito que sim, efalaei sempre que me der nacabeca ~ Que eabega, senhora? A senhora nfo € alfinete, é apulha Aguiha nfo tem cabeca, Que The importa o meu ar? Cada qual tem © ‘ar que Deus he deu, Importe-se com a sua vida e deine a dos outros. —Mas voce € orgulhosa ~ Decerto que sou. ~ Mas por qué? = E boat Porque caso. Ento 0s vestidos © enfeites de nossa ama, quer & que os case, seno eu? = Voc8? Esta agora € melhor. Voc & que 0s cose? Voeé igor ‘qoe quem os cose sou eue muito eu? = Vo fura o puno, nada mais; eu € que coso, prendo um pedlago a0 outro, do feigio aos bubsados, — Simm, mas que vale isso Eu 6 que Fur © pano, vou adiano, ‘paxando por voce, que vem ats obedecendo ao queetfago.e mando. —Também os batedores vio adiante do imperador, —Vocé éimperador? — Nio digo isso, Mas a verdade & que voe8 faz um papel subaltero, indo adiante; vai s6 mostrando o camino, vai fazendo © ‘tabatho obscure nfimo, Fe & que prendo,ligo, junto Estavam nist, quando acostureira chegou A casa da baronesa, [Nilo se se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé desi, para nao andar aris dela ‘Chegou acostureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegouda linha, enfiow a finba na agulha, ¢entrou a coser. Uma e ona iam andando orguliosas, pelo pano adiante, que era a melhor das Seda, centre os dedos da costureira,sgeis como os galgos de Diana pars dar ‘isto uma cor postica. & dizinn agulha: Endo, seohora linha anda tema no que dizia hs pouco? Nao repara que esta distinta costureira s6 se importa comigo; eu 6que vou. aqui entre os dedos dela, unidinhaa eles, furando abaixo eacima ‘A ina ndo espondig; is andando, Buraco aberto pela agutha eralogo enchido porela, silencio eativa, como quem sabe o que faz, eno est para ouvir pulavras loucas. Aagulha, vendo que cla no The ava resposta, calow-se umbém, ¢ foi andando, Bera tudo siléncio na saletade costa; nao se aavia mais que plic-plic-plicplie da agua, fo pano, Caindo 0 sol, a costureira dobrou a costua, para 0 dia seguinte. Continuow nda nessa e ao outro, até que no quarto acabors ‘obra, ficou esperando o baile ‘Veioa note da hale, ea baronesa vest se. Acostureira que a ajudou 2 vestir-se, evava a agulha espetada no corpinho, para dat algurm ponto necessario. E enquanto compunha © vestido da bela ‘dama,e puxava de um ado ou utr, aregagava daqui ou dal alisendo, _abotando,acolchetando, inka para mofur da gulba, perguntow Ihe: — Ora, agora, diga-me, quem & que vai no baile, no corpo da baronesa,fazendo parte do vestido eda elegncia? Quem & que Vai «dangar com ministros diplomatas,enquanto voce vol para acaixinha dda costurera, antes de ir para. balaio das mucamas? Vamos, gal Pace que a agulha no disse nada; mas um alfinete, de eabega grande e nfo menor experifncia, mumnurou a pobre agulhs: — Anda, aprende, ola. Cansas-te em abrir caminho para lac la que vai gozar da vida, enquanto a fieas na eaixinha de costura, Faze como eu, que nao ara caminho para ningaém. Onde me espetam, fico. CContei esta historia a um professor de melaneotia, que me disse, banando acabega: —Também eu tenho servide de agutha a muita linha ordindriat Machado de Assis. Contos. Sa0 Paulo: Atica, 1984, vol. 9. Para Gostor de Ler, p59. Ca) Modalidades da redacao Em primeiro lugar, um esclarecimento: tudo 0 que se escreve pode ser chamado de... redagao. Desde bilhetes, cartas, letras de miisica, circulares, offcios, mensagens dos telegramas, artigos de jornais, boletins de ocorréncia, livros, histérias em quadinhos. Mas hé, entre todos estes escritos, tres ‘modalidades redacionais. Apenas tr; nao hé nenhuma outra classificagdo para isso: narrar, descrever c dissertar. E 1d vem voce perguntando sobre cartas no vestibular... Um quarto e inesperado modal? Nio, no, A carta, sossegue, encaixa-se dentro do projeto dissertativo. A narracéo Jnumeriveis so as narragbes do mundo, Primeiramente, hi tuma vriedade prodigiosa de yéncros, cls pics disibuldosentre substinciseferenes, cons se xa a mara fose apropriada para ave © homem the confiasse suas narrayes: a narasio pode ser suportada pela lingua acuta, orl ow escrt, pela msgemy ix ou mm6vel peo geste pela misura orenaa de ods sss substncias; acs presente no mito aetna abla no conto, na novela, na popeia,naistra, natragédi, no drama, com, oa pantomima, ‘no quar no vital, o einem, os espetéculos, as manchetes Jos joroas, na conversa. Ademais, sob essa formas infinitas, a naragdo ests presenle ‘em todos 0 tempos, em todos os lugares, cm todas as sociedades nara omega meso com a hisria da humana; no hs, jamais houve povo algum ser narago; todas as lasses, todos os grupos ‘humanos tveram suas nazragies e, muito frequene narragbes sto saboreadas em comum por homens de culturas diferentes, por veres opostas: internacional, transistérica, ‘wanscultural, a narrago af esté como a vida Roland Borthes. Andlise estutural de norratva, Petropolis Vorss, 1973, Se narrar € contar um fato e, levando em consideracao que, em principio, as narrativas eram feitas foralmente, a narracdo € a forma mais antiga que os homens — e os fuxiqueiros em geral — usaram para se comunicar. Ela pode aparecer sob as formas mais inesperadas, inclusive em gestos, e, na escrita, aparece também em ‘yersos (pegue como primeiro exemplo as epopeias), nia letra de uma maisica, nos romances, novelas, contos & cerdnicas e até nas histérias em quadrinhos. Ao desenhar uma cagada nas paredes de sua caverna, nosso ancestral deixou ali um registro, um depoimento para o futuro, Obviamente, niio sabia disso, ‘mas talvez pressentisse que o seu gesto funcionaria como uma espécie de depoimento para a posteridade. Como se pudesse nos dizer: “Estive aqui e 0 que voce vé é parte das hist6rias que um dia vivi. Além disso, é preciso que se diga que toda a narrativa € fieglo: ao retitar os fatos do cotidiano, ao passé-los para um papel ou computador, o homem recria 0 mundo vivido, acrescenta, elimina cauteloso certos fatos, lumina alguns mais escuros ¢ menores, sublima ou castiga algumas personagens. Toda narrativa € reinvengao da realidade, toda a narrativa ressalta particularidades que interessam ao narrador: umas brincalhonas, outras irdnicas, outras tio sérias ou metaforicas. Recordando Clarice Lispector, “narrar é lembrar-se do que nunca existiu”. Ou, pelo contririo, existiu demais dentro de 16s. Veja, nos textos a seguir, exemplos de variadas formas narrativas: ay Texto 1 Eros ¢ Psiqué Conia enda que dora Uma Pines encanta Aven deg ‘Un Infante, que vria De além do muro da estrada. Ele sinha que, entado, Vencera mal eobem, Antes que, jélibertado, Detxasse 0 caminho errade oro que A Princesa vem. ‘APrincesa Adormecida, Se espera, donmindo espera, ‘Sonhia emt more a sua vida, Eomacthea fronteesquecida, Verde, uma grinalda dehera Longe o Infante, esforeado, Sem saber que intuito tem, Rompe o caminlo fadado, Ele dela ignorado, Ela paraeleéninguém. ‘Mas cada um cumpre o Destino Bla doemindo encantad, le buscando-a sem tino elo processo divino ‘Que faz existir aestrada, , se bem que seja obseuro ‘Tudo pela estrada fora, E falso, cle vem seguro, E vencendo estradae muro, ‘Chega onde em sono ela mora, E, nda tonto do que houvers, ‘Acaboga,em maresia, Ergue mio, eencontrahera, Eve que ele mesmo era ‘A Princesa que dormia, Femando Pessoa, Presenca, n*41-42, Coimbra, maia de 1924. (Publicado pala primeiro vez,) a> sexta? ‘A ontra noite ‘Nui entendera bem por que Deus, em sua infinite bondadew Gra, expulsow Ado Eva do Parafso depois que eles comeram da Acvore da Sabedoria, UEC) Também nunca entendera o que dissera aquele deus #0 cexpuls-lox: Tu, Adio, ganhards a tua vida com 0 suor do seu rosto: ctu, Eva, pairs entre dors. Parecia esquisito para umn Deus tio amoroso, ‘Uma noite, no entanto, insurgira-se a serpente entre os seus mniolos e soprara-the que Deus no tinha gostado nada de saber que ‘Adio e Eva se instrufram ¢ que, logo, poderiam diseutir com ele sobre, sobre, sobre... gueras, pobrese ricos, oportunidades soci ‘Riu-te da idela, E dormiu pensando que era feliz, que estava {ioe tinha coberts, roupas, comida e agasalho, familia © emprego. [Nilo entenden por que, na manha seguinte, por mais que se a0 oficial de justica que pagar os aluguéis~ olha aqui os fol despejads esua mudanga colocada nacalgada, debaixo recibos! ‘de uma brut chova, tampouco entendeu por que, o chegar tarde ao trabalho, © patrio vociferou, espumando de raivs,e mandou-a solenet colo da rua. Maria Estela de Morais & professors de Lingua e Literatura Fonguess QS Texto 3 Poesia Matematica As fothas tantas do livia matemstico tum Quociente apaixonou-se tum dia ‘doidamente por uma Tnedgnita, Othow-a com seu ll eviu-a do pice & base ‘uma figura faspars ‘olhos romboides, boca trapezoide, corpo retangular, seis esfeoides. Fez de sua uma vida paralelaa dela até que se encontraramn no infin ‘Quem és tu? indugou ele em insia radical “Sou a soma do quadtado dos eatetos. Mas pode me chamar de Hipotenusa,” Ede falerem descobriram que eram (oque em aritmética comesponde almas irmis) primos entre si assim seamaram ‘0 qundrado da velocidad da luz ‘qua sexta potencingao tragando ‘Sabor do momento cedapaixto reas, curva, efrculs elias sinoidais ‘nos jardins Ga quanta dimensao. Excandalizaram os ortodoxos das formulas evctidiana te pro (1) Infante: crionga, menino; ho dos reis de Portugal eu de Esponho, sem dlisite& sucessa0.90 toro, ‘Romperam convengies newtonianasepitagoricas, Benfimresolveram secasar constituirum lar, ‘mais que um ar, tum perpendicular. Convidaram para padrinhos 0 Poliedro ea Bisse, E fizeram planos, equagtes ediagramas para o Futuro soahando com uma felicidad Integral diferencial Ese casaram etiveram uma secantee és canes ‘muito engragadinos, E foram felizos até aquele dia «em que tudo vira afin Foi entio que surgi (© Maximo Divisor Comum frequentador de ctreulos concéntcicos, Oferecet-the,aela, ‘uma grandleza absoluta «ereduziu-na um denorinador comum Ele, Quociente,percebeu que com ela no formaya mais um todo, ‘uma unidade, Eraotingulo, tanto chamado amoroso. Desse problema ela era uma fragio, amaisordingria ‘Mas foi entdo que Finstein descobriu a Relatividade « tudo que era espirio passou a ser ‘moralidade ‘como ais em qualquer sociedade, Mill Fernendes. Tempo ¢ contratempo, Rio de Jane: Edictes ‘O Cruzsiro, 1954, ng, sem nimero; publicado como pseud6nime de Vac Gago, Cartoon narrative Um pouce de descrigéio Nao existe um texto de modalidade tnica; mas, icamente, a descrigdo deve ser vista como modal auxiliar nas narrativas e dissertagdes. E muito comum, nas redagdes narrativas, a descrigao obter destaque fundamental na caracterizagao de personagens, seres, ‘agbes, paisagens, estados de alma, Oey) Para qualquer tipo de descriga0, precisamos de alguns pressupostos e observar o mundo € um deles. Ap6s isso, entram em nosso socorro os Srgios dos sentidos, sobretudo a visio, por meio da qual apreendemos © mundo com velocidade vertiginosa Auxiliam-na o talo, o paladar, a audigao e 0 olfat. Observe agora as ts eriangas a sepuir Crianges partculeridades Fosse voc8 genericamente dizer de que seres se tratam, certamente usaria para designé-los um substan- tivo: crianeas. No entanto, observando minuciosamente cada uma delas, encontrara particularidades especiticas: esta € loura, aguela € morena © a outra & negra. Os colhos, bocas e narizes, bem como os cabelos ou postura sio diferentes, dao a cada uma delas uma identidade precisa e particular, por meio da qual elas poder ser reconhecidas. £ isso que a descrigdio pode fazer pelo seu texto: indicar minuciosamente os seres; mas também identifica cheiros e gostos, altura e largura, peso. Um grito, um tom de voz, a cor de olhos, a suavidade das mos, uum jeito de andar, tudo poderd ser indicado pela descr E algo ainda nfo foi dito: descrevem-se também, numa narragdo, ay estados ditos psicoldgicos. Dizer que uma personagem é inquieta, triste, alegre, ansiosa, tudo isso € questo de observar o mundo ao redor. Portanto, descrevemos “por dentro” dos seres e por fora deles, inclusive a paisagem que nos cerce. A descrig20, como poderemos observar nos textos a seguir, exige um certo detalhamento, o que torna muito mais interessante o texto: <2) Texto 5 Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema, Tracema, a virgem dos Ialbios de mel, que tinha os cabelos ‘mais negros que a asa da graGna” e mais longos que seu talhe de palmeira, © favo da jati® nao era doce como seu sorriso; nem a baunitha recendia no bosque como seu hlito perfumado, Mais répida que a ema selvagem, a morena virgem corti o sertdo e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo da grande naclo tabajara, o pé grécile nu, mal rogando alisava, apenas a verde pelicia que vestia a tetra com as primeiras, Aguas, ‘Um dia, 20 pino do sol, ela repousava em um claro da floresta, Banhava-Ihe 0 corpo sombra da oiticica’, mais fresea, do que o orvalho da noite, Os ramos da acdcia silvestre esparziam flores sobre os timidos cabelos. Escondidos na folhagem os pissaros ameigavam o canto Iracema saiu do banho; o alj6far-d'gua ainda a roreja, como & doce mangaba que corou em manha de chuva, Enguanto repousa, empluma das penas do gard as flechas de seu arvo, ¢ concerta com o sabid da mata, pousado no galho 10, Ocanto agreste A graciosa ard, sua companheira e amiga, brinca junto dela. As vezes sobe aos ramos da devore e de lé chama a ‘virgem pelo nome; outras remexe uru de palha matizada, ‘onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do erauts, ‘88 agulhas da jugara com que tece a renda, eas tintas de que rmatiza 0 algodao. José de Alencar. Iracema, in ,

