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Xiste um saber geogréfico_pré- scolar que brota da experiéncia social do aluno trabalhador no ‘seu espago de vida? Serd, como ge- ralmente se julga, uma soma arbitré- tla de intuig6es vagas com opini6es equivocadas ou podemos de fato atri- buir-lhe status de conhecimento, ain- da que multas vezes esse saber pas- se @ margem das categorlas analiti- cas e das conclusdes “positivas” da Geografia tradicional? Afinal, quais séo as caracteristicas fundamentais, 0s tragos distintivos dessa conscié: cia geogrética peculiar? Que impor- tancia ela pode ter para ensinar. Geogratia? Estas perguntas so respondides no presente livro por Marcia Spyer Resende, Professora de Pratica de Ensino de Geogratia e Metodologia de Estudos Sociais da Faculdade de Educagéo da Universidade Federal de Minas Gerais. Mércia foi protessora priméria, le- clonou Geogratia no 1° e 2° graus durante 14 anos e militou em Educa- $40 Popular (associagées de bairro, creches), além de ter integrado, de 1980 a 1983, a Diretoria do Sindicato de Professores de Minas Gerais. Seu trabalho — dissertagéo de Mestrado em linguagem simples de sala de aula — destina-se em espe- cial aos professores de Geografia, mas interessa também a todos os que constroem dis-a-dia ume Educa- 940 na qual 0 aluno trabelhedor néo Seja objeto mas sujeito do processo de conhecimento. TMPORTANTE! Este material foi disponibilizado EXCLUSIVAMENTE para uso pessoal e nao comercial. Caso seja utilizado parte dele cite a fonte com a sua devida referéncia. 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PENSAR A PRATICA — Escritos de Viagem e Estudos sobre Rodrigues Brandio a Edueagio, Carlos pela Expansio do Ensino Pablico em Séo Paulo, Marilia Pontes Sposito A EXTENSAO RURAL NO BRASIL — Um Projeto Educa- ‘fivo para 0 Capital, Maria Teresa Lousa da Fonseca DE CAMPONESA A MADAME — Olinda M. Noronha . A GEOGRAFIA DO ALUNO TRABALHADOR — Caminhos, para uma pritica de ensino, Mircia S. Resende . EDUCACAO SINDICAL — Entre 0 conformismo e a critica, Silvia M. Manfredi . DE TRETA CONTRA MUTRETA — José F. de Campos DA ESCOLA CARENTE A ESCOLA POSSIVEL, 3." ed., M. Arroyo (org) . © RADIO DOS POBRES, M. J. V. Lopes © TRABALHADOR-ESTUDANTE — Marilia P. Sposito e outros JUNIVERSIOADE eSTADUAL DO CEARAT Biblioteca Central MARCIA SPYER RESENDE A GEOGRAFIA DO ALUNO TRABALHADOR CAMINHOS PARA UMA PRATICA DE ENSINO tnnereae Ex Estadual do dd Cae Coe ~ Edicdes Loyola l : - sade Est. do Cear | ’ 3SLI0TECA CENTRAL Sitwana Cobucel capa Francisco Carlos Gongora A meméria de Verinha/mae Edigbes Loyola Rua 1822 n. 347 04216 — Séo Paulo — sP Calxa Postal 42.338 04299 — So Paulo — SP Tel: (011) 914-1922 . eae ee SUMARIO APRESENTAGAO .... INTRODUGAO Capitulo | — Dos problemas gerais ao problema central do ensino de geografia i Capitulo I — Espago geogratico ......... Capitulo IN — Espaco real: contando nossas historias, nossa geografia Capitulo Iv — Espago real: anélise das “historias de vida" Capitulo V 7 Ktowento do “espero real” 20 eapeco geogritco mo _ ensino de geogratia ... CONCLUSAO BIBLIOGRAFIA 1" 18 23 43 131 163 7 179 APRESENTACAO 0 trabalho da Profa. Marcia Marla de Resende se constitul num esforco de inversdo de ética, de mudanga de perspectiva no interior do “ensino de Geografia. E ele se apresenta como um esforgo redo- brado, na medida em que, preocupada na esséncia cm 0 pedagéglco, mergulha fundamente nas questdes tedricas e metodoldgicas da ciéncia geografica, jé que estas informam 0 "ato de ensinar” Marcia tem uma experiéncia de mais de dez anos ensinando Geografia para alunos das camadas populares — pedreiros, servicais domésticos, metaltrgicos etc. — que, tardiamente, segundo o pard- ‘metro das faixas etérias convencionais, ingressam nas uitimas quatro séries do 1° grau. Foi praticando a “educagao popular” (como modelo alternativo & educagto regular) ¢ explorando a via da “educagao sindical", segundo suas préprias palavras, que ela adquire a convicgao da necessidade da escola regular para as camadas populares e a Uurgéncla de encontrar formas de socializar o saber sistematizado. Avanga mais quando se propée partir, no ato de ensinar, do saber ‘que 0 aluno traz consigo, de sua histéria, de sua vida, Seré tomando essa experiéncia de vida como ponto de partida que se poderé con- duzi-lo @ visao mais abrangente do saber universal. na aula de Geografia eu dormia, ndo sabia o porqué. Entio, do jelto que a professora dava aula, néo dava von- tade nenhuma de ouvir a aula, Era preso demais; mostrar para voo8 0 que esté no livro, de falar questo é isso, isso © no mostrar 0 porqué daquilo.” Anténio Henrique da Silva, 18 anos, 6. série, atendente de vestiério. “Na cidade... a gente se sente assim tipo uma pessoa oprimida. Quer dizer, ¢ a mesma coisa de um cara tra- 9 balhar num restaurante ou 0 mordomo, por exemplo. Talvez ele pega tanta coisa boa, mas nem tudo ele come, s6 tem © prazer de levar para os outros.” Adair Goncalves da Silva, 28 anos, 6. série, encarregado de obras. Dos relatos de vida: “Minas histérie, minha Geogratio” que os alunos de Marcia elaboraram sob sua orientagio @ que fazom parte do corpo deste trabalho, extraimos estes dois trechos acima. De um lado, eles evidenciam a experiéncia, a vivéncia espacial que os alunos tém, o seu proprio saber geogréfico; de outro, mostram claramente © desinteresse que estes mesmos alunos apresentam com a Geograf que a escola se prope ensinar, além de conter uma critica timida, ‘mas explicitada com propriedade, a propésito da escola e da Geografia que thes 6 ensinada. Fica claro que este ensino, por néo trabalhar 2 realidade vivida pelo sluno, tem sido um processo de parcelamento da totalidade percebida @ vivenciada, uma cristalizagéo do todo que ‘do 6 estético e sim dinamico. A partir dos relatos de vida e levando em conta @ percepcéo, conhecimento e consciéncia espacial propria que os alunos tém, Marcia faz a critica da concepeao tradicional positivist do espaco. E caminha, no sentido de superar a propria critica, apontando direcbes, para 0 ensino da Geografia a partir do questionamento do ser desta cléncia e de sua propria razdo de ser. Este deve se constituir como ‘um processo de desvendamento e de entendimento da reslidade do aluno e do seu espaco na sua dimensao conflitual. Nesta medida, conhecendo, tomando consciéncia e organizando pratica e mental- _mente esta realidade, o aluno se forma como cidadao e, como tal, num agente transformador do. mundo. ‘Assim, em seu trabalho, Marcia resgata a Goografia como uma cléncla social e a prépria escola na sua fungdo politica e social Desta forma, este texto abre caminhos de reflexo fecunda para todos 08 ge6grafos: pesquisadores e professores. Maria Liicia Estrada Rodrigues Professora de Geografia na Escola de 1° Grau do CENTRO PEDAGOGICO -UFMG 10 INTRODUCAO © tema do presente livro é fruto de trés convicgées. Indireta- ‘mente das duas primeiras e diretamente da ciltima. 1 — A importancia da escola formal para as classes populares. ‘Sem eliminar ou descartar outras formas de prética educacional, considero hoje a escola formal como espaco prioritério de trabalho ara quem pretenda produzir uma educacao que sirva aos interesses imediatos e histéricos das classes populares. Nao cheguel a esta conviccio pelo caminho da teoria. Nunca dispus dos meios nem de experiéncia especulativa suficiente para fazé-lo. Fol praticando a “educagao popular” (como modelo. alter- nativo & escola formal) e explorando a via ainda movedica da “edu- ‘cago sindical”” que 0 papel decisivo da escola formal se evidenciou nao fui eu, como “peda- que estabeleci esta impor- ‘téncia: foram os préprios alunos, seus pais e as comunidades, enfim, ‘com quem trabalhei, que reclamaram, a despeito de todos os projetos alternativos, © dreito aos beneficios da escola formal também para eles. De inicio acreditei que esta demanda fosse reflexo de “atraso de consciéncia” ou de qualquer outro “defelto Ideolégico”, rapidamente Superével pelas qualidades intrinsecas da pedagogla alternativa. Mas, Paulatinamente, a verdade desta atitude se impds: nao se trata de atragdo pela imagem iluséria da escola formal, mas de uma poderosa vontade coletive, aspiragéo aos bens sociais concretos palpéveis que a escola formal pode proporcionar, i 2 — A necessidade de rodefinir 0 contetido de nosso ensino © encontrar formas pedagégicas capazes de socializé-lo. Nao basta, penso eu, que se compreenda o valor da escola formal para as classes populares. Seria cair em uma Iluséo oposta, em uma nova “euforia, se nos limitéssemos a constaté-lo. Para escapar 4 cllada conservadora, precisamos redefinir 0 préprio conteddo da educagio que praticamos, resgatando a sua verdade social e politica, bem como forjar uma nova estratégia pedagégica — mecanismos ori ginais de transmissio/assimilacgo de conhecimentos — que a viabilize no diaadia das relagdes educacionals. Ou seja: o reconhecimento da Importancia da escola formal néo exclui (pelo contrério: reclama) a critica de nossas Ideologias escolares e de nossas artes pedagégicas. 3. —A importancla de partir, no ato de ensinar, do saber que © aluno traz consigo, de sua “histéri Na condigéo de professores, sempre Julgamos de alguma forma (implicita ou explicitamente) 0 saber que o aluno traz consigo a0 chegar as “méos" da escola, Nem sempre reconhecemos este fato, mas na verdade somos juizes ‘Ise saber @ quase sempre o rejei- tamos como néo-saber ou pré-saber. Nossa prética pedagégica nos lévou & terceira convicgao que estd na raiz deste trabalho: no ensino ‘em geral e de Geografia em particular é no apenas possivel, mas (do ponto de vista das classes populares) necessério partir do saber do aluno, de sua acumulagdo “histérica” de vida. essa forma, foi acreditando na importancia da escola formal © ina necessidade de socializar através dela 0 saber geogratico, sem render-se todavia ao seu projeto ideolégico, que empreendi a pesquisa que gerou este livro. Existe um saber geogréfico pré-escolar que brota da vivéncia prética, social do espaca? Ser, como geralmente se afirma, uma soma arbitréria de intuicdes vagas com opiniGes equivocadas ou podemos efetivamente atribuir-lhe status de conhecimento, ainda que ‘muitas vezes passe & margem das categorlas analiticas e das conclu- 86es "positives" da Goografia tradicional? Afinal, quais so as caracteristicas fundamentals, os tracos distintivos dessa “consciéncia espacial” peculiar? € possivel que ela tenha assim tanta importancia para ensinar... Geografia? Para responder a estas indagagdes, desenvolvi a minha investi- gacio a partir dos “relatos de vida” de um elenco de cento e sessenta alunos, da 5+ 8 84 série, curso noturno, dos quais selecionei vinte quatro para uma interpretagdo exaustiva. Oito destes relatos, a titulo de exemplo, constituem o Il capitulo do presente volume. Achei 2 imprescindivel reproduzi-los na integra porque eles falam por si, meu comentario sendo muitas vezes apenas um complemento. ‘Seus autores, como jé mencionel, so alunos adultos pertencentes ‘as classes populares, conceito que julgo prudente explicitar. Pre- ‘tendo com ele designar, nas paginas que seguem, os trabalhadores asselériados manuals na indistria (ex.: metaldrgico, mestre de obras, pedreiro etc.) e empregados no setor de servicos em fungbes de baixa quelificagso (ex.: balconistas, emgregadas domésticas, “boys” de escrit6rio, mecénico de automévels, chofer de coletivo etc). ‘A redugdo de cento © sessenta para vinte © quatro “hist6rias do vida", ou seja, a definigéo do corpus da pesquisa, obedeceu a um critério biogréfico: a variedade dos percursos vitais narrados: alunos que nasceram na roga e vieram direto para Belo Horizonte; outros ‘que nasceram na roca, viveram em diversas regiées brasileiras e esto hoje em Belo Horizonte; e, finalmente, aqueles que nasceram © som- pre viveram em Belo Horizonte. Este livro recolhe 0 texto, parcialmente modificado, da dissertagio de Mestrado que apresentel, em junho de 1983, a Faculdade de Educe- ‘go da Universidade Federal de Minas Gerais. Resulta de pesquisa financiada pelo INEP — Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Revisando-o agora para publicacdo, procurei suprimir, tanto quanto possivel, 0 jargéo académico e os cacoetes de gedgrafa. Impossivel evitar, porém, sem refundilo inteiramente, a andadura pesada e 0 fesquematismo expositivo que parecem infelizmente compulsérios em nossa literatura universitéria. Espero sobretudo que ele seja itil a0 combate que cada professor de Geografia trava consigo mesmo para evitar a sedugéo do conformismo e da pseudociéncia.. Sem distinguir grau, intensidade e nivel de colaboragao, gostaria de dizer que este livro fol construfdo junto com Hugo, Marilda, Flavio, Jair, Lourdes, Tia Verinha, Ronaldinho, Otavio, Cynara, Rosalina, Nair- Zinha, Ju, Duzéo, Marla Lucia, Léa, Marla Inés, Rejane, Virginia, Rosani, Cacau, Tetd e Lu ceriange, proletério ou So, choga & escola com uma determinada “cons: tléneia espacial” que deveriamos, a meu juizo, incorporar & nossa estra- fal do suijelto (aluno), 0 seu papel i I ' i I i Agradeco a toda a equipe de professores do Mestrado em Educacso da FAE-UFMG. 0 projeto atual daquele Mestrado — abrir-se a ‘sem experiéncia tedrica, ajudando-as a pensar sua prética educacional Concreta, muitas vezes rica de pistas, indagagées, problemas — per- mitiu-me freqienta-lo com proveito e orientar-me no clpoal de angistias € anseios de minha prética individual. Agradeco em especial a Miguel Gonzélez Arroyo que iluminou, ‘como orientador da pesquisa, um caminho em que ele também acre. ditava; a Luiz Dulci, companheiro, que dividiu comigo, além do mai 8 elaboragéo deste trabalho; aos alunos entrevistados, pelo interes ‘cooperacdo € responsabilidade com o tema: somos co-autores. i“ Capitulo I DOS PROBLEMAS GERAIS AO PROBLEMA CENTRAL DO ENSINO DE GEOGRAFIA (...) na aula de Geogratia eu dormia, néo sabia. © porqué. Entéo, do jeito que a professora dave aula, néo dava vontade nenhuma de ouvir Ei (© que esté no livro, de falar questo & isso, isso, e no mostrar 0 porqué daquilo. AntOnio Henrique E quase generalizada hoje a opintéo de que o ensino esté “um fra- asso”, sobretudo 0 ensino das chamadas ciéncias humanas. Particularmente no caso do ensino de Geografia (disciplina que, por diversas razies, sempre foi considerada secundéria na escola brasileira) esta opiniéo se manifesta com méxima intensidade, tradu- zindo um estado de coisas realmente desalentador. Tornot-se lugar-comum afirmar que 0 ensino de Geografia esta em crise, que os professores néo conseguem ensinar, que os alunos ndo conseguem aprender etc. Tal situagao tem levado a que, nos congressos, simpésios e semi- nérios da rea, os professores apresentem como prioridade maior a realizagio de um diagnéstico do ensino de Geografia no 12 e 2° graus, que determine as causas dessa crise © prepare 0 caminho para possivels. solugées. Esta demanda vem geralmente precedida por toda sorte de divi- das, angustias e frustragoes que cada professor nutre sobre seu proprio trabalho, Varias razdes séo apresentadas para explicar essa crise e multas __ vezes para justificar 0 papel que os professores de Geografia desem- penham nela, ‘A mais comum 6 0 desprezo pelas ciéncias humanas em fungéo das ciéncias fisicas e biolégicas "que a escola inculca e/ou desen- volve no aluno”. As disciplinas chamadas "‘humanas” so conside- radas pela escola (¢ pelo aluno e pela comunidade) como menores, destituldas de importancia real: “E 86 decorar e dar uma lida que a gente passa de ano”. Nesta area, quando o aluno é reprovado, para citar um exemplo, geralmente o fato 6 atribuido & incompeténcia do professor ou ao seu exibicionismo. Este juizo, allds, dissemins-se com tanta facilidade que 0s préprios professores 0 assimilam, julgando-se efetivamente “piores” ou “menos cientificos". Ao passo que as matérias "técnicas” so consideradas necessérias, exigem raciocinio @ frente a elas nao adianta decorar: “estas so as mais dificeis: dao bomba mesmo! 16 ‘Além disso, considera-se que para os alunos das classes traba- \hadoras ¢ supérfluo 0 aprendizado das disciplinas “humanas”. Na vida prética eles ndo teriam necessidade delas. A escola, em suma, para os professores de Geografia, no consi- dera esta disciplina como “ciéncia", 0 que @ condena inapelavelmente ‘08 olhos dos alunos e — dizemos nés — também da maloria dos professores. Outra razao freqdentemente apontada 6 a ma organizacao do con- tetido curricular, sobretudo 0 salto de conteddos que ocorre da 4 para a 5.* série do 1° grau. O professor da 5: série geralmente recebe 08 alunos com nogées de espaco geografico Imediato, ligado via de Tegra ao seu espaco vital: na 1.* série o aluno estuda a familia, na 2+ a comunidade, na 3 0 municipio © na 4* 0 seu Estado. Ora 5. série (onde a Geografia nao raro 6 ensinada junto com “Hist e “Moral e Civica” a titulo de Estudos Socials) 0 programa inicie-se com “o homem e a conquista do espago” ou tépico semelhante. Passa-se bruscamente do espaco vivido ou pelo menos conhecido dire- tamente, para um espaco “de informagao”, distante, longinquo, que inclui até mesmo nog6es cosmolégicas ‘dificilmente assimilaveis pelo aluno. Acresce ainda a insuficiéncia da carga horéria para © cumpr mento do programa oficial. € muito comum a queixa: como ensinar toda a matéria em téo pouco tempo? Como integrar, em carga hordria t20 exigua, os programas de Hist6ria e Geografia, conforme exige a escola? Embora 0 programa oficial néo seja, a rigor, compulsério, nem tampouco deva necessariamente ser exaurido em suas mindcias, na verdade a coer¢ao padronizadora da escola e a propria demanda dos alunos acabam por exigilo assim. Sem falar nos livros didaticos que, em geral, 0 seguem rigidamente, obrigando 0 professor a terrivel gindstica dentro do tempo disponivel. A exigéncia de cursos de tal forma “panoramicos” ou mesmo “enciclopédicos” acaba por impor ensino de grande superficialidade: rara vez 0 professor dispe de margem de arbitrio suficiente para separar o essencial do periférico. E quando 0 faz, & custa de esforco pessoal, arrisca-se a0 rétulo de “incompetente”, de profissional que “ndo dé conta de seu recado”. Os professores de Geografia enfatizam também 0 peso da con- digo sécio-econdmica do aluno em toda essa crise: “Aluno de peri- feria € muito fraco, no sabe sequer o indispensével: ler, escrever; como exigir dele que observe, interprete, analise, compare, deduza, 17 critique? Como exigir dele dominio do vocabulério geogréfico, se ‘mesmo palavras do cotidiano the escapam? Somos com “frequénci obrigados a avalié-los pela expresséo oral para que o inepto manusei da lingua escrita no os reprove a todos. De que forma provocar 0 interesse, ‘sacudir’ a inteligéncia de alunos que nos chegam em condigées tio precérias de nutricdo, saide, higlene — logo, aptido?” Aliedas @ esta condicSo miserével do aluno esto também as Precétias condigdes de trabalho do professor. Seja no plano fisico, com salas estreitas, mal-iluminadas, classes muito numerosas, caréncia de Instrumentos didéticos (privilegiado 6 0 professor que dispo% em sua escola, de boa biblioteca, atlas, mapas, material audiovi- sual etc...) seja em termos salariais, com salérios baixos, inexis- téncia de garantia de emprego etc..., que 0 obrigam a uma médi altissima de aulas semanais (para quem leciona no 12 grau, 40 aulas Por semana néo é carga hordrla exagerada) sem falar na verdadeira maratona entre escolas que resulta desse absurdo ritmo de trabalho. s livros didéticos, segundo os professores da érea, também tém a sua parcela de responsabilidade no insucesso do ensino de Geografia. Sua “qualidade” esté caindo progressivamente e, de ‘maneira esquemética, se pode dividi-los em dois tipos: os livros de linguagem dita mais acessivel tratam os alunos quase sempre como incapazes, impedindo-os de raciocinar, analisar, interpretar, criti car etc.; jd 08 que nao rebaixam arbitrariamente nem “facilitam” o ontetido tém uma linguagem e trabalham com um cédigo de refe- réncias dificilmente acessivel as classes populares. Por outro lado, devido & sua formacéo deficiente, o professor goralmente néo identifica na “forma” e “‘contetdo" dos menuais didé- ticos a viséo de mundo de quem os produziu. Freqiientemente 0 pro- fessor adota um livro que no corresponde & sua filosotia de trabalho © que até mesmo a contradiz. Em semindrios ou encontros de prética de ensino & muito comum ouvi-se @ declaracao algo espantada: "...0u 1néo sabla que 0 livro que adoto transmite essa visio do mundo... interessante..." Via de regra o manual 6 escolhido por critérios extradiddticos, ou seja, 0 seu prego, o impacto publicitério de seu langamento, 0 esforgo’ menor que exige do professor em sala de aula etc. Quando nao 6 simplesmente o livro “oficial” da escola ou a apostila que ela propria preparal A precéria formacao profissional é outra explicagéo usualmente apresentada. AS licencisturas de curta duracéo em Estudos Sociais, 2 Bnfase maior posta pela Universidade na formacéo do Ge6grafo-Pes- uisador em detrimento do “aluno normal” quo vai para @ vala comum 18 do magistério de 1.° grau, bem como um ensino universitétio “tedrico”, “doutrinério”, olimpicamente distante das contradic6es © misérias da pratica, tudo Isso tem Igualmente graves repercussdes — julgam os professores — sobre o nivel de ensino. Como estas, outras tantas razSes sfo apresentadas para explicar © fracasso do ensino de Geografia no 1° grau. Desde o vestibular, ‘entidade quase mitica, de tantas @ to pouco estudadas consequéncias, até a inexisténcia de participacdo democrética nas decisbes educacto- hais (a nivel do cotidiano escolar como da Politica Educacional dos governos), muitas razdes se dio para essa crise que, de téo dita e ‘constatada, sem que quase nada se faca para a sua superago, jé comeca a parecer uma fatalldade, Todos esses fatores, apontados no por burocratas ou “especialis- tas" em Educagso, mas sim por professores que enfrentam dia a dia © desafio de transmitir conhecimentos geogréficos, sfo relevantes e ddoterminam em grande medida a relativa frustragéo de nossa pritica de ensino. Podemos afirmar com seguranga que, sem levéos em conta, 2 revelia de suas implicacées multas vezes terriveis, jamais 8 lograré um equacionamento real, sem mistificagées, do ensino de Geografia no Brasil de hoje. Atrevo-me a sugerir, porém, que este mosaico de dificuldade: objeto necessério de lutas académicas, sindicals © politicas, néo identifica a questo fundamental do nosso ensino de Geografia. Minha ‘experiéncia de 14 anos como professora dessa disciplina, primeira na escola priméria e depois de 5* a 8* séries do 12° grau, bem como ‘em projetos alternativos de "Educacao Popular”, convenceume de {que hé um problema ao mesmo tempo anterior e transcendente a todos estes, um problema que diz respeito & prépria gobrevivéncia da Geo- ‘grafia_enquanto ciéncia, um problema que podi manecer (6 le Sozinho bastaria para alimentar indefinidamente a crise da Geogratia) ‘ainda que todos os anteriores fosse satisfatoriamente resolvidos. Mas, afinal, que problema sera este? Ele reside justamente no objeto de investigagao que constituimos, vale dizer, na maneira como @ Geogratia 6 encarada por nés que a ensinamos: de uma forma fra- lonada e parcial, nunca como totalidade; nunca como o trabalho de homens histéricos sobre um espaco que a histéria da socledade humana reproduz.