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308) 10 MANDAMENTOS DA ARQUITETURA Anexo 1 Os Dez Mandamentos (para escrever textos académicos) A vida académica tem certa “moralidade”. A pesquisa ¢ coopers- tiva, ¢ dependemos de outros para progredir. As ideias devem ser livres ¢ livremente concedidas; temos, contudo, a responsabilidade de tratar = propriedade intelectual com respeito. Devemos obedecer a certas regres de comportamento, particularmente ao escrever ideias na forma de text académicos. Bons habitos adquiridos duram a vida toda; estes s4o 0s prin cipais a cultivar. 1. Seja explicito quanto 3 estrutura de sua argumentagao desde o prin- cipio. Todo texto precisa de uma introdugéo, uma discusséo p: cipal e uma concluséo. Exponha sua posicéo no come¢o — isto € diga 0 que vocé vai fazer, faca-o, e diga o que fez. Seu leitor estar exatamente na sua posi¢ao desde o inicio do texto e pode interagi com suas ideias quando elas aparecem porque sabe para onde a di cusséo caminha. O oposto € manter o Ieitor no escuro sobre a force de sua argumentacao, a ponto de ele ter de confiar sempre na rel vancia do que é dito, e tirar 0 coelho da cartola ao final, na form: de algumas ideias ou conceitos que vocé guardou até a conclusao E inadmissivel porque, para discutir com vocé, o leitor tem de ler © trabalho duas vezes. Isso pode acontecer quando vocé esté escrev do um rascunho ¢ se dé conta do que € 0 trabalho somente quando © termina; nesses casos, vocé tem de pdr as ideias principais no co- mego ¢ reescrever tudo. 2. Comece com o problema ou questéo que pretende resolver, nao com alguma teoria grandiloquente. Erro comum é expor ideias te- éricas no principio & guisa da estrutura geral do trabalho. O leitor terd a expectativa de que vocé vai fazer progressos relativos a esses grandes problemas tedricos. A probabilidade é que vocé nao v: inovar nesse nivel; quando passa a discutir suas prdprias ideias, fic dificil relaciond-las 4 estrutura que definiu. Se comegar com u: Anexo I. Os dez mandamentos pata escrever textos acadénicos problema modesto, pode ser que nao cheguc a grandes avangos, mas poderd surpreender o leitor ao relacionar ideias teéricas como seu problema eesclarecé-lo. £0 melhor uso dos grandes paradigmas tedricos. Uma boa ideia (ou hipétese) é essencial para escrever um texto. Aptesentar 0 trabalho de outros de maneira descritiva nao basta. ‘Tentar uma anélise sem qualquer ideia do que vocé pretende con- seguir, apenas com a esperanca de chegar a algo, pode bastar no estagio inicial de um curso, mas nao para o trabalho substancial de uma dissertagao. Carece acrescentar algo na forma de uma intuigao, a aprofundar pela reflexiio. Nao procure resolver muitos problemas num s6 trabalho — a tentacéo “jé que estamos falando nisso”. Se tentar discutir mais que certo conjunto de ideias num sé6 trabalho, a probabilidade ¢ que vocé termine num atoleiro. Selecione uma boa linha de investigagao e tenha a esperanga de levantar questées relevantes no seu trato, Todo texto precisa de um problema (um campo de pesquisa é di- ference), um conjunto de dados, um corpo de literatura e uma hi- potese. Vocé nada conseguird sem os q € uma drea abrangente — por exemplo, a relacéo entre habitacio e © Estado — que contém muitas possiveis linhas de pesquisa, No- ro. Um campo de estudo mear 0 campo the localiza numa comunidade de pesquisa mas ndo Ihe ajuda a ser claro sobre que vai fazer ou 0 que pretende actescentar. E preciso identificar um problema especifico no qual vocé pretende progredir — p.ex., a medida que a patticipacao de potenciais usuarios no planejamento habitacional influencia a for- ma final do projet. Vocé saberé quando identificou um problema ou uma questéo, porque nesse ponto verd como chegar a uma resposta ao tratar um conjunto de dados. Nem tente escrever sobre algo sem boas informagées pelas quais testar suas ideias, No caso hipotético € uma amostra de projetos residenci: is com sabida- mente diferentes niveis de participagao de usudrios no processo de projeto; as possiveis varidveis que poderiam dar conta das diferen- sas precisam ser estudadas. Nao selecione seus dados como meio de disfargar uma argumentacio pobre. Se fizer isso, seus inimigos logo o desmascararao. Vocé deve ser o primeiro a indicar dificul- 310 10 MANDAMENTOS DA ARQUITETURA 6. dades com a escolha de suas informagées, nao o tiltimo. Afinal, selecionar dados para impulsionar ideias fracas € blefar; mesmo que se saia bem, estaré enganando a si proprio. O préximo passo serd revisar o saber tradicional ou o “estado da arte”, antes de apre- sentar suas proprias ideias. Contextualize seu trabalho; demonstre conhecer sua relacio com outros trabalhos no campo. Escreva na terceira pessoa ~ “este texto trata de...” — néo na primei- ra, Isso pode parecer pedante, mas o objetivo é distanciar vocé e seu investimento emocional na sua produgao enquanto autor, do texto como produto, 20 fazé-lo 0 maximo independente. O trabalho que voc’ escreve deve ser uma estrutura de ideias independente que nao precise de sua intervencao em qualquer