Norrativa Se narrar € contar algo, é preciso levar em ‘considerago que o homem sempre quis contar historias. ‘Tanto nas novelas televisivas quanto numa parede de pedra em Altamira existem fatos que 0 narrador quis egar para a futuridade. Num quadro, nas historias em 4quadrinhos, numa fotografia familiar antiga, na letra de ‘umamisica, em uma simples piada, nas paginas polici Id esté 0 legado humano: a histéria, uma historia, a rectiagdo de toda a realidade. O ensafsta inglés Edmund Forster, te6rico da literatura, em seu Aspectos do Romance, garante que narrar € uma atividade atdvica, que todo homem é um guardador de hist6rias, um criador de narrativas. ‘Quem nunca ouviu falar em Sherazade que, em mil ‘euma notes, conseguiu safar-se da morte por degolamento ‘porque sabia contar lindas historias e, assim, fez.com que © sultdo a livrasse da sentenga que aplicava as outras ‘mulheres do harém e, admirando-a, fez dela sua esposa? Quem nunca ouviu falar do Decameron, de Bocaccio, historias contadas entre si por um grupo de jovens que se protegiam da peste, isolados num castelo, esperando que 4 praga passasse © pudessem voltar para seus pais? Narrar é reinventar o mundo, é recriar a vida, 6 tentar ser uma espécie de Deus criador de destinos. ‘Toda narrativa pressupde quatro elementos bdsicos: personagem, tempo, acdo e espago. Nao existe narrativa sem esses quatro componentes. No préximo capitulo, ‘vamos estudé-los um a um. Observe agora de que se ‘compde a estrutura narrativa. A estrutura narrativa Se tomarmos em consideragiio 0 romance, a novela ‘ou 0 conto, 0 enredo terd de desenvolver-se da seguinte forma: Sequéncia inicial (ou Exposicéo) Di-se quando sfo apresentados ao leitor personagens, Arios, tempo. E quando hé uma multiplicidade de situagées ainda nio delineadas, criaturas que sio vistas individualmente, ambientes que formam apenas um pano de fundo. ; adapiods, (dia dia das sociedades gira em toro dos objetos fixos, ‘naurais ou eriados, aos quis se apieao trabalho. Fixos.efuxos ‘combinedos caracterizam 0 modo de vida de cada formagio social Fixose fluxes influem-se mutuamente. grande cidade é um fixo enorme, eruzado por fluxos enormes (homens, produtos, smercadorias, ordens, ideas), diversos em volume, imensidade, uv % ritmo, duragdo e sentido, Alls, as cidades se dstinguem urmas das outras por esses fx0s e Muxos. Milton Santos. “Fixes @ luios —canério para a cidode sem medo". O pais distorcido. © Bros 0 globalizacso 4 cidadonia, Se Paulo: Pubitolha, 2002. 6 Cidades globais sto aquelas que concentram perfcia & conhecimento em servigos igados i globalizago, independente «do tamanbo de sus populagao. [..] Megacidade €outra categoria dos estudos urbanos. As megacidades so dreas urbanas com ais de 10 mithBes de habitants. ..] Algumassiomegacidades ‘ocidades globaissimultaneamente, como Nova Yorke Sto Paulo. [As cidades médias so outra categoria de clasificagho das Se, por hipétese absurda, pudéssemos levantar e traduzir sraficamente o sentido da cidade resultante da experiéncia inconsciente de cada habjtante e depois sobrepuséssemos por twansparencia todos esses grificos, obterfamos uma imagem muito somelhante 8 de uma pintura de Jackson Pollock, por volta de 1950: uma espécie de mapa imenso,formado de inhas e pontos coloridos, um emaranbado inextrincével de sinais, de tragados aparentementearbitarios, de fllamentos rortuosos, embaragados, {que mil vees se ervzam, s interrompem, ecomegame, depois 4e estranhas volts, retornam ao ponto de onde patiram. Giulio Carle Argon. Histéria da arte come histéria da cidade. Tred. Pier Luigi Cabra. Sd0 Paulo: Martins Fontes, 195, p.231 ‘A heterogencidade de frequentadores dos shopping centers vem se ampliand e énfida numa cidade eomo Sto Paulo, uma vez aque estes, outrora destinados somente a grupos com alto poder aguisitivo, vém abarcando, em sua expansfo por outrasregies, _arupos que antes nao faziam parte da clientela usual. A ideia de um espago elitizado vai sendo substituida pela de um espago “invrclasses”, Além disso, uma “centralidade Iéice” sobre pbe-se a “centraidade do consumo", sobretudo na esfera do lazer: especialmente aos fins de seman 0s shoppings centers tsansformam-se em censrios, onde ocorrem encontes, paqueras, “derivas", écio, exibigio, tédio, passeio, consume simblico. DUS iy, ‘Tomam-se uma espécie de “pragainterbairros” que organiza a cconvivéncia, nem sempre amena, de grupos e redes sociais, sobretudo jovens, de diversos locais da cidade, Heitor Frogoi J. "Os Shoppings de Sao Poulo ec trama do vrbano: um elhar aniropolégico”. Em Silvana Meria Pauls Heitor Frill Jc (orgs.). Shopping Centers -espaco, culture ‘e modernidede nas cidedes brasileira. So Paulo: Edtora Unesp,s/d,p.78; adaptado. 9. Otombamenta de espagos coma terreiros de candomblé,stios emanescentes de quilombos,vlas operdrias, ediicagBestpicas de migrants ¢ outros dessa ordem, isto , igados ao modo de Vida (moradia, trabalho, religito) de grupos socials e/ow ctnicamentediferenciados — lo causa muita estrnbera: apesar {de ainda pouco comum, a incluso de itens como esses na lista {do patrim@nio cultural oficial mostra a peesenga de outos valores {que ampliam os ertéros tradicional imperantes nos 6rpos de preservagio. Em 1994 ocorreu,entretanto, um tombamento em ‘Go Paulo que de certa maneira se diferencia até mesmo dos acimacitados: tatase do Parque do Povo, uma Srea de 150,000 1°, localizada em regio nobre e das mais valorizadas da cidade Dividida em vérios campos de futebol de tera, ¢ ocupada por times conhecides como “de virzes” José Guilherme Cantor Megneni e Naira Morgado. “Futebol de vérzea também & patriménio". Revisa do Potriménio Histérico @ ‘Atsico Nacional, n.24, 1996, p.175; adoptodo. 410, Na Rocinha no hi quem nko respeite © “Doustor” (cirurgito aposentado Waldir Jazbik, 75 anos). Morador hi 19 anos da maior fayela da zona sul do Rio de Janeiro, ele sabe que pode ‘caminhar pelas rans de 1d sem medo, mesmo morando em uma hubitasio fora dos padrées locas. Sua cass, em estilo colonial, Fica num terreno com mais de 10.000 me [.. "Meus amigos da high society dziam que eu era maluco. Eu poderia erescolhido ‘uma casa num condomnio fechado aqui perto, mas prefer vir para cd [..] $6 vim para eé porque quero viver a vida que eu merege viver’ Antonio Gois # Gobriala Wolthers. "Médico busca vide tranquiia na Rocinha”. Fajhe de S Paulo, T7/age./2003, p. C4; adaptado. CEC lespago e acao. E importante que vocé saiba que, além de estudarmos como construir Jcom eficécia um texto narrativo, estamos também organizando 0s nossos conhecimentos. para entendermos melhor 0s textos literdrios que so indicados para leitura nos vestibulares. ‘Sabemos que uma narrativa € composta por personagens que mobilizam a agdo € outras que funcionam como coadjuvantes. Cada uma delas possuii uma tipicidade e atua, na esfera da narragdo, dentro de determinados pardmetros. Hé personagens planas, redondas, tipos, caracteres, sfmbolos. Todas contribuem para que a hist6ria que se Ié ou se escreva torne-se mais interessante. ‘O tempo e 0 espago também so componentes importantes e ajudam a dar credibilidade ao que escrevemos. Esta “credibilidade”, esta reinvengio tem de se aproximar 0 maximo da ‘ealidade, S6-assim seré possivel contar histérias, fazer nascer-um mundo que nfo-é realy mas gue o imita, recria. Quando escrevemos, somos mesmo uma espécie de deus: fazemos nascer vidas aassemelhadas as nossas. Escrever deve ser sempre visto como possibilidade singular de criagio endo h nenhuma civilizagao que tenha prescindido das narrativas, posto que elas acompanham 2 hisi6ria do homem em todos os tempos. Com elas, alimentamos sonhos, nutrimos 0 espaco da inventividade e da nossa capacidade de instigar, no outro, a descoberta de que tudo ¢ possfvel. Ne capftulo, estudaremos os chamados componentes narrativos: personagens, tempo. {A personagem deve dara impressio de que vive, de que écomo um ser vivo, Anténio Candido, A personogem de fegdo. S60 Paulo: erspectiva > Personagem Desi interior da rosa etiam, novela cu romance) 0 5re ftflasconsrufdos imagem semethanga dos sere humancs: e exes sto pessoas ress, qucles so “psec” Imagini; se os primcios baba 0 munda que nos cea, of cutros moven-ae no espa aquttado pela fantasia do prosador 'M. Mois DiclonGrio de Temas Utero. So Paula: Cul edt Segundo E.M. Forster, podem classificar as ppersonagens em: 1. Planas (lineares) Constituidas de uma tinica ideia ou qualidade; carecem de profundidade. A personalidade delas é pobre, repetitiva; sto previsfveis quanto ao seu comportamento, infensas & evolugao. Jamais nos surpreenderdo durante ou ao final da narrativa, Podem ser subdivididas em: 0) Tipos ‘Sto personagens tipicas, de contornos e caracteris- ticas peculiares e, exatamente por isso, eternizam-se: quem se esqueceria de Sancho Panga, em D. Quixote? Comadres fofoqueiras, homossexuais, padres, nos romances, fazem parte deste rol de personagens. b) Caricaturas Sao personagens que tém distorgdes propositais, a fim de ensejar 0 cémico, 0 ridiculo, osatirico: D. Patroctnio das Neves, a“Titi” do livro A Reliquia, de Ba de Queirés. © Os herdis romamticos, os vildes terrtveis, tendema M& ser apenas planos wma vez que primam pela D previsidilidade e permanéncia de condura. Mesmo Ho major Vidigal, de Memérias de wm sargento Be de milicias, de Manuel Anténio de Almeida, é & personagem plana; suas agdes, em face dos sentimentos, sao perfeitamente previstveis. 2. Redondas Sao complexas, bem acabadas interiormente, repelem todo 0 intuito de simplificagio. So também cchamadas de multiformes, ¢ nos surpreenderao porque evoluem na narrativa. Dindmicas ¢ tridimensionais, podem ser subdivididas em: ©) Caracteres Sao personagens cuja complexidade se acentua, zgerando conflitos insohiveis: é o caso das personagens classicas gregas: Edipo Rei, Prometeu, Medeia. b) Simbolos ‘So personagens que parecem ultrapassar a barreira do mero humano, transcendem. Ostentam profundidade psicolégica e multiplicidade de acées: Diadorim, de Grande Sertdo: Veredas, Ulisses, da epopeia grega A Odisseia, de Homero. Estas personagens, imprevistveis em suas atitudes, rompem com a linearidade e nos provocam impactos ‘com suas agdes: Medeia, que mata os filhos, apesar de amé-los, para vingar-se do marido que a trocara por outra mulher; Edipo, que, apés ter descoberto sua verdadeira origem, conclama a multidao e fura os olhos na frente «do povo; Prometeu, que furta o fogo sagrado dos deuses e alia-se aos mortais e andréginos, castigado, amarrado a0 Céucaso, com uma guia a Ihe devorar todos os dias © figado que cresce sem parar. 2» As personagens podem ser caracterizadas fisica ou icologicamente, ou ainda, de ambas as maneiras simultaneamente. Quanto & atuagéo no enredo: Esta classificagto nll segue a concepeto do te6rico E.M. Forster. Principais e secundérias A referncia serve para designar que as principais ccabe sustentar, como eixo, todos 0s fatos inerentes & nar- tativa. As secundérias eabe dar suporte & continuidade da hhist6ria, intermediando as agdes e girando ao redor das principais como seres complementares. a) Protagonistas As que encabecam as agdes, sustentam 0 eixo narrativo. O mesmo que principais. Leonardo (filho) em Memérias de um sargento de milicias & bom exemplo disso. ‘Um outro exemplo de personage protagonista & Jacinto de Tormes, do romance A cidade e as serras. de Ega de Queirés. Embora o narrador seja José Fernandes, que ¢ coadjuvante, todas as ag6es giram em tomo de Jacinto, o protagonista, © Aspersonagens protagonistas possuem wna ul marca, uma distincdo, uma acéo recorrente que ‘ts caracteriza, tim sotague, wma maneira de ser © ¢ awit, wna expresso rovineira de que se valen Be com frequéncia, O proprio Jacinto de Tormes, de A cidade ¢ as serras, nos dao exemplo quando exclama, de maneira sucessiva, as expressdes “Que seca!”, “Que macada!”. b) Antagonistas DesignacZo atual para o antigo vildo. Cabe a elas impedir, dificultar, atormentar a “vida” das personagens protagonistas. Como observagao, seria bom lembrar que as antagonistas nao precisam ser propriamente pessoas; as vezes, so representadas por sentimentos, grupos sociais, peculiaridades de ordem fisica, psicol6gi social dos individuos e até podem representar insti Suponhamos que vocé tenha uma hist6ria onde dois individuos do mesmo sexo se amem e queiram casar. Oantagonista sera o Estado, a sociedade, a Constituigio que os impediré de concretizarem seus desejos. ©) Coadjuvantes ‘Omesmo que secundérias. Coauxiliam no desenvol- vimento da histéria > Tempo Para 0 critico Massaud Moisés, 0 “tempo, no romance, provavelmente constitua o ingrediente mais Cy complexo ¢ 0 mais relevante: de certo modo, tudo no romance forceja por transformar-se em tempo, que seria, em Ultima instancia, o escopo magiio do romancista. Mais do que escrever uma hist6ria, mostrar cendrios, eriar personagens, o seu objetivo consistiria na criago de um tempo e da sua fixagio, dentro das coordenadas de um livro. Senhor absoluto do tempo, o ficcionista pode acompanhar as personagens durante toda a sua existéncia’”, critico ressalta, ainda, que dois tipos de tempo podem ser considerados numa narrativa: Histérico (cronolégico) (Chamado também de linear, diacrOnico, é mensurével € segue a organizagio do dia a dia. Tem o ritmo do calendiério ou do rel6gio e pode, muitas vezes, set apontado por situagBes adverbiais: & noite, naquela manhil, no outona de 1997. Outros indices temporais podem ser levados em consideragao: durante a adolescéncia, por um instante. Psicolégico (interior ou pessoal) Decorre “dentro” das criaturas. & sempre imaterial, no mensurdvel, particular. A nica maneira de medi-lo € por meio das associagGes com a duragio dos sen- timentos. Nao é 0 tempo des meses, rel6gios, calenclérios W temeiprdo sé Exemplo do cotidiano: Voc® marca um encontro, 0 primeiro, com quem ama, as 7 da noite. As cinco em ponto vocé ja tomou banho, escolheu a roupa. Olha © relégio que néio move os ponteiros. Essas duas boras {que separam voogs serao infinitamente longas, embora ‘tempo real tenha sido marcado nos relégios de mancira idéntica a todas as horas. ‘Um outro exemplo: sentado(a) na carteira do vestibular, com a afligio das indmeras quest6es pela