® Uma Geografia assim concebida leva-nos fatalmente a considerar © aluno, em especial aquele oriundo das classes populares, como um 2, © proximo capitulo tenta caracterisar melhor asta atirmacéo. 19 ser neutro, sem vida, sem cultura, sem historia — um ser que no trabalha, néo produ a riqueza neste momento historico e neste espaco geogréfico determinado. O aluno néo participa do espaco geogréfico que ele estuda. Se o espaco néo é encarado como algo em que 0 homem (0 aluno) esta inserido, natureza que ele proprio ajuda moldar, a verdade geogréfica do individuo se perde e @ Geografia torna-se alheia pera ele. Considero esta a falha mais grave de nossa Geografia/nosso ensino: desprezar 0 ser histérico da Geografia ©, conseqientemente, © ser histérico do aluno. Acolhé-los seria, de certa forma, redefinir a relagdo mesma de ensino-aprendizagem, construir 0 caminho do conhecimento, da descoberta, a partir da realidade vivenciada pelo aluno. Af estariam, professor e aluno, descobrindo e recriando a cléncla geografica. Agir assim significaria, contudo, valorizar uma experiéncia de espaco do aluno, do aluno pobre — uma experiéncia de espaco que lhe € prépria. Nossa escola prefere excluir esse espaco real do espaco geogrético que ensinamos. (RazSo manifesta: estas “impres- 8608" so Irrelevantes; razio politica: este saber pode ser arriscado, subversivo para a propria Geografla, para a escola). Ao negar 0 espace histérico do aluno (da Geografia), ela marginaliza 0 proprio aluno como sujeito do proceso do conhecimento e transforme-o em objeto deste processo. Creio necessério combater semelhante des-historlzacdo da Geo- grafia e do aluno. Sei que nao é tarefa simples nem pode ser “cometida na solidéo. Os avancos neste campo resultaréo tanto da controvérsia tedrica ou da reflex8o especulativa quanto do empenho ‘experimental de cada professor em sua sala de aula.* Pretendo oferecer a minha contribuico demonstrando empirica- ‘mente que os alunos chegam a escola com um saber peculiar sobre (0 espaco, fruto de sua experiéncia imediata de vida. A esta conscién- ‘cla espacial propria denomine! “espaco real”, ou seja, aquele espaco cuja légica eles experimentam na propria carne, espaco que faz parte de suas histérias, das maltiplas atividades que "enchem” suas vidas. 3. Beta nfo diretamente uma pesquisa de pritica de ensino, Ela examina problemss, so me ver decisivos, quanto ao méiodo geogrético, que precede e determinam a nossa prética. A discussio do método, po- rém, no ¢ feita teoricamenta, mas a partir de realidades da. prdpria sila Go iiula (a insatisfacko do professor, a percepeio do aluno, o manual di ético) que levam a andlise a evoluir quase sempre na fronteira entre a concepeio de Geografia e a sua didética. 20 E com a percepcao intensa deste espago que todos eles chegam & escola. E nés, professores, devemos, ento, ensinar-Ihes o “espaco geogréfico”, aqueles dados espaciais que eles néo tém, sobre um }spago que eles em tese no experimentam nem conhecem. * Mas este espaco geogréfico — este “outro” espaco — nao é tam- bém historicamente produzido por homens, por alunos? 4 Se a escola considera dovidamente este saber (o espago real) in- ‘egrandoo ao saber especial que ela prépria deve transmitir aos alunos =o que, Jf se ve, supte repensar eriticamente o objeto mesmo da. goo- grafla que ensinamos —, tal atitude poders trazer profundas © benétioas ‘onseqiéncias & nossa prética de ensino, 21 Capitulo II ESPACO GEOGRAFICO 4 Geografia me delxa intrl- bro tanta colsa e néo Sobre a Geografia que ensinamos Quando iniciava esta pesquisa, ainda nas entrevistas prelimi nares, perguntei aos alunos: 0 que 6 a Geografia? Para que serve? Estas duas perguntas, cujo objetivo era apenas 0 de confrontar per- ‘cep¢ao empirica com capacidade conceitual, acabaram por ensejar um retrato agudo, embora inadvertido pelos seus “autores, da Geo- gratia que ensinamos na Escola de 1.° grau. ‘A maioria (150 em. 160 alunos) respondeu que @ Geogratia ¢ 0 estudo fisico da natureza ("o relevo, rios, pioos, vulcdes, florestas pressio atmosférica, rochas, oceanos, mares”). Outros responderam que € 0 estudo do cosmos (planetas, satélites, ua, “das coisas 20 redor da terra") e também da latitude, longitude, dos fusos horérios, da linha do equador ¢ dos tropicos. ‘Outros ainda afirmaram que a Geografia & 0 estudo “das grandes paisagens do Brasil e do mundo” Somente dois alunos (em 160) responderam que a Geografia é 0 estudo do espago, sim, mas ocupado por homens, transformado pelas maos ou aparatos humanos, “o estudo de nossas vidas em contato com a natureza”. Quanto questio — para que serve a Geografia? — a maioria respondeu que “serve para ficarmos sabendo dos vérios tipos de relevo, clima, vegetago, rios, mares ¢ oceanos do Brasil e do mundo”, ou seja, uma resposta inteiramente coerente com a que foi dada & primeira pergunta. Segundo os nossos alunos, @ Geografia pode servir ainda para que se tenha um conhecimento “‘geral” do Brasil e do mundo, “para darmos uma visualizada no mundo em geral”, con- forme a linguagem pitoresca de um dos entrevistados, ou até mesmo para diferenciar paises, capitais, continentes, estados @ regides, “para mostrar (assim) aos estudantes um pouco de cada pais”. Pouguissimas respostas fogem a este diapasio. Umas mais liricas ‘ou mais perceptivas: “Serve para ajudar a descobrir as riquezas que existem nos lugares, para mostrar toda a riqueza, a beleza que todo © Brasil e 0 globo tém”, apontando quase sem querer uma das funcdes que a Geografia efetivamente desempenha em certos “espacos” insti- tucionals: “‘descobrir riquezas' mais superficiais e tributérias de um utilitarismo quase turistico: "Serve para saber de localizacses precisas, conhecer mapas, localizar paises e estados, saber onde estamos, serve para Ir a qualquer distancia sabendo usar 0 caminho mals curto”; @, enfim, aquelas poucas que, embora imprecisamente, fazem & Geografia uma exigéncla mais profunda, um repto de sentido: 24 serve para nos orientar na nossa vida de ser humano, para nds entendermos 0 mundo mais claro, mais ret Um pouco através do método de colagem, da “palavra-puxe-pala- vra", todavia sem trair — espero — o essencial das respostas colhi das,"0 que se pode depreender desse painel de opiniGes sobre o ser da Geografia e a sua razéo de ser? Em primeiro lugar, ¢ independente de qualquer outra concluséo, ‘que nao temos trabalhado, como quer 0 ultimo aluno, no sentido de fazer entender 0 mundo “mais claro © mais real”, pois, se assim 0 fosse, a sua resposta nfo seria a excecdo que é frente a todas as demais. Mas podemos extrair desse conjunto de respostas conclusdes mals rigorosas, internas, sobre a pratica escolar de Geogrs por_quase todas.as depoimentos, que_conti- warns © tebaihar emia de aula com a Geogratis male tadicional possivel, com uma Geografia a que nfo cabe outra designacao sendo positivista. Releiase com atengdo as respostas dos alunos e teremos o retrato falado de uma ciéncia que se esgota na observacio ¢ catalo- gagao dos dados de realidade, sem buscar jamais a contradicao de que brota, em uma palavra, o seu sentido. "Ciéncia” empirista, que recusa-se a transcender o dado em si, 0 imediato, para néo correr © risco de surpreender um sentido’que a questione em seu funda- mento mesmo. “Ciéncia" que assenta sua anélise — ou por outra: constitul 0 seu objeto — “no solo e nao na sociedade” que produz mprodur apie clo." velo dizr. diction. yuelmenteneturllata ‘para quem _a Historia néo_e: ipo _geol6gico ae do_qual_a_sociedade_e seu tempo parecem Nesta Geografia — 6 C. Vallaux quem o afirma — o homem importa apenas por ser um “agente de modelagem. do relevo”,* por sua atividade como forga de erosio. © homem é um fato a mais nna palsagom. Nao pode surpreender-nos, assim, que os nossos alunos, 20 definir 0 que a Geografia estuda, quase nunca mencionam 0 homem. Quando muito, esta Geografla examina o relacionamento entre © homem e a natureza, sem se preocupar com a rela¢do social entre ‘0s homens, mediac3o inevitavel da dialética homem/natureza. ‘Ao abordar 0 “aspecto humano” (0 préprio termo ja assinala 0 cardter lateral do homem nesta Geografia), fala sempre em populacéo (um conceito puramente numérico) e jamais em sociedade; fala das 5, Antonio Carlos Robert Moraes, Geografie,. pequena historia critica, Hucitec, S40 Paulo, 1981. 6, AntOnio Catlos Robert Moraes, op. cit. 25 técnicas © dos instrumentos de trabalho, porém néo de proceso CAPITULO O Relevo Brasileiro social de produgao; fala de fendmenos’ humanos mas nunca de 8 relagdes de trabalho; uma Geografia, como jé se disse, que age como se fosse uma ciéncla natural dos fendmenos humans, para quem ‘a casa (como elemento fixo da paisagem) tem maior importincia ‘ost stadoe no cpt mario que a speie eesepoul Gomo ciéncia dos lugares (e néo do homem no ‘ear oom dane eo. ta Goografia acaba por ser um conjunto de fragmen- ‘sas qa formas fundamental de ev so: tos atomizados @ as vezes até contraditorios (Geogratia Fisica, Huma- na, Econémica, que internamente se dividem e subdividem), compar- timentando de tal forma os dados de realidade que se torna impossivel ee, i luma visio prismética do objeto de estudo, uma viséo integradora, seaplane mcs formas eo do dialética. Basta lembrar, a titulo de exemplo, o conceito de regido Sones see eae enere. como universo auto-explicével, microcosmo que nao dependeria em nada do conjunto da sociedade para ser exaustivamente descrito — © “explicado”. © que falta a esta Geografia para que possa, no seu proprio campo, ensinar @ “ver 0 mundo mais real", a verdade do espaco? Nao 6 competéncia que geralmente falta, nem entusiasmo cientifico. 0 problema nao 6 técnico @ menos ainda subjetivo. Ele 6 ideolégico. Os porta-vozes doutrinérios desta Geogratia (0 que raramente 6 perce bido pelo professor comum que esté em sala de aula) optam por tum método de pensar (e, logo, de ensinar) 0 espaco que despreza ou mesmo deliberadamento oculta 0 papel central, decisivo, do trabalho social na construgdo do espago geogrético, E por que Isso? Porque reconhecer este caréter central, originério, do trabalho, obri garia a reconhecer também a exploragao do trabalho (uns possuem a terra, outros vendem o seu trabalho para quom @ possul; estes pro: “duzem os bens mas 86 aqueles podem fruios) como mecanismo strutural, na sociedade capitalista, de produgao © reprodugo deste espago. Obrigaria a reconhecer que a Idgica da produgéo do espaco. 6-0 interesse objetivo das classes dominantes. Obrigaria a reco: nhecer, enfim, a dimenséo politica irrecusével do espago geogratico @, em conseqiiéncia, da ciéneia que 0 investiga Para que estas observacbes nao paregam abstratas, nem se afi gure “injusta” esta sumaria sintese critica, convém trocéla em mit: dos, testando a sua veracidade com um produto tipico da geografia que ensinamos. Escolhemos para isto o Manual do Professor Elian Lucci.~ Tomemos 0 volume ns 5, correspondente & 5. série do 1° grau Abra-se 0 livro no capitulo 8: 7. Antonio Carlos Robert Moraes, op. cit, 8, Este livro fol escolhido por ser (Segundo a Revista VEYA 756, 2 de ‘margo, 1883) um dos manuals de Geografia mais vendidos no Brasil, 8.’ Elian Alsbi Lucci, Geogratia: Geografia geral, astronémica, jisice, Iuumana e econdmica: 82 série, 1° grau, Saraiva, Sio Paulo, 198. 26 Yost ata ave forma de relevo predominant no Bro plana ‘Em nosto Pals ndoextem months, porque of nos tereno# sto mute amigos, portant, foram betante depnadose aplinado ‘el 80 do clin. Devido ues provme, st mores ator aa ‘ent se acham bastante rei ‘Ocapando mas a meade do noso tert, 0 plano mais ex tesco do Bra €o Bar, Por ser mito extent, ee pasa subdivide em tt parte “Alas; = Canal = Merona ‘oltndo observa o mapa da ply 6, oct nota qu parte oc ‘ada prot ao ral Gomi e plo Ader. ‘© ponto mas leva deseplanalt plc da Band, com 2890 mero de ade Stuada no cento do Pais, a parte do plato Brae em qe se localiza Besa const o panto Cente ‘Acutra divist do plano Brae, ude bem osu do Bras, (0 plane Merton Yoltndo «observar © mapa do rev, vost nota que, ocupando smener eens, a0 norte do Bras Ioana so plats dae Game se plana no nos prtenc talent, pie apenas are dle No plano ds Guianas locale oF picor mais evador do 10 da Neblina, com 3014 metor de aides 103 de Maro, com 2992 mes. Ali do planalo, our forma detelevoencontrad no Bra é x lance : Localland ao norte, «plaice mais eters do Pals & a lane Amadis. ‘A plance Amati, loclzada ent o ple ako Brasbto © plrlto das Caisse, cor: tm cea apeximain de 200000 kn deer ‘So, considera i das mantras panc elo qu vot obser, ea araesada poe um rio Basan exten, oo Amazonas ‘4 plaicio Amasdnice 28 Locanda no sul do Bras, desta. plaice os Pampas, Essa plane, lsalizade no Rio Grande do Sul, um prolongamen. ‘o daplanie Pia, ques estende plo not Argentina, pale Pare ful plo rugs ‘Uma importane panicle losin em Mato rosa Mato Gros o Sula do Pantanal Mato gronense A plaice do Pamanal Mato-roment, crate vsis mee, se presenta sob forma de uma imens aga, a Xara. ocore por Seta lnc ncnt tse pra oP A plane localiza proximo a orl ¢ suit sin aba ‘cceao Antico €1 plane itoriea ou Cotes, Alanis Litorhnen ou Contes ocupa uma fait, dears vais ‘al ene 9 eceazo Alito ea enc do plana Bear, 29 Quase nos deixamos seduzir, apés sua leitura, pela tentagdo de ‘no comentélo, de considerar desnecessério qualquer comentario. Mas afrontemos o risco da redundénci Em que e como este ‘texto corresponde & Geografia (que ensinamos) rapidamente descrita atrés? Deixemos de lado o furor taxiondmico, esta sucesso Inesgotével de denominagdes, como se o nome traduzisse necessariamente o fend- ‘meno ou manifestasse a sua “natureza”” Passemos igualmente ao largo deste curioso “Salba que..." sobre © pico da Neblina, que nos faz recordar (com prazer, é verdade) ‘saudoso "Tesouro da Juventude”, edicdo de 1927, em sua “secod cousas que devemos saber, consclencioso Inventério de saborosas inutilidades. Nao, néo se encontra nestes aspectos a inconsisténcia do texto @ a sua conseqiiente alienacdo da verdade geogréfica. Nem tampouco pretendemos negar a exatidao das Informages especificas nele con- tidas (nomes, datas etc. ..). E na concepeao mesma de relevo, do lugar conceitual que este ‘ocupa no espago geogréfico global, que poderemos surpreender esta alienacao. Com efeito, 0 relevo nio 6 aqui (nem em parte alguma do livro) vineulado @ totalidade do espaco que o determina, isto 6, ao clima, 4 vegetacdo, as atividades produtivas, as condicées de vida: em uma -palavra, & légica estrutural do espago que preside a articulagéo de ‘suas varias dimensdes. Neste passo, poder-se-ia contestar: ora, pode-se conceber o espaco integrado © ainda assim decompdo analiticamente para efelto de investigagao (0 pesquisador, por exemplo) ou de eficécia didética (e autor de um manual) E verdade. Seria obviamente insensato negar a possibilidade ov até mesmo a necessidade desse artificio experimental ou pedagégico. E claro que 0 exame de um determinado fendmeno (digamos: a vege- ‘tagio amazénica) supée a sua descricio precisa, descendo a detalhes quem sabe microscépicos. Conforme o objetivo da pesquisa, tal espe- clalizagéo seré mesmo imprescindivel. © argumento vale também, em outro nivel de complexidade, para 0 texto didético, Contudo, distingao analitica no pode significar fragmentago do objeto, sob pena de desagregé-lo, acabando por adulterar a sua ver- dade, 0 seu sentido. 30 ‘A descrigo localizada, parcial, de um fenémeno 6 apenas o 1.8 momento (sem divida, necessério) de qualquer investigacéo. Ela ‘no esgota, porém, de modo algum, 0 contedido do objeto, pois este 86 se evidencia quando integrado a totalidade. No caso, 0 relevo $6 tem sentido quando referido & sociedade que o produz e reproduz (até mesmo a auséncia de uma acéo produtiva sobre o relevo é uma op¢80, ao fim e ao cabo, social, politica) Ainda aqui poderiamos ser contraditados: or ‘decompde o objeto para andlise, basta somar de novo as suas partes ara recuperar a totalidade e atingir 0 seu sentido. Pois bem, els aqui a nossa questo. Eis aqui o miolo do problema, © hiato entre a Geografia tradicional e uma ciéncia que se protenda dialéti Porque néo basta justapor as partes (resultantes da descrigéio de aspectos do objeto) para se obter a totalidade do objeto. Nao basta descrever exaustivamente © depois somar relevo + clima + vege- tagéo + economia + populacdo para se lograr um espaco geogrético integrado. A totalidade ndo é uma soma, ela 6 uma sintese. E esta sintese 86 pode ser alcancada através de um elemento mediador que permele cada uma das partes, através de uma categoria interpreta- tiva que permita estabelecer a l6gica deste espago. Esta categori 86 pode ser o trabalho social concreto, com todas as auas determi rnagdes hist6ricas (no Brasil de hoje, o modo de produgéo capitalista, garantido e administrado pelo Estado burgués). Sem ela, néo hé inte- gragdo possivel do objeto espaco. Sem ela, o que hé 6 no maximo a tentativa de soldar canhestramente as suas vérias dimensées, atomi- zadas desde 0 inicio e em definitivo pela andlise, através de alguns raros exemplos de interdependéncia técnica: se as aguas balxam, a ‘adequada para a criacdo de gado ete. Ainda aqui poder-se-ia contestar: ora, se fOssemos extrair todas as conseqiiénclas deste método, teriamos na verdade outra disciplina e nao mais a Geografia; na verdade, este método acaba com a Geo- graf Nao, néo acaba. Este método, isto sim, por resgatar a légica da produgdo social do espago, por estudar 0 modo como o espaco se organize e nao a sua aparéncia fragmentarla, abre caminho para uma ‘outra Geogratia. Mas que outra Geografia? Ngo serd apenas uma moda intelectual, esnobismo universitério? Poderia ser, se a Geograf que ensinamos néo fosse, em seu resultado objetivo, menos uma cléncia que uma ideologie, vale dizer, uma forma de ocultacéo dos princfpios — econdmicos, sociais, politicos — que efetivamente go- vernam 0 espaco. Néo se trata, pois, de “inventar” uma segunda 31 Geografia. Trata-se, antes de mais nada, de assegurar & Geografia fa sua condigéo de ciéncia, a sua capacidade de analisar 0 real sem desagregé-lo e por um caminho que conduza ao seu sentido. Neste caso, ela néo estaria invadindo outras disciplinas ¢/ou sen- do invadida por elas? Onde fica a nossa especificidade? Sim, este processo esté (felizmente) ocorrendo com todas as disciplina decorre justamente desta referdncia necesséria & totalidade. Mais fe mais os investigadores percebem que o sentido dos fenémenos extrapola os compartimentos estanques de nossa estrutura curricular e/ou de nossa especializacao profissional. E compreendem que saltar barreiras artificiais de modo algum aniquila ou sequer prejudica cada ramo da Investigacao. Pelo contrério: tais saltos s4o requisito indis- pensével as suas respectivas vitalidades. Sobretudo porque sao ‘operagées interdisciplinares reclamadas pela prépria compreenséo do objeto, nfo so externas a ele. E se dao ao nivel do método, rara- mente de conceltos particulares. A categoria analitica modo de pro- dugéo capitelista (com todas as suas implicagées, inclusive culturals, ideolégicas) no 6 uma categoria das ciéncias econdmicas, mas do © texto do Prof. Lucci, portanto, nao é cientificamente inconsis- tente e alienador pelas informacdes factuais, t6picas que contém. Poderiamos, 6 claro, argilir, do ponto de vista pedagdgico, isto é, no que diz respelto a formacdo da consciéncia/cultura geogréfica do aluno, a irrelevancia de varias destes informagdes assim como a vora- gem classificadora que conduz inevitavelmente & memorizagéo, decoreba. Mas elas so, enquanto informagées particulares, corretas. © caréter alienador se manifesta acima de tudo pelo que néo esté no texto, ou melhor, pela maneira como este texto (assim como ‘08 demais do volume) néo esté organizado. £ pela auséncia radical do trabalho social concreto como categoria mediadora da totelidade espacial; 6 pela concepedo do relevo como um dado em si, preexis- tente a sociedade e que “aparece” & sua revelia, que o texto aliena @ verdade cientifica do objeto. Gonsideremos mais um exemplo. Tomemos agora 0 capitulo 15 do mesmo manual, “a populacdo brasileira”, com 0 seguinte texto: 32 CAPITULO __A Populagao Brasileira Agora ue voc conect 0 aspects quaniatos equator de un ply ti port de acre sprotimadamene 123 ahd datas, Brat e009 ‘ls do mando em populate abot ‘Rporlaro bras apresena quo importantes craters, CConfarme vst observa, a populasto base, asin come lag de ume fra geval est trepuarmente ds ic cin srs baer ve uray peo err. Enguata alg Evados avn pane timer de bbs, como Sto Paige Ris de lance outro om ‘os Estados do Part, Amazonas e Mato Grow, sprteniam un peg ‘mero. Em alguns Estados Deleon podebor reg vende ‘ela obserasto do mapa demogrific, vost constata que a popu: cto rarest conenraé om alr timer no ral do Fe Ea ier tbr da opal bale, oncetrandese 33 Matos ores de oxdem sour sxial colboraram para que pei iar aes do Bra fs fundodas ma faa toes ‘Com a maior concentrate da popuasto no oral voxé cont ‘que oimerior do Bra permanece,e and prance, desabiao en ‘Sterminadortechor, oe guns desominamosvasondemogrcs. Ago, a com atns20 eto able vel qual a tere crass vera da non popula. ‘Quando os portugues agai chegarm,noso Pals er habiado la rive ibos Indien. ‘Com a cepa do branco coloiador, x populist comeou 8 miurar(mzcigennae), dando, ssn, nico ao proceso da Tormacto Ao poe bast. ' formato do povo brasiiro teve inicio com o cruzamento do ‘anc (coloesade) tom o Ingen (primero aban do Bras. ‘De misigenarko do branco com @ ae fell © exhale Ot mance Depo, cm aescravito, velo par Brasil um grande nimero de negro afrcnor. Ese, fxandose em oss terre, acabaras ‘scigeundo tate com o ranc como com 0 nage, ‘Do erzamente do branco com o neo restos 0 mala, 0 e- elo que vost observou, conc, portano, que a teceracaracteris- ‘ia do por treo 4 mesiegen, ‘menage ¢ wna craters toad populato bras, sas edna Amesea Lana, onde su malta Gos pases 0 mimeo de Mas eit tnda ua qua cacti pops rasa que voct combecerd a segu ed Vas cima ann ia a tana de crescent demogrico a- ‘Seno Bra i um maior nero de nacmentor em reg a = seo de mores, conlulse que 3 popalcte cece apamense, ‘Se. poplago basa cree devido& pane mata, cla & ‘onsttula por maior nimero de jovens (53%) com mens de 30 anos de ‘ane © predominio de ovens consi, portant, ma our casei 24s own populgto. Enema, ese predomllo de jovens na exratra pputacinsl ‘rasa acrret un evade a de populgtoeconomcamente ne tia, to sem