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1 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 2


3 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

A ARM
nos 75 anos da SMBN

Memória – Testemunho – Futuro

No ano das bodas de diamante


da Sociedade Missionária da Boa Nova

21 de Maio de 2005
Cucujães
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 4

Ficha Técnica

Título: A ARM nos 75 anos da SMBN – Memória - Testemunho - Futuro

Autores: João Rodrigues Gamboa

Prefácio: Pe. Doutor António Couto (Superior-Geral da S M B N)

Capa: Sara Bandarra

Composição computorizada: Maria de Fátima Vieira Gamboa

Paginação e Impressão: Escola Tipográfica das Missões – Cucujães

Edição: Autor

Data da Edição: 21 de Maio de 2005

Tiragem: 750 exemplares

Depósito Legal: N.º 226276/05

ISBN: 972-98989-1-X

Pedidos para:
Editorial Missões
Apartado 40
3721-908 VILA DE CUCUJÃES
Tel. 256 899 170 – Fax 256 899 179
5 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

FLORES QUE AINDA DARÃO FRUTO

Nos 75 anos da Sociedade Missionária da Boa Nova


(SMBN) e nos 60 anos da Associação Regina Mundi
(ARM), quis esta oferecer àquela um rico florilégio de
documentos fundadores, páginas significativas e belos tes-
temunhos, que manifestam a gratidão e o afecto que os
antigos alunos nutrem pela Instituição que carinhosamente
os acolheu e sabiamente lhes transmitiu pautas de valo-
res pelas quais aprenderam a orientar a sua vida.
A hora é de gratidão. O livro é de gratidão. Mas é
também a hora de a SMBN manifestar à ARM a sua gra-
tidão pelo amor, pela grandeza de alma e pela generosi-
dade que tantos dos seus membros têm manifestado com
a sua presença amiga e assídua nas nossas Casas e no
apoio inequívoco e incansável às iniciativas empeendidas
no terreno pelos nossos missionários.
Florilégio e memória. Memória em tensão para o fu-
turo. Florilégio de flores que ainda darão fruto, pois a
hora presente lembra cada vez mais o papel decisivo que
cabe aos fiéis leigos desempenhar no trabalho do Evan-
gelho.
Contamos sempre convosco, amigos.

P. António José da Rocha Couto


Superior Geral
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 6

DA DIRECÇÃO DA ARM

“A ARM nos 75 anos da SMBN – Memória-Tes-


temunho-Futuro” é publicado pela Direcção da
ARM-Associação Regina Mundi dos Antigos Alu-
nos da SMBN, sendo a recolha e elaboração dos
textos da responsabilidade de Jerónimo Nunes (Par-
te I) e João Gamboa (Partes II, III, IV e Futuro).
Com a publicação deste livro, pretende-se ex-
pressar à Sociedade Missionária a gratidão e o afecto
de todos aqueles que, tendo passado pelos seus se-
minários, ao longo dos anos, aí assimilaram valo-
res básicos e fundamentais, de ordem humana, cul-
tural e espiritual, que lhes permitiram sucesso na
vida.
Possam todos eles continuar a pôr esses valores
de matriz humanista e cristã ao serviço do bem e
do progresso espiritual e humano – seu e dos ou-
tros.

Cucujães, 2 de Maio de 2005


(Dia do 13.º aniversário da morte do
Pe. Alfredo Alves, da SMBN)

A Direcção da ARM
7 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

Aos pioneiros e fundadores da SM


e aos missionários que, no terreno, se dedicaram e dedicam com amor
à promoção e crescimento humano e espiritual dos mais pobres,
construindo, assim, o Reino de Deus.

Aos fundadores da ARM


e aos armistas que generosamente a serviram
para que atingisse os seus objectivos.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 8

AGRADECIMENTO

Tal como foi concebido, a edição deste livro só


foi possível graças à preciosa colaboração de va-
riadas pessoas: dos armistas que corresponderam
ao apelo para testemunharem o seu apreço à SM;
daqueles que disponibilizaram fotografias impor-
tantes: os armistas Manuel Cândido Basso (a do gru-
po “fundador” da ARM - “os 15 magníficos”),
António da Costa Salvado e António da Silva To-
más, e ainda o formando da SM Eduardo Souza (as
dos seminários da Sociedade, no fim do livro); so-
bretudo do Pe. Jerónimo Nunes, nosso assistente
nacional, que elaborou a Parte I, e da “armista” Ma-
ria de Fátima Vieira Gamboa, que abnegadamente
compôs o texto em computador.
A todos, o mais sincero agradecimento.

O Autor
9 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

INTRODUÇÃO

Os Antigos Alunos dos Seminários da SMBN


não podiam ficar indiferentes à celebração dos “75
anos em missão com Ele” que a SM leva a cabo
durante o ano de 2005. Por isso a ARM-Associa-
ção Regina Mundi, sentindo que a SM é,
indubitavelmente, a sua MATRIX e assumindo-se
fiel depositária dessa relação original, pretende, com
a publicação deste livro, atingir os seguintes

Objectivos

1.º – Repartindo algumas migalhas de história


dos missionários da Boa Nova, prestar à SM singe-
la e jubilosa homenagem – pelo que foi e pelo que
é para todos os que nela beberam o leite formativo
da adolescência e juventude;
2.º – Fazendo breve memória dos seus próprios
60 anos de vida, apontar e lembrar aos armistas
seus membros que a força e urgência do ideal que
está dentro da ARM só pode frutificar com a dedi-
cação e entusiasmo de todos e cada um, como nos
mostra o exemplo dos que nos antecederam;
3.º – Antologiando os textos que sabiamente e
com beleza alguns foram escrevendo e o Boletim
publicou ao longo de 60 anos, estimular, na fideli-
dade aos valores desse passado armista, a cons-
trução de um futuro vivo e actuante;
4.º – Dando a palavra a todos os que a quiseram
tomar para, nela e por ela, testemunharem o seu
apreço e gratidão à SMBN, dizer que todos somos
necessários e insubstituíveis para fazer a comunhão
dentro desta família missionária constituída pela
SM e a ARM;
5.º – Gravando em livro a memória, o testemu-
nho e o projecto de futuro que a ARM e os armistas
transportamos, proclamar as potencialidades da
nossa Associação e assumir o compromisso de ge-
nerosamente abrirmos o coração a esse projecto e
arregaçarmos ainda mais as mangas para o traba-
lho.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 10
11 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

PARTE I

VIVER NAS FRONTEIRAS

Migalhas de História
dos Missionários da Boa Nova

por

Jerónimo Nunes
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 12
13 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

INTRODUÇÃO António Barroso, D. João Evangelista, D. Teotónio


de Castro e Pio XI.
A Sociedade Missionária da Boa Nova é um
pequeno instituto missionário com 130 membros a 1.1. D. António Barroso (05.11.1854 – 31.08.1918)
testemunhar Cristo em quatro continentes. Nasceu
em Portugal, mas os seus membros provêm tam- Nascido em Remelhe, foi o aluno mais ilustre
bém de Angola, Brasil e Moçambique. Além des- do Real Colégio das Missões Ultramarinas, de
ses países, tem ainda pequenos grupos com signi- Cernache do Bonjardim2, no século XIX. Restau-
ficativa presença em dioceses da Zâmbia e do Ja- rou a Missão do Congo, foi prelado de Moçam-
pão. Junto à SMBN trabalham as Missionárias da bique, Bispo de Meliapor e do Porto. Como padre
Boa Nova, testemunho feminino tão necessário à secular formado em Cernache, conhecia o valor e
formação de verdadeiras comunidades cristãs, e os as deficiências dos seus colegas. Desde o primeiro
Leigos Boa Nova que formam e acompanham jo- relatório sobre as Missões do Congo até à morte
vens voluntários para a Missão. Inseridos nas equi- como Bispo do Porto, trabalhou incansavelmente
pas SMBN, há presbíteros diocesanos Associados, pela superação das fraquezas do missionário isola-
testemunhando a natureza missionária da Igreja do e pela criação duma Sociedade Missionária.
particular dinamizada pelo Espírito que suscita a Palavras suas:
diversidade dos dons para a edificação do Reino. “O missionário africano actual deve levar ao
Ao longo da história recebeu vários nomes des- indígena, em uma das mãos a Cruz, símbolo
de Sociedade Portuguesa para as Missões Católi- augusto da paz e da fraternidade dos povos, e na
cas nas Constituições dadas por Pio XI em 1930, outra a enxada, símbolo do trabalho abençoado
até Sociedade Missionária Portuguesa e Sociedade por Deus. Deve ser padre e artista, pai e mestre,
Missionária da Boa Nova1 ou simplesmente Missi- doutor e homem da terra; deve tão depressa pôr a
onários da Boa Nova. O carisma e a identidade estola para confortar com a esperança o padecente,
missionária querem permanecer idênticos, na fide- como empunhar a picareta para arrotear uma
lidade ao Senhor que chama e envia, e na paixão courela de terreno; deve tão depressa fazer uma
pela salvação do mundo. homilia, como pensar a mão escangalhada... Im-
Pediram-me uma história da Sociedade. Juntei possível nos é exigir tantos serviços de um só ho-
algumas anotações minhas e de outros colegas que mem. O remédio é estabelecer centros principais
sabem fazer da vida testemunho que merece me- de missões. O remédio é a congregação em que os
mória. A outros caberá a tarefa de analisar, e es- membros sejam ligados por laços morais que sus-
crever uma história crítica e organizada. Dei a tentem a coesão e a continuidade dos serviços.
primazia a alguns aspectos do trabalho no terre- Organizemos esse instituto. Dotemo-lo de meios
no. Outros conseguirão aprofundar o seu signifi- suficientes, interessemos nesta grande obra a ca-
cado. ridade do país”3.
Estava exilado em Cernache quando o Colégio
1. AS GRANDES FIGURAS DO ALICERCE foi encerrado, em Abril de 1911. Lutou até ao fim
pela sua reabertura mas não viu a realização deste
Por trás da fundação de um instituto Missioná- sonho.
rio está sempre o Espírito Santo que leva a Igreja a A experiência missionária dos padres secula-
abrir-se às dimensões do mundo para comunicar o res, com os seus êxitos e fracassos, é a matriz gera-
tesouro do Evangelho a povos e culturas que ainda dora da Sociedade Missionária. As suas raízes
o desconhecem. Mas o Espírito serve-se de homens aprofundam-se na história de Portugal presente nos
que sintonizam com Ele e abrem caminhos quatro cantos do mundo e na missão específica as-
organizativos e espirituais para uma realização con- sumida pelos reis de Portugal na Evangelização do
creta do espírito missionário. mundo, por meio do Padroado.
Para a história do nascimento da SMBN mere-
cem destaque três bispos e um grande papa: D.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 14

1.2. D. João Evangelista de Lima Vidal começou a funcionar como Colégio das Missões.
(02.04.1874 – 05.01.1958) D. João foi o seu primeiro Reitor, mas trabalhou
junto do Episcopado e da Santa Sé para a nomea-
D. João nasceu em Aveiro, então diocese de ção de D. Teotónio Vieira de Castro, Bispo de Me-
Coimbra. Estudou em Roma e foi professor na liapor. Mons. Ruas foi um precioso ecónomo dos
Universidade de Coimbra. Em 1909 foi nomeado Colégios das Missões e da futura Sociedade Missio-
Bispo de Angola e Congo. Sentindo o drama da nária.
falta de uma casa para formar missionários, em D. João continuou em Lisboa até ser nomeado
1914 veio para Portugal. Entregou a diocese ao Bispo de Vila Real, onde a Santa Sé o irá buscar,
Vigário Geral e veio lutar pela “reorganização e em 1930, para ser o primeiro Superior Geral da
abertura do Colégio das Missões como solução do Sociedade.
problema do pessoal e pela protecção dos serviços D. João Evangelista foi um pioneiro 4. De
missionários portugueses, enquanto eles sirvam os Coimbra a Luanda, Lisboa, Vila Real, Cucujães e
interesses da pátria e da humanidade.” Mas, em Aveiro, D. João Evangelista de Lima Vidal dedi-
Lisboa, encontrou pouco apoio da Igreja e menos cou-se sempre à criação de seminários e formação
ainda do Estado. do clero5, escreveu livros6, lançou em Portugal as
Dizia ele: “Mas então este desconchavo não tem reformas da liturgia e catequese, criou obras para
remédio? Estarão os homens de Lisboa tão cegos assistência aos pobres7. Percorreu Portugal inteiro
e apaixonados para não descobrir o perigo que daí a despertar o povo para a cooperação missionária.
nos ameaça? Mas Deus é omnipotente e basta ele Escreveu o seu biógrafo, Mons. João Gonçal-
querer para ressuscitar o lagarto morto e mal ves Gaspar: Com bondade translúcida, acarinhava
cheirante! os humildes; com caridade paternal, ouvia as ne-
Se não conseguir ter uma casa para formar Mis- cessidades alheias; com compreensão delicada,
sionários nada terei a fazer como Bispo em Ango- aconselhava jovens e adultos. Grande e modesto,
la! Se a ruína tiver de consumar-se, não seja, nem dedicava-se sem nada perder, dava-se sem se di-
um átomo, culpa do meu silêncio!” minuir, fazia-se maior tornando-se mais pequeno.
Como não chegavam as mudanças políticas e A sua cultura consagrou-o; os seus livros contêm
religiosas que desejava, aceitou ser Vigário Geral páginas de antologia; os seus escritos guardam-se
de Lisboa, com o título de Arcebispo de Mitilene. como pérolas; a sua virtude enriqueceu Aveiro; a
Destacou-se na organização da obra das vocações, sua vida deixou um rasto luminoso de refulgências
da catequese, da liturgia e da ajuda aos pobres. Mas de amor. Ele dissera ter sido plasmado de Aveiro;
nunca esqueceu o objectivo primeiro da sua vinda mas era sobretudo plasmado do céu, com os bei-
para Portugal. ços a saber a estrelas, a pingar gotas do Evange-
Depois de muito trabalho diplomático, os anti- lho por todo o corpo, por toda a alma...8.
gos missionários de Cernache aliaram-se aos espi- O primeiro Superior Geral foi um digno mode-
ritanos e conseguiram o revolucionário decreto n.° lo para os missionários.
6 322, de 2 de Janeiro de 1920, que permitia a reor-
ganização das casas de formação missionária. Os 1.3. D. Teotónio Vieira de Castro ( 27.07.1859 –
missionários seculares escolheram como seu pro- 16.05.1940)
curador a D. João Evangelista de Lima Vidal para
se proceder quanto antes ao recrutamento e forma- Nasceu no Porto, doutorou-se em Teologia e
ção de pessoal missionário. Direito Canónico em Roma, foi professor e Vice-
D. João aceitou a proposta e escolheu como Reitor do Seminário do Porto. Nomeado Bispo de
Vice-Procurador Monsenhor Amadeu Ruas, homem S. Tomé de Meliapor, para substituir D. António
de grande experiência diplomática para tratar com Barroso que o sagrou no Porto a 15 de Agosto de
o governo. O objectivo era claro: reorganizar a for- 1899, entrou na diocese a 23 de Dezembro do
mação de padres seculares para as missões e for- mesmo ano. Na viagem para a Índia, ao passar em
mar uma Sociedade. Em 1921, o Convento de Cristo Roma, deu continuidade aos trabalhos de D.
15 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

António Barroso para a fundação do colégio Por- conferências, encomendou as obras a S. Filomena,
tuguês, para sempre marcado pela sua devoção ao lançou a Medalha Missionária e a Pia Associação
Coração de Jesus. de N. S. das Missões. A nova construção foi inau-
Para criar as bases para a Sociedade Missio- gurada em 1929.
nária, autorizou o P. Vicente do Sacramento a com- É proverbial o amor de D. Teotónio pelos po-
prar o convento de Cucujães, conseguiu de novo o bres. Os planos dos seus ecónomos iam por água a
edifício de Cernache e construiu a maior parte do baixo. Na sua casa em Meliapor e em Goa, muitas
que é hoje Cucujães. vezes faltava o necessário porque o seu coração era
Foi ele que criou as condições físicas e huma- incapaz de negar ajudas a quem lhe pedia. Homem
nas para a formação de missionários seculares e o de oração: conta-se que, ao enfrentar problemas, ia
ambiente para a organização da futura Sociedade para a capela rezar até ter a certeza da solução.
Missionária. Além da administração dos três colé-
gios durante dez anos, fez as construções necessá- 1.4. PIO XI, o Papa das Missões (1857 – 1939)
rias e tomou outras iniciativas importantes:
– No Concílio Plenário Português, 1926, foi pre- Nasceu em Desio e foi eleito Papa em 1922 e
sidente da comissão que propôs a criação de uma nova ficou conhecido como Papa das Missões. Cuidou
e forte organização do Clero Secular Português, para da formação do clero indígena e interessou-se pela
a acção eficiente, apostólica e mais económica da reforma de todas as Sociedades Missionárias, dan-
evangelização dos domínios portugueses. do-lhes orientações bem concretas. Quando D.
– Deu início à imprensa missionária, criando O Teotónio preparava a fundação da Sociedade
Missionário Católico (1924), o Almanaque das Mis- Missionária e pediu sugestões para a sua organiza-
sões (1926) e a Escola Tipográfica das Missões. ção, a Santa Sé mostrou-lhe as constituições já pron-
– Foi a Paris e Milão para conhecer as Socieda- tas. Pio XI decidira intervir pessoalmente para cri-
des Missionárias ali existentes e pedir missionári- ar a Sociedade. Transferiu D. Teotónio para Goa,
os competentes que o viessem ajudar na fundação. como Patriarca das Índias Orientais e nomeou D.
Quando Pio XI decidiu fundar a Sociedade, já os João Evangelista como 1.º Superior Geral da Soci-
padres de Milão estavam prometidos. edade no dia 3 de Outubro de 1930. No dia anterior
– Entre a sua nomeação como Patriarca e a sua nomeara dois missionários do PIME: o P. Mário
partida para a Índia, deu todas as orientações para Parodi como primeiro Assistente Geral e o P. José
que, no ano de 1930, os colégios já funcionassem Carabelli como Director espiritual. O dia 3 de Ou-
dentro do novo espírito querido pelo Papa. Trinta tubro de 1930 é a data da fundação da Sociedade.
seminaristas desse tempo chegaram a ser Missio- Dispensando todo o caminho que outros institutos
nários da Sociedade. têm de percorrer, a Sociedade já nasceu “de direito
Obra tão grande feita em 10 anos, só foi possí- pontifício”.
vel graças à fibra de D. Teotónio: trabalho incansá- A Secretaria de Estado manteve contacto per-
vel, capacidade para juntar colaboradores e uma manente com a nova Direcção, recebia constantes
absoluta confiança em Deus. Ficou para a história relatórios, dava orientações concretas e ajudava a
a sua carta ao Reitor de Cucujães que, sem dinhei- resolver problemas.
ro, temia não conseguir fazer uma construção com Em 24 de Outubro de 1932, às vésperas de os
as dimensões que D. Teotónio exigia: “Não tenha primeiros membros da Sociedade emitirem o seu
V. Revª medo que lhe falte dinheiro. Tratamos com Juramento (26.10.1932), Pio XI escreveu a carta
um banqueiro que nunca fez bancarrota e que abor- Suavi Sane que é considerada a carta de erecção
rece muito que se desconfie d’Ele, como se se tra- canónica da Sociedade:
tasse de qualquer criatura. Às vezes o dinheiro Porquanto Nos é gratíssimo reconhecer neste
necessário poderá não estar em Cucujães ou To- número, embora reduzido, de jovens que são os pri-
mar, mas está no Banco da Divina Providência e meiros a inscrever-se na Sociedade por Nós tão
isso nos basta.” Começou as obras em Maio de desejada e promovida, as primícias da magnâni-
1925. Pediu a bancos e empresas, desdobrou-se em ma legião de clérigos e de leigos que, não tendo
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outra coisa em vista senão a dilatação do Reino de 2. MOÇAMBIQUE – SEMEAR A FUTURA


Deus no meio dos infiéis, se consagrarão para sem- IGREJA
pre, com zelo e entusiasmo de verdadeiros apósto-
los, às sagradas Missões. No dia 17 de Março de 1937, partiram para
*** Moçambique os jovens padres Garcês e Viegas, com
A Sociedade nasceu “do ardor missionário” dos dois irmãos leigos. Foi a 1.ª expedição missionária da
Bispos portugueses. Destacámos os três mais di- Sociedade. S. Paulo de Messano foi o primeiro desti-
rectamente envolvidos. Como Bispos em Moçam- no. Um ano depois estavam em Unango onde cria-
bique, Angola, na Índia e em Portugal, estavam ram a primeira escola de catequistas e o primeiro se-
unidos por uma forte espiritualidade missionária e minário do norte moçambicano. No ano seguinte abri-
não duvidaram deixar para segundo plano a diocese ram a Missão do Mutuáli. Essas duas missões foram
que lhes fora confiada para se dedicarem a uma o campo de experiência da Sociedade. Ali se cultiva-
obra de interesse universal da Igreja: formação de va uma profunda espiritualidade, intensa dedicação
missionários e de uma sociedade que garantisse a ao trabalho (tanto de evangelização como de constru-
sua eficiência. Todo esse trabalho foi sempre feito ção de igrejas e capelas, escolas, serviços de saúde e
em profunda ligação com a Santa Sé que fazia as promoção da agricultura para sustentar a Missão) e
nomeações oficiais. um grande amor aos nativos que eram atendidos e
Tão desejada e preparada pelo clero secular for- promovidos a catequistas e professores. A partir de lá
mado em Cernache e pelo episcopado português, a foi evangelizado todo o oeste da Diocese de Nampula
Sociedade foi criada oficialmente por Pio XI. A (criada em 1940).
criação de um instituto pelo Papa é um facto extra- Em 1941 foi criada a Missão de Meconta que
ordinário na história da Igreja. Merecem mais es- abrangia todo o leste de Nampula, até ao mar.
tudo as motivações de tal estratégia eclesial, a que Construída em terrenos comprados pela Socieda-
não serão alheias as políticas do Estado português. de, a arquitectura da igreja foi idealizada para ex-

1.ª Expedição Missionária da Sociedade. (Em Lisboa, na sacristia da Igreja dos Mártires - 1937).
Ao centro, D. João Evangelista de Lima Vidal. À sua direita, P. Adriano Garcês; à sua esquerda, P. João Craveiro Viegas.
À direita do P. Garcês: Irmãos Anselmo Gomes, António Rodrigues Costa e Francisco Xavier Macedo.
17 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

pressar o espírito da Sociedade. Também Meconta Cabral (Lichinga).


evangelizou e criou novas escolas que deram ori- Convém saber que, já depois de D. Teófilo de
gem a novas missões. Andrade, primeiro Bispo de Nampula, ter entrado
Podemos dizer que o trabalho da Sociedade (a na Diocese, a Missão de Santo António de Unango
que mais tarde se juntaram os combonianos) evan- foi escolhida para ali se dar início ao Seminário
gelizou a maior tribo moçambicana: os macuas. Diocesano e, concomitantemente, à Escola de Pro-
Depois de o P. João Craveiro Viegas ter elabo- fessores.
rado o primeiro catecismo na língua do povo, a Com o rodar dos anos, dos primeiros alunos
cultura macua foi estudada a sério, e a vários ní- do Seminário haviam de sair, a modo de primícias
veis, pelos padres Porfírio Moreira, António Pires de bênção do Senhor, dois Sacerdotes de cor, Mons.
Prata e Alexandre Valente de Matos que elabora- Miqueias e P. Leandro, felizmente ainda vivos.
ram dicionários e gramáticas, publicaram diversos Também a título de informação, refiro que o Sr.
estudos e a literatura oral onde os macuas expri- P. Garcês e Sr. P. Viegas, assim como os Irmãos
mem a sua filosofia e colaboraram para a elabora- Anselmo Gomes, António Rodrigues e Francisco
ção dos actuais livros litúrgicos. Xavier, ao chegarem pela primeira vez a Louren-
De acordo com a teologia Missionária mais ac- ço Marques em 1937, vindos de Portugal, foram
tualizada da época, a preocupação maior foi lançar enviados por D. Teodósio de Gouveia para a anti-
as bases para criar uma Igreja local por meio da ga Missão de S. Paulo de Messano, na actual
formação de leigos e do clero indígena. Diocese do Xai-Xai. Mas só lá ficaram pouco mais
Em 1957, a nova diocese de Porto Amélia, hoje de um ano.
Pemba, foi confiada a D. José dos Santos Garcia, De facto, quando o Senhor D. Teodósio de
SMBN. Com um trabalho metodicamente planeado, Gouveia empreendeu uma viagem de reconheci-
criou todas as estruturas necessárias a uma diocese: mento religioso à Província do Niassa, ao passar
cúria, seminários menor e maior, escola de professo- por Malema, foi recebido por um grupo de cris-
res catequistas, colégio, uma congregação religiosa tãos e catecúmenos, os quais lhe pediram instan-
feminina e uma dezena de missões que abrangiam temente lhes enviasse Padres Missionários. Os
quase toda a área macua (Maríri, Maria Auxiliadora, poucos cristãos presentes tinham sido baptizados
Chiúre, Metoro, Ocúa, Mieze) e parte da maconde na vizinha Niassalândia (Maláui) ou na Rodésia
(Macomia e Mocímboa da Praia). do Sul (Zimbábuè) e já haviam levantado, por sua
conta e risco, uma igreja católica de pau-a-pique,
2.1. Diocese de Nampula na povoação de Mucarrua, área do Mutuáli.
O chefe e catequista dessa comunidade, Bas-
A Missão de Santa Teresinha do Mutuáli havia siano Mulessina, preparava o grupo dos catecú-
sido criada, em 5/9/38, por D. Teodósio Clemente menos para o Baptismo. O encontro com o Senhor
de Gouveia, Prelado de Moçambique, e foram seus D. Teodósio fora, pois, providencial, porquanto o
primeiros missionários P. João Craveiro Viegas, P. Senhor Bispo, tendo observado, ao passar no
Celso Pinto de França e os Irmãos Francisco Mutuáli, que a residência do Posto Administrativo
Xavier Macedo e Anselmo Martins Gomes, os quais e respectiva Secretaria se encontravam vagas, apre-
só chegaram em 31/12/38. sentou o caso, de regresso a Lourenço Marques,
Esta foi a primeira Missão, de raiz, da Socie- ao Senhor Governador Geral, o qual, de imediato,
dade Missionária, na actual Arquidiocese de cedeu o Posto e todas as suas dependências à futu-
Nampula.9 ra Missão Cató1ica.
Quatro meses antes, o Sr. P. Adriano da Silva A futura Missão Católica viria a ser criada,
Garcês, primeiro membro da Sociedade Missio- dentro de pouco tempo, sob a designação de Mis-
nária, o Sr. P. José Lourenço Baptista e os Irmãos são de Santa Teresa do Menino Jesus, do Mutuáli,
João Augusto Barata Júnior e Manuel Lourenço sendo ocupada, em primeira mão, pelo Sr. P. Viegas,
Farinha haviam sido colocados na Missão de San- Sr. P. Celso e pelos Irmãos Francisco Xavier e
to António de Unango, a pouca distância de Vila Anselmo Martins.
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Em 1957, foi criada a nova Diocese de Porto de seminaristas e professores catequistas (disfar-
Amélia10, tendo sido eleito seu primeiro Bispo D. çadamente) que os Monfortinos tinham no Maríri,
José dos Santos Garcia, até então Superior da Mis- uma pequena missão que servia de suporte legal a
são de Santa Teresinha do Mutuáli, e acumulando esse trabalho13.
a tarefa de Superior Regional de Nampula. Criou a congregação de direito diocesano das
Depois da sagração episcopal de D. José na Filhas do Coração Imaculado de Maria, cuja for-
Catedral de Nampula, acompanharam-no para mação foi confiada às Irmãs da Consolata, e come-
Porto Amélia P. Moisés dos Santos Morais, P. Luís çou em 1959, no Maríri.
Filipe Pereira Tavares e outros, começando assim Fundou o Colégio liceal de S. Paulo, em Pemba,
a funcionar a terceira região Missionária em Mo- sobre início de boas vontades, a 11 de Agosto de
çambique. 1958, o Seminário Maior em 10 de Setembro de
Quando, pois, se celebrou a independência de 195914, e, em 1970, o Colégio-lar do Maríri, espe-
Moçambique, a Sociedade Missionária contava cialmente destinado aos filhos dos colonos da área
com três Regiões: Nampula, Sul e Pemba, ultra- próxima. Nos últimos tempos, o ensino primário,
passando, na altura, os seus membros mais de uma confiado às missões da Diocese, compreendia cer-
centena11. Só na Região de Nampula a Sociedade ca de 500 professores, número que ele não só pro-
Missionária tinha, entre Padres e Irmãos, 64 mem- moveu, mas teve que defender. Fora do campo de
bros. guerra, estava a cobertura feita.
Mas as ocorrências políticas de então e a guer- Criou as missões de Mutamba, Macomia,
ra civil que se seguiu determinaram muitos dos Chitolo, Namioca, Metoro, Ocua, Mieze, e as pa-
nossos missionários a trocar o campo de apostolado róquias de Mocímboa da Praia, Mueda, Montepuez,
de Moçambique pelo Brasil e por Angola. Maria Auxiliadora de Pemba e Mecúfi.
Apesar disso, um grupo razoável de missioná- Tendo os Monfortinos a construção organizada
rios nossos optaram por continuar a trabalhar nas e muito desenvolvida, subsidiava-lhes a constru-
mesmas Dioceses moçambicanas de antes. ção. Na parte nova de desenvolvimento, confiada
especialmente à Sociedade Missionária, organizou-
P. Alexandre Valente de Matos a directamente: casas para as aspirantes da futura
congregação e para as irmãs da Consolata no Maríri,
2.2. Em Cabo Delgado instalações provisórias do seminário, o grande edi-
fício do seminário, escola primária, ampliação e
A Sociedade Missionária foi para Cabo Delga- adaptação da antiga escola dos Monfortinos para
do com a criação da Diocese de Porto Amélia, hoje pré-seminário, salão e capela do noviciado da con-
Pemba, a 5 de Abril de 1957, ao ser nomeado seu gregação religiosa, colégio-lar (inacabado), ofici-
bispo, a 10 do mesmo mês, um membro da Socie- nas; residência, igreja, internatos, armazém, carpin-
dade, D. José dos Santos Garcia, missionário na taria e moinho, escola doméstica e posto de saúde
Diocese de Nampula desde 1945. Sagrado na Ca- em Macomia, sob a direcção do P. Aníbal; o gran-
tedral de Nampula, a 16 de Junho, entrou na Diocese de complexo da escola de professores do Chiúre; a
no dia seguinte e permaneceu até 28 de Janeiro de igreja e a residência da paróquia de Montepuez
1975.12. (para os Monfortinos); o paço episcopal, a igreja
Deu grande incremento à evangelização, à di- de Maria Auxiliadora, a ampliação de três residên-
fusão e organização do ensino e à construção. No cias, o colégio de S. Paulo e o seminário maior de
mesmo ano da nomeação, instituiu o Seminário S. José, em Pemba; residências em Mocímboa da
Menor, para o qual tinha do Superior Geral a pro- Praia, Palma e Mecúfi, por meio das administra-
messa de padres desde o dia em que recebeu a no- ções locais; 2 residências e 2 escolas (uma com
meação, e no mesmo dia decidiu criá-lo; igualmente capela e outra inacabada) no Metoro; 2 residências
a Escola de Professores Catequistas – para um e e escola com capela em Ocua; capela-escola e resi-
outra aproveitando a escola primária central, a es- dência no Mieze; oficina da Diocese com duas re-
cola de artes e ofícios e os princípios de formação sidências, e dois prédios para rendimento na cida-
19 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

de de Pemba (o segundo, o maior da cidade); igre- diocesano, e o Maríri e a missão do Mieze aos Pa-
ja de Mueda com residência inclusa, e igual no Chai, dres diocesanos. A paróquia do Mecúfi, do secre-
inacabada, com a colaboração da engenharia mili- tário da diocese, ficou sem assistência.
tar. Em Novembro do mesmo ano, foram todos ex-
Em Setembro de 1959 foi criada a missão de pulsos do Maríri, que foi transformado em escola
Macomia, com a área de cerca de 19 000 Km2, para secundária do partido Frelimo, e a missão anexa à
ser o campo missionário da Sociedade. Para lá fo- da Meza.
ram, em Outubro do mesmo ano, os PP. Aníbal e A 8 de Dezembro, foram todos expulsos da re-
Paulo e o Ir. Messias. Encontraram uma residên- sidência da escola de professores (Chiúre), que foi
cia, que depois foi das irmãs salesianas, e foram 10 ocupada pela Frelimo, assim como o colégio de S.
anos de construção. Está lá a escola primária do 2.º Paulo e depois o seminário maior (Pemba).
grau (EP2) de Macomia. Já em Julho tinha sido nacionalizado o ensino e
No mesmo ano de 1960, a Missão de Chiúre a saúde, e se estavam a meter nas residências. Foi
foi, então, confiada à Sociedade Missionária, com tudo inventariado e os carros confiscados. Os mis-
o P. Sequeira por superior, e para lá foi transferida sionários foram admitidos (obrigatoriamente?) a en-
a escola de professores, para animar a vida da sede sinar nas escolas nacionalizadas ou do Estado e a
da missão, tendo depois sido construída a 1 quiló- servir na saúde. Só o P. Paulo recusou ensinar. Os
metro de distância. irmãos não foram solicitados.
Em 1961, o seminário maior foi transferido para Desde então, as reuniões intermináveis e des-
Pemba, provisoriamente na paróquia de Maria truidoras seguiam-se umas atrás das outras.
Auxiliadora.15 Em 5 de Setembro de 1965, passou Aumentaram cada vez mais as restrições, as
para o grande edifício próprio, em construção por difamações, os boatos e ameaças, que culminaram
muitos anos, e com largos espaços sem projecto na expulsão total dos que estávamos fora da cidade
definitivo, empreendidos na hipótese de ser neces- de Pemba, em Dezembro de 1978, e com todas as
sário alojar lá provisoriamente os missionários re- restrições e opressões que se lhe seguiram, até à
fugiados da guerra16. difamação e suspensão de todos os professores re-
Até aos fins da década de 60, a comunidade ligiosos.
cristã centrava-se na escola, sob a direcção do pro- Difamados, perseguidos, oprimidos, ameaça-
fessor-catequista. As comunidades cresceram e a dos, presos e expulsos, já em 1975 descemos de 30
situação modificou-se, tudo pedia a autonomia da para 19. E iam cantando vitórias.
comunidade cristã. Em 1969 e 1970 houve em to- Em 1976, ficando a paróquia de Mocímboa da
das as dioceses semanas de pastoral, animadas a Praia sem padre, foi para lá o P. Gonçalves. (O úl-
partir dos estudos pastorais do secretariado de pas- timo pároco capelão militar foi o P. Pino, que saiu
toral da Beira, e lançou-se o movimento da forma- em fins de 1974). Ensinou na escola primária até
ção da comunidade cristã, com aparecimento de ao fim de 1977. As visitas que fazia eram vigiadas,
vários ministérios. Os nossos lançaram-se com en- contrariadas, limitadas, até à expulsão. Nesse ano
tusiasmo, principalmente os de Ocua, Chiúre e baixámos para 18. Em 1977, para 16.
Maríri. Quando a revolução nos tirou os professo- Em 1978, amontoados em Pemba. Sair ou fi-
res e os lançou contra nós e a religião, e nos impe- car? O testemunho de agora é a permanência. O P.
diu de visitar as comunidades, já muitas delas esta- Pereira, expulso. O Ir. António, para o Maputo.
vam em condições de sobreviver e de crescer.17 Somos 13. O P. Casimiro opta pelo Brasil. No fim
Em 1970 atingimos o número mais elevado: 32 de 1979 éramos 11.
membros da Sociedade Missionária presentes na Em 1980 o Presidente da República propõe à
Diocese. Em 1973 começámos a diminuir: não veio Igreja relações de colaboração. Mas, em Cabo Del-
ninguém e no fim do ano éramos 29.18 gado, em 1981, limpam-se de missionários as es-
No ano de 1975, em plena crise política, entre- colas primárias. Há o partido integrista e o partido
gámos a direcção do seminário maior aos Mon- conciliador. No fim de 1980 estávamos 10.
fortinos, o colégio de S. Paulo ao P. Carminho, goês A 17 de Outubro de 1981, reabre a igreja da
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 20