frente, seu rel6gio “voa”, quatro horas sto céteres demais, Bo tempo psicoldgico, interior, > Espaco Nenhuma personagem, em qualquer tipo de narrativa, esti solta no espaco. A espacialidade existe sob a forma de ambiente onde se insiram as personagens. E numa classificagio simplista, podem ser qualificados de abertos (0 campo, uma praca) ¢ fechados (uma casa, ‘um cémodo, uma sala). (Os espacos, muitas vezes, singularizam as eriaturas. Veja 0 exemplo de Bento Santiago, em Dom Casmurro, ‘que mandou reconstruir a casa de sua infincia: ou observe 1m roméntico como Alencar descrevendo “os mares bravios”, as praias do Ceard, a pequena floresta onde «encontramos Iracema pela primeira vez, no livro homdnimo. (O espaco é vital para a construgio de boas histérias. Menos que um pano de fundo, é indicador de caracteristicas humanas: O “Paraiso”, em O Primo Basilio mostra o carter das relagbes entre Basilio € Luisa, assusta-a pelo feio, sujo, quando esperava.o belo € romantico lugar para encontrar-se com 0 amante. Em O Cortico, de Aluisio Azevedo, é antes uma personagem, ganha corpo, é antropomorfizado, assemelha-se As criaturas. Da mesma forma que a natureza em O Guarani, de Alencar, rompe as barreiras de simples pano de fundo para as ages e passa a ocupar status de personagem grandiosa. Tipologia de Espacos Fisicos ‘Sao espagos “verdadeiros”, ambientes criados pelo narrador para contextualizar suas personagens; € 0 cendrio. No Romantismo, por exemplo, € meramente decorativo: no Realismo, em contrapartida, faz parte indissocifivel das caracteristicas mais profundas da personagem: decifia suas caracteristicas ou, entdo, indica, por meio do Determinismo, que o homem é produto do, meio em que vive. ‘Tinham acabado de almosat. Asalaesteirada, alegrava, com o seu teto de madeira pintado a braneo, © seu papel claro de ramagens verdes, Era em jalho, um domingo, fais um grande calor; ax vas janelas estavam cerradas, mas semtia-se fora sol faiscar nas vidragas,escaldar a peda da varanda; havia.o silencio recolhido e sonolento de manhi de missas uma vaga queria amolemava, raza desejos de estas ou de sombras {as debaixo de arvoredos, no campo, 9 péda gus; nas duss galas, ‘etre as bambinelas de cretone azulado, os eanérias dormiam; um ‘aumide mondtono de moscas arrastava-se por elma da mesa, pousavt no fund das chivenas sobre 0 agicar mal derretido, enchia toda a sala de um rumor dormente. ga de Queirés. O primo Boslia, cop. | Psicolégicos Muitas vezes, 0 espago € meramente interior reflete estados psicoldgicos. Principalmente nas narrati- vvas intimistas, a espacialidade tem acento nitidamente psiquico e aponta os estados de alma das personagens ‘Tomando como exemplo Perio do Coracao Selvagem, de Clarice Lispector, a personagem Joana {rd embora no final da narrativa. Em espago aberto, pelo mar, procurara o “coragio selvagem da vida”, lugar desconhecido, mas intufdo ou sonhado. Ho de pergantar-me porque azo, tendo a propria casa velha, ‘na mesma ua antiga, no imped quea demolissem ¢ yim eproduzila ‘esta, A pergunta devia sr feta prinefpio, mas aqui vai a resposta ‘A razio € que, logo que minha mie morreu, querendo ir para kf ‘rimeiro uma longa vista de inspegio por alguns dias, e toda a cass rmedesconteced, Noguintalaarveraea ptangueir, 0 por, aeagsmba velha €olavadouro, naa sabia de mim. A casuarina! era mesma que ‘eu deisara a0 fando, mas o tronco, em vez de reto, como outrons, tinha agora um er de ponto de interrogagdo;naturalmente pasmaya do {ntruso. Corr os olhos pelo ar, buscando algum pensamento que ali OE UU hod sdeixasse eno ache nenhum. Ao contrtio, a ramagem comegou sussurar alguma cousa que no entendi logo, € parece que era a ccantiga das manhis novas. Ao pé dessa masica sonora e jovial, ouvi também o grunhir dos porcos, espécie de toga concentrada eilosstiea. “Tudo me ea estranho e adverso, Deixel que demolissern.acase, «mais tarde, quando vim para o Engenho Novo, lembrow-me fazer «esta reprodgo por explicagdes que del ao arquiteto, segundo contei em tempo, Machado de Assis, “Uma pergunta tarda’. Casmurro, Cop. CXUV Ainda nio entendeu 0 que & espaco psicolégico? ‘Vamos 1a! Voce, suponhamos, receberé um diploma, um prémio, Esté nervoso, inquieto. Chamam seu nome, hé centenas de pessoas olhando para vocé que... atravessa pista de danga de um clube qualquer e dirige-sea mesa principal para ser premiado, diplomado. O trajeto até a mesa serd imenso, quilométrico. Quando olhado numa outta ocasiao. parecer muito menor do que aquele que voce, inguieto e nervoso, atravessou com 0 coragao saltando pela boca. Entendeu agora? > Acao Muito cuidado para no confundir acdo com enredo, historia ou argumento narrativos. Podemos definir ‘agao como uma sequéncia de acontecimentos na narragao e, como se encadeiam numa ordem natural de causa ¢ efeito, acabam por formar o todo de que se alimenta a histéria, Dessa forma, um conjunto de agdes feitas ou recebidas pelas personagens, encadeadas entre si, geram oenredo. Hordcio, poeta latino, observava que a agao, juntamente com o tempo e'0 espaco, formava o que ‘conhecemos como a “lei das trés unidades” que qualquer narrativa jamais pode dispensar para ser digna de crédito, ‘A sequéncia das agdes narrativas desenvolve-se no tempo, nio se esquega disso; é um conjunto de fatos; no entanto, é preciso observar que esta sequéncia de fatos nem sempre implica uma ago. Para que isso acontega, & preciso que tas fatos estejam “amarrados” entre si, que formem um todo a que podemos chamar, centio, de enredo. ‘Quando se escreve, niio podemos deixar ao longo das narrativas que produzimos “fios soltos”. Eles devem ser“amarrados" entre si, produzindo o que chamamos de coeréncia interna. Mais do que descrever fatos, precisamos: prestar atenco ¢ produzir situagdes que se encadeiem, ‘originando dai o todo narrativo, o conjunto de circunstiincias acionais que gerem uma historia na qual se creia. ‘Como voc® pode perceber, as ages implicam também verossimilhanga e dio unidade e sentido a sua narragio ou a qualquer texto que conte uma hist6ria. iu [1) Casuarina: Genera de dryores e arbustos dicolledénecs da fora des cosuarindceas, originérios da Austra © hé longo tempo inraduzidos ne Gros, e que se caracterizam pelos ramos numeroros @ pelo crescimento répido. A pilavra “‘personagem” é origindria do latim “persona” e designava ‘a macara que 0s atores do teatro usavam na frente do rosto ao representar ‘05 papéis. Voot sabe que desde a Grécia as mulheres estavam proil de comparecer aos espetéculos puiblicos do teatro? E também, por serem julgadas inferiores, nio podiam participar da encenagio? essa forma é que as “personas” foram criadas: mascaras feminina que eram usadas por homens que representavam mulheres no paleo, As méscaras que hoje representam 0 teatro (uma que chora ¢ outra que ri, quase que entrelagadas) sio a representago das tais “personas” (Ou seja, personagens so a representagiio dos seres humanos. Méscaras de teatro, Leia 0 que o professor Massaud Moisés, em seu Diciondrio de Termos Literdrios escreve: A propria etimologia do vocabuto assinala uma resriglo semntica que merece registro: animais no podem ser personagens, ‘menos ainda os seresinanimados de qualquer espécie. Quando comparecem ao universo ficcionl, os animals tendem a sce meras ‘rojegdes das personagens (como no easo de Quincas Borba), ou denctam qualidades superiores sua condieio, uma espécic de “inteligéncia” humana (como a Bale de Vidas Secas)ou server de metivo para aacio (como.m Moby Dick). Osapslogos ou fébulas _tilizam os animais como protagonistas, mas envolve-os de um halo simbstico que os subrai do cireulo 00 Sco interior para alglos ao perimetro humano. Editora Cur, p97, a Machado de Assis. Leia a seguir um texto do reali Quineas Borba (Capitulo V) Rubio chou um rival no corago de Quincas Borba, —um cio, um bonito clo, meio tamanho, pélocor de chumbo, malhado de preto. Quineas Borba levavi- para tod parte, dontiam no mesmo quarto. De manha, era 0 cto que acordava o senhor, trepando ao lito, onde trocavam a primeciras ssaudagdes. Uma das extravagincias do dono foi dar-Iheo sea préprio nome; mas, explicava-o por dois motives, um doutrinésio, outro particular — Desde que Humanitas, segundo a mina doutrina, 60 principio da vida € reside em toda a parte, existe também no cdo, este pode assim receber um nome de gee, sja cristo ou muculiano.. — Bem, mas por que nao The deu antes o nome de Bernardo? disse Rubitio com o pensamento, ‘em um rival politico da locale. Esse agora € 0 motivo pattcular Se eu morrer antes, como presumo, sobreviverei no nome {do meu bom cachorro.Ris-e, no? Machado de Assis Rubio fez um pesto negativo. ~ Pois devias rir, meu querido, Porque a imoraalidade € o mew lote ou © meu dote, ou como melhor nome hija. Viveret Perpetuamente no meu grande livro. Os que, porém, nao souberom ler, chamario Quincas Borba ao cachorro,e. (cio, ouvindo o nome, correu a cama. Quincas Borba, comovido, olhou para Quineas Borbe: ~Meu pobre amigo! meu bom amigo! meu tnico amigo! Unico? —Desculpa-me, tu também 06, bem sei e agradego-te muito; mas a um doente perdoa-se tudo, Tevez esteja comegando.o meu Aetiio. Deixa vero espelho, Rubio deu-Ihe oespetho. 0 doente contemplou poralguns segundos a cara magra,o olharfebril, com que descobria os subirbios ‘da morte, para onde eaminhava a passo lento, mas seguro. Depois, com um soriso pido e iro ~Tudo o que esté cd fora corresponde wo que sino cd dentro; vou morrer, meu caro Rubido... Nia gesticules, vou more E que 6 morrer, para fcares assim espantado? CU OU ~ Sei, sei que voo8 tem mas fiosofi ‘Mas falemos do jantar; que hd de ser hoje? Quincas Borba sentou-se na cams, deixando pender as pernas,cuja extraordindria magreza se adivilnava por fora das calgas. = Que 6? Que quer? acudiu Rubito — Nada, espondeu o enfermo sorrinda, Uns filosofias! Com que desdém me dies isso! Repete, and, quero ouvir outra ver ‘Umas filosofias! = Mas nto é por desdém... Pos en tenho capacidade para desdenhar de filosofiss? Digo s6 que voc® pode crer que a morte no vale naa, porque ter razbes, principio. Quincas Borba procurou com os pés as chinelas; Rubido chegou-lhas; ele ealgou-ase pOsese a andar para esticar as pera. [Afagou o doe acendeu um cigar Rubido quis que se agasalhasse trouxe-Ihe um fraque, um cote, um chambre, um capore, ‘escola. Quineas Borba recusou-os com um gesto,Tinba outro ar agora; os olhos metidos para dentro viam pensar ooérebro. Depois ‘de muitos pass, parou, por alguns segundos, ante de Rubio. Machado de Assis. Contos. © homem que espalhou o deserto (Quando menino, costumava apanbar a esoura da mee ia para ‘© quintal, cortanda as folhas das érvores, Havia mangueiras aaeateios, ameixeinas, pessegueirose a mesmo jabutieabeiras. Um ‘quintal enorme, que parecia uma chécara e onde 0 menino passava 0 dia cortand fothas. A me gostava, asim ele no ia para a ru ‘andava em més companhias. E sempre que o menino apanhavao seu ‘aminhio de madeira (naquele tempo, ainda no havia os eaminbGes de plastica felizmente eeruzava. portao,a mle corria coma tesours: tome, filhinho, venha a brincar com as suas folhas. Ele voltava © ‘corti, AS drvores levavam vantagem, porque era imensas © 0 rmenino pequeno, 0 seu trabalho rendia « pouco, apesar do diaa dia, constante de manha 2 noite ‘Mas 0 menino cresceu, € ganhou tesouras maiores. Parecia Udeterminado, & medida que o tempo passava, a acabar com a folks todas. Dominado por uma estranha impulsio, ele no queria ie 2 escola, nfo queria ir 20 einer, nd tinha namoradas ou amigos ‘Apenastesouras, das mais diversas qualidades tipos. Dormia com las no quart. A noite, com uma peda de amolar,afiava bem 0s corte, preparando-as para as tarefas do dia seguinte. As vezes, detxava, ‘aera janela, para que o lua brilhasse nas esouras poids. Le ‘S6 que, agora eleera maior es rvorescomegarama perder Ele demorou apenas una semana para limpar a jabuticabeira. Quinze lias para a mangueira menor e vint e cinco para a maior. Quarenta dias parao abacateio que era imenso,tinha mais de cinguenta anos. E seis meses depois quando conclu, jf jahutieabeira tinha novas fohas, ele preeisou recomecat Cert noite, rogressando do quintal agora silencioso porque © desmatamento das Arvores finha afuzentado péssaros © destruiéo ninhos, ele coneluin que de nada adiantaria podar as fothas. Els se recomporiam sempre £ uma capacidade da natureza, morrerereviver. bal Ignacio de Loyola Brandéo. Codeiros Probidas. Rio de Janeiro: Codeer1979. Depois de ler o trecho anterior, faga uma narragdo que obedeca as seguintes orientagdes: a) Sua histéria deyerd ser uma continuagio do texto apresentado, ) Portanto, continue narrando em terceira pessoa. ‘c) Escolha mais trés personagens que comporao sua his {ria; eles deverio, obrigatoriamente, estar envolvidos ‘em campanhas de preservagiio da natureza. 4d) Leve ainda em conta que eles comecam a fazer parte da sua histéria quando um jornal descobre 0 “trabalho” da personagem dona das tesouras. e) Tais personagens deverao tentar convencer 0 destruidor de que deve parar seu “trabalho”. ) O dono das tesouras é, no entanto, surdo. 