abate remvnerado, ‘Quadro da Popuiacto Brora pr Fata a 0-9 | ssa po | na mace | 69 ‘Ali dio, ex popula int exge do Govero wanes ‘imei, ingles no cam dan «cach. ‘ Bal qu sh poco pola mde de palais ba tant ado, roast lgumes mesa no cp Go, pt 96 sored com arate do MOBRAL, peut rea Siemens pando de 20, 197 pra apomadonne Tish em 0 es Nosso povo se distribui de maneira irregular pelo territério nacio- hal, ef uma afirmagdo incontestével. A maloria dos brasileiros concentra-se na faixa litordnea, no hé qualquer divida sobre Isto. Porém, qual 6 0 sentido desta informagéo (e a sua propria razdo peda ‘g6gica de ser) se 0 texto ndo fornece os motivos reals dessa irregular distribuicéo populacional? E, 0 que & pior, se ainda apresenta expli- cago inteiramente acientifica para o fendmeno? ‘Segundo 0 Prof. Lucci, a penetragéo colonizadora do interior fot retardada pelos obstéculos naturais (sobretudo as serras) € os hum nos (os indios selvagens). Ora, esta afirmativa contraria liminar- mente @ verdade histérica. © avanco para o interlor (quase exclusi- vamente politico no inicio da colonia) deu-se vencendo todos os obsté- culos naturais ou humanos quando a sua superagao tornou-se neces séria do ponto de vista econémico, ou seja, no chamado “ciclo do ouro”. Antes disso, resultava mais conveniente 20 poder dominante © cultivo da cana-de-acdcar no litoral. Bastou a ocorréncia do inte- esse econdmico para que 08 obstéculos naturais fossem transcen- didos. E os indios? Enfrentados militarmente e dizimados aos mitha- res, de modo a néo entravar a extragéo © sobretudo 0 transporte do ouro interiorano para os portos de embarque, a caminho da Europa. Situacéo idéntica, allée, & de boa parte da Amazénia: brasileira no século XX. Imensas éreas em repouso, despovoadas, “improdu- tivas". Mesmo que quisessem possui-las, ocupé-las, trabalhadores nao poderiam fazé-lo, devido inexisténcla de estradas e aos sempre ‘alegados “obstéculos naturals". Bastou, contudo, que 0 capitalismo manifestasse interesse objetivo pela exploragao destas regides — & a Infra-estrutura de produgio, de sobrevivéncia, de transporte comegou ser criada (rodovia Transamaz6nica, hidrelétrica de Tucurut etc...) ico que determina a acéo 6 Nos dois casos, nao é 0 acidente dos homens — mas, a0 contrério, a l6gica da produedo_soci {que trabalha e forja 0 espaco, segundo os seus designios, Ignorando a mediagéo do trabalho social, imprescindivel como vimos a sintese dialética, o Prof. Lucci nao vé contradigso alguma entre a sua primeira afirmativa © a que faz a seguir, @ saber, que 0s brasileiros do interior abandonam cada vez mais o seu habitat rumo as grandes metrépoles, em geral litoraneas. Vocagio némade? Cos- mopolitismo? Complexo de inferioridade? Qual serd a causa fisica ou psicolégica deste 6xodo continuado? Claro, tal fendmeno no seré jamais devido ao latiftindio, que virtualmente expulsa da terra o lavrador; nem tampouco devido & industrializago e acumulagio do capital (e dos meios de produgéo fe da infraestrutura) nas grandes metrépoles; e menos ainda, certa- 36 §wonte, pelo interesse objetivo das elites dominantes em baratear a inloe-obra através de um “exército de reserva” nos grandes centros rodutore Estas seriam razdes alheias & geografia e, como ensinavam nowsos avos, “6 bom nao confundir as coisas". Mesmo que desta forma se comprometa intelramente a verdade da populacao brasileira, Mmosmo que esta recusa da mediaggo econdmica signifique falsificar 4 realidade investigada/ensinada, © manual em questo utiliza esta auténtica ficcdo cientifica para ‘doscrever” também outros fendmenos. Assim, a vida miserdvel de fenormes segmentos da populagéo urbana (gente das favelas, dos ‘mocambos, das invasées otc...) 6 justificada en passant pelo excesso de populagéo nas metrépoles. Mas néo se explica por que cidades Inteiras foram construidas em meses para viabllizar projetos extra- {ivos ou Industriais como o Jari ou Carajés, para citar apenas dois ‘oxemplos. Nem se menciona a criacdo, da noite para o dia, de “Dis- {ritos Industrials” inteiro, em terrenos pagos pelo Estado, com a ‘mais completa e moderna infra-estrutura, para a instalagao de em- presas transnacionais, muitas vezes financiadas pelo proprio Estado. E nao se trata de erro localizado, de falha cientifica eventual, passivel de aperfeicoamento “em edicao posterior". € mesmo um método de anélise € ensino que seleciona e explica de manelra arbi- {riria os fatos geogréficos, adulterando assim o seu sentido © masca- rando 0 seu cardter politico. Sem pretender esgotar todos os t6picos do texto em pauta, feonsideremos ainda o tratamento dado a0 problema étnico. © toma 6 tratado em meia diizia de frases © as informagses resumem-se a lumas quantas denominacdes para os diferentes tipos de mesticagem: branco + preto = mulato; negro + Indio = cafuso etc... Afora dar { conhecer aos alunos alguns termos pretensamente titeis (até mesmo ua utilidade é relativa) estas magras nogOes ndo cumprem nenhum outro papel. Mesmo ao nivel de simplicidade requerido por uma 5." rie, elas pouco ajudam o aluno a saber o que 6 importante em nossa composi¢ao étnica — e por quals razdes. ‘Quem so 0s negros brasileiros e em que a sua cor altera a situa- feo que ocupam no espaco geografico que estudamos? Por que as elites dominantes no Brasil so esmagadoramente brancas? Aos negros, enquanto coletivo racial, estéo vedados certos espacos so- 10, Sobre 0 asso wer: Maria Leia Hstrada Rodrigues, Produglo do Espaco e expanséo industrial, Bd, Loyola, Séo Paulo, 1963. ied 37 clals? Se tal ocorre, deve-se 80 “preconceito racial” ou @ que outro(s) motivo(s)? Certo, j4 prevejo a objecéo: “Mas estes so problemas antro- polégicos, culturais, éticos, néo dizem respeito ao objeto de estudo da Geografia. Afinal, a Geografia néo pode estudar/ensinar tudo”. De fato, a Geografia néo pode fazé-lo e seri semelhante. Como focalizar, entretanto, nalizando a sua significagdo social? Esta atitude equivale pura ¢ simplesmente a destruir 0 seu sentido por meio da andlise que diz Persegui-o. Que Geografia queremos ensinar? Os protessores, claro, néo estamos de modo algum satisfeitos 60m esta geografia. Sentimos que ela ndo traduz a verdade do espaco © podemos comprovar a cada dia em sala de aula que esta auséncia do verdade acaba sendo igualmente sentida pelos alunos. A desva- lorizagdo da Geografia néo é apenas institucional (patrocinada pela escola), mas também de status cientifico, estimulada pela indigéncia eognitiva da Geografia dominante. Muitas vezes nos autocriticamos porque os alunos desvalorizam 8 Geografia que recebem, como se o problema fosse de competéncia ‘ou incompeténcia individual de cada professor. Quase sempre nos martirizamos por néio encontrar uma incenti- vacdo capaz de superar 0 desinteresse do aluno, como se o problema do aluno fosse antes de mais nada psicolégico. Abrimos cada novo livro didético com a avidez de quem espera da “disposigao da matéria" e da “motivagdo visual” a milagrosa capa- eldade de interessar 0 aluno, roubando um pouquinho de seu tempo as demais disciplinas. Acolhemos cada nova técnica de ensinar como um doente desen- ganado pelos médicos experimenta as rezas, as romarias, as pro- ‘messas, as ervas mals esdriixulas @ misteriosas, 4J4 6 hora de pensar a questio coletivamente. Jé 6 hora de reconhecer que a dificuldade central nao é via de regra de compo- téncia técnica nem de charme individual. J4 6 hora de "colocar o dedo na ferida”: a propria Geografia que ensinamos. E como fazé-lo? Nao basta repetir 0 poeta José Régio — “ndo sei por onde vou/mas sel que no vou por ai”. Precisamos construir uma alternativa que Fesgate 0 sentido da Geografia para nossos alunos e — por que nao? — também para nés. © que buscamos é apreender @ ensinar a verdade do espaco. Cabe, por isso, perguntarmos a nés mesmos: Que Geografia devemos ensinar aos nossos alunos? Uma Geografia que apenas transfere a0 aluno um punhedo de Informag6es atomizadas sobre 0 mundo fisico, econdmico ou hu: mano — que, de outra parte, preexistem ao processo de ensino-apren- dizagem, ao ato de pensar o espaco, como se jazessem & espera num 39 banco de perguntas @ respostas — ou uma ciéncia (embora nem sempre de jaleco) que investiga © pesquisa o espaco — logo, no plano pedagégico. 0 produz — como um todo integrado, em que o ‘econémico, 0 fisico, 0 humano sejam estudados em sua tenséo social e, mais que isso, hist6rica? Continuaremos a “informar” aos nossos alunos que existem tan- tos ¢ tais fatos, que tal situagéo apresenta este © aquele dado em si, sem explicarihes a razdo de ser de cada segmento do espago — ou ‘vamos agora transcender a simples observacao @ catalogagao de infor- macées para trabalhar com 0s nossos alunos sobre 0 proceso de producéo social do espaco, cujas raizes estdo deitadas na divisao social do trabalho e, conseqientemente, nas relagées socials de pro- dugio? Prosseguiremos descrevendo 0 espago ¢ 0 homem como entida- des distintas, um estudado no capitulo “estrutura fisica”, outro no capitulo “‘populagao”, como se 0 espaco nao fosse resultado perma: nente da ago do homem sobre a natureza, ou jé estamos dispostos fa subverter estas categorias positivistas © correr o risco de oriar ras e distintas categorias, que déem conta da totalidade contradi- t6ria do espago que ensinamos? Continuaremos a negar 0 cardter politico — em sentido lato — da Geografia, ou seja, do elenco de dados que ela descobre e inter- preta no espago regional, nacional ou internacional, ou estamos decidides a assumir esse cardter © ndo obscurecer nunca, ndo apenas ‘em plano filosofico, moral, mas no ensino cotidiano da Geografia - {isto 6, no que diz respeito 0 nosso programa, nossos manuais dida- ticos, a nossas indicagdes de pesquisa etc...), a pergunta — a quem serve a Geografia’ Persistiremos em trabalhar com conceitos-chave do tipo regio fou zona como se fossem espacos autondmos, auto-explicaveis, ou vamos de fato extrair do conceito de Estado (e no apenas "governo”” ou “administracdo") todas as conseqdéncias metodolégicas que ele reclama? E, por ailtimo, cabe ainda perguntar a nés mesmos: a Geografia que desejamos ensinar pretende considerar 0 aluno como um sujeito Social concreto (portanto, com uma espécie propria de saber que ‘ndo pode ser ignorada no processo de conhecimento da ciéncia geo- gréfica) ou simplesmente como um objeto passivo, neutro, recebedor de informacdes que aniquilariam este saber prévio oriundo da expe- rigneia social imediata? Esta 6 a op¢do que cabe a todos nés — professores de Geografia — fazer. O presente trabalho de pesquisa e anélise supde a opcéo 40 INE UN 'Bibliot ee eca Central ‘antipositivista, a opeo por uma Geografla, na palavra de Milton Sar- tos, dialética. Pretendemos explorar justamente, dentro dos marcos dessa Geografia, a um 86 tempo social e histdrica, 0 papel do saber do aluno e sua Integraggo, que acreditamos necessérla, com 0 saber que a Escola pretende levé-lo a adquirir. Greio que € preciso ensinar uma Geografia que considere o homem como sujeito € nao como objeto do proceso histérico. Que néo separe, enfim, a sociedade da natureza, e que, se eventualmente a separar (numa etapa especitica de investigacao), néo fragmente esse saber, perdendo a sua dimensao de totalidade. Que possamos trans- Imitir 208 nossos alunos uma Geografia que sirva aos interesses deles © nio dos detentores de poder. Para n6s, esta questo se liga intimamente @ maneira de tratar @ ‘concepgéo de espago com que o aluno chega & Escola, @ sua percep¢do do espaco oriunda da vivéncia direta, da experiéncia imediata. E se Vincula igualmente a percepcao que o aluno traz consigo sobre a légica propria do mundo do trabalho. 41 VERSIOADE : STADLAL D0 CEARA Capitulo II ESPACO REAL: CONTANDO NOSSAS HISTORIAS, NOSSA GEOGRAFIA Ai nds 16 val viejando, “Ai n6s Ié val viajando, viajando. E clas falando que a madrugada estava longa, que era multo cedo, que a Estrela Daiva estava muito alta... José Mariano Sou fitho de lavradores, primeiro filho. Entéo, como diz, nasci pobre, mas pobre mesmo. Meu pai moxia com roca. Nasci em Santa Maria do Suacuil Acho que 6... Mata, no 6? Zona da Matal Entdo minha mée fol ajudar 0 meu pai, me levava para @ roca, pequeno ainda, chegava la, me colocava debaixo de uma érvore, uma bananelra assim... Lugar mais preferido, e por la eu dormia, e quando dava “fome eu tinha de mamar. Quando eu tinha oito meses de idade eu tive uma febre. Eles falam antigamente marinha, é febre amarel no 6? Entéo all eu quase morri, E la assim, ful crescendo... Sd0 sels Irmaos! ‘A terra ndo era de meus pais. Era terca. Plantava © de trés partes meu pal tinha duas e o dono da terra tinha uma. E assim a gente foi vivendo, vivendo. Meu pai, muito trabalhador, foi traba- ihando, trabalhendo. Era fazenda pequenal Tamanho médio. O dono dava a terra simplesmente e meu pal plantava. No fim da colheita, suponhamos se tivesse cem alqueires de milho, por exemplo, 0 dono tinha trinta © méu pai tinha setenta; néo é uma espécie de terca? Lé nessa roga onde a gente morava eu trabalhei até os dezoito anos! ‘A vida néo tinha vantagem, no, Sofria demals, apanhava demais. Era muito novo, sete anos, jé ia para a roca ajudar meu pai. Entéo quando dava época de més de junho, ele me levava para a roca para plantar milho com ele. Tinha que plantar uma quarta — aqueles balaio grande. Entéo, toda viagem que ele dava, eu tinha que dar junto com ele. ‘Meu balaio era menor, na verdade, ou tinha que por de lado. Assim que ele terminava o dele, que completava uma rama, ele fazia 10 alqueires, ai ole media o meu em outra rama. Eu tinha que estar. sempre junto com ele. Rama é um lote de milho. Porque juntava as espigas, vai | e faz um monte. E sempre trabalhando. Eu via as outras criangas brincar, no podia brincar; tinha vontade de estudar, 4 filo podia. Vim estudar depois que eu vim embora para aqui. Eu impre trabalhando, toda vida vida ful trabalhador. Set que quando fol ‘om 69 meu pai largou @ casa. E eu, sendo omais velho, tive que pegar casa. Ai foi outra dose porque os irmaos, todas sao irmés. S60 mais novo, que é 0 cacula, 6 homem. Nasceu na época que ele salu ide casa em 1969. Mou pal ficou belrando 1a pros lados mesmo, mas 10 entrava em casa mais nao. Af fiquel segurando a barra, Fol em 1, parece, os politicos montaram um MOBRAL l4 na roca com o Intuito de colher voto, entende, af entrei no Mobral. Fiz cursinho do Mobral, passei, af fiquel 14 uns tempo. © patréo era de partido con- {ririo e queria que a gente votasse com ele, mas como a gente ndo quis, fomos obrigados a deixar o terreno dele. Ele era do PDS, nao 6! em 72 tinha outro nome este partido, era ARENA © MDB. Entdo oles votava com 0 MDB @ ele com a ARENA. Al a gente ndo aceitou as Idélas deles e tivemos que deixar as terra dele. Ai, eu, aproveitando 0 ensejo, pedi ao candidato e ele mandou buscar 8 mudanca da gente e viemos para a cidadezinha, Santa Maria. Tra balhei 14 um ano, um ano e pouco, até na época da eleicao. Trabalhava fora, 86 ia em casa dia de sébado, Quando chegava meu dinheiro fio tinha nem jeito de pegar nele. Minha mie ficava em casa trabelhando para os outros. E eu Ié na roca, entdo pegava coisa no ‘urmazém em meu nome. Quando chegava para acertar, muitas vezes tava devendo. Pensei assim: — “isto ndo ta certo, isso ndo dé para mim". Ai, um dia falei com ela: — “eu vou embora.” — “Qué que voce vai fazer? O que que nds vamos fazer aqui sem voce?" Falel Im: — “no, vocés se viram af, porque eu vou dar meu jeito”. Quando é um belo dia, eu arrumel um dinheiro emprestado, acho que fol até oitenta cruzeiros na época, compre! a passagem e vim embora para aqui. Nunca tinha safdo, tinha vindo perto de S80 Joao Evang lista, por ali s6. Nao conhecia mais nada. Chegando aqui, fol a coisa mais estranha do mundo entrar nesta cldade, os prédios cresciam, no sei... Parece que eu tava des- ‘eendo para 0 centro da terra, que eu vou descendo, principalmente ‘lina Antonio Carlos, por que a chegada é por 14. Entio, a medida que voce vai descendo, os prédios vo s6 crescendo. Entéo, quer dizer, a rua parece que vai... A rua... A gente tem impressao que @ rua é que ta descendo. Quando cheguel na Rodoviéria, a tinica @0isa que eu pude fazer era levantar a cabeca, olhar para cima e girar. Falei assim: "E agora, para onde que eu vou?” Eu tinha o fendereco na mao, néio 6? Mas por sorte minha, a hora que acabo de descer do Snibus tinha um conhecido 14 de minha terra, que tava Falou: “Oba, vocé aqui? Para onde vocé quer ir?” Falel: “Quero I para... No sei nem aonde que ou estou!” — “Ah, vamos pegar n taxi — vamos pegar um taxi que ele te leva.” Af nés fomos. 45 Peguei 0 carro com o dnico restinho de dinheiro que eu tinha, custou ‘a dar. Cheguei Ié no pessoal que eu tinha que ir. Achei tudo ‘estranho, pessoal tudo prendado. Pessoas ativas, entende? Todo ‘mundo sabia conversar, todo mundo na brincadeira e eu cheguei assim. eles aproveitaram, tiraram 0 sarro mesmo, um bocd de roca, néo 8? Isso fol hé uns nove anos. Porque eu tinha entrado na risada deles sem saber, eles riam de mim e eu sem saber que eles riam de mim, ria também. Pois, com isso, ful me adaptande. Antes, achava uma coisa estranha, tudo diferente, depois eu me acostumei, ai sai para procurar um servico porque senéo no tinha com quem andar, quem andaria comigo. Dinheiro, néo tenho. Al marquel bem esse morro ali de cima... Morro do Lixo, all onde era o antigo lixo! Conjunto Santa Maria. Entdo estou trangiilo, estou na base desse morro aqui. Subi ele, passei por cima, bem aqui pelo asfalto, acho que nao dé para perder néo. Desci até no Coracao de Jesus, subi, atravessei Santo Anténio, S60 Pedro, passei 14 pelo Anchieta ‘e fui sair 14 no ‘mercado distrital da Barroca, Afonso Pena. Fiquet procurando servico. Quer dizer, sempre eu procurava também um morro, porque de um ‘morro eu avistava o outro. Quando entrava na baixa, nao perder, no 6? Cheguei 16, conversel com o cara. Tinha um monte de mé- ‘quina trabalhando. Pedi servico para ele. Falou assim: “Pelo seu Jeito t vendo que esta vindo da roga. Quando voc® procurar servico, no procura boca, entende, se vocé procurar boca eles vo apro- veitar de sua simplicidade e véo te mandar para a Mannesmann. La 6 que vocé vai encontrar boca e por sinal voc8 vai encontrar boca de forno”. Quer dizer, eu procurava uma boca de servico, um lugar para eu trabalhar. Que era costume de Id na minha terra, tinha uns cara que sempre falavam boca de servica. Mas a boca de servico que eles diziam, trabalhavam no garimpo. Entdo af ja era local no jnel, eles falavam boca. Eu vim com aquela na cabeca onde era 0 ccontrario. Ai, de 16 no deu nada certo. Nisso, jé era melodia, eu com uma fome que Deus dava, falel: “O jeito € andar”. Desci outra vez, sai na Contorno all, subi ela; sai 1é no Colégio Batista, 14 em cima De Ié eu tornei a avistar o morro cé em cima. Daqui eu estou vendo, desgo reto aqui e saio 14. Com aquilo na cabega, tornei a descer outra vez, subi no Padre Eustéquio, ld em cima, Id perto da igreja de Séo Francisco. De Id tornel avistar 0 morro, t6 bem perto. Af jé tava dando a tardinha, néo quis mais andar para ld. Falel: “Eu vou descer por aqui mesmo”. Desci no Minas Brasil, passelo perto da Catolica, ali no Dom Cabral, |é tava de tardinha. Passei perto de, tuma obra, conversei com o encarregado de lé. Ele falou: “Tem servigo aqui, 0 servico € bruto, vocé tem que trabalhar mesmo”. Falel: “Nao senhor, eu preciso trabalhar, vim da roca e tal... no 46 tenho ninguém aqui, sou sozinho, entéo tenho que errumar um jeit para mim”. Ai ele falou: “Entdo voc® pode vir amanh& cedo' Fiquei todo satisfelto. Tinha trés dias que eu estava aqui, af comecei f trabalhar. Servigo estranho, quer dizer, 0 peso eu nao estranhava porque jé era acostumado com servico pesado. Mexia assim com ‘burro, sempre mexia com burro, boi. Comecei a trabalhar, ld ful ficando, ficando, ficando... Tinha que medir cascalho, medir a brita, medir @ areia, tudo, colocar lé, a gente mesmo misturar, pegar agua. Entéo, na hora de pegar o cimento, que era plor, eu muito fraco, um aco de cimento de 50 quilos... No dia de pegar ele eu dancava uma roda em volta dele — fazia das tripas coraco, Tinha que pegar ‘com medo de perder 0 servico. Tinha dia que largava o servigo de tarde, ficava assim pensando... Tinha até preguiga de ir embora de | onde trabathava porque jé era tarde. Com isso fui me acostu- mando, acostumando. E trabalhei com eles um ano e cito meses, Eu, toda vida, ful assim curioso. Por exemplo, se alguém faz ‘alguma coisa © néo conheco, sempre procuro observar. Mexia nos calxotes dos pedreiros de |, ficava em volta deles observando como que assentava tijolo. E de vez em quando assentava algum. Depois, quando foi chegando o final da casa, jé comecei a pegar na colher, trabalhar direitinho, e fui lutando. Depois, quando eu vim aqui para © Coragao de Jesus, fizemos uma casa all na Francisco Arantes. Ai jf quase néo mexi com servico bruto ndo, trabalho na colher, um aqui, outro ali, sempre coisa pequena, mas fazendo, Sai de ld, ¢ tra- balhando e estudando. Sai de onde eu estava e ficava no préprio local de servico, quer dizer, morava na obra e ali mesmo trabalhava, néo 6? Ali pertinho do Estadual, pensel: “Assim eu vou estudar’ no Dom José Gaspar, fiz uma prova ld, passe! par ano. Ai comecei, fiz 2°; 3°; 4°; 5°. Ai tirel o diploma direto, sem bomba. Na 5. série eu tomei bomba, tomel e repeti, passel, fiz a 6, tomel bomba, tornei a repetir. No meio do ano eu sai, Isso jé fol agora. .. 