cidade de Montepuez, confiada aos Monfortinos e Em Janeiro de 1997, veio do Mutuáli para o
às irmãs da Consolata. Em 24, a de Mocímboa, Chiúre o P. António Augusto Mondoni, de 45 anos,
com muita resistência local. Volta o P. Gonçalves, em troca com o P. Libério.
proibido de tudo, menos rezar na igreja. O P. José Marques foi escolhido para a forma-
Depois anunciou-se a reabertura de Macomia e ção dos nossos seminaristas, no Lar da Matola, para
do Chiúre. O P. Paulo foi para Macomia em 29 de onde seguiu no passado dia 9 de Janeiro.
Dezembro e ficou engaiolado numa casa empres- Ficámos novamente 8: 5 em Pemba (PP. Albino,
tada, sem poder fazer uma celebração pública. O Gonçalves e Paulo e Irs. Godinho e Messias. Além
contra-golpe da direita proibiu a permanência na- da Paróquia de Maria Auxiliadora e da de Macomia,
queles dois lugares enquanto não construíssem no- de que é pároco o P. Paulo, damos também colabo-
vas igrejas e residências. E o P. Paulo recebeu or- ração aos serviços diocesanos e ao seminário, como
dem para regressar a Pemba, no dia 27 de Janeiro se diz de cada um) e 3 no Chiúre (PP. Mondoni e
de 1982. Norte e Ir. João, com Chiúre, Metoro, e Ocua).
No meio daquele ano, vencendo muitas oposi-
ções, o P. J. Alexandre conseguiu iniciar a constru- Pemba, 9 de Abril de 1997
ção no Chiúre e, a 11 de Setembro de 1983, foi A. Gonçalves
inaugurada a igreja, ficando o P. José Marques a
viver na sacristia, onde chegaram a juntar-se três. 2.3. Evangelização do Sul do Save
No fim de 1982 estávamos 8. No fim de 1983 vol-
támos a ser 9, com o regresso do Ir. João. Em 1985 Com a criação das primeiras Dioceses, em
ficámos 8. Em 1987, 7. 1940, o Arcebispo de Lourenço Marques, D. Teo-
Nessa altura, começa a abertura efectiva, ainda dósio, ficou sem os nossos, que automaticamente
com oposições graves. As comunidades cristãs ficavam sob a jurisdição do primeiro Bispo de
saem da clandestinidade, organizam-se, reúnem-se, Nampula, o Sr. D. Teófilo. Foi deste facto que re-
constroem capelas, recebem visitas – não há mãos sultou ser a Diocese de Nampula o campo que ab-
a medir. Ao sair de Mocímboa, em 1987, deixei 60, sorveu todo o Pessoal Missionário das primeiras
e aumentaram. Depois endureceu a guerra. doze expedições missionárias.
A 6 de Janeiro de 1989 chegou o P. António da Em 16 de Julho de 1950, passou por Cucujães
Rocha, de 29 anos. Um alvoroço ao fim de 14 anos. o Sr. Cardeal-Arcebispo de Lourenço Marques, que
Voltámos a ser 8 por 12 dias. Na viagem para o ia para Roma, e aproveitou para cumprimentar o
Chiúre, foi morto numa emboscada, logo a seguir novo Superior Geral, Padre Viegas, e apresentar
à aldeia de Salaue (Silva Macua), um quilómetro e os seus problemas... Passado um ano, na 13.ª Ex-
meio à frente do cruzamento da estrada centro-nor- pedição Missionária, o P. Celso foi destinado a
deste, a 17 do mesmo mês. Está sepultado no Lourenço Marques, aonde esperaria os seus com-
Chiúre. panheiros P. João Avelino e Ir. Mota, a trabalhar
Em Abril de 1994 voltámos a ser 8, com o re- na Diocese de Nampula. Foi o recomeçar da nos-
gresso do P. Norte. sa presença no Sul, em resposta aos apelos do Car-
Com a vinda das missionárias da Boa Nova para deal Gouveia.
Ocua, em Outubro de 1994, o P. J. Marques come- Reunidas as forças em Lourenço Marques e
çou a residir lá, habitualmente, continuando a per- depois de despachados os caixotes por Caminho
tencer à comunidade do Chiúre. de Ferro em direcção ao Xinavane, aí vão os três
A 16 de Outubro de 1996, veio o P. Albino aventureiros a caminho de Chissano, aonde che-
Manuel Valente dos Anjos, de 26 anos. Ficou na garam, após muitas peripécias no caminho, aos 19
paróquia de Maria Auxiliadora e dá aulas no semi- de Novembro do ano de 1951. Iam ao estilo de uma
nário propedêutico e no colégio liceal D. José dos verdadeira aventura, enviados a trabalhar, mas com
Santos Garcia, da associação Lumen Gentium, dos o encargo de escolher a sede da Missão que iria
antigos seminaristas e alunas das casas religiosas. começar a partir do nada. Apoiados embora pela
Aumentámos para 9. dedicação de famílias amigas de portugueses ali
21 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

radicados no comércio e na agricultura, muito ti- ques e P. Benjamim para Fumane iniciar a sua vida
veram de sofrer, instalados sem as mínimas condi- missionária com o P. Julião. Profundas alterações
ções em dois minúsculos quartos de uma velha es- se operam nesta altura.19
cola, em Licilo. Durante um ano aguentaram aque- O primeiro Capítulo da SM retém em Portugal
la situação enquanto o Ir. Mota suava as estopinhas P. Alves. Era 1964. P. Valente é enviado para to-
percorrendo diariamente, de bicicleta, os 10 qui- mar conta da Casa de Maputo. O Superior Geral
lómetros que os separavam do local escolhido para nomeia novo Regional na pessoa do P. Álvaro e
Sede da Missão, percorrendo matas à procura de envia um reforço de mais dois: Padres Evangelista
paus para a construção da futura Residência, com Catarino e Farinha Costa. O primeiro vai para
seis divisões, e da Capela ampla, onde já celebra- Chissano e o segundo para o Alto Changane subs-
ram o Natal de 1952! E ali permaneceram aqueles tituir o P. Serafim que cumpria o serviço militar
valentes sem qualquer reforço a não ser do Sr. Pa- como Capelão, no Norte. P. Celso regressa em
dre João Martins Pinheiro que, devido a fortes ata- 1966, e substitui no Chibuto o P. Avelino, que foi
ques de paludismo, teve de ser internado no Hos- para o seu novo campo da animação missionária
pital, tendo, após a alta, fixado residência no Asilo em Portugal.
de Santo António, em Lourenço Marques, como O P. Tomás Borges é enviado em 1967 e vai
Capelão das Irmãs Vitorianas. abrir a nossa primeira Paróquia na periferia de
Na expedição de 1955 vai o segundo grupo para Lourenço Marques, a Paróquia de S. João Baptista,
o Sul: P. Antunes, P. Aquiles e Ir. Tavares. Após a do Bairro do Fomento (Matola). Em 1 de Janeiro
chegada destes é criada, ou melhor, restaurada a tinham sido criadas as Missões de Mahuntsane e
Paróquia do Chibuto (22.11.55), sendo designa- de Maniquenique, confiadas respectivamente aos
dos para ela os PP. João Avelino e Aquiles, assim Padres Antunes e Benjamim. P. Orlando é envia-
como o Ir. Mota. No Chissano ficava o P. Celso do, logo a seguir ao Capítulo de 68, e vai treinar
com o P. Antunes e o Ir. Tavares. no Chibuto com o P. Celso. Mas, ainda antes de
Logo a seguir o Sr. Cardeal cria, com data de completar um ano já estava na Capelania Militar
15.12.55, a Missão do Santo Condestável de no Norte de Moçambique.
Fumane, ficando o P. Avelino a assistir à mesma Entretanto, o P. Ernesto vai estudar para “Lu-
até virem novos missionários. Não há nada. A Eu- men Vitae” e chega o P. Figueiredo Marques, em
caristia é celebrada onde calha, nas varandas das 69, indo iniciar a sua experiência missionária no
residências ou do Hotel. Mas, graças ao dinamis- Chissano. Em 1971 chegam, para fazer uma nova
mo do P. João, ao fim de um ano havia umas de- experiência em Maputo, os PP. Ambrósio, Manuel
pendências com quartos, sala de jantar, cozinha e GonçaIves e Rui Martins. Com a vinda da inde-
casa de banho, assim como uma razoável capela pendência, todos os planos ruíram.
feita em material local, e uma espaçosa Escola- De recordar aqui outra experiência fracassa-
Capela em alvenaria começava a erguer-se com da que foi a da Ordenação do Afonso Muchanga,
ajudas do Governo, na pessoa do Sr. Administra- primeiro padre africano da Sociedade, que, depois
dor José Videira, grande entusiasta do desenvolvi- de ordenado, veio fazer uma experiência missio-
mento da paróquia. nária, primeiro em Chissano e depois em Manique-
Na expedição de 1956 mais três Missionários nique, acabando por pedir a redução ao estado
levam destino ao Sul: PP. Julião e Álvaro, com o laical.
Ir. Fernando. Os três pedem para ir directamente Após a Assembleia Geral de 1964, ao realizar
fazer a sua experiência missionária em equipa na a Assembleia Regional, a Região dividiu-se em duas
nova Missão do Santo Condestável. Foram come- Pró-Regiões (Maputo e Xai-Xai), ficando a de
ços duros. Começou-se mesmo do nada. O local Maputo20 confiada ao P. Borges e a de Xai-Xai con-
escollhido era mato fechado. A residência de pau- fiada ao P. Valente21.
a-pique e caniço, com 3 quartos, uma salinha de Aqui virou uma página trágica a nossa vida no
jantar e casa de banho, deixou-nos saudades. Sul. No meio de muitas dificuldades, registamos a
Em 1960, o P. Alves vem para Lourenço Mar- coragem manifestada pelos jovens Virgílio e Si-
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 22

mões, que se ordenaram de Presbíteros, o primei- Deus donde saíram orientações para o funciona-
ro em 05.12.76 e o segundo em 28.11.77. mento da chamada Igreja Ministerial: cada comu-
E a Revolução joeirou-nos muito bem! P. nidade deve ser dotada dos serviços essenciais ao
Antunes, preso, julgado e expulso. P. Farinha Cos- seu funcionamento e cada cristão deve assumir um
ta, igualmente preso, julgado e expulso. P. José ministério. Na hora da verdade muitos leigos fo-
Valente, preso, algo julgado e não expulso. P. Ál- ram verdadeiros heróis para manter a comunidade
varo, prisão domiciliária, julgado à moda de tri- em funcionamento e desdobraram-se para atender
bunal popular e salvo, “in extremis”, da expulsão. as vítimas da guerra fratricida. Os poucos presbí-
P. Evangelista Catarino, preso, julgado e expulso. teros existentes encontraram novas formas de co-
Finalmente, como corolário de tudo isto, a morte laborar com eles e alguns deram a vida, fecundan-
violenta do P. Cristóvão, ocorrida em 21 de Janei- do com o seu sangue a nova Igreja moçambicana.
ro de 91. Merecem referência especial também as Entre eles, três mártires da Sociedade Missionária
vezes que o P. Firmino, sem prisão nem expulsão, da Boa Nova: P. Alírio Baptista – 20.11.1983, P.
foi solenemente julgado e mandado “aguardar”... António da Rocha – 17.01.1989, P. Manuel Cristó-
Registo ainda a experiência de um ano do P. vão – 21.0119.91.
Anselmo e o envio do P. João Almendra, que foi O pequeno número de Missionários da Boa
trabalhar na Região do Aeroporto onde acabou por Nova resistiu nos seus postos de trabalho, dispersos
ficar, em 1990, como Superior Regional. Em 1992 pelas enormes áreas onde antes havia três vezes
ordenaram-se em Moçambique os jovens Pinho e mais trabalhadores da Messe. Permaneciam quatro
Anastácio Jorge. regiões ou pró-regiões da antiga estrutura
P. Álvaro Patrício organizativa da Sociedade. A Direcção Geral sen-
tiu que era melhor juntar todos os membros de
2.4. Resistência e martírio Moçambique numa só Região que fomente o inter-
câmbio, a troca de experiências e uma representa-
Nos 37 anos anteriores à independência, a ção a nível nacional. Não foi fácil juntar os peque-
SMBN fez nascer em Moçambique 41 missões com nos grupos dispersos desde Pemba e Nampula até
razoável infra-estrutura, alguns grandes colégios Xai-Xai e Maputo numa reflexão comum com uma
(em Nampula, Maríri, Pemba e Angoche), hospi- direcção única para enfrentar os problemas a nível
tais importantes como o de Malatane e os seminá- nacional. Como Superior Regional foi eleito o P.
rios de Nampula, Maríri e Pemba. João Almendra e os assistentes eram escolhidos
A independência trouxe grandes transformações como representantes das antigas regiões ou pró-re-
e o marxismo do novo governo trouxe muito sofri- giões que agora se designam por “grupos” de Ma-
mento. Dos mais de cem missionários que a Socie- puto – Xai-Xai, Nampula e Pemba.22
dade tinha em Moçambique, muitos foram presos, A paz assinada em 1992 veio modificar radi-
alguns expulsos, outros não aguentaram o ambien- calmente a situação. A Igreja comprometeu-se pro-
te reinante. Cinco anos depois permaneciam qua- fundamente na reconciliação entre pessoas e gru-
renta. pos políticos e na reconstrução das estruturas es-
A Igreja, porém, não morreu. A transição tinha senciais da vida social. Foram devolvidos alguns
sido preparada pelas missões e Centros Catequé- dos antigos espaços nacionalizados e a Igreja teve
ticos como o do Anchilo, em Nampula, e pelas Es- de os recuperar para lhes dar nova utilidade (igre-
colas de Professores-Catequistas donde tinham sa- jas, casas paroquiais, escolas, serviços de saúde).
ído homens formados para criar comunidades. Nem O testemunho dado nos tempos difíceis frutificou
todos resistiram aos embates políticos. Mas alguns num número imenso de pessoas a entrar para a Igre-
foram mártires. Outros, no meio de muita luta e ja e na volta de alguns que a tinham abandonado.
alguma esperteza, conseguiram manter as comuni- O número de catecúmenos aumentou muitíssimo.
dades, mesmo quando o padre não podia visitá-las. Foi preciso formar catequistas e reorganizar a for-
Muito ajudou a lucidez dos Bispos que em 1977 mação. As casas de formação para missionários e
promoveram uma grande Assembleia do Povo de missionárias foram permitidas de novo e muitos
23 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

I Assembleia Geral da SM (1964).


1.ª fila: PP. João Valente, Ambrósio, Luís Filipe Pereira Tavares, João Craveiro Viegas, D. José dos Santos Garcia,
PP. José Patricio, Marques Vaz, Álvaro Patrício e Manuel Fernandes.
2.ª fila: PP. Celso Pinto de França, António Luís de Carvalho, Alfredo Alves, Albano Mendes Pedro e José Valente.

eram os candidatos. Depois de colaborar com a 3. EM BUSCA DA UNIVERSALIDADE –


formação do clero diocesano e de algumas congre- INCARNAÇÃO NOUTRAS CULTURAS
gações religiosas também a Sociedade criou o seu
esquema de formação. No início os nossos candi- Ninguém poderá duvidar de que o ano de 1970
datos foram recebidos no Seminário Interdiocesano marcou uma data decisiva na história e nos rumos
de Nampula onde faziam o Propedêutico23 e iniciá- da Sociedade, já que foi nesse ano que a Socieda-
mos a construção de um “Lar Boa Nova” na Matola, de se abriu a novos campos, depois de mais de 30
junto ao Seminário de Filosofia. Mas as dioceses anos só em Moçambique. Não é fantasia pretensi-
encheram o seminário de Nampula. E durante al- osa pensar que a história da Sociedade não seria a
guns anos todos os nossos candidatos, de todos os mesma sem a abertura ao Brasil e a Angola, em
níveis, se juntaram no Lar da Matola. Por isso a 1970.
Direcção Regional decidiu enviar para o Brasil os P. Manuel Augusto Trindade
alunos de teologia24.
Em 1968 os apelos do Concílio à missão uni-
versal e os previsíveis problemas futuros de
Moçambique obrigaram a Sociedade a descon-
centrar as forças missionárias. A III Assembleia
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 24

Geral optou por Angola e pelo Brasil.25 Em 1970 favelados e índios, e defender os direitos humanos
partiu um grupo de 3 padres para cada país, e en- é evangélico, mas não deixa de ter riscos.
traram nas dioceses de Luanda e Teófilo Otóni. Muitas vezes a Igreja foi a voz dos pobres. Por
exemplo, quando um senhor quis expulsar 300 fa-
3.1. Brasil – Evangelização e formação de mílias da Favela do Boiadeiro, a Paróquia de Fáti-
comunidades ma e a Comissão de Justiça e Paz apoiaram a sua
resistência. Por causa desse conflito, o P. Mamede
No dia 19 de Janeiro de 1970 chegaram ao Bra- sofreu um atentado a tiro em Setembro de 82.
sil os três jovens padres Manuel de Matos Bastos, O clima pastoral após a ordenação de padres
João Francisco da Silva Mendes e Manuel Jerónimo locais e a chegada de um novo Bispo criaram difi-
Nunes. Foram acolhidos por D. Quirino Schmitz culdades à pastoral de conjunto. A SMBN viu-se
na Diocese de Teófilo Otóni, com 500 000 habi- questionada e abandonou a Diocese a 19 de Janei-
tantes, 30 000 km2 e 45 padres. Encarregou-os de ro de 1987.
coordenar a pastoral (P. Bastos), evangelizar os jo- Vizinha de Teófilo Otóni fica a Diocese de
vens (P. João) e formar comunidades rurais (P. Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, uma das regi-
Jerónimo). Não lhes deu paróquia, deu-lhes servi- ões mais pobres do Brasil. Aí, os portugueses ex-
ços, com o título de vigários cooperadores de to- traíram ouro nos séculos XVII e XVIII e as multi-
das as paróquias. nacionais continuam a extrair vários metais preci-
Foram os acontecimentos políticos de Moçam- osos. As várias fases do “desenvolvimento” leva-
bique que possibilitaram a passagem da missão do ram para lá o eucalipto e o café. Mas a maioria da
Brasil de 3 para 33 padres num curto período de 5 população não foi beneficiada com esse progresso
anos, entre 75 e 80. e completa a sobrevivência migrando, aos milha-
Presente na periferia de algumas cidades im- res, para o corte da cana e a colheita do algodão
portantes onde ajudou a criar uma pastoral urbana noutros estados, durante os meses da safra.
(Teófilo Otóni, Belo Horizonte, Chapadinha, Dou- Evangelizada por franciscanos holandeses des-
rados), a SMBN dedicou-se também a áreas rurais. de o século XIX, aos poucos criando clero local,
Tanto defendeu os direitos dos favelados como não nitidamente insuficiente.Na década de 70, a diocese
se alheou da injusta situação dos lavradores, de- apelou a muitas dioceses e congregações a pedir
fendendo os seus direitos por meio da pastoral da ajuda. Responderam várias congregações, a Dio-
terra e outros movimentos. Em 35 anos colaborou cese de Brescia, da Itália, e a Sociedade Missionária.
com 7 dioceses em 4 estados. Em Minas Gerais: Em 1976, o Padre Bastos estava na Paróquia de
Teófilo Otóni, Araçuaí e Belo Horizonte; no Ma- Novo Cruzeiro28, preparando o caminho para mis-
ranhão: Brejo e Coroatá; no Paraná: Umuarama; sionários saídos de Moçambique29.
no Mato Grosso do Sul: Dourados. Na área do eucalipto e do barbeiro (bicho que
provoca uma doença incurável no coração), a So-
Minas Gerais – construir uma jovem Igreja ciedade Missionária tomou conta de Virgem da
Lapa30 e Berilo. A Virgem da Lapa é a padroeira da
Durante os 17 anos em que trabalhámos na Diocese. É para lá que todo o ano, no mês de Janei-
diocese de Teófilo Otóni, a SMBN foi fiel à inspi- ro, se dirige a Romaria dos Migrantes que congre-
ração inicial de se dedicar aos serviços diocesanos,26 ga os que estão de férias e as suas famílias que bus-
ao mesmo tempo que colaborou directamente nas cam na fé a união necessária para lutar pela sobre-
paróquias27 de Pavão (1973-1975), Poté (1971- vivência.
1986), Fátima (1974-1987), Malacacheta (1977- A carência de padres obrigou-nos a assumir ain-
1987). da as paróquias de Padre Paraíso31 e Caraí32. Um
Numa sociedade dividida entre um pequeno provisório que se prolongou no tempo.
grupo de ricos e muitos empobrecidos, a opção da No dia 20 de Janeiro de 1987 a Sociedade to-
Igreja pelos pobres não deixou de criar problemas. mou posse duma casa no Bairro D. Cabral, de belo
Dedicar-se mais à evangelização de lavradores, Horizonte, destinada à formação dos nossos candi-
25 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

datos, que até essa data frequentavam o Seminário Anisberto Bonfim.


de Teófilo Otóni. Foram viver com eles os padres Em 1978, a Sociedade passou para a outra mar-
Joaquim Patrício e Jerónimo Nunes (este mais des- gem do Rio Paraná e, na Diocese de Dourados, fo-
tinado aos serviços da pastoral da terra em Minas ram criadas as paróquias de Iguatemí, Sete Que-
Gerais)33. Por iniciativa do P. António Mamede das, S. João Baptista de Dourados, Paranhos e foi-
Fernandes, em 1992, a Sociedade adquiriu uma nos confiada Tacuru.
chácara no Bairro Bom Jesus (Contagem) para onde A população das paróquias do Paraná era cons-
foi transferida a Comunidade Boa Nova34. Em 2003, tituída, na sua grande maioria, por pequenos agri-
a Arquidiocese criou a paróquia da Senhora da Boa cultores, alguns proprietários dos seus terrenos,
Nova com os bairros que cercam a nossa casa e outros arrendatários. A cultura predominante era o
nomeou como primeiro pároco o formador P. Ma- café e o algodão. Mas essas produções têm sofrido
mede. Todo o trabalho de formação das comunida- grande queda nos últimos anos, principalmente o
des e construção de espaços de culto e casa paro- café.
quial foi feito nos últimos dez anos, sob a coorde- A população colaborou muito bem com a pas-
nação do primeiro pároco que teve como sucessor toral diocesana e paroquial. Foi fácil encontrar pes-
o P. Raimundo Ambrósio Inteta, um moçambicano soas para os serviços paroquiais ou diocesanos. A
que estudou teologia nesta comunidade Boa Nova35. situação mudou com a queda do café que obrigou
É a paróquia onde os candidatos da SMBN vão o povo a migrar para áreas industriais, para as gran-
experimentando e aprendendo a Missão. des cidades e já não é fácil encontrar os agentes de
pastoral necessários.
Paraná e Mato Grosso do Sul No Mato Grosso, a situação era e é ainda dife-
rente, não só por causa das grandes distâncias, mas
Em Janeiro de 1975, o Padre António Pereira também por muitas famílias viverem em grandes
deixou Lisboa com destino a Umuarama, onde se fazendas e, por conseguinte, terem menos mobili-
encontrou com o Bispo Diocesano, D. José Maria dade e autonomia.
Maimone e assumiu a paróquia de Alto Piquiri. A “Vou tentar recordar o que se realizou de obras
Direcção Geral aprovou essa iniciativa e escolheu nas nossas paróquias. Obras que significam muita
Umuarama como novo campo de trabalho missio- dedicação das populações e dos missionários: re-
nário. Lá foram criadas de raiz as paróquias de sidência paroquial e salas de catequese, no Alto
Cafezal (1976, P.Eugénio Ribeiro e depois P. Aníbal Piquiri; três igrejas, salão paroquial, Casa do
dos Anjos João), S. Jorge do Patrocínio (1977-1988, Andarilho e Creche Criança Feliz e pré-escola, na
P. Ernesto Pereira), Esperança Nova (1980-2001, Brasilândia; residência, salão e centro pastoral,
P. António Antunes dos Santos) e foram confiadas em Cafezal; centro de catequese, torre, três cape-
à SMBN as paróquias de Brasilândia (1976-2001, las, casas de banho públicas, residência das Irmãs,
P. Aníbal dos Anjos João), Pérola (1983-2001, PP. reforma do salão de festas, em Pérola; igreja, resi-
Francisco Mayor Sequeira, António Martins e Joa- dência e salão, na Boa Esperança; igreja, creche e
quim Pinho) e Xambrê (1984-1988, P. Benjamim salão, duas capelas, em S. Jorge do Patrocínio;
Trancoso). duas igrejas, centro de catequese, residência das
Na Diocese de Umuarama, em que a priorida- Irmãs, ampliação da casa paroquial e novo salão,
de era e ainda é as Comunidades Eclesiais de Base, em Iguatemí; residências dos padres e irmãs, sa-
e em que se estabeleceu em bases sólidas a pasto- lão e colégio, em Sete Quedas; igreja, residência e
ral do dízimo, os missionários assumiram essas Lar vocacional em Dourados; Centro de catequese,
pastorais, sem descurar outras, como a Vocacional. em Paranhos.
É consolador verificar que de todas as nossas paró- Mas a atenção dos missionários voltou-se es-
quias saíram padres diocesanos ou religiosos e vá- pecialmente para a formação do povo e particu-
rias Irmãs religiosas. Em 20 de Fevereiro de 1994, larmente de lideranças cristãs.
foi ordenado, no Cafezal, o primeiro padre brasi- As CEBs foram promovidas e incentivadas para
leiro e estrangeiro da Sociedade Missionária, P. levar a um melhor conhecimento do Evangelho e a
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 26

vivenciá-lo na realidade familiar, política e social. Pároco em Chapadinha. P. Américo Henriques e P.


A par das comunidades eclesiais de base sur- Casimiro chegaram no mês de Agosto seguinte.
gem outros movimentos que, de algum modo, vão Atendiam também a Paróquia de Santa Quitéria,
vivificá-las com os seus carismas próprios. Neste onde, mais tarde, o P. Américo foi morar.
sentido, gostaria de sublinhar alguns que mais in- Em Outubro de 1983, o P. Mamede assumiu as
fluência tiveram na nossa pastoral de conjunto. Paróquias de Vargem Grande, Nina Rodrigues e
Os Encontros de Casais com Cristo, grande Presidente Vargas, na vizinha Diocese de Coroatá36.
apoio para a pastoral familiar, que têm como ob- Mantivemos uma equipa de 3 até à morte do P. Trin-
jectivo principal levar os esposos a encontrar-se dade e, depois de quase 20 anos de eficiente traba-
consigo e com Cristo e a caminhar com Ele pela lho, entregámo-las à diocese.
vida fora. Para quantos casais não foram estes En- Começaram pelo começo: visitar o povo para
contros a âncora e a tábua de salvação! ir formando comunidades. As distâncias são enor-
Os Encontros de Jovens com Cristo: para os mes e as estradas muito ruins. Andavam a pé, de
jovens, uma parada na caminhada e um olhar e bicicleta, de carro, de moto. A moto foi a grande
um encontro mais consciente e mais pessoal com heroína que ultrapassava areia, pedras e rios. Onde
Cristo. Foram inúmeros os jovens que depois des- o povo começava a reunir-se, os padres começa-
te encontro consigo mesmos e com Cristo, o eterno vam a ir todo o mês para ir esclarecendo as pesso-
sedutor e modelo, ficaram cativados por Ele. A sua as, formar uma equipa que organizasse uma cele-
vida ganhou sentido e dedicaram uma parte do seu bração dominical. Começou a formação bíblica e
tempo à Pastoral da Juventude e ao trabalho de catequética. Começaram os cursos para dirigentes.
evangelização de jovens e adultos em suas comu- Com essa clareza de prioridades, lançou-se um tra-
nidades. balho de raiz que, pouco a pouco, foi formando
Além destes movimentos, temos os Cursos de cristãos missionários.
Preparação para o Matrimónio, os Cursilhos de Todo esse trabalho pastoral atraiu um povo
Cristandade (em algumas paróquias), a Renova- muitíssimo pobre, dominado pela prepotência po-
ção Carismática Católica, a Legião de Maria e o lítica de alguns “coronéis” que controlavam todas
Apostolado da Oração. Todos estes movimentos as formas de poder. A própria formação de comu-
estão voltados para a formação dos seus membros nidades já constituía uma valorização imensa para
e a construção da comunidade. São movimentos o povo habituado a ser só massa de manobra dos
de evangelizados para evangelizar.” poderosos. Ser tratado como gente, Filho de Deus,
P. Francisco Mayor Sequeira capaz de ser protagonista do Evangelho, era uma
promoção enorme. Junto com esse trabalho de for-
Maranhão – nos porões da humanidade mação do Povo de Deus era necessário construir as
estruturas necessárias para o culto, a catequese, os
A implantação da Sociedade no Brasil não es- encontros de líderes. Foram reformadas as Igrejas
taria completa enquanto não colocássemos um gru- de Chapadinha, Vargem Grande, Mata Roma, Pre-
po na Amazónia, diz o Relatório do Superior Geral sidente Vargas e construídas novas em Santa
para a IV Assembleia Geral, em 1980. Iniciou em Quitéria e Nina Rodrigues, além de muitas capelas
1978 e atingiu seu auge em 87, quando deixámos nas comunidades. Foi adquirido o centro
Teófilo Otóni. catequético e o centro de formação de Chapadinha,
O pioneiro foi o P. Manuel Bastos, membro foram construídos os de Nina Rodrigues, Vargem
itinerante da Direcção Geral. Fez o reconhecimen- Grande (este, enorme, para acolher os peregrinos
to do terreno e viu no Brejo uma diocese sem o da festa de S. Raimundo) e Mata Roma. Embora os
mínimo de condições para atender o povo, católico Bispos pedissem trabalho paroquial, o Maranhão
de nome. Eram 8 padres numa superfície de 23 340 era terra de missão e assim foi tratado:
Km2 e 415 000 habitantes. evangelização, organização das comunidades e dos
Começou o trabalho, junto com o P. Manuel serviços eclesiais.
Neves, que chegou em Outubro de 1978 para ser Desde o início começaram a aparecer proble-
27 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

mas graves de direitos humanos. Na política ma- dos padres da Paróquia de Chapadinha, sob pena
ranhense era bem tradicional a vingança. A polícia de suspensão. O apoio de outros Bispos e da Di-
estava ao serviço do político que ganhava as elei- recção Geral concretizou-se no recurso directo à
ções, para maltratar e até prender os que perdiam. Santa Sé que fez suspender a injustificada e injuri-
Eram injustiças flagrantes. Os padres começaram osa decisão.
a visitar e libertar os injustamente presos, qualquer Em 1986 a Santa Sé nomeou o Arcebispo de S.
que fosse o partido deles. Era coisa muito normal Luís, D. Paulo Ponte, como Administrador Apos-
em qualquer parte do mundo, mas no Maranhão tólico do Brejo. Confiando totalmente nos nossos
era uma revolução. padres, pediu-lhes para assumirem as paróquias de
Os fazendeiros de Chapadinha foram reclamar Anapurus e Mata Roma (1986) e Urbano Santos
ao sr. Bispo que muitas vezes concordou com eles (1988).
e algumas vezes foi celebrar nas capelas deles, guar- D. Valter Carrijo tomou conta da Diocese em
dado por polícia, com medo do povo. As comuni- 1989. Continuou o bom relacionamento com a
dades organizaram-se para falar com o sr. Bispo. Diocese. Mas, infelizmente, o número dos nossos
Mas ele não soube entender. A Igreja Católica Bra- padres estava a diminuir37.
sileira também foi chamada pelos fazendeiros para Uma novidade do trabalho do Maranhão foi a
fazer festas e baptismos em multidão. Foi preciso “quase geminação” da Diocese de Aveiro com a de
muita persistência dos padres e das comunidades Brejo, por meio da SMBN. Leigos e padres de
para resistir a esses ataques e manter uma proposta Aveiro têm passado bons períodos a colaborar com
pastoral de futuro. Chapadinha. Destacamos o nome do Prof. Jorge
Outro conflito que atingiu muitas comunidades Carvalhais que lá viveu dois anos e meio e vai vol-
foi a expulsão de lavradores. No Maranhão as ter- tar; e do P. Pedro Correia que, depois de três anos,
ras eram quase todas do Estado. Os chefes políti- renovou o seu compromisso por mais dois e meio.
cos assenhoreavam-se delas e deixavam as famíli-
as morarem “de favor”, com algumas exigências: Missionárias da Boa Nova
fazer uma cerca à volta da terra plantada (para o
gado do fazendeiro andar à vontade no resto da ter- Todo este trabalho pastoral teve a colaboração
ra); vender o coco babaçu (nativo) para o fazendei- de várias congregações religiosas. Vamos destacar
ro; votar no “patrão”. Trata-se de exigências ile- o testemunho e o serviço das Missionárias da Boa
gais que muitas vezes os pobres não podiam cum- Nova, que chegaram ao Brasil em 1977. A primei-
prir. Por exemplo, não podiam ficar com todo o ra equipa de três ficou em Ladainha e as duas que
prejuízo quando o gado resolvia quebrar uma cer- foram no ano seguinte formaram outra equipa na
ca. Quando o conflito estourava e a comunidade se Vila Pedrosa, bairro de Teófilo Otóni. Em 1987
unia para se defender, os padres apoiavam os seus saíram também dessa diocese e formaram uma úni-
direitos e iam tirar os presos da cadeia, sem olhar a ca comunidade em Mata Roma e Anapurus que
que partido pertenciam. depois foi desmembrada, e nova casa foi aberta no
Vale a pena citar o caso de Cantinho, na Paró- Bairro do Areal, em Chapadinha.
quia de Vargem Grande, onde era pároco o P. Trin- As missionárias não substituem o padre, elas
dade. Num dia em que os líderes de comunidade são de facto as mães da comunidade. Escutam o
estavam reunidos num curso de formação, uma povo com o carinho que só uma mulher tem. Intuem
comunidade foi totalmente destruída, a mando ile- facilmente as suas necessidades, congregam crian-
gal do Juiz que cumpria ordens do Prefeito. A soli- ças, jovens e adultos. Animam os líderes sem os
dariedade da Igreja foi total. Mas este é um caso substituir. Formam-nos para desempenharem bem
entre muitos. o seu serviço.
D. Afonso, Bispo do Brejo, nunca entendeu o Além dessa presença que, por si só, cria Igreja,
trabalho dos padres e muito menos o compromisso elas têm feito, com rara competência, serviços im-
social da Igreja. Apesar de ter só 8 padres para toda portantes: jardim infantil, educação das mulheres
a Diocese, em Outubro de 1983 impôs a retirada em clubes de mães, grupos de jovens, formação de
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 28

catequistas e animadores de comunidade, apoio à edade. O Arcebispo tinha como grande preocupa-
criação de associações, movimentos populares, sin- ção pastoral o Kuanza Sul. Para liderar este projec-
dicatos, pastoral da criança, pastoral da terra. to a Direcção da Sociedade vai buscar a Moçam-
Gostaria de destacar estas duas últimas. A Pas- bique o P. Manuel Fernandes que pouco tempo an-
toral da Criança está em quase todos os municípios tes para aí havia sido reenviado. O P. Francisco
do Brasil. O seu objectivo inicial era estancar a Fernando Martins das Eiras passou quase três me-
mortalidade infantil, através de acções concretas e ses com o Revmo Cónego Moura, antigo aluno do
simples: soro caseiro para curar a diarreia, vaci- Seminário de Cernache do Bonjardim, e agora de
nas, alimentação mais sadia e barata, educação das saúde muito abalada. O P. Fernando é aí iniciado
mães. De facto, ela tem sido uma grande formado- nas lides missionárias e recebe do Cónego Moura
ra de mulheres líderes. Em cada rua duas mães cui- a Missão do Dúmbi39 no mês de Março desse ano.
dam das crianças mais pobres, reúnem com ges- Entretanto vindo de Moçambique, o P. Manuel
tantes, controlam mensalmente cada criança, ensi- Fernandes chega a Luanda, onde se encontra com
nam a cuidar das doentes. o Cónego Moura, seu antigo condiscípulo em
A Pastoral da Terra anima os lavradores, reúne- Cernache. Recebidas as primeiras instruções do
os, ajuda a pensar os seus problemas e a organizar- Arcebispo de Luanda sobre a condução da Missão
se para os resolver. A grande Romaria da Terra do do Dúmbi, aí chega a 25 de Março. Esta equipa só
Estado do Maranhão, neste ano de 1995, realizou- fica completa a 13 de Outubro com a chegada do P.
se em Anapurus. Certamente por causa dos muitos Augusto Farias, recém-ordenado em Portugal. Era
conflitos de terra que existem na diocese do Brejo uma equipa bastante diversificada em idades e men-
mas também porque tinham o apoio das talidades, mas que sempre funcionou bem e lançou
Missionárias que, junto com os lavradores, tudo as restantes equipas do Kuanza Sul.
prepararam. Estas foram as duas primeiras equipas da Soci-
edade Missionária em Angola, com três membros
3.2. Angola – Testemunho na guerra no Dúmbi e dois em Viana.
Nessa altura a Direcção da Sociedade apostou
A Direcção Geral escolheu dois homens já ma- seriamente nos jovens. Por isso, no ano seguinte,
duros para serem o alicerce da Missão de Angola: em Outubro de 1972, chegaram ao Kuanza Sul mais
os Padres Albano Mendes Pedro e Manuel Fer- dois jovens: os Padres Laurindo Neto e Aníbal
nandes. O primeiro, além de missionário em Fernandes Martins Morgado, ambos acabados de
Moçambique durante alguns anos, tinha sido con- ordenar em Portugal. Com este reforço reorgani-
sultor eclesiástico do então Ministério do Ultramar. zam-se as equipas. O Arcebispo de Luanda confia
Esse cargo dera-lhe uma grande visão da acção aos cuidados pastorais a vizinha Paróquia de Vila
evangelizadora nas colónias portuguesas e mesmo Nova do Seles.40 É-lhes dada posse em Novembro.
noutros países africanos. O segundo, além de mis- A equipa fica completa em Março de 1973 com a
sionário em vários lugares de Moçambique, havia vinda de outro padre jovem, o P. Armindo Alberto
sido Superior Geral e até o grande entusiasta pela Henriques que, além da pastoral, dedica parte do
vinda para Angola durante o seu mandato como seu tempo ao ensino na Escola Comercial e no
Superior da Sociedade. Colégio das Irmãs do Amor de Deus.
O P. Albano chegou a Luanda a 21 de Setembro Esta era uma experiência nova para a Socieda-
de 1970. Pediram-lhe o serviço de secretário da de. Dominavam os jovens. Os dois primeiros anos
conferência episcopal e D. Manuel entregou-lhe, foram para ver, até porque não tiveram qualquer
pouco tempo depois, a Paróquia de Viana, a gran- iniciação missionária. Nesses dois anos visitaram
de zona industrial de Luanda.38 Também em Agos- todas as aldeias das duas Missões. Desse encontro
to de 71 chegou a Viana o P. António Tavares com a realidade começam a emergir algumas prio-
Martins. Além de vigário cooperador foi também ridades pastorais. Destaca-se a formação de
professor no seminário maior de Luanda. catequistas locais e gerais para os quais se organi-
Este não era, porém, o campo destinado à Soci- zam encontros e cursos, quer a nível local quer a
29 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