2) O dono das tesouras sabe, no entanto, ler escrever. Para terminar de contar sua histéria, voc€ pode ocupar de 25 a 35 linhas; nfo se esquega de que teré de cconstruir apenas parte do desenvolvimento ¢ 0 desfecho, uma vez que a sequéncia inicial esté dada. Lombre-se de que voce acabou de estudar perso- nagens, tempo, espaco e acto. 1) Ao usar o chomada pontuacée entonel, ado se ufiiza de sequéncias: nenhuma pontuago pode vir dupicado, excel quando #7 uso 05 enone inferrogavos« exclomatvos:~ Ev fe amare}; ~Eu te amo! (crete); — Voce to 2) Cuidado com os porsnimos @ homé ne fe (estes o ocontece by chécora (pedage de tera) / beara (congBo, pequene composigbo robe); c)esrea (say mostrar pela primeira vex) ‘shor fazer esto, sco): espectodor(quevé ou assist) / expectador (que espero, que tom perspectivas, xpecteivas) ) esperio (que'¢ oo} / expert (que & experimentedo, que possui experincia) () cover (costurr) (corer (exis 2) Inciplente que se iricia) /insiiente (desconhecedor ignorante, sem gosto); h)iacontinente (que nc tem moderacao) incontinent (iediasorsente);) Stic (relative & vis6o) / ico (relative eo owvido); |) ites de grande wulo) / vuliosa {cheio de curvas sinyaso). a B ual a diferenga entre autor € narrador? Como € que os natradores se posicionam em uma Jnarrativa? E para responder a essas perguntas que 0 capitulo 5 foi escrito, O narrador & um Ser que perience a hisidria que esté sendo narrada; conduz 0 fio narrativo. O autor, por ‘sua vez, é uni homem do mundo, Autor € 0 escritor. Mas € preciso lembrar sempre que o narrador 6 um preposto do autore que, claro, muitas vezes o narrador “diz” coisas que coincidem com. que pensa 0 autor. ‘Quem no se lembra do final do romance Memdrias Péstumas de Bris Cubas? “Nao tive fillos, no transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria,” Para quem conhece Machado, ‘hist6ria de sua vida, I esta o depoimento do epilético que preferiu nio ter descendentes. s narradores podem manifestar-se de duas maneiras: €m primeira pessoa, dando As suas narrativas um tom memorialista e pessoal, so personagens que contam sua vida ou de alguém ‘muito proximo; ou podem, ainda, manifestar-se em tetceira pessoa, contando a hist6ria de outras criaturas. Em terceira, colocam-se como meros observadores ou como oniscientes, podendo, assim, penetrar nos labirintos da “alma” de suas personagens. (© Romantismo deu preferéncia a narrativas em terceira, com narradores observadores, A partir do Realismo, eles aparecem sob a forma de observadores e oniscientes. Por iltimo, aprenderemos também que os chamados focos narrativos podem oscilar ¢ encontraremos numa mesma histéria narradores observadores e oniscientes, itil defender, s6 com palavras vida Jo60 Cabral de Mello Neto > Autor e narrador: diferencas Qual é, afinal, a diferenga entre Autor e Narrador? Existe uma diferenga enorme entre ambos. Autor Eumhomem do mundo: tem carteira de identidade, ‘vai ao supermercado, masca chiclete, eventualmente teve sarampo na infanciae, mais eventualmente ainda, pode até tocar trombone, piano, flauta transversal. Paga imposto Narrador E umser intradiegético, ou seja, um ser que pertence a historia que esti sendo narrada. Esté claro que é um preposto do autor, mas isso no significa que defenda nem compartilhe suas ideias. Se assim fosse, Machado de Assis seria um crépula como Bentinho ou um bigamo, porque, casado com Carolina Xavier de Novais, casou-se também ‘com Capitu, foi amante de Virgflia e de um sem-niimero ‘de mulheres que permeiam seus contos e romances. narrador passa a existir a partir do instante que se abre 0 livro e ele, em primeira ou terceira pessoa, con- tar-nos-d a hist6ria que o livro guarda. Confundir narrador autor é fazer a loucura de imaginar que, morto 0 autor, todos 0s seus narradores morreriam junto com ele e que, Portanto, nfo disporfamos mais de nenhuma narrativa dele, ‘ipos de focos narrativos Agora que vocé jé sabe a diferenga entre autor e narrador, passemos as escolhas que o tiltimo fiz para narrar. Esta escolha se chama foco narrativo, ou seja, a posi fem que o narrador assume a pessoa do optaré, © foco narrativo é também chamado ponto de vista do narrador, ou seja, significa como, em que posigio 0 narrador vai contar a hist6ria. H4, para isso, dois modos: ‘ou narrard em 1* ou escolherd narrar em 3* pessoa, 1. Narrador em primeira pessoa (personagem narradora) E, geralmente, a personagem principal; dato tom ‘memorialista que orelatoadquire. Paulo Hon6rio, de Sao Bernardo, ou Bento Santiago, de D. Casmurro, so personagen-narradoras: contam suas proprias histGr 'Nem sempre, no entanto, os narsadores em primeira pessoa sio as personagens protagonistas: em A Cidade e as Serras, de Bga de Ques, a personagem que narra Os fatos € José Femandes, coadjuvante; 0 protagonista & Jacinto de"Tormes. Observe os textos a seguir: Texto 1 Sem aviso Tanta coiss que entio eu nfo sabia. Nunea tinham me fa ‘porexemplo, deste sol das trs horas. Tambéim note tinbam falado deste ritmo tio seco, desta martelada de poeira. Que poeia,tinharn _me dito. Mas opassariaho que vem para minha esperanga do horizonte ara ass abertas, um bico de guia incinade rindo. Quando nos Albuns de adolescente eu respondia com orgulho que ni sereditava ro amor, era ento que eu mais amava. Clarice Lispector. “Fundo de Gavelo". A Legiéo Estrongeira Fd. do Autor, p.145, ‘Texto 2 A Cidade e as Serras Jacinto € eu, José Fernandes, ambos nos encontramos € ‘acamaradamos em Pars, nas escolas do Bairro Latino, para onde me ‘mandara meu bom to Afonso Fertandes Lorena de Noronha e Sande, ‘quando aqueles malvados me riscaram da Universidade por eu ter ‘esborrachado, numa tarde de procissio, na Sofia, a cara sordida do, Doutor Pais Pita, ‘Ora, nesse tempo Jacinto concebera uma deta... Este Principe concebera a ideia de que “o homem s6 &superiormente feliz quando suporiormenteeivilizado” (1 Por uma conclasio bem natural, a ideia de eivilizagao, para Jacinto, dose separava da imagem da cidade, de uma enorme cidade, ‘90m todos 08 seus vastos 6rgos funcionando poderosamente, Nem este meu superivilizado amigo compreendia que longe de armazéas servidos porteés mil eaixeiros; ede mereados onde se despejavam os \ergéise levis de tints provincia.” Eca de Queirds. A Cidade e os Serres. No primeiro texto, voc€ pode observar 0 tfpico narrador protagonista, Ele é 0 centro da ago que narra e todos os acontecimentos giram ao seu redor, bemn como impresses & sentimentos;, no segundo texto, 0 narrador secundario, amigo da personagem protagonist, Mas narra em 1* pessoa, usando como recurso a primeira pessoa do plural quando se inclui na narrativa. 0 romance A Cidade e as Serras ¢ um bom exemplo de narrador coadjuvante porque todas as ages narrativas estdo centradas em Jacinto de Tormes ¢ José Fernandes a tudo observa. 2. Narrador em terceira pessoa Este tipo de narrador no é personagem do que narra. Ele apenas relata os fatos, registra as ages de uma hist6ria que no € a sua. Pode ser visto sob dois aspectos: @) Narrador observador E apenas um observador e conta os fatos como espectador de uma histéria, Fagamos uma comparaco com a vida real: & alguém que, tal como um narrador esportivo, vé e relata, por exemplo, um jogo de futebol. Estd do lado de fora da partida, narra o que ve. Texto 3 O Guerreiro Retumba.a festa na taba dos araguaias [As fogueirascirealam vastaocarae derramam no seo da noite ‘escuras chamas da alegria. “Tada a tarde o tocane reboou chamando os guerretos das ‘utrastabas & grande taba do chefe ‘Bra a festa gueneira de Jaguaré, flbo de Camacan, 6 maior chefe dos raga No fundo da veara preside o consetho dos ancides, que decide 4a paz ou da guerra e goyernaa yalente naga. Os ancives sentados no longo girau contemplam taciturnos 2 _gerago de guerciros que eles ensinaruma combater,e tem saudades dapassada gléra, ‘Suspenso em frente dees esto grande arco da naglo Aragusi, fomado nas postas das penas vermelhas da ara. ey a insfania do chefe dos guerreiros, a qual Camacan, pat de Juguaré, conguistou na mocidade e ainda conserva, pois ninguém ‘usa disputi-ta, Joséde Alencor: Ubirojara b) Narrador onisciente ‘Também narra em terceira pessoa, tal como 0 primeiro, mas € eapaz de penetrar na intimidade de suas personagens; ndo s6 relata os fatos, mas traz. para 0 texto tudo 0 que suas personagens pensam e sentem, revelando-Ihes o mundo interior, desejos, frustragdes, alegrias, dios. Este tipo de narrador desvenda 0 mundo interior das personagens, aponta e mostra ao leitor todas as ‘emogées que elas guardam em si: ‘Texto 4 O burrinho pedrés Sete-de-Ouros parara 0 chouto; ¢ imediatamente tomou ‘conhecimento di sragem, do borne do mat: primeira oelhas Fires, para cima —perigo difuso, incerto; depois, a orl se mextarn, par ‘os dos - dificuldle sabida, bem posta no seu lugar ficou, Atreva ‘era espessa, eum burro no 6 gato nem cobra, para querer enxergar no escuro, le no espiava no eseutava, Esperaya qualquer coisa. B, quando essa chegou, Sete-de-Ouros avancou, resolute, ‘Chafuriou, espadanou égua fo. Ent, os cavalos aim quiseram caminhar[. era o regolfo da enchente, que tomava conta do plaino, até ‘onde podin aleancar. Os cavalos pisavam, tatentes, Pata € pei. Pasco © passo, contra maior altura davam, da cotrenteza, em que ‘vogava un murmério, A inundagao, Mil torneirastinha a Fore, © riacho ralo de ontem, que da mans & noite muita dg ajuntara, ssubindo ¢ se abrindo ao mais. Crescera, 0 di inteiro, enquanto os, ‘vaqueiros passvam, levavamn os bois, etomavam, F agora os homens © 08 cavalos rela entravam, outa vez, com as cabegas se metendo, uma por uma, na volta de um Lago. Ble estavam vindo. O rig i. tel Jade Guimorses Rose. Sagorono. Rio de Janeiro. Livraria José Olympie Editora, 1972 Considere, no entanto, que temos ainda um terceiro tipo de foco narrative: o chamado misto, Nenhuma narrativa sustenta apenas um dos tipos, que estudamos: portanto, é comum que encontremos em, ‘uma s6 narrativa a alterndincia de focos: ora se apresenta, ‘© narrador como apenas observador, ora é onisciente e ‘nos revela o universo interior dos seres que compoem a hist6ria que conta. Observe, no texto abaixo, o narrador em primeira pessoa, Som do Sax into que pra com isso. Ougo essa sca eembro de meuieno tocando guiturrac, na fala do sax fazendo som com boca. Ligdessa imagem acle de uma tal forma que ovejo moro. Bele moro me ra saudadedesse di em que abomine suitarrae merida mito dost. Sobe por mim uma dor tio funds, como se me arasem todas as pedras que exstem. Nlo consigo contr as grimas. Men mio ums pessoa Tnda. Feu nunca anes vi isso. Meu imo ereseu ‘No & mas cranga, Namora. Drie. F eu penso que a vida pass So rida ew ners me dou conta de ant coisa gue perso segundo aps segundo. Ando com uma terre impessio de que You mame a qualquer momento. portaso que preciso lar mais © ‘fu escuro em noite deesirelas. Veo a falta de dents no homem risticoe tno Vontade de chor: Quando ehoro meus olhos eam ase verdes, Vejo 0 pedrero no alto da obra, sem protego,¢ tenho medo. Vou me afestando, como se com isto deste impesr ‘Acesso am: 24/n0¥./2007. Texto 2 Artigo 64 do Decreto-Lei 3.688/1941: "Tratar animal com rueldade ou submet¢-o a trabalho excessive, Pena: Prsio simples, de 10 dias a um més, ou malta Em 27 de janeiro de 1978, a Unesco proclamou a Declaragio dos Direitos dos Animais, o que completou trinta anos de existéncia. Apesar disso, cenas como essa que vocé pode ver na foto acontecem qtiem menos possui [parece exercer com mais consciéncia a compaixdo pelos ditos “a Crie para a cena uma hist6ria, ja que muitos anos sio passados desde que a fotografia foi feita. Nao é& necessério considerar , mas é bom que vocé saiba que a ‘mulher da foto é uma pedinte e lembre-se de que todas as pessoas deste mundo tém perspectivas, sonhos desejos. Qual a hist6ria vivida por ela ¢ pelos animais? \Vocé deverd obrigatoriamente usar discursos diretos indiretos em sua narrativa que serd levada a efeito em, 3* pessoa, XERCICIOS PROPOSTOS ‘Tenei vr, para mostrar que nfo tina nada. Nem por isso permitia sular a confidncia,pegow em mim, levou-me so quarto dela, acendet ela ordenou-me que Ihe dssesse mado. Eno eu pergunte the para pincipiar, quando é que ia para seminéri, — Agora s6 para o ano, depois das férias. ‘Machado de Assis. D, Casmu. Neste excerto, que narra um fato ocorrido entre Bentinho © sua mae, observa-se 0 emprego do discurso direto e do discurso indireto, 1a) Transcreva os trechos em que € empregado o discurso indireto. b) Transponha esses trechos para discurso direto, efetuando as necessérias adaptagCes. [DQ tree De todos esses periquitinhos que tem no Brasil, tim € capu de ser ‘omenor. Tem bico redondoe rabo euro e€ odo verde, mas 0 mscho ‘tem umas penas azuis para enfeita, Tes filhotes,eada um mais feio {que © outro, ainda sem penas, os és chorando. O menino levou-o8 para casa, inventou comidinha para eles; um morreu, outro morte, ficou um, ubem Brogo. "Tuim cade no ded” Neste excerto de “Tuim criado no dedo”: ‘A7O narrador em terceira pessoa emprega o discurso indireto para assimilar 0 ponto de vista do menino. CUE Utd B CDRepetigdes, diminutivos, simplicidade sintética introduzem no discurso a perspectiva do menino, CTIA escassez de adjetivos toma concreta a visto substantiva, propria da infiincia, DO narrador em primeira pessoa utiliza o discurso direto para recriar a visio infantil E 1 Diminutivos, predominio da subordinagaoe sineste- sias recriam o registro da percepefo geral infantil. | =Mas pra voce nfo € ums pocavergonha, €?—ela ise, seeando aslégrimas. Voltaya ao desaio. 2. —Bu sou homem, ou vost nfo entende isto? 3. —Niventendo. © Dr, Paranhos quedou-se quiewo por unt tempo mureado em séculos no relégioda agoni. Seus hos baixaram para amesae assim fiearam, enquano sua intligénciabuscava uma ferma chara de ilustrar» madeinha, Por fim, suspiroue disse 5 —Bu tenho um argumento que voe? vai entender: 6 Levantou-secomcenadificuldade eausentou-e da cozinba, onde ficamos suspensos por um fio em plene abismo. Logo, porém, ele retornou com 0 argumento na mao, Girow 0 tambor do argumento, Depois, com um gesto celmo, solene, bows 0 argumento na cinwura. Sentou-se novamente © disse pousadamente: 7. —Tem uma coisinha, ince: ov este al de feminism acaba be, uo que acaba é 4 tua mesada se nfo aeabar minha paciéncia antes, Certo? Agora varnos jantat. Ermani ss6. © Sempre lembrado. Porto Alegre IGELAEL, 1989. pp.136-7, ara substituir no texto 0 discurso direto pelo indireto, foram elaboradas as trés reescritas seguintes, uma para cada passagem do texto indicada entre parénteses. T, Secando as ligrimas, ela perguntou que para ele nfo era uma pouca vergonha. (1° pardgrafo) IL Ele disse que tinha um argumento que ela iria entender. (5° parégrafo) 111. O Dr. Paranhos disse a Dirce uma coisinha: ou este tal de femtinismo acabava neste dia, ou o que acabava eraamesada dela, se ndo tivesse acabado a paciéncia dele antes. (7 pardgrafo) Quais sio corretas? AC Apenas I BD Apenas I. CO Apenas Te 1. DU Apenas If e IL ED Todas, (Q fuse: — outta eos, —Oque? = 05 seus discos =O toca-diseos fo a nics coisa que eu consegui salvarquando sme despejaram, ~ Eu sei, Mas Julio Iglesias?! Luis F: Verissime. Comédias da vide pablica, 17/iul/1985, A classe ‘Transforme a fala a seguir em um discurso indireto. Para tal, imagine que ha na cena um narrador que utiliza os verbos introdutérios de fala e faga as modificagdes que se tornem nevessarias. — O toca-discos foi a tinica coisa que eu consegui salvar quando me despejaram. 