momento, para dar uma opiniao, expressar uma crenga, adicionar um esclarecimento. Pres- supomos que vot escreve por ter encontrado algo a ser partilhado. O fato de o trabalho estar sendo feito por voce nao importa; deve- mos julgar a qualidade das ideias sem referéncia a vocé como pessoa. A critica é ditigida ao esclarecimento das ideias colocadas no papel, nao a voce. Apresente as ideias antes de avalid-las. Para comegar, nao imagine que o leitor esté familiarizado com tudo que vocé leu; sobretudo, deve apresentar 0 trabalho aos outros da maneira mais desapaixo- nada possivel, para que o leitor possa formar um julgamento in- dependente quanto & sua relevancia ¢ limitagées. Entéo faga sua avaliag4o, com a qual o leitor concordara ou nao. O objetivo nao é controlar o debate por meio de uma viséo definida, mas testar a robustez das ideias, inclusive as suas. Se vocé nao estiver preparado para fazer isso, nao poderd aprender. Nao faca alusdes. Se vale a pena dizer algo, diga-o rigorosamente. Aludir metaférica, historica, literariamente, € esnobismo intelectual, algo como mencionar pes- soas importantes como intimas para impressionar. Sempre revele a fonte de suas ideias ¢ a influéncia no seu traba- Iho de ideias alheias, o melhor possivel. Claro, as vezes é dificil di- zer de onde vem uma ideia, particularmente quando se sintetiza 0 trabalho de muitas pessoas. Pelo menos nao faga 0 oposto: rou- bar disfargadamente a propriedade intelectual de terceiros. Na pior Anexo I. Os dez, mandamentos pard escrever textos acadénicos versio, apresentar c6pia do trabalho de outros como seu é pligio, bilhete expresso para o fracasso. Lembre-se: oda ideia é proviséria, Depois de esbocar o problema, examinar a literatura ¢ analisar as informagoes, suas ideias continuam sempre provisérias. Vock precisa discutir suas descobertas ¢ interpreté-las & luz de tudo que disse até © momento; quando tiver feito isso, poderia chegar a alguma con- cluséo, mas apenas poderia. Nunca somos capazes de provar nada e nada serd verdade eterna. Vocé poders mostrar uma relacio, stige descobertas, apontar fraquezas na sua argumentacéo (tanto quanto sua forca) ¢ indicar as mais aparentemente promissoras linhas para futura investigagao. A modéstia deve estar na ordem do dia: 20 acei- tar que demos o melhor de nés, a pesquisa pode ser atividade muito Prazerosa, Tudo que sabcmos & que provavelmente alguém surgitd com uma formulago mais clara (no logo, se fizermos bem nosso dever de casa). 8. Sem bordados e lantejoulas. Seu objetivo € convencer com uma boa discussao, no com artificios jornalisticos ou por meio de adjetivos. Nao faca perguntas ret6ricas do tipo “Quem aqui € estéipido o bastante para néo querer ser um romano?”.! Nao pressione o leitor a concordar com o que diz. Pate e pense tao logo sinta a tentacéo de introduzir ideias normativas — cuidado com as palavras que vocé préprio tem dificuldade em decodificar, como “sucesso”, “bom”, “fracasso”, “inapropriado”. Tampouco use jargio. © tamanho das palavras ndo mede suas ideias. As melhores ideias podem ser ditas de maneita muito simples: pensamento pouco rigoroso vem vestido de frases de efeito. Imagine que vocé precise explicar suas ideias para sua mae; parta dai. 9. Refira-se a exemplos tanto quanto possivel. E sempre melhor ar- gumentar por meio de exemplos que de forma abstrata. Isso dé a0 leitor algo concreto a que se referis, mas os exemplos devem ser pertinentes. Aplica-se a figuras ¢ desenhos, tanto quanto a casos. Sempre interprete os diagramas que usa no texto ~ mesmo quando cles Ihe parecem cvidentes. Iuversamente, nunca deixe margem a dupla interpretagao, por nao ter explicitado bem as coisas e 0 leitor "Hanson cita discurso de Brutus em iio César, de William Shakespeare. Gratidgo a Vinicius Netto por localizar a referéncia. 6374 10 MANDAMENTOS DA ARQUITETURA ter de fazé-lo por'vocé. Nao pressuponha que o leitor verd as coisas da mesma maneita que vocé. 10. A discussio nao deve apresentar hesitacéo, repetigéo ou desvio do assunto. Muitos encadeamentos de idcias sao dificeis de seguir, mes- mo quando apresentados claramente ¢ sem demasiada claboracao. Censure seu proprio trabalho para eliminar tudo que nio seja essen- cial a0 argumento. Frequentemente sio partes desnecessdtias que provocam diividas no leitor. Essa razéo basta para evitar colocar no papel questées que nao tenha absoluta necessidade de levantar para se fazer claro. Sao regras que procuramos seguir ao escrever textos académicos. Segui-las pode nao levar ao Prémio Nobel de Literatura, ou mesmo a peca jomnalistica digna de suposto correspondente de arquitetura do “Jornal da Comunidade”,? mas dar-lhe-do a satisfagdo de fazer pequena porém bem estruturada contribuigio ao conhecimento. Se se habituar a testar seu ta- | balho por estes critérios, negar-me-é o prazer de dizer “eu lhe avisei...” Julienne Hanson Novembro de 1988 ‘Tradugao do inglés: Frederico de Holanda ‘Hanson refere “The Sun”, tabloide inglés, que substituf livremente por “Jomal da Comunidade”.

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