nível da Vigararia do Kuanza Sul. Dá-se priorida- pos encontram-se periodicamente e põem em co-
de à evangelização sobre a sacramentalização de- mum as inquietações pastorais que os animam. Em
vido à fraca formação dos cristãos. Presta-se muita Março de 1975 realiza-se a Assembleia Regional
atenção à promoção humana, quer na área do ensi- no Dúmbi com a presença dum Assistente Geral, o
no, quer da saúde, quer da formação feminina. Na P. Manuel Bastos, que nos coloca perante toda a
Missão do Dúmbi, em quatro anos, quintuplicou- dinâmica da Assembleia Geral realizada em Portu-
se a população escolar e os seus agentes, nos quais gal no Verão anterior. Estiveram presentes todos
se investiu muito na sua formação a todos os ní- os membros da Sociedade em Angola. Decide-se
veis. Na formação feminina ajudaram muito no que o P. Farias vá estudar e que após o seu regresso
Dúmbi as Irmãs Reparadoras do Sagrado Coração haja sempre um membro do grupo em reciclagem,
que já aí encontrámos, e no Seles as Irmãs do Amor de modo a manter o grupo continuamente em ati-
de Deus que, para além do Colégio, se começaram tude de renovação teológica e pastoral. Por isso,
a dedicar à pastoral directa. em Julho desse ano o P. Farias vai para férias e
A outra opção pastoral, de certo modo inova- frequenta o Instituto de Pastoral em Madrid.
dora em toda a nossa acção em Angola, foi a
dinamização das comunidades a partir da estrutura Tempo da provação
tradicional do “ondjango”. Neste capítulo foi de-
terminante e providencial a chegada à Arquidiocese Os primeiros anos de Missão em Angola foram
do novo Bispo Auxiliar de Luanda, D. Zacarias tempos de juventude, de sonho, de projectos. Ha-
Kamuenho, sagrado em Novembro de 1974. A sua via muitas ambições pastorais em todos os domí-
primeira visita pastoral como Bispo foi à Missão nios da nossa acção. Foi com alegria que os mem-
do Dúmbi, quinze dias após a sua sagração. Além bros da Sociedade se associaram às esperanças do
de orientações muito concretas nessa matéria, esti- povo angolano nos tempos que precederam a inde-
mulou-nos a lançarmos os pequenos conselhos das pendência.
aldeias como órgãos dinamizadores e corespon- Com o início dos conflitos armados entre os três
sáveis pela vida cristã. Era uma experiência movimentos de libertação começa o tempo da pro-
incipiente mas que, a partir daí, começou a dar os vação. Logo em Julho de l975 há buscas à Missão
primeiros passos. do Dúmbi e são torturados alguns leigos que aí re-
É nessa altura que se dá a Revolução do 25 de sidem. Pouco tempo depois é cortada a ligação com
Abril em Portugal. Num primeiro momento isso o Seles e os dois grupos ficam sem comunicação
nada afectou a nossa dinâmica pastoral. A entrada durante seis meses. Foi durante estes conflitos que
dos movimentos de libertação trouxe alguma agi- se deu o grande êxodo dos europeus dessa zona. O
tação. Houve gente atrelada à Igreja que começou P. Armindo Henriques, que estava a ter problemas
a distanciar-se. É um tempo de purificação. Há tam- no Seles com um dos movimentos, enquadrou-se
bém quem tome já as suas opções políticas e co- numa dessas colunas e foi para o Lobito. Daí saiu
mece a questionar o seu passado e até a posição da para Luanda numa traineira para apanhar a ponte
Igreja. Foi nesse contexto de polémica que o P. aérea para Portugal. As comunidades do Dúmbi e
António Tavares Martins achou oportuno deixar Seles ficam reduzidas a dois membros cada uma.
Angola. Essa ausência é preenchida nos últimos Também do Dúmbi as Irmãs foram levadas para o
dias de Dezembro com a chegada do P. Adelino Huambo e daí saíram para Portugal. Apesar de to-
Fernandes Simões, que fica em Viana como vigá- dos os riscos, os Padres Fernandes e Aníbal deci-
rio cooperador. dem ficar quando todos os europeus haviam saído
Esta foi a fase de lançamento da Sociedade em e mesmo as pessoas das aldeias se refugiaram nas
Angola. Quer em Viana quer no Kuanza Sul as co- montanhas e nas lavras. Esta atitude de risco e de
munidades começam a crescer e a assumir as suas coragem foi muito apreciada pelos cristãos que não
responsabilidades. Todo o trabalho de formação, a sabiam qual o paradeiro dos seus missionários.
constituição de conselhos paroquiais e de aldeia vão Quando se inteiraram da sua opção vieram de al-
ser testados nos tempos que se avizinham. Os gru- gumas comunidades com o seus géneros para que
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 30

nada lhes faltasse. Este gesto foi a confirmação de terior lhes tinha oferecido e que o P. Fernandes lhes
quatro anos de vida e por isso de grande credibi- mostrou. Foi um incidente que marcou para sem-
lidade evangélica. Agora eram mesmo os “nossos pre as suas vidas. Apesar de todos estes riscos, op-
missionários”. taram por ficar. Ainda mais aumentou a considera-
A 10 de Agosto é criada a Diocese de Novo ção do povo pelos seus missionários que estavam
Redondo, desmembrada da Arquidiocese de Luan- aí para dar a vida por ele. Passado este incidente,
da. No dia 31 desse mês, D. Zacarias Kamuenho, de Março a Setembro de 1976, fizeram um traba-
Bispo eleito da nova Diocese, toma posse na Igreja lho normal. Chegaram a visitar toda a área da Mis-
de Nossa Senhora da Conceição, elevada agora à são. Em Setembro, porém, começaram a sentir a
categoria de catedral. Os companheiros do Dúmbi guerrilha na área de Cassongue e lentamente a apro-
sabem do acontecimento pela rádio nacional e ximar-se da Missão. Em Dezembro chegou a visita
acompanham a tomada de posse através do Rádio do P. Castro, Superior Geral. Com ele e com o Se-
Club do Kuanza Sul. O próprio Bispo não sabe se nhor Bispo, foi decidido sair da Missão e residir no
estão vivos ou mortos. O mesmo acontece com a Seles, o que veio a acontecer em Janeiro de 1977.
Direcção Geral do Instituto. Foram meses de mui- Nunca mais se pôde ir à Missão. Ainda se conse-
ta tensão e sofrimento para eles e para toda a So- guiu ir ao Capolo e aí fazer o último conselho pa-
ciedade. roquial. Foi um momento doloroso quando tive-
Só em Janeiro de 1976 é possível o primeiro ram que deixar o povo que amavam e os sonhos
contacto entre as duas equipas do Kuanza Sul. O P. que acalentaram. Mesmo a partir do Seles o P.
Fernando e algumas Irmãs do Amor de Deus do Aníbal sempre fazia umas incursões missionárias
Seles e a Ir. Irene, da Congregação Jesus Maria e a uma grande parte da Missão. Agora passa a Su-
José, do Sumbe vão ao Dúmbi para estarem uns perior da Missão no exílio porque o P. Fernandes
dias com os Padres Fernandes e Aníbal e para lhes vem de férias a Portugal. Nessa altura o Bispo
fazerem companhia depois de seis meses de blo- diocesano pede ao P. Fernandes que lhe vá fazer
queio total. Com o avanço dos cubanos contra a companhia e assuma o cargo de Secretário Geral
UNITA, que controlava toda essa zona, os visitan- da Diocese, onde era preciso organizar tudo.
tes ficaram também eles isolados e sem possibili- Durante esse ano há várias mudanças de pesso-
dade de regresso ao Seles. Aí fazem a vida possí- al. Depois de várias tentativas, os Padres António
vel. Foi, porém, a partir dessas circunstâncias difí- Valente Pereira e José da Silva Mendes conseguem
ceis que se criaram grandes laços de amizade entre visto de entrada em Angola. Foi concedido a 13 de
estes grupos missionários. Maio desse ano de 1977. Foram os primeiros vis-
Há, porém, um acontecimento que deve cons- tos a serem concedidos a missionários estrangeiros
tar para a história da nossa presença em Angola. depois da independência, graças à intervenção e
Quando, no dia 4 de Fevereiro de 1976, os cubanos influência do Bispo diocesano. Pouco tempo de-
passaram pela Missão, uma parte da residência foi pois seguem para a Missão da Hanha, na diocese
atingida por um obus. Prestados todos os esclare- de Benguela, para um tempo de iniciação
cimentos e ultrapassados todos os equívocos, essa missionária e aprendizagem da língua Umbundo.
força militar avançou. Antes de partir, porém, como Nessa altura o P. Fernando Eiras deixa Angola e
já se tinha esgotado ao P. Fernandes todo o tabaco, regressa a Portugal. Fica o P. Laurindo Neto à fren-
o comandante ofereceu-lhe um pacote. A situação te da Paróquia na companhia do P. Aníbal.
mais dramática aconteceu com a chegada de nova Também em Luanda há alterações. Em Viana
brigada que apanhou os padres e alguns leigos quan- fica o P. Adelino como Pároco e ao P. Albano é
do se dirigiam pela avenida da Missão para enter- confiada a Paróquia de Santa Ana,41 acumulando
rar o militar que havia sido morto. Interceptados também o cargo de Vigário Geral da Arquidiocese.
pelos cubanos foram obrigados a deitarem-se no No regresso do curso de iniciação pastoral o P.
chão. Quando tudo se preparava para serem fuzila- Valente Pereira começa a fazer parte da equipa do
dos, aí mesmo foram salvos milagrosamente gra- Seles. O P. Mendes, após pouco tempo no Seles,
ças a um maço de tabaco cubano que a brigada an- vem para Luanda, onde faz equipa com P. Albano.
31 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

Em Novembro regressa o P. Farias a quem é confi- foram também atingidos, mas vieram a recuperar.
ada a estruturação e lançamento do Secretariado Só saiu ilesa uma senhora que viajava precisamen-
diocesano de pastoral. Fica no Sumbe, onde faz te ao lado do P. Lima. Esse comando esperava o
equipa com o P. Fernandes e com o Bispo dioce- Padre, como eles mesmos comentaram quando o
sano. Devido ao abandono da Paróquia de Porto carro passou pelo lugar onde eles estavam. Todas
Amboim,42 ia para dois anos, o Sr. Bispo confia- as semanas, naquele dia e naquela hora, a equipa
lhe também esta Paróquia em Janeiro de 1978, que de evangelização passava por aquele local. Ainda
assiste a partir do Sumbe. houve hesitação porque não conheciam aquele pa-
Este ano o grupo de Angola é reforçado com mais dre que por ali passava pelas primeiras vezes.
dois membros, os Padres Cândido Coelho da Silva Exceptuando o P. Mendes que ficara em Luan-
Ribas e Delfim Pires, este associado da Diocese da da e o P. Lima em Viana, todos os outros membros
Guarda. É a primeira vez na história da Sociedade da Sociedade em Angola estavam em retiro no Se-
que um padre associado é integrado numa das suas les. Só na manhã do dia 4 de Fevereiro foi aqui
equipas. São destinados à paróquia do Wako Kungo43 recebida a brutal notícia.
e tomam posse em Agosto deste ano. Foi uma emboscada premeditada e preparada
Estamos em pleno marxismo. Há uma forte para apanhar o Padre. Na euforia marxista, a voz
pressão ideológica. As comunidades são muito pro- profética do Padre era incómoda. Só que erraram
vadas e alguns cristãos são perseguidos por causa no alvo. E acabou por ser o recémchegado a vítima
da sua fé. Há, porém, relativo espaço de manobra e das balas assassinas.
possibilidade de acção pastoral, exceptuando o Este acontecimento abalou profundamente o gru-
Dúmbi, que está praticamente ocupado pela UNITA. po. Juntámo-nos todos em Viana para o funeral do P.
O P. Aníbal já só consegue ir a algumas aldeias de Lima e seus companheiros. Ao reflectirmos juntos,
Amboíva e, por vezes, com grande risco. sentimos que essa provação era um estímulo para nos
De 1978 a 1982 há um certo relançamento pas- darmos ainda mais e melhor. A sua falta teria que ser
toral. À pressão ideológica corresponde uma certa preenchida por mais doação do grupo. A presença
resistência e até militância cristã. É o tempo em amiga de vários bispos angolanos e de quase todo o
que se formam bons grupos de jovens que se com- clero e religiosas de Luanda foi o sinal visível da co-
prometem na acção pastoral. munhão eclesial e da amizade pela Sociedade. Atra-
Nos fins de 1981 chega a Angola um novo re- vés deste trágico acontecimento sentimo-nos ainda
forço. É o P. Manuel Armindo de Lima e o Irmão mais vinculados a esta terra de adopção.
João Lopes Balau, ambos colocados na Paróquia O caminho do calvário estava ainda no princí-
de Viana, onde fazem equipa com o P. Adelino. Na pio. A 27 de Abril desse ano, nova emboscada no
segunda quinzena de Dezembro visitam as nossas caminho do Lobito apanha o P. Laurindo Neto e a
Paróquias/Missões do Kuanza Sul. Assim tomam Ir. Celeste, do Amor de Deus, quando se desloca-
contacto com a Missão de Angola. É exactamente vam àquela cidade em busca de meios de sobrevi-
neste período que se dão as primeiras emboscadas vência para o povo do Seles. A Irmã foi morta e o
a caminho do Wako Kungo e se intensifica a guer- P. Neto levado para a mata pela UNITA com al-
rilha em todo o Kuanza Sul. guns ferimentos. Foram tempos de angústia por-
que não se sabia o seu paradeiro, nem se estava
A experiência do martírio vivo ou morto. Só passados vários meses nos che-
garam as primeiras informações de que estava a
Aproxima-se entretanto o momento da prova caminho da Jamba. Foi um longo cativeiro de 5
para o grupo da Sociedade. No dia 3 de Fevereiro meses após uma marcha de cerca de 1 500 km a pé.
de 1982, quando o P. Manuel Armindo de Lima se Durante essa marcha várias vezes esteve em peri-
dirigia para uma das comunidades da Paróquia de go de vida quer pelas doenças de que foi vítima
Viana, foi emboscado e morto juntamente com uma quer pelos bombardeamentos do governo para per-
noviça Mercedária da Caridade, um jovem e uma seguir a UNITA. Só em Setembro de 1982 chegou
senhora casada grávida. Outra noviça e um jovem a Portugal no limite das suas forças.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 32

Após o rapto do P. Neto, fica no Seles apenas o qual as circunstâncias nos impeliram, mas que terá sido
P. Aníbal, porque o P. Valente Pereira havia sido providencial em ordem ao futuro que se avizinhava.
transferido para o Wako Kungo quando o Cândido Nessa fase deu um grande contributo à
Ribas abandonou o ministério sacerdotal. Ficam dinamização pastoral das zonas do litoral a chega-
nesta Paróquia o P. Delfim como pároco, e o P. da dos refugiados da guerra. Esta gente, com mai-
Valente Pereira como vigário cooperador. or tradição cristã, veio dar novo impulso às paró-
Entretanto, é nomeado para Angola o Ir. Artur quias ribeirinhas, de cristianismo mais morno e
Augusto Paredes. Até à sua chegada ao Seles a 13 pouco comprometido.
de Junho de 1982, o P. Manuel Fernandes volta de
novo ao Seles para fazer companhia ao P. Aníbal. Nova etapa pastoral
Devido ao seu precário estado de saúde, deixou o
Seles em Dezembro desse ano e foi para Portugal Após os primeiros entusiasmos revolucionári-
para tratamento. Após os acontecimentos de Abril os, o marxismo começa a ceder e até a cair no des-
desse ano o caminho do Seles, pelo morro do crédito. A guerra com a UNITA intensifica-se e o
Dinguir, é fechado por causa da guerrilha, que co- partido não quer criar outras frentes de combate.
meça a cercar o Seles. A única via de acesso é pela Daí as imensas possibilidades que surgem para a
Conda e só em coluna militar. Igreja, embora parte da diocese de Novo Redondo
tenha ficado bloqueada.
Nova estratégia pastoral Com a chegada dos Padres Dominicanos a An-
gola, o Senhor Bispo pede-nos para lhes entregar-
O espaço de movimentação é cada vez mais re- mos a Paróquia do Wako Kungo, onde reside des-
duzido. Em muitos lugares só é possível o contac- de há muitos anos uma comunidade de Irmãs
to epistolar. Nota-se, porém, uma grande adesão à Dominicanas do Rosário. Foi uma saída dolorosa
Igreja. Começa o desencanto do paraíso marxista. para os Padres Valente Pereira e Delfim porque ti-
As igrejas enchem-se. Domina a camada jovem, nham começado um trabalho muito sério e profun-
até agora dominada pela estrutura da JMPLA. Sur- do e que estava apenas no seu início. Felizmente
gem os grupos de jovens organizados que se em- os Padres Dominicanos assumiram essa linha pas-
penham na vida pastoral, até agora muito entregue toral com muito entusiasmo e saber e deram um
aos adultos, os mais velhos. É uma mudança subs- grande incremento pastoral àquelas comunidades
tancial na vida desta Igreja. desejosas de crescer na fé. A equipa do Wako vem
A par desta pastoral, e como resultado dela, surge tomar conta da Paróquia da Gabela,44 no Amboim,
a pastoral vocacional. Esta foi uma das apostas em onde foi empossada pelo Bispo diocesano a 26 de
todas as nossas missões. Os Padres e Irmãs que estão Dezembro de 1982. Aí começa um grande trabalho
a ser agora ordenados e a fazer profissão religiosa são pastoral. O P. Delfim entra na escola como profes-
o fruto desse movimento vocacional. Quase todas as sor e aí tem grande influência entre a juventude.
Paróquias/Missões entregues aos cuidados da Socie- Dá grande incremento à pastoral juvenil e à pasto-
dade Missionária tinham uma equipa de animação ral vocacional.
vocacional e um dia por semana para reflexão, ora- O grupo de Angola é reforçado a partir de Agos-
ção e acompanhamento dos vocacionados. to de 1983 com a vinda do P. Viriato Augusto de
Como era difícil e arriscada a saída para as aldei- Matos e do Dr. Francisco Camello, leigo associa-
as, optou-se por um movimento inverso. Vinham os do. Em Angola já havia a experiência com clero
catequistas e outros agentes de pastoral às sedes das secular associado, na pessoa do P. Delfim. Agora é
Missões para receberem a formação. Organizaram- a vez do primeiro leigo associado. Foi uma experi-
se cursos para animadores do culto dominical na au- ência muito válida em ambos os casos. É pena que
sência do sacerdote, cursos para ministros extraordi- não tenha sido continuada.
nários da comunhão, lançamento do catecumenado, Com este reforço remodelam-se as equipas.
preparação de jovens para a catequese diversificada Assim, o P. Viriato fica em Santa Ana e o P. Albano
nas suas aldeias... Foi um novo tipo de pastoral para a regressa a Viana para fazer equipa com o P. Adelino.
33 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

Daí havia saído pouco tempo antes o Ir. Balau que Nova experiência pascal
fora viver com o P. Farias em Porto Amboim. De-
pois da ida do P. Fernandes para Portugal , o P. Fa- É nesta fase que a UNITA começa a fazer o cer-
rias, embora continue como director do Secretaria- co às grandes cidades. A zona mais afectada é o
do Diocesano de Pastoral, fixa-se mais em Porto Seles. As entradas estão praticamente bloqueadas.
Amboim. O Dr. Francisco é integrado na equipa da Já não se consegue sair para fora da vila. Devido a
Gabela onde trabalha no Hospital local. essa situação decide-se que o P. Aníbal vá de férias
No final do ano chegam a Angola os Padres em Junho de 1984 e faça um tempo de reciclagem
António Ramos Martins, vindo do Zimbábwe, com em Madrid. Igualmente vai de férias o Ir Artur. Fica
destino a Porto Amboim, e o P. Agostinho Alberto apenas o P. Mendes com as Irmãs do Amor de Deus.
Rodrigues para fazer equipa em Santa Ana, Luan- De acordo com o Senhor Bispo, a Direcção Regio-
da. Como o grupo do Seles era o mais isolado e nal decide deixar periodicamente o Seles porque
desfalcado, para aí segue o P. Mendes em Novem- havia grande perigo de ataque e de rapto. Por isso,
bro desse ano. pouco tempo após a saída do P. Aníbal, também o
A partir desta remodelação, as equipas ficam P. Mendes deixa o Seles juntamente com as Irmãs
assim constituídas: do Amor de Deus e vêm para a Gabela. P. Mendes
Viana: Padres Adelino e Albano passa também a viver na Gabela donde assiste o
Santa Ana: Padres Viriato e Agostinho Seles, particularmente a Conda. Com o abrandar
Rodrigues da tensão militar vai de novo ao Seles com duas
Porto Amboim: Padres Farias, Ramos e Irmãs do Amor de Deus para fazer uma série de
Martins e Ir. Balau casamentos que havia preparado. Foi no decorrer
Seles: Padres Aníbal, José Mendes dessa visita, a 9 de Agosto de 1984, que a UNITA
e Ir. Artur atacou a vila do Seles e ele foi raptado com a Ir.
Gabela: Padres Delfim e Valente Gabriela e Ir. Carmen e algumas aspirantes, além
Pereira e Dr. Francisco de muito povo. É mais uma nova provação para
Pela primeira vez o grupo de Angola passa a estes dois grupos missionários. Após uma viagem
ser constitucionalmente Região Missionária. de meses a pé pela mata, percorrem a última etapa
O grupo de Luanda tem grande influência no em camiões até chegarem à Jamba, Quartel Gene-
conjunto da arquidiocese: P. Albano é Vigário Ge- ral da UNITA.
ral, P. Adelino investe grande parte das suas ener- Depois de meses de recuperação, a UNITA de-
gias na produção catequética. Os seus catecismos cide repatriá-los. Os três missionários, com a Ir.
têm muita divulgação a nível nacional e ele come- Maria, missionária alemã da Congregação do SS.
ça a fazer parte do Secretariado diocesano e nacio- Salvador, também raptada e colega de cativeiro,
nal de catequese. O P. Viriato, além de professor na vendo as imensas necessidades de trabalho pasto-
Academia Musical de Luanda, é também profes- ral nessa zona controlada pela UNITA, decidem
sor no Seminário Maior e responsável diocesano fazer uma exposição comum ao Presidente do
da juventude, cargo antes exercido pelo P. Men- Movimento, pedindo a sua permanência nessa área
des. Igualmente o P. Agostinho assume aulas no e a autorização para exercerem o seu múnus pasto-
Seminário Maior e no ICRA, além de membro do ral. Esse pedido é aceite a 22.10.1984 por carta do
Secretariado de Pastoral de Luanda. Dr. Jonas Savimbi:
Também no Sumbe, o P. Farias continua à fren- “Meus Irmãos em Cristo. Com júbilo respondo
te do Secretariado diocesano de pastoral e membro à vossa carta feita em forma de memorandum. Os
do Secretariado nacional de pastoral, além de res- caminhos do Senhor não são descortinados pelo
ponsável pela escola diocesana de catequistas. O Homem.
P. Delfim é o responsável pelo Ecumenismo na A comunidade cristã das zonas libertadas da
diocese; P. Valente Pereira, responsável pela Co- UNITA acolheria como uma bênção do céu a vos-
missão de Liturgia; e o P. Aníbal, pela Comissão sa vocação de quererem ficar connosco.
do apostolado dos leigos. O Partido só pode prometer ajuda em tudo den-
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 34

tro das limitadas possibilidades materiais. A nossa missionária na Jamba muitas coisas aconteceram
vontade de melhor servir, esta não conhece limites. na vida do grupo que vivia nas áreas controladas
Abraços fraternos do irmão Savimbi”. pelo governo.

Esta foi mais uma das experiências únicas na Nova experiência do martírio
história da Sociedade. Com os outros padres aí pri-
sioneiros elaboram um grande plano pastoral (cf. Após o regresso de férias, o P. Aníbal e o Ir.
Boa Nova, n.º 726, de Março de 1987, págs. 30 e Artur, ambos a residir na Gabela, continuam a as-
31). Fundam a Paróquia de Santa Maria Mãe de sistir a Paróquia do Seles. Devido ao grande risco
Deus. Acompanham este povo abandonado religi- de ir à sede da Paróquia, assistem particularmente
osamente, ou melhor, apenas com possibilidade de a Conda, onde iam com certa regularidade, depois
realizar o culto protestante, já que aos católicos não de obtida a informação favorável dos catequistas.
havia sido dada possibilidade de expressão religio- Porque havia relativa segurança decidem ambos ir
sa. A comunidade missionária realiza uma tarefa aí celebrar a festa da Epifania do Senhor, em Janei-
muito importante que é acompanhada com grande ro de 1984.
interesse pela Conferência Episcopal de Angola e Foi no decorrer dessa visita, quando nada o
pela Santa Sé. O Delegado Apostólico em Luanda fazia prever, que a UNITA ataca a Conda na noite
pede ao Superior Regional para que peça à Direc- de 6 de Janeiro. O P. Aníbal refugiou-se no vão da
ção Geral do Instituto para não dar outro cargo ao escada. O Ir. Artur fugiu para se esconder com o
Padre Mendes, já que a sua presença era insubsti- povo. Foi nessa fuga que, interceptado pela UNITA,
tuível nestas circunstâncias. foi barbaramente assassinado. Encontrado o cor-
As próprias autoridades da UNITA reconhecem po, o P. Aníbal foi obrigado a fazer o seu funeral
o valor desta presença eclesial, como se pode ver acompanhado por um pequeno grupo de cristãos
na carta do Presidente Savimbi na despedida para que se juntaram e deram roupa para vestir o Ir. Artur.
férias da equipa missionária (cf. Boa Nova, Março Morreu como viveu: sempre pobre. Está sepultado
de 1987, pág. 33). no Cemitério da Conda, onde os cristãos ergueram
Esse testemunho de presença e de doação tor- um pequeno monumento.
nou-se ainda mais credível quando, passados vári- Foi um momento doloroso para todos, mas par-
os meses de férias, regressam de novo à Jamba, ticularmente para o P. Aníbal que, para além das
assumindo todos os riscos de bombardeamentos situações difíceis por que passou, perdeu já três
projectados pelo tropas governamentais. Ninguém companheiros: o P. Laurindo Neto e P. José Men-
acreditava que eles regressassem. O amor ao povo des que foram raptados, e agora o Irmão Artur, que
que aí encontraram estava acima de tudo e por isso é morto.
voltam de novo. Uma vez na Jamba, a Direcção do A actividade no Kuanza Sul começa a ficar cada
Movimento permite que o P. Mendes siga para uma vez mais reduzida. O Seles e Conda ficam pratica-
posição mais avançada onde vai reestruturar as co- mente fechados. Também na Gabela, sobretudo no
munidades que até esse momento não tinham qual- Município da Kilenda, é perigosa qualquer visita.
quer tipo de assistência religiosa. O mesmo acontece em Porto Amboim, sobretudo
O rapto do P.Mendes e seus companheiros foi nas zonas limítrofes com a Gabela.
um momento doloroso para o grupo de Angola.
Tornou-se, graças ao seu dinamismo e espírito de Empenho pela Missão
doação, uma das experiências mais ricas do grupo
de Angola ao longo destes 25 anos de presença Sem aventureirismos inúteis, a maioria dos mis-
missionária. Esta acção terminou nos primeiros sionários da Sociedade jogou a vida por este povo.
meses de 1990 quando o P. Mendes foi chamado Para além das situações de martírio e de cativeiro
pela Direcção Geral para os serviços de formação já descritas, muitas outras houve de grande risco
em Portugal. de vida. Não constam de relatórios nem nunca nin-
Durante estes seis anos de actividade guém as conhecerá. Nem isso interessa. O impor-
35 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

tante é o que significam de doação e de entrega, e sempre em nós depositaram. Tudo isso é motivo
também de identificação com o povo que servimos. de acção de graças e de estímulo para novo empe-
Esse foi o grande testemunho e, até certo ponto, o nhamento apostólico.
sinal de credibilidade da nossa acção. O povo cris- Se a Sociedade Missionária da Boa Nova já se
tão notou isso. tornou angolana por ter aceite nas suas fileiras al-
Houve muita mobilidade de pessoas e de luga- guns dos filhos desta terra, ela já o era antes pelo
res de evangelização. No Kuanza Sul passámos por “pacto de sangue” contraído pelo sangue dos seus
todas as Paróquias/Missões a poente do Rio Queve, mártires. Isso mesmo o declarou D. Zacarias
além das Paróquias do Wako Kungo, Ebo e Gabela, Kamuenho, no Cemitério de Viana, na tarde de 5
da parte nascente. Apesar da orientação pastoral e de Fevereiro de 1982, diante do corpo do P. Lima e
do novo dinamismo pastoral dado pelas equipas que seus companheiros, quando estavam para ser en-
nos sucederam, sempre que algum dos nossos pa- terrados.
dres passa por essas missões é recebido e acolhido P. Augusto Farias
como o “nosso missionário”.
Também a hierarquia, o clero e as religiosas nos Lar Boa Nova em Viana
têm mostrado o seu apreço pelo trabalho que reali-
zámos, apesar dos muitos limites e erros da nossa O relato anterior fala dos primeiros 25 anos da
acção. É significativo que D. Zacarias tenha pedi- SMBN em Angola. Merecem uma palavra duas ini-
do ao Santo Padre em 1982, no cinquentenário da ciativas mais recentes: a formação de missionários
Sociedade Missionária, a comenda Pro Ecclesia et e a paróquia da Senhora da Boa Nova onde ela fica
Pontifice para o P. Manuel Fernandes. E, como fri- situada.
sou na entrega da medalha pontifícia durante a ce- A Assembleia Regional realizada em Porto
lebração do cinquentenário, em que distinguiu to- Amboim a 13.10.1987, decidiu fazer avançar a acei-
dos os padres da Sociedade a trabalhar na diocese tação de vocações de jovens angolanos para a So-
com uma estola que mandou fazer para o aconteci- ciedade Missionária da Boa Nova. Vários jovens,
mento, é o reconhecimento da Igreja, na pessoa do nas missões onde trabalhávamos, de modo parti-
P. Fernandes, pela dedicação de todos os membros cular na Diocese do Sumbe, mostravam desejo de
da Sociedade. ser missionários da Boa Nova. A 22.11.1987 foi
Também o P. Aníbal foi distinguido com igual dig- admitido o primeiro aspirante, Eduardo Daniel, da
nidade em Outubro de 1985, por ocasião do X Ani- paróquia de Wako Kungo. Entrou no 1.º ano de
versário da Diocese, pelas grandes situações de risco Teologia, no Seminário Maior de Luanda. No ano
a que várias vezes expôs a sua vida. O P. Aníbal este- seguinte veio o Kaquinda Dias, da paróquia do
ve três vezes debaixo de fogo na contingência de ser Seles. Ambos ficaram a residir na Paróquia de Santa
morto. E sempre assumiu esta situação como algo de Ana. Para instalação mais permanente comprámos
normal na vida dum missionário. a quinta “Katequero”, pertencente a Carlos Teixeira,
Em Luanda foi o Senhor Cardeal que pediu ao de parceria com as Irmãs Teresianas. Deram à casa
Papa igual comenda para o P. Albano por ocasião de Formação o nome de Lar Boa Nova.45 Foi ne-
das suas bodas de ouro sacerdotais. Durante a do- cessário reconstruir e construir novos espaços para
ença de D. Muaca, esteve dois anos, ainda que de atender todos os que nos procuram para a forma-
maneira intermitente, à frente da arquidiocese. ção.46
Evidentemente que nunca passou pela cabeça
de nenhum de nós trabalhar para receber honras e Paróquia da Boa Nova – Viana
dignidades humanas. Seria a negação do Reino em
que empenhamos as nossas vidas. Mas foi signifi- Foi criada a um de Outubro de 1995, em terri-
cativo que as Igrejas locais tivessem notado e dis- tório da Paróquia de Viana. O P. António Valente
tinguido essa dedicação. Por outro lado, também Pereira é responsável único, com muita colabora-
não podemos deixar de estar gratos aos Bispos com ção dos seminaristas e seus formadores e de várias
quem trabalhámos pela confiança e amizade que congregações religiosas. É um mundo de cerca de
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 36