5 free ““Vaesencontraro mundo, disse-me mea pac, parade Adhenes, ‘Coragem para aiuto, astante experimentel depois a verdade deste aviso, que me despa num gesto, das illusbes de crianga educada exoticamente na estula de carinhe que é 8 egimen do amor domesticn dtferente do {que se encontra for, to different, que parece © poema dos cudados ‘maternos um antfiio sentimental, cor a vantagem nica de fazer mais sensfvel a creatura dimpressto mde do primeiro ensinamento, ‘tempornbrusca da vitaidde na nflueneia de wma nove clima igoroso. Lombramo-nos, entretanto, com saudade hypo tempos; como se a mesmna incerteza de hoje, sob outro aspecto, no ros houvesse perseguide outr’ora endo viesse de longe a enfiads das docepe esque nos ultram. Euphemismo, os felizes tempos, cuphemisme apenas, igusl ‘aos outros gue nos alimentam a saudade dos dias que carer melhores. Bem considerando, a acualidade € a mestna em todas as datas, Fila a compensago dos desejos que veriam, das aspiragdes, {que se wansformam, lentadas perpetuamente do mesmo ardor, sobre ‘mesma base phantastica de esperangas, a actualidade € uma. Soba colorago cambiante das horas, um pouco de oure mais pela ‘manh, um poueo mais de purpura ao erepiseulo ~ a paysagem & a ‘mestna de cada lao belrundo aestrada da vida, Eu tinha onze annes, O Atheneu 1. dos felizes O primeiro pardgrafo de O Atheneu um discurso direto, Passe-o para o indireto, {Leia: Afuga Mal colocon o papel na mguins, o menine comegou a empurrar uma eadeira pela sla, fazendovun barulho infernal ~ Para com esse baruilho, meu filo ~ lou, sem se volar ‘Com ts sos, sabia reagie come homem ao impacto das grandes injusticas pateras: nlo estava fazendo barulbo, s6 estava empurrando umacadeirs. ~ Pois eno parade empurrar a cadeir, Bu vou embora ~ fo a resposta, Distraldo, 0 pai no reparou que ele juntava aeao As palavras, ‘poate de juntar do chdo suas coisinhas, enrolando-as aum pedaga de ‘ano, era sua bagagem* wm caminhto de pistico com apenas tr8s rodas, um resto de biscoito, uma chave (onde diabo metersm achave da despensa’ a mie mais tarde ied saber), metade de uma tesourinha cenfemyjada, sua nica arma pa a grande aventura, un botio amarrado um barbante Femando Sobino, COO PULEUy AS frases “... no estava fazendo barulho, estava s6 empurrando a cadeira” €“... onde diabo meteram a chave da despensa?” correspondem, respectivamente, a: AL discurso direto e discurso indireto, B Di discurso indireto e discurso direto, CL discurso direto e discurso direto. DL discurso indireto e discurso indireto, ECnda, 17 de julho Um dia desta semana, farto de vendavais, nafrigios, boatos, rmentiras, polemicas, Farto de ver como se descompiiem os homens, acionistase direores, importadores e industria, fare de mim, de ti, de todos, de um tamulto sem vid, de um siléncio sem quietagdo, peguei de uma pina de antincios,e disse comige: Bia, passemos em revista as procuras e ofertas, caixeiros desemprogados, pianos, magnésins, sabonetes,ofciais de barbeir, casas para alugar, amas de leite, cobradores, coqueluche, hipotecas, professores, Losses erénicas. Eo meu espiito,estendendo e juntando as milos ¢ os brasos, ‘come fazem os nadadores, que sem do alo, merguthou por uma coluna a seguit. Quando voltou 3 tona travia entre os dedos esta pérol “Una vdiva interessante, distin, de boa famifiaeindependente de mio, desea encontrar or esposo wn homem de mei-idade, ro, intrldo,e também com meiosde vida, que estejacomo ela ceansado de viver s6;resposta por carta ao escritério desta flha, ‘com as iciais MR... snunciando, a fim de ser procurad essa carta Gentil vidva, cu no sou © homem que procuras, mas desejava vert, ou, quando menos, possuro teu rtrato, porque tu no és ‘qualquer pessoa, tu vales alguma eousa mais que o comum das rmulheres. Aide quem esté s6! dizem as sagradas letras; mas nto fo\religiao que te inspirou esse antincio. Nem motivo teal6gico, nem metafisco, Pasitivo também no, porque o pasitivismo & Jnfenso as segundas ndpeias. Que foi entio, endo atriste, longa © aborrecida experincia? Nao queres amar; estas cansada de viver ss, a eldusula de ser 0 esposo outro abortecido, farto de soli mostra que tu nfo queresenganar, nem sarifearninguém, Ficam ‘desde i excluidos os sonhsidones, o$ que amem © mist6rio & ‘rocurem justamente esta oesido de comprar um bifhete na loceria 4a vida. Que no pedes um didlogo de amor, €clar, desde que impBes ackiusula da me-idade, zona em que as puixDesaefecem, ‘onde as flores vio perdendo a cor purpitea eo vigo eterno. No hi de ser um néufrago, a espera de uma tébua de salvacso, pois {que exiges que também possus, Ede se instru, pura encher com as cousas do espirito as longas nojtes da corugdo, & cantar (sem as mos presas) « tomada de Constantinopla. Vittva dos meus pecados, quem és tu que sabes tantos? © tet anincio lembra a earta de certo capitdo da guanda de Nero. Rico, interessante, aborrecido, como tu, esereveuum diawo grave Seneca, perguntando-the como se havia de eurar do tédio que sentia,e explicava-se por figura: "Nao 6a tempestade que me aflige, €0 ‘exjon do ae". Vtiva minha, o que t1queres realmente, nfo € um Cea UL ‘marido, um remédio contra o enjoo. Vés que a travessia ainda & Tonga, — porque a tua idade esta entre trinta e douse trintaeoito anos, ~ 0 mar & agitado, 0 navio joga muito; precisas de um proparado para mata esse mal crue indefinivel. No te contentas ‘com 0 remédio de Séneca, que era justamente a solidio, “a vida retirada,em que a slma acha todo seu sossego”. Tu jf provaste esse preparado; no te fez nada. Tentas outro; mas queres menos ‘um companheiro que uma companhia Machado de Assis. ASemane, 1892. ‘A frase do capitao em sua carta a Seneca ~referida em discurso indireto (parégrafo 7) — apresentaria, em discurso direto, a seguinte forma: A Sinto tédio, mas como se hé de curar! BC) Quero curar-me do tédio que sinto. C= Como hei de curar-me do tédio que sinto? DL —Sente-se um tédio, mas como curé-lo! E C= Qual hi de ser a cura para o tédio que sinto? Mauricio ssudou, com silenciosa admirngf, esta minha avisada alicia. Fimediatamente, para o meu Principe: —Hé trés anos que no te vejo, Jacinto... Como tem sido posstvel, neste Paris que é uma aldeola © que t aravances? ga de Queiros. A Cidade e as Serras a) Transponha para o discurso indireto 0 excerto acima, fazendo as adaptagdes necessérias. ) Justifique as alteragdes realizadas. (Q pee TL. Oque mudou na legislagao eleitoral: Come era em 89 ‘Apenas pessoas fisicas podiai fazer dougbes [.] “‘Entidades de classe ou sindicais nao podiam contribuir com os partidos. [.." Folha de S Paulo, 3/de2./1994, p.1-8. U1, Contribuir: 1. [+] Tomar pare em despesa comum, pagar contrbuigio; dar 4inbeiro, om outros (para determinado fim) [1 “ocd ndo contribu para as obras da igreja? [| "Contribuf com cem cruzados. Poucos paroquianos deixaram de contrbuit” 1 C.PLUFT.Dicionério de regéncia verbo. a) O perfodo destacado em I apresenta uma incorregaio ‘na regéncia verbal. Redija-o corretamente, com base na informagao de I. b) Ainda com base em II, formule uma explicagao adequada para 0 uso da preposi¢ao no perfodo destacado em I. 10} la insist — Me di ese papel af. ‘Na transposi¢ao da fala do personagem para o discurso indireto, a altemativa correta é: AC Bla insistiu que desse aquele papel af B C1 Bla insistiu em que me dese aquele papel ali. C.CEla insistiu em que me desse aquele papel af. DC Bla insistiu por que the desse este papel af E Ci Ela insistiu em que the desse aquele papel ai PLANEJANDO © TEXTO NARRATIVO interpretar o tema dos vestibulares quando se pede uma narragao. Partindo de um exemplo Imagnifico que € o conto “O primeiro beijo”, de Clarice Lispector, acompanharemos em minicias como se compée a organizagao textual, comentando seus aspectos do tecido, enredo, organizagao, foco narrativo, caracterfsticas. ‘Depois, simulando um tema dado no vestibular, vocé também vai poder acompanharo caminho (que se toma para a feitura de um projeto textual. Nao, nfo se trata obviamente de um rascunho, mas de como, sozinho durante uma prova, vocé poderd se sentir confortavel ¢ produzir uma narrativa ordenada, com todos os scus componentes, Observe que ¢ facil interpretar o que se pede e, em seguida, trabalhar os componentes da hhist6nia que Se propée contat, Hi, nessa ordenagdo, um aspecto fundamental: eriar um eixo, somar 0 que voe® sabe do mundo, trazer as personagens que so oferecidas e estabelecer para io elas uma hist6ria que poderia ser verdadeira, Escolhemos um tema, as caracteristicas dos seres que comporio a hist6ria, explicamos cada uma das partes, em sequéncia. Ao final das explicagdes, vocé encontrard um modelo de redacdo sobre o tema ¢ poderd, entio, iniciar seu trabalho. Dois aspectos devem ser ressaltados: o primeiro ¢ 0 da verossimilhanga — seu texto precisa ter credibilidade, espelhar-se na vida — e 0 segundo é o da cocréncia do enredo: ele deve trazer partes que, numa sequéncia temporal, ou atemporal, sejam coerentes, se encaixem e formem o todo narrativo, Ni capitulo, vocé vai verificar, passo a passo, como fazer um bom texto narrativo € como ‘Uma parte de mim esté dormindo, Ps sa, € apenas sentir era to bom. A concentra no sentir era Aifici no meio dabalbidia dos companteiros. 'Emesmo a sede comegar:brinearcom aturma,falarbem alto, ‘maisalto que obarulho do motor, ri, gitar, pensar, Seni, puxa vida! > Lendo um exemplo com deixava.a garganta seca, ii -gus des trl abe i tae Sntmee af -Enem sombya de gua. Ojeto era junta saliva, ef o que fez 2 : : Depsirertom braces egret iwi sone oan inom fneka pe Foren | ac ety el flare Uomo enorme maior do que ele propio, que Ine tomava agora corpo td. Leiamos com atencao 0 exemplo abaixo para qe ee prt, or compo : ‘Arisa fin, antes to bos, agora ao sol do meio-dia tonara-se Gormentarmos, depois, © 20s Poucos, Come Se AEE UT) guenee drda € a0 penetar pol nari secava nda mais a pouea lextor Se ea Gade panning SEY Tremeivo vet ‘onamoro ambos andavann tontos, era ‘amor. Amor com © que vem junto: José Soromogo. cera mesmo esperar, esperar. Talver minutos apenas, enquanto sia sede era de anos [Nao sabia como e por que mas agora se seatia mais perto da Sigua, pressentia-a mais pr6xima,escus olhos sltavam para fora da Jnela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando. (0 instinto animal dentro dele flo errara: na curva inesperada da estrada, entre arbustos estava..o chafari de onde brotava num fete a gua sonhada ‘© nibus parou, todos estavam com sede mas ee conseguiu ser © primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos. De olhos fehiados entreabriu os Isbios e colou-os Ferormente 0 orificio de onde joerava a dgua. O primeiro gole fresco descev, ceworrendo pelo pete até barriga, ra vida voltando, ecom esta encharcou todo 0 se interior arenoso aé se saciar. Agora podia abrir os olhos ~ Ftd bem, acredito que sou a ‘su primeira namorada, fico feliz.com isso, Mas me digaa verdad, s6a ver- | dade: yoe® nunca beijou uma mulher | ‘antes de me bei? i Ble oi simples: ~ Sim, i beiji antes uma mulher. ~ Quem era ela? perguntou com dor. Ele tentou contr toscamente, no sabia como dizer, Clavie Lispec © Bnibus da excursio subi Tentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresea batcr-lhe norosto centrat-Ihe pelos cabelos com dedos longs, finos sem peso como os de tm mile, Ficar As veres quieto, xem quase Abriuios e viu bem junto de sua cara dois olhos de eststua Fitando-o e iu que era aestétua de uma mulher eque era da boca da muther que safaa 4gua, Lembrou-se de que realmente ao primeico gole sentir nos labios um contato gélido, mais frio do que soube ento que havia colado sua hoca na boca da estétua da mulher de peda. A vida hava jorrado dessa boca, de urna boca para otra Intitivameme,confiso ns inoeéneia,sentinnirigada: mas ‘ig € de uma mulher que sai liquid vivificador,oiguio germinador da Vida... Olhou a estétus na, Eleahaviabeijado, Sore um tremor que nfo se via por fora e que se iniciow bem {dentro dele e 1omou-the 6 corpo todo estourando pelo ros em basa Dew um passo para trés ov para frente, nem sabia mais © que fazis. Perturbado, stOnito, percebeu que uma parte de seu corpo, ‘sempre antes relaxada,estava agora com uma tensio agressiva, © isso nunca te tinha acontecid, Esiavade pé, docerenteagressiv, sozinho no meio do outros, decoraio batendo undo, espagado, sentindo o mundo se transformar {A vidaera inteiramente nova, era outa, descoberta com sobresslt, Perplexo, num equilfrio fig. ‘AE que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte coculta nele a verdad. Que logo oencheu de sustoe logo tam de ‘um orgulho antes jamais sentido: ele Ble setomara homem. Clarice lispector Em: Felicidade Clondestin, Depois de ler (melhor reler..), observe bem: hé uma sequéncia de fatos que vao sendo costurados uns aos outros © que formam 0 que chamamos de “todo’ narrativo. O entedo vai se fazendo aos poucos, passo a asso, alinhavado nos acontecimentos, entretecido de pequenas partes que convergem para um s6 nticleo, amparado no tempo ¢ seu fluxo de continuidade. Como um tapete num tear Escrever uma hist6ria, uma