79 me parece, ou 78. Foi 79, porque 80 eu nao fiz nada. Entéo minha cabega tava descansada, 0 corpo também. Fiquel um ano parado. Foi em 81, fiz 0 Curso de Mestre de Obra na Escola de Engenharia, passel, © consegui 0 servigo aonde eu trabalho. E dai eu falei: “Tenho ue estudar porque agora vou lidar com pessoas de um nivel mais elevado”. Por isso eu vim para aqui de noite. Eu trabalho no setor de obras — trabalhava na Maranho com Aimorés. Mas af jé vem o engenheiro conversar comigo, talvez chega um visitante que vem ‘conversar comigo. Porque enquanto vocé 6 um simples empregado da obra, essas pessoas néo te procuram para nada néo. € a gente que esté 14 em cima, como se diz, no comando do servigo. Ai um quer uma informagéo, outro quer outra, © voc8 tem que ter um jeito melhor Para tratar @s pessoas. Muitas vezes vooé fala uma palavra para a a0 pessoa, para voc8, pra gente. Para mim nao é nada, mas preciso ver se ofendeu @ pessoa, sem saber que estd ofendendo. Ai eu senti que deveria estudar mais e estou tentando. Mas antes disso, depois que eu vim para aqui, fiquei um bocado de tempo sem saber se estudava a 5*. Depois sat da 5, terminou ‘a obra @ assim que eu apanhel a profissdo, eu saf da companhia dessas ‘casas, ¢ entrei na firma onde eu trabalho hoje. Ai eu jé néo podia ficar mais na obra, que era prédio grande, pols eles nao aceitava. Entéo tive que arrumar um barraco mesmo 14 no Conjunto. Eu morava sozinho, tinha chegado em casa depois de onze horas, fazer janta para mim jantar, tirar a marmita para o outro dia. Eu senti aquilo muito perigoso. Entfo, daf tinha um outro cara que velo la da minha terra e que morava sozinho, quer dizer, no préprio local de servigo. A casa jé tava no fim, ele chegou cansado, ligou 0 fogdo, pds as panelas para cozinhar e deixou elas. Foi deitar para descan- ‘sar e dormiu, a casa toda fechada. Néo sei se a panela secou. A pa- ela de presso estourou e apagou o fogo, mas o gés continucu evaporando. Quando é no outro dia, a turma chega para trabalhar, cchama Jorge daqui, chama Jorge dali ¢ nada de ele aparecer. Quando eles atinaram de subir e olhar pela janela, que era vidro transparente, ele tava estirado no chéo, préximo do fogareiro dele, sangue pelo nariz, pela boca © ele jé tava morto. Ele tinha rastro de sangue. Quando ele acordou, tentou salir. Ele tava sem jeito e no conseguiu ‘mais. Isso ainda me fez mals medo ainda. Aj eu fui e busquel minhas itmas. Mas fol um tal de sufoco, porque aqui elas nao conheciam nada. Minha mée jé tinha vindo aqui, mas s6 mesmo assim por vir. Nao tinha costume de rodar af. Foi outro sufoco, mas dai a gente foi lutando, trabalhando © ela também passou a ambientar, comecou fa trabalhar, gragas a Deus. Da vida que eu tinha lé e da vida que feu tenho aqui, considero rico, gragas @ Deus. Tem o barraco del eu tenho o meu, Eu tenho o meu lote. E se néo vale nada, deve té valendo uns setecentos mil, mais ou menos. De forma que de roca eu no tenho saudade nfo. Lé na roga, passa meses e entra meses, voo® lidando com as mesmas pessoas, e néo muda nada. Aqui na cidade néo, costuma passar meses sem ver a mesma pessoa, a0 menos que se v4 procurar aquela pessoa. Entéo eu jé acho assim. Porque tem equele ditado: peixe pequeno procura égua grande. Aqui 6 tudo caro na verdade, mas, sei 4, 0 dinheiro € mais fécil. Voc consegue pegar mais dinheiro que na roca, porque na roga, s6 em fim de ano. Porque na roca 6 0 seguinte: se vocé tem um jeito de trabalhar sem dever patrio, tudo bem. Agora, quando vocé deve le, muitas vezes voc8 tem que deixar a sua plantagio morrer para cuidar da dele, ndo 6? Porque ele fala: “Ah! voc me devo. Vocé tem que me pagar”. Como é que voc® vai pagar, vocé néo 48 tem outro jeito de pagar. Outra colsa que me mata também: supo- ‘nhamos, eu néo tenho recursos para tocar a minha lavoura, entéo eu vou 86 no paiol do patréo e ir buscando, cada um alqueire de cada coisa que eu pego Ié; eles fala 6 vender na folha — pois é, minha planta té bonitinha, coisa e tudo. Falo assim: "Eu te dou um dinheiro e vocé me dé dois na colheita”. E assim val indo, vai indo, vai indo, vocé vai buscando. Quando pensa que nao, quando vocé colhe... s6 para ele levar, ndo sobra nada mesmo depois. Entéo foi aonde eu pensel: néo, vou sumir daqui. Agui, a relapho com patrto 6 multo povea, a gente conhoce a Seehery administrativo da obra. Agora, 0 chefe conhece assim: Vista. Dialogar mesmo, multo pouco. Telver tae ‘ou outra, mas 6 86. fe eae A gente se sente assim tipo uma pessoa oprimida. Quer dizer, 6 a mesma coisa de um cara trebalhar num restaurante ou o mordomo, por exemplo. Talvez ele pega tanta coisa boa, mas nem tudo ele come, 86 tem 0 prazer de levar para os outros. Aqui 6 isso: a gente faz tanta coisa boa e no fim, depois de tudo terminado, néo tem nem... Vocé néo pode nem parar perto, muitas vezes. Se vocé para assim 6 suspeita. Entdo é uma coisa chata para a gente também, ‘mas Infelizmente 6 a colsa que a gente sabe mexer © 0 recurso que fa gente tem. Trabalho nisso desde 18 anos. Na época da greve dos pedreiros, em 79, eu ful Ié umas vezes. Nesta época eu tava desempregado, quer dizer, eu tinha saido da firma, tinha feito acordo. Ai, logo no dia eu fiz acordo. Fol no dia 17 do julho... eu acho que logo em segulda iniciou a greve. Néo, Penetrou agosto e foi por al. Ai eu fui Ié uns dias, acompanhel o ‘movimento, depois pensei: “O qué! Isso té parecendo uma guerra, Eu vou cascar fora”. Ai meu tio tinha pedido para eu fazer um servi- cinho para ele em Monlevade. E eu ful para Ié. Fiquei lé acho que dois ou trés meses. Entéo tornei a voltar outra vez. Como eu jé era conhecido, tornei a entrar na mesma firma, essa que eu trabalho, id vai para 4... 7 anos jé. € firma grande, se coloca entre as dez. Chama Fernando Vaz. Mexe com tudo, tem a construgo, a agéncia de veculo. Sempre ganhel fol salério minimo. A mixaria sempre foi No inicio a familia sentiu um pouco, depois foi se acostumando. Minhas irmas, por exemplo, comecaram a trabalhar na casa de familia, nna verdade, mas af cada um comecou a fazer para si. Porque enquanto tava na roga ficava mais nas minhas costas e de mae. Quer dizer, 86 nés dois para lutar para eles, © aqui, cada um luta para si .., U4 na roga multas vezes @ pessoa escora, porque 6 assim: ‘Ahl tem fulano que me conhece hé tanto tempo, me viu nascer, 49 e viu crescer, entéo ole pode me ajudar porque ele sabe de que familia eu sou". Aqui ninguém me conhece! Conhego todo mundo fe acabo nao conhecendo, porque néo sel de onde velo, néo sei qual ‘0 fundamento daquele pessoa. Eu ndo espero que ele vai me ajudar, entéo eu luto mais nas coisas. Quer dizer, quando eu preciso, eu nfo fico naquela de fulano val me arrumar isso, beltrano vai me arrumar isso. Se eu preciso, eu mesmo tenho que ir em buscar, ndo 6? Por isso acha que fica assim... mais seguro. Enquanto Ié na roca ‘conheco fulano, conhego beltrano, se tem, esbanja mais, se nao tem, fica naquela Nunca sai de Minas. Eu jé sai assim, passelo, mas no tenho nenhuma nocao de fora néo. Jé ouvi falar do Parané porque meu pai teve trabalhando 1é, uma época. Ele mexia com milho, algodéo, € 0 outro 6 la. Quer dizer, 0 predominante 1é da regiao era isso, nao 6? Via ele contar para os amigos que 14 era muito dificil, que no _dava, ia trabalhar igual picolé, todo gelado, no meio daquela raminha, muita cobra. Raminha & um capinzinho fininho que eles fazem esse chapéu trancadinho, fininho assim. Entéo aquilo a gente chama de raminho. Diz ele que tinha muita hortela. Ele era assa- lariado, Eu vejo falar também la do Espirito Santo, que & onde a maioria do meu pessoal té. O pessoal por lado de meu pai, néo é? Que lé vive do café, da agricultura e da plantagao de milho, feijao, essas coisas assim. Isso néo dé muito boa coisa ndo, mas café eles traba- Tham com el De Sao Paulo, o problema ¢ 0 seguinte: s6 mesmo carro, tam- bém tem 0 café, néo 6? Mas ndo vejo ninguém sair daqui ou de 14 da minha terra © falar que ia pra a lavoura em Sao Paulo. Isso ai ‘96 para a cidade mesmo, é construcdo e indistria. Igual mesmo, tem uns caras daqui mesmo que vai para I. Diz que vai ganhar duzentos ‘eruzeiros por hora, 86 isso. Vejo 0 pessoal: “Vou pera Séo Paulo que 16 eu ganho dinheiro”, Falo assim: ganha dois, trés meses ou ‘conforme seja 0 seu conhecimento, porque passou dai vocé passa a ‘conhecer a cidade. Enquanto vocé chegou lé, vocé néo conhece nada, sua vida 86 vai levar em trabalhar. Quer dizer, vai pegar servico sete horas da manhé, vai largar servico dez horas da noite, muitas vezes dobrar de sete as sote do outro dia, muita hora extra. Ai vocé vai ganhar dinheiro, muitas vezes vocé ganha, mas depois que vocé assar a conhecer, ai vocé vai andar. Vai enfrentar aqueles boteco, val comecar na farra. Dai por diante nao tem mais dinheiro. O que vocé ganhar, vocé gasta, vocé sabe andar... Vai aparecer coisas supérfluas, por exemplo, um amigo Ié te fala: “Ah! tem isso, assim, assim, om tal lugar assim, assim..." 14 vai voc8, 14 jé ficou um bocado de seu dinhoiro. Talvez fica dando sopa com dinhelro no 50 bolso, alguém pode roubar, como jé tenho visto nego sair para traba- ‘har @ receber 0 pagamento. Costuma procurar ele... 86 tem. ‘nem 0 da passagem néo tem. Entao s6 vejo falar assim. Nordeste € pelo lado ...Nordeste 6 onde té... Goiés, 6 Bahia, Maranhao... De 1 jé tenho visto alguma historia, Do Maranhéo é Sobre mais o arroz, que & 0 mals plantado, que 6 muito baixo, dé ‘mais arroz. Da Bahia tenho visto falar da seca, no 6, que é muito ‘comentado. Do Ceard também, da seca, Da Amaz6nla, que eu me lembro muito bem, eles falam da floresta em geral. Agora com a descoberta da Serra Pelada, que esté la dentro, grandes reservas que © Brasil ainda tem recurso, no 6? Ainda ontem mesmo eu tava vendo a ponte dos... ¢ na Amaznla mesmo, néo 6? Divisa do Brasil com 0 Paraguai, 1é 6, ...Leste-sull? Do Mato Grosso tenho visto falar do arroz, do gado, néo 6? De Goids também, muita agricultura em geral e mais cidades, dé terra barata, ndo 6? Do mundo, 0 pais que sempre me vem & cabeca 6 o Paraguai! Porque, desde uma época, comecei a passar pela cabeca que o mundo existia fora do Brasil. Eu achava, antigamente, que o mundo ra 86 0 Brasil e pronto, no tinha mais nada. Depois, através dos ‘estudos, tirei conversa de um e outro, e lembro que o mundo & para fora do Brasil, tem mais coisas... Eu sempre pensei assim: “Tenho vontade de ir para o Paragual”, toda a vida. Paragual, Uruguai, soi |... Pra trabalhar um pouco de coisas baratas, entende? Entéo ou sempre pensei isso bem, antes de vir para aqui. Depois que eu vim Para aqui, jé pensei também na Africa. Porque sei lé... Vontade de ajudar 08 outros, entende? Vontade de ser itil a alguma pessoa. Porque |4 6 um lugar muito fraco, onde ninguém sabe quase nada, no tem conhecimento quase nenhum das colsas. Entdo, se eu fosse um cara que pudesse, eu Iria, De Geografia, que lembro ¢ 0 seguinte: até agora que eu lembro do que eu entendo e entrou na idéia, no momento, 6 que ela mostra mais a8 condi¢des do mundo. Ela fala mais como é um Estado, um Pais, se muito acidentado ou se néo, se 6 muito balxo. E também ‘mostra um pouco do pessoal como vive, assim o tipo de vivéncia das pessoas, se tem bom nivel de vida, se tem nivel médio ou se vive muito fracassado. Quer dizer, por exemplo, 0 nordeste. O nordeste 6 bem fraco, nao 6? Entéo, quer dizer, a Geografia nos conta, porque © lugar quase ndo chove e pessoal néo tem assim muita saida pra. Eles vivem assim mais de imigracdo, saindo de um lugar para outro, rocurando reforgo. Lembro dos rios também, ndo é, hidrografi 51 E! Sei que nasci e ful criado aqui em BH, mas ndo sel se foi no hospital ou na casa da madrinha. Minha mde contou que ela morou ‘com a madrinha cinco anos. E... fol lé que eu nascl. Somos, lé ‘om casa, cinco no total. O lugar que eu acho que nasci nao existe mais, fol na rua chamada Souza Aguiar, no Horto, na beirada da linha’ do trem de ferro, um negéclo assim. Mas lé nasceu so eu e meu irméo. L4, 0 pessoal 6 superpobre, ainda, todo mundo morava ‘em barracdozinho, era um barracio, depois outro, a rua inteira era assim, néo existe mais. Néo sel por qué, mas eu sei que a Central desapropriou 0 lugar, tirou todo mundo de la para poder desocupar ‘ooisa para a linha, ndo sel o que que fizeram, nao. Nao voltei \é mais. ‘Ai nés mudamos para 0 S80 Geraldo, 14 melhorou pra caramba, porque I4 o pessoal }é tem melhor vida. Era melhor de vida e minha mie, trabelhando na casa de familia, conseguiu criar quase todos. Porque é em casa a gente 6 cinco, mas irméo 6 86 trés. A menina nnasceu agora, entéo quer dizer que de lé para cé tem diferenca pra caramba, se for contar a nossa vida e da minha irma, aumenta ‘em distancia, ‘Agora moro em Venda Nova. De Séo Geraldo néo posso dizer que nao tem coisa no, acho que nés moramos | em umas 3 ruas, no sei o nome delas todas, a gente era pequeno. La era legal, 0 pessoal mais unido, tanto que eles colocaram 6nibus, calgaram tudo ‘quanto fot rua 14, tudo com ajuda do pessoal. O pessoal Ié ndo tem discriminago, que um 6 mals pobre que o outro, la 0 pessoal 6 legal. Até hoje, e hoje até muito mais, que lé parece que é um dos bairros mals pobres de Belo Horizonte, 0 pessoal de classe mais elevada um pouquinho néo vao para Id. Um bairro que até pode dizer, rico. De ld nds mudamos para a Pompéia, ¢ morava na favela, voltou a regredir. Af a gente sé mudou a vida da gente. £ que a gente 52. fencontrou 14 melhor lugar para morar, s6 que na favela, tinha safda para o Bairro Pompéia mas era dentro da favela. Lé a barra era pesada. A gente no podia salr, tinha briga todo © dia, era um matando 0 outro, todo o dia os homens tavam Id. E eu sei que @ gente ficava preso, a janela tinha uns 2 metros de altura, fi minha mae mandou colocar tela na janela e fechava a porta. A gente tinha que fechar a porta, fechava por debaixo, colocava uma pedra, tu- do arrumadinho e ficava Ié, a gente ficava preso. Até que a gente des- cobria um modo de achar a chave, destrancar porta, sair, fugir. Depois que minha mae vinha chegando, a gente trancava a porta de novo, jogava a chave por balxo. De 14 a gente foi direto para Venda Nova. Minha mie trabi Ihando cada dia numa casa, trabalhava assim uma semana, cada dia uma casa, mas mesmo assim em casa de familia, ai ela acabou conseguindo comprar um lote em Venda Nova. Nos acabamos mu- dando para I, ela construiu um barracdo e nés fomos para 14, Venda Nova era mato puro. A gente mudou para 14, para este barracéo ¢ tinha 86 quatro moradores no bairro. A gente mora Ié desde 1972. E 14 comecou também a minha mée querer prender a gente dentro de casa, mas 1é néo tinha por onde prender. Era mato, néo tinha para onde ir, ndo ia carro, ni tinha nada. Ai acabava a gente fugindo pelo telhado, a gente ‘andava pintando. ‘Agora deixa a gente solto, mudou, agora, lé no tinha amigo, casa nenhuma, a gente tinha que se virar. Quem morava um perto do outro, tinha mais era que se ajudar. Quem tinha cisterna deixava 0 outro buscar égua 14, quem tinha arroz ajudava o outro. E cresceu 0 bairro, Venda Nova também, no geral, tudo 1é cresceu. Mas agora té muito assim: cada um por si, Deus por todos, pois parou um de ajudar o outro, ndo 6 tanto... nfo 6 tho comunidade assim fechada, nao. Agora é mais cada um por si e Deus por todos. Com treze anos eu comecel a trabalhar. Eu trabathel, quand rapaz, de fazer entrege, eu trabalhe! numa firma, Eu trabalhava para cle. Entéo ele ia Id, pegava 0 carro, nés safamos fazendo entroga. AA gente ia desde Santa Efigénia até Venda Nova, 0 lado direito todo. Aquele lado ali a gente conhecia todo, todas as ruas. Eu trabalhei até dezesseis anos. Néo, até dezessels néo, até dezessote anos. Ai eu discuti com ele uma vez, a gente tava jogando sinuca, ou discuti, ai ele falou umas coisas lé comigo © ndo achel legal. Mandei ele planter batsta e rachel fora. De lé para cé arrumei para trabelhar fixo. Néo arrumava servico por causa do Exéreito, ainda tinha que alistar. Ai foi 96 servente de pedreiro, servente de pedreiro.. Agora, depois de tanta promessa, quando eu ia fazer Inscriglo nos 53 lugares, ¢ que eu encontrei. Agora estou trabalhando 14 no Atlético, no vestisrio de 1é, do Labareda, Eu nfo conhego Belo Horizonte de cabo a rabo, conheco s6 a periferia Norte da cidad Eu sel localizar 0 norte, sul, leste © oeste pelo seguinte: 6 que eu vejo muito nesses filmes de... filme americano, nego fala “regio”, voc para o norte, colsa e tal, Um dia eu estava na cama, deitado, lé em casa, eu estava sem sono, af comecel a pensar nisso: a gente vé o Jornal Nacional e aparece nego falando que na regiao norte val chover, regio sul vai fazer isso. Entéo ou fiquel pensando aquilo e acabei sacando que a serra, que a safda para o Rio de Janeiro, 6 a regio Sul. Saida para Diamantina, Pedro Leopoldo, 6 regio Norte. Ai eu acho que a gente fala norte © sul, fica facil. Por exemplo, vamos dizer: Santa Efigénia, 6 1é que 0 sol nasce, af, sabemos 0 lugar que o sol nasce, fica facil para ver. O oeste 6 a regio da Cidade Industrial, 14... Olhos D'égua, esses bairros al Belo Horizonte 6 maldividida. Esse negécio agora de ter colo- cado 08 Gnibus de bairro a bairro até que melhorou, porque @ gente ndo pode dizer que néo entra em dnibus de pobre. Antigamente nego podia dizer que néo entrava. Belo Horizonte é toda malfeita. A iii arte que eu acho que é bemfelta é a regiio da Cidade Industrial {ue 6 isolada do resto, porque do contrério acho que 6 tudo emba- nanado. Isto € questdo de sociedade, vamos dizer assim. O pessoal ‘que 6 rico mora na parte alta da cidade, o pessoal que é pobre mora nna parte baixa, no outro lado da cidade, © ndo tem quase que contato nenhum com 0 pessoal de classe alta. "A gente sente até dificuldade ‘em conversar com 0 pessoal quando vai pedir emprego e... tem mals que conversar com 0 pessoal mesmo, porque fica diferente, ‘A gente ngo esté habituado a falar do modo deles, ai, eu acho que se embanana quando val pedir servica. Eu acho a cidade suja, primeiramente suja. Apesar de ser ‘ terceira capital do Brasil, 6 justamente onde 0 pessoal nem lembra. Nos outros estados tem um servico @special de téxi que o pessoal usufrui beleza, aqui a Metrobel néo deixa os trabalhadores, que séo ‘98 donos de carro, para fazer o servica, trabalharem ¢ isso eu estava endo nos jornais, hoje. N&o isso também, a questo é dos artistas que quando vém do estrangeiro, passam em tudo quanto 6 capital depois € que vem em Belo Horizonte @ assim mesmo tem hora que assam direto, néo péra. Em questic de sujeira, também, a maior cafajestice 6 dos moradores, pols nego chega, varre, dai a pouco ele em varre, esté varrendo a dois metros na frente © jé tem nego Jogando bucha de leranja no cho, néo tem controle nenhum. Esgoto, ‘tudo, néo 6 todos, mas pelo menos a maior parte 6 entupido. Voce 54 vé que na cidade, quando chove, para a agua sair ¢ 0 maior rabo. rio Arrudas fica cheio, transborda. No jeito de falar, eu acho que 6 toda malfeita. Esse negécio deles ter feito ola tudo com serra em volta, deu um... ficou um bolo na cabeca do pessoal, desorganizou tudo. ‘Agora, 0 pessoal eu acho incrivel. A maior parte é sofrida, por- que 0 pessoal da parte baixa trabalha demais. $6 a parte de cima @ usufruir. Nego constréi um prédio, vamos supor na Serra, se ele passa perto @ encara demais quem té morando lé, na época, acabam chamando os homens, porque té achando que o nego ta a fim de assaltar. Eu acho que... 0 pessoal aqui nfo td preparado para uma grande cidade, néo t4. A gente ndo tem escola direlto, pro- blemas também... vamos supor que escola tem; nao tem é dinheiro para pagar professor para poder dar aula. O pessoal da parte baixa 6 que mais sofre com isso, porque ndo tem escola, e ainda, quem pode pagar, paga colégio particular, quem néo pode, tem que depender do Estado e da Prefeitura. E como os colégios #80 poucos, néo tém condicéo de dar estudo. , falta tudo. Escola... Entéo, quando nego tem oportunidade de melhorar, ele té com nove, dez anos, sendo ‘que era para ele estar no 1.° ano com sete anos. Muitas vozes vocé péra de estudar porque voce no tem condigo de comprar livros, Material escolar. Muitas vezes vocé no encontra vaga para a 5. série, nos colégios. ‘A malorla do pessoal, daqui, trabalha como servente de pedreiro. Porque eu ful um deles assim, a maioria eu digo, mas é que o mercado de servigo t& raro. O nego é engenl ‘onde trabalhar. io, dessas profissdes mais para cima, nao tem jeito de trabalhar, do; 0 nego trabalha ai de comerciério, trabalhando de venda, de balconista, esses de baixo tudo. A profissdo que mais dé aqui é servente de pedreiro porque por ser um pedreiro, ele vai depender de dois, trés serventes de pedreiro para poder ajudar a ele quando © servico 6 grande. © nego em servente de pedreiro néo ganha tanto assim. Faz 86 servico pesado mas no ganha tanto, entéo, 0 pessoal trabalha mais de servente de pedreiro. Apesar de ser servigo duro, io ganha nem a metade do que deveria ganhar. Bom, 0 desemprego € geral, esse negécio do pessoal trabalhar de servente de pedreiro, 6 0 seguinte: 6 a diltima chance que o nego tem de continuar sobrevivendo. Se ele néo trabalhar de servente, morre de fome e a familia fica. £, 0 desemprego esté por toda a parte. Nao tem quem té conseguindo pagar empregado para ficar ai 0 dia Inteiro. ruim é que muitas empresas, muitas pessoas que empregam rapazes, mocas, acham ndo 6 pagar 0 nego assim todo més. O gasto no fica nisto. O negécio quando tem que mandar embora, tem que Pagar fundo de garantia ¢ esse negécio todo; ai que vem a despesa 55 maior. Multas vezes, quando a firma fale, quando ndo tem condigoes de manter 0 empregado, quando tem que mandar embora, ai tem que pagar. Ento nego ndo ta correndo o risco mals de empregar a pessoas com carteira assinads. Tem muitas e muitas pessoas ai, gente que té trabalhando assim: tipo fosse bico, Trabalhando la fixo, ‘mas fixo 36 de boca, de contrato, esse negécio de carteira assinada, ‘quase que néo tem ninguém que assina carteira. © pessoal, aqui, vive numa boa. O nego ganha para comer, @ linica coisa que dé. Entéo, quer dizer, todo mundo leva a vida na piada, na brincadeira. A questéo que néo é brincadeira, a questéo 6 que 6 realidade © Isso que acontece com ele. Quem 6 pobre aqui 6 da classe média, vamos dizer assim, néo tem condicéo de comprar comida © pagar aluguel, por melhor que a casa seja, ele néio mora, ole esconde, porque quem 6 dono da terra mora na frente © ele que paga aluguel val atrés. Tem esse lance af de nego morar na frente, mas isso af 6... Agora quem 6 pobre mesmo esconde, quando néo mora ‘em favela, mora bem afastado do centro da cidade. Quem mora no centro nao pode se dizer que soja rico nem coisa, ndo, ele 6 mais que a classe média e menos que rico, porque centro da cidade, hoje ‘om dia, é ponto comercial, todo lugar que vocé vai 6 loja, lanchoneto. Isso ndo 6 om toda a extensao nao, porque vood vai para o lado da cidade industrial, nem sempre voc6 v6 s6 gente rica morando. Tom muitos bairros préximos a cidade que ¢ tipo favela, fica longe porque © transito 6 muito... so poucas ruas para o pessoal vir para a ‘casa, quem vern de Onibus, quem vem de carro. Fica longe para vir, ‘se torna longe mas é perto. A questo é que muitos sao favela. Para © lado de Venda Nova também 6 outro que... todo o lugar que voce val, vocé vé casa uma em cima da outra, quase que 6 em cima da outra; vocé vai tirar uma fotografia e € como se estivesse uma em cima da outra. Nao 6 gente rica néo, é gente pobre mesmo. Eu descreveria a cidade, como se a cidade fosse 14 no centro, tem a avenida Afonso Pena, que é uma das ruas assim que marca 1 populagdo, porque |é se vé gente de todo o tipo. £ 0 centro da cidade, a avenida Afonso Pena. Tem também a avenida Parana, de tum Jeito ou de outro 6 paralela @ Afonso Pena. Agora, circulando a cidade a avenida do Contorno, que circula a cidade toda. No centro, tem a rua dos Caetés, dos Tamolos, dos Tupinambés. Na rua Caetés tem mals 6 loja para vender... vamos supor: 6 mals loja mesmo, 6 vender roupa, unissex, vamos dizer assim, que tanto tem para homem quanto tem para mulher; hoje em dia nfo esté tendo discri- minagao. Af tem para um e para outro. Tem a rua Tamolos, essa ou conheco mais de nome, porque eu ndo posso falar que sel 0 que que vende Ié. Tem Tamoios, tem Tupis, rua da Bahia, também, sel ld, eu acho que no centro todo, independente de que rua seja, a