200 000 habitantes, parte deles deslocados de to- Konkola e de Lubengele. Dias depois, a 12 de Ou-
das as províncias de Angola. tubro de 1981, chegou o P. Manuel Castro Afonso.
Para além da catequese normal têm sido muito Os seus primeiros seis meses foram para iniciação
dinamizadas e difundidas as comunidades de fé es- ao Bemba, nas três paróquias com o P. Guedes, ten-
palhadas por toda a área da Paróquia, cada qual do tomado conta de Kamenza oficialmente na Pás-
com os seus líderes. Este é o quadro onde a nível coa de 1982.47
local se vivencia a fé quer na oração e leitura da
bíblia quer mesmo na organização de base. Em 1985, em Kawama, uma aldeia a 6 km de
Há vários movimentos laicais. Vale a pena des- Chililabombwe, um soldado bêbado atirou sobre o
tacar a PROMAICA (Promoção da mulher angola- P. Norte. As marcas ficaram no carro, mas feliz-
na na Igreja católica) que tem liderado muitas cam- mente o P. Norte não foi atingido. No fim de 1985,
panhas e está presente em muitos sectores da vida voltou a Portugal, onde ficou a trabalhar na anima-
social e eclesial. Outro grupo importante tem sido ção missionária. O P. Horácio tomou conta de
a Comissão paroquial justiça e paz que tem actua- Konkola.
do muito sobretudo na cadeia de Viana que fica na Entretanto, em 1986, o P. Carlos tomou conta
área da Paróquia e é o maior centro prisional de da Paróquia de Mindolo, em Kitwe. Primeiro, vi-
Angola. veu com os Padres Irlandeses do SMA. A seguir,
Na área social há a destacar o centro de nutri- viveu em casa das minas, arrendada. A casa estava
ção a crianças deslocadas, o posto de saúde e o cen- isolada, e uma noite, juntamente com o Horácio
tro de atendimento de medicina alternativa onde que o tinha ido visitar, tiveram de lutar com os la-
diariamente são atendidas dezenas de doentes. drões. Por isso, deixou a casa e foi viver com os
A nova Igreja paroquial, ainda inacabada, já Jesuítas. Quando o P. Castro foi escolhido Superi-
funciona. Em 2004, a área do Km 9 transformou- or Geral em 1990, o P. Carlos deixou Mindolo e
se em paróquia Nossa Senhora do Rosário, atendi- veio para Chililabombwe, tomando conta de
da pelos padres deonianos. Kamenza. O Horácio continuou com Konkola, e o
Guedes com Lubengele.
3.3. Zâmbia – fora do espaço de língua portuguesa Os cinco anos do P. Carlos em Kitwe foram uma
experiência muito rica. O nosso sonho, apadrinha-
1. Foi em finais de Julho de 1980 que o P. José do pelo Bispo, continua a ser constituir uma comu-
Guedes chegou à diocese de Ndola, na Zâmbia. O nidade nessa enorme cidade mineira, coração do
Bispo Dennis de Jong pensou em mandá-lo para Copperbelt. O apostolado neste Copperbelt é urba-
Mishikishi, uma missão rural a 50 km de Ndola, no entre operários mineiros. É uma parte muito ca-
entregue aos Padres Missionários Obreros de racterística do continente africano.
Salamanca, mas depois aceitou que fosse viver com
o P. Ramón, então Superior Regional dos Missio- 2. Quem iniciou a evangelização na Província
nários do IEME, em Kitwe, na Paróquia de Kwacha do Copperbelt (a cintura do cobre) foram os leigos
- Bulangililo. – grupos de cristãos vindos para as minas, que co-
Os primeiros seis meses foram dedicados ex- meçaram a reunir-se, a organizar-se e a dar teste-
clusivamente à aprendizagem da língua local, o munho do Evangelho. Depois vieram os Francis-
Bemba. Passados seis meses, deixou Kitwe e foi canos Conventuais em 1931. A Chililabombwe
viver para Chingola, também com os Padres do começaram a vir de maneira regular na década de
IEME, na Paróquia de Chiwempala, ficando en- 50. Vinham a partir de Chingola. O sr. Camilo
carregado da Paróquia de Lulamba, que estava sem Lukalanga foi o precursor. O primeiro lugar para a
pároco. assembleia dominical foi junto do poço n.º 3 das
A 1 de Agosto de 1981 foi para Chililabombwe, minas. Os primeiros livros de baptismos, que são
tendo tomado imediatamente conta de Kamenza. de Lubengele, começam em 1956. Depois passa-
A 4 de Outubro, dia de S. Francisco de Assis, com ram a ter missa no salão das minas. Entretanto, em
a presença do Bispo, tomou conta das paróquias de Kamenza, construía-se a residência dos padres que
37 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

se tornou no primeiro lugar para a assembleia do- va de golpe de estado; os golpistas foram presos,
minical. Depois foi construído o salão paroquial, julgados e condenados à morte (embora nunca fos-
também em Kamenza, que, por muito tempo, ser- sem executados). Mais tarde, houve motins em
viu de igreja. Em Lubengele, a igreja foi construída Lusaka e no Copperbelt, devido ao aumento do
em 1967 pelo P. Mizzi, conhecido por todos pela preço da farinha. A tropa foi mandada para as ci-
alcunha de Katyetye um pequeno passarinho sem- dades e estabeleceu controlos em todas as estra-
pre a saltitar (como o pardal). Foi ele também que das. Várias pessoas foram mortas – em Chililabom-
construiu o salão de Kamenza. Mais tarde foram bwe 2. Mas Kaunda foi obrigado a cancelar o au-
construídas as igrejas de Konkola e de Kamenza. mento dos preços e o povo tornou-se consciente do
Os Franciscanos fizeram um bom trabalho, não seu poder. A partir daí, os controlos tornaram-se
só construindo todas as estruturas necessárias à permanentes. Para Chililabombwe não era possí-
pastoral, mas principalmente evangelizando e cons- vel passar com nenhuma mercadoria sem previa-
truindo a comunidade cristã. mente ter recebido autorização do quartel. Até pa-
3.1. Chililabombwe (que em lamba significa “a recia que não fazíamos parte da Zâmbia.
rã que canta”), uma das cidades mineiras da diocese A economia parece ir de mal a pior. O trata-
de Ndola, tem sido o nosso campo de trabalho. mento do FMI não parecia dar muito resultado. O
Chililabombwe está a 20 km da fronteira e a 25 km governo não sabia o que fazer e tinha medo das
de Chingola, na estrada internacional que vem de reacções violentas do povo a medidas económicas
Cape Town para o Zaire. É uma cidade que existe drásticas. Os produtos essenciais – farinha, açúcar,
por causa das minas e que vive das minas. Sem sal, óleo – eram escassos e a candonga tornou-se a
elas desaparecerá. Mas a área de Chililabombwe maneira normal de obter tais produtos, até porque
tem os maiores depósitos de cobre na Zâmbia. Por o contrabando dos mesmos produtos para o Zaire to-
isso, Chililabombwe é considerada a cidade mineira mou proporções alarmantes. Em aldeias como
do futuro. Há planos para novos desenvolvimen- Mibyashi e Lubansa houve gente que abandonou o
tos, mas falta o capital e as minas de Chililabombwe trabalho agrícola para se tornar contrabandista. Ao
são as minas com mais água no mundo, o que torna princípio os soldados eram duros e rigorosos. Chega-
a extracção do cobre bastante cara. Há planos para ram a matar várias pessoas, mas em breve também
desviar o leito do rio Kafue. eles faziam parte do sistema. Desde que recebessem
3.2. Toda a região do Copperbelt se encontra a sua parte, eles mesmos acompanhavam os contra-
em terra da tribo Lamba. Quando as minas come- bandistas, dando-lhes protecção. E tudo passava, desde
çaram, a maioria dos lambas mostraram-se reni- o saco à cabeça ou a bicicleta com 4 ou 5 sacos até ao
tentes e ainda agora se mostram em aceitarem camião com toneladas de farinha. Em Chililabombwe,
trabalho lá. Foram eles que perderam. A zona foi a maioria dos desempregados ganhava a vida no con-
invadida por gente de todos os lados à procura de trabando ou na candonga, sem necessidade de roubar
trabalho, vindos da Tanzânia, do Malawi, até de para ter dinheiro.
Moçambique e de Angola, mas principalmente do Kaunda e o seu governo tornaram-se cada vez
norte da Zâmbia da tribo Bemba e das tribos afins. mais impopulares. Em 1990, o capitão Luchembe
E Bemba tornou-se a língua do Copperbelt, ensi- tentou um golpe de estado, tomando conta da rádio
nada mesmo na escola primária. Os Lambas e da televisão e proclamando o fim da era de
sentem-se colonizados. A sua presença nas cidades Kaunda. A população veio para a rua cantar e dan-
é mínima, e até as zonas rurais estão a ser invadi- çar. Até grupos de soldados se juntaram à festa, mas
das por gente das mais variadas tribos.48 os generais tiveram medo e mantiveram-se fiéis a
Kaunda. Luchembe foi preso, mas a roda da sorte
4. Durante estes 12 anos, a Zâmbia passou por tinha começado a girar de novo e Kaunda foi ce-
várias mudanças sociais e políticas. dendo às exigências duma oposição cada vez mais
Em 1980, houve greve, com as minas paralisa- forte. Primeiro aceitou o referendo, a seguir acei-
das, tendo o governo imposto então o recolher obri- tou pura e simplesmente o multipartidarismo (sem
gatório. Houve a seguir a descoberta duma tentati- recorrer ao referendo). Quando ele queria impor
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 38

ao país uma constituição talhada à sua maneira, juntos. Há, por assim dizer, 3 conferências episco-
totalmente rejeitada pela oposição, os responsáveis pais, 2 protestantes e uma católica.
das Igrejas – da Conferência Episcopal, do Conse- Na Zâmbia sempre houve completa liberdade
lho Cristão e da Confraternidade Evangélica (das religiosa. Por isso, pode encontrar-se em qualquer
Igrejas Pentecostais) – intervieram, levando as duas parte a maior variedade de igrejas e de seitas, des-
partes ao diálogo e à preparação duma constitui- de as mais antigas até às mais recentes. As Igrejas
ção aceite por todos. Realizadas as eleições no fim Protestantes juntam-se no Conselho Cristão. As
de Outubro de 1991, Kaunda e o seu partido sofre- Igrejas e seitas pentecostais juntam-se na Confra-
ram uma derrota quase total, tendo sido eleitos ternidade Evangélica. E há grupos que não se jun-
Chiluba e o seu partido MMD. tam a ninguém, como as Testemunhas de Jeová.
Com muita ordem e muito civismo, passou-se Com os membros do Conselho Cristão é relativa-
do partido único ao multipartidarismo e agora está mente fácil cooperar, mas muitas das seitas são
a passar-se duma economia planificada e socialista anticatólicas e é impossível qualquer cooperação.
a uma economia de mercado. Os preços são livres A presença e a influência protestante levam-nos
e tudo se tornou mais caro, mesmo a tão essencial a pôr mais ênfase em uns aspectos do que em ou-
farinha de milho. Os pobres estão a tornar-se mais tros. A Igreja é muito menos ritualista e dá menos
pobres. O povo ainda tem esperança, mas a lua de importância aos santos e às devoções. A Bíblia (a
mel com o MMD já passou. E novos partidos ten- Palavra de Deus) ocupa um lugar fundamental, prin-
tam a sua chance. cipalmente nas reuniões das comunidades cristãs.
As minas são o esteio económico do país. São Por outro lado, é evidente – e as pessoas por vezes
elas e quase só elas que ganham divisas estrangei- dizem-no – que o catolicismo dá mais importância
ras. A agricultura nunca teve grande importância à componente comunitária e às implicações soci-
na política económica do país. Para facilitar o con- ais e políticas da fé.
trolo total do governo, na década de 1970, as mi-
nas foram nacionalizadas e juntas numa única com- 6. Quanto à nossa acção pastoral, ela procura
panhia, a ZCCM. O seu presidente e administrador estar em consonância com as linhas pastorais
geral foi feito membro do Comité Central do Parti- diocesanas.
do. Muito do dinheiro ganho pelas minas, em vez a) As Comunidades cristãs já tinham sido inici-
de ser usado para a renovação do equipamento ou adas, quando nós chegámos. Temos procurado
para novos investimentos, ia para o partido e para desenvolvê-las e fortalecê-las, fazendo delas o prin-
o governo. Devido à crise económica, tentaram re- cipal objectivo da nossa acção pastoral e relegan-
organizar a companhia, despedindo muitos traba- do as associações (ou irmandades) e movimentos
lhadores. Passado pouco tempo, aceitaram nova para um plano muito secundário, mesmo a clássica
gente, principalmente jovens, diminuindo assim as Acção Católica ou Legião de Maria.
hostes dos rapazes desempregados que vagabun- b) Com as Comunidades, a participação e a par-
deavam pelas ruas. Com o novo governo e a nova tilha de responsabilidades são crescentes. Não há
política económica, as minas estão a readquirir a decisão importante que possa ser tomada sem pré-
sua autonomia e fala-se mesmo em privatização. via discussão no Conselho Paroquial ou até nas Co-
Sendo Chililabombwe uma cidade mineira, tudo munidades. E esforçamo-nos por alargar essa res-
isto tem impacto na vida pastoral das nossas paró- ponsabilidade e essa participação.
quias. Assim, a maioria da gente nas missas do do- c) Para que isso seja possível, é necessária a
mingo é jovem. São poucos os que têm mais de formação permanente de todos aqueles que estão
quarenta anos. Com mais de 50 são poucos, pois é envolvidos na pastoral. Desde o início, essa tem
idade para receber a pensão e voltar para a aldeia. sido uma das nossas grandes preocupações, com
um dia semanal de formação para os líderes das
5. A Zâmbia é um país de colonização inglesa Comunidades e com a organização de seminários
onde a influência protestante é grande. Os católi- sobre temas específicos e para grupos especiais.
cos são mais ou menos tantos como os protestantes Este trabalho é muitas vezes feito em conjunto e
39 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

em coordenação com as outras paróquias a nível o seu compromisso de amor e a vivê-lo de maneira
de arciprestado. mais harmoniosa e feliz. Por isso, a preparação para
d) As Comunidades reúnem-se à volta da Pala- o casamento é feita muito a sério, orientada por
vra de Deus, para a ouvir e a partilhar. Já lá vai o casais previamente preparados e com uma experi-
tempo em que os católicos se sentiam envergonha- ência de diálogo num amor fiel e comprometido.
dos e eram acusados pelos protestantes de não co- i) Um outro esforço constante também em linha
nhecerem a Bíblia. Agora a Bíblia está sempre pre- com a pastoral diocesana é a de as paróquias serem
sente. Eles sabem encontrar passagens para todas economicamente auto-suficientes. Temos procurado
as ocasiões e para todos os problemas. Há por ve- viver com o dinheiro que recebemos. É suficiente para
zes o perigo dum literalismo exagerado e dum as despesas normais: comida, água, luz, imposto pre-
fundamentalismo que só aceita o que está escrito dial, telefone, manutenção dos carros. Mas não é su-
na Bíblia. Mas um esforço constante é feito para, ficiente para despesas extraordinárias.
ao lermos a Bíblia, conhecermos a vontade de Deus j) Durante estes 12 anos, não têm faltado os
no momento em que vivemos. pequenos conflitos com grupos ou com líderes nas
e) Um outro aspecto da nossa pastoral é levar a paróquias. Isso é normal. Umas vezes, porque não
uma fé atenta à vida, à realidade social; uma fé que deixamos correr e nos tornamos exigentes. Outras
exige compromisso, uma fé que seja uma manifes- vezes, por uma questão de afirmação de autorida-
tação e um testemunho do amor de Deus vivido no de (alguns gostariam que o padre fosse simples-
concreto da nossa existência. Não é suficiente ou- mente o seu empregado); ou então, por não deixar-
vir a Palavra de Deus, é preciso deixar que ela ques- mos certos indivíduos dar espectáculo e desorga-
tione e desafie as nossas vidas e a realidade social nizar tudo, impondo a sua ideia, sem o mínimo de
em que vivemos. O nosso Deus não está nas nu- consideração pela comunidade ou pelo consenso
vens; Ele é um Deus-connosco. obtido. Acontece também que por vezes os confli-
f) A Catequese ocupou sempre um lugar im- tos sociais se manifestam a nível de Igreja, tendo o
portante na nossa pastoral. Os catequistas são ho- padre como alvo visível a atacar, como aconteceu
mens e mulheres empenhados, que sentem a ne- aos PP. Guedes, Castro e Carlos na Paróquia de
cessidade de aprender. Uma boa parte dos encon- Kamenza. É que a Igreja é o único espaço aberto à
tros de formação das nossas paróquias são organi- manifestação de tais conflitos. Mas depois da tem-
zados pelos catequistas. Mesmo assim, precisamos pestade vem a bonança.
de mais e melhores catequistas. Os catecismos usa-
dos na Diocese também deixam muito a desejar. 7. As Pequenas Comunidades Cristãs são uma
g) A juventude é uma das áreas importantes mas experiência já com alguns anos. Na Diocese de
difíceis. Procuramos que a catequese para a confir- Ndola, é uma experiência principalmente em zo-
mação seja dirigida de maneira especial à juventude. nas urbanas, em espaços relativamente pequenos.
A maioria das comunidades têm o seu grupo de ju- São comunidades de vizinhos. Isso poderia facili-
ventude. Há, além disso, outros grupos de juventude. tar o relacionamento pessoal e uma acção mais com-
As actividades da juventude são coordenadas a prometida com a realidade social em que as pesso-
nível de Arciprestado. Organizam-se seminários, as vivem. De certa maneira, a Comunidade substi-
retiros e encontros, mas precisamos de encontrar tui o clã; é como se fosse uma família, que dá apoio
actividades mais atraentes para a juventude. Reu- e protecção. Por outro lado, a relação de vizinhan-
nir-se só para rezar e ouvir a Palavra de Deus é ça está cheia de bisbilhotice e de pequenas quesílias.
pouco atractivo. E isso reflecte-se na comunidade, tornando difícil
h) O casamento e a família são também um de- ou impossível a participação de todos.
safio permanente. A instabilidade familiar e os di- As Comunidades funcionam também como uma
vórcios estão a aumentar. É preciso preparar a ju- estrutura da Paróquia. É que tudo passa por lá: a
ventude para um casamento que seja um compro- contribuição para o sustento da paróquia, assim
misso de amor, vivido no diálogo e no respeito mú- como a inscrição das crianças para o baptismo. A
tuo. E é preciso encorajar as famílias a renovarem catequese – ao menos para a 1ª comunhão – é dada
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 40

na Comunidade. De certa maneira, como estrutu- das. Aí encontram segurança e uma forma de identi-
ras, as Comunidades têm que funcionar. E depois dade. São nascidos de novo, pertencem ao grupo dos
há os funerais. As Comunidades preparam, ajudam, puros e dos salvos, já escaparam ao inferno; são ilu-
prestam assistência, organizam a oração dão o sen- minados pelo Espírito, são possuídos da verdade. Para
tido de família, dão protecção e apoio. E isso em eles, o importante é o relacionamento com Cristo e a
tempo de sofrimento é essencial: o saber que não certeza de estar salvos. Quanto a situações sociais de
estou só, o ter alguém que partilhe a minha dor e o pecado em que vivemos, a fé não leva ao compromis-
meu sofrimento, o experimentar a solidariedade dos so, é um assunto individual.
irmãos. De certa maneira, são os funerais que man- Que resposta a dar a este desafio? Ao menos já
têm as comunidades vivas entre estas tribos bantos. nos tornámos conscientes deles e já o discutimos a
As pessoas já mostram um certo cansaço; são nível de Arciprestado e de Diocese. O nosso traba-
poucos por vezes os que participam nas reuniões lho com a juventude tem de ser revitalizado, usan-
das Comunidades, e a maioria são mulheres. Esta do muito mais a música, a canção, o teatro, a dan-
não é uma apreciação negativa das comunidades, ça, e organizando encontros de juventude onde se
pois elas trouxeram dinamismo, participação, com- facilita o encontro pessoal com Cristo e se experi-
promisso e co-responsabilidade. Com elas, a Pala- menta a força e a vida do Espírito. Mas nós não
vra de Deus tornou-se presente e actuante na vida podemos seguir todos os seus métodos. Não pode-
do povo. E a Igreja deixou de ser qualquer coisa mos anunciar uma fé individualista, descompro-
estranha e longínqua – coisa de domingo, quando metida, parcial.
se vai à missa –, para se tornar uma comunidade de
fé, a nossa comunidade. Mas vê-las como a única 9. Há ainda outros desafios que se fazem sentir
alternativa ou como a única realidade, já é mais na hora presente.
duvidoso. Desde o início das Comunidades, sem- 9.1. A inculturação da fé é um desafio constan-
pre houve tensões entre elas e as associações (ir- te – principalmente em áreas como a adolescência,
mandades e movimentos); e essas tensões continu- o casamento, a morte, a celebração litúrgica. Em-
am. O melhor talvez seja integrar as duas coisas, bora não sejamos peritos nesses assuntos, não os
mas não é fácil e a tensão permanece. podemos ignorar e eles exigem a nossa atenção
constante.
8. Um desafio que se tem tornado mais forte 9.2. A mentalidade mágica com a crença no fei-
nos últimos tempos é o dos Pentecostais ou “Born tiço constitui outro grande desafio. Quando alguém
again” (nascidos de novo). São grupos que nascem morre, é preciso encontrar um culpado, muitas ve-
como cogumelos e que são profundamente anti- zes um vizinho ou um familiar. E quando alguém
católicos, atacando a confissão, Maria, os Santos, tem sorte na vida, isso é devido ao uso de feitiço.
o baptismo que não seja por imersão... E oferecem Todos deviam ser iguais, com uma igualdade em
uma experiência nova, cheia de emoção e de certe- que ninguém tem nada. Nisto as 73 tribos da
zas: baptizados no Espírito e vivendo do Espírito, Zâmbia, embora bastante escolarizadas, são seme-
eles estão salvos e já não pertencem a este mundo. lhantes a todos os povos bantos.49
Eles clamam a cura de doentes e a realização de 9.3. A Sida lança também um grande desafio à
milagres – têm Deus ao seu dispor. Igreja. Torna-se indispensável uma mudança de
Não são diferentes dos outros Pentecostais que comportamento, abandonando a imoralidade que
andam na Europa e nas Américas. Não lhes falta torna tão fáceis a fornicação, o adultério e a prosti-
dinheiro, não venham eles da América. E sabem tuição. Temos de perguntar-nos: Que impacto é que
fazer espectáculo, atraindo com a música, mesmo a nossa fé tem nos comportamentos das gentes?
ao ritmo de dança, com a promessa de milagres e A Sida lança também um desafio à nossa capa-
com uma presença emotiva que dá consolo e certe- cidade de amor e de compaixão, partilhando o so-
za de salvação. Muitos jovens sentem-se atraídos frimento dos doentes e ajudando-os na sua dor,
por eles. Atraídos pelo seu radicalismo e fundamen- cuidando deles e estando com eles. Temos estado
talismo: para eles não há meias tintas e não há dúvi- atentos a estes dois aspectos a nível diocesano e
41 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

paroquial e vamos iniciar grupos para o tratamento 3.4. Japão – voltando ao Oriente
dos doentes em casa.
9.4. Um outro problema – a pobreza e a seca. João Paulo II proclamou que a Missão está a
Elas vão juntas. Quem sofre mais com a seca são recomeçar e apelou aos institutos missionários que
as zonas rurais e os pobres. O governo procurou se voltem para o Oriente das grandes religiões. Ao
diminuir o impacto das suas medidas económicas ordenar o P. Adelino Ascenso, um especialista em
concedendo a cada distrito uns milhares de Kwa- diálogo religioso, a SMBN assumiu esse desafio.
chas para ajudar os pobres. Em Chililabombwe, o Escolheu Osaka, diocese onde nos acolheram os
P. Carlos faz parte da comissão que administra esse missionários do IEME. Dois anos depois seguiu
dinheiro. Em cada paróquia esforçamo-nos por outro jovem – P. Nuno Henriques de Lima. Segui-
conscientizar as comunidades para estarem atentas mos os passos de S. Francisco Xavier nosso padro-
ao sofrimento dos pobres e para mostrarem solida- eiro. O exemplo deles despertou a vocação
riedade com eles. O P. Horácio mata-se para pro- missionária do P. Domingos Areais, pároco de
mover o desenvolvimento da periferia rural.50 Arrifana, diocese do Porto. Depois de anos de
10. Que importância e que impacto tem a nossa discernimento e oração parte para Osaka na Pás-
experiência na Sociedade? Somos um grupo tão coa de 2005.
pequeno e tão fora dos campos tradicionais de tra- A saída para o Japão é um êxodo ainda mais
balho da Sociedade que pouca diferença faz (essa forte do que a partida para a Zâmbia. As diferenças
é a minha impressão). Até à última Assembleia culturais e religiosas são muito mais profundas.
Geral nem sequer tínhamos direito de participar. Depois de 2 anos de aprendizagem da língua japo-
Metiam-nos na Região de Portugal. Era como se nesa numa escola, o padre assume responsabilida-
não existíssemos. Mas pensamos que a nossa ex- des numa equipa pastoral que atende um bloco de
periência é uma janela aberta a um outro mundo, pequenas paróquias onde os leigos assumem gran-
fora da portugalidade que, desde a criação da Soci- des responsabilidades. O desafio é encontrar um
edade, tinha servido sempre de marco de referên- caminho para que chegue ao coração do japonês o
cia para a nossa experiência missionária. Por isso é Evangelho que Xavier levou até Kagoshima há 450
que o traumatismo das independências foi tão gran- anos mas ainda é considerado estrangeiro. O diálo-
de. Por isso é que ainda hoje estamos com tanto go inter-religioso é o caminho a seguir nesta hora.
medo da universalidade e do que é diferente, das
outras culturas ou línguas. Em Moçambique, em 4. A SOCIEDADE E A ANIMAÇÃO
Angola e no Brasil, há outras culturas, mas muitas MISSIONÁRIA EM PORTUGAL
vezes elas não eram mais do que uma sombra e a
cultura que nos iluminava era a portuguesa. Daí o O fermento missionário passa sobretudo pelo
medo que muitos têm de aprender uma nova lín- testemunho dos que o encarnam na sua vida. Os
gua. A experiência da Zâmbia vem-nos mostrar que promotores da Sociedade, a começar pelos Bispos
não é difícil nem é fácil; é simplesmente normal para que a dirigiram nos primeiros anos, percorreram
gente normal. Todos nós aprendemos inglês e todos Portugal de norte a sul para abrir as Igrejas Locais
nós falamos bemba. E como nós, muitos outros. Uma para a missão. E foram pioneiros da informação e
língua é uma cultura – uma maneira de pensar e de da formação. Em 1924, D. Teotónio criou O Missi-
sentir; é um povo – é o Outro, esse outro que tem a onário Católico que depois mudou o título para Boa
face de Jesus Cristo. Para nós tudo isto se tornou nor- Nova, revista de informação missionária. O
mal, a vida do dia a dia, a nossa missão. Almanque das Missões (hoje Almanaque Boa Nova)
P. Manuel Castro Afonso foi criado em 1926. E a Cruzada Missionária (hoje
Voz da Missão) apareceu em 1933.
A propaganda não basta, é preciso formação.
Nos anos 40, a Sociedade iniciou nos seminários
diocesanos a criação de Círculos Missionários. Dos
seus encontros anuais nasceram as Semanas
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 42

Missionárias, um dos grandes instrumentos para os que querem dar parte da sua vida aos mais ca-
encarnar o Concílio em Portugal. Para alimentar rentes. Neste momento retoma o antigo trabalho
essas iniciativas com estudos sérios surgiu, em1949, de promover a formação missionária dos padres
a revista Volumus – hoje Igreja e Missão. A Edito- diocesanos e acolhê-los como Associados.
rial Missões tem sido há mais de 80 anos um servi- A Igreja é por natureza missionária. Deve
ço à formação da consciência missionária do país. manifestá-la no seu dinamismo evangelizador e na
sua paixão pelos pobres do mundo.

NOTAS
1
Na celebração dos 25 anos da presença em Angola, o Arcebis-
po de Luanda, D. André Muaca, comentou essa variedade de nomes
oficiais e populares ao afirmar: Padre Albano Pedro foi um dos pri-
meiros membros do seu Instituto que, desde a infância, eu conheci
com diferentes nomes: Padres de Cucujães, Padres da Sociedade
Missionária Portuguesa, Padres da Sociedade Ultramarina, etc.
Folheavam o Dicionário do Evangelho de Cristo para encontrar
um nome que os definisse. Encontraram-no, cinquenta anos depois:
Sociedade dos Missionários da Boa Nova: acertaram em cheio. Sem
minimizar os nomes dos outros Institutos de cariz tipicamente mis-
sionário, o nome de Instituto da Boa Nova é o mais antigo, o mais
teológico e bíblico. Tem raízes em Isaías e em S. Lucas. (...) Toda a
palavra de alívio, toda a mensagem que salva, tudo o que alimenta
a esperança, é uma Boa Nova. Cristo foi o primeiro missionário da
Boa Nova. (...) Que o P. Albano Pedro nos obtenha de Deus a graça
da expansão da Boa Nova trazida por Cristo e da Boa Nova por
que Angola aspira há trinta e quatro anos, que é a Paz.
D. Eduardo André Muaca,
Homilia na Celebração Jubilar, em Luanda

2
Criado por D. João VI, a 10 de Março de 1791, o Real Colé-
gio pertencia ao Priorado do Crato. Em 1801, a rainha D. Mariana
de Áustria dotou-o com uma renda para formar Padres para a Chi-
na. Fechado em 1834 por causa da extinção das ordens religiosas,
foi reaberto a 8 de Dezembro de 1855 com o nome de Real Colégio
das Missões Ultramarinas. Dependia do Ministério das Colónias
e os reitores tinham a sua acção muito coarctada. No entanto, entre
1855 e 1911, formaram-se lá mais de 300 padres que estenderam a
sua acção a imensos territórios: Guiné, Cabo Verde, S. Tomé e Prín-
Rosto do 1º n.º de”O Missionário Católico” (15.8.1924) cipe, Angola e Moçambique, Índia, China e Timor. “O Real Colégio
criou um nome e cobriu-se de glória, e os seus missionários, mesmo
sem qualquer vínculo associativo a uni-los, souberam criar entre si
O serviço de Promoção Missionária e Voca- um real e por vezes sobranceiro espírito de grupo, que sempre os
cional da SMBN lançou, em cada época, iniciati- caracterizou, mas que nem sempre viria a redundar em verdadeiro
vas para fazer os leigos participarem na Missão: benefício, quer para os próprios, quer para a causa da missionação”
(P. Manuel Trindade).
Associação Nossa Senhora das Missões (1928) e
Auxiliares das Missões. Desde o Concílio a Socie- 3
O Congo, seu passado, seu presente e seu futuro, que apresen-
dade quis lançar o povo cristão para a frente da tou à Sociedade de Geografia de Lisboa, em Março de 1889, publi-
cado no Boletim da mesma Sociedade, de 1888-1889.
Missão. Em 1968 desafiou as Missionárias da Boa
Nova (criadas para serem simples colaboradoras 4
Foi o primeiro Bispo de Vila Real e de Aveiro (restauração da
da missão) a tornarem-se missionárias em sentido Diocese), primeiro Superior Geral da Sociedade, abriu o caminho para
a instalação dos institutos missionários religiosos em Portugal, traba-
pleno e por direito próprio. Em 1995 criou os Lei- lhando para a instalação em Portugal dos Missionários da Consolata
gos Boa Nova como um movimento aberto a todos (o primeiro instituto a entrar depois do Acordo Missionário).
43 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

5
Reorganizou o Seminário de Luanda (1909), instituiu a Obra Paróquias fundadas de raiz 8
das Vocações e dos Seminários de Lisboa (1916), criou o Seminário Paróquias assistidas 5
das Missões no convento de Cristo, em Tomar (1921), pôs a funci- Colégios fundados de raiz 4
onar o Seminário Menor de Vila Real, em Poiares (1926), construiu Seminários fundados de raiz 2
e pôs a funcionar o Seminário de Vila Real (1930), pôs a funcionar Seminário assistido 1
o Seminário de Santa Joana Princesa, em Aveiro (1939), preparou a Escolas de Professores 2
restauração do Colégio de Calvão para ser seminário (1960), cons- Lar (de S. José) 1
truiu o novo seminário de Santa Joana Princesa.
12
O primeiro que seguiu D. José foi o P. Luís Filipe Pereira
6
Entre os principais anotamos: O Symbolo dos Apóstolos, Tavares, dois dias mais velho que ele, também anteriormente missi-
Coimbra, 1901 (295 p), Synopse de Teologia Moral, 2 vol. Coimbra onário na diocese de Nampula, de 1946 a 1954. Deixou a direcção
(1902-1903), Esplendores do Sacerdócio, Coimbra, 1905 (303 p), do probandato, em Cucujães, antes do fim do ano, para vir para esta
Theologia para Todos I, Coimbra, 1908 (415 p), Lições da Nature- diocese, no meio de 1957, da qual foi governador na ausência do
za e dos Homens, Coimbra, 1914 (XI + 362 p), Por Terras de Ango- Bispo, de Agosto a Novembro do mesmo ano; superior pró-regional
la, Coimbra, 1916 (487 p), D. Teresa de Saldanha e as suas desde Outubro e depois regional, primeiro reitor do Seminário Me-
Dominicanas, Cucujães, 1938 (519 p), O meu Diário de Viagem, nor do Maríri e superior da missão. Em 1964 foi a férias e ao pri-
ed. póstuma, Aveiro, 1967 (254 p). meiro Capítulo Geral. Ficou em Portugal.
No mesmo ano de 1957 vieram os Padres Joaquim Antunes
7
As mais emblemáticas são talvez a Sopa dos Pobres (Lisboa, Lopes Valente, António Tavares da Silva e Aníbal dos Anjos João e
Vila Real, Cucujães, Aveiro) e a que se dedica às crianças abando- o Ir. Messias Gama. O P. Valente, de 31 anos, licenciado em Direito
nadas ou vítimas de abuso sexual e que chamou Florinhas da Rua, Canónico (o primeiro da Sociedade Missionária), foi secretário da
Lisboa, 1918; Florinhas da Neve, Vila Real, 1927; Florinhas do diocese, várias vezes governador, vigário-geral e o director do colé-
Vouga (Aveiro, 1939). gio de S. Paulo, hoje escola secundária e pré-universitária de Pemba.
Foi delegado à Assembleia Geral de 1974. Regressou a Portugal a
8
Lima Vidal no seu Tempo, III Vol., p. 334, ed. da Junta Distrital 24 de Março de 1975. O P. Aníbal começou pelo Seminário do Maríri.
de Aveiro, 1974. De 1959 a 1969 foi superior e o construtor da missão de Macomia.
De 1969 a 1974, foi reitor do seminário maior de S. José de Pemba.
9
Na Arquidiocese de Nampula, a Sociedade Missionária fun- A seguir for superior da missão de Metoro, donde regressou a Por-
dou, de raiz, 12 Missões: Mutuáli, em 1938; Meconta, em 1941; tugal em 1975. O P. Tavares da Silva também começou pelo Maríri
Murrupula, em 1947; Iapala, em 1954; Micane, em 1954; Corrane, e foi o director da escola de professores-catequistas. Regressou a
em 1964; Iulúti, em 1965; Malema, em 1965; Lalaua, em 1967; Portugal em Novembro de 1975, com a saúde abalada. O Ir. Messi-
Nataleia, em 1969; Momola, em 1969; e Chalaua, em 1969. Fun- as, de 41 anos, trabalhou nos serviços domésticos e agrícolas do
dou a Paróquia de Malema, em 1971. seminário do Maríri e da missão de Macomia desde a primeira hora.
Prestou assistência a quatro paróquias: Paróquia da Catedral, Em Macomia começou os apontamentos de línguas regionais, a que
em 1942; Paróquia da Ilha de Moçambique, em 1946; Paróquia de tem dado todo o tempo disponível desde 1979. Em 1968-69, traba-
Angoche, em 1946; Paróquia de Nacala-Porto, em 1978. lhou no seminário maior de Pemba e depois voltou para Macomia.
Assistiu também às 7 Missões seguintes: Malatane, em 1946; Desde o fim de 1972 esteve no Metoro e depois em Ocua até 15 de
Mecutamala, em 1950; Namaponda, em 1965; Caramaja, m 1969; Dezembro de 1978. Esteve na paróquia de Maria Auxiliadora de
Namaíta, em 1969; Marrere, em 1969; Luázi, em 1973. Pemba, desde então até 1987, várias vezes como substituto, e desde
Fundou, de raiz, 3 Colégios: Colégio Vasco da Gama, de 1952 Maio de 1994. De 1987 a 1994 esteve no Chiúre.
a 1963, em Nampula; Colégio de S. João de Brito, em Angoche, de
13
1966 até à independência; Colégio de Santa Maria, de Malema, de Em 1958 vieram os Padres António Tavares Martins, Fran-
1971 a 1975. cisco Mayor Sequeira e Manuel Paulo Lopes, e o Ir. José Lopes. O
Foi-lhe confiado o Seminário Diocesano, desde 1959 até 1975. P. Tavares Martins trabalhou no Maríri, onde foi construtor e reitor,
Foi-lhe confiada, igualmente, a Escola de Professores, Marrere, até 1964, em que saiu doente. De 1965 a 1970 foi professor no se-
desde 1969 a 1974, inclusive. Fundou o Lar de S. José, em Momola, minário maior e professor e subdirector do colégio de S. Paulo. Fi-
em 1969. cou em Portugal nas férias de 1970. O P. Sequeira trabalhou no
Maríri (onde depois foi reitor interino), foi superior da missão do
10
Na Diocese de Porto Amélia, a Sociedade Missionária, atra- Chiúre desde 1960, onde construiu a escola doméstica. Delegado à
vés do seu Bispo, D. José dos Santos Garcia, fundou, de raiz: 2 segunda Assembleia Geral, foi, a seguir, superior regional até à ter-
Seminários diocesanos; 1 Colégio Diocesano e 1 Escola de Profes- ceira Assembleia. Em 1973 e 1974 foi pároco dos colonatos da área
sores (no Chiúre). Fundou, também de raiz, a Paróquia de Maria de Montepuez-Balama. Em 1974 ficou na Direcção Geral. O P. Paulo
Auxiliadora, na cidade, em 1962 e 6 Missões: Macomia, em 1959; trabalhou no Maríri. Tinha 28 anos. Desde 1959, esteve na missão
Metoro, em 1963; Ocua, em 1967; Metuje, em 1967; Mieze, em de Macomia, superior (pároco) desde 1969. Homem do povo, “é
1969; e Mocímboa da Praia, em 1981. Foram-lhe confiadas as Mis- dono da língua” maconde. Foi secretário da diocese alguns meses,
sões: Maríri, em 1957; e Chiúre, em 1960. em 1964-65. Animou, de Pemba, a paróquia de Macomia de 1978 a
1992. Foi pároco de Maria Auxiliadora de 1985 a 1988, e várias
11
Em síntese, o trabalho de estruturacão missionária realiza- vezes substituto. O Ir. José Lopes, de 37 anos, já tinha trabalhado na
do pela Sociedade Missionária para a irradiação do Evangelho entre diocese de Nampula de 1949 a 1958. Trabalhou no paço episcopal
21.04.37 (com a chegada dos nossos missionários a S. Paulo de até 1966, ano em que foi de férias e ficou em Portugal.
Messano) e a independência de Mocambique – num período de 38
14
anos – apresenta os seguintes resultados: Em 1959 veio o P. Ambrósio Nunes Ferreira, licenciado em
Missões fundadas de raiz 25 História da Igreja. Foi reitor do seminário maior, que principiou no
Missões assistidas 12 Maríri, por desenvolvimento do seminário menor, e em 1961 foi
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 44