narrativa, é como tecer tum tapete num tear: 0s fios ficam todos disponiveis, 6 preciso usi-los a todos, um a um e na ordem certa para desenhar 0 que antecipadamente se planejou. Caso deixemos os fios soltos, os assuntos soltos, corremos 0 risco dos desenhos do tapete nfo sairem como o planejado, ¢ « hist6ria, pobre dela, sem pé nem cabega. # isso 0 que, quando. voc8 escrever, deve estar pronto a enfrentar: cuidar para que sua narrativa seja um todo. E nada de ficar pensando que ela tenha que ‘the, certinhns, coniego) rieid o fin. A veces| ima boo histéria comega pelo climax. Nao hd ordem para as trés partes se apresentarem, mas hé, sem divida, uma preferéncia pelo tal “comeco/meio/fim”. No texto citado, perceba: a) existe uma situagdo inicial que se apresenta: a namorada pergunta, enciumada, se ela é a primeira mulher que 0 rapaz. beijara; b) ele titubeia na resposta: sim, houvera antes uma outra mulher a quem beijara; ela pergunta quem eraa ‘mulher; POU RAD ULULC} ) © as lembrangas, nesse momento, so tomadas pelo narrador onisciente, em terceira pessoa, que invade ‘a meméria da personagem € traz, em sequéncia dos acontecimentos, um fato antigo; 4) uma excursdo de meninos subia a serra; €) ele estava com sede e juntava saliva na boca; ‘ele pressentia que havia égua por perto; 2) pararam num chafariz h) ele colou os labios no fio de agua, bebeu até sacar; 4) ao abrir os olhos viu que era uma estitua de mulher ochafariz e que era da boca desta mulher que jorrara a Agua; {) sentiu algo que também jorraria dete: ) transformou-se em homem. © Pereeba: essa historia vai para além de si mesma, s € uma metéfora ¢ revela o instante em que 0 ‘menino temo primeiro orgasmo: “jorrou de uma fomte...” Onarrador, em linguagem magicamente bela, nos conta o instante da transformacao do meninoemhomem. Mais: voce verifica, ainda, que tudo converge para um fato que 0 narrador toma como um pretexto aparentemente banal para iniciar: quem fora.a primeira mulher beijada? Nao acredite que alguém se sente diante de uma folha em branco ou de uma tela em branco ¢ “faga” nascer a hist6ria do nada, Embora vocé possa acreditar sm “inspiragio”, & preciso saber que todo texto deve ser planejado: parte a parte, aco a acio. ‘Vamos aprender, entlo, a planejar um texto narrativo, Planejando, planejando... Em primeiro lugar, é bom saber: nés vamos planejar lum texto e € bom que nio se confunda isso com simplesmente fazer um rascunho. Por que planejar? Em primeiro lugar, porque voce terd de ter dominio sobre o que escreve, a fim de que se sinta confortavel para dar continuidade & histéria; em segundo lugar, porque ‘voce poderd ser surpreendido por um fecho que destos do corpo do texto. uma linha de enredo que se embaraga e... some de repente, deixando um “branco”. Tal como um engenheiro que projeta um prédio, um avido, um aeroporto ou uma méiquina, tio diferentes entre si, voc’ também pode —e deve! — planejar 9 que vai escrever. Para tanto, simulemos um modelo de enunciado semethante ao da Unicamp. E, a partir dele, comegaremos aplanejar. ana Tema ‘A seguir, hd elementos para a construgao de um {exto narrativo em que se tematiza orelacionamento entre duas pessoas, o cruzamento de duas vidas. Sua tarefa sera desenvolver essa narrativa, segundo as instrugbes gerais [Ls 1as vidas rio comogam quando as pessoas mascem. se assim fosse, cada dia era um dia ganho, as vidas prineipiam mais tarde, ‘quantas vezes tarde demais, para no falar naguelas que, mal tendo ‘comecado jd se acabaram..] Ah, quem escrevers a histéria do que. poderia ter sido? José Soramage, Jongade de pedra. Record, p16. Uma cena + Uma mathe, triste, 18 0 texto que voce encontrard disponivel mais abaixo, pensa num homem que partithou a vida dela anos atras. + Otexto é antigo, escrito para ela hi muito tempo. + Esté frio e chove la fora, a casa estd silenciosa © a mulher chora. + Um homem, sentado diante da escriyaninha do escritério, abre © computador e busca um arquivo: parece na tela a amante ruiva, sorridente, feliz + Um homem se olha no espetho e nao se reconhece: tem rugas, cabelos brancos. + Um homem chora de saudades. + Umamulher termina a leitura do texto, dobre 0 papel impresso e tenta reconstituir a historia que viveu. ‘+ Um homem soluga de dor, indagando-se onde estaria a mulher ruiva que fez parte de sua vida. + Uma muther se encolhe, se acomoda no sof, imaginando onde estaria 0 homem que fez parte de stat vida. Ela também chora, © texto lido pela mulher era o seguinte: 'Néstemos historias, soprecos © meds, ‘De nos perdermos um do outto 0 mar dees. Poemas que ti sme escrevestestemos, onde Sou tems, sem rima, puro sentimento, coma eadéneia desusada do bater do teu corago. 'Nés, entretanto, gostamos da chuva, © palavras temos que {nventamos para n6s.E jeits e formas gue eramos, e nossas mos {que reconbecem 0 contomo dos nossos rostos, sinda que cegos estejamos. Mundo que eonstruimos para nds femos sem alicerees Visiveis, mas firme. Ha um lugar em que plenamente vivemos, n0s ‘De nos hi uma parte rior que fica sempre em poder do outro, em seereto depésito, tal como protegido aumendrio suigo, que carregamos sem sentir 0 pes. ‘um imagindrio ché de jasmim que juntos temamos, hi as histérias de nds que nos contami, héo que juntos comemos, hi o limemto que nos damos na boca da alma, Hé o que mutuamente sabermos, que 56 n6s sabemos sobre n6s, que antes nfo sabfamos. ‘Amigos, parceiros, amantes, aarorados oucos, somos tudo, i 0 passeios adreos noturnos que fazfamos de mos dadas OUT aC O LULU) ‘Vodvamos, porque também podemos vosr, sempre pudemos, embora disso no soubéssernos. Um velho, um jagungo, uma muther enleada nas primitivas cores dos panos, Iadrides de ees nos protegendo, uma expresso areaica que se refere ao tempo, um criado negro fel e perigoso. Um cavalo, uma janela a ser saltada, um encontro num elevador, um conguistador barato, um amor fugidio num corredor deserto, lum encontro ums estrada, um heijo na avenida movimentada de domingo, Naruaandamos lado a lado, levando os livros que escolhernos juntos, medindo cada passo para no nos abragarmos, a vontade de cenlagar teu ombyo, vontade de furtar um beijo. Rimos. Ha uma mistura de realidade € sonho que jé no mais distinguimos,e nem queremos. ‘Ha um pacto que subscrevernos Hi alegria denos vermos. Huma saudade que no pass, que ultrapassa tudo 0 que de razodvel entendemos. Por conta disso inventamos 0 etemo abraco de quinze segundos, aefémera fotografia no espelho, o beijo com a porta do carro aberta, 0 telefonema, © bihete eletOnico, a troca de pequenas coisas, simbolos que nos idemtiticam. Pstradas que percorremos em comboio, As frases que extrafmos dos livres. Anossa posterior avaliagio de desempenho,na {qual analisainos itemizadamente os n0ss0s sentimentos, sensag0 por sensagdo, cada contragao de fibras, € nos descobrimos mals © Enos surprcendemos mais e mais com nosssimensa capcidade ‘de amar, antes duvidosa De toda forms nos amamos, com cem por cento dersco de ser pa sempre. Instrugoes gerais +E necessério que voce use todos os elementos da cena que leu para construir as duas personagens, 0 enredo, 0 cenario e 0 tempo de sua narrativa. +O foco narrativo deverd ser em 3* pessoa e o narrador deve, dada a natureza da cena, ser onisciente, + Odesenvolvimento do enredo, a partir da cena esco- Ihida por voc®, deveré levar em consideragao a cita- io do escritor José Saramago e estar atentamente ligado ao texto que a mulher leu. + Nao serd preciso que voce utilize todos os elementos do texto escrito pelo homem. Aprendendo a planejar Verique: quando um texto narrativo & pedido no vestibular, vem acrescido de uma série de exigéncias para que seja desenvolvido, Por isso, € necessdrio que aprendamos a planejé-lo. Veja 0 caminho, passo a paso: 1, Em primeiro lugar, leia atentamente 0 enunciado. Sublinhe um a um os eixos de exigéncia , antes de comegar a escrever, releia 0 enunciado e verifique novamente cada item, principalmente ndo se esquega de verificar qual é 0 foco narrativo que se exige. 2. Perceba: 0 tema anuneia que vocé deverd escrever sobre 0 enirelagamento de duas vidas. 3. Na citagio de Saramago, preste atengdo: “as vidas principiam mais tarde, quantas vezes tarde demais, para ndo falar naquelas que, mal tendo comegado jé se acabaram,l...] Ah, quem escreverd a histéria do que poderia ter sido?” Aqui, voc€ encontraré também uma espécie de norteador do texto que escreverd: anuncia-se uma histéria que poderia ter sido. Serd voc8 a escrever esta hist6ria. 4, Agora, preste muita ateng&o e no perca nenhum dos aspectos que terd de utilizar: um homem, uma mulher, ambos tristes, perdidos um do outro. Ela lé ‘um texto que ele escreveu para ela; ele olha, nos arquivos do computador, uma foto. Especule, imagine, A foto € de outra mulher que os afastou? Ou a foro é dessa mulher que chora? 5. Ambos ndo sabem mais um do outro, perderam-se. Por que motivo isso aconteceu? Voce seria capaz de escrever em que circunstincias isso ter-se-ia dado? 6. O homem esti envelhecido, o que escreveu a ela & texto antigo; portanto, esté envelhecendo também esta mulher, no se esqueca dos detalhes. 7. O texto que vocé lerd, escrito por ele, tem caracte- risticas peculiares: é uma espécie de inventério do que eles sto um para o outro (si, porque, par oca- sido da escritura, estavam juntos), 8. Releia o texto, tire dele os componentes, cada um, ‘para sua histGria: tente imaginar por que ele inicia dizendo que tém hist6rias, segredos ¢ medos.. 9, Veja isso: “De nos perdermos um do outro 0 maior deles". Observe que isso aconteceu de verdade, perderam-se um do outro, 10.E mais: vocé ter de escrever em terceira pessoa, ‘como narrador onisciente, 0 que permitiré que entre na intimidade das personagens, que revele o que cada um deles pensa, sente sofre. S6 depois de vasculhar tudo isso, estar atento a todos esses componentes, € que poder4 planejar passo.a paso 0 seu texto, Devagar, passo a passo. Em seu livro 0 Bnredo (Editora Atica), a professora Samira Nahid de Mesquita nos adverte Coasts um enredo € comegar ut jogo. O narrador & um Joptdor ¢ forma, conto letor eo proprio texto, 0 que se pode char um comuniade dia. Percebeu isso? Tecer um enredo & como se fosse ‘comecar um jogo do qual o narrador participa como se fosse um jogador. Mais adiante, no mesmo livro, voce encontrara; Contar, narrar passam a ser formas de ordenar a Ldesordem, de dominar 0 desconhecido, de eompensaro cas. Uma frase de um ensaista contemporineo, Roland Barthes, sinttiza bem, essa ideia: “O mundo deixa de ser inexplicdvel quando se narra. mundo”. Ao onganizarem-se frases, rganizam-se sentidos, anicula-se uma order, crise um mumdo logicamente estruturad, PLANEJANDO 0 TEXTO NARRATIVO Para comegar a tecer seu jogo, é preciso usara imaginacao. Pegue um papel e escreva 0 que Yai auxilid-lo a construir a sua historia: 1. Quem so essas personagens? 2. Voce daré nome a eles ou preferiré metaforizé-los, negando-Ihes uma identidade, ao mesmo tempo em que, por isso mesmo, eles passem a simbolizar todos os homens e mulheres na mesma situagio? 3. Qual a histéria que viveram? Vocé pode observar que ela ¢ forte, intensa, de extrema ligaco de afeto entre dois seres. Entdo, qual a circunstancia que os separou? 4, Deixe sua imaginacaio correr solta: que hist6ria € essa que poderia ter sido © que nao foi 5. Oque teria impedido que os dois continuassem juntos € fossem felizes? 6. Qual 0 espago que ocupam no momento em que nos so mostrados? Desereva-os, mas nio os detalhe a ponto de perder pardgrafos inteiros com eles. 7. Qual o tempo que voce focalizaré? Voltar o tempo a ‘um infeio que voc€ nilo conhece, mas presume, pode ser um bom comeco. 8. Por que ambos estio sozinhos? 9. Associe a chuva de que ele fala A chuva do espago (que a mulher habita. 10.Observe: quando a mulher dobra 0 papel ¢ tenta reconstituira histéria que viveu, voce poderia, como narrador em terceira onisciente, tomar uma carona nessas lembrangas. E agora, imagine como comecar. ‘Voce pode ter em mente uma hist6ria mais ow me- ‘nos simples com relagdo 2 cronologia e teeé-la diacroni- camente: comego, meio e fim. Mas pode também prefe- rir comegar pelo climax, 0 ponto mais alto da narrativae depois, em flash-back ou digressio, oferecer toda a his- ‘ria. Cuide da finguagem, da coeréncia entre as partes, isso também 6 muito importante, Nao ha nenhuma restricao quanto ao tamanho de ‘uma narrativa no vestibular, mas € claro que vocé deverd preferir no se estender muito, como num conto, a fim de que seu texto niio se perca em um emaranhado de situagdes que, postcriormente, tornem-se incontroliveis, ‘Vamos comegar? O texto a seguir é um modelo que se produziu a partir dos dados. Leia-o com atencao: Texto 2 Livros, esbarrdes e 0 dilivio Impossivel esquecer como tinham se conbecido: num desses cesbarrdes do destino elao vira numa fira de livros, sorrira sem jeito quando ambos levaram a mio dreta para apanhar o mesmo liveo ns cestante; ¢ balangara os cabelos de um lado para 0 outro: cabelos fogaréu, como teria dito Mério de Andrade. Mais tarde, ums outra estante e 0 mesmo geste hd mesmo eit, ~ disse-Ihe ela sorrindo.e mostrando os dentes grandes e brancos ~ & melhor que ew convide vooé para um café, Ele accitou encabulado, silencioso, 0s cabelas comegando a ‘embranquecernas eparas ¢diante da xfeara enorme edo dia quase fio ki fora~ah, como chovera naguele dia —contou-lhe que pesquisava sobre literatura existencalsta Era professor numa universidade. professora numa universidade. Bra setembro no mundo. Pois ela tinha acabado de defender uma tse sobre literatura cexistencialistae quase gritara de algria dante dele, gostava da conversa amena, simples, tanias coisas em comum. "No fim da tarde, correram debuixo da cho, cada um para seu ‘ear, os telefones trocades, 0s e-mail amb passaram a se falar todos os dias, por telefone ou e-mail ‘ocavarn textos, informagdes sobre livros. Até que