maloria, 56 eles usam para fazer 0 comércio, independente de qual tipo de mercadoria que eurja. Esse lance da avenida do Contorno entdo 6 96 aqui mesmo, eles falam que @ avenida do Contorno circula Belo Horizonte, ela circula mesmo, mas @ questio é que eles dizom que ela envolve a cidade. A questéo & que no envolve merda nenhuma, porque vocé vai ver, Belo Horizonte esté cada vez crescendo mais. E os bairros da perl. feria estéo cada vez mais no centro, vamos dizer assim: sem eles sairem do lugar, & medida que a cidade vai crescendo, té chegando cada vez mais no centro, Entéo esse lance, ai, da avenida do Con- torno, de falar que ela roda a cidade, ela roda a cidade mas néo roda ‘tudo em volta da cidade, hoje em dia acabou esta best Hoje em dia muita gente fala que vai pro interior, que aqui ruim demais. Sabe, pra mim o pessoal fala que vai morar no interior de Minas, d4 medo, porque todo lado que vocd vai tem pessoas aqui no centro que veio do interior. Velo, porque lé néo té dando mais Para morar. O pessoal fala: “Ah! eu tinha uma tertinha Ié, vendi porque do tinha condigées de plantar, nem nada". Entdo, acho que a idéia ue © pessoal faz, pelo pessoal que vem de Id, é que néo té dando; no tem escola, néo tem agua, néo tem luz, nego tudo vivendo na ralé, vivendo descalco, pegando doenca uma atrés da outra; isto dé medo, nao dé vontade de morar no interior. A néo ser que seja cidade do interior que tenha cidade grande, Mas néo sendo, prefiro ficar aqui e continuar @ luta, Do Brasil, jé vi falar da Amaz6nia, justamente por causa da vege- tagio que la tem, dos minerals, dos recursos minerais que eles retiram de I, do pessoal que eles esto levando para lé, acaba sendo estran- golro também. Entéo, 0 nego vai para lé com a esperanga de ganhar bom, ta certo que muita gente fina ganha bem mesmo, ganha, mas certo também que apanha doenca uma atrés da outra. Questo que eu nio sei como & que 6, sei que tem um lance que eles pegam doenca uma atrés da outra: febre amarela, que eu conheco, e muita. Conhego também... jé ouvi falar de uma cidade do Nordeste, & Alagoas, esse negécio. Cidade ndo, é Estado. Alagoas, Paranaiba — 1ndo 6 Paranaiba nao, 6 Paraiba —, Cearé, Rio Grande do Norte. Cearé © lembro mais porque o Renato Aragao fala: o Cearé que néo sel o que Id... ele é de lé. €... Bahla também, Bahia por causa da capoei- ra, uma coisa que adoro ver. Mas conhecer de perto eu néo conheco néo. Conheco a historia de outros paises, 6 estado, néo? Golds eu conheco por causa do Distrito Federal. Mato Grosso do Sul e do Norte, eu no sei que diferenca tem mas tem esse lance ai que oles Golocam Mato Grosso do Sul, Mato Grosso do Norte, E também as regides, que 6 @ regio Sudeste, S40 Paulo, Rio, este lance al. Ah! acho 37 que se for falar dos Estados, tem que falar dos Estados todos: Grande do Sul. ‘Sd0 Paulo, ou jé ouvi falar, porque, apesar de pequenininho, é (© lugar mais povoado que tem. Densidade demografica é é supe- ralta. Entdo, também, tem multas inddstrias por causa disso. Eu no gosto, nem quero conhecer, 6 uma das cidades que o pessoal fala que & poluida demais, tanto em matéria de som, €, poluicéo sonore poluigéo do ar, dos rios, de tudo quanto é poluigao lé tem aos monties, & uma cidade que eu no tenho interesse nenhum de conhecer de perto. Vou para qualquer lugar, menos Sé Paulo, entéo assim rngo tem. Do mundo, dois paises que me vém mais a cabega séo: Japo € ‘dos filmes que estio af. Adoro filme de artes marciais. Entéo, so os dois paises que me dé mais atracéo, se tivesse dinheiro para poder ir conhecer, seria um dos dois que ou gostaria de poder ir, ficar e até morar la se fosse possivel. Isto porque 0 povo chinés dé até alegria de saber, de ver. Hoje pode ‘até ser que nao, mas como eles colocam antigamente 0 povo chinés fra, eu acho, um povo que tinha fibra, sel 14. Gostava de lutar, essas coisas, meio heroismo, eu gosto. € um pais que tem... © 0 Japso ‘também, o Japo eu gosto mas nem tanto, Eu acho eles meio bandido. Dos dois, acho que a China seria 0 mocinho e 0 Japao 0 bandido, af, acho esquisito esse lance af do Japéo... muita invasBo, nao sei se 6 invasdo que fala, mas muita rixa com a China. Justamente esse lance de artes marciais deu muita rixa com a China, entéo, eu ‘acho que 0 Japéo 6 meio bandido nesta hist6ria toda. Da matéria de Estudos Socials que eu tive no primédrio, néo me vem nada na cabega porque eu parei de estudar aos 6 anos @ 86 agora em 80 é que eu voltel a estudar. Agora, de Geografia, eu acho ‘que do modo que os professores, que vocés esto colocando para a gente, fica um tanto de coisa. Vocé pode ver o seguinte: eu ndo sabia os nomes dos Estados todos do Brasil e hoje se eu for co- loca, eu acho que no sei o nome das capitais todas. Pelo menos 0s nomes dos Estados eu sei, deles todos. Eu acho que fica a maior parte dos que eles falam, porque vocés colocam 6... a regido Sul 6 assim, assim, assado porque vieram gente de fora. No Sul tem muito estrangeiro. Entdo vai ficando tudo quanto é parte que @ gente pensa que néo 6 importante, val indo; 6 na parte que mais fica na cabeca da gente 6 a parte que o pessoal acha que néo 6 Impor- rante e que fazem questéo de mostrar para a gente o que ela fol {Ai fica, vamos dizer assim: a regio Nordeste, 6 Nordeste. Sudeste 6 a mais populosa do Brasil. A questo do populosa ¢ mais facil de ‘a pessoa guardar porque 6 a mais conhecida do Brasil, assim, pessoal 58 mais ver aqui de fora, mais fica 6 que aqui nesta regiéo. Agora mai powoada, se voes for perguntar 0 pessoa, logico quo sabendo, que ‘4 mais povoeda vai saber que 6 a mais populosa, mas quase nunca 8 vio falar assim que & mais povoada, e assim, voces dando aula do jeito que vocés mostram, dé para a gente guardar es dues coisas. Da regio’ Nordeste, Nordeste néo, da regio Norte, vamos. supor: ‘gente sabia, eu pelo menos sabia que tinha este projeto... Jar. a ‘Agora eu néo sabia de quem era, eu néo sabla dos outros, que tem © Garajés também. Eu néo sabia que era mals ou menos © nem nada, @ nem tinha vontade de saber. Entlo eu acho que fica esse Pontinho que © pessoal falando extra aqui, manda para fora, de fora les mandam matéria pronta, um negécio jé produzido, feito, eles Compram 0 que eles produzem aqui, 0 que tiram daqui, faz 14 fore compra mais caro do que se fizesse aqui dentro mesmo, aqui dentro do Brasil. Entdo explica a coisa assim e vai marcando a gente, Eu acho que fica quase tudo, no dé para esquecer assim de uma hora para outre, ndo. A gente fala que esquece porque dé 0 branco mas ‘questo que se for lembrando devagarinho, lembrava tudo igual, por exemplo: néo dé para lembrar tudo, tudo, pelo menos a maior parte ‘Acho que se deveria acrescentar mais alguma coisa & Geografia. ‘Acho que a maneira do pessoal dar a aula de geografia, porque eu lembro 0 seguinte: em 75, estudei num colégio, estudel até o meio do ano, na aula de Geografia eu dormia, nao sabia 0 porqué. Entéo, do jeito que professora dava aula, nao dava vontade nenhuma de ouvir @ aula. Era preso demais; mostrar para vocé 0 que esta no livro, de falar questéo & isso, isso @ isso, e mio mostrar o porqué daquilo. Af dé falta de interesse na gente, o nego fica mesmo sem vontade de seguir em frente, de estudar, de prestar atencéo, de saber como é aquilo. Eu acho que a gente tem vontade de saber 2 porque das coisas. Todo mundo saca que existe, mes precisa saber © porque. 59. Meu nome @ José Mariano, s6, um nome pequeno porque 0 pessoal, antigamente, batizava, Registrava néo, era 86. Onde eu nasci @ municipio de Montes Claros!- Tem uns 12 quilémetros — trés vezes quatro: doze. € quatro léguas, naquela época, Uma légua séo trés quilémetros, néo é? Fica 12 quildmetros do municipio, um quilémetro de Séo Joaquim. E a foi o lugar que eu nnasci e morava meu pessoal. LA meus pais junto de meus avés tinha tum terreninho deles, que eles plantavam, cultivavam ali. Era meus pais, meus tlos, meus avds, a familia toda, né?_Entéo ali eles trata- vam’ daquela lavoura. O forte de la, naquela épova, era @ lavoura mesmo. A gente tinha terreno e a cultura. Que eu lembro, era me- _ nino assim com 7 anos de idade, jé comecei a entender as coisas, colhia arroz, feijao. O mais forte era arroz. Arroz, feljao, todas duas plantas da seca, esta da gua agora. E cana também, era muito produtor de cana, porque era um lugar muito baixo. aspecto, a situagéo do terreno 14 6 muito baixo, baixo mesmo. Entéo eles cultivava, nés trabalhava nas lavoura nossa, porque © terreno era pouco, sabe? Nao tinha tanto e enquanto tratava da lavoura nossa, entéo nés trabalhava naquelas fazenda. Tinha um fazendeiro forte por nome de Domingos, do outro lado do rio, 0 rio Verde. Ele morava de um lado ¢ nés do outro. Quando nés tratava da lavoura nossa, no decorrer do tempo nés la trabalhar todo mundo nessa fazenda. Era a familia dos Lopes, tinha a do Domingos Lopes, ‘que 6 avd desse Domingos. Porque a familia Lopes toda, que eu disse, tinha fazenda ali. Entéo aquele povo pobre tudo que depois tratava do terreninho dele © que cuidava conforme era 0 nosso, ia trabalhar para ele na fazenda, mexer com criagio e essa coisa, ‘Assim, eu vim criando all. € nessa rotina, meu pai apertava muito. Tinha um rio muito grande que tinha muito surubim. Eu, menino, 60 sinda lembro que ele pegava surubim que devia dar uns 2 metro, esse 0 meu céleulo de tamanho. Ele levava para a cidade para vender. A cidade que é Montes Claros. AI a gente fol trabalhando ali, trabalhando... Nisso eu fui crescendo. Quando eu estava com Idade de uns 7 anos, nés mudamo. Nos mudou para baixo desse ro, margem desse rio, mais pra cima, sabe? Mudamos porque tinha um fazendeiro 14, por nome de Daniel Crispim, fazendeiro que mexia ‘com cana e porco. Mas 0 forte dele acho que era gado. Gado leiteiro © gado pra embarque, para engordar essas manadas, Entio meu pai era vaqueiro, a profisséo dele mesmo era vaqueiro, entdo ele teve uma proposta. Esse homem convidou ele para sair de onde a gente ‘morava, para ficar 14, para tomar conta do gado e trabalhar na fazenda, ‘Ai, isso ele fez ends mudou deste lugarzinho por nome de Séo Joa. quim e combinou com esse homem e nds fol. Meu pai foi para lé tomar conta da fazenda. Eu lembro até quando comecou a mudanca, Porque 0 transporte era a cavalo, naquele carguelro, cavalo cangado @ levou aquilo @ eu fui, eu fui muntado. Minha mée foi muntada num. cavalo, as minha irma noutro, eu fui na garupa do cavalo que a minha mée fol. Eu fui junto com ela, eu era pequitinho, eu lembro. Chega- mos, acho que ja de noite, nesse lugar. Ele chegou e comecou a trabalhar nesse lugar por nome de Juramento, Nés safmos de madrugada ou de manha, eu ndo recordo como 6 que foi, eu sel que 4 nés chegou escurecendo. AI chegou naquela casona; casa toda calada de branco, aquele fazendéo, nfo 6? Aquela casa toda tipo colonial, porque as casa de fazenda era tudo tipo colonial. Aquela fazenda grande, eu nao recordo bem de eémodo, mas tinha cémodo que néo era brincadeira. Aquela casa de beiral todo feito de assoalho. Ele comecou a trabalhar 1é na fazenda do hhomem ¢ ali a gente foi crescendo. Nés morava nessa fazenda. O ho- mom tinha duas fazendes. Tinha essa que era dentro do terreno da fazenda grande, Ele morava num lugar que era considerado a sede dda fazenda. Ai meu pai chegou e comecou naquela lida que ele tinha combinado com 0 homem, né? Era mexer com curral e o gado, tratar do gado ¢ carrear, levar transporte no carro de boi para a estagéo, ferrovia, num lugar por nome de Juramento que era municipio onde passava a Central do Brasil. Tinha estaco grande que era lugar de fembarque e desembarque. Quando meu pal acabava aquela rotina, tirava leite, aquela coisa toda, acabava de tratar aquele gado no curral, af ele pegava os boi e ia carrear lenha, as vezes, é para a fazenda. Quando nao tinha todo esse servigo, eles carregava um carro de mantimento, aquele toucinho salgado que usava, essa came de sol. Ele mesmo empacotava aquilo, punha no balalo, no carro e levava para a cidade e 16 vendia para aqueles atacadistas, aqueles comer- Ciantes que tinha nesse povoado de lé, até ser despachado para fora 61 E a rotina era essa. Ainda eu lembro, af eu jé ful crescendo. Quando estava ai com meus sete ano, eu era cambieiro de boi para ele. Eu Jembro que nds ia para esse lugar — eu ia na frente dos boi. Chegava 14, ele entregava aquela mercadoria; um tanto num lugar, um tanto outro. Um tanto de carne de sol noutro, carne salgada: um tanto de rapadura, que usava multo. Eu sala entregando aquilo. Tinha um lugar que a gente deixava o carro, assim na entrada do povoado, delxava os bol no cutral e ele entregava, © pessoal dali pegava aquilo tudo e levava para a sua despensa e de Ié nés ia para uma penséo, que 6 0 lugar que a gente ficava. A gente ia comer nessa penséo, que até 0 homem chamava Miguel. Eu era menino, eu lembro que ‘les falava: penséo do Sr. Miguel. Depois que ele despachava aquilo tudo, ele carregava o carro de material que o fazendeiro tinha com- prado: arame, saco de sal. Ele carregava o carro com mercadoria © voltava. Chegava ld e la tratar de outra rotina. Ai fomos trabalhando, fomos trabalhando, acho que ficamos lé 1 ano e meio. Al eu tava crescendo, eu © mais duas irmés. Meu pai sempre falava: “Tal época nds vo embora pra cidade". Que é Montes Claros, a nossa cidade. Sempre ou via ole falar que ele tinha vontade de poder criar ‘nés, porque nés ja tinha algum parente que morava la na cidade e sempre 0 povo falava: “A cidade era melhor para o pobre criar os filho; tinha mais facilidade de arranjar mais servigo”. Eu tinha vontade de largar este servigo de roca. Durante 0 tempo que nés teve fora lé dessa fazenda, meus tio ficou tomando conta da nossa terra. Meus tios ficou morando 1a, pois quem mudou foi s6 nés. Eu conheci mou avo mas néo conheci, Porque néo recordo. Mas minha falecida mde falava que meu avo tinha um xod6 danado comigo, que era eu o inico neto, e que eu andel muito com ele a cavalo, na garupa do cavalo. Todo lado que ia me levava com ele. E nds ficou lé, essa temporada nessa fazenda. E meu pai sempre falando que tinha vontade de mudar, e tal, mas ‘acho que Deus no marcou. Nisso meu pai adoece. Ele era pedo, era domador de burro bravo, nesse entre, o burro caiu com ele. Eu ‘no lembro, mas 0 pessoal que contou disse que o burro disparou. ‘Acho que passou num pontilhao, esse pontilhio que tem no interior. Hoje, qualquer pontezinha tem guarda-méo e, nessa época, ponte de Interior forra 6 0 assoalho pro transito. Nao tem nada de protecao. ‘Acho que 0 burro escorregou e caiu com ele lé em baixo, virou por cima dele e nao deu tempo de ele sair por cima do arreio. Entio ele machucou. Um colega dele que estava junto, um homem por nome de Seu Firmino; af esse homem tirou ele ¢ ele salu, montou no burro outra vez mas sentiu dor. Daf uns dia ele calu de cama e fol tratar. No interior nao tem recurso, naquela época num tinha facilidade de chamar um médico pois mesmo nas cidade grande os médico era 7} pouco. Montes Claros, desde que entendo como gente, era_uma cidade grande, mas tinha pouco médico. A medicina nesta época era atrasada e eles ndo tinha a idéia, &s vezes, de mandar buscar um médico. S6 quando era um fazendeiro. Quando a ocasiéo apertava, 6 que mandava buscar 0 médico mas, mesmo o fazendelro, acreditava, mesmo era no farmacéutico, aqueles farmacéutico velho. Qualquer coisinha, uma pessoa ao invés de consultar com um médico, la na farmécia e explicava para o farmacéutico, Com 0 tombo, meu pai rebentou por dentro. Hora que ele ia fazer xixl, safa puro sangue. Ai ficou, @ eles tratando dele, man- dando buscar remédio e mais remédio, e ele 86 plorando. Foi indo ‘até ele ver a morte, ole morreu mesmo. Nés ficamos sem ele, af que fol duro. Eu lembro como se fosse hoje: minha mée chorando, sentindo, Eu sei que na hora que ele morreu minha mée abragou ele © chamou nés tudo para perto dele, mandou que nés posse a béngo nele, minha mée logo ficou desorientada. O fazendeiro logo mandou outra pessoa que tinha 16, onde 6 0 patriménio que a gente ‘morava, avisar os parente nosso, pois naquele patrimoniozinho morava as familia tudo perto, tanto por lado dela, como por lado dele. Ainda lembro, quando meu pal morreu, ele deixou uma lavoura — que a gente tinha direito nesta lavoura —, deixou uma lavoura plantada de feljo, mas que era uma meravilha. Deu feijéo que néo fol brinca- deira.” 0 feljéo jé tava maduro, comecando madurar. Minha m&e ficou lé até colher a lavoura, colheu a lavoura de feljao, vendeu o cavalo que meu pai tinha, vendeu uma junta de bol que era dele mesmo. ‘Acho que ela vendeu a dele para o fazendeiro mesmo e ela falou ‘que vinha para a cidade, que |é tinha nossos parente que morava Ié. Ela falou: “‘Vou para a cidade, que é para perto dos parente e fica melhor para arranjar lugar para mim morar e para ajudar a criar os filho, olhar os menino”. Af nés foi embora. Pega que no dia da viagem saimos de madrugada para chegar na cidade de Montes Claros. Viajava quase que o dia tudo. Eu lembro que minha mie arrumou os trem tudo de noite. Ai, pega 1nés fol embora. No dia de nés viajar, eu lembro que ela arrumou trem para nés comer na estrada. Lé era lugar muito farto, muito requeljo, muito queljo. O fazendeiro deu o cavalo para mim montar fe outro cavalo para levar a carga. Néo sei se fol um ou dois para levar os trem nosso. Também foi uma mulher, era Josefa, que foi de companhia com nés e nés viajou. Parece que fol de madrugada. Viajamo, viajamo. Eu lembro que tava viajando e aquela lua bonita, maravilhosa. Dai, nés 14 val viajando, quando nés passou perto do cemitério que meu estava enterrado. E eu sel que, hora que nés lu naquele campo limpo, enxergava aquela estrada de terra verme- Tha, aquela tua muito bonita, aquela estrada longa que 86 vendo. 63 Minha falecida mée parou um pouquinho e elas ficaram conversando. Eu vi ela comentando com a dona, que a hora que elas fol chegando neste alto, apareceu um carnelro branco, mas branco que 96 vendo, pertinho de nés, assim na belra da estrada, quieto, que nos passou ® ole ficou quietinho. Quando nés andou uma certa distancia, ela mais ‘a dona olharam para tras um pouco e ndo viram mais nada naquele lugar. 0 bicho desapareceu. Af nés vamo na viagem, vamos viajando, vamos viajando. Quando nés saimos naquele alto, pegando aquela estrada reta que eu tava falando e comecamo subir um topo. Eu sei {que a gente olhou a Estrela Dalva. A Estrela Dalva tinha safdo. Pelo que elas falou, tinha saido hé pouco tempo, tava aparecendo, ela tava alta e aquela luz que s6 cB vendo. Juntou a luz da Estrela Dalva ea lua. Af nés Ié val viajando, viajando... ¢ elas falando que a madrugada estava longa, que era muito cedo, que a Estrota Dalva tava muito alta. Af a gente viajava, viajava e de vez em quando olhava a Estrela Dalva — que no interior a gente néo tem rel6gio @ 0 relégio 6 a estrela, 6 a Estrela Dalva. Quando ela estd muito alta, 6 alta madrugada — na base de hoje, hoje tudo calculado, quando ‘ela sai ali pelas 2 horas da manhd, duas e meia. E n6s viajando e a ‘estrela 86 abaixando... a gente viajava, viajava, e tal, a estrela 56 baixando. Quando a estrela ta quase sumindo no horizonte, na serra, fa gente ndo vé mais. Ai comeca a escurecer, al o dia vem clareando, ‘af nés foi viajando, viajando... Quando eu olhava para aqueles mor olha Id a estrelal Olha 14 a Estrela Dalval A Estrela Dalva estava ‘cubrindo, escurece um pouquinho. Aj foi escurecendo, escurecendo um pouco, a gente jé vendo a estrada. A gente, entéo, jé foi chegando pra perto da cldade, tanto que eu calculo que deve ter uns 6 quild- metros ou dez e Jé fol aparecendo aquelas casas. Aos poucos |é oo- mecou a escurecer. Quando a gente comegou a andar um pouco, viu aqueles galo comecando a cantar naquelas casas e 0 dia jé fol clareando. Fol clareando, fol clareando, clareando até que o dia ‘acabou de amanhecer. Cabou de manhecer, clareou mesmo © nés foi viajando. Quando dia tava bem claro, que eu néo me recordo a hora, 0 sol comegou a apontar naquele morro, € nés jé tinha viajado um bom pedago de solo. Devia ser umas nove horas, que 0 sol Jé tava bem alto, e nés comegou a entrar na cidade. Af entrou na cidade e na entrada da cidade nés paramo. Paramo numa venda, pessoal era conhecido — minha mae sempre ia na cidade com meu pai e essa coisa toda. Falou que onde 6 que nos la, onde 6 que morava esses primo nosso © que nds ia para a casa deles. O pessoal naquela 6poca era assim sem certas colsas, certos preconceitos. Era popular, pessoal era tudo uma irmandade, Podia ser uma pessoa Bs vezes até de bem, como diz, pessoa de sociedade, mas numa parte conforme a formacdo dele, ele num separava para tratar 0 rico, © rico do mais humilde, néo 6? 64 ‘Af este Manoel Delfino da venda ensinou @ nés bateu para ld. Chegamo Ié ¢ fomo certo para a casa do Anténio Donato. Chegou le recebeu nés com aquela satisfacdo. Nés desceu, desapeia do cavalo, ele tirou os trem nosso e guardou. Af nés ficou. Ele fol arranjar lugar para nés morar. Eu lembro que ele fez uma puxada do lado da casa dele para a gente morar. Nés ficou morando dentro da casa dele. __ Minha mae jé conhecia alguma pessoa na cidade. Como as me- nina foi crescendo, a que. tava com 11 anos, a Ana, empregou numa casa para ser ama de menino. Minha mée logo pegou roupa para lavar. Ficou eu e a Maria, uma que ja é falecida. Minha mae sala para lavar roupa, 8s vezes eu ficava dentro de casa. Quando nés ‘tava morando na casa desse Anténio Donato, ou mesmo quando saiu da casa dele e ficamo morando na nossa casinha. Ai, dentro de casa elas olhava, ¢ essa que é a do meio ajudava ela a lavar roups, tirar gua para ela, e tal. E essa foi ficando mocinha e empregou. Ficou eu e ela, junto com ela, eu trabalhando, ela lavando roupa, e lavando casa! Eu era pequeno, eu tirava dgua da cisterna para ela, porque naquela época, na cidade, néo tinha gua encanada. Todo mundo, do mais rico ao mais pobre, tudo era cisterna. E eu ia tirar égua com aqueles balde pequeno para ajudar ela, tirando baldinho de égua. Tanto que eu comecei, eu fui criado, uma parte, com esse dinheiro de lavacdo de roupa, ¢ ajudando ela. Ela um dia lavava numa casa, outro dia lavava roupa noutra. Naquela época a cidade era pobre, as casas de Ié, do pessoal mais rico, era assoalhada. Um dia por ‘semana ela lavava assoalho, lavava casa. E eu ia, todo lugar que ela ia fazer este servico, eu ia ajudar a ela, ia tirar agua para ela e mesmo ajudar a lavar casa. Ai jé fui crescendo e ela tomou conhecimento 1a ‘com uma familia Peres, uns atacadistas, quase que até era a mais rica da cidade, pessoal até muito bao. Ela comecou lé também, lavando rou- a, lavando casa, naquela lida. Nesse lugar apareceu um homem que ra vizinho nosso 16, de nosso terreno, um tal de Xandu, um homem até muito boa pessoa, mas a mulher dele era ruim pra menino. Um dia spareceu 16 esse homem e falou: “O Francisca, me dé o Zé e detxa ele trabalhar comigo 1é uns tempo, ao menos ele vai crescendo eu vou ensinar a ele. Cé sabe, vida de cidade & muito ruim, depois vai ficar muito junto de muito companheiro, e tal, tem uma meninada danada...” 