transferido para Pemba. Em 1964 foi delegado ao primeiro Capítu- desde 1968, substituiu o Superior regional; 2.º Assistente desde 1975;
lo Geral e, depois, superior regional até ao segundo Capítulo, em vigário geral da diocese, depois de ser secretário, desde 1975; páro-
1968. Após este, ficou em Portugal. co de Maria Auxiliadora desde Abril de 1977. Faleceu no Maputo,
Em 1960 vieram os Padres António Rodrigues Pereira e depois de uma intervenção cirúrgica, a 12 de Dezembro de1977. O
Martinho Joaquim de Castro e Silva e o Ir. Domingos Augusto Mar- P. Gonçalves trabalhou no seminário maior, na secretaria da diocese
ques. O P. Rodrigues Pereira começou pelo seminário do Maríri; em 1970 e de 1971 a 1975, em Mocímboa da Praia de 1976 a 1978
em 1964 foi para Macomia e depois para a escola de professores do e de 1981 a 1987, colaborando nas paróquias de Mueda, Nangololo
Chiúre; em 1965, para o seminário maior de Pemba; foi encarrega- e Macomia sem padres residentes. Além dos quase 3 anos em que
do pastoral da área do Metuge, Murrébue e Mecúfi, criando-se, em não foi permitido a nenhum padre, irmão ou irmã estar fora de Pemba,
8 de Dezembro de 1967, a paróquia-missão do Metuge, depois subs- durante cerca de 2 anos foi o único a deslocar-se ao norte desta
tituída pela missão do Mieze, onde ele começou a construção da cidade, com as irmãs da Consolata, e 8 meses sozinho, sempre liga-
capela-escola e derrubou mata para agricultura. Em 1972 foi para a do à comunidade de Pemba. Esteve no Chiúre de Junho de 1987 ao
missão do Chiúre, onde gastou parte do seu património na constru- Natal de 1993, e desde então na paróquia de Maria Auxiliadora,
ção de capelas; em 1975, para o Metoro, onde se dedicou a visitar com colaboração à Diocese e ao seminário maior. P. J. Marques foi
as comunidades cristãs e as cooperativas agrícolas. Preso em prefeito e professor no seminário do Maríri, reitor de 1965 a 1968.
Macomia no fim de Setembro de 1978, e depois no Metoro, foi Esteve no Chiúre e, desde 1969, em Ocua, primeiro padre residente.
mandado para o Maputo e expulso de Moçambique em Dezembro Em 1973 foi pároco dos colonatos do lado de Montepuez e depois
desse mesmo ano. O P. Martinho foi secretário da Diocese, prefeito superior da missão do Maríri e professor no seminário. Voltou para
e professor no seminário maior de Pemba, até 1964, professor no Ocua, até à expulsão geral de 1978. De 1979 a 1983 foi professor das
seminário do Maríri, professor na escola de professores em 1966- escolas secundária e comercial de Pemba. Primeiro Assistente regio-
67, professor no seminário maior em 1967, donde saiu para Portu- nal desde 1980, substituiu o Superior regional de 1985 a 1987. Em
gal com problemas de saúde, tendo depois sido nomeado para a 1982-83 foi director do secretariado diocesano de pastoral. Em 1983
região de Nampula. O Ir. Domingos, missionário na diocese de voltou ao Chiúre, vivendo na sacristia da nova igreja, com as paróqui-
Nampula de 1944 a 1956, foi o construtor do Maríri depois do P. as de Ocua, Chiúre e Metoro. Com a vinda das missionárias da Boa
Tavares Martins, da escola de Professores-catequistas do Chiúre (com Nova para Ocua, em Outubro de 1984, passou a residir lá habitual-
a colaboração de mestres assalariados), das residências do Metoro, mente. A 19 de Janeiro de 1997 foi para a formação no Lar-seminário
Ocua e Mieze e das escolas com capelas do Metoro e Ocua, e direc- da Matola.
tor das oficinas do Maríri.
16
Em 1965, veio o P. Américo de Oliveira Henriques, de 31
15
No mesmo ano de 1961, veio o P. António do Carmo Ribeiro. anos. Foi prefeito e professor no seminário do Maríri e, de 1969 a
Trabalhou no Maríri, no Chiúre, algum tempo no seminário maior e 1971, no de Pemba. De lá foi para o Metoro e, em 1974, para Ocua.
novamente no Maríri como director espiritual e professor, até 1969. Desde Abril de 1975, foi pároco de Maria Auxiliadora de Pemba e
Bom caçador de leopardos e não só. De 1970 a 1972 esteve na mis- professor na escola comercial. Em Abril de 1977 foi expulso de
são de Ocua, donde saiu para o Brasil com a saúde muito abalada. Moçambique, por demasiada simpatia com os jovens.
Em 1962 vieram os Padres José Lourenço Baptista, Domingos Em 1966 vieram os Padres Casimiro dos Anjos Galhardo João
Carvalho e Manuel Norte. O P. Baptista, missionário na diocese de e o Ir. José Maria Godinho.
Nampula de 1938 a 1947, foi secretário da diocese, professor no O P. Casimiro, de 27 anos, trabalhou na escola de professores
seminário do Maríri, e no de Pemba de 1969 a 1974; depois, na até 1973, ano em que foi superior da missão de Ocua. Em 1979 foi
escola de professores do Chiúre, e na escola secundária de Pemba, para o Brasil.
de 1977 a 1980. Foi encarregado da paróquia de Maria Auxiliadora O Ir. Godinho, de 30 anos, trabalhou no paço episcopal. De
em 1977-78. Regressou a Portugal a 22 de Fevereiro de 1987. O P. 1969 a 1972 trabalhou no seminário de S. José. Voltou para a secre-
Domingos foi o pároco de Maria Auxiliadora, criada a 8 de Dezem- taria da diocese. Em 1976 trabalhou no Metoro. Em 1978, na paró-
bro de 1962, e director espiritual e professor no seminário maior, quia de Maria Auxiliadora, até agora, onde é administrador da casa
até 1975, em que foi a férias e ficou em Portugal. O P. Norte traba- e procurador do Chiúre-Ocua, administrador da Cáritas diocesana
lhou no seminário do Maríri e, desde 1964, no Chiúre. Foi o primei- desde 1973, ecónomo da Diocese desde 1995, tesoureiro da igreja
ro superior residente da missão do Metoro, desde 1969. Em 1974 desde 1996.
foi a férias e ficou em Portugal. Voltou em Abril de 1994 e ficou na Em 1967 vieram os Padres Policarpo dos Santos Afonso Lopes
comunidade do Chiúre, pároco do Metoro e depois das três paróqui- e Manuel dos Santos Neves e o Ir. António Lopes.
as do Chiúre, Metoro e Ocua. O P. Policarpo, a completar 27 anos, trabalhou no seminário do
Em 1963 veio o P. Manuel Ramos dos Santos. Trabalhou no Maríri, onde foi reitor de 1969 a 1973. Foi a férias e fazer um curso
seminário do Maríri, com alguns meses em Macomia, e novamente universitário, escolhido pela região, à qual não voltou.
no Maríri. De 1971 a 1975 foi superior da missão do Mieze, que O P. Neves começou pela missão do Chiúre. Em 1969 foi en-
organizou e melhorou, dedicando-se também à agricultura. Preso, carregado do secretariado diocesano de pastoral e de organizar as
duas vezes pela Frelimo pouco depois da proclamação da indepen- comissões diocesanas. Trabalhou muito na investigação, sobretudo
dência, foi expulso em Novembro. da vida africana regional. Em 1971 foi para Ocua, onde continuou a
Em 1964 vieram os PP. António Ramos Antunes Martins, mergulhar nos costumes do povo e defendeu os despojados. Em
Moisés dos Santos Morais, António Gonçalves e José Marques Gon- 1973 foi a férias, em 1974 foi delegado à Assembleia Geral, após a
çalves. O P. António Ramos, missionário na diocese de Nampula de qual ficou em Portugal.
1956 a 1963, foi reitor do seminário do Maríri em 1964-65, depois Começou no tempo dele o Boletim Informativo da Diocese,
capelão militar até 1969. De Portugal foi enviado para a diocese de por decisão da Conferência Episcopal, que se manteve, aumentado
Nampula. O P. Moisés, missionário na diocese de Nampula de 1956 e regular, até à saída de D. José. Depois, irregularmente, até agora.
a 1963, foi professor no seminário maior, escola comercial e colé- O Ir. António trabalhou em Macomia. De 1969 a 1975, no paço
gio de S. Paulo; secretário da diocese desde Fevereiro de 1965; di- episcopal, voltando para Macomia, onde procurou ajudar o povo na
rector espiritual e professor de 1971 a 1975; 1.º Assistente regional agricultura. Expulso com os outros, em 2 de Dezembro de1978, foi
45 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

a férias e, de regresso, ficou no Maputo, como procurador da região tou para Portugal. O P. José António, de 35 anos, trabalhou no Maríri,
de Pemba. onde foi ecónomo desde 1973. De 1975 a 1980 foi o primeiro Assis-
Em 1968 vieram os Padres José Alexandre da Conceição Nunes, tente regional e, em 1980, Superior regional. Desde 1975 ensinou
António Augusto Rodrigues Amado e Joaquim Lourenço Farinha e na escola industrial e comercial de Pemba. Desde Março de 1978 a
o Ir. Manuel da Conceição Lopes. Outubro de 1980, e de 1982 a 1985, foi pároco de Maria Auxiliadora.
O P. José Alexandre, de 25 anos, foi director espiritual, prefeito Em 1980 foi delegado à Assembleia geral. Foi nomeado director
e professor no Maríri; em 1972 foi prefeito e assistente na escola de espiritual da Diocese. Saiu de Pemba em 1985 e, depois da
professores; de 1973 a 1974 foi para a missão de Macomia e voltou Assembleia Geral em 1986, ficou em Portugal.
para a escola de professores. De 1978 a 1981 foi professor nas esco-
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las secundária e comercial de Pemba. Segundo Assistente regional Em 1974 vieram os Padres Amadeu Pinto de Oliveira e Libério
em 1980, substituiu o Superior regional em 1975. Secretário da de Sousa Pereira. Foram os primeiros a fazer o curso de inserção no
Diocese de 1981 a 1983. No Chiúre de 1984 a 1987: pároco do centro catequético-pastoral do Anchilo-Nampula. O P. Amadeu, de
Metoro, professor, encarregado das obras e da economia. Foi a féri- 30 anos, foi professor no seminário maior e no colégio de S. Paulo.
as em 1987, estudou um ano em Madrid e ficou em Portugal. Em Depois do curso no Anchilo, em princípios de 1975, foi para o Chiúre,
Novembro de 1991 voltou para a diocese de Nampula. onde foi superior da missão. De Dezembro de 1978 a 1982 esteve
O P. Amado, de 28 anos, foi prefeito e professor no Maríri, em Pemba, com os outros. Foi a férias e ficou em Portugal. O P.
reitor em 1973-75. Ensinou na escola secundária de Pemba em 1975- Libério, de 31 anos, ensinou na escola de professores do Chiúre. De-
76. Em Dezembro de 1976 voltou para Portugal. pois do curso do Anchilo, esteve em Macomia, desde Junho de 1975.
O P. Farinha, de 26 anos, foi professor do seminário maior. Em Fevereiro de 1977 foi ajudar o P. Gilberto, diocesano, na missão
Desde Agosto de 1969 foi professor no seminário do Maríri, ecóno- de Meza, onde acabou por ficar só, com as irmãs da Consolata. De
mo desde 1971. Faleceu a 19 de Junho de 1973, por explosão aci- Dezembro de 1978 a Novembro de 1980, esteve em Pemba, donde foi
dental de uma granada. Está sepultado no Maríri. para a diocese de Nampula (1980-93), à procura de ambiente mais
O Ir. Manuel Lopes, de 25 anos, trabalhou na missão do Chiúre. favorável à oração. Voltou ao Chiúre em Novembro de 1993, onde foi
Desde Março de 1974, praticou mecânica na oficina da Diocese. pároco, e em Janeiro de 1997 voltou para o Mutuáli.
Regressou a Portugal a 11 de Dezembro. Desde 1975, viveu connosco, na paróquia de Maria Auxiliadora,
Em 1969 vieram os Padres Cândido da Silva Coelho Ribas e Francisco Baptista de Brito Apolónia, de 34 anos, antigo seminarista
João Baltar da Silva. dos Olivais. A 16 de Abril de 1978 fez o juramento, mas não foi a
O P. Ribas, de 27 anos, trabalhou na missão do Chiúre, onde sério. A 2 de Julho foi para Portugal e não se integrou na Sociedade.
foi superior. Foi a férias em Julho de 1975 e não foi autorizado a
19
regressar. O P. Álvaro volta para Fumane, onde fica com P. Benjamim.
O P. Baltar, de 25 anos, foi professor e director espiritual no P. Julião vai para Chissano substituir P. Celso, que é chamado a
Maríri. De 1971 a 1974 foi capelão militar na Guiné, voltando a Portugal. P. Alves em Maputo é nomeado Pró-Regional. P. Aquiles,
Moçambique em Novembro de 1974. Superior da missão do Metoro, vítima de doença grave, regressa a Portugal, sendo substituído pelo
superior regional de 1975 a 1980; pároco de Maria Auxiliadora, P. Cristóvão, que começa a sua experiência missionária no Chibuto.
ensinando na escola primária e depois na secundária e na comercial. Aprende a língua em pouco tempo devido a uma tenacidade que
Em 1982 foi a férias e ficou em Portugal. Voltou em Janeiro de ficou célebre. P. Antunes substitui P. Aquiles no Chibuto. Chega P.
1987, ficando novamente na paróquia de Maria Auxiliadora, de que Ernesto Pereira que vai para Fumane, saltando P. Benjamim para
foi pároco desde o Natal de 1988 a Outubro de 1993. Tomou muitas Chissano ajudar P. Julião.
iniciativas, abriu centros comunitários nos bairros, começou a cons- Em 1963 chega o P. Serafim. P. Cristóvão vai tomar conta da
trução do centro do Alto Jingone e assistiu os refugiados da Mucharra, Missão do Alto Changane, já criada em 1960, e confiada aos Padres
na área da paróquia do Mieze. Em Outubro de 1993 foi a férias e de Fumane, e leva consigo o recém-chegado P. Serafim.
quedou-se pelo Sul.
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Na Arquidiocese de Maputo, a Sociedade Missionária fun-
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Em 1970 vieram o Padre Luís Marques Ribeiro e os Irmãos dou, de raiz, as seguintes 6 Paróquias: Bairro do Fomento, em 1968;
João Gonçalves e António Marques Janela. O P. Luís Marques, de Malanga, em 1971; Nossa Senhora da Esperança (Aeroporto), em
27 anos, veio substituir o P. Tavares Martins no colégio de S. Paulo, 1972; Mavalane, em 1973; Moamba, em 1984; e Sabié, em 1984.
onde foi professor e subdirector. Voltou a Portugal a 25 de Março de
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1975. Na diocese de Xai Xai, a Sociedade Missionária fundou, de
O Ir. João, de 41 anos, trabalhou no Metoro até Julho de 1972, raiz, 7 Missões: Chissano, em 1951; Fumane, em 1955; Alto
no Mieze até aos fins de 1975, e em Macomia em 1976-77. Foi a Changane, em 1960; Mahuntsane, em 1966; Maniquenique, em
férias, doente, e ficou em Portugal. Voltou em Novembro de 1983. 1966; Bilene, em 1970; Macia, em 1970. Foram-lhe confiadas três
Ficou em Pemba, em situação pouco definida. Em Dezembro de Missões de fundação antiga: S. Paulo de Messano, criada em 1901 e
1984 foi para o Chiúre e, em Setembro de 1985, voltou para Pemba. ocupada em 1937; Sagrado Coração de Jesus do Chibuto, criada em
Depois de meio ano na Namaacha, voltou para o Chiúre em Outu- 1902 e restaurada em 1955; Sta. Rita de Viterbo da Malehíce, criada
bro de 1987. O seu trabalho é a agricultura doméstica, que em al- em 1909 e ocupada pelos nossos, sem data.
guns anos alargou substancialmente. Dá grande contributo à susten-
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tação dos companheiros e é objecto de interrogação do trabalho. O P. João Almendra fez dois mandatos, governando até à
O Ir. Janela, de 28 anos, trabalhou no Maríri, em 1975 no Assembleia Geral de 1998. Foi eleito Vigário Geral da Sociedade,
Metoro, em 1976 na casa diocesana, em 1977 fora, com residência mas a doença impediu-o de assumir. Foi substituído pelo P. António
em Maria Auxiliadora. Em 1978 foi para Nampula, onde deixou a da Rocha Couto no cargo de Vigário Geral. Em Moçambique foi
Sociedade. eleito Superior Regional para os anos de 1998-2004 o P. Valdemar
Em 1972 vieram os PP. Joaquim Faria Simões e José António Dias, de Nampula. E o P. Albino Valente dos Anjos, de Pemba, foi
da Silva Carvalho. O P. Faria, de 28 anos, trabalhou na escola de eleito em 2004.
professores e depois no colégio de S. Paulo. Em Abril de 1975 vol-
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 46

23 32
A Igreja de Moçambique determinou que os candidatos a pa- Última paróquia a ser deixada pelos franciscanos holande-
dre devem fazer no seminário um curso propedêutico de três anos ses, ficou à responsabilidade do P. Alfredo Moreira desde 1994,
que pode iniciar com o décimo ano. coadjuvado, mais tarde, pelo P. Carlos Correia. Tem sido um campo
de estágio dos seminaristas da SMBN.
24 33
O primeiro aluno de teologia foi o jovem Ambrósio da Fon- Formadores sucessivos nessa casa: Padres Fernando Eiras e
seca Inteta, de Malema, diocese de Nampula. Ele estudou no Mamede Fernandes. Nessa casa estudaram teologia os padres
Interdiocesano de Nampula, no Seminário de Filosofia da Matola, Anisberto Bonfim da Silva (da SMBN, ordenado em 1994 ) e Fran-
fez o Ano de Formação na Matola e o Estágio Intermédio de Forma- cisco Fernandes de Oliveira (da Diocese de Belo Horizonte), ambos
ção Missionária em Caraí, em Minas Gerais, e estudou a Teologia naturais do Cafezal, Umuarama, Paraná e o P. António Augusto
em Belo Horizonte. Ordenado presbítero em Malema, voltou ao Mondoni (de Santa Bárbara do Oeste, S. Paulo, ordenado em 1995).
Brasil onde é Pároco da Paróquia de Nossa Senhora da Boa Nova,
34
arquidiocese de Belo Horizonte. Além dos citados na nota anterior que ali fizeram o último
ano de teologia, estudaram nesta casa os padres João de Deus
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Como Instituto somos um sinal da vocação missionária e Cavalcanti, José Adauto dos Santos Silva (ambos de Chapadinha,
universal da Igreja. O alargamento da nossa acção a outros cam- Maranhão), P. Luís Carlos Gomes da Silva (de Paranhos, Mato Gros-
pos fora do Ultramar tornará mais visível o carácter específico da so do Sul), Bernardo (natural de Santa Quitéria e incardinado em
nossa vocação: ir aos outros, aos de longe, aos que estão fora. A Sete Lagoas), Sebastião Luís Gonçalo (de três Corações, diocese de
Sociedade aparecerá como um Instituto mais aberto, mais disponí- Campanha, onde está incardinado), Raimundo Ambrósio Inteta (de
vel, mais universal e, portanto, mais ‘missionário’. A maior varie- Malema, Nampula, Moçambique) e o Diácono Isidro Albino José
dade de campos de acção significa também um acréscimo de expe- (de Benguela, Angola)
riência que muito valorizará o Instituto. Propõe-se que num futuro
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muito breve sejam enviados alguns missionários para o Brasil (Ac- Colaboraram normalmente os padres que se dedicaram à for-
tas da II Assembleia, pg. 13 e 14). mação na Comunidade Boa Nova: padres Júlio Gamboa, Justino
Maio Vicente, Kaquinda Dias, Alberto da Fonseca Prata, Pedro
26
Coordenação de Pastoral: P. Manuel de Matos Bastos (1970 a Correia, António Martins, Anisberto Bonfim, António Antunes e
1974 e 1980 a 1987), P. Manuel Trindade (1975 a 1980); Pastoral da Manuel Ramos
Juventude: P. João Francisco da Silva Mendes (1970 a 1973); Co-
36
munidades Rurais: P. M. Jerónimo Nunes (1970 a 1987); Pastoral Na equipa de Vargem Grande trabalharam os PP. Mamede,
Familiar: P. António Mamede Fernandes. Joaquim Patrício, Laurindo Neto, Fernando Eiras, Tavares da Silva,
Manuel Bastos, Manuel Trindade que, sendo Superior Regional de
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Além dos citados na nota anterior, viveram em Teófilo Otóni Minas-Maranhão, Pároco de Vargem Grande e Vigário Geral da
os padres: António Mamede Fernandes, Joaquim Patrício da Silva Diocese, faleceu a 23 de Julho de 1995 em Belo Horizonte, quando
Mendes, António Julião Valente, Manuel Silva e António Tavares participava no V Encontro Latino-Americano de Missões (COMLA
da Silva. V). Estas paróquias foram entregues à diocese pelos PP. Fernando
Eiras e Laurindo Neto, em 2001.
28
Trabalharam em Novo Cruzeiro (1976-...): P. Alfredo Moreira,
37
Irmão António Cipriano, e os padres A. Rodrigues Pereira, Manuel P. Neves, eleito para a Direcção Geral em 1990, não foi subs-
Silva, Joaquim Patrício, Justino Maio Vicente, Alberto Fonseca Prata, tituído. Em 1995, o P. Neves voltou, mas para substituir o P. Casimiro
Ir. Macário de Oliveira Guedes e o P. Fernando Eiras. que assumiu a Animação Missionária em Portugal. Mas as obriga-
ções pastorais continuaram as mesmas (excepto em Urbano Santos
29
Além da evangelização e da formação de comunidades, a onde está um padre diocesano).
paróquia apoiou muito a organização dos lavradores e apoio aos
38
migrantes do corte de cana de açúcar. Em 1988, oitenta famílias de Missionaram nesta Paróquia, além do P. Albano, os PP.
sem-terra ocuparam a fazenda Aruega, há muito abandonada, e co- Adelino Fernandes Simões, António Tavares Martins, Manuel
meçaram a plantar. O dono declarou-a área ecológica para preser- Armindo de Lima, Orlando Martins e Delfim Pires e Irmão João
var bichos do mato. Mas o povo que estava com fome garantiu a Balau,.
prioridade à vida das famílias humanas. Só 30 puderam ficar, mas Destes passaram já para a vida eterna o P. Albano e o P. Lima.
as restantes conseguiram, das autoridades e pessoas amigas, um O primeiro veio a falecer no Hospital Américo Boavida; o segundo
pedaço de terra no município vizinho de Itaipé. foi morto violentamente quando, com um grupo de catequistas, se
dirigia a anunciar a Palavra de Deus à área do Bita. Era o dia
30
Em 1976, a primeira equipa foi constituída pelos padres José 03.02.1982. Tinha só dois meses de vida missionária em Angola.
Nuno de Castro e Silva e José Alves. Depois vieram sucessivamen- Jaz no cemitério de Viana.
te os padres Júlio Gamboa, Fernando Eiras e Manuel Silva (por do-
39
ença, deixou a paróquia em 2002). O P. Nuno continua até hoje em O primeiro missionário da Sociedade que entrou nesta Mis-
Berilo onde realizou já notável obra evangelizadora na formação de são foi o P. Francisco Fernando Martins das Eiras, que nasceu em
comunidades e líderes, defesa dos direitos dos pobres, luta contra o Malanje, Angola, filho de transmontanos. Chegou ao Dúmbi nos
barbeiro e a favor dos doentes chagásicos, construiu escolas, servi- primeiros dias de Janeiro de 1971. No seu curto tempo de perma-
ço de água em comunidades rurais, restaurou a Igreja do século XVII, nência no Dúmbi, o povo chamava-lhe o Kameme, o Cordeiro, pelo
construiu uma nova e um centro catequético. seu temperamento pacífico e acolhedor. Em breve viria a ser o pri-
meiro Pároco que a Sociedade teve no Seles. Hoje trabalha no Bra-
31
Lá têm trabalhado, desde 1989, os Padres Fernando Eiras, sil. A equipa missionária que empenhou a Sociedade no Dúmbi fo-
Alfredo Moreira, A. Rodrigues Pereira, Júlio Gamboa. ram os Padres Manuel Fernandes, ex-Superior Geral e propositada-
mente transferido de Moçambique (chega ao Dúmbi aos 25 de Mar-
ço do mesmo ano de 1971). A 13 de Outubro o jovem P. Augusto
47 Parte I – Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova

45
Farias, ordenado nesse ano, completou a equipa. No ano seguinte o Padres angolanos na SMBN, origem e data de ordenação:
P. Fernando foi transferido para o Seles e a equipa em Outubro rece- Eduardo Daniel, Wako Kungo, Sumbe, 21.05.1994; Kaquinda Dias,
beu outro jovem recém-ordenado, o P. Aníbal Fernandes Martins Seles, Sumbe, 13.05.95; António Sebastião Kusseta, Seles, Sumbe,
Morgado, que já fez 30 anos em Angola. 21.04.2001; Diácono Isidro Albino José, Benguela, 10.10.2004.
40 46
Trabalharam aqui P. Fernando Eiras, P. Laurindo Neto, P. Os formadores: P. José António Carvalho, Reitor desde o
Armindo Alberto Henriques, Padres Manuel Fernandes e Aníbal (ini- início, e os formadores: Aníbal Morgado, António Valente, João de
cialmente ligados ao Dúmbi); P. António Valente Pereira, Irmão Artur Deus Lopes Cavalcanti, Manuel Fernandes, Eduardo Daniel.
Augusto Paredes e P. José da Silva Mendes.
47
Em 1983, chegou o P. Manuel Norte que, depois do curso de
41
O primeiro sacerdote que a Sociedade apresentou como Pá- 4 meses de Bemba e de adaptação pastoral em Ilondola (uma das
roco foi o Senhor P. Albano. Ali trabalharam sucessivamente: o P. missões dos Padres Brancos, no norte do país), tomou conta da Pa-
José Mendes deu um apoio especial à juventude, então muito con- róquia de Konkola. Mais tarde, no mesmo ano, chegou o P. Carlos
trolada para receber formação marxista, e veio a ser o responsável Manuel Farinha Gabriel. Depois do curso em Ilondola, substituiu o
pela pastoral juvenil a nível arquidiocesano; o P. Viriato Augusto de P. Guedes e, depois, o P. Castro, durante as férias. Finalmente, em
Matos dedicou-se às estruturas materiais, tais como as da futura 1985, chegou o P. Horácio José Botelho Pereira, que também fez o
Paróquia do Golfe e a Capela do Palanca; o P. Agostinho Alberto curso de Ilondola.
Rodrigues deixou óptimas recordações nesta comunidade; P. Orlando
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Augusto Martins, actual Pároco, substituiu o P. Viriato e empenhou- O Lamba é parecido com o Bemba e a maioria dos Lambas
se na formação integral e escolar, e é o Vigário Episcopal para o falam uma mistura de Lamba e de Bemba. Os primeiros
ensino católico. Tem como colaborador o P. António Frazão. Foi evangelizadores dos Lambas foram os Baptistas. Foram eles que
esta Paróquia a casa de acolhimento de todos os membros da Re- traduziram a Bíblia em Lamba. Embora haja 5 missões rurais em
gião. Foi como que a nossa casa-mãe nestes anos de guerra. Por terra lamba na diocese de Ndola, a Igreja Católica não tem prestado
aqui também passaram o P. Couto e alguns finalistas do Seminário muita atenção à cultura lamba, fazendo toda a sua pastoral em Bemba.
de Valadares. E nesta Paróquia foram então acolhidos os dois pri- Chililabombwe, na sua zona urbana, é constituída por uma mistura
meiros aspirantes angolanos da Sociedade, vindos do Quanza Sul, de tribos e de gentes, embora a maioria seja das tribos afins aos
hoje Padres Eduardo Daniel e Kaquinda Dias. O formador era o Bembas. A zona rural é constituída principalmente pelos Lambas.
mesmo P. Albano. Veio a falecer no dia 31.01.1989. Era Vigário
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Geral da Arquidiocese. Multidão de gente quis acompanhar o seu Ainda há pouco andou por cá um caçador de bruxas, com
funeral até ao cemitério de Santa Ana, onde jaz. autorização da polícia, obrigando todas as casas a contribuir para
As Irmãs que aqui se dedicam à pastoral são as da Companhia ele passar pelos bairros e descobrir os bruxos, aqueles que vivem
de Santa Teresa, cujo apoio e estreita união com os missionários bem e que supostamente tornam a vida dos outros impossível. Os
muito tem ajudado, desde a primeira hora, nos diferentes campos da que não queriam pagar eram ameaçados. E os que ele acusava ti-
pastoral, nomeadamente catequético, juvenil, sanitário e escolar. nham de lhe pagar uma avultada quantia em dinheiro para os livrar
42
P. Farias tomou pois como prioridade levar os leigos a um do poder mágico que tinham em si sem saber. Aquilo era um
apostolado empenhativo. Em 1983 veio o Irmão João Balau e o P. pandemónio por onde ele passava, e lá ia enriquecendo à custa do
António Ramos, vindo do Zimbábwe. Em 1986 o P. Farias foi eleito medo e da ignorância das gentes. Tivemos que pregar nas igrejas,
para a Direcção Geral. O P. Delfim foi solicitado para substituir o P. que explicar e que conscientizar as comunidades para se protege-
Farias, ficando também como Director do Secretariado Diocesano rem e lutarem contra a violência e a injustiça do caçador de bruxas,
de Pastoral. Entretanto o P. Artur de Matos veio por dois anos. chamado Muçapi (significa lavador, purificador).
Este foi um caso extremo, mas esta mentalidade manifesta-se
43
Em 1975, as Paróquias de Seles e Cassongue ficaram sem continuamente em várias circunstâncias, principalmente em caso
missionários. Pelo ano de 1980 regressaram as Missionárias de doença e de morte. Em tais casos, as comunidades podem ter
Dominicanas do Rosário. Foi então que a Sociedade Missionária uma acção importante, dando coragem e fortaleza, fazendo crescer
colocou lá o P. Cândido da Silva Coelho Ribas e o primeiro Mem- na fé em Jesus Cristo.
bro Associado, o P. Delfim Pires, do clero diocesano da Guarda.
50
Cerca de um ano depois, P. Ribas abandonava o ministério sacerdo- Em 1994, o P. Horácio foi eleito membro da Direcção Geral
tal. Foi nomeado Pároco o P. Delfim e foi transferido do Seles o P. e, tempos depois, saiu também o P. Carlos. Foram substituídos pe-
Aníbal, simultaneamente o Superior da Missão do Dúmbi, cujos los PP. Castro Afonso e Eduardo Daniel. Quando este foi estudar
cristãos se haviam espalhado também muito pela área do Waco para Roma, veio o angolano P. António Sebastião Kusseta.
Kungo. O P. Delfim, num autêntico diálogo que sempre soube man-
ter com os catequistas, deu início ao que se chamou “Catecismo da
Mamã”, também conhecido como “Catecismo para todos” e que
muito se divulgou em toda a Diocese. Cerca de meio ano depois, o
P. Aníbal regressou ao Seles. Foi para o Waco o P. António Valente
Pereira.

44
Os Missionários nesta Paróquia foram: P. Delfim Pires, P.
António Valente Pereira, Dr. Francisco Castelo Branco Camello (lei-
go associado), P. Manuel Fernandes, P. Aníbal Fernandes, Irmão
Artur Paredes, P. António Ramos, P. António Frazão, os diocesanos
P. Matias Idela e P. Horácio Augusto Laurindo, o P. Augusto Farias,
P. Paulo Jorge e vários estagiários da Sociedade que aqui passaram
um ano, sendo o último Joaquim Lima.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 48
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 58

2.6. Quadro-resumo dos Estatutos


59 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

* O mandato passou a bienal por decisão da AG de 8 de Dezembro de 1967, realizada em Valadares


(cf Bol 19, Fev 1968, p. 4, A nossa reunião geral).

ANEXO 1 – Cópia dos primeiros Estatutos (de 1960)

ANEXO 2 – Cópia dos Estatutos actualmente em vigor (de 1994)


85 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

tologia de textos publicados no Boletim da ARM), comunhão entre todos os antigos alunos da SM.
agora só interessa dizer que, desde o primeiro Outros aspectos há ainda que interessa dar a
número, houve um “artigo de fundo”, um texto conhecer e vão ser apresentados em extenso qua-
de carácter doutrinário; mas só com o n.º 50 (2.ª dro que abrangerá todos os números do Boletim.
Série), em Set/Out 1993, começou a classificar-se São eles os seguintes, além do número e data de
esse texto, e não sempre, de Editorial. Tal veio cada edição: quem era o presidente da Direcção
a tornar-se constante a partir de Março de 2001, ou o director do Boletim; onde foi este composto
com o n.º 71. Quase sempre publicado na primeira e impresso; o seu formato; o número de páginas;
página, às vezes na terceira. se contém ilustrações (ou gravuras) e quantas; o
Esse texto tinha (e continua a ter) como ob- nome dos colaboradores, mesmo usando pseudó-
jectivo fundamental a formação dos armistas, nimos, abreviaturas ou siglas (excepto quando as
inculcando valores e apontando princípios, ideias suas cartas só são parcialmente publicadas); a tira-
e atitudes, com vista a atingirem-se os fins da As- gem; se apresenta publicidade e quantos anúncios.
sociação. Mas há outros tipos de textos: uns são Assim se ficará a saber a evolução havida desde a
informativos, outros fazem memória, outros, ainda, primeira edição, em Março de 1961, e o n.º 85, em
interpelam e dão resposta, outros, finalmente, são Dezembro de 2004, com a interrupção conhecida
cartas dos leitores armistas. Todos procuram criar de 18 anos, entre 1975 e 1993.
e fazer circular o espírito armista e aprofundar a

Quadro-síntese do Bolotim da ARM, do n.º 1 ao n.º 85.