ele the telefonara ‘em pleno domingo, cla com 0 maridoe fis esperando, ele com rmulhere flhos esperando, disse: — Precio ver yoo, ou voc aparece aqui —dew-theo nome do shopping ~ ou eu atrayesso © carro nn 23 de Maio, espero voot passar. Endoideci Ela iu, mas fo. Ese heijaram em plena avenidl, a0 sol do domingo pleno de fim de setembro. ‘A descoberta do amor maduro, fort Je épocs, tomnou-os quase _meninos,outra Ver meninos: namoravam nos parques, NOs 0s € nas bibliotecas. Mandavam-se carta apaixonadas: cle ra, fora tio dro. vida inteirae agora dizendo assim eu te amo? Fela se aflgia, ulo desesperada, sem saber como agir e que ‘rumo tomar. Ah, onde & que voct estava escondido, meu anor? Foi af que a mulher dele soube de tudo, a net aberta um e-mail sparecendo na tela E exigiu que ele deixasse a ovtra, ah, eu aposto {que é uma mulher vulgar, vor? nd se envergonha, mio? Um homer, «dasa dade, com fihos adolescentes, belo exemplo de pai! ‘Aos poucos, afasara-se dela, Aos poucos apagarn-se nela 0 sortiso: mensagens poucas, telefonemas suspensos. Ele se protegendo, sem querer eriar impasse. -Ruiva, sozinha,estivera em outrasferas de fivros, mas ele ja ‘ilo estava i. Tinha ido a Europa, numa espécie de viagem de lua de ‘mel com a mulher: Ela chorara quando soubera. “Mas, apertava a saidade in a mensagem de que mais gostava: “N6s temos histrias, segredos e medes. De nos perdermos um do ‘outro © maior dees. DUCT UL Ran ULL) Ele, © homem, aparecia de vez em quando, fugindo da desconfianga da mulher que agora o cercava, Vigiava. A filha no {alava com el, ofitho tinba ido estudar Fora... Ele, ref das duas que ‘oviginvum noescritério, passava dias sem mandar mensagens. AAté que ea explodiu num acesso deriva: =O que sou pra voce? Ble abaixara a cabeea, envergonhado, infeliz, covarde, Nada responder , por fim, debaixo de uma chava torencial, depois de um café, tinham se afastado. No saberiam nunca, mas qual amor nfo € para sempre? Ela mudara o e-mail, de trabalho, deixara 0 marido. Os fithos tinham creseido to de repene foram estudar fora, Voltaram easados, vivendo suas prprias vidas. Pensava ele todos os dias, viaum ¢ outro artigo publicado nos jJomals e fora a um Tangamento de um fiveo, Nao a vira, nfo se aproximara. Apenas percebeu que s cabelos dele tiham ead mais brancos. ‘Chavas © anos se passaram. ‘Tinha ouvido dizer que a mulher o abandonara. Pensara: ‘De nos perdermos um do outro 0 maior medo." Perderam-se. Ele teve vergonha de procuri-la, Mas de vez em quando abria ‘os arquivos do computador edava com ea I, riva, os dentesbrancos, 0 sorriso mais que perfeito. 14 no se reconhecia no espelho, e, 20 Ga, ali sorrindo,solugava muita vezes. Porque haviam se pend’? ‘Tinha chovide o dia inteiro, ela feara all, em cass, ena um sibado sem visitas. Lera quantas vezes hoje a mensagem dele? Enovelara-sono soft, pensando em coisas que ambos viveram juntos, por que haviam se perdi? Ele nda ali, dentro do eorago dela la ainda ali, itera, no coragio dele ‘Deu um salto, enxugou os olhos, calgou os Sapatos,penteou os ‘cabelos, Na garagem, se senti aliviada, nem dew pela chuva, pelo trnsito. Bntrou na fea de livros, evou a mao Aestante e...duas mis, juntas, esbarraram docemente contra a capa cotorida do tivo sabre sieraturaexistencialist. Ela agitou os cabelos de um lado para 0 outro ainda tinha os ‘eabelos fogaréu, Riu Ele, timido, 0s eabelos agora mais brancos, ‘convidou-a para um café, ‘Sentados ali, quase sem falar, nem viram que. chuvaera qusse tum dilivio naguele fim de tarde. $6 se deram cont, vagamente, que, ‘n@ mundo, era Setembro outra Vez Esther RS. Rorodo, 1) Eincorreto dizer “Este filme no ogradou 0 publica”? Simy o verbo opradar nesse caso, temo sentido de soisfezer © pussa a ze tanshive indreto (agrador@ slau). ‘Come transitive direto quer dizer ocarinhor, contenta, fozercarinho, {Obs.:INGo 0 use corma ocorictar) 2) *Prefio muito mois dace de abéboro do quedoce de mama.” vei eed ei ae propos ao cenin dele dela presi: como mito mos mete, miss de ‘mano. vyezes: Prefro doce de abébora a doce: 7 Um trecho de Os Sertoes (1902), de Euclides da Cunha «= EstigianaBahiao anacoreta! sombo, cabeloscrescidos sé abs ombros,barba incultae longa: face escaveird olhar fulguranté; monstruoso, dentro de um habito sz de brim american; abordoado a0 cléssico hastfo em que se apoia 0 asso tardo dos peregrine. E desconbecida a sua exist@ncia durante to largo pestodo, ‘Um velho eaboclo, preso em Canudos nos dimes dias da ‘campanta dise-me algo arespeito,mas vagamente, sem precisar Introdugéo Preste atengio aos dois textos que voce lend a seguir. Diferentes entre si, eles guardam circunstincias, fatos, atitudes e acontecimentos que os farsio verossimeis out nao, Traduza “verossimil” como “digno de crédito se ‘comparado ao universo que habitamos”, ou seja, o mais préximo do real. ‘Texto 1 Eloquéncia Singular ‘Mal inicara seu discurso 0 depatado embatucou: — Senhor Presidente: cu no sou dagueles que. © verbo ia para o singular ou para o plural? Tudo indicava o plural. No entanto, podia perfeitamente sero singular: — Nilo su daqueles que. Nao sou daqueles que recusam... No plural soava melhor. Mas ‘era preciso precaver-se contra essa armadilhas da lingusgem —que recusa? —ele que to facilmente eaianelas eera logo massacrado com um aparte, Nao sou daqueles que... Resolveu ganar tempo: — ..embora perfeltamente cOnscio das minhas -esponsabilidades como representante do povo nesta Casa, a0 So. ‘Daqueles que recuss, evidentemente. Camo & que podia ter ;pensaco em plural? Era um desses casos que os gramticos registra, ras suas questineulas de portugués: ia para 0 singular, nfo tina ‘ida, Idiotismo de linguagem, devia ser, --dlagueles que, em momentos de extrema gravidade, como ste que o Brasil atravessa Safa se porque nem se lembrava do verbo que pretendia usar —Nio sou daquees que. Dagueles que oqué? Qualquer cosa, contanto que atravessasse de uma ver essa traigoeira pinguela grammatical em que sua oratris lamentavelmente se havia metido de safds, Mas a concordancia? (Qualquer verbo servi, desde que conjugad cometament, no singula, (Ou no plural: = Nao sou daqueles que, dizia eu —e & bom que se repita ‘sempre, senhor President, para que possamos ser dignos da comfianga em n6s depositada. Inercolava oragdes © mais oragdes, volando sempre a0 pont 4 panda, incapur de se define por esta ov aquela concordincia. Ambas com aparéncia castiga, Ambas legitimas. Ambas ‘ramaticalmentelidimas, segundo o versculo = Neste momento to grave para os destinos da nossa nacionalidade Ambaslgitimas? Nio, fo pod ser. Sabia bem que expressio “daqueles que” era coisa jf estudada e decidida por tudo quanto & _gramaticolde por af, qualquer um sabia que levava sempre 0 verbo 60 plural: ~ 080 sou daqueles que, conforme afitmava. (Ou ao singular? Hi excegtes, © aquela bem podia ser uma dela, Daguetes que. Nao sou UM dagueles que. Um que reeusa, dagucles ‘que recusam. Ah! 0 verbo era recuse: ~ Senior Presidente, Meus nobres colegas, A concordincia que fosse para o diabo, Imercalou mais uma ‘oraglo foi em frente com bravura, dsposto a tudo, afirmando nto serdaqueles que =Como? ‘Acolheu a interrupeao com um suspiro de avi — Nao ouvi bem 0 aparte do nobre deputado, Siléncio. Ninguém deraaparte nen. — Vossa Exceléneia, por obssquio, queira falar mais alo, que ‘io ouvi bem ~ apontava, agoniado, um dos depwiados mais préximos. ~ Eu? Mas cu no disse nada. ~ Tere o maior prazerem responder 10 sparte do nobre colega, Qualquer apare © siléncio continoava. Ineressados, os demais deputados se ‘agrupavam em tomo do orador, aguardando o desfecho daquela agonia, ‘que agora ja, como no verso de Blac agonia do hersie a agonia datarde. — Que é que voo8 acha? — coehichou um. ~Acho que vai para o singular. ~Pois eu no: para o plural, € logic. © oradorseguia na sua uta: — Como afirmava no comega de meu discurso, senbor Presidente “Trou o Lengo do bolso € eaxugou 0 suor da testa. Vontade de aproveitar-se do gestoe pec ajuda a0 préprio Presidente da mesa: por favor, apura a pra mim, coma é que €, me tira desta, ~ Quero comunicar ap nobre orador que o seu tempo se chia esgotalo. ~ Apenas ulgumas palavras,senhor Pres meu discurso:e antes de termina, quero deixar bem claro que, aesta altura de minha existéneia, depois de mais de vinte anos de vida pablica enirava por novos desvios: ~ Muito embora... sabendo perfetamente.. 0s imperativos de ‘minha consci€neia efviea... senhor Presidente... © o declaro peremploriamente... no sou daqueles que © Presidente voltou a adverti-lo que seu tempo se esgotaa, rte, paralerminar © [Nao havia mais por aque fugie —Senhoe Presidente, meus aobres colegas! Resolven arremater de qualquer maneira. Encheu 9 peito & esfectot — Bm suma: no sou daqueles. Tenho dit. Houve um suspiro de alfvio em todo @ plenstio, as palmas omperam, Muito bem! Muito bem! © orador foi vivamente, ccumprimentado, Femando Sabino. Acomponheie de viogem. Rio de Janeiro: Fad. do Avtar 1965, p.139, O que vocé acabou de ler é um pequeno conto do escritor Femando Sabino, Parece um acontecimento real? Sim, fosse isso uma noticia de jornal, todos acreditarfamos nela: hé personagens, tempo e espaco definidos ¢ ages que se encadeiam e so plausiveis. Ha uma ordem interna uma semelhanca com os fatos do mundo que todos hhabitamos Mas nem sempre os textos sio assim. Leia, agora, este outro texto: Texto 2 Piorar para melhorar Era uma vez, um camponés que rimava ez com nes. Mas ess sua simples vocagio potica era atrapalhada pelo barulho imenso que faim a pessoas que moravam com ele. Pois na cabuninha mevesta ‘deapenastirn quart sala conjugado, moravam a mulher do eamponds, ‘ amante do caraponds, ts Flos do campons, um iho adotive da amante do camponés, uma v6 do camponés, um cobrador de segures paenteafasiado do camponés ¢ uin corcunda que ninguém sabia ‘como tinha conseguido penetrar no entedo do camponés. E, como, todos fulavam e gritavam ¢ brigavam e berravam, 0 eamponés a8 tinha ver nem de més em més de exercer com sliver seu habito ‘burguds de poetds, Assim, um dia, fol procuraro conselho do eremita ‘mais proximo, cujo remit, trandoo taje de califa com que estava, vestido —0 eremita era meio chegado a um travesti — the disse: PWT EOT TORU UL UAL = Quantas pessoas a0 tode mora no seu buds"? Citando minha sogra como pessoa, dezoito ~ disse © campones. — E cabegas de gado, quantas tem? ~ indagou o eremita enquanto tirava.o batorn dos bios. — Tr8s ois, uma vac cabritos, um barro, uma égua, uma nul, quatro porees. Contande tudo isso como gado e aio contande minha sogrs como tal: devessete cabegas ~ Poe tudo dentro da casa e volte para nova consulta dagui lum més ~ disse 0 eremita a0 camponés, que assim fez, sem pensar Millbr Fernandes. ‘Claro que sua vida se transformou nun inferno: ao chelro da sogra juntav-se o odor da vaca, a0 gemido de mulher juntou-se © ‘grunhido de poreo, a0 empurrdo da tia juntou- wal, De modo quo, antes do prazo aprazado, 0 eremita foi de novo procurade para resolver piorado. Mas o eremita, sem se perturbar, disse apenas, enquane experimentava tm brinco de esmeraldas: ~ Agora pe todos 0s animais pra fora de casa que voo8 vai se sentir num paraiso, (0 camponés, pereebend imediatamente a iromenda sabedoria do eremita,correu para casa, abviu a porta, ps toda a fara na rua «fai feliz para sempre vivendo em absoluta promiscuidade com os ‘o coice do} Moral ANE um poeta campestre pode melhorar um meste Mill Fernandes. Percebeu a diferenca? No texto de Milldr Fernandes, ha uma coeréncia interna, os fatos, dentro da histéria, se sucedem de maneira verossimil, mas em nada poderiam ser comparados aos fatos do mundo real. Deste ponto de vista, seriam impossfveis de acontecer. E é aqui que comega @ nossa conversa. O mundo reinventado das narrativas Quando vocé se dispde a narrar, dispoe-se também. a reinventar 0 mundo, a vida. Ou seja: 0 que escreve, produz, nio & mais realidade, é fiegao. E nela cabem todas as coisas; ali, no que voce produ, esté 0 seu espirito imaginative criando um universo de circunstancias, seres € acontecimentos que esto dentro de vocé: lugares jamais vistos, criaturas inventadas a partir de suas sensagbes, animais que podem falar, tapetes voadores, sentimentos extremos, explicagdes sobrenaturais, paixdes grandiosas, agdes impossfveis. Mas muito desse mundo criado tem de estar © mais, préximo possivel da verdade, do catidiano, do dia a dia. (1) Budoar- (fi) eobane modesia. a No entanto. ninguém cria a partir do nada. Quando eserevemos, nos aproximamos da realidade ou, metaforicamente, nos afastamos dela O que dé, entao, “credibilidade” ao texto que voce esereve? Bo que, em teoria literéria, se chama “verossimi- Ihanga”, Muitas vezes voce j4 deve ter ouvido esta expresso: “Mas isso no € verossimil...” Nao parece real, € iss0 0 que est se dizendo. ‘A verossimilhanga nas narrativas acontece quando po- ‘demos aproximar 0 que escrevemios do que é verdade no mundo real. Acresca algo isso: mesmo que nfo seja verda- deiro, hé que ter semelhanca com o universo que habitamos, Nos dois textos que acabamos de ler, pudemos encontrar duas situagdes diferentes: no primeiro, “Bloquéncia Singular”, 0 texto construido por Femando Sabino nos parece mais préximo do cotidiano € todos os seus ingredientes aparecem L, inclusive a falta de cultura. No segundo, a verossimilhanga é interna: 0s dados s80 absolutamente possiveis apenas no eixo interno da narrativa. Do ponto de vista do mundo que habitamos, impossivel imaginar uma casa de dois cmodos com quase meia centena de habitantes, entre animais e pessoas, H4, portanto, quando escrevemos narrativas, umia preocupacdo constante em manter 0 andamento da verossimilhanca externa ou interna, no texto, A verossimilhanga externa E tudo quanto, na criagdo, aproxime seu texto do plausivel, do que realmente pode acontecer no mundo com os seres. Ela aproxima a sua narrativa de uma, digamos, respeitabilidade. Quem