6 ela falou com ele: “Nao, Xandu, vocé 6 muito bom, c& vé, nés foi vizinho de terreiro; fomos criado quase junto num lugar 86 @ com o8 6 a mesma coisa que estar comigo. Mas 6 que aqui eu estou lavando roupa na casa da dona Helena Peres e eles la quer que ele fica Ié trabalhando. Cé sabe, eles 6 um povo muito bao, eles quer que ele fica trabalhando Ig. Hora que ele aprender, diz que vai por ele para trabalhar, ajudar no armazém. De modo que 65 cle vai ficar 14". Ele voltou a insistir: "O Francisca, deixa ele ficar ‘comigo 14 a0 menos uns dia até eu arranjar outro menino. Eu td ‘mexendo com lavoura agora, td muito apertado”. O homem endureceu ‘com aquilo até a minha mée deixar eu ficar lé uns dia. Eu jé ia tra- balhar com ela nesse lugar que ela ia lavar roupa. Eu tava com uns 8.29 anos! C@ sabe, a gente tinha que obedecer as mae — eo homem insistiu muito. C8 ‘sabe, com o pessoal antigamente, amizade era amizade. Até que o servico no era demais, no. Eu fazia o que eu dava conta, mesmo assim a mulher era uma carrasca. Querla que eu fizesse tanto trem que 6 cé vendo. Eu fui, fiquel com eles l4 no lugar por nome Ponte Alta, que o servigo deles era o mesmo que ‘© do meu pai. Ele mexia com lavoura e cuidava do gado, néo 6? ‘A eles abriu uma lavoura num lugar por nome Limeira e ole fol pra |, morar num rancho para tratar de lavoura e deixou um tal Raimundo no lugar dele tomando conta do gado, Chegando Ia ele fol tratar de lavoura, o lugar era um deserto um lugar longe que 86 vendo. Era um lugar muito plano, mas de ‘muita mata. Eles tinha 6 um lugar que eles tava abrindo fazenda — tinha 86 uma casa que eles fez — abrindo aquela lavoura porque 6 através da lavoura que vem 0 pasto. Ele derrubou o mato, plan- ‘tava mantimento — cereals —e no ano seguinte jé plantava capim. De modo que era um lugar fechado que 86 vendo. Um lugar que néo era colonhéo, era aquela mata e 86. Mas um lugar plano que 86 8 vendo. As vezes tem alguma montanha, mas no 6 montanha como igual aqui que a gente vé esses monte alto assim... Mas tem que escavar, que a rocha fica por baixo. Aqui tem que escavar de trator para dar na rocha de pedra. LA néo, a pedra jé parte da parte do solo pra cima. £ essa pedra calcérea de fazer cal, que eles usa ela as vezes pra fazer até cimento. Lé tem a pedreira dessa pedra caleérea de fazer cimento que vocé olha e é mais alto que qualquer lum edificio desse. Ai nés foi pra Ié. Ela mandava, as vezes, eu buscar agua, eu tinha que buscar égua de manhi cedo — buscar agua um lugar por nome Barrocéo. Que 14 no tinha corgo, mas tinha multa lagoa. Perto do lugar que era sede da fazenda tinha uma grota que tinha uns pogo que néo secava porque tinha uma mina. Eu bus- cava gua © tratava dos porco. Meu servico era esse e a mulher néo me dava sossego. Ai fui ficando 14, ful ficando... Mas pensel: “An! eu ficar nesse lugar?” Ela me mandava na tal Limelra e de Ponte Alta aonde 6 que era a fazenda, até Limeira, devia dar uns 18km. Tinha cavalo — o homem era bom —, toda vez que la, ia montado a cavalo. As vezes eu la a pé dar recado ou buscar as coisas nas costas. Eu e Deus enfrentava aquole estradio que as vezes sumia de vista. Eu olhava aquilo 14... distancla a base de 30 a 40km ou 60km. Cé via aquela montanha alta que 86 vendo. Depols aquele 66 plano, até onde a sua vista no alcanca. Aquilo tudo reto, uma hora ou outra uma balxada, mas 6 reto. E quando nfo é reto c8 vé aquela montanha. As montanhas no so uma perto da outra. Por exemplo: tem uma aqui muito alta, outra como daqui 14 pro mercado. Agora, nessa érea entre melo essas duas montanha é plano. Quando tem baixo 6 algum corgozinho. Mas 6 tudo plano! Plano e mata. O lugar quentel € bom que 6 quente, eu gosto. Eu ia as vezes buscar as coisas. As vezes faltava alguma coisa no meio da semana, mas la tinha um armazém grande que 6 aonde abastecia. As vezes ou la egar o cavalo, ela dizia: “Nao! Vai de pé mesmo, se c@ vai a cavalo vai brincando”. Mandava eu bater aquele estradao a pé. Para ir e voltar devia dar uns 18km, por af. C8 vé minha idade, as vezes calculava uns 10km, 8 ou mais, de trem nas costas. Um dia, tava comecando planta de milho, eu lembro como se fosse hoje, ela mandou eu enfrenté aquele estradéo buscar parece ‘que foi sal'e um outro negécio de necessidade que tinha que buscar, © eu ful. AY ou batl para Ié para essa Ponte Alta, cheguei 14 jé de tarde, cheguel 14 na fazenda de Tonico Lopes. Eles me tratava muito bem — gostava muito de mim, por ceusa de meus pais. Sei que fol uma época de jabuticaba. E 14, quando dé jabuticaba naquele balxadso que & margem de rio — beira de lagoa — dé jabuticaba que 6 de fazer nojo, oc8 anda debaixo dos pé. Ninguém la levar aquilo para a cidade grande para vender, todo mundo tinha. As vezes a gente ja pro peste de manhé cedo, passava por baixo do pé de jabuticabe, @ pisava naquilo — a gente andava 86 descalco — parece que dava até nojo tanto trem que dava. Entio aquole pessoal, aquela pefozada da fazenda — um domingo ou dia santo (interior, pessoal quarda domingo e dia santo, aqui 6 feriado, 4 6 dia santo} — eles vinha buscar jabuticaba, era época de jabuticaba. Eu ful, cheguel Ié na fazenda, almocel; eles arrumou os trem que eu tinha que levar. © sol tava comegando quase que a entrar naqueles morro. Eu. pus tudo nas costas. Como diz antigamente (hoje a gente fala é sacola), era um bornal. Enquanto era pasto, estrada boa, muito bem! De vez ‘em quando eu olhava para trés e via as pedras da fazenda cada vez ‘mais longe. Aquela casinha branca e eu andando e o sol lé val sumindo naqueles mato. Eu lembro, quando eu fui chegando nos siltimo pasto limpo, @ estrada jé era aquela mata. O mato Ié era téo alto que naquela épcca eles ndo cortava as rvore, eles conservava as érvore ‘que fazia nequele sombra, De noite escurecia, a gente via 86 estrada por baixo. Quando passei o ltimo pasto que tinha, a cerca tinha 2 porteira pra gente sair do pasto e pular para outro lado, encontrei com aquela turma de gente que ia fazer pique-nique. Todo mundo com aqueles balaio de jabuticabas, nas costas @ esses lata de banha. Ai fencontrou comigo todo mundo conhecido, af: “0 Zezinho, pra onde er ‘008 val? C8 val pra Limeira?” Eu falel: "VO!" Ai todo mundo: “Uai gente, ual Z6, lé no tem cavalo, no?” Tinha um homem por nome Alfredo, era um vaqueiro ¢ chamava eu de Juquinha; falava: "O Jug nha, cadé 0 cavalo? Cé td com.medo de muntar a cavalo ainda, me- nino?” Eu falei: “Nao senhor! Dona Rita néo deixa eu vir a cavalo. Xandu &s vezes manda, mas dona Rita no deixal” Falou assim: “0 cobra! Aquela é gente ruim". O homem falando: “Agora cé vai bater um estradio dese, Z6? Escuro!” Eu falei: “Ah! eu néo posso voltar néo! Chega lé, eles acaba comigo!" Tinha que andar uma distancia que s6 vendo. Todo mundo compadeceu de mim. Do tama- ‘nho que eu era, do peso que eu ia com ele nas costa, © 0 que que eu ia enfrentar... Ai todo mundo compadeceu de mim. Todo mundo felava: “Mas isto ¢ um absurdo”. Ai o povo comegou a brincar comigo: “O, a onga vai te comer af neste lugar”. Eu falava: “Ah! Nao come nao! Eu rezo". Minha conflanga era rezar. E 0 pessoal foi embora. Eu sei que muitas dona olhou assim © enxugou as lagri- ‘mas e eu enfrentei aquele estrado. Numa volta que eu olhei para trés eu vi eles sumindo numa outra volta do caminho, eu via iiltima pessoa e via a casinha lé naqueles mundaréu da fazenda. Eu olhava ‘aquele estradio. Eu parei, néo sei nem se ia ou se ndo vinha. Fiquei parado...! Ai comecei a rezar pedindo a Deus para tomar conta de mim e tal. Ai fui andando e custei com aquele trem nas costa, Ful andando, andando, andando, eu sei que logo estava chegando na Portelra dessa tal Limeira. Eu ndo vi um nada que me assustasse nna viagem a pé, num vi nada mesmo. De vez em quando eu safa numa clareira — num lugar de campo eu vi a estrada, aquela terra vermetha [4 na frente. A noite estava meio fosca, néo tava nem escura € nem clara! Safa naquela clareirazinha; dava um lugar claro, ‘eu parava; descansava um pouquinho e tal; escutava um galo cantar aquela distancia, longe. ..; af eu tornava a andar. Eu sei que, quando 8 galo tava tudo quase cantando, eu note! que o dia tava clareando, ‘Quando eu cheguet os cachorro latiu — 86 latiu —, depois veio, come- ou a brincar comigo e tal. Eu entrel, pus os trem lé e eles tava acor- dado ainda. A mulher olhou assim e falou: “Ah! ele té chegando agoral” Falei: “Té chegando 6 agoral” Ai, tal; nao falou mais nada do; mandou eu ir jantar e eu ful jantar. Lavei os pés e ful jantar. Eu ful dormir @ no outro dia eu ful trabalhar. Af eu pensei: “Eu no vou ficar nesse lugar, néo! Eu vou embora”. Um dia eu pedi 0 homem para ir embora; ele: “Ah... de Jelto ne- nhum, meu filho! Cé vai ficar aqui para eu te ensinar a trabalhar Viver de trabalho, que que eu la aprender? Aprender servigo de Toga? Foi bom que Deus ajudou, nio deixou isso chegar na cabeca, Servigo de roga € uma coisal Meu pai, por exemplo: ele tinha o terrenozinho nosso, tinha alguma criagSozinha, mas se ele tivesse ido 68 para a cidade acredito que, as vezes, ele podia ter morrido. Mas, as vezes, a gente tinha aproveitado, apreciado mais o pai. Ele néo tinha pegado essa profisséo de amansar burro bravo... nem boi, esses trem. Tivesse ido para a cidade podia ter mais vida e, no entanto, ele acabou foi nisso; acabou cedo. Bem, eu fiquel 1é mais uns tempo mas eu pensel: “O dia que ‘essa mulher — a Rita — mandar eu |é na Ponte Alta, eu vou emboral” Um dia ela me avisou: “Antes de acabar de escurecer, de tardinha, amanhii cé val na Ponte buscar arroz para plantar e mals no sel o que, no sel 0 qué". Falava: "Té bem’. Eu pensel: "...a cavalo ou a pé, e tal, eu mostro ela”. Agora o que que eu fiz: antes de acabar de escurecer eu ful no quarto onde eu dormia, peguel minha roupa, uma camisa e calga, que era roupa que eu tinha. Peguel tudo que era roupinha minha e pus numa sacola, naquela época a gente falava bornal. Eles tava jantando; peguei tudo quando eles tava intretido 16 dentro; corti e passei por detrés de uma casa e sal numa roca no fundo daquela casa. Toquei no meio daquela roca, agachado para eles ndo me vé. Saf numa estrada, numa moita na beira da estrada da dltima porteira que a gente sai. Eu deixe! |é numa moita meus trem, minhas roupa que eu tinha levado ¢ falel: "Eu mostro eles”. Quando 6 noutro dia ela mandou a mesma rotina: buscar égua e tal. Cabei de tratar da criagéo de porco. Al, mandou eu sair. Saf. Era quai meiodia. “0 26, agora cé vai l4 pra Ponte, mas vai pra voltar cedo’ Eu falei: "Sim senhora”. Ela me deu aquele bornal de lona que era para trazer umas roupas © aquela bugiganga, aquela sacaria. Toda vez que eu safa era com aquela sacaria nas costas. Pus aquilo nas costas e falel: "Prepara vocés, eu me preparo”. E batl. Na porteira olhei para tras e falei: “€, adeus eu por os pés aqui mais" ¢ bati a porteira, fechei ela até no estrado. Ai visjei. Quando cheguei na Ponte Alta podia ser umas 2 horas, mais ou menos. Sei que tava um sol quente, mas 0 sol tava bem virado no meio-dia. Quando na chegada da fazenda, eu desviei, passei dentro de um pasto, sai num canavial dessa cana caiana — que a terra era muito boa, cana crescia que 36 vendo. Eu conhecia isso tudo, que eu trabalhava 16. Entrei num trilho beirando a cerca de arame, dentro do canavial. Eu olhando; eu me tampava para eles néo me vé lé da sede que era fazenda — ‘ou mesmo aquele povo que tava nas roca, naquelas lavoura pra balxo. Toquei no meio da cana beirando uma cerca velha de arame que tinha Sai ld na frente da fazenda. Eu devia ter dado uma volta de uns 2km. 4, na saida da fazenda — numa moita — guardei meus trem (meu bomal e minha roupa) outra vez e voltei. Voltei para o mesmo lugar para eles ver que eu estava chegando da tal Limeira. Dei a Volta por trés, cheguei pela entrada. Ai eles veio: “Que que velo fazer, 26?" "Vim buscar isso e isso!” "Entra pra cé. Vai descansar procé voltar. Sendo fica muito tarde"; falei: “Té bem!" De I eu sai. 69 Quando eu chegava, eu ia conversar com aqueles meninos. As vez tinha um tempozinho, eu ia brincar com aqueles meninos, aqueles colegas que tinha I. ‘Af eu ful na beira do rio e voltel beirando 0 rio. Por cima, num lugar, eu larguel a estrada que ia para o engenho, voltei beirando 0 rio, porque 14 em cima néo tinha lugar de eu © rio. © rio era muito largo, esse tal de rio Verde. Voltel e estrada, tinha um barranco, um morro melo alto — eu passei bem agachadinho, atrés daquele morro. Tinha uma ponte e eu dei a volta. Cheguel 14 na moita onde eu tinha deixado meus trem — isso tudo meio agachado —e apanhei minha muchila por debaixo do braco © passei nesta ponte. Passel quase que de quatro pé, agachado, engatinhando pra ninguém me ver. Quando eu sai da ponte, eu cai No mato, belrando a estrada — é aquele trilho de gado que tinha, Se eu fosse Ir para a estrada, alguém de longe podia me ver ou encontrar com alguém conhecido que vinha e via que eu tinha ido embora, eu com meus trem. Toquei meu saber daqueles pasto todo, Procurando @ margem da estrada — paralelo com a estrada mas 86 no meio do mato. E fui andando. Nessa rotina eu devo ter andado uns 12 ou 15km de longe da fazenda, s6 por dentro do mato, beirando aqueles tritho de gado. Ai, quando eu vi que jé estava longe da fazends, eu olhei para trés, nao vi mais nada. Jé enxerguei a casa ld maquele alto. Sai na estrada e pé na estrada, que era de carro-de-bol, A gente andava a cavalo @ sala na rodovia. Sai na rodovia. Eu vim andando e fazendo célculo... “Eu ful... hora que escureceu num. lugar... eu vou ver se chego na fazenda do Sr. Fulano, Se nao der pra mim chegar, eu vou ver se peco um lugar para dormir porque néo_dé pra chegar na cidade” E eu Id vou andando. Quando eu saf na rodovia criei alma nova Eu falel: “Se passar algum caminhdo, algum trem, eu pego. Peco a eles uma xepa, uma carona”. Nessa época néo tinha tanto ladrao, tanto roubo, tanto absurdo, entdo gente da roca dava carona, eles dava carona a toa. Hoje que té dificil, tem medo. Quando sai na rodovia sabia o lugar que ia para a cidade; eu marquel tudo pela estrada, aquele estradio de chao. De vez em quando passava um carro por mim, mas 8s vezes vindo da cidade, porque isso ld 6 a estrada que ia pra Bahia, ia pra aquele norte todo. Montes Claros era cheio de linha da Central nesta época, 0 trem $6 ia até Id, O tré- fico, 0 transito de Montes Claros para baixo, para a Bahia, para o norte era rodovia. Ai eu sai na rodovia e meti o pé, ful embora. Quando eu cheguei num alto escutei o barulho de um caminhéo, caminhao internacional que fazia um barulho danado. Escutel 0 ronco daquilo longe. Eu sabia que vinha pelo lado da cidade. E andava, td que escutava. Até que ouvi aquele barulho de carro um pouco perto de mim — numa curva —, num pé do morro. Sai de um lado da 0 estrada e vou beirando — fol que ele apontou. Caminhéo sem carro- ceria. Eu olhei, era o caminhdo de um homem até conhecido, 0 madeireiro, um homem que andava puxando madeira daqueles lado | para a cidade, para a estacdo. Um tal de Mané Trocado. Quando © caminh&o chegou pertinho de mim, comecou @ parer e © homem olhou: “Parece que eu conheco este menino”. O ajudante dele fal “E... parece que eu conheco este menino, acho que 6 filho de S4 Esse rapaz que estava ajudando 0 Trocado morava num da, néo. "Cé t4 vindo pra cidade? Ento aobe af em cima!" Na segunda vez que parou 0 caminhéo, mandou eu segurar numas correias porque ia vazio. O caminhdo tinha dado um defeito e a madeira que ele tinha, eles largaram descarregada num lugar, deu conta s6 de ir vazio. O caminh&o néo tinha carroceria fechada. As cabina da- queles caminhéo antigamente era apertada e |é vinha um rapaz — acho que de carona também, junto com eles, 14 na frente. Um homem © um menino no colo. Ele mandou eu sentar lé em cima e segurar nna corrente. Ele fol I4 e me ensinou como era que segurava. O homem baixou 0 pé naquele pau velho que tampou aquela estrada de poeira. Imagina que eu tava fazendo célculo de chegar 4 em casa de ma drugada ou chegar no outro dia. Mas quando foi 3 horas da tard ‘eu cheguei 14 em casa. Ele passou Id em casa, minha mée tava Id, tava minha irma. Ela me viu, correu, velo me abragar, minha Irma ¢ inha falecida me. Foi aquela festa. “Cé velo embora, 26?" Falel jim!" “Por qué? C8 pediu Sr. Xandu?" Falel: “Pedi!” “Pedi ele para vir embora.” E contel como & que a mulher tava, Minha mde ficou muito aborrecida, nervosa. Falou: “Fez muito bem oc8 vim emboral Num falel com ela que eu tava fugindo, ndo. No outro dia ela saiu, ful trabalhar com ela @ jé deixel emprego tratado na casa desses lojista. Al fiquel. Voltar pra roca, de jelto nenhum! Passado uns dia, esse homem bateu. Ele me esperou — id tava quase doido — I no mato. Achou que bicho tinha me pegado. O povo da fazenda também ficaram tudo doldo me cacando, mas néo adiantou me cacar. Falou que eu saf urgente e néo apareci mais. Queria me levar para roca outra vez. Falel: "De jeito nenhum". Nisso, meus parentes falou: "Nao, Francisca, néo deixa seu filho ir pra roga néo, pra ficar trabalhando com gente carrasco, no! Delxa ele aqui na cidade, j4 tem servico pra ele, ele vai aprender colsa multo mié. Daqui uns dia cé pde ele na escola. Num deixa ele ir pra roga, no". Nessa época eu jé tava com uns 9 ou 10 anos. Entéo eu fui Ié pra casa desse povo, esse tal de atacadista. Ah, eu criel alma noval 1 4J& teve uma vidinha mi6. © pessoal duma sociedade mid, um povo muito Falava que era um povo do cora¢do muito bom. Meu servico era vender leite e vender no armazém, fazer limpeza, La eu fiquei até a idade de 16 anos, trabalhando, ficando 14 com eles. Mas eu dava sorte de encontrar com mulher ruim. Nessa casa, na cidade, tinha um empregado que era o capeta e tinha outra mulher também que era outro capeta. Eu néo tinha sorte! A mulher nunca desfrutou, nunca foi mée, é por isso. Nao sabia o que que era amor de crianga. Dia que eu la Ié pro sitio, para essa venda, era dia de encontrar com o diabo dessa mulher. Entdo teve uma época que eu tava com uma gripe, tossindo que s6 vendo, eu dormi Ié, eu andava mabagasalhado. Eu lembro que nessa época chovia muito, chovia dia e noite sem seguir. Tempo da chuva, tava uma chuva que 86 vendo era de madrugada, a mulher queria que eu levantasse para eu tirar leite. Eu falet com ela que tava sentindo dor nos peito, dor de cabeca muita febre. Ah, @ mulher bateu na porta, xingou tanto nome, que eu levantei. Abri a porta, fiquei com medo de ela arrebentar a porta @ me agredir 16 dentro. Fui tirar o leite. Depois fiquei, continuei nessa rotina trabalhando I4. Ai eu ja fui crescendo e ela jé foi tendo respeito. Eu fiquei lé desde a idade de 9 para 10 anos, até 16 anos. A gente de 14 anos em diante, como diz Cafunga, comeca a ficar cobra criada. povo j4 comeca a ter respeito, e essa mulher foi mudando 0 modo de me tratar. Mesmo assim ela era desaforada. Depois eles mudaram de Id. E sumiu. Eu fiquei trabalhando nessa fazenda, Eu trabalhei Ié até a idade de 16 anos. Depois que eu servi Tiro de Guerra, eu sai de Ié. Antes, mesmo nessa fazenda, eu tra- balhava com um tal de Luis que era ajudante do vaqueiro © era condu- tor. © homem vendia muita manada de gado, vendia como comprava. Vendia manada de gado, as vezes, 200 a 500 bois de vez. Ele era 0 transportador, ele 6 que era o responsével. Ele ia levar aquilo onde fosse, em outras cidades, em outras fazenda, ou as vezes para embarque na Central do Brasil. Uma ocasiao eu ful com o raio desse homem buscar uma noviada para recriar quando era boa raga. N6s fol num lugar, Agua Limpa, distante da cidade quase 70 quilémetros. Deu uma viagem de 2 dias o tanto, a cavalo. Eu fui mais esse tal Luis. No 1.° dia de viagem nés dormiu num lugar por nome Riacho do Campo. Naquela época, uns 40 anos passado ou mals, mesmo aqui no nosso Estado de Minas, tinha muito bicho, tinha muita onca, tigre, cangucu pintado e tudo quanto hé, pegava muita criagdo. Entéo nos fol nesse lugar que nés arranchou, um tal Riacho do Campo. € um lugar de onga. As onga tava atacando nessa época es fazenda tudo. Foi ano de pouca chuva, ndo tinha égua, elas descia para aqueles corgo, a cidade — as fazenda sempre 6 perto de corgo — e tava pe- gando muita criacéo. 2 Entéo nés dormiu na fazenda de um tal Cirilo, no Rlacho do Gampo. Nesse lugar. chegou Ié de tardinha, chegou Ié e tal, velo 0 ovo receber a gente bem recebido — “lé vers chegando, vem para 4, solta os animal no pasto © vao janter”. E entrou pra dentro, fol Jantar, depois arrumou pra gente deité. O homem fol dormir Id dentro da sede da fazenda e eu dormi no paiol, assim, agarrado, um lugar assim... a parede... tem um telhado, espécie cé fazer um galpao. € tipo um galpio mas as parede 6 fechada até meia altura fechada de adobro. Mesmo 0 galpfo que 6 0 lugar que guarda man- timento © guarda arreio de trabalhar na fazenda, de cobrir animal aqueles trogo. Entao, |4 no sitio, tinha uma parte mais fochada que tinha uma parte alta © 0 resto era aberto. Arrumaram @ cama \ para mim. Eu lembro como se fosse hoje. Arrumou aquela cama limpinka que 86 vendo. .. muito clarinha, aqueles trem, aquele colchio naqueles tempo era paina que usava, colchéo que eu deitel nele afundou, foi 14 embaixo. AI eu deitel logo. A gente quando 6 menino dorme muito cedo. Esta época eu devia estar com uns 14 anos! Porque essa viagem quase fol a ciltima. Eu viajei pouco, depols eu Sai, porque com 15 anos eu servi o Tiro de Guerra. Quando eu tava no Tiro de Guerra, ou parel do viajar. E quando foi lé pelas tantas dda madrugada, escutel aquele barulho.... aqueles cavalo, aqueles trem correndo e chegava naquelas tronqueira, batia os pelto para entrar para o curral, a gente via que até aquela madeira estalava de forca que 0 bicho fazia para poder aquilo rebentar para ele entrar. Al, com pouco eu acordel assim assustado, descobri o rosto & ‘eu vi aquela porcdo de cachorro latindo, eu vi gente conversando. Eu levantei, cheguei da beira da parede e vi: tava 0 fazendeiro, os dois rapazes e 0 fazendeiro gritou: “Anda, fulano, abre a porteira depressa que 6 para as égua entrar pra dentro, que se elas ainda nao pegou, elas ainda val pegar”. Aquele barulho. Onga deu no rebanho de égua para pegar os burrinho novo. E chegou Id a portelra tava fechada. Quando abriu a porteira, o bicho entrou, mas que entrou de vez, acho que sentiu um alivio, Af o fazendeiro iscou aquele cachorro, aquele cachorrio naqueles lugar, aqueles latido, 0 homem disparou um mucado de tiro de espingarda para cima e al mandou fechar 0 curral outra vez, curral cheio de égua com aquelas porcéo de burrinho novo. Ai, nisso, esse homem que nds tava arranchando 14, esse tal de Luis, levantou e tava conversando com ele: “Nao, Luis, aqui este ano té um caso sério, eu j4 tomel projuizo demais... ou do sei quantos conto de réis, 86 agora na seca, entre burro novo © bezerro que elas té pegando; onga aqui esse ano té demais. A seca ta muito prolongada. Af pra serra, as dgua secou”. Que tinha muita serra também Igual eu td te falando, aquela serra dessa pedra calcérea que dé muita loca, muita gruta. E nas gruta que as onga B fica. Ele falou que tem lugar, af, para o norte de Minas, que tem edreira, daquela que mina agua que nasce uma mina e nao 86 quando a seca é prolongada elas seca. Entéo ele falou: “As égua secou e elas desce pra beber agua ai no ribeirdo, @ té acabando com minha criagio esse ano! Sempre elas pega, mas 6 um ou dols, este ano j4 tomel um prejulzo enorme, té demais". Eu fiquel debrugado lé. Saf pra fora da porta, ele saiu conversando mais 0 outro, me viu @ disse: "O menino, que foi, cé ta com medo, meu filho?” Falel “Nao, senhor". “Pode entrar para dentro, a onga nfo vai lé, nao". Se ela entrar, aqui 6; se ela passar por cima dessas fera, aqui 6 ¢ dopols elas néo entra aqui no e depois, aqui que espingarda boa ‘que nés comprou”. Nisso, eu ful dormir. Agora imagina: e © homem. Pega, tinha falado comigo. Eu nao conhecla o lugar, néo sabia nada, devia chegar e falar: “0, mandou que era pra mim levantar de madru- gada, para ir no pasto buscar os cavalo para nés fazer a viagem, ara chegar no outro dia cedo no destino onde nés ia, na Agua Limpa’ Nisso eu fiquei Quando o dia amanheceu e eu acordel, a Estrela Dalva jé tava baixa, falel: “Nossa Senhora, o dia té quase amanhecendo!” Eu panhel os cabrestos e queria entrar pro pasto. Nisso eu jé ouvi aquele barulho — tinha um homem jé tirando leite na hora que eu levantei Quando eu abri a porteira, o homem jé ia saindo com um balde na mo @ falou: “O meu filho, nfo 6 océ que dormiu af, océ que tava com esse homem que vai buscar 0 Limpa?” Ai eu falel: “E!" “Pra onde voc8 vai agora?’ ‘Eu vou buscar os cavalo que eu tenho que buscar muito cedo, que se nfo a gente néo chega cedo na Agua Limpa, que daqui 14, t4 muito longe". Ele falou: “G8 vai pro pasto agora?" Falel: "Vo"! O homem deu a gargalhada @ falou: “Ahl ah! t6 gostando de ver sua coragem, meu filho! Océ 6 um menino-homem mas eu no vou deixar oc® Ir pro pasto agora de jeito nenhum!” Eu falei: “Por que, moco?” Ele falou: ""Néo, meu fiho, c8 viu esta noite af como é que onca tava, af? C8 néo viu na Porteira que elas entraram pra dentro para pegar burro aqui dentro do curral? Que nés corria? Esse homem doido. Voc8 néo vai, néo! Pode sentar af no cocho, espera agora mesmo, 0 povo levanta, faz café, nés toma café, o8 nao vai de jeito nenhum’'. Falei: "Moco, vou buscar os cavalo, se ndo ele me xinga”. Ele falou: "Nao, c® néo val. Ele vai xingar é eu, ele val xingar 6 eu, pois tou falando que néo, {que no vou deixar océ ir. Esse homem é doido, esse miserdvel desse homem. Cé espera que daqui a pouco o compadre chega. Eles val buscar bol no pasto para buscar lenha. Eu vou acabar de tirar leite e cé val com ele”. Ai eu falei: “Ta bem!” E fiquel naquele vou, no vou. Quando ele falou comigo eu lembre! das onga porque morro de medo também. Ele falou: "Uma, que eu io vou deixar 4 008 ir. Se oc8 fosse da fazenda océ podia ir, c8 pegava uma espin- garda; mesmo se vocé nao levasse a espingarda vocé chamava os ©achorro, porque com essa cachorrada elas néo chega mesmo, Se las chegé, té no dedo. Cé podia ir mas acontece que c8 saindo do curral, © primeiro que vai acabar com vocé 6 esses cachorro, porque ‘les nao te conhece, te estranha; eles primeiro vai acabar com océ, pode ndo acabar que a gente té aqui agora, Entéo cé nao pode i deixa 0 dia amanhecer, pode deixar, amanha c8 chega cedo na Agua Limpa. Esse homem té é doido. Daqui na Agua Limpa é tantas légua, eu t0 acostumado a sair daqui depois do almogo e chego Ié antes do Sol entrar. Agora, se océs véo sair cedo, nao precisa disso, néo". Ai eu sentel Id no cocho. Enquanto isso o dia foi clareando, com ouco chegou uma mulher 14 com uma bandeja, com dois bulao de café, queljo, requeijéo. Deu café Id pros outros que tava tirando leite, me deu. Quando eu t6 tomando café, o dia té quase cabando de Clarear, ai o homem disse: "Uai, c8 foi buscar os cavalos no?” Quan- do eu quis falar com ele que nao, o homem que tava tirando lelte ‘agachado 14 debaixo da vaca falou: “6, cidadéo, ele nao fol porque eu que no deixei! Senhor dormiu af?” "Dormi.” “C8 ndo viu esta noite 0 que que onga fez ai néo?"" “Ah, vi sim, isso ai té um perigo.” Ele falou: “Pois 6, 0 senhor mandar um menino desse, esse menino nao 6 nada seu nao, no 6?" Ai ele deu um riso e disse: "Nao, ele 6 ‘meu companhelro, nés trabalha junto”. A, tal, nisso 0 dia acabou de clarear. O homem fol buscar o boi no pasto, nés desceu, nés chegou na porta do caminho, 14 embaixo. Nés desceu Ia embaixo no varzedo, peguel os dois cavalo, montel num, ele montou noutro, nés fol embora. E 0 outro homem foi da fazenda pro pasto, 0 dia jé claro. Ele chamou os cachorro tudo, meteu uma espingarda nas costas e um revélver do lado ainda. Nisto, 0 sol tava querendo pontar naqueles morro, naqueles alto. Arreou os animal, botou no meio daqueles boi e eu fui embora. eu fui 14, busque! pousada — ficamos pousado trés dia neste lugar. Voltamos, ficamos outra vez pousado neste lugar. Neste dia ele jé néo mandou. Lé ele comprava toucinho que é pra ajudar trazer 0 gado, muito gado, que a gente vinha, dois ou um, quando vinha contratava a gente Ig. © fazendeiro que vendia o gado dava ‘tantos homens pra ajudar levar até 0 destino. Ai velo aquela peéo- zada e tal. Nés jd dormiu no mesmo lugar, no mesmo galpso, dormiu na mesma cama. Al, jé foram antes do dia clarear, mas jé foram ‘acho que 5 ou 6 ou mais. Ful buscar o cavalo, juntamo 0 gado quando © dia clareou, que sendo o gado que nés ia levando misturava com © gado do fazendeiro, Foi 0 ultimo servico que eu fiz nessa fazenda. Eu fiquel traba- thando lé mesmo, mas naquele servigo: pega leite na chaécara e vende 5 4 na cidade, vender verdura. Segui antes de apresentar, que naquela Spoca era obrigado. Naquela época eu tava com 15 anos. Ai servi © Tiro de Guerra, que tinha de servir. Eu |é tava mals instruido, ja sabia o que era vida de cidade. No meio de colega, pessoa mais instruida eu falei: “Mexer com roca? Néo quero saber disso mais nunca!" Ai, jd passei a trabalhar noturo servico junto com meu cunha- do que era bombeiro, ajudando minha mae. Nisso minha mae faleceu © eu fiquei 14 nessa temporada. Af eu vim embora com a outra irma ara equi, em Belo Horizonte. Ela veio na frente pra casa dos padri- nho dela. Ela ficou aqui uma temporada, uns... um ano ou mals & eu Fiquei lé. Sempre ela ia ld, queria me trazer, eu num queria por causa de negécio de colega, cidade, néo 6? Jé tava ambientado com @ cidade Id, aquela coisa. Mexendo com bola, jé tava com outras idéia, num queria vir. Ai, 1é ficou muito ruim de servigo, eu procurava servico @ nao achava. Eu precisando de acabar de aprender a pro- fiss&o, af eu vim embora pra aqui. Escrevi para ola que eu vinha. Num dia eu peguei o trem 14, aquelas Mariafumaca, pagava setenta mil réis ainda. Paguei 14, peguei e vim embora. Embarquel 11 horas do dia. Cinco horas da manhé, eu cheguei aqui cinco © meia, ‘Quando cheguei eu no me assustei com a cidade. A gente tinha assim alguma nogéo do que era, que a gente conhecia alguma cidade mals ‘ou menos — Montes Claros era uma cidade. Foi uma cidade gue cresceu sem teoria — naquela época — mas era uma cidade grande. Eu jé conhecia, por exemplo, muita cidade boa, pois ou viajava com transporte de boi para Jequié, na Bahia, que era uma cidade grande; Vitoria da Conquista também. Eu viajava com eles. 46 conhecia uma cidade assim mais ou menos. $6 néo conhecia Sal. vador, mas aquela cidadezinha melhor, assim, eu jé conhecia. Ai, cheguei. Encontrei com um colega na praca da estacéo, Ele ficou esperando um pessoal dele que vinha de [4 também que 6 até meu vizinho — Geraldo Libanio. Ele velo primeiro que eu e sabia onde era a casa desse pessoal que minha irmé tava. Rua Mato Grosso. Ele passou Ié comigo, nés pegou o bonde — nessa época era o bonde ainda —, paguei, acho que foi duzentos réis. Peguel o bonde e vim. Nés desceu na rua Araguari, ele seguia a Av. Augusto de Lima para | para a Gameleira. Nos descemos na Araguari, pegamos Augusto de Lima © subimos Mato Grosso. Chegamos 14, bateu na porta, ela tava saindo para ir buscar plo na padaria Santo Agostinho. Quando ela me viu, ela abragou comigo, chorou. Nés ficamos satisfeito de encontrar um com 0 outro, entrei e fiquel. Ai comecei a trabalhar em obra mesmo. Eu jé tinha um comeco de profissio de Pedreiro, que eu comecei ld em Montes Claros; aqui eu acabei de aprender, de aperfeigoar ¢ comecei a trabalhar. Ai a vida jé mudou, 76 4 gente jé vai compreendendo as coisa, tendo mais ilusdo, muita foisa. Af fui indo © fui trabalhando, procurando mais trabalhar Procurando aperfeigoar mais na profisséo para ter um vencimento methor € assim ful tocando a vida. Ful indo. Depois casei! Resolvi Gasar, vi que tava na épocal Resolvi casar porque a vida de solteiro era ruim. “Porque eu no podia continuar morando com a minha irma toda vida no lugar que ela morava, na casa dos outros. Gracas a Deus, eles amparava ela. Eu fiquei I por muito tempo pols eles ndo queria que eu safsse de 14, mas eu falel: “No, vou morar sozinho". Aluguel um quarto na rua Mato Grosso mesmo, pra cima, perto. Eles falaram que néo era pra eu ficar longe, que era para ficar perto dela, ra ela ir me olhando, zelando por mim. Ela lavava para mim, as vezes © pessoal viajava e eu ficava la com ela tomando conta da casa. Eles viajava, 88 vezes levava ela, ou as vezes ela ia lé pra Montes Claros. Eu ia algumas vezes, fazer algum mandado para eles ai na rua. Ai fiquei morando sozinho e resolvi casar. Depois, logo velo a familia — velo 0 primeira filho, veio 0 segundo e tal. Ai foi indo, a vida j4 mais fapertada, nao €? Eu tenho cinco filhos e quatro netos. Ja deve ter quase 30 anos que cheguel aqui. Logo que cheguei, ra solteiro, novo, comecei a trabalhar e trabalhando eu vivo, traba. 'hando naquela rotina logo jé ful ficando mais amadurecido da vida, aprendendo mais. Aprendendo mais a viver como todo mundo, apa. nhando mais conhecimento, mais amizade e aprendendo mais a pro- fissio; que @ profisséo, quanto mais a gente trabalha mais a gente aprende. O servico de pedreiro é uma profissao que vem de aprender com 08 engenheiros, porque por exemplo: a gente aprende um tipo de servigo, vai trabalhando; com pouco, aquilo vai ficando velho igual #8 casas, aquilo vai caindo, vai caindo do galho, jé vai perdendo o sentido, perdendo a beleza, jé vai aparecendo coisa nova. Cada eng nheiro que forma — por exemplo, os arquiteto — j4 vem outro tipo de desenho, outro tipo de fachada, de beleza, de moldura, essas coi sas, enfeite de casa; 6 coisa que a gente ali néo conhece, entio a gente vai batalhar para aprender aquilo — ai, aprende aquilo, da duro naquilo, trabalha, dai, certa época jé vai aparecendo coisas nova -— Por exemplo, a parte de acabamento, e pega: janela, azulejo moderno, desenhado, outros ja vém 86 colorido com desenho. Dentre esses vinte © tantos anos que eu estou aqul, as coisas mudou: 0 modo de a gente viver vai mudando, 0 modo de relaciona. mento com o pessoal val mudando, o modo de a gente tratar eles, eles tratar a gente, tudo vai mudando nesses trinta anos. Vé o modo de situagdo de vida. Antigamente tinha mais facilidade para a gente viver dentro de Belo Horizonte, tinha dificuldade numa parte e facil- dade noutra. Por exemplo, na parte da gente viver, mesmo na parte de alimentagao, aqui dentro era mais fécil. © sujeito acha que era 7 mals barato, era relativo com 0 que a gente ganhava e se tinha mais facilidade de encontrar as coisas. Por exemplo, naquela época que ‘eu cheguel aqui, uns 10 anos, 15 anos para trés, naquela época no tinha dificuldade de escassez das coisas igual tem hoje, as coisas fencarecia era lé uma vez ou outra, uma vez por ano. Nao via falar que ttinha fila para a gente comprar nada. Nuns 15 anos para tras ao tinha racionamento, sujeito podia gastar & revella, energia elétrica vocé podia gastar @ revelia, gasolina ndo tinha economia de nada @ hoje tem. O governo controla tudo. Eu participei da greve. Olhava assim... num quer dizer que participei mesmo. Que participar mesmo a gente tinha que estar atento, junto ali, passo a passo. Eu ndo pude. A primeira que teve, isto tem anos, acho que fol negécio assim de 53 ou 54, teve uma greve da construcdo civil também. Essa foi mais fraca, por exemplo, nos locais que eu estava trabalhando eles chegava e mandava parar. ‘A gente parou e tudo bem. Eu andei junto com eles um pouco, depois fui embora para casa, achel que nfo convinha. Eu achel que néo convinha justamente nesta época que eu tinha pouco conhecimento das coisas. A greve, naquela época, era pelo aumento de salério ¢ pela melhoria de tudo que a gente quer no ramo da construgio civil Entdéo eu andei pouco. Af passou, nfo teve mais greve, 0 negdcio controtou, através do... ndo ta tendo muita carestia mas velo contro- lado, quando foi agora essa dltima que teve, fol 80? Nao. 791 Esta Liltima jé foi uma greve mais pesada devido A situacso que a gente té vivendo hoje, este aperto que a gente té vivendo hoje, este aperto que a gente té vivendo aqui dentro, hoje. Antigamente néo tinha, tudo era com mais liberdade, & vontade. Hoje tudo que a gente vai pro- curar é com dificuldade, néo tem nada facil. € Igual 20 comércio, ‘quando vocé vai comprar uma colsa que td barato, num compra que No presta. Antigamente cé comprava colsa barata — que era berata mesmo, mas a mercadoria era boa. Podia ser roupa, massa alimen- ticia, bebida, qualquer um troco que tinha que comprar. Barato é Porque base de baratear e 0 que ocd comprasse era produto bom. Hoje nao, se vocé acha coisa berata océ no compra, no; océ com: rar, toma cabegada, 6 trem estragado. Se for olhar, néo presta. ‘Soja tudo, de alimentacdo até roupa, até ferramenta, Se océ achar um trem que ta barato, néo compra nao. Af velo esta greve. A gente reclamava uma coisa, nfo dava certo, reclamava outra, no dava certo. Com isso 0 comérclo disparou, destrambelou, destrambelou tava tendo aumento de salério uma vez por ano e com este negécio desta carestia do custo de vida que té hoje... af velo a greve, que eles aumentava 0 salério uma vez por ano, assim mesmo o sélério tinha que ser abaixo do custo de vida. Antigamente o aumento era cima do custo de vida. Antigamente, aqui em Belo Horizonte, se 8 lum salério, 0 nivel do custo de vida era acima dele, cobria ele, © hoje no; com essas mudanca inverteu tudo. Hoje c® pode ver que 0 custo de vida té acima de qualquer salério— trocou. Invés do custo de vida ficar abalxo do salério, que af que dava para a pessoa ivar a situago dele, controlar as coisa, porque tendo um nivel de custo de vida abaixo, 0 que vocé ganhar acima dé pra Viver. Dé para ir vivendo e, hoje, por exemplo, inverteu. Pode dar ‘umento de salério numa parte ¢ noutra que c8 pode fazer as bases, ‘0 nivel do custo de vida té cobrindo 0 nivel do salério, entéo, 6 onde ‘# esta dificuldade toda. O pessoal vai desesperando e vindo mais ‘aumento @ 0 aumentozinho era uma vez s6 por ano! Jé viu que 0 hnegécio tinha que vir aumento duas vezes por ano, porque agora té tendo duas vezes por ano. Entéo 0s patro néo queria aceitar isso. ‘Ai fol tendo reuniéo no sindicato © 08 patréio nio querendo aceitar. Na iltima reunio que eles n&o aceitaram, ai estourou a greve. Estou- rou a greve © pé daqul, pé dali, veio aquela greve muito violenta, coisa que a ditima néo teve, A iltima nfo teve nada de violéncia esta teve muita violéncia. Acontece que essa violencia ta assim devido a condigdo que 0 operério té vivendo, pobre, 0 sujeito ta deses- perado, todo mundo jé desesperado; muitos que jé no dependia da violéncia, mesmo com a vida ruim que a gente té passando, a violén- cia fez muita coisa chocante, muita coisa rulm. Entéo eles partiu para aquilo, muitos devido a essa crise de vid ‘Complicou uma coisa com a outra, A greve com a violéncia que tev operério perdeu a vida no campo do Atlético, aquela coisa toda. Tudo por causa da greve. E depois dessa grave pra c4, nés vencemos a ‘greve, chegou 0 negécio do salério — num chegou conforme queria no, mas melhorou um pouco. Aumenta duas vezes por ano, em setembro e marco, néo 6? Ai jé té dando pra gente ir tapeando, mas mesmo o custo de vida ‘é acima do nivel do saldrio, quer dizer que no dé para nada! _Antiga- ‘mente, a vida era dificil mas a gente sentia sempre melhor. Era mai facil da gente se alimentar, mais fécil para a gente vestir, mais fécil para tudo. Os ordenados era menos, mas acontece que as coisa era mais barato. Hoje nao, hoje, por exemplo, eu criei, batalhei com muita dificuldade. A familia pequena, af eles veio crescendo, foi crescendo, entrando para 0 grupo, para a escola e logo foi ficando mais velho. Foi trabalhando, af jé foi folgando para a gente, j4 foi folgando. Eles foram casando, saindo de casa, quer dizer que jé diminuiu numa parte. Eles nao ajuda porque tém a familia deles, ja ndo pode ajudar; mesmo assim, se a gente precisar, eles ajuda. Mas j4 folgou também, que eles salu de casa, como diz: j& diminulu. Ai jé foram passar pelos apertos que eu passel. Hoje, gracas a Deus, a gente jé té mais folgado. Tenho a casinha da gente, néio pago mais 9 aluguel, isto & importante, porque pagou aluguel, as coises fica mais dificultosa. Nao pagamos aluguel e hoje jé casado, hoje eu s6 batalho para eu ea véla e um menino, 0 cacula, Do Brasil, eu ja vi falar mais dessa parte do norte do sul. A parte do norte, sempre a tendéncia que tem é essa de crise. Em época, o norte & ruim, passa necessidade, dé muito reti- ante, vem seca forte de época em época. Dé Isso no norte porque 6 uma zona muito seca, acho que um lugar pouco vegetado, essa coisa. Entdo dé essas crise, cé vé, 0 norte tem época inteira que o pessoal nortista num para, mesmo através do ano, o nortista ta sempre via- Jando. A zona do norte 6 sempre uma zona sofredora. De época em €poca, a gente vé tanta crise, num passa as vezes de 5 a 6 anos sem ver uma crise no norte, a vezes quando ndo tem na parte do norte, no sertéo geral, tem numa parte longa numa regio, as vezes uma regiéo chove muito, outra t4 seco, noutra da uma chuva. Os Produtor, todo mundo, tanto rico como pobre, no nordeste planta — dé uma chuva e eles planta — o sol mata tudo. Nao 6 conforme esse pessoal, como agora. Cé vé, tem lugar que eles plantou, mas o& ve eles mostrando esta regido e ta s6 aquela terra, aquela poeira, gado morrendo de fome. © norte & lugar mais duvidoso do pais, & uma arte que @ pessoa num pode acreditar muito sobre a produgéo das coisas, ‘Sio Paulo jé 6 uma parte boa. C® vé em Sao Paulo, a agricultura toda foi 0 brago do Brasil, podemos dizer assim. La nao tem época ara chover, Sa0 Paulo chove quase toda época. Chove agora que é 6época da chuva e chove muito sempre na época da seca, sempre té chovendo. G@ vé que la é um lugar produtor de tudo. Esta parte do sul de Minas que é muito garrada com Séo Paulo é uma regio muito boa. Aqui dentro é pouca gente do sul de Minas que vocé vé. Essa parte, por exemplo, esse ramo da construcao civil 6 que vem gente de todo lugar, é dificil ter em obra gente do sul de Minas. Se tem é pouquissimo, pouco mesmo. Cé vé nestas construtora af, essas construtoras que &s vezes tem 100 empregados, outras ai que tém 200 ou 300, no meio as vezes de 100 68 encontra 3 ou 4 pessoas do sul de Minas e € dificil. Sempre velo pouca gente, porque o lugar 6 bio. Todo mundo diz que la é béo. Aqueles que é da lavoura néo precisa sair de la; uma que 0 terreno 6 muito imido, se chover muito, colhe bem, se chover pouco, colhe também, porque o terreno é muito \imido. 0 sul de Minas, por exemplo, é uma parte do Estado que é um brago do Estado, pois parte do arroz vem do sul de Minas. Essa regido ai, Ituiutaba, Perd6es, Sacramento, 6 o lugar mals produtivo de arroz, legumes, bananas e essas coisas. Machado mesmo é um lugar forte de banana. 80 alguma_ parte JUNWERSIGADE eSTADLAL DO CEARA 'Biblioteca Central Do sul do Brasil eu lembro pouca coisa mas sei que o forte 6 @ criagdo de gado. Mato Grosso J 6 outro lugar bao também, c8 vé, 6 um lugar muito bao para a lavoura. O forte de Mato Grosso 6 a criagdo de gado © a lavoura: eles falam que 6 uma das mais forte do Brasil. O norte de Minas também 6 forte mas 0 Mato Grosso & mais. madeira, agricultura @ pecudria. Amazénia também é um lugar mais ou menos equivalente quase como o sul do Brasil, Mato Grosso, porque cé vé, o forte da Amazonia agora té sendo madeira, que eles estéo acabando com a madel £ a madeira, caga, agricultura, producdo de banana, também poixe. ‘Agora ta abastecendo esses mercado todos com peixe. E 0 forte, 0 peixe, que a Amazonia antigamente tinha muito pelxe, mas 0 povo nndo pescava, pescava pouco, era s6 para o consumo deles na mesa. Era mais ocupado com outras coisas: criagdo de gado, criagéo de animal, de tudo quanto hi, a Amazonia 6 béo. E mais, é madeira fe tem acho que borracha também, seringueira. Agora é 0 peixe. Cé vé, descobriram 0 pescado. Esse mercado nosso aqui té barrotado de peixe do rio Amazonas. Do resto do mundo me ver coisas que a gente num conhece. A gente fica pensando, pesquisando em conhecer multas coisas que ‘eu no conhego, do resto do mundo. O pais que me vem a mente primeiro é Portugal. Pelo que a gente Ié alguma coisa de 14, acho que 6 um pais bao para a pessoa se viver. Tanto por exemplo que 6 ‘um lugar que c8 num vé guerra, ¢ muito dificil a gente vé Portugal fem atrito, em guerra; nem revolucgo: 6 um pais muito produtor. Eles séo muito trabalhador em ferramenta, 0 pals 6 muito industria lizado, na parte de siderurgia. Na parte de ferramentas, quase que 6 as melhores — as melhores que aparece é portuguesa. Tanto como construgao civil, quanto ferramenta agricola, ferramenta doméstica, estas facas para cozinha, é as melhores facas de cozinha; cé sabe, toda cozinha tem que ter faca para cortar as verduras, cortar carne. 6 que as melhores ferramentas, as melhores facas para cozinha é portuguesa. s Estados Unidos, eu acho que um pais de muito luxo, pelo que @ gente vé — muita ceriménia — um pais de um povo que acha assim meio... por exemplo: na parte de guerra, essas colsas, eles so... agora, tirando, a Rissia, 6 eles o pessoal mais preparado. Eu acho os Estados Unidos assim... 