A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 86
87 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 88
89 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 90
91 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

6. O MISSIONÁRIO CATÓLICO E A BOA Justificava-se este reparo e o consequente


NOVA COMO ÓRGÃO INFORMATIVO pedido? Se tivermos em conta que o MC era,
DA ARM estatutariamente, o “órgão oficial da ARM” e se
observarmos as notícias nele publicadas sobre
Em Maio de 1963, noticiava o Boletim n.º 5 que as actividades da Associação, não há dúvida de
havia sido pedida “a atenção da direcção do Missio- que tal atitude era legítima. Com efeito, até esse
nário Católico, como órgão oficial da ARM, para o momento (Maio de 1963), o MC havia publicado
reduzido noticiário que a seu respeito inseria” 52. apenas uma fotografia de um grupo de armistas, em
1961, e, em 1962, apresentara duas fotografias em
52
Bol 5, Mai 1963, p. 5. Janeiro e outra em Junho. Nos anos seguintes o rit-
49 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

PARTE II

ARM

60 ANOS DE VIDA

por

João Rodrigues Gamboa


A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 50
51 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

INTRODUÇÃO ao mesmo tempo que se olha a crise de 1974/1975


com as subsequentes cessação de actividades até 1978
Não é pretensão deste trabalho fazer a história e suspensão da publicação do Boletim até 1993, as-
da ARM, mas tão simplesmente escrever algumas sim como a celebração do cinquentenário em 1994. A
notas sobre a sua vida e trajectória de sessenta anos. seguir tratam-se aspectos como: os órgãos sociais da
Uma existência feita de momentos de ársis e mo- ARM, com relevo para alguns nomes; as Assembleias
mentos de thésis, de dinamismos e fragilidades, até Gerais anuais e os encontros regionais; o Boletim; as
de paralisações, sem dúvida, mas globalmente rica, revistas Missionário Católico e Boa Nova como ór-
acumulando um património simultaneamente gão informativo da ARM; as delegações; a assistên-
afectivo, social e cultural vivido e erguido com cia social aos associados e a solidariedade com os
generosidade, sentido de partilha e solidariedade, missionários; a publicidade no Boletim; e, finalmen-
persistência e espírito missionário, por gerações te, a bandeira e o hino da ARM.
sucessivas de antigos alunos dos seminários da
Sociedade Missionária. Desde as longínquas ori- 1. AS ORIGENS (1944-1960)
gens situadas no mês de Maio de 1944 até meados
de 2004; desde o encontro d’“os 15 magníficos”, A Associação Regina Mundi (ARM) nasceu for-
na Quinta da Penha Longa, em Sintra, até ao En- malmente em 2 de Outubro de 1960, no Seminário
contro Nacional da ARM de 2004, em Cernache de Cucujães. Os antigos alunos dos seminários da
do Bonjardim, nos dias 15 e 16 do mesmo simbóli- Sociedade Missionária aí presentes – em “mais uma
co e sagrado mês de Maio.1 reunião” e, “desta vez”, no referido seminário5 –,
As fontes consultadas foram o Boletim da ARM, aprovaram por aclamação o projecto de Estatutos
que começou a publicar-se em Março de 1961: ini- e os nomes propostos para a Direcção. Mas a ideia
cialmente como suplemento do Missionário Católi- já vinha de longe e as reuniões sucediam-se, ora
co, depois, a partir de Maio de 1968, com o n.º 20, num seminário, ora noutro, entre Tomar, Cernache
já independente e autónomo2 embora aquela revis- do Bonjardim, Cucujães e mesmo outros locais.
ta e a Boa Nova sua sucessora continuassem a pu- Umas espontâneas e esporádicas, outras mais com-
blicar informações e textos referentes à Associa- binadas.
ção dos Antigos Alunos da SMBN. Com algumas A primeira dessas reuniões – considerada mais
lacunas, pois os números 6, 7, 11, 12, 15, 16 e 18 tarde a reunião fundadora da ARM – realizou-se
nunca se encontraram e não pôde ser colhida a in- em Maio de 1944, na Quinta da Penha Longa, em
formação histórica de interesse que neles está de- Sintra, e juntou um punhado de antigos alunos e
positada.3 Foram também compulsadas as revistas professores da Sociedade Missionária – “os 15
Missionário Católico e Boa Nova e as Actas da magníficos”, como lhes chamou José Nereu San-
Assembleia Geral 4. tos6 . Sonhavam com uma associação que congre-
Depois das origens, aborda-se a ARM pela pers- gasse à volta da Sociedade Missionária os seus an-
pectiva dos estatutos (de 1960, 1964, 1981 e 1994), tigos alunos. O citado José Nereu Santos e o Dr.
António Delgado da Fonseca é que tomaram a ini-
1
ciativa7 .
Foi tendo em conta, muito provavelmente, este Maio de 1944
que, na reunião geral de 30 de Abril de 1978, em Cernache do
Bonjardim, a ARM decidiu que o Encontro anual nacional passasse
a realizar-se sempre em Maio, e no terceiro domingo.
2 5
“Independente e autónomo” apenas por deixar de ser designa- José Maria Alves, Confraternizando, Suplemento n.º 1 do
do como suplemento do Missionário Católico, embora esta indica- Missionário Católico para os membros da Associação Regina
ção se tenha ainda mantido, diluída em caracteres reduzidos e fora Mundi, Mar 1961, pp. 3-4.
do enquadramento do título, nos n.os 21 e 22. Suplemento que sempre será designado como Boletim (Bol 1),
3
Tendo escrito a cerca de vinte armistas dos mais activos nos embora só com o n.º 20 tenha tomado formalmente este nome e
primeiros anos da ARM, ou às suas famílias, no caso dos já faleci- título (já utilizado anteriormente, por exemplo no n.º 14, p. 3).
6
dos, apenas uma resposta foi obtida dizendo que não possuía ne- José Nereu Santos, O meu Postal, Bol 52 (2.ª Série), Jan/Fev
nhum daqueles números do Boletim. 1994, p. 3.
4 7
Somente a partir de 1980; as anteriores, se existem, não as Boa Nova, Jun/Jul 1991, p. 33, Feliz por ter sido um dos fun-
encontrei. dadores da ARM (entrevista conduzida pelo Pe. João Avelino).
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 52

“Os 15 magnificos” (aqui só 14,


o 15º foi o fotógrafo): Adriano Mateus
de Oliveira, P.e José Oreiro Soares
Pacheco, Francisco Ribeiro da Cos-
ta Terezo, Joaquim Alves Mateus, Dr.
Artur Cotrim da Silva Garcez, Dr.
António Delgado da Fonseca, P.e Jai-
me Afonso Boavida, P.e Cesário Pe-
reira da Silva, P.e Luís do Nascimen-
to Silveira, Manuel Cândido Basso,
Dr. José Nereu Santos, P.e Wenceslau
Gonçalo de Almeida Gil, Henrique
Lopes Ramos, Dr. José Custódio dos
Santos e Arq. António Nunes e Silva
Campino.
(À fotografia publicada na BN de
Jun/Jul 1991, p. 33, preferiu-se esta
(cedida por Manuel Cândido Basso)
por apresentar melhor qualidade.)
Mais uma reunião documentada realizou-se no 2. A ARM SEGUNDO OS ESTATUTOS
Seminário de Cucujães, em 8 de Outubro de 1950.
Aí confraternizaram antigos alunos dos seminári- Os Estatutos da ARM foram elaborados e apro-
os de Tomar, Cernache do Bonjardim e Cucujães8 . vados pelos armistas mais atentos e activos em re-
lação aos objectivos da Associação. Traduzem,
Antigos alunos reunidos
portanto, o seu pensar e o agir que para ela deseja-
em Cucujães (1950).
vam com vista aos fins pretendidos. Com as nuances
de cada época, com o aperfeiçoamento resultante
da experiência e da caminhada feitas, e sempre com
o afecto de quem define uma causa e a abraça para
a levar à prática.
Após a análise sumária de cada reformulação
dos Estatutos, na qual se procura ver as diferenças
introduzidas, apresenta-se um quadro-resumo de al-
guns aspectos considerados mais operacionais, tor-
Outros encontros se foram realizando, como já nando-se assim mais clara, por comparação, a evo-
se disse, e no espírito dos antigos alunos iam ama- lução e a visão de conjunto.
durecendo, paulatinamente, a ideia da associação,
sua natureza e seus fins. Em 1 de Outubro de 1958, 2.1. Os Estatutos de 1960
em mais uma reunião realizada no Seminário de
Tomar, foi fundada e iniciada com 1 000$00 a “Bol- Aprovados em 2 de Outubro de 1960, os Esta-
sa da Vocação Missionária”, que em Abril de 1962 tutos definiam como objectivos da ARM:
já atingia a importância de 9 416$509 e 14 412$00
em Maio de 196310. a) Congregar em redor da Sociedade Missio-
nária todos os seus antigos alunos, fomen-
tando e estreitando os laços de amizade, com
o fim de se ajudarem espiritual, moral e so-
cialmente.
8
Lapin du Pré, ARM – Associação Rainha do Mundo, Boletim b) Proporcionar aos antigos alunos todos os be-
da ARM, Edição Especial, s/d (Maio de 1986 ?), p. 4. nefícios espirituais resultantes da sua união
9
Bol 4, Ago 1962, p. 4.
10
Bol 5, Mai 1963, p. 6. com a Sociedade Missionária, pela partici-
53 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

pação nas orações, missas, sufrágios, tra- aprovados novos Estatutos, com assinaláveis dife-
balhos e boas obras da Sociedade. renças.
c) Fomentar o espírito missionário e despertar Há sócios ordinários, que são todos os antigos
a consciência da união dos associados en- alunos dos Seminários da Sociedade e não têm di-
tre si e com a Sociedade Missionária.11 reitos nem deveres; e sócios efectivos, todos os que
estejam inscritos na ARM de acordo com os Esta-
O único órgão dirigente da Associação era a Di- tutos e são senhores de direitos e deveres que lhes
recção, constituída por um presidente, um secretá- permitem participar activamente na vida da Asso-
rio e um tesoureiro, “escolhidos anualmente entre ciação.
os associados no pleno gozo dos seus direitos”, isto Os órgãos sociais são agora, além da Direcção,
é, inscritos e com as quotas em dia. A quota míni- a Assembleia Geral e as Delegações.
ma era de 5$00 mensais (60$00 por ano), paga se- A Mesa da Assembleia Geral é composta de um
mestral ou anualmente. presidente e dois secretários, que são simultanea-
Constituíam a Associação todos os antigos alu- mente os vogais da Direcção, todos eleitos anual-
nos dos Seminários de Tomar, Cernache do mente.
Bonjardim e Cucujães, mesmo que a frequência se A Direcção compõe-se de cinco membros: pre-
tivesse verificado antes da fundação da Sociedade sidente, secretário com funções de vice-presiden-
Missionária, em Outubro de 1930. te, tesoureiro e dois vogais, que são também, como
Era definida uma reunião geral anual, na qual se disse, secretários da Mesa da Assembleia Geral,
eram fixados o local e a data da seguinte. Também todos eleitos anualmente.
eram previstas reuniões de carácter regional, as- As Delegações serão criadas pela Direcção “nos
sim como a momeação de Delegados Regionais. distritos do Continente e Ultramar” e a sua institui-
Nestas reuniões, era celebrada “a santa Missa por ção será publicada no Boletim da ARM, sendo os
intenção dos associados, e em sufrágio dos superi- Delegados designados pela Direcção. Compete às
ores e condiscípulos falecidos”. Na reunião anual, Delegações:
a Direcção apresentaria um breve relatório das ac- a) Auxiliar a Direcção a realizar os fins da As-
tividades do ano. sociação;
Metade do valor das quotas era destinada a b) Promover e dirigir as reuniões da respecti-
Bolsas de estudo; os outros 50% constituíam um va região;
“fundo de assistência aos sócios”. c) Actuar junto dos associados da sua região,
O Superior-Geral da Sociedade Missionária é o contribuindo para a sua maior aproximação
Presidente de honra da Associação e haverá um sa- e interesse pelos objectivos da Associação12 .
cerdote Assistente da ARM designado por aquele.
O órgão da Associação é a revista Missionário Ser-lhes-ão facultados (pela Direcção?) os mei-
Católico, antecessor da actual Boa Nova, “distri- os financeiros necessários à prossecução dos seus
buído a todos os associados no pleno gozo dos seus fins.
direitos”. Mas a Direcção promoverá a publicação A sede da Associação Regina Mundi é na Casa-
de um suplemento do Missionário Católico para Mãe da Sociedade Missionária (nesta altura na Rua
os associados. Bernardo Lima, 33, em Lisboa).
Eram protectores da ARM os padroeiros da Soci- O órgão de informação dentro da ARM conti-
edade Missionária: Nossa Senhora da Conceição, S. nua a ser designado como “suplemento do Missio-
Francisco Xavier e o Beato Nuno de Santa Maria. nário Católico”.
A duração do mandato dos órgãos sociais con-
2.2. Os Estatutos de 1964 tinuou a ser de um ano, mas, na Assembleia Geral
de 1966, o Presidente cessante propôs que a elei-
Na Assembleia Geral de 1964, realizada em 4 ção se fizesse “por dois anos”, o que obrigaria a
de Outubro, em Cernache do Bonjardim, foram
11 12
Estatutos de 1960, Art.º 3.º. Estatutos de 1964, Art.º 21.º.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 54

alterar os novos Estatutos13 . 2.4. Os Estatutos de 1981


Essa alteração veio a ser decidida, muito pro-
vavelmente, pela AG de 8 de Dezembro de 1967, Paralisada desde 1974-1975, a ARM renasceu
realizada em Valadares14 . em 1978, em reunião geral que teve lugar em
Cernache do Bomjardim, em 30 de Abril, tendo sido
2.3. A crise de 1974-1975 e a paralisação até 1978 constítuida uma Comissão Directiva provisória. Em
20 de Maio do ano seguinte, no mesmo Seminário
Com a revolução do 25 de Abril, chegou a crise de Cernache, realizou-se novo encontro de carác-
ao seio da ARM. ter nacional e a Comissão Administrativa então
Eleitos em Outubro de 1973, na Assembleia designada teve por missão gerir os destinos da As-
17
Geral de Cucujães, para o biénio de 1974-1975, sociação até à eleição de novos corpos gerentes .
estavam à frente da Direcção armistas das gerações Para isso, e sob a orientação do Dr. José Maria Ri-
mais jovens. E do choque de ideias e mentalidades beiro Novo, iniciou-se a revisão dos Estatutos (de
com membros da geração mais velha, alguns deles 1964), os quais, apresentados na AG de 18 de Maio
membros fundadores e muito activos desde a pri- de 1980, no Seminário de Valadares, foram discu-
meira hora, resultaram dificuldades que não foram tidos e aprovados. Em 24 de Maio de 1981, na
ultrapassadas. Os n.os 51 e 52 do Boletim, mais tar- Assembleia Geral realizada no Seminário de To-
de considerados ilegítimos juntamente com o n.º mar, depois de definida a redacção final e por ex-
5015 , são disso espelho. Títulos de textos como os presso desejo da Comissão Administrativa, eles
seguintes: O essencial e o acessório, Pátria Futu- foram finalmente ratificados por aclamação e fo-
ra, Primeiro a Justiça, As escolas comunitárias e a ram eleitos os novos corpos sociais, repondo-se a
aprendizagem da Democracia (do n.º 51) e Hora normalidade na vida da Associação18 .
decisiva – ARM em causa, Ser ou não apenas da Segundo os novos Estatutos, o objectivo geral
cor..., Cristãos e marxistas face à revolução – Diá- da ARM, agora chamada Associação Rainha do
logo e cooperação são possíveis, A propósito do Mundo, continuou a ser o mesmo: unir em redor
último número – Apoliticismo, apartidarismo, da Sociedade Missionária os Associados, aumen-
anticomunismo... (do n.º 52), dão bem a imagem tando e estreitando os laços de amizade entre eles,
do tipo de confronto ideológico vivido na ARM. com o fim de mutuamente se auxiliarem no campo
Com a Direcção demissionária, a Assembleia social, missionário e cultural 19. Há, porém, maior
Geral convocada para 16 de Março de 1975, no clareza e objectividade quando são definidos “ob-
Seminário de Cernache do Bonjardim, nada resol- jectivos de ordem social e missionária” e “objecti-
veu16 . As actividades cessaram quase totalmente e vos de ordem cultural”, sendo estes uma novidade.
o Boletim deixou de se publicar. São objectivos de ordem social e missionária
os seguintes:

a) Auxiliar materialmente os seminários da


13
Relatório da Direcção (1966), 7.º – Nova Direcção, Bol 14, Sociedade Missionária com subsídios per-
4.º Trim 1996, p. 4.
14
Bol 19, Fev 1968, p. 4, A nossa reunião geral.
manentes ou eventuais, designadamente
15
Com efeito, quando, em 1993, foi retomada a publicação do Bolsas de Estudo;
Boletim da ARM, as edições com os n.os 50, 51 e 52 foram conside- b) Criar e desenvolver formas de assistência e
radas inexistentes e estes números voltaram a ser atribuídos (ver à
frente, em 5. O Boletim da ARM). Para distinguir estas três edições
previdência entre os associados com prefe-
do Boletim, serão designados como da 1.ª série os n.os de 1974 e rência para os que exerçam funções sacer-
1975 e como da 2.ª série os n.os de 1993 e 1994. dotais e missionárias;
16
Da Ordem do dia constavam assuntos candentes como: Dis-
cussão de propostas e sugestões a apresentar pelos sócios acerca 17
Ver à frente a constituição destas duas Comissões (3. Os Ór-
da organização e papel da ARM no contexto sócio-político actual gãos Sociais, anos 1978-1979 e 1979-1980).
(ponto 2.º); Manutenção e orientação do Boletim (ponto 4.º); Elei- 18
A Associação “Rainha do Mundo” (ARM) dos antigos alu-
ção de novos elementos para ocuparem vagas ocasionadas pela nos da Sociedade Missionária está viva e esperançosa!, Boa Nova,
demissão dos membros da direcção (ponto 5.º), in Bol 52 (1.ª Sé- Julho 1981, p. 9.
rie), Jan/Fev 1975, p. 1. 19
Estatutos de 1981, Art.º 3.º.
55 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

c) Prestar todo o apoio possível, de natureza letim e os Estatutos não lhe fazem referência; por
moral, económica e profissional aos associ- isso os sócios deviam “assinar a revista Boa Nova
ados carecidos; aproveitada como veículo noticioso da Associa-
d) Organizar concentrações a nível nacional ou ção”22 . De facto, no período de 1978 a 1993, em
regional, com vista a aumentar a amizade e que já havia um órgão directivo mas não se publi-
convivência entre todos os associados e suas cava o Boletim, a Boa Nova desempenhou a fun-
famílias; ção importante de fazer a relação entre a Direcção
e) Promover sufrágios anuais pelos sócios fa- e os associados.23
lecidos20 . A ARM continuou a ter a sua sede na Casa Cen-
tral da Sociedade Missionária (então na Rua
Os de ordem cultural são estes: Bernardo Lima, 33, em Lisboa), e o Superior-Ge-
ral continuou a nomear um Assistente Missionário
a) Organizar, a nível nacional ou local, confe- que, junto da Direcção, assegurará a ligação entre
rências, palestras, seminários, mesas redon- a ARM e a Sociedade e “deverá ser ouvido em to-
das, sobre temas de interesse sócio-cultural das as iniciativas de carácter eclesial”24.
em todos os campos da vida actual;
b) Colaborar na publicação e expansão de jor- 2.5. Os Estatutos de 1994 e a constituição legal
nais e revistas de feição doutrinária e cultu- da ARM; a celebração dos 50 anos e outras
ral, nomeadamente os que forem editados iniciativas
pela Sociedade Missionária;
c) Desenvolver outras actividades de carácter Eleita em Fátima, em 16 de Maio de 1993, a
sócio-cultural no campo artístico e recrea- Direcção presidida por Santos Ponciano levou a
tivo em conjunto com a Sociedade Missio- cabo um conjunto de iniciativas muito importan-
nária21. tes. A primeira e mais decisiva foi a retoma da pu-
blicação do Boletim da ARM, logo em Setembro
Os sócios são efectivos: “todos os antigos alu- de 1993 (interrompida, como sabemos, desde Mar-
nos, sacerdotes ou não, que frequentaram qualquer ço de 1974 / Janeiro de 1975), tentando que a sua
seminário da Sociedade Missionária Portuguesa”; edição fosse bimestral (objectivo conseguido du-
e honorários: as pessoas singulares ou colectivas rante alguns meses) e tivesse uma tiragem de 500
que, por motivo de amizade ou serviços relevantes exemplares. E apelando à colaboração de todos,
prestados à ARM, “venham a merecer essa distin- com textos e nos custos25.
ção”. A Sociedade Missionária é o primeiro sócio A reconstituição26 das delegações de Bragança,
honorário. Castelo Branco e Coimbra foi um esforço que se
Os órgãos dirigentes são a Assembleia Geral, prolongou por vários e longos meses. Assim, em
que reúne ordinariamente uma vez por ano, com- 18 de Abril de 1994, foi fundada a delegação de
pondo-se a sua mesa de um presidente, um vice- Castelo Branco27; em 1 de Maio do mesmo ano,
presidente e dois secretários, eleitos trienalmente, em Pinelo, a de Bragança28; e em 28 de Setembro
e a Direcção, formada por um presidente e um vice- de 1996, a de Coimbra29.
presidente, também eleitos por três anos, os quais
escolhem um secretário, um tesoureiro e dois vo- 22
Idem, Art.º 7.º, alínea e).
23
gais. Ver 6. O Missionário Católico e a Boa Nova como órgão infor-
mativo da ARM, nesta Parte II.
Não há conselho fiscal. 24
Estatutos de 1981, Art.º 20.º, § 2.
Poderão constituir-se Delegações “em qualquer 25
Hibernou, Santos Ponciano, Bol 50 (2.ª Série), Set/Out 1993, p. 5.
26
parte, desde que o substrato social o justifique”. Reconstituição porque, como veremos à frente (7. As Delega-
ções), já em 1963 havia sido criada a delegação de Coimbra e, em
No período de Março de 1974/Janeiro de 1975 1965, a de Castelo Branco.
a Setembro de 1993 não houve publicação do Bo- 27
Castelo Branco já é Delegação, Bol 53, Mar/Abr 1994, pp. 8 e 2.
28
Bragança, a 3.ª Delegação a seguir a Porto e Castelo Branco,
20
Idem, Art.º 3.º, § 1. Bol 54, Mai/Ago 1994, pp. 8 e 5.
21
Idem, Art.º 3.º, § 2. 29
Coimbra já é Delegação, Bol 61, Jul/Set 1996, p. 3.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 56

A iniciativa mais profunda consistiu, porém, tular do NIPC n.º 503 268 372.
indubitavelmente, num conjunto de acções intima- Este processo foi conduzido pelo Dr. Ramiro
mente ligadas: a legalização formal da Associação, Farinha Martins e iniciou-se em 20 de Setembro
a revisão e aprovação de novos Estatutos e a cele- de 1993, no Registo Nacional de Pessoas Colecti-
bração dos 50 anos da fundação da ARM. vas, com a apresentação do pedido de certificado
O Estatutos (de 1994) foram aprovados na de admissibilidade da ARM – Associação Rainha
Assembleia Geral de 15 de Maio, realizada no Semi- do Mundo dos Antigos Alunos da Sociedade
nário de Cernache do Bonjardim. Embora houvesse Missionária Portuguesa, tendo terminado na refe-
necessidade de serem revistos por motivo de altera- rida data (14 de Maio de 1994), com a assinatura
ção do Código Civil e das Sociedades, eles nada apre- de escritura pública de constituição da ARM, na
sentam de novo, antes consolidam a doutrina e a prá- Casa Central da Sociedade Missionária (Rua da
tica anteriores30. Reconhecem que a ARM “existe de Bempostinha, 30, em Lisboa), perante o notário do
facto desde mil novecentos e quarenta e quatro”31 e 6.º Cartório Notarial de Lisboa. Foram outorgantes
registam que ela “é uma associação sem fins lucrati- os seguintes armistas: António Moutinha Rodri-
vos, legalmente constituída em catorze de Maio de gues, Domingos João Raposo de Quina, João Fran-
mil novecentos e noventa e quatro”32. cisco de Jesus, José Domingues dos Santos Pon-
A escritura da sua constituição foi publicada no ciano, José Francisco Rodrigues, José Nereu San-
Diário da República n.º 139, de 18/06/94, III Série, tos, Ramiro Farinha Martins, Viriato Augusto
p. 10280-(4). A ARM tem a sua sede social na Casa Fernandes de Matos e Vítor Manuel Silva Borges.
Central da Sociedade Missionária Portuguesa, na Quanto ao cinquentenário da fundação da ARM,
Rua da Bempostinha, 30, 1150-066 Lisboa, e é ti- ele desempenhou um papel relevante na motiva-
ção, mobilização e dinamização das hostes armistas.
A Direcção aproveitou exemplarmente essa circuns-
tância e esse evento e preparou com entusiasmo a
sua celebração, provocando reflexão e discussão
sobre o futuro da ARM, nos encontros regionais de
Valadares, Lisboa, Castelo Branco e Bragança e na
Assembleia Geral de 15 de Maio de 1994, em
Cernache do Bonjardim.
As celebrações tiveram lugar nessa Assembleia
Geral de Cernache do Bonjardim; continuaram nos
dias 15 e 16 de Outubro do mesmo ano, no Semi-
nário de Valadares, em encontro a que se chamou
“Primeiras Jornadas Nacionais da ARM” 33; e fo-
ram encerradas na Assembleia Geral de 21 de Maio
de 1995, em Cucujães.
Para assinalar a efeméride, foi cunhada em bron-
ze uma medalha comemorativa, da qual foram fei-
tos 500 exemplares 34.

33
Do programa constava o tratamento dos seguintes temas: ARM
– Da sua fundação até 1974, pelo Dr. José Francisco Rodrigues; ARM
– De 1974 ao presente, por Moutinha Rodrigues; A Sociedade
Missionária e a ARM, pelo Pe. Viriato Matos; e Desafio da Igreja ao
Leigo, pelo Pe. António Couto. Houve ainda uma exposição de foto-
grafias e projecção de filmes vídeo de imagens de encontros da ARM.
30
Ver, em 2.6., o quadro-resumo comparativo das várias formu- 34
Em 25 de Novembro de 1994, no encontro regional de Lis-
lações dos Estatutos. boa, foram agraciados com esta medalha comemorativa do
31
Estatutos de 1994, Art.º 1.º. cinquentenário da ARM “todos os presidentes da Direcção desde a
32
Ibidem. sua fundação em 1944” (Bol 55, Out 1994 / Mar 1995, p. 3).
57 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

Grupo dos participantes nas “Primeiras Jornadas Nacionais da ARM”, em Valadares, em Outubro de 1994.

Em Maio de 1995, aproveitando o dinamismo quentaram os seminários da Sociedade Missionária,


prevalecente e como que coroando este esforço desde 1922 a 1994; na segunda indicam-se os no-
assinalável de renovação, a mesma Direcção pu- mes, endereços, números de telefone e profissão
blicou a brochura NIHIMO35 , dividida em duas dos armistas constantes, nessa altura, da base de
partes: a primeira contém uma relação, organizada dados da Direcção.
por anos de entrada, de todos os alunos que fre-

35
Nihimo, como se explica na própria brochura, é palavra da
língua Macua (Moçambique) e significa família alargada; grupo
de indivíduos que têm a mesma origem.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 58

2.6. Quadro-resumo dos Estatutos


59 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

* O mandato passou a bienal por decisão da AG de 8 de Dezembro de 1967, realizada em Valadares


(cf Bol 19, Fev 1968, p. 4, A nossa reunião geral).

ANEXO 1 – Cópia dos primeiros Estatutos (de 1960)

ANEXO 2 – Cópia dos Estatutos actualmente em vigor (de 1994)


A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 60
61 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 62

ção abertas em 1974/1975, a retoma da publicação


do boletim, em 1993.
Estamos, portanto, a fazer memória e a home-
nagear. E há nomes que, por se repetirem muitas
vezes e pela qualidade da sua acção, merecem ser
assinalados pois muito serviram. Por exemplo: Dr.
António José Paisana (1921-1982), Dr. José Fran-
cisco Rodrigues (1915-2003), Dr. José Nereu San-
tos (1917-2003), António Moutinha Rodrigues
(1938- ), José Domingues Santos Ponciano
(1957- ), em Lisboa; no Porto: Dr. Albino San-
tos (1910-1995), José Soares Pacheco ( ? -1993),
Mário Coelho Veiga (o célebre Lapin du Pré) (1927-
- ), Joaquim Alves Pereira (1936- ).

Dr. António José Paisana Dr. José Francisco Rodrigues

3. OS ÓRGÃOS SOCIAIS

Os órgãos directivos de uma associação são a


seiva que dá vida a esse agrupamento de pessoas, Dr. José Nereu Santos Dr. Albino Santos
são a alma dessa associação. Sem órgãos sociais,
nomeadamente sem direcção, não pode haver vida
nem dinamismos e não se atingem os objectivos
para que nasceu a associação.
Dizer os nomes das pessoas que estiveram à
frente desses órgãos é quase mostrar os seus ros-
tos; inscrevê-los numa relação organizada por anos
de mandato é, acima de tudo, prestar tributo a es-
ses armistas que sustentaram, animaram e orienta-
ram a vida da ARM, sobretudo nos momentos mais
críticos, como foi o arranque inicial, em 1960, o
enfrentar e suplantar, em 1978, a crise e a paralisa- José Soares Pacheco
63 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

A. Moutinha Rodrigues Santos Ponciano Mário Veiga Joaquim Alves Pereira

Indirectamente, entremostra-se também a con- 1962 – Eleição em 1 de Outubro de 1961, em


cepção prevalecente em cada época acerca da im- Cernache do Bonjardim. (Bol 3, Fev 1962, p. 2)
portância, necessidade e inter-relação dos diversos Direcção:
órgãos sociais e a evolução e aperfeiçoamento ha- Presidente – Dr. José Francisco Rodrigues
vidos ao longo de mais de trinta anos (de 1960 a Secretário – Dr. José Maria Alves
1994). Assim, em 1960 bastava haver direcção, mas Tesoureiro – José Nereu Santos
em 1964 acrescentou-se-lhe a assembleia geral e Superior-Geral – Pe. Manuel Fernandes
as delegações. Estas deixaram, muito justamente, Assistente – Pe. Manuel Trindade
de ser órgão social a partir de 1981; e o conselho
fiscal só apareceu em 1994. 1963 – Eleição em 30 de Setembro de 1962, em
Fica também a saber-se a duração dos manda- Tomar (Bol 5, Mai 1963, p. 4).
tos: um ano de 1960 a 1967, dois anos de 1968 a Direcção:
1981, três anos a partir de 1981. Presidente – Dr. António José Paisana
Registam-se ainda os nomes do Superior-Geral Secretário – Dr. Manuel José Guerra
da SM e do assistente da ARM por ele nomeado. Tesoureiro – António da Costa Salvado
Quando não se indicam nomes, ou outros da- Superior-Geral – Pe. Manuel Fernandes
dos, é porque se desconhecem. Isso deve-se ao facto Assistente – Pe. Luís Gonçalves Monteiro
de, como já está dito, não se terem encontrado al-
guns exemplares do Boletim correspondentes a es- 1964 ?
ses períodos – alguns meses dos anos de 1963, 1964,
1965, 1966 e 196736 . 1965 – Eleição em 4 de Outubro de 1964, em
Cernache do Bonjardim.
(Bol 9, 1.º e 2.º Trim 1965, p. 6)
Órgãos Sociais
Mesa da AG:
Presidente – Dr. José Francisco Rodrigues
1961 – Eleição em 2 de Outubro de 1960, em
Secretários – António Moutinho Rodrigues
Cucujães (Bol 1, Mar 1961).
José Carlos Pires dos Santos
Direcção:
Direcção:
Presidente – Dr. José Francisco Rodrigues Presidente – Dr. José Roque Abrantes Prata
Secretário – Dr. José Maria Alves Sec./Vice-Pres. – Miguel Pires Patrício
Tesoureiro – Manuel Farinha Nogueira Tesoureiro – António Ribeiro Coelho
Superior-Geral – Pe. Manuel Fernandes Vogais – António Moutinho Rodrigues
Assistente – Pe. Manuel Trindade José Carlos Pires dos Santos
Superior-Geral – Pe. Manuel Fernandes
36
Veja-se o quadro de 5. O Boletim da ARM, nesta Parte II. Assistente – Pe. Luís Gonçalves Monteiro (?)
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 64

1966 – Eleição em ? 1970-1971 – Eleição em 8 de Junho de 1969, em


Mesa da AG: Cernache do Bonjardim.
Presidente – ? (Bol 26, Ago 1969, p. 1)
Secretários – ? Mesa da AG:
Direcção: Presidente – Dr. António José Paisana
Presidente – Dr. José Roque Abrantes Prata Secretários – Dr. Joaquim Marques Pereira
Sec./Vice-Pres. – ? Abel Francisco Martins
Tesoureiro – António Ribeiro Coelho Direcção:
Vogais – ? Presidente – Francisco Costa Afonso
Sec./V.-Pres. – Francisco Luís Caldeira
Superior-Geral – Pe. Manuel Fernandes Tesoureiro – Francisco António da Silva
Assistente – Pe. Albano Mendes Pedro (Bol 13, p. 4) Vogais – António Ascenção Bastos Oliveira
Victor Manuel Pereira Simões
1967-1968 – Eleição em 25 de Setembro de 1966, Superior-Geral – Pe. Alfredo Alves
em Cucujães, com prorrogação por mais um Assistente – Pe. Manuel Trindade (?)
ano, em virtude de alteração dos Estatutos
em AG de 8 Dez 1967. (Bol 14, 4.º Trim 1966, p. 2) 1972-1973 – Eleição em 30 de Maio de 1971, em
Mesa da AG: Lisboa, no Colégio dos Maristas.
Presidente – Dr. Albino Santos (Bol 36, Jun/Jul 1971, p. 2)
Secretários – ? Mesa da AG:
Direcção: Presidente – Dr. José Roque Abrantes Prata
Presidente – José Soares Pacheco Secretários – Dr. Manuel José Guerra
Sec./V.-Pres. – José Nunes Chamusca José Augusto Malhão
Tesoureiro – Lucas Borges da Cunha Direcção:
Vogais – Sebastião Dias Lobo Presidente – José Nereu Santos
Superior-Geral – Pe. Manuel Fernandes V.-Pres. – Dr. José Albano de Melo
Secretário – Manuel Francisco da Silva
Assistente – Pe. João Avelino (Bol 23, Fev 1969, p. 2)
Tesoureiro – António Moutinho Rodrigues
Vogal – Alfredo Dias de Carvalho
1968-1969 – Eleição em ?
Superior-Geral – Pe. Alfredo Alves
(Bol 19, Fev 1968, p. 2)
Assistente – Pe. Domingos Marques Vaz
Mesa da AG:
Presidente – Dr. Albino Santos 1974-1975 – Eleição em 14 de Outubro de 1973,
Secretários – José Nereu Santos em Cucujães.
José Nunes Chamusca (Bol 48, Nov/Dez 1973, p. 2)
Direcção: Mesa da AG:
Presidente – Joaquim Alves Pereira Presidente – José Nereu Santos
V.-Pres. – Silvério Augusto Mota Secretários – António da Silva Tomás
Secretário – Francisco Costa Afonso Dr. João Rodrigues Gamboa
Tesoureiro – Abílio Sousa Baldaia Direcção:
Vogais – Jorge Manuel Teixeira Fernandes Presidente – José Soares de Almeida
Abel Pinho da Silva (assumiu o cargo de V.-Pres. – Manuel Rodrigues Gamboa
tesoureiro após a morte do seu titular, ocorrida Secretário – José Lança Schwalbach
em 15 Fev 1968 – Bol 20, p. 4).
Tesoureiro – Hernâni Ferreira Cavilhas
Superior-Geral – Pe. Manuel Fernandes / Vogais – Vítor Manuel da Silva Borges
Pe. Alfredo Alves António Ascensão Bastos Oliveira
Assistente – Pe. João Avelino / Pe. Manuel Superior-Geral – Pe. Alfredo Alves
Trindade (Bol 23, Fev. 69, p. 2) Assistente – ?
65 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

1974/1975 a 1978 1.º Secr. – Dr. Manuel Nunes Ferreira


Com a interrupção da vida associativa for- 2.º Secr. – Mário Coelho Veiga
mal da ARM, não houve órgãos sociais no Direcção:
período de 1975 a 1978. Presidente – Dr. José Maria Ribeiro Novo
V.-Pres. – António Moutinho Rodrigues
1978-1979 – Constituição, em 30 de Abril de 1978, Secretário – Abílio Antunes
em reunião geral havida em Cernache Tesoureiro – António Duarte Gil
do Bonjardim, de uma Comissão Ad- 1.º Vogal – Joaquim Alves Pereira
ministrativa provisória. 2.º Vogal – António Bastos Oliveira
(BN, Jul 1978, p. 9) Superior-Geral – Pe. Manuel Trindade
De Lisboa: José Nereu Santos Assistente – ?
António Moutinho Rodrigues
Do Porto: Silvério Augusto Mota 1984-1987 – Eleição em 20 de Maio de 1984, na
Mário Coelho Veiga AG realizada no Seminário de Vala-
Superior-Geral – Pe. Manuel Castro Afonso dares (Acta da AG).
Assistente - ? Mesa da AG:
Presidente – Mário Coelho Veiga
1979-1980 – Designação, em 20 de Maio de V.-Pres. –Francisco Costa Afonso
1979, em reunião anual realizada no Secretário – Carlos Rocha
Seminário de Cernache do Bonjar- Vogal – Antero Duarte
dim, de uma Comissão Administra-
tiva constituída como segue. Direcção:
(BN, Jul 1979, pp. 28-29, e Abr 1980, pp. 8-9)
Presidente – Dr. José Maria Ribeiro Novo
De Lisboa: Dr. António José Paisana V.-Pres. – Dr. Vítor Borges
Dr. Luís Silva Cardoso Secretário – Dr. António Sérgio
António Moutinho Rodrigues Tesoureiro – António Gil
José Nereu Santos Vogais – Abílio Antunes
Dr. José Francisco Rodrigues Joaquim Alves Pereira
Do Porto: Silvério Augusto Mota Superior-Geral – Pe. Manuel Trindade
Mário Coelho Veiga Assistente – ?
Simão Godinho
Joaquim Alves Pereira 1987-1990 – Eleição na AG de 17 de Maio de 1987,
Francisco Manuel Costa Afonso realizada no seminário de Cucujães.
(BN, Jun/Jul 1990, p. 34, e Acta da AG).
Superior-Geral – Pe. Manuel Castro Afonso
Assistente - ? Mesa da AG:
Presidente – Mário Coelho Veiga
1980-1981 – Confirmada por mais um ano a Co- V.-Pres. –Francisco Costa Afonso
missão Administrativa anterior, em Secretário – Carlos Rocha
reunião geral realizada em 18 de Vogal – Antero Duarte
Maio de 1980, no Seminário de Vala- Direcção:
dares (BN, Jul 1980, p.17). Presidente – Dr. António Sérgio
V.-Pres. – Dr. Domingos Valente
1981-1984 – Eleição em 24 de Maio de 1981, em Secr. – Dr. Manuel Joaquim Faria Gomes
Tomar. Tesoureiro – Pinto da Silva
(BN, Jul1981, p. 9 e Acta da AG). Vogais – Dr. José Francisco Rodrigues
Mesa da AG: António Moutinha Rodrigues
Presidente – Dr. José Francisco Rodrigues Superior-Geral – Pe. Manuel Trindade
V.-Pres. – Dr. António José Paisana Assist. – Pe. José Tomás Borges (Acta da AG de 1988)
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 66

1990-1993 – Eleição em 20 de Maio de 1990, rea- Secretário– Adriano Oliveira


lizada no Seminário de Cernache do Vogal – Joaquim Alves Mateus
Bonjardim. Direcção:
(BN, Jun/Jul 1990, pp. 34-35, e Acta da AG). Presidente – José Santos Ponciano
Mesa da AG: V.-Pres. – Dr. Ramiro Farinha Martins
Presidente – Mário Coelho Veiga Secretário – Dr. João Francisco Jesus
V.-Pres. –Francisco Costa Afonso Tesoureiro – João Laia Sequeira
Secretário – Carlos Rocha Vogal – José Manuel Rainha
Vogal – Antero Duarte Conselho Fiscal:
Direcção: Presidente – Dr. Vítor Borges
Presidente – António Moutinha Rodrigues V.-Pres. – Dr. Domingos Quina
V.-Pres. – Dr. Ramiro Farinha Martins Vogal – Dr. José Manuel Teixeira
Sec./Tes. – Dr. Manuel Faria Gomes Superior-Geral – Pe. Jerónimo Nunes
Vogais – Dr. José Nereu Santos Assistente – Pe. Viriato Matos
Dr. Domingos Valente
José dos Santos Ponciano 1996-1999 – Eleição em 19 de Maio de 1996, em
Superior-Geral – Pe. Manuel Trindade / Valadares (Bol 60, Mai/Jun 1996, p. 3).
Pe. Manuel Castro Afonso Mesa da AG:
Assistente – ? Presidente – Joaquim Alves Pereira
1.º Secr. – Mário Coelho Veiga
1993-1994 – Eleição em 16 de Maio de 1993, na 2.º Secr. – Luís Amândio Carreiro
Assembleia Geral de Fátima. Direcção:
(Bol 50 (2.ª Série), Set/Out 1993, p. 3, e Acta da AG) Presidente – José Santos Ponciano
Mesa da AG: Secretário – José Quina
Presidente – Dr. José Nereu Santos Tesoureiro – Armindo Henriques
V.-Pres. – Dr. José Francisco Rodrigues 1.º Vogal – José Alves Sebastião
Secretário – Joaquim Alves Mateus 2.º Vogal – Jorge Manuel Prata Ribeiro
Vogal – Adriano Oliveira Conselho Fiscal:
Direcção: Presidente – Dr. Vítor Borges
Presidente – José Santos Ponciano V.-Pres. – Dr. Domingos Quina
V.-Pres. – Dr. Ramiro Farinha Martins Vogal – Dr. José Manuel Teixeira
Secretário – Dr. João Francisco Jesus Superior-Geral – Pe. Jerónimo Nunes
Tesoureiro – João Laia Sequeira Assistente – Pe. Viriato Matos
Vogal – José Manuel Rainha
Superior-Geral – Pe. Manuel Castro Afonso / 1999-2002 – Eleição em 16 de Maio de 1999, na
Pe. Jerónimo Nunes AG de Cucujães.
Assistente – Pe. Viriato Matos (Bol 68, Out/Dez 1999, pp. 3-5)
Mesa da AG:
1994-1996 – Recondução por mais dois anos, em Presidente – Dr. Miguel Ramalho
15 de Maio de 1994, em Cernache do 1.º Secr. – Dr. Ramiro Farinha Martins
Bonjardim, por força dos novos Es- 2.º Secr. – Dr. Armindo Henriques
tatutos (de 1994) aprovados nesta Direcção:
Assembleia Geral. Presidente – Dr. Serafim Fidalgo Reis
(Bol 54, Mai/Ago 1994, p. 4) Secretário – David Silva Ribas
Mesa da AG: Tesoureiro – Óscar Manuel Sá Rodrigues
Presidente – Dr. José Nereu Santos 1.º Vogal – Luís Rocha
V.-Pres. – Dr. José Francisco Rodrigues 2.º Vogal – Fernando Sousa
67 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

Conselho Fiscal: jantante, que de ano a ano se vai encontrando...”38 .