o ler associa os fatos, personagens, tempo espago ao real-real. Para que isso ocorra, voce tera de se valer do plausivel; ao descrever um ser qualquer, faré com que se pareca com qualquer criatura que qualquer um de 16s pode identificar rapidament ‘Obvio que vocé poder também, se quiser, criar uma ppersonagem nao familiar, num universo de ficeao cienti cca: um marciano verde, que fala com o som de um grilo cantando, tem cabelos verdes, duas antenas cor de laranja, ‘ede 250 € as olhos so duas microtelas de computador. Mas ha de compreender que isso € inverossimil, OOO UCU LY A verossimilhanca interna Esté relacionada ao segundo texto que lemos. Embora aquilo nao seja possivel no cotidiano, & bom lembrar que, internamente, as agdes se encadeiam de modo a formar um todo. Dentro do enredo de Millér ccahe até um corcunda safdo mio se sabe de onde, uma sogra que é meio bicho e meio gente € uma amante que, vindo morar junto com a mulher ¢ os filhos do homem amado(?), ainda traz como companhia um filho adotivo! Embora isso, externamente, com rélagio a0 mundo habitado por nés, seja louco demais, com telacdo 4 ordenacao interna da obra é perfeitamente plausivel Além disso, € bom lembrar, ainda, que a verossimilhanga existe no contexto da histéria que se esté criando. Por exemplo: se vocé estiver contando um fato como no texto I ¢se arrisear a colocar um marciano no meio que salva o deputacdo & 0 leva num disco voador para Japiter, corre o risco de quebrar a verossimilhianga interna da redacao e fazer seu texto despencar na credibilidade que pudesse ter. Fatos dito “estranhos” podem ocorrer nas narrativas, quebrar-Ihes o fluxo de continuidade; a isso, chamamos “estranhamento” ou “novidade” c é 0 que ocorre naquilo que denominamos realismo fantistico. Para exemplificar isso, observe 0 que acontece em Jangada de Pedra, de José Saramago: um dia, ao riscar © chio com uma vara de negrilho, Joana Carda abre no chao uma fenda que, # partir daquele momento, crescers tanto a ponto de afastar a Peninsula Ibérica de toda a Europa. Portugal e Espanha transformar-se-Zo numa grande ‘jangada de pedra” e flutuarao, livres, no oceano. Eo realismo magico ou fantastico. Um outro exemplo de estranhamento & 0 que Erico Verissimo conta em seu Incidente em Antares: uma cidade pacata tem sete mortos num dia, em plena greve geral, da qual também participam os coveiros. No s80 enterrados e, deixados pela familia e amigos diante do portdo do cemitério, & espera de que acabe a Breve no outro dia, levantam-se no meio da noite e se dirigem a Antares, onde, no coreto da praca, “lavario a roupa suja" de toda a comunidade. Comparandolpintura, escultura e escritura: “Militas vezes, imiaginamos que apenas no que escrevemos ou no que escrevam os autores consagrados aparécem o/ que denomindmos “personagens ‘No entanto, clas aparecem também em outras artes: na pintura, na escultura, por exemplo, Vamos observar como se comportam pintores e escultores e comparé-los a construcao de personagens na literatura? as PWS UC EULA 1. Toulouse-Lantrec, p6s-impressionista francés, trazia para os seus quadros as personagens do mundo bo&mio de Montmartre, bairro frequentado pelos intelectuais de Paris no fim do século XIX. Elas faziam parte, sobretudo, do universo do Moulin Rouge, casa de espetiéculos famosa (e maldita) da época, Sao bailarinas, prostitutas, gigol6s, artistas que compdem o universo de seus quadros. Tém nomes, fungdes definidas. Estavam na vida antes de fazer parte da tela. S6 por curiosidade: Lautree media 1,52m, era manco e descendia de uma familia nobre. Observe 0 quadro: ‘So duas prostitutas da rua do Moulin Rouge: personagens da vida que o olho de Lautrec captou e eternizou no quadro, chamado “Rue des Moullins”, 1894. Prostitute Jo Moulin Rouge (Poris - Franca} 2. Guimaries Rosa, escritor da terceira fase modemista, trouxe para os seus contos € livros 0 universo dos caboclos mineiros, com seus falares e particularidades regionalistas. No entanto, aquele sertio de homens rudes representa o mundo. Impossfvel imaginar que Diadorim, personagem principal de Grande Sertao: Veredas (1956), travestido de homem, arregimentando um bando de jagungos a fim de vingar @ morte do pai, nlo estivesse sofrendo como qualquer outra mulher ao se apaixonar pelo chefe do bando: Riobaldo Tatarana, e dele tendo que esconder sua condicdo feminina. Captar os sentimentos de nés todos, humanos, ainda que sob 0 discurso e aspecto de personagens acaboclados, foi o caminho escolhido por Guimares Rosa, para quem “O sertdo é 0 mundo” e “Viver é muito perigoso” Observe, agora, as personagens que compdem a mais famosa escultura de Michelangelo, a Pierd, que se encontra na Catedral de Florenca, na Itdlia. O escultor criou o Cristo e sua mle, Maria, a partir de ‘modelos que posaram para ele. Deu as suas personagens de mérmore um qué de humanos, sofredores, num momento de dor profunda, aprisionando-os para sempre em marmore. ‘de Michelangelo. ‘a cabega sempre baixa, uma grande porgao Ihe cafa sobre a testa € ~ collos, como uma viseira. Trajava nesse dia um vestido de chita roxa muito comprida, quase sem roda, e de cintura muito eure; tnha 80 ‘pescogo um leno encarnado de Alcobaga. Por mais que © compadee a questionssse, apenas marmurou algunas frases inineligiveis com voz rouca e sumida, Mal. deixaram livre, desapareceu sem olhar para ninguém. Vendo-air-se, Leonardo tomnou a rir-seinteriormente ‘Quando se retiraram, ri-s ele pelo caminho & sua vontade. O ppadrinho indagou a causa da sua hilaridade; respondeu-Ihe que nose poctiafemb Ento lembyras-1e dela muito @ miido, porque muito a mide trecho que vocé encontra logo abaixo deve set cuidadosamente lido, uma vez que nele se apoiaré a redagio a ser feita: Leonardo deu pouce ateng a iss; hi muito tempo que ouvi da menina sem rire falar datal sobrinba; sentou-se a um canto,e comegou a bocejarcomo se costume. teris, Depois de mais algumas palavras trocadas entre 05 dois, D. Maria chamou por sua sobrinha, esta spareceu. Leonardo langou-the ‘os olhos, custo conteve oso, Era asobrinha de D. Maria jé muito descnvolvida, porém que, tendo perdido as gragas de menina, ainda ‘io tinha adquiridoabeleza de moga:eraalta, magra,pllida: andava ‘com o queixo enterrado no peito,trazia as pélpebras sempre baixas, ccolhavaa furtos tina osbragos finosecomprides; o cabelo,cortado, ‘dava-The apenas até o pescogo, © eomo andava mal penteada etrazia ea Leonardo viu que esta observasio cra verdadeira, ‘Durante alguns dias umas poucas de vezes falouna sob D. Maria; apenas opadsinho the anunciou que teriam defazera visita {o costume, sem saber por qu, pulou de contente,e, 6 contro dos ‘outros das, fot oprimeiro a vestise dar-se por promt: ‘Safram e eneaminharam-s para oseu destino, ada Manuel Anténio de Almeida. “Amores”. Memérias de um ‘sargenio de milicies, Cap. Xl. E&. J] 1) Ese ogumas porocones cua ecertvagBo sempre parece exquecda nas redegoes Nor bguin 10, , observe bem: maporménd. 2) Néo aes alguem deserve mepa-mindl itis, grt, rum, dlbum lém do etlabre dl, sbopolovros que no deve receber acento porque 566 latinismos. Se permanecem na lingua, fazem cofidicnamente parte dela, passom @ ‘eceber acento do ceorde com 08 9705 arogréicas em vigor Instrugées: Depois de ler atentamente 0 texto do romancista ‘Manuel Ant6nio de Almeida: a) Considere um a um os elementos nele constantes. 1) Use foco narrativo de terceira pessoa, com narrador onisciente. ©) Um adolescente ¢ uma adolescente (feia e desen- goncada) se encontram e se apaixonam a partir desse encontro, 4) Considere que ele € um bonito rapaz, mas que ela é, ‘no minimo, “estranha”. POOL LLU ) Lembre-se da verossimilhanga e adapte o texto para © tempo presente, £) Introduza em seu texto discursos diretos ¢ indiretos. 8) Crie um conflito em sua narrativa, mas resolva-o antes que chegue ao final. h) Comece seu texto por uma pequena cena. i) Deum bom titulo ao seu texto; que ele seja significa tivo e resuma 0 que foi escrito. POC Lo E ficil reconhecer os chamados clichés: eles sfio formados a partir de expresses muito desgastadas, ouvidas cotidianamente ou lidas em textos cujo valor € pequeno. Se as aceitamos, ou, pior, passamos a fazer uso delas, corremos o risco de fazer de nosso texto um amontoado de palavras distantes de qualquer intensidade maior. ‘Muitas vezes, o cliché se apresenta também sob a forma de ideias que se desgastaram. Ou sejat tecer um texto a partir de uma ideia vetha, antiga e repetida nem sempre vale a pena. Um exemplo disso so as novelas de tevé, sobretudo as que chamamos "mexicanizadas", cujos temas so sempre ‘oS miesmos; redundantes © repetitivos, sem que nada actescentem ao nosso universo intelectual) ‘Talvez pela auséncia da banalidade, mesmo que distantes séculos de nds, € que os grandes escritores, como Shakespeare, por exemplo, continuem vivos. £ que eles eriaram histérias rada arruina tanto uma narrativa quanto 0 uso dos chamados clichés, lugares-comuns ou esterestipos. E como reconhecé-los? Usados numa redagio, os chamados clichés jempobrecem-na a ponto de toré-la vulgar, sem nenhurm dado eriativo. ne distanciadas do convencionalismo barato. runea me esforgo nem me obrigo: invent, Jean-Paul Sate, As Palovras > Clichés: um perigo para as narrativas “Tommadas as palavras de Sartre, é preciso reinventar co mundo para estar vivo. Alids, Cecilia Meirees também disse isso mais explictamente: “A vida 66 6 posstvel reinventada.”, 14 aprendemos, nos capitulos anteriores, que escreveré reinventar o mundo. Mas de que jeito? Um dos perigos de todo texto narrative € © uso reiterado do cliché. Ele © empobrece, tornando-o escasso em valor literdtio, fazendo com que 0 leitor encontre no, que foi escrito o lugar-comum obtido de maneira facil, muitas vezes resvalando — outro perigo! ~ num pieguismo frouxo. Examine os dois fragmentos abaixo: 1. A ninguém quetia. Além do pa Uma intransigéncia de cactus, deserto era a zona ‘compreender: A dificuldade de amar fécil, como planta ace! Anotagies i Olhe bem para este rosto. ss Observe os cabelos que revelam uma certa época (Qual?), a testa larga, os olhos interrogativos, meio entristecidos, 0 nariz resoluto, do tipo clissico. ‘Que atributos voce daria’& boca? Est quase sorrindo ou faz-nos pressentir mas palavras? £ procito omar muito cued com 0 use des chamados pronomesindefinidos: eles tendem a deixoros enunciados \rogos,indeterminados e imprecizs. Os principavs pronomesindefinidas S20: alausém, ninguém, tudo, nad, algo, eutrem, [i= RSC ern a ea a TE a eros, cere, certs, qualquer, qvaisquer olgum, alguns, alguma, clgumas, mois, menos, muito, muita, multos, ‘pouca, pauca, pouces, pouces, fodo, todos, toda, Jodes, fanto, tonto, fentos; fanies, quanto, quanto, quanios, quam, ‘arios vérias, divers, dersos, quo ual voi, Fulano, balhane,sievone, quelguer um, quem querque, quem quer | seja quer for, sei qual for quanto quer que, @™is lode aquele que. Evemplos: “Quolquer um que fenha ts isso. um ; imbecl” "Muiiosesiverem por aqui, mos povcos conhecer o caminbo.” "Tide & mena, nada disso acontecau,” SSF —_ DULL) 7 este capitulo, continuamos a estudar © mundo das narrativas. Encontraremos aqui, bem. Jdefinidas, as peculiatidades das personagens, o mundo extemo (0 que aparentam ser, com jcaracteristicas muito bem definidas que chegam a fazé-1as muito proximas aos seres humanos) © o mundo interno (um universo complicado porque revela tendéncias etipicidades particulates, bem nftidas quanto ao comportamento emocional de cada uma delas). Estamos acostumados a imaginar que construir uma personagem ¢ fiicil demais. Mas, aos poucos, durante a leitura dos textos, compreenderemos que cada uma delas deve ser cuidada de ‘modo especial. J4 dissemos aqui, nos capstulos anteriores, que escrever é reinventar a vida. Pois ‘bem, as personagens, quando escrevemos, so as habitantes mais magnfficas do mundo da ficgio, Mas é preciso, de maneira paciente, dat a elas um feitio especial que as torne cristuras ‘quase humanas, identificdveis pelas suas qualidades e defeitos. ‘Uma maneira de andar, um tom de voz ¢ um jeito de mexer os cabelos... tudo isso dé & personagem um qué de existéncia verdadeira, Quando compomos um ser, dois mundos dele ~ 0 externo e © interno ~ nao podem ser discordantes porque completam um ao outro € mostram o ser completo, a criatura inteira que cada personagem é, +4 um mithao de janes através das quais s© pode contar uma hist6ria, Henry Joma. © retrate de uma senhora Antes de qualquer tipo de teoria que ensine a cconstruir passo a passo, € em detalhes, a personagem ‘ou personagens das narrativas, leia os textos abaixo, retirados, todos cles, de livros de autores muito conhecidos, indicados para o vestibular. Considere, antes da leitura, que cada trecho pertence uma escola literdria e que, portanto, tem estilo proprio, particular. Durante a leitura dos fragmentos, preste muita atengio as particularidades de construgio:

O cendrio e o resultado narrative Sé no dio nas paige que ato ein, pesfrensomac soar! SS Texto 1 ram cinco horas da manhale ocomtigo acordava,abrindo, no ‘os olhos, mas. sua infinidade de ports cjanelasalinhadas ‘Um acondar alegre e furto de quem dormiu de uma assentada! sote horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indoléncia de neblina as derradeirasnotas da Gltima guitarra da noite antecedente, Aissolvendo-se Juz lourae tenr? da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alia ‘A roupa lavada, que ficaa de véspera nos coradouros’ umedec ‘are punha-the um farzum acre de sabo ordindrio, As pedras do hd, esbranquigadas no lugar da lavagem ¢ em alguns pontosazuadas elon, mostravam uma pide prisalha ist, feitade acumulagdes| de espuimas seca, ntetanto, das ports surgiam cabegas congestionadas de sono; ‘uviam-se amplos bocejos, fortes como 0 marulhar das ondas. Aluisia Azevedo, O Conga, romance,

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