6 melo dificil para a pessoa viver devido 0 que a gente vé, por exemplo: que 6 um pais muito dificil, cuja terra hoje ta indo muita gente para 14, multo brasileiro té indo para 4, acho que jé melhorou, mas antigamente acho que era um pais muito dificil para @ pessoa viver. Dificil porque Ié tinha ou a1 ainda deve ter preconceito. Acho que j4 6 um passo para a dificuldade da pessoa viver. Eu achava que ndo devia ter preconcelto. Da Rissia eu imagino assim: que diz que ela é pequena, mas* agora... ¢ um povo muito inteligente, muito trabalhador, 0 russo 6 um povo inteligentissimo, tanto que pra maquinaria e guerra eles estdo em primeiro lugar: antigamente era a Alemanha mas hoje é eles, eles esto em primeiro lugar. Para a méquina agricola, por exemplo, eles G0 08 primeiro, técnico nas méquinas agricola. C8 v8 que as ferra- ‘mentas agricolas que aparece, melhor arado, essas colsas, 6 dos russo. ‘Acho que € devido ao regime que eles vive 1, acho que o modo de alimentagéo deles num separa, pois se alimenta mal o rico, 0 pobre Ia também alimenta mal. Se 0 rico alimenta bem, o pobre também alimenta bem. Se 0 rico, russo, veste bem, traja bem, o pobre tem ‘© mesmo direito, 0 mesmo poder de trajar. Entéo, quer dizer que um pais deste 6 mals ou menos, pelo Gr wn sui elo que @ gente vé, uma coisa equi- 82 Bom, Joaquim Francisco Santana, nasci em Itaci. & um lugarejo, @ ainda nao 6 cidade. Nao 6, como se fala, um comércio. A popu- lacdo Ié era bastante grande, até que veio a represa de Furnas e encheu quase tudo e entéo ficou toda a populacdo na base de 500 casas ‘no maximo. ‘A represa entdo tomou toda a cidadezinha de Itacl. La no munl- ‘de Itaci tinha muito fazendeiro de meio porte — que 6 0 fazen- deiro médio — e tinha muito camponés que tinha o seu pedago de terra e a represa velo e cobriu tudo. Entéo, pelo que papai contou, malor agonia no dia que a agua tomou tudo. Porque a 4gua fol muito depressa ali naquele meio, por causa que tinha o rio das ‘Aguas Verdes, 0 rio Claro, 0 rio Sapucai e Santa Quitéria até juntar ‘tudo com 0 +10 Grande que era o maior, bem 14 no sul. Entdo papal contava que tava todo mundo em casa, na casa da minha av6, € que eles viram @ Agua muito longe, que vinha enchendo as vérzeas a0 poucos. Af, 08 fazendeiros tudo correndo nas colénias, juntando os ‘empregados para tirar 0 gado que tava nas vérzeas. Tinha também (© mangue (era onde criava os porcos da fazenda) que era muito ‘grande e estendia pela vérzea, ‘A gente tinha um pedaco de terra na fazenda do arrozelro, ‘que era grande, e 0 nosso pedaco de terra era perto desta fazenda, 86 que era pequeno, acho que era 8 alqueires. Entdo as dguas velo cobrindo tudo. Entéo, af comecou... os fazendelros falavam... porque os fazendeiros tinham muito... agora que a gente vé que ‘aquilo que eles falavam na época era para acalentar. Na época todo mundo ficou desesperado porque néo foi avisado, bem na época, que as aguas iam chegar em determinado dia, né? Isso pelo que papal conta. Entéo todo mundo salu correndo n’égua para tirar 0 gado do patric. Porque sé salvou o que era do patréo. Papal © mamée contava que, quando tava tudo coberto, Id pelo 8° dia, os 83 patrao contava que o governo ia pagar tudo, que a gente néo ia ficar sem terra. Ele ia dar outro pedaco de terra em outro lugar ou i agar aquilo. Af foi passando,.. Foi em 69, 70 por , ainda tinha fazendeiro recebendo de Furnas, né! E aquele pessoal pobre, Que tinha pouco terreno, até hoje nem se fala de nés! Porque acho, Por exemplo, que nossas terrinhas era junto com a fazenda do arro. zeiro @ até hoje a gente néo teve nada. E assim como a gente, tinha muitos que levou esse prejuizo. Tinha uma benzedeira lé e parteira também, a dona Liquinha, que teve um prejulzo muito grande, porque ela nao tinha camarada para poder tirar as criagdes dela que estava ‘na varzea. Tinha também uma lavoura de arroz muito grande, quase na hora da corta, bem lé no fundo da fazenda e as égua pegou quase tudo. Morreu muita vaca, porque era uma viva que tinha muita Griagio. Até hoje a gente nao sabe se ela recebeu ou néo, porque Passou muito tempo e ela foi para a cidade e morreu. 6 sei que com esse problema da represa de Furnas, quem lucrou foi esses atrdo mais forte, que tinha mais terra — que pode tocar em frente. Agora, 0 pessoal que tinha pouca terra, até hoje ninguém recebeu nada no. Até hoje ninguém sabe bem por que 6. Porque o pessoal era acostumado as enchentes que dava, que a gente chama de cheia, nél A cheia do rio das Aguas Verdes que cobria tudo, mas em Pouco tempo aquilo tudo voltava ao normal. Nem mesmo a lavoura {ue ficava por baixo d'égua por 6 a 7 dias prejudicava muito, pois todo mundo colhia, né! Jé com a represa de Furnas, no sobrou mais nada, no. Quem tinha muita terra foi indenizado, quem tinha pouca terra no recebeu nada, néo. Devido a isso, entio, a gente mudou de Id para a roga, para a fazenda da Urtiga, que fica perto de Boa Esperanca, no sul de Minas. Era eu, meu pal, minha mée e mais oito irmdos. Entdo a gente tra. balhava em fazenda. Meu pai, retireiro, minha mae cuidando da criangada. E veio 0 problema da escola, pessoal reclamando e 0 Patrdo nada e tal, até que obrigou a gente a mudar para Licinio. Na época meu pai tinha um salério pequeno. Na época, nem salé- tio direito tinh, nao tinha meio de trabalho naquela épocs. Entéo a gente passando a morar em Licinio, cidade pequena do sul de Minas, ‘sem recurso nenhum e continuava aqueles problemas... Falta de recurso, familia grande. Na época todo mundo era pequeno e néo Podia ajudar papal. Era 86 papal e meus irméos maiores. A familia fol aumentando. Jé tinha 12 irmos, bastante pequenos ainda e nos- ‘808 lrméos mais velhos trabalhando praticamente em troca de roupa @ de comida. E 0 papal continuava,.. Fol rachar lenha para o fazendeiro 14, 0 Zé Joao, ¢ neste servico uma lasca de lenha bateu u sofrendo das vistas, mas ainda socorreu a rejudicou pouco. Af continuou a luta lé na fazendo Papal capinando e a gente, até 0 mais novo, ajudando. patréo $6 84 Se 7 te e' alqueires — uma das maiores fazendas de aa yassa perto. € muito montanhoso e as lavouras que a gente Teen ea alee eta saan cg as Sa ani fe ie oe en Sts le sist caer ta pty Sans ss crc ea caer Seieor al sl er Eo et ta consti ar. Cran inv, fod jo ori na onwada © com poucoe recursos, porque a tn {hoa torr acebla pea mio co caerada er o ester do ado, pols {gente no ia conga de pga © aE fo Indo sas ost iu conan do desbrvortaons. E chegeva no fm, auande 0 Camerata comeqava om coo tempo de Taands, M800 62 Spur ava tom med dow dato qe o camara ater, porau Siecoe cldando Gani tera, eno ele lspnoava 0 camara 2 ue ole gente choma do evco prvi, né? Na Soca simples fmt anda embora; Eto. gont. sala sem delta renkun. Crue fomos omora pre cade feamos nessa vida 6 qe con roo "fen bastante problemas otal principaments depois eo monde more Papel ficou bastante tempo em Carmo do Alo iaro"Ai sl Heo nervoso porque tera tava sinplesmonte armada cuando gente comegn a imperla—aepte do tuo promo, faa Senos que a gosto ev praticamente propietro d terra — plo gue 2 Setsplantara, polo que a gonte cohia, mesmo trando a pa patrdo 0 tal “A, entso pepal deseaperou com aquele nogéci Aveo fl comecar a pescarIé no rlo Car, tina bastante pene. i com toda a fama. pes. rego néo era bom, néo, pelo menos, toda 5 Stave par ter bone rosltadoe. Porque ast peso era vend 85 pra S80 Paulo, Ribeiréo, Belo Horizonte e outras cidades. Sempre ‘comprava a preco barato, mas dava bem! E, também, um dos motivos que eu considero que na época meu pai s6 pensou em it para a cidade 6 porque foi mandado embora. Agora a gente v6 que foi bom, Porque os meninos todo estudam. Porque Id na zona rural nunca teve uma escola boa, ndo! E af foi indo... a gente, chegando lé, comecou com este tipo de pesca. Nao deu certo porque ai comegou os florestal @ exigir muita documentagéo. Entéo era aquele negécio complicado © também era um lucro que a gente nao tinha certeza — um dia a gente pegava muito, outro dia a gente nfo pegava nada. Entéo a gente queria coisa mais firme, pelo menos um patro, né? Ai papal docidiu mudar outra vez para a fazenda da Cachoeira, O patrao lé era dono da florestal que era o setor do IBDF que tinha na cidade de Alfenas — uma cidade grande que toma conta do sul de Minas — 6 esta floresta lé que toma conta da represa de Furnas. A gente nao podia pescar porque para pescar a gente tinha que ter uma quantidade de rede, canoa bem equipada e o motor custava um jurdo — e nesta época ainda ndo tinha financlamento para a pes- ca... Agora que tem! Como eu falei antes, mamée faleceu e a gente ficou com aquele egécio, com problemas de familia que aconteceu com a malor parte das pessoas... Papai querendo arrumar madrasta e a gente nao aceitava... € tal... Mas o cagula jé estava com 9 anos e tinha uma irma que jé trabalhava aqui em Belo Horizonte hé muitos anos. Entao, depois que mamae morreu, a gente combinamos de vim embora pra ‘aqui. Ai viemos pra cé com muita dificuldade, problema de desem- rego. Procuramos emprego durante 3 meses — eu e meu irmao — ara trabalhar e cuidar de 7 irmfos. Porque nés somos 7 aqui — eu @ mais 6. E, até que enfim, conseguimos emprego — no é bao, ‘mas polo menos... € trabalho em almoxarifado numa empresa de Coletivo © meu irmao 6 faxineiro interno na Caixa Federal. E entao ficamos ai nesta luta constante. Té todo mundo estu- dando pra gente v8 se no futuro @ gente recupera porque neste tempo fol muito ruim. Se bem que estudo hoje nao resolve muito, pelo grande numero de desemprego... _T4 aumentando cada dia mais.. Tem gente estudando demais... Outro dia até falel na sala o pro- blema do estudo, porque hoje tem gente formado no 2° grau e esté desempregado, que 6 simplesmente iluséo que @ gente tem do estudo, Porque esse pessoal de 2° grau quando no esté desempregado, t4 fazendo servico que exige — no méximo — 8." série. Entdo, esse negécio a gente estuda, é claro, simplesmente para estudar. Assim. 6 uma iluséo pra gente de ter melhor condicao de vida. Eu acho que sso depende mais da sorte porque, quanto ao emprego, num tem chance nenhumal Nao tem emprego de jeito nenhum. 86 Meu nome 6 Geraldo Esteves Paiva, nasci em Francisco Badaré, norte de Minas, quase divisa com a Babla. Lé deve ter uns mil habitantes, no maximo. Pequenininha, néo 6? Eu nasci nesta cidade, mas a gente, meus pals moravam numa roga perto desta cidade. Entiio lembro que fui criado lé. Até meus 8 anos de idade passei neste interior, praticamente junto com minha me, com minhas tias, ‘Até a Idade de cinco anos, quando meu pai era vivo, ele tinha ium terreno del trabalhava nele. Era propriamente dele, dele o de minha me. O terreno dele era perto do terreno de minha v6. De que eu lembro desse terreno | dessa 6poca que meu pal era vivo era pouca coisa. Lembro que ele saia comigo para a gente pescar, e tal. Eu tinha seis anos quando ele morreu. Ele ficava pescando na beira do rio e tal, eu ficava tomando conta dos pelxes, depois gente voltava, a minha mde estava fazendo a comida. Outra hora ia levar almoco para ele nas plantagdes. ‘A nossa sobrevivéncia era tirada dessa agricultura dele. O res- tante que sobrava a gente plantava. © que colhia, comia. A gente reservava 0 que ele achava que dava para a gente comer durante o tempo da entressafra. O restante ele vendia, trocava na roca pelo que no era produzido por ele: roupa, sal, café. A terra 14 no dava café, devia ser uma terra que dava s6 6 produtos de clima quente. Nao sel se café 6 do clima frio, deve ser! Deve ser !é para os lados, do sul que da café. La nunca deu café. Lembro que os Gnicos produtos que-a gente comprava de alimento era café e sal. Bom. A gente comprava as mercadorias que a gente no pro- duzia nesta cidade que eu nasci, Francisco Badaré... Todo sébado Ja fazer a felra. Colocava nos animais o que tinha para vender. Che- gava 18 na cidade, vendia e com o dinheiro comprava o que precisava. a7 A gente néo comprava muita coisa, porque a nossa familia, meu pai nao comprava — era pequeno nesta época —, no comprava muita coisa porque nossa familia era pequena, era s6 eu e meu pai e minha mae. Eu lembro que a minha cidade era feita no morro. No morro, ela comecava na beira de um rio, num corregozinho que nao era Propriamente um rio, era um cérrego pequeno. Ela comecava na beirada dele e ia subindo para o morro acima, Tinha as pedreiras muito altas, subindo ainda mals tinha a igroja, a Igreja da Matriz embaixo, na parte mais baixa da cidade. Lé em cima tinha a Igreja do Rosério, junto com cemitério, lé em cima no alto do morro. Era uma cidade de clima quente, fazia muito calor, ainda mais no sébado, no dia da feira. A gente sentia mais calor porque a cidade enchla, enchia do pessoal das rocas. Porque essa cidade, ela funcionava como ponta de encontro dos agricultores da regio. Ali eles vendiam as merca- dorias para quem morava na cidade © compravam o que eles preci- savam. Quem morava na cidade sobrevivia de conserto de sapatos, outros tinha loja, outros jé tinham os armazéns, porque a foira 86 era dia de sdbado. Bom, como eu estava dizendo, tinha os armazéns, 0 pessoal da cidade sobrevivia com o comércio deles mesmo. O dele- gado era dono de um dos principais armazéns da cidade, o pret tinha a maior loja de tecido, o escrivio tomava conta do cartério. Lé na cidade s6 tinha 2 candidatos a prefeito. Se revezava entre um mandato e outro. Um era fazendeiro, o outro era dono dessa loje. E eu lembro que, depois que meu pai morreu, a minha mao, na época de colher, ia trabalhar numa dessas fazendas que tinha’ la perto. E somente criagdo de gado, grande criaco de gado nesta fazenda, Porque era uma fazenda muito grande, tinha muitos capatazes. Agora, meu pai nunca criou gado. Ele tinha duas vacas, 0 muito que eu lembro ter visto era duas vacas. 6 para dar leite em casa mesmo. E 0 pessoal que tinha terra pequena 14, dedicava mais & plantagéo, ‘néo criava gado. Quem criava gado era os grandes fazendeiros E chegou num certo ponto, ou tive que mudar para cé, porque minha mae trabalhava para 0 pessoal, para os fazendeiros, e ela sempre queria comprar uma terra dela. Porque depois que meu pai morreu, ela vendeu 0 terreno 14 na roca, mudou para a cidadezinha, 0 dinheiro acabou. Ela nao soube administrar 0 dinheiro, nem o dinheiro dela. E af nds ficamos sem ter,aonde morar. A gente morava era tempo na casa de um, tempo na casa de outro, assim pelas pessoas © onde ela trabalhava. Ela trabalhava, me levava e morava na casa de um, de outro. Eu, até 8 anos, vivi neste lugar, lembro que enquanto minha ‘me tava trabalhando, enquanto ela trabalhava, eu ia brincar no cér- rego, naqueles lugares. Inclusive, eu peguel até uma doenca multo brava. Nem me lembro 0 que foi mais, tive muito tempo internado fem Belo Horizonte. Porque esse cérrego que tinha na regio, na 6poca de seca a agua dele acabava, entdo os pelxes morria, Quando 88 ‘a égua do rio acabava os peixes morriam ¢ 86 08 pocos fundo ¢ que sobrava agua. Entdo, nadando naquela agua a gente adoecia. Bom, fol uma das minhas primelras doengas graves que eu peguei, foi por causa de nadar em gua parada desse cérrego. E Ié tinha uma igreja, uma igreja pequena, mas eu lembro muito bem que o dono da casa da igreja era um fazendeiro. Unica espécie de dominio me lembro ter sido lé. E isso, com relago ao dono da igreja. Ao invés do padre mandar na igreja, se 0 fazendeiro nd gos- tasse do padre, ele mandava o padre embora. Era um palécio muito bonito, entao eu pensava que era do padre. Eu olhava o padre com todo respeito. © padro 6 rico, néo 6? Mas quando ia saber era 0 fazendeiro que tinha construido com dinheiro dele. Construiu a igreja fe construlu 0 sobrado que era a casa paroquial, a casa do padre maior. Se ele desentendesse com o padre... Ele chegou a mandar ‘um padre de ld embora, entdo 0s outros que ficava era porque con- ‘seguia entranhar com ele, De resto, néo tenho multa coisa a lembrar de 14, ndo. Tem muita coisa, mas some da meméria da gente. Lembro que a gente tinha tempo de crianca, de brincadeira. A cidade, como eu jé disse, era feita no morro, entdo a gente fazia, os meninos faziam ‘uma diviséo, rua de balxo com rua de cima. Dividia a cidade, metade para baixo, metade para cima. Entéo a gente, quando era menino, ficava sem poder descer no comércio, que era s6 na parte de balxo da cidade. Na parte alta ndo tinha comércio, nao, s6 casa. Eles tinham dividido a rua: quem morava em cima, néo podia descer embaixo. Depois dos oito anos de Idade eu mudel para cé. Eu vim e voltel para lé trés vezes. Com olto anos eu mudel para cé, fiquel aqui um fano, Mame trabalhou aqui, mas no péde se firmar e voltou para 16 outra vez. Porque geralmente o pessoal da minha terra, e mesmo ‘a maioria do pessoal do Norte de Minas, sai quando 0 sol té muito quente, quando néo tem nada que fazer na roga. Porque, no caso de minha mée, ela no tinha terra para plantar, néo tinha nada dela, cla ndo plantava pera ela. Ela vivia As custas da plantagao dos outros, fentéo quando tinha colheita, fazenda tinha colheita, ela ia trabalhar e colher. Acabava esta época de colher, tava numa época que nao plantava nada, 0 sol tava muito quente. S6 servico pesado que dava. ‘A( ela tinha que vir, néo dava jelto de sobreviver na cidade @ entéo mudava para ca. Lé dava demais era arroz, milho, feljéo. Os principais eram esses: arroz, milho, feijéo, queijo tinha bem. Tinha lelte e fazia queljo; banana e mandioca. Lembro que minha mde jé trabalhou numa Fabrica de farinha. Chamo fébrica de farinha, 1é tinha outro nome que j4 me esqueci. Ajudava a ralar mandioca. Néo tinha eletricidade, era uma roda enorme. Cada um pegava de um lado, ia rodando ela. 89 Do outro lado era a engrenagem que ralava mandioca. Cane. A cana 14 nfo fazia agicar, nao tinha producto de agiicar. Teve uma época ‘que eu ficava curioso pra saber por qué. La s6 usava rapadura, até hoje no sel por qué. Nao tinha fabricacao de agiicar. Producéo la era 86 essa, sabe? Eu tava dizendo que a gente mudava para cé s6 na Spoca que néo tinha nada para fazer. Vinha para aqui, comecava a trabalhar aqui. Minha mie achava aqui muito dificil. E também néo consegula se firmar aqui e voltava para |é. Fomos e voltamos umes trés vezes. Da iiltima vez, eu fiquel. J4 devia ter uns 14 anos, af eu fiquet aqui até hoje. Eu comecel a trabalhar com 13 anos. Agora, trabalhar firme ara ganhar dinheiro mesmo. Na roca eu cheguel a trabalhar. Cheguei @ trabelhar, a ajudar minha mae a colher arraz, mas s6 para falar que do tava fazendo nada. Colher arroz, ajudava ela a buscar lenha para Poder vender. Tinha época que ela vendia lenha para os outros. Eu ‘comecei a trabalhar mesmo fol aqui. Entrei na casa do pequeno Jomaleiro © trabalhei 1é como internado, em regime de internado, durante 3 anos. Depois destes trés anos, foi com o dinheiro que eu tirel da venda de jornal que nés conseguimos ficar aqui realmente. Foi com. esse dinheiro que eu comprei um barraco numa favela de Belo Horizonte. Ai foi que a gente teve certeza que ia ficar aqui. Porque antes a gente néo ficava porque néo tinha onde morar. Entio ©u consegul comprar um barracdo @ nés ficamos. Al, fui mudando de servico: de jornaleiro passei a trabalhar de faxineiro; de faxineiro ful para porteiro; aliés, antes, faxineiro, servente de pedreiro, porteiro @ estou até hoje. Eu estou com 22, ja tem 12 anos que moro aqui. Mais da metade da minha vide fol vivida aqui. Hoje eu vejo a cidade um pouco confusa, muito barulhenta. Belo Horizonte é uma cidade que ¢ boa para viver, mas para quem tem uma boa renda, um bom emprego. Ela ndo precisa ser rica, mas ela tem que ser de classe média para cima. Porque se @ pessoa que ganha ‘salériominimo for viver em Belo Horizonte 6 uma barra muito pesada, Belo Horizonte € assim, é muito duro. Para mim, agora, ndo 6 tanto, eu néo sinto tanta dificuldade. Hoje eu jd tenho meu emprego, posso estar amanha desempregado. Porque emprego, hoje esté empregado, ‘amanha pode no estar mais. Posso estar amanha desempregado, ‘mas hoje, para mim, estou bem. Tenho um emprego reservado, tenho lum barraco pronto, mas no comeco fol dificil. No comego fol uma miséria danada, porque a gente veio da roca para c4, minha mae custou 4 juntar o dinheiro para pagar a passagem. Eu, inclusive, da dltima vez que eu vim (primeira vez fol com 8 anos), jé devia estar com uns 14 anos. Néo, jd devia estar com uns 12 anos quando eu vim pela altima vez. Entéo minha mae teve até que implorar com o trocador para deixar eu vim sem pagar a passagem, porque ela tinha custado a 90 juntar 0 dinheiro 86 da passagem dela, ndo 6? Al, chegamos em Bolo Horizonte, com uma méo atrés e outra na frente, 86 com a trou xinha de roupa e com o dinhelro da passagem para pegar o dnibus aqui no centro da cidade e ir 14 na casa de meu tio. Ela chegou sem saber aonde, 0 enderego incompleto. Entéo eu lembro do 1” dia, passando pelo abrigo, Abrigo Belo Horizonte. Tava lotado de gente. Ai, ela passando nessas casas, eu nem me lembro direito onde. Devia ser naquela regio ali da Floresta. Eu lembro que no 1: dia a gente almocou um prato de comida gelado. A dona deu com o prato. dois pratos de louga. Primeira vez que eu comi maionese, apesar de ter comido muito... Ah, lembro também que a primeira vez que eu com! malonese, porque Id onde eu nasci nao tinha plantagdo de batata ainda. Eu lembro, nés 86 plantava batata doce, entéo fol @ primeira ‘vez que eu comi maionese, foi assim... a gente chegar de imediato, bater na porta... e minha mée é assim... toda a vida ela néo teve vergonha de pedir as coisas. Entéo andava com ela aqui, no comeco, ‘em Belo Horizonte, ela pedindo roupa. Eu atrés, olhando aquelas casas bonitas. Eu ficava meio assustado, no conseguia entender bom. Minha mée ia passando pelas casas, ia pedindo roupa, ia vindo aquelas roupas bonitas, usadas. Para mim aquilo era coisa melhor do mundo, porque, Ié no interior, a gente usava aquelas calcinhas curtas, rasgadas, aquelas camisinhas. Muitas vezes aquelas camisas de pano cru mesmo, de algodéo tecido no préprio tear 1é do interior Entéo aquilo para mim era... ficava satisfeito com aquilo. Enquanto no tava faltando comida nem roupa, a gente ia vivendo. Mas af, as dificuldades ndo acabavam, por que aqui eu 86 tinha meu tio, minha me. Meu tio que era irméo da minha mée. $6 tinha ele. Quando @ gente néo podia ficer 14 porque minha mie costumava brigar com a cunhada dela, a gente tinha que ir ficar nos emprogo, no 6? Entio a minha mée acabava ficando naquele mesmo sistema do interior: trabahando na casa de familia © dormindo no emprego comigo, junto Quando cons dificil conseguir uma patroa que aceitasse 2 empregada com menino, ndo.€? Menino com "3 anos jé era mais dificil, porque eu tava de idade. Nés jé chegamos até a dormir numa grutinha que tinha 14 no meu bairro. Eu lembro, no ‘meu bairro tinha uma gruta, uma gruta que tinha uma santa. Entéo, teve uma época que tivemos de dormir nessa gruta. Lé no Bairro 18 de Maio. Onde 6 hoje 0 Abrigo Sao Paulo, aquele terreno all era uma Conferéncia ¢ tinha uma gruta que eles fizeram de pedra © ali tinha uma santa. Minha mae tinha saido de uma casa, tinha perdido © emprego, ai fomos direto para aquela gruta. Passamos a noite I fe teimou com o vigia no outro dia que ia ficar ali, e tel. Eu falando ‘om ela que no, “vamos embora daqul que 0 mogo no quer que a gente fica”. Eu tinha pavor desse negécio de ficar pedindo as coisas, do sei se 6 porque ela pedia tanto. Até hoje eu tenho pavor de 91

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