Presidente – Francisco Costa Andrade De facto, e de acordo com os Estatutos, a ARM
V.-Pres. – Antero Duarte realizou sempre, ao longo da sua história, uma reu-
Secretário – Manuel Rios Santos nião anual de algumas (cerca de cinco) horas em
Superior-Geral – Pe. Jerónimo Nunes que o tempo escasseava para tudo. Mas essa foi (e
Assistente – Pe. Viriato Matos continua a ser) uma das suas mais meritórias e vá-
lidas actividades. A par da publicação do Boletim,
2002-2005 – Eleição em 19 de Maio de 2002, no da fundação de Bolsas de Estudo e da oferta de
Seminário da Boa Nova, em Valada- outras dádivas para projectos missionários, as reu-
res (Bol 75, Jul 2002, p. 5). niões gerais anuais, e também as regionais, consti-
Mesa da AG: tuem o grande património da ARM.
Presidente – Angelino Matos Martins A título de exemplo, transcreve-se o programa
1.º Secr. – José Gomes Campinho da reunião geral de 8 de Junho de 1969, realizada
2.º Secr. – Joaquim Martins da Costa em Cernache do Bonjardim:
Direcção:
Presidente – João Rodrigues Gamboa 10,00 horas – Concentração
Secretário – João Pedro Martins 11,00 horas – Missa na Igreja do Seminário
Tesoureiro – Simão da Costa Godinho 12,00 horas – Assembleia Geral
1.º Vogal – Joaquim Alves Pereira 14,00 horas – Almoço de confraternização e
2.º Vogal – José da Silva Gomes etc., etc., etc.
Conselho Fiscal: Por sua vez, a Assembleia Geral tinha a seguin-
Presidente – José Maria Costa Moreira te ordem de trabalhos:
V.-Pres. – Cândido Silva Coelho Ribas
Secretário – Manuel Rios Santos 1 – Apresentação e discussão do relatório e
Superior-Geral – Pe. Jerónimo Nunes / contas da Direcção;
Pe. António Couto 2 – Eleição de novos corpos directivos para o
Assistente – Pe. Manuel Bastos / biénio de 1970/71;
Pe. Jerónimo Nunes 3 – Outros assuntos de interesse39 .

Em 1995 – ainda um segundo exemplo –, o en-


4. REUNIÕES ANUAIS DE CARÁCTER contro anual nacional realizou-se em Cucujães, em
NACIONAL E ENCONTROS REGIONAIS 21 de Maio. O programa e a duração foram seme-
lhantes aos de 1969 (e aos de sempre):
Em carta de 2.10.64 – levava a ARM cinco anos
de vida –, dizia José Nunes Chamusca, referindo-se 10,30 horas – Assembleia Geral
às reuniões anuais, que a ARM “tem vivido quase 12,30 horas – Missa
apenas nos dias das reuniões” e, mesmo nesse dia, se 13,30 horas – Almoço e convívio.
limitava a “uma actividade incipiente” que não con-
duzia a nada, pois o tempo “é muito pouco”37. A Assembleia Geral teve esta ordem de traba-
Em 1971, o Pe. Manuel Trindade, então assis- lhos:
tente da ARM, escrevia que a amizade dos armistas
devia ser mais que um fim e dela deveriam surgir 1 – Aprovação do Regulamento Interno da
iniciativas que lançassem a ARM na acção ARM;
concretizadora do ideal que a inspirava. E acres-
centava: “Não podemos ser apenas um grupo- 38
Toque de alvorada, Pe. Manuel Trindade, Bol 34, Jan/Fev/
Mar 1971, pp. 1-2. Este texto pode ser lido integralmente na Parte
III – Antologia..., com o n.º (12).
39
37
Bol 9, 1.º e 2.º Trim 1965, p. 8. Bol 24, Abr 1969, p. 4.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 68

2 – Relatório de contas relativo a 1994; tras, e a par da publicação do Boletim, da fundação


3 – Encerramento do Cinquentenário da ARM 40. de Bolsas de Estudo e da oferta de outras dádivas
para acorrer a projectos missionários, eles consti-
Durante dezenas e dezenas de anos, o encontro tuem, como já se disse, a grande riqueza patrimonial
anual nacional da ARM realizou-se no tempo es- activa da ARM.
casso de algumas horas e só em 1994, e excepcio- Antes, porém, da apresentação dessa extensa
nalmente, ele ocupou dois dias. Foi em 15 e 16 de lista de encontros, um breve apontamento sobre o
Outubro, no Seminário de Valadares, chamou-se- modo como se transportavam os armistas até ao
lhe Primeiras Jornadas Nacionais da ARM e inte- local da realização dos encontros nacionais. Não
grou-se nas celebrações do cinquentenário da fun- era de automóvel, nesses anos ainda um luxo e com
dação da Associação. certeza excessivamente caro; era de autocarro, o
Em 2002, o encontro nacional estendeu-se no- que permitia criar, já durante a viagem, um forte
vamente por dois dias (melhor dizendo: uma tarde, espírito de grupo, importante para o desenrolar do
um serão e uma manhã). Foi o Congresso da ARM, encontro.
que decorreu no Seminário de Valadares, nos dias Dois exemplos. Para a Assembleia Geral que
18 e 19 de Maio. Procurou atingir três objectivos: se realizou em Tomar, no dia 9 de Junho de 1968 (e
“aprofundar a nossa dimensão cristã e missionária; continuou em Fátima no dia seguinte), partiram do
reflectir sobre as nossas raízes e relações com a Porto, às 6h55 da manhã, dois autocarros num to-
Sociedade Missionária; definir linhas de rumo para tal de 86 lugares. Preço por pessoa, ida e volta:
fortalecimento e desenvolvimento da nossa Asso- 120$0044. Em 1996, o encontro nacional anual rea-
ciação41. A Direcção então eleita tem mantido os lizou-se em Valadares, no dia 19 de Maio. De Lis-
dois dias, parece que com bons resultados42. boa partiu um autocarro, às 7 h 00, e o preço foi
Ao encontro anual nacional acrescem os encon- 2500$00 por pessoa, ida e volta45. Foi esta a última
tros regionais, dependentes da existência de dele- vez que se organizou um transporte colectivo.
gações. Cedo ganharam raízes e tradição o encon-
tro do Norte, em Valadares, e o do Sul, em Lisboa, Vejamos então a relação de todos os encontros
ambos com datas cativas desde há alguns anos: últi- realizados ao longo dos sessenta anos de vida da
mo sábado de Outubro, o de Lisboa; domingo mais ARM e que estão documentados.
próximo de 11 de Novembro, o do Norte. Na déca-
da de 90 (1994 e 1996), a Direcção de Santos 1944
Ponciano (re)criou as delegações de Bragança, Maio – Reunião de um punhado de antigos alu-
Castelo Branco e Coimbra e realizaram-se aí, du- nos e professores da Sociedade Missionária (“os
rante breves anos, alguns encontros. Em 2002 e 15 magníficos”), na Quinta da Penha Longa, em
2003, foi retomado esse esforço e o mosaico das Sintra. É a reunião fundadora da ARM-Associação
delegações alargou até às nove, ficando assim es- Regina Mundi dos Antigos Alunos da Sociedade
boçado: Barcelos, Bragança-Miranda, Castelo Missionária.
Branco-Guarda, Cernache do Bonjardim, Coimbra, (Bol 52, (2.ª Série), Jan/Fev 1994, p. 3, e BN, Jun/Jul 1991, p. 33)
Cu-cujães, Lisboa, Tomar e Valadares43.
É o levantamento de todos estes encontros, na- 1950
cionais e regionais, realizados ao longo dos ses- 8 de Outubro – Reunião, no Seminário de
senta anos de vida da ARM, que a seguir se apre- Cucujães, de antigos alunos dos Seminários de
senta. Embora com as limitações apontadas, e ou- Tomar, Cernache do Bonjardim e Cucujães.
(Bol, Ed. Especial, Mai 1986(?), p. 4)
40
Bol 56, Abr/Mai 95, pp. 3 e 1, respectivamente.
41
O Congresso da ARM – Presente e Futuro, A Direcção cessante
(presidida pelo Dr. Serafim Fidalgo), Bol 75, Jul 2002, p. 3.
42
Como se verá à frente, já em 9 e 10 de Junho de 1965 e nas
44
mesmas datas de 1968 o encontro nacional se realizou em dois dias. Bol 20, Mai 1968, p. 4.
45
43
Sobre esta matéria, ver 7. As Delegações. Bol 59, Jan/Abr 1996, p. 3.
69 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

1958 1959
1 de Dezembro – Reunião em Tomar. Foi fun- Outubro – Reunião no Seminário de Tomar.
dada e iniciada com mil escudos a “Bolsa da Voca- Foram acrescentados mais 2 260$00 à “Bolsa da
ção Missionária”. Vocação Missionária”.
(Bol 4, Ago 1962, p. 4) (Bol 4, Ago 1962, p. 4, Bolsa das Vocações Missionárias)

No Claustro da Capela do Seminário de Tomar, antigos alunos participantes,


muito provavelmente, no encontro de Outubro de 1959.

1960 Cernache do Bonjardim, com eleição de nova Di-


2 de Outubro – Reunião dos antigos alunos dos recção.
(Bol 2, Set 1961, pp. 2-3, e Bol 3, Fev 1962, p. 2)
Seminários da Sociedade Missionária, no Seminá-
rio de Cucujães, com aprovação dos Estatutos e
(21?) 22 de Outubro – Reunião regional do
eleição da primeira Direcção.
Norte, no “Novo Seminário” (com projecto de cons-
(Bol 1, Mar 1961, p. 3)
trução) de Valadares46, sendo delegado José Dias
de Pinho.
1961
(Bol 3, Fev 1962, p. 3, e MC 24, Jan 1962, p. 21)
9 de Abril – Reunião regional em Lisboa, no
Colégio dos Irmãos Maristas, com cerca de 40
membros da ARM.
(Bol 2, Set 1961, p. 3, e Bol 4, Ago 1962, pp. 1-2) 46
O Seminário da Boa Nova, em Valadares, foi construído nos
anos 60. Quando, em 5 de Maio de 1968, se procedeu à bênção da
1 de Outubro – Reunião geral, no Seminário de primeira pedra da sua igreja, já alguns blocos estavam terminados.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 70

1962 23 de Maio – Reunião regional de Castelo Bran-


1 de Abril – Reunião regional do Sul, no Colé- co – a primeira –, no Seminário dos Redentoristas,
gio dos Irmãos Maristas, com a presença de mais com missa celebada pelo Pe. Trindade, reitor em
de 60 membros da ARM. Cernache, e almoço.
(Bol 4, Ago 1962, pp. 1-2) (Bol 10, 3.º Trim 1965, p. 5)
30 de Setembro – Reunião geral, no Seminário 10 de Junho – Reunião geral da ARM, em Fáti-
de Tomar, com eleição de nova Direcção. ma, participando, assim, na grande peregrinação da
(Bol 5, Mai 1963, p. 4) SM àquele Santuário, realizada em 9 e 10, com os
seguintes fins:
1963 a) Comemorar o 25.º aniversário da consagra-
10 de Junho – Reunião geral, no Seminério de ção da SM ao Imaculado Coração de Ma-
Cucujães, com eleição de nova Direcção. ria, em 30.VII.1940, agora solenemente re-
(Bol 5, Mai 1963, p. 5) novada;
b) Homenagear o Santo Padre (...), pelo muito
1964 que Portugal e a SM lhe devem;
5 de Julho – Assembleia regional do Norte, na c) Comemorar o 25.º aniversário da celebração
Quinta do (futuro) Seminário de Vilar do Paraíso, da Concordata e do Acordo Missionário...;
com organização do Dr. Albino dos Santos. d) Celebrar (...) o facto de, na SM, pela pri-
(Bol 8, Set 1964, pp. 2-3) meira vez se ordenarem, e na Basílica de
4 de Outubro – Reunião geral em Cernache do Fátima, dez sacerdotes no mesmo ano.
Bonjardim, com aprovação de novos Estatutos e (Bol 9, 1.º e 2.º Trim 1965, pp. 3-4, e Bol 10, 3.º Trim 1965, pp. 3-4)
eleição de novos órgãos sociais (Mesa da ? – Assembleia Geral em Tomar, na qual
Assembleia Geral e Direcção). Foi deliberado cri- foram escolhidos quatro delegados para o Ultramar47.
ar delegações no Ultramar. (Bol 13, 2.º e 3.º Trim 1966, p. 2)
(Bol 8, Set 1964, p. 2 e Bol 9, 1.º e 2.º Trim 1965, p. 3)
1966
1965 1 de Maio – Reunião regional de Moçambique,
25 de Abril – Reunião regional de Lisboa, no em Lourenço Marques, na “nossa casa do Infulene”.
Colégio dos Maristas, com a presença do Superi- (Bol 13, 2.º e 3.º Trim 1966, pp. 2-3)
or-Geral, Pe. Manuel Fernandes. 8 de Maio – Reunião regional do Sul, em Lis-
(Bol 10, 3.º Trim 1965, p. 4) boa, no Colégio dos Irmãos Maristas, com perto de
100 antigos alunos, a que se
somaram, pela primeira vez,
os familiares do sexo femini-
no. O almoço foi volante, per-
mitindo mais fácil convívio e
confraternização. (Ver cróni-
ca à frente, em Parte III - An-
tologia, com o n.º (9)).
(Bol 13, 2.º e 3.º Trim 1966, pp. 1-2)

47
Desta AG não há notícia, pois
falta o Bol 12. Há apenas uma ligeira
alusão no Bol 13, p. 2, onde se publica
uma carta do delegado de Lourenço
Marques, Dr. António Maria de Matos.
Esta assembleia justificava-se, pois em
10 de Junho, em Fátima, não houve con-
Reunião Regional da ARM em Lisboa, em 25 de Abril de 1965 (Colégio dos Maristas). dições para a sua efectivação.
71 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

Encontro Regional de Lisboa (8 de Maio de 1966, no Colégio dos Maristas),


no qual participaram, pela primeira vez, familiares do sexo feminino.

10 de Junho – Reunião regional do Norte, na 1968, p. 4),


provavelmente a passagem do mandato
Quinta do futuro Seminário de Valadares, exceden- dos corpos sociais de um para dois anos.
do os antigos alunos e familiares o número de 120.
Almoço de “mesa comum” facilitando o convívio. 1968
(Bol 13, 2.º e 3.º Trim 1966, p. 5) 9 e 10 de Junho – Reunião anual em Tomar e
25 de Setembro – Assembleia Geral no Se- Fátima, com mais de 120 presenças, incluindo fa-
minário de Cucujães, com eleição dos corpos so- miliares, e com representações de Lisboa, Porto,
ciais. Angola e Moçambique. Em Tomar, Assembleia
(Bol 14, 4.º Trim 1966, pp. 1-2) Geral no dia 9, seguida de missa e almoço; partida
para Fátima às 19 h 30, saudação à Virgem, jantar,
1967 procissão de velas com reza do terço e visita ao
10 de Junho – Reunião regional do Norte, com Santíssimo; no dia seguinte: Via-Sacra no Calvário
missa, na quinta do Futuro Seminário de Valadares, Húngaro e missa na capela das Aparições.
cuja maquete e local foram visitados, sendo aberta (Bol 21, Ago 1968, pp. 1 e 4 e MC 7, Jul/Ago 1968, p. 4)
campanha para pagar um quarto. Presentes cerca 21 de Junho – “Monumental sardinhame” em
de 150 com familiares. Valadares.
(Bol 17, Ago 1967, pp. 2 e 4) (Bol 21, Ago 1968, p. 2)
18 de Junho – Reunião regional em Lisboa, no 24 de Novembro – Reunião regional do Norte,
Externato Marista, com a presença do Superior- em Valadares, com magusto.
-Geral. Presentes: quatro dezenas, com familiares. (Bol 23, Fev 1969, p. 4)
(Bol 17, Ago 1967, p. 2)
8 de Dezembro – Reunião geral, no Seminário 1969
da Boa Nova (em construção), em Valadares, com 4 de Maio – Festa dos mealheiros, em Valadares,
aprovação de “alteração dos Estatutos” (Bol 19, Fev com caldo verde e “sardinhame assado” – mealheiro
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 72

onde havia 4600$00. 1971


(Bol 23, Fev 1969, p. 2, e Bol 26, Ago 1969, p. 4) 30 de Maio – Assembleia Geral, em Lisboa, no
8 de Junho – Assembleia Geral em Cernache Colégio dos Maristas (R. Artilharia Um, 77), com
do Bonjardim, com eleição de novos corpos soci- eleição dos corpos directivos para o biénio 1972-
ais para o biénio de 1970/71. 1973. Registou 217 presenças, com representantes
(Bol 24, Abr 1969, p. 4) de Cabo Verde, Angola e Moçambique. (Ler cróni-
16 de Novembro – Missa e magusto em ca em Antologia, com o n.º (15)).
Valadares, com animação do conjunto “Boa Nova”, (Bol 35, Abr/Mai 1971, pp. 1 e 4, e Bol 36, Jun/Jul 1971, pp. 2-3)
do seminário. 14 de Novembro – Encontro do Norte, em
(Bol 27, Out/Nov 1969, p. 2, e Bol 29, Dez 1969 / Jan 1970, p. 2) Valadares, com missa pelos armistas falecidos e
4 de Dezembro – “Descontente com a situação de magusto. Esteve presente o Superior-Geral, Pe.
gelo nesta Zona Sul”, o armista Moutinho Rodrigues Alfredo Alves.
promoveu em Lisboa, no restaurante Arameiro, um (Bol 37, Ago/Set/Out 1971, p. 2, e Bol 38, Nov/Dez 1971, p. 4)
jantar com a presença de treze antigos alunos.
(Bol 29, Fev/Mar 1970, p. 3) 1972
14 de Maio – Encontro regional do Sul, no Co-
1970 légio dos Maristas, com muitas presenças. Esteve
26 de Abril – Reunião em Lisboa, no Instituto presente o Senhor D. Manuel Maria Ferreira da
Adolfo Coelho, com missa e almoço. Silva, Arcebispo de Cízico e antigo Superior-Geral
(Bol 30, Abr/Mai 1970, p. 3) da SM. Presidiu à celebração da eucaristia o então
31 de Maio – Assembleia Geral no Seminário Superior-Geral, Pe Alfredo Alves.
da Boa Nova, em Valadares, com 150 presenças (Bol 40, Mar/Mai 1972, p. 2, e Bol 41, Jun/Jul 1971, pp. 3-4)
inclundo familiares. 10 de Junho – Encontro regional do Norte, em
(Bol 30, Abr/Mai 1970, p. 3, e Bol 31, Jun/Jul 1970, p. 2) Valadares, com missa e almoço. Cerca de 80 pre-
15 de Novembro – Reunião do Norte com senças.
magusto, em Valadares, registando a surpresa de (Bol 40, Mar/Mai 1972, p. 2, e Bol 41, Jun/Jul 1971, p. 4)
uma deputação de Lisboa. 15 de Outubro – Assembleia Geral em Cernache
(Bol 32, Ago/Set 1970, p. 3, e Bol 33, Out/Nov/Dez 1970, p. 3) do Bonjardim, com discussão controversa e que deu

O Arcebispo de Cí-
zico, tendo à sua di-
reita o Superior-Ge-
ral, Pe. Alfredo Al-
ves, participou no
encontro armista de
Lisboa, em 14 de
Maio de 1972 (Co-
légio dos Maristas).
73 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

brado e teve eco nas edições 43 e 44 do Boletim 1975


(ler a crónica de A. Malhão, “Muita parra e pouca 16 de Março – Assembleia Geral, no Seminá-
uva”, na Parte III deste livro, com o n.º (16)). O rio das Missões de Cernache do Bonjardim
Superior-Geral, Pe. Alfredo Alves, celebrou com (convocada no Bol 52 (1.ª Série), Jan/Fev 1975, p.
nove sacerdotes. 1). Nada resolveu e consumou-se a paralisação.
(Bol 42, Ago/Set 1972, p. 1, e Bol 43, Out/Nov 1972, pp. 2-3)
5 de Novembro – “Missa regulamentar” em su- De 1975 a 1978, sem órgãos sociais, as activi-
frágio dos mortos da ARM, no Seminário de dades armistas oficiais pararam. Moutinha
Valadares, com a participaçãao “desusada” de mais Rodrigues, porém, no seu texto manuscrito “Apon-
de 150 armistas e seus familiares. tamentos da vida da “ARM” de 1974 – 1994, no
(Bol 43, Out/Nov 1972, p. 4) ano do seu cinquentenário”, que leu em 15 de Ou-
22 de Novembro – “Missa regulamentar”, em Lis- tubro de 1994, em Valadares, nas “Primeiras Jor-
boa, na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, tendo nadas Nacionais da ARM”, integradas na celebra-
presidido o assistente, Pe. Domingos Marques Vaz. ção dos 50 anos da ARM (ver nota 33), escreveu
(Bol 43, Out/Nov de 1972, p. 4) que “logo em Maio de 1975” organizou um “en-
contro nacional” em Cucujães. E “o mesmo veio a
1973 acontecer em 76 e 77, não faltando mesmo a reu-
3 de Junho – Reunião regional do Norte, no Se- nião de Novembro de sufrágio pelos colegas e fa-
minário de Cucujães. miliares falecidos”.
(Bol 45, Mar/Abr 1973, p. 5, e Bol 46, Mai/Jul 1973, p. 4) De nenhuma destas iniciativas encontrei notí-
17 de Junho – Reunião regional do Sul, em Lis- cia na Boa Nova, o que não significa que não se
boa, no Colégio dos Maristas, tendo presidido à tenham realizado.
eucaristia concelebrada o venerando Arcebispo de Deve entretanto acrescentar-se, para bem da ver-
Cízico. dade histórica, que, no citado texto, há várias dúvi-
(Bol 46, Mai/Jul 1973, p. 4) das e incorrecções: 1. Em Maio de 1974, não hou-
14 de Outubro – Assembleia Geral, no Seminá- ve reunião geral em Cernache, mas terá havido a
rio de Cucujães, com eleição dos corpos gerentes regional em Lisboa, no dia 19, no Colégio dos
para o biénio 1974-1975. Missa presidida pelo Su- Maristas; em 1975, sim, houve reunião geral em
perior-Geral, Pe. Alfredo Alves, e concelebrada por Cernache, mas em 16 de Março, e nesta é que se
dez sacerdotes da SM. Presente o Dr. Pinho Ro- consumou a ruptura. 2. O Dr. José Maria Ribeiro
cha, antigo médico e professor do seminário. Foi Novo só foi eleito presidente da Direcção em 24 de
criada a Bolsa de Estudos “Cinquentenário da So- Maio de 1981, em Tomar, exercendo até 1987. Em
ciedade”. 1979 e 1980 dirigiu a revisão dos Estatutos de 1964,
(Bol 46, Mai/Jul 1973, p. 1, e Bol 48, Nov/Dez 1973, p. 2) tendo a nova versão sido aprovada em 1980 e
17 de Novembro – “ Missa regulamentar” em ratificada em 1981, em 24 de Maio, em Tomar,
sufrágio dos armistas falecidos, na Igreja do Sa- onde, então, foi eleito presidente da Direcção. 3. O
grado Coração de Jesus, em Lisboa, celebrada pelo Dr. António Sérgio foi eleito presidente da Direc-
Pe. Domingos Marques Vaz, assistente da ARM. ção em 17 de Maio de 1987, em Cucujães, e não
(Bol 48, Nov/Dez 1973, p. 3) em 1984.
24 de Novembro – “ Missa regulamentar”, no
Porto, na Igreja da Trindade, celebrada pelo Pe. 1978
Manuel Trindade, com razoável participação. 30 de Abril – Reunião geral da ARM, em
(Bol 48, Nov/Dez 1973, p. 3) Cernache do Bonjardim, para tentar vencer a “cri-
se” provocada pela suspensão das actividades no
1974 quadro da situação sócio-política a seguir ao 25 de
19 de Maio – Reunião regional do Sul, no Co- Abril.
légio dos Maristas, em Lisboa (anunciada no Bol Esta reunião foi programada e planeada por um
50 (1.ª Série), Mar/Abr 1974, p. 2). grupo de Lisboa liderado por António Moutinho
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 74

Rodrigues que reuniu com o Superior-Geral, Pe. 1979


Castro Afonso, em 8 de Março de 1978. 20 de Maio – Reunião anual, no Seminário de
O encontro em Cernache integrou-se na cele- Cernache do Bonjardim, a reatar as actividades ofi-
bração dos 50 anos da reabertura deste Seminário ciais da ARM.
no ano lectivo de 1927/1928, após a sua entrega O atraso dos autocarros vindos de Lisboa e do
pelo Estado. Porto provocou alteração do programa que se de-
Compareceram cerca de 250 pessoas, com fa- senrolou assim: Eucaristia na Igreja do Seminário,
miliares, e o programa constou de Missa domini- presidida pelo Superior-Geral, Pe. Castro Afonso,
cal, almoço, assembleia geral e convívio. e animada pelos alunos do seminário; almoço no
Nesta reunião decidiu-se que o encontro anual ginásio, oferecido pelo seminário, com tantas pre-
se passasse a realizar no terceiro domingo de Maio senças para além das previstas que foi preciso
e marcou-se já o do ano seguinte para 20 de Maio, revesar os pratos de vez em quando; passeio pela
também em Cernache. quinta; festa de família, no salão de festas, anima-
Foi constituída uma Comissão Directiva provi- da pelo “Conjunto Boa Nova” do Seminário de
sória para presidir à ARM até haver estatutos: dois Valadares; Assembleia Geral que nomeou uma Co-
elementos de Lisboa, José Nereu Santos e António missão Administrativa para rever os Estatutos.
Moutinho Rodrigues, e dois do Norte, Silvério Os presentes eram “algumas centenas”, o que
Augusto da Mota e Mário Fernando Coelho Veiga. fez deste encontro um dos “maiores de sempre”.
(BN, Jul 1978, p. 9) (BN, Jul 1979, pp. 28-29)

1980
18 de Maio – Reunião geral, no Seminário da Boa
Nova, em Valadares, com a presença de cerca de duas
centenas de antigos alunos e familiares. Programa:
sessão de convívio, missa dominical sob a presidên-
cia do Superior-Geral, Pe. Castro Afonso, almoço ofe-
recido pelo seminário. A Assembleia Geral aprovou
os Estatutos, deu um voto de confiança à Comissão
Administrativa para ultimar a redacção daqueles e
confirmou-a por mais um ano (até 1981), devendo
desempenhar todas as funções conferidas pelos Esta-
tutos à Mesa da AG e à Direcção.
(BN, Abr 1980, p. 8, e BN, Jul 1980, p. 17)

1981
17 de Maio – Reunião geral, no Seminário de
Cernache do Bonjardim.
24 de Maio – Assembleia Geral, no Seminário
de Tomar, para ratificação dos novos Estatutos e
eleição dos corpos sociais.
4 de Outubro – Reunião regional do Norte, no
Seminário de Valadares. ( Ver à frente, para 1981, em
6. O MC e BN como órgão informativo da ARM).

1982
23 de Maio – Reunião nacional, no Seminário
Entre os muitos participantes, o grande missionário de Cernache do Bonjardim.
Pe. José Patrício e o armista Silva Tomás. (Acta da A G).
75 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

1983
22 de Maio – Encontro nacional, no Seminário 1989
de Cucujães. 21 de Maio – Reunião anual, no Seminário de
(Acta da AG) Tomar, com eucaristia presidida pelo Superior-Ge-
ral, Pe. Manuel Trindade, e almoço.
1984 (BN, Ago/Set 1989, p. 17)
20 de Maio – Assembleia Geral anual, no Se-
minário de Valadares, com eleição dos corpos so- 1990
ciais. 20 de Maio – Reunião geral anual, no Seminá-
(BN, Mai 1984, p. 29, e Acta da AG) rio de Cernache do Bonjardim, com a presença do
Superior-Geral, Pe. Manuel Trindade. Houve elei-
1985 ção dos corpos sociais, eucaristia concelebrada com
19 de Maio – Assembleia Geral, no Seminário boa participação litúrgica, orientando o canto o
de Tomar. armista Joaquim Alves Mateus, almoço na quinta,
(Acta da AG) com grande convívio, romagem à gruta. Presentes:
cerca de uma centena com familiares, trinta dos
1986 quais eram jovens que estiveram pela primeira vez.
18 de Maio – Reunião geral anual, no Seminá- (BN, Jun/Jul 1990, pp. 34-35)
rio de Cernache do Bonjardim.
(Acta da AG) 1991
19 de Maio – Encontro nacional anual, no Se-
1987 minário de Cucujães, marcado inicialmente para 12
17 de Maio – Reunião anual, no Seminário de de Maio (BN, Março 1991, p. 4), mas adiado para
Cucujães, com eleição dos corpos sociais para o 19 por motivo da visita de João Paulo II a Fátima.
triénio de 1987-1990. Estiveram presentes cerca de 150 pessoas. O Su-
(Acta da AG) perior-Geral, Pe. Castro Afonso, presidiu à euca-
13 de Novembro – Reunião regional de Lisboa. ristia concelebrada por alguns missionários. Hou-
(Acta da AG de 1988) ve duas assembleias, uma de manhã, outra de tar-
de. Um dos assuntos tratados foi o “Projecto Trans-
1988 portes para Missionários”, já anunciado na Boa
15 de Maio – Assembleia Geral anual, no Se- Nova.
minário da Boa Nova, em Valadares. (BN, Jun/Jul 1991, pp. 32-33)
(Acta da AG)

1992
?

1993
16 de Maio – Assembleia Geral
em Fátima, no Seminário de São
Francisco Xavier, com eleição dos
corpos sociais para o triénio 1993-
1996. A nova Direcção propôs-se
empenhar os antigos alunos em pro-
jectos e acções de colaboração com
os missionários da frente e celebrar,
em 1994, os 50 anos de vida da ARM.
Assembleia Geral, em Fátima, no Seminário de S. Francico Xavier, (BN, Jul 1993, p. 35, Bol 50 (2.ª Série), Set/Out 1993,
em 16 de Maio de 1993. p. 3, e Acta da AG)
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 76

7 de Novembro – Encontro regional do Norte, de Cernache do Bonjardim, com aprovação de no-


em Valadares, com missa e “grande magustada”. vos Estatutos e consequente recondução por mais
Estiveram presentes o presidente da AG, Dr. Nereu dois anos dos órgãos sociais. Foi o início das co-
Santos, e o presidente da Direcção, Santos memorações do cinquentenário da ARM.
Ponciano. Assuntos tratados: a comemoração con- (Bol 54, Mai/Ago 1994, p. 4)
digna do cinquentenário da ARM, em 1994, e a 15 e 16 de Outubro – “Primeiras Jornadas da
fundação de novas delegações em Bragança, ARM”, em Valadares, integradas na celebração dos
Coimbra e Castelo Branco. Foi ainda “aprovada” a cinquenta anos da Associação. Com programa es-
bandeira da ARM que o Dr. Nereu Santos mandara pecífico e exposição de fotografias.
executar. (BN, Dez 1994, pp. 31-32)
(Bol 50 (2.ª Série), Set/Out 1993, p. 2 e Bol 51 (2.ª Série), Nov/Dez 13 de Novembro – Encontro regional da dele-
1993, p. 7) gação do Porto, no Seminário de Valadares, com
12 de Novembro – Missa estatutária pelos fale- assembleia, missa, almoço, romagem à gruta e
cidos, na Igreja de S. José da Anunciada, em Lis- magusto “à moda do norte”.
boa, seguida de jantar. Foi apresentada a ideia de (Bol 55, Out 1994/Mar 1995, p. 3)
um congresso para reflexão sobre os novos rumos 25 de Novembro – Encontro da delegação de
da ARM. Lisboa, com missa em sufrágio de todos os armistas
(Bol 51 (2.ª Série), Nov/Dez 1993, p. 3) falecidos, jantar, eleição do delegado e adjunto (Drs.
1 de Dezembro – Magusto da região de Lisboa, Armindo Henriques e José Quina, respectivamen-
em Arranhó – Bucelas, em Quinta da SM. te). Foram agraciados com a medalha do cinquen-
(Bol 51 (2.ª Série), Nov/Dez 1993, p. 3) tenário todos os presidentes da Direcção desde a
fundação da ARM em 1944. Compareceu grande
1994 número de armistas.
18 de Abril – Fundação da delegação de Caste- (Bol 55, Out 1994/Mar 1995, p. 3)
lo Branco, com almoço, definição de objectivos e 1 de Dezembro – Magusto da delegação de Lis-
eleição do delegado e sub-delegado. Com familia- boa, em Sesimbra, com a presença de 30 armistas.
res, 32 presenças. (Bol 55, Out 1994/Mar 1995, p. 3)
(Bol 53, Mar/Abr 1994, pp. 8 e 2)
1 de Maio – Reunião em Pinelo para fundação 1995
da delegação de Bragança, com definição de ob- 23 de Fevereiro – Encontro, em Pinelo, de
jectivos e eleição do delegado e sub-delegado. armistas (poucos) da delegação de Bragança, com
(Bol 54, Mai/Ago 1994, pp. 8 e 5) análise e discussão dos problemas sentidos. Mar-
15 de Maio – Assembleia Geral, no Seminário cou-se novo encontro para 1 de Maio, em Macedo
de Cavaleiros.
(Bol 55, Out 1994/Mar 1995, p. 7)
Maio – Encontro da delegação de Lisboa,
nos Pinheirinhos – Sesimbra, com a presen-
ça do Superior-Geral, Pe. Jerónimo Nunes, e
cerca de duas dezenas de armistas.
(Bol 56, Abr/Mai 1995, p. 7)
1 de Maio – Encontro da delegação de
Bragança, no Santuário de Balsamão, com a
presença de 14 pessoas.
(Bol 56, Abr/Mai 1995, p. 6)
21 de Maio – Assembleia Geral, no Se-
minário de Cucujães. O Pe. Jerónimo Nunes,
Sessão comemorativa dos 50 anos da ARM, em Cernache do Bomjardim, Superior-Geral, deu uma perspectiva da SM
em 15 de Maio de 1994. Santos Ponciano no uso da palavra. dizendo que são precisos leigos para a Mis-
77 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

são. Nesse sentido, apresentou a ideia de “férias constatou-se haver três casais interessados. A eu-
missionárias”, a promover no ano seguinte (1996). caristia foi presidida pelo assistente, Pe. Viriato
(Bol 57, Jun/Out 1995, p. 8) Matos, seguindo-se o almoço.
28 de Maio – Almoço de confraternização da de- (Bol 60, Mai/Jun 1996, p. 3)
legação de Castelo Branco, para “celebrar um ano” 22 (23?) de Junho – Sardinhada “para a malta
da sua criação, com a presença de uns 14 armistas e da zona de Lisboa”, na Quinta das Açucenas
familiares. O presidente Santos Ponciano apresentou (Caneças) do Dr. José Quina. Compareceram 40
a brochura “Nihimo” e os novos Estatutos. pessoas.
(Bol 57, Jun/Out 1995, p. 6) (Bol 59, Jan/Abr 1996, p. 6, e Bol 61, Jul/Set 1996, p. 4)
24 de Junho – Sardinhada da delegação de Lis- 30 de Junho – Em Vimioso, reuniram alguns
boa, nos Pinheirinhos – Sesimbra, com cerca de armistas (uns nove, como mostra a fotografia aqui
trinta armistas. não reproduzida) da delegação de Bragança.
(Bol 57, Jun/Out 1995, p. 6) (Bol 61, Jul/Set 1996, p. 4)
7 de Setembro – Aproveitando a presença em Setembro (?) – Encontro com almoço, na Lousã,
Portugal do armista Dr. Manuel Inglês, a trabalhar em casa do armista Domingos Laia Sequeira. Pre-
na CGD em Paris, Domingos Quina juntou uma sentes cerca de 35 armistas.
dúzia e meia à mesa, no restaurante “A Roda”. (Bol 61, Jul/Set 1996, p. 4)
(Bol 57, Jun/Out 1995, p. 6) 7 de Setembro – Em Lisboa, cerca de 40 pesso-
19 de Novembro – Magusto da delegação do Por- as da ARM encontraram-se no restaurante “A Fo-
to, no Seminário da Boa Nova, em Valadares, com gueira” para cumprimentar dois armistas a viver
missa, almoço, jogo de futebol entre alunos do semi- em terras distantes e de férias em Portugal: o Se-
nário e armistas. Muitas presenças devido ao serviço bastião João, no Brasil, e o Santos Ramos, em
prestado pelo “Nihimo”. Prestou-se sentida homena- Macau. Estiveram também os PP. Viriato, José
gem ao Dr. Albino Santos, falecido semanas antes, Marques e Casimiro.
homem de “fé inquebrantável” e armista dos mais (Bol 61, Jul/Set 1996, p. 4)
dedicados. A viúva esteve presente e abriu uma Bolsa 28 de Setembro – Fundação da delegação de
de Estudo com o seu nome. A cooperação dos leigos Coimbra, em reunião com a presença de duas de-
no campo missionário também foi tema abordado. zenas de armistas, alguns vindos de Lisboa, tendo
Costa Andrade, o delegado, Santos Ponciano, o pre- sido eleitos o Dr. Gil Inácio como delegado e o Dr.
sidente da Direcção nacional, e o Pe Viriato, o assis- Marinho Borges como adjunto. Celebrou-se a eu-
tente, presidiram e orientaram os trabalhos. caristia e houve almoço.
(Bol 57, Jun/Out 1995, p. 7, e Bol 58, Out/Dez 1995, p. 6) (Bol 61, Jul/Set 1996, p. 3)
25 de Outubro – Reunião da delegação de Lis-
1996 boa, com missa de sufrágio pelos armistas faleci-
23 de Março – “Almoço-convívio da Primave- dos, na Igreja de S. Luís dos Franceses, seguida de
ra em Pinheirinhos”, delegação de Lisboa, com 14 jantar. Foram eleitos novos delegados.
armistas e alguns familiares. (Bol 61, Jul/Set 1996, p. 7, e Bol 62, Out 1996 / Abr 1997, p. 4)
(Bol 59, Jan/Abr 1996, p. 6) 10 de Novembro – A delegação do Porto fez o
14 de Abril (?) – Castelo Branco juntou 16 encontro com uma pequena assembleia, missa do-
armistas no Santuário da Senhora de Mércules para minical e magusto, no Seminário da Boa Nova, em
a celebração da missa e a seguir almoçou. Valadares, com 80 presenças.
(Bol 62, Out 1996 / Abr 1997, p. 4) (Bol 61, Jul/Set 1996, p. 7, e Bol 62, Out 1996 / Abr 1997, p. 4)
19 de Maio – Assembleia Geral, no Seminário 8 de Dezembro – Castanhada com mais de 30
de Valadares, com eleição dos órgãos sociais para de Lisboa, nos Pinheirinhos – Sesimbra.
o triénio 1996-1999, (e votação e aprovação de (Bol 62, Out 1996 / Abr 1997, p. 4)
contas, é claro). Foi aprovado um voto de louvor
ao presidente da Direcção, Santos Ponciano, nova-
mente eleito. Em relação às “férias missionárias”,
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 78

1997 29 de Outubro – Missa pelos armistas falecidos,


18 de Maio – Assembleia Geral, anunciada para na Igreja de S. Luís dos Franceses, em Lisboa, presi-
se realizar no Seminário de Cernache do Bonjardim. dida pelo Pe. Viriato, seguida de jantar-convívio.
(Bol 62, Out 1996 / Abr 1997, p. 1) (Bol 68, Out/Dez 1999, p. 8, e Bol 69, Jan/Mar 2000, p. 8)
21 de Junho – Sardinhada anual da região de 14 de Novembro – Magusto-convívio da Zona
Lisboa, na Quinta das Açucenas – Caneças. Norte, no Seminário de Valadares, segundo o pro-
(Bol 63, Mai/Ago 1997, p. 4) grama habitual, com o testemunho missionário dos
13 de Setembro – Encontro armista de Coimbra, PP. Manuel Fernandes e Augusto Farias.
em casa do delegado, Dr. Gil Inácio: eucaristia pre- (Bol 68, Out/Dez 1999, p. 8, e Bol 69, Jan/Mar 2000, p. 8)
sidida pelo Pe. Jerónimo Nunes, Superior-Geral da 20 de Novembro – Convívio-magusto, em
SM, almoço, partilha de novidades-notícias. Pinheirinhos – Sesimbra, para os armistas de Lis-
(Bol 63, Mai/Ago 1997, p. 4) boa, com a presença de elementos da Direcção (do
Norte) e do assistente Pe. Viriato.
1998 (Bol 68, Out/Dez 1999, p. 8, e Bol 69, Jan/Mar 2000, p. 8)
31 de Maio – Assembleia Geral, no Convento de
Cristo, em Tomar. Cerca de 180 presenças incluindo 2000
familiares. O presidente apresentou resumo das activi- 21 de Maio – Encontro Nacional com Assem-
dades do ano anterior; falou-se de “férias missionárias”; bleia Geral, no Seminário de Cernache do Bonjar-
decidiu-se apoiar, com parte da receita daquele dia, a dim, incluindo o programa, além da eucaristia, a
construção da casa paroquial da Gabela; o Superior- romagem à gruta e uma visita guiada pelo irmão
Geral, Pe. Jerónimo Nunes, informou da actualidade Moreira à adega, à procura do “Terras D. Nuno”.
da SM. Houve celebração da eucaristia. O almoço veio (Bol 69, Jan/Mar 2000, p. 4, e Bol 70, Out 2000, pp. 4-5)
de Cernache e foi tomado no antigo e enorme refeitó- 27 de Outubro – Em Lisboa, missa pelos
rio. De tarde fez-se uma visita de saudade a todo o Con- armistas falecidos, na Igreja de S. Luís dos France-
vento, antigo seminário: as “cortes”, as celas dos fra- ses, seguida de jantar.
des, as salas de aulas, o claustro da Micha, outrora enor- (Bol 70, Out 2000, p. 8)
me, onde se corria e jogava, o claustro dos Corvos, a 12 de Novembro – O Norte teve o seu magusto
cozinha, o recreio das árvores... em Valadares, com o programa tradicional.
(Bol 65, Mai / Jul 1998, pp. 3- 4) (Bol 70, Out 2000, p. 8 e Bol 71, Mar 2001, p. 6)
25 de Julho – Almoço-convívio, em casa do 25 de Novembro – O tradicional magusto de
armista Domingos Sequeira, na Lousã. Lisboa, nos Pinheirinhos, “em casa do Armindo e
(Bol 66, Ago/Set 1998, p. 6) da São”, com a presença do Superior-Geral, Pe.
6 de Novembro – Missa em sufrágio dos Jerónimo.
armistas falecidos, na Igreja de S. Sebastião da (Bol 70, Out 2000, p. 8 e Bol 71, Mar 2001, p. 7)
Pedreira, em Lisboa, e jantar.
(Bol 66, Ago/Set 1998, p. 5, e Bol 67, Set 1998 / Abr 1999, p. 7) 2001
15 de Novembro – Magusto-convívio da Zona 20 de Maio – Encontro Nacional com
Norte, em Valadares, com o programa do costume. Assembleia Geral, no Seminário da Boa Nova, em
(Bol 66, Ago/Set 1998, p. 7) Valadares.
21 de Novembro – Magusto nos Pinheirinhos – (Bol 71, Mar 2001, p. 4, e Bol 72, Out 2001, pp. 4-6)
Sesimbra. 27 de Outubro – Encontro de Lisboa, na sede
(Bol 66, Ago/Set 1998, p. 5, e Bol 67, Set 1998 / Abr 1999, p. 7) da SM, à Rua da Bempostinha, 30. Programa: eu-
caristia pelos armistas falecidos, almoço e magusto.
1999 (Bol 72, Out 2001, p. 8, e Bol 73, Dez 2001, p. 4)
16 de Maio – Assembleia Geral, no Seminário 11 de Novembro – Em Valadares, o tradicional
de Cucujães, com eleição dos órgãos sociais para o magusto do Norte (que “começa no rio Minho e
triénio de 1999/2002. vai até onde começa o Sul…”), com o tradicional
(Bol 67, Set 1998 / Abr 1999, p. 3 e Bol 68, Out/Dez 1999, p. 3) programa. Compareceram “quase sete dezenas de
79 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

armistas e sua famílias”, houve “concurso de ape- véspera do regresso deste missionário a Mo-
ritivos, digestivos e sobremesas” e grande anima- çambique.
ção musical. (Bol 77, Dez 2002, p. 6)
(Bol 72, Out 2001, p. 8, e Bol 73, Dez 2001, p. 6)

2002
18 e 19 de Maio – “Congresso da ARM”, no Se-
minário de Valadares, com Assembleia Geral para elei-
ção dos corpos sociais para o triénio 2002-2005. Com
a presença de cerca de sessenta pessoas, o programa
foi o seguinte: no sábado: recepção e entrega de do-
cumentos, abertura pelo Superior-Geral, exposição “A
ARM e os missionários”, palestra de Moutinha
Rodrigues sobre a colaboração dos antigos alunos com
a SM, tendo enunciado onze maneiras possíveis de a
concretizar (cf Bol 75, Jul 2002, p. 3), e momento de
diálogo sobre essas sugestões, serão cultural com o Armistas de Lisboa acolhem e confraternizam com o
Coro de Milheirós de Poiares a cantar música litúrgica P. José Marques, na véspera do regresso deste
de João Gamboa alternando com leitura de poemas às Missões de Moçambique.
de Eugénio Beirão; no domingo: palestra do Pe. 26 de Outubro – Encontro regional da delega-
António Couto, sobre o cap. 16 da Carta de S. Paulo ção de Bragança, no Santuário de Balsamão, com
aos Romanos (os primeiros passos das comunidades a presença do presidente da Direcção. Programa:
cristãs da Igreja nascente), AG com eleição dos no- troca de impressões sobre o plano de acção e pro-
vos corpos sociais, eucaristia e almoço de encerra- jectos da Direcção, seguindo-se um magusto. Pre-
mento. sentes 12 pessoas.
(Bol 75, Jul 2002, p. 3) (Bol 76, Out 2002, p. 8, e Bol 77, Dez 2002, pp. 4-5)
26 de Outubro – Encon-
tro de armistas de Lisboa,
com “caras já bem conheci-
das” e “caras novas”, num al-
moço de ameno convívio,
dado o pequeno número dos
presentes.
(Bol 76, Out 2002, p. 8, e Bol 77, Dez
2002, pp. 6-7)
9 de Novembro – Oito
armistas (em vinte possíveis),
incluindo o Pe. Zacarias e o
presidente, encontraram-se
em Coimbra, primeiro aco-
lhendo-se em frente à Igreja
de Santa Cruz, logo a seguir
no indispensável almoço-con-
vívio.
Congressistas aguardam concerto coral (Bol 76, Out 2002, p. 8, e Bol 77, Dez
(Valadares, 18 de Maio de 2002).
2002, pp. 7)

26 de Setembro – Armistas de Lisboa juntaram- 10 de Novembro – A de-


se em jantar-convívio com o Pe. José Marques, na legação de Castelo Branco
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 80

teve encontro e programa marcados para este dia, lema “Caminhar em missão”. Presenças, incluin-
mas não chegou a realizar-se. do esposas: 65 permanentes, 80 no domingo. Pro-
(Bol 76, Out 2002, p. 8) grama de sábado: acolhimento e preparação de
10 de Novembro – Mas realizou-se o encontro da cânticos para a eucaristia; sessão de abertura pre-
delegação de Cernache do Bonjardim, no qual com- sidida pelo Superior-Geral, com apresentação das
pareceram 13 armistas e estiveram 40 pessoas, inclu- delegações; painel “Que missão para os leigos,
indo familiares e membros da SM. Depois da missa, hoje?”, com testemunhos de elementos dos “Lei-
foi o convívio com almoço, visita à gruta e magusto. gos Boa Nova”; painéis simultâneos: para senho-
(Bol 76, Out 2002, p. 8, e Bol 78, Mar/Abr 2003, p. 3) ras: “Que missão para nós, mulheres?”, para ho-
10 de Novembro – Também nesta data, junti- mens: “Os novos desafios da ARM”; serão-con-
nho ao dia 11 da festa de São Martinho, e com a vívio, com saudação da Direcção a todas as dele-
presença dos novos Superior-Geral e Reitor, PP. gações, canções, leitura de poemas, jogos, etc. No
António Couto e Manuel Bastos, realizou-se o tra- domingo: AG para avaliação do ano, apresenta-
dicional encontro de Valadares, com assembleia, ção de plano para o ano seguinte e discussão e
eucaristia, almoço com concurso de sobremesas e, aprovação de contas; eucaristia festiva, com pro-
mais tarde, o incontornável magusto. clamação das conclusões e rito de envio dos armis-
(Bol 76, Out 2002, p. 8, e Bol 78, Mar/Abr 2003, p. 3) tas; almoço de encerramento.
17 de Novembro – Com sessão de abertura, euca- (Bol 78, Mar/Abr 2003, p. 6, Bol 79, Jul 2003, pp. 3-7, e Bol 80, Out
ristia, almoço, visita, guiada pelo Pe. Adelino, ao Se- 2003, pp. 4-5)
minário em obras e ao Lar de Santa Teresinha e 25 de Outubro – Encontro regional de Lisboa,
magusto, reuniram em Cucujães cerca de 90 pessoas, nos Pinheirinhos (Sesimbra), com oração no San-
sendo 35 armistas. Destes, uns 25 compareceram pela tuário de Nossa Senhora do Cabo de Espichel. De-
primeira vez. Estiveram presentes o presidente da vido ao mau tempo, presentes apenas 13 pessoas,
Direcção e o assistente, Pe. Jerónimo Nunes. Foi es- incluindo o Pe. Pino e o Irmão Pequito.
colhida a direcção da delegação local. (Bol 81, Dez 2003, p. 4)
(Bol 76, Out 2002, p. 8, e Bol 78, Mar/Abril 2003, p. 4) 1 de Novembro – Encontro regional de Barce-
los, pela primeira vez, com jantar-convívio em res-
2003 taurante. Presentes uma dezena de antigos alunos,
17 e 18 de Maio – Encontro nacional no Se- incluindo o presidente da Direcção.
minário de S. Francisco Xavier, em Fátima, sob o (Bol 81, Dez 2003, p. 4)

Participantes no Encontro Nacional da ARM 2003, no Seminário de S. Francisco Xavier.


81 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

8 de Novembro – Alguns armistas da delega- vida da SM. A missa teve lugar na Capela do Semi-
ção de Tomar, acrescidos do assistente Pe. Jerónimo nário, presidida pelo assistente Pe. Jerónimo. Após
e do presidente da Direcção, fizeram encontro na o almoço foi tempo de convívio, foi-se à Gruta onde
cidade do Nabão, com almoço e rico convívio. se fez breve oração e encerrou-se com as castanhas.
(Bol 81, Dez 2003, p. 5) (Bol 82, Mar/Abr 2004, p. 5)
8 de Novembro – Bragança-Miranda fez o en-
contro no Santuário de Balsamão, com 11 presen- 2004
ças. O Pe. Mamede Fernandes, na altura a servir na 20 de Março – Reunião do presidente da Direc-
Paróquia do Santo Condestável de Bragança, pre- ção, no Seminário de S. Francisco Xavier, em Fáti-
sidiu à celebração da eucaristia. ma, com os delegados regionais do Centro e Lis-
(Bol 82, Mar/Abr 2004, p. 4) boa, tendo estado presentes os de Cernache do
9 de Novembro – O Seminário da Boa Nova Bonjardim, Lisboa e Tomar.
foi novamente o palco para o encontro de armistas 27 de Março – Reunião do presidente da Direc-
da delegação de Valadares. Dezasseis presenças na ção, no Seminário de Valadares, com os delegados
pequena assembleia inicial, cerca de 50 na eucaris- regionais do Norte, tendo estado presentes os de
tia e no almoço. Devido à chuva, o magusto foi no Barcelos, Cucujães e Valadares.
refeitório. 15 e 16 de Maio – Encontro nacional com AG,
(Bol 82, Mar/Abr 2004, pp. 4-5) no Seminário de Cernache do Bonjardim, sob o
16 de Novembro – Cinquenta e seis armistas e lema “Viver em missão”. Programa de sábado: aco-
familiares reuniram-se no Seminário de Cucujães lhimento e ensaio de cânticos; sessão de abertura
para o encontro regional. Após breves palavras de seguida de testemunho pessoal do casal armista
boas vindas, cantou-se o hino da ARM, a direcção Isménia e António Regal sobre o citado lema; AG,
local informou os presentes das actividades desse com avaliação das actividades do ano, plano para o
ano e o assistente deu conta de alguns aspectos da seguinte, aprovação das contas e aprovação do Re-

Foto de família dos armistas participantes no Encontro Nacional 2004, em Cernache do Bonjardim.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 82

gulamento das Delegações Regionais; jantar e se- proporcionou a evocação de grandes recordações.
rão-convívio. No domingo: ensaio de cânticos na igre- 30 de Outubro – Em Alvelos, encontraram-se
ja; eucaristia concelebrada (propondo os cânticos o em franco convívio 20 armistas da região de Bar-
Grupo Coral de Proença-a-Nova, acompanhado pelo celos. Alguns não se viam há 30 anos! E acertaram
organista Nuno Alexandrino); concerto de música o último sábado de Novembro para o encontro anu-
sacra – coro, órgão e flauta (Eduardo Lucena); roma- al. Estiveram presentes, também, os PP. Adelino
gem à Gruta e almoço de encerramento. Simões e Jerónimo Nunes, assistente da ARM.
O Superior-Geral não pôde estar presente, mas (Relato de José Campinho)
presidiu o assistente Pe. Jerónimo. 6 de Novembro – Com a presença de mais de
Os delegados presentes (Barcelos, Bragança- 30 pessoas, incluindo o presidente da Direcção,
Miranda, Cernache, Cucujães, Lisboa, Tomar e realizou-se o encontro da delegação de Lisboa que
Valadares) ofereceram ao Seminário, no cortejo dos abriu com a celebração da eucaristia, cantada pe-
dons, produtos das suas regiões. Mas houve los armistas, no Colégio Pio XII. O almoço pro-
armistas das nove delegações. porcionou grande convívio. Estiveram presentes o
Puseram-se em prática normas da vida comu- Pe. Alfredo Alves Moreira, que havia celebrado
nitária de outrora: toque da sineta e leitura durante semanas antes as bodas de ouro da sua ordenação
parte da refeição, por exemplo. sacerdotal, e o Pe. Viriato Matos.
Presenças: 70 no sábado, mais de 90 no domingo. (Bol 85, Dez 2004, pp. 4-5)
(Bol 82, Mar/Abr 2004, pp. 6 e 8, e Bol 83, Jul 2004, pp. 1, 3-6 e 7) 7 de Novembro – Em terras de D. Nuno Álva-
17 de Outubro – Cerca de meia centena, com res Pereira, o velho seminário que, ao longo da sua
familiares, foram as presenças neste encontro da história, acolheu tantos adolescentes, recebeu des-
delegação de Cucujães. ta vez 14 armistas para o seu encontro regional.
Para celebrar os 75 anos do Seminário, que ocor- Programa: eucaristia, visita à Gruta com oração,
ria nesse mês, o armista historiador Joaquim almoço e magusto. O Reitor Pe. Carlos acompa-
Candeias da Silva apresentou uma comunicação nhou sempre os antigos alunos da SM. Também
sobre “São Martinho de Cucujães – Oito séculos esteve o presidente da Direcção, com a esposa.
de um Mosteiro”. (Relato do delegado António Bernardo Correia)
Celebrou-se a eucaristia na Capela do Seminário, a 14 de Novembro – Em Valadares cumpriu-se a
que presidiu o assistente da ARM; cantaram os armistas. tradição com a presença de cerca de 20 armistas,
Depois foi o almoço, no claustro renovado, onde foi incluindo o presidente da Direcção, que fizeram o
construído um singelo monumento de homenagem aos programa habitual: pequena assembleia, eucaris-
pioneiros da SM. Houve sorteio de livros e o presiden- tia, almoço, convívio e magusto.
te da Direcção participou em todo o encontro. (Relato do delegado F. Costa Andrade)
(Bol 85, Dez 2004, p. 4) 20 de Novembro – A delegação de Tomar reali-
23 de Outubro – Cerca de 15 armistas transmon- zou o seu encontro em Tancos e estiveram presen-
tanos, aos quais se juntou o presidente da Direc- tes 12 pessoas, sendo sete os antigos alunos da SM,
ção, encontraram-se em Vimioso. Oito estiveram incluindo o presidente da Direcção. Rostos novos:
pela primeira vez. Falou-se da vida da ARM, en- o Carlos Santos e o Celestino Neves. O almoço
saiou-se e cantou-se o hino. Em Vale de Algoso, proporcionou grande partilha de notícias e recor-
houve celebração da eucaristia e tomou-se o almo- dações. Houve visita ao castelo de Almourol.
ço. Presentes também os PP. Amado e Mamede. (Bol 85, Dez 2004, p. 5)
(Bol 85, Dez 2004, p. 6) 27 de Novembro – Coimbra marcou pontos com
30 de Outubro – Foi em Alpedrinha que se reu- a presença de 15 armistas. O início do encontro
niram sete armistas da delegação de Castelo Bran- teve lugar frente à Igreja de Santa Cruz e conti-
co-Guarda, incluindo o presidente da Direcção. nuou durante o almoço, num restaurante da rua da
Depois do primeiro contacto e conhecimento mú- Sofia. Vários rostos velhos tornados novos aos
tuo, o José Manuel Fernandes mostrou e explicou olhos dos presentes no encontro anterior.
os monumentos da vila, seguindo-se o almoço que (Relato do armista Gabriel Silva)
83 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

5. O BOLETIM DA ARM lo de Boletim da ARM, mas ainda como “Suple-


mento do Missionário Católico”.
O órgão de comunicação da ARM foi, desde o Em Maio de 1968, o n.º 20 apresentou-se, pela
princípio, a revista Missionário Católico, “que será primeira vez, com o conhecido, belo e feliz logotipo
distribuído a todos os associados no pleno gozo dos da ARM, que nunca mais foi abandonado50. A indi-
seus direitos” 48; no entanto, competia à Direcção cação de “Suplemento do Missionário Católico”
“promover a publicação de um suplemento do Mis- surgia agora diluída, usando caracteres mais redu-
sionário Católico, especialmente destinado aos as- zidos e já não como subtítulo, até desaparecer defi-
sociados” 49. Este suplemento teve a primeira edi- nitivamente, quase um ano depois, na edição n.º
ção (o n.º 1) em Março de 1961, com o título de 23, em Fevereiro de 1969.
A.R.M. e o subtítulo de “Suplemento do Missioná-
rio Católico para os membros da Associação Re-
gina Mundi”.

A apresentação gráfica do Boletim da ARM foi


continuando a alterar-se e a melhorar, como pode
ver-se na reprodução dos números 52 (1.ª Série),
de Jan/Fev 1975, 52 (2.ª Série), de Jan/Fev 1994,
68, de Out/Dez 1999, e 77, de Dez 2002.

Em Agosto de 1967, o n.º 17 surgiu com o títu-

50
Com a sua força expressiva, o logotipo tornou-se, de facto,
no símbolo de marca da ARM e veio a ser inscrito na bandeira da
Associação, adoptada em Novembro de 1993. Tratadas as rugas
acumuladas ao longo dos anos, surgiu com a cara lavada na edição
48
Estatutos de 1960, Art.º 8.º. n.º 77, em Dezembro de 2002: linhas mais nítidas e claras, sombre-
49
Estatutos de 1960, Art.º 5.º, d). ado liso e aveludado.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 84

Santos Dupré51, e com a clara intenção de assina-


lar, enquadrar e apoiar o Encontro Nacional anual
que nesse dia se realizava no Seminário de
Cernache do Bonjardim, a “Casa-Mãe” a que re-
gressavam os armistas.
Com o n.º 50 (2.ª Série),
de Set/Out 1993, apareceu,
na segunda página, uma fi-
cha técnica, em coluna, que
se tem mantido até hoje. Aí
são indicados, entre outros
dados importantes, o nú-
mero de exemplares publi-
cados e os nomes dos cola-
boradores.
Foi também a partir
desta edição que surgiu, na
primeira página, em man-
Merece referência de relevo uma edição espe- cha, o destaque de alguns
cial e desgarrada – de “pirata” a classificaram os títulos de textos. Esporádi-
que a deram à luz –, saída no Norte (Porto), segu- ca durante alguns anos, esta
ramente em 18 de Maio de 1986, sob a direcção de melhoria informativa tor-
nou-se definitiva com o
número 70, em Outubro de
2000.

Em Julho de 2002, com o n.º 75, começou a ser


impressa, na
última página,
em mancha,
uma inscrição
com a identifi-
cação do Bole-
tim.
No que diz respeito aos textos publicados no
Boletim, eles foram sendo progressivamente mais
variados, nos temas tratados, nos objectivos a atin-
gir, nos autores e, obviamente, no estilo. Como este
assunto vai ser tratado na Parte III deste livro (An-

51
Lembra-se que a publicação do Boletim não se fazia desde
Fev 1975 e só viria a ser retomada em Set 1993.
85 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

tologia de textos publicados no Boletim da ARM), munhão entre todos os antigos alunos da SM.
agora só interessa dizer que, desde o primeiro nú- Outros aspectos há ainda que interessa dar a co-
mero, houve um “artigo de fundo”, um texto de nhecer e vão ser apresentados em extenso quadro
carácter doutrinário; mas só com o n.º 50 (2.ª Sé- que abrangerá todos os números do Boletim. São
rie), em Set/Out 1993, começou a classificar-se esse eles os seguintes, além do número e data de cada
texto, e não sempre, de Editorial. Tal veio a tornar- edição: quem era o presidente da Direcção ou o
se constante a partir de Março de 2001, com o n.º director do Boletim; onde foi este composto e im-
71. Quase sempre publicado na primeira página, presso; o seu formato; o número de páginas; se
às vezes na terceira. contém ilustrações (ou gravuras) e quantas; o nome
Esse texto tinha (e continua a ter) como objec- dos colaboradores, mesmo usando pseudónimos,
tivo fundamental a formação dos armistas, incul- abreviaturas ou siglas (excepto quando as suas car-
cando valores e apontando princípios, ideias e ati- tas só são parcialmente publicadas); a tiragem; se
tudes, com vista a atingirem-se os fins da Associa- apresenta publicidade e quantos anúncios. Assim
ção. Mas há outros tipos de textos: uns são infor- se ficará a saber a evolução havida desde a primei-
mativos, outros fazem memória, outros, ainda, in- ra edição, em Março de 1961, e o n.º 85, em De-
terpelam e dão resposta, outros, finalmente, são car- zembro de 2004, com a interrupção conhecida de
tas dos leitores armistas. Todos procuram criar e 18 anos, entre 1975 e 1993.
fazer circular o espírito armista e aprofundar a co-

Quadro-síntese do Bolotim da ARM, do n.º 1 ao n.º 85.


A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 86
87 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 88
89 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 90
91 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

6. O MISSIONÁRIO CATÓLICO E A BOA Justificava-se este reparo e o consequente pe-


NOVA COMO ÓRGÃO INFORMATIVO dido? Se tivermos em conta que o MC era,
DA ARM estatutariamente, o “órgão oficial da ARM” e se
observarmos as notícias nele publicadas sobre as
Em Maio de 1963, noticiava o Boletim n.º 5 que actividades da Associação, não há dúvida de que
havia sido pedida “a atenção da direcção do Missio- tal atitude era legítima. Com efeito, até esse mo-
nário Católico, como órgão oficial da ARM, para o mento (Maio de 1963), o MC havia publicado ape-
reduzido noticiário que a seu respeito inseria” 52. nas uma fotografia de um grupo de armistas, em
1961, e, em 1962, apresentara duas fotografias em
52
Bol 5, Mai 1963, p. 5. Janeiro e outra em Junho. Nos anos seguintes o rit-
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 92

mo informativo foi ainda mais baixo, ficando al- MC (n.º 29) de Junho (p. 7):
guns totalmente em branco. Fotografia da reunião regional da ARM reali-
Porém, havia o Boletim que, embora “suple- zada em Lisboa, no dia 1 de Abril de 1962.
mento do MC”, ia veiculando a informação para
os associados. Importante é saber como se com-
portou a Boa Nova, sucessora do MC a partir de
Janeiro de 1970, sobretudo no período de 1978 a
1993, em que já havia um órgão directivo da ARM
mas não se publicava o Boletim. E nessa altura,
quando já não era órgão informativo oficial da
ARM, a BN forneceu aos armistas noticiário sufi-
ciente da vida da sua Associação, nomeadamente
anunciando, primeiro, a realização anual do encon-
tro nacional e, depois, fazendo o seu relato.
Caberia aqui interrogarmo-nos, sobretudo in-
terrogar os responsáveis da altura, se estavam aten- 1963
tos e eram suficientemente cuidadosos a fornecer à MC (n.os 42-43) de Agosto-Setembro (p. 18):
redacção da revista os dados informativos neces- Três fotografias da reunião geral de 10 de Ju-
sários para publicação... Mas disso nada sabemos. nho de 1963, realizada em Cucujães.
Para se ter uma visão objectiva e completa des-
te problema, apresenta-se a seguir o levantamento
de todo o noticiário – textos e fotografias – publi-
cado pelas duas revistas, desde 1961 até 2004.

1961
Missionário Católico [Ano XXXVII – Série III]
(n.º 16) de Abril (p. 21):
Fotografia de armistas, junto à Charola do Con-
vento de Cristo, em Tomar.

À volta da imagem da Senhora do Mundo,


no velho claustro beneditino.

1964
__

1965
MC (n.o 63) de Maio (p. 21):
Fotografia (também publicada no Bol 10, p. 4)
da reunião regional de Lisboa, realizada em 25 de
Abril de 1965. (Reproduzida atrás, p. 70).
1962
MC (n.º 24) de Janeiro (p. 21): 1966
Duas fotografias: uma do Encontro geral de __
Cernache do Bonjardim, em 1 de Outubro de 1961;
outra do Encontro regional de Valadares, em 21 1967
(22?) de Outubro de 1961. __
93 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

boa, em 19 de Maio de 1974.


1968 1975
MC (n.o 7) de Julho-Agosto (p. 4): __
Fotografia: armistas em Via-Sacra no Calvário
Húngaro, em Fátima, em 10 de Junho de 1968. (No 1976
dia 9 houve AG em Tomar). __

1969 1977
MC (n.o 2) de Fevereiro (p. 5): __
Fotografia solta (não contextualizada) de mem-
bros da ARM. 1978
B N de Julho (p. 9):
1970 Três fotografias e notícia importante: Encontro
__ nacional em Cernache (cf., atrás, 4. REUNIÕES…).

1971 1979
Boa Nova de Julho (p. 8) 53: B N de Maio (p. 27):
Fotografia do encontro anual realizado em Lis- Anúncio da reunião anual a realizar em
boa, em 30 de Maio de 1971. Cernache do Bonjardim, em 20 de Maio de 1979.
B N de Julho (pp. 28-29):
1972 Longa crónica e muitas fotografias (13!) do En-
B N de Julho (p. 37): contro nacional de 20 de Maio de 1979, realizado
Fotografia do Encontro regional, realizado em
Lisboa, no dia 14 de Maio de 1972.
B N de Dezembro (p. 31):
Duas fotografias do Encontro nacional realiza- O “velho” Pache-
co competindo em
do em Cernache, em 15 de Outubro. entusiasmo pela
ARM com o “jo-
1973 vem” Simão e mu-
__ lher.

1974
B N de Julho-Agosto (p. 73):
Fotografia da reunião regional do Sul, em Lis-

O Dr. Regal tro-


cando impressões
com o Jorge.
em Cernache do Bonjardim.

1980
B N de Março (p. 33):
Anúncio da reunião geral a realizar em 18 de
Maio de 1980, no Seminário de Valadares.
B N de Abril (pp. 8-9):
Anúncio renovado e convite da SM e da Co-
53
missão Administrativa da ARM para a reunião anual
O Missionário Católico deu lugar à Boa Nova, como já se
disse, em Janeiro de 1970. a efectuar no Seminário da Boa Nova, em Valadares,
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 94

em 18 de Maio de 1980, juntando o projecto de


revisão dos Estatutos. 1986
B N de Julho (p. 17): B N de Maio (p. 35):
Crónica da reunião anual de 18 de Maio de Anúncio (simples) da reunião geral a realizar
1980, realizada em Valadares. no Seminário de Cernache do Bonjardim, em 18
de Maio de 1986.
1981
B N de Abril (p. 33): 1987
Anúncio da reunião geral, a realizar em __
Cernache do Bonjardim, no dia 17 de Maio de 1981.
B N de Maio (p. 4): 1988
Convocatória da AG, a realizar no Seminário B N de Abril (p. 10):
de Tomar, em 24 de Maio de 1981, para ratificação Anúncio (simples) da AG de 1988, a realizar
dos Estatutos. em 15 de Maio, no Seminário da Boa Nova, em
B N de Julho (p. 9): Valadares.
Crónica extensa da AG, realizada no Seminá-
rio de Tomar, em 24 de Maio de 1981. 1989
B N de Dezembro (p. 28): B N de Maio (p. 5):
Longa e bem humorada crónica da reunião re- Anúncio simples da reunião anual, a realizar
gional do Norte, realizada em 4 de Outubro de 1981, em 21 de Maio, no Seminário de Tomar.
no Seminário de Valadares. “Nada mete medo aos B N de Agosto-Setembro (p. 17):
do Norte!” é o seu título e escreveu-a DUPRÉ 54. Relato da reunião de Tomar, realizada em 21
de Maio, com três fotografias. Autor do texto: Fa-
1982 ria Gomes.
B N de Maio (p. 31):
Anúncio da reunião nacional a efectuar em 23 1990
de Maio de 1982, no Seminário de Cernache do B N de Maio (p. 5):
Bonjardim 55. Anúncio simples da realização da reunião ge-
ral da ARM, a ter lugar em 20 de Maio, em
1983 Cernache do Bonjardim.
B N de Maio (p. 5): B N de Junho-Julho (pp. 34-35):
Anúncio do Encontro nacional, a realizar no Se- Crónica da AG de Cernache do Bonjardim, re-
minário de Cucujães, no dia 22 de Maio de 1983. alizada em 20 de Maio. Seis fotografias. E o teste-

1984
B N de Maio (p. 29):
Anúncio e convocatória da AG anual, a reali-
zar no dia 20 de Maio, no Seminário de Valadares,
com eleição dos corpos sociais para o triénio de
1984-1987. Texto com alguma reflexão.

1985
__

54
Este texto pode ser lido na Parte III deste livro (Antologia de Um grupo de jovens que participou pela primera vez.
Textos publicados no Boletim da ARM), com o n.º (19).
55
Não encontrei relato deste Encontro nacional nas edições
posteriores da Boa Nova.
95 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

munho de Faria Gomes.


1991 1992
B N de Março (p. 4): __
Anúncio do Encontro nacional anual, a realizar
no dia 12 de Maio, no Seminário de Cucujães. 1993
B N de Março (p. 21): B N de Abril (p. 18):
Anúncio e apelo da ARM aos “cristãos e em- Lembra que o Encontro com AG deste ano se
presas de Portugal” para participação na ajuda ao realizará em 16 de Maio, no Seminário de S. Fran-
“Projecto Transportes para Missionários”, que pre- cisco Xavier, em Fátima.
tendia adquirir jipes para Chibuto, Nampula e B N de Julho (p. 35):
Chiúre, em Moçambique, Gabela e Sumbe, em Relato do Encontro anual realizado em Fátima,
Angola, Chililabombwe, na Zâmbia, e Chapadinha, no Seminário de S. Francisco Xavier, em 16 de
no Brasil. Maio, com a eleição dos corpos sociais. Uma foto-
B N de Maio (p. 38): grafia da Assembleia da ARM.
Novamente o “Projecto Transportes para Mis-
sionários”, indicando os contactos: Zona de Lis- 1994
boa, Dr. Nereu Santos; Zona do Porto, Costa B N de Junho (p. 10):
Andrade; Zona de Santa Maria da Feira, Óscar Crónica, assinada por Armando Soares, do En-
Rodrigues. contro realizado em Cernache do Bonjardim, em
Anúncio do Encontro nacional, a realizar em 15 de Maio, com a celebração dos 50 anos da fun-
19 de Maio, no Seminário de Cucujães. (Na BN de dação da ARM, a qual tomara personalidade jurí-
Março, fora indicado o dia 12, mas foi adiado de- dica apenas na véspera, em Lisboa. Por essa razão,
vido à visita do Papa João Paulo II a Fátima). a AG confirmou por unanimidade, e por mais dois
Destacável para preenchimento pelos antigos anos, os membros da Mesa da AG e da Direcção e
alunos com os dados pessoais, no sentido de refa- procedeu à eleição, pela primeira vez, do Conse-
zer o ficheiro de armistas. lho Fiscal. Foi também aprovada nova quota, não
B N de Junho-Julho (pp. 32-33): se indicando o quantitativo.
Relato, assinado pelo Pe. João Avelino, do En- Antes do almoço, foi a missa concelebrada na
contro nacional que teve lugar em Cucujães, em Igreja do Seminário, tendo presidido o Pe. Augusto
19 de Maio. Três fotografias. Farias. Animou os cânticos o Coro da ULTI (Uni-
Mais: entrevista, com fotografia, ao Dr. José versidade de Lisboa para a Terceira Idade), dirigi-
Nereu Santos, co-fundador da ARM, em 1944; fo- do pelo armista Joaquim Alves Mateus.
tografia dos 15 participantes nessa primeira reu- A romagem à Gruta encerrou o dia, tendo-se as-
nião fundadora da ARM, com indicação dos seus sociado gente de Cernache. Reza a crónica que terão
nomes. estado, com familiares, perto de 350 pessoas!
B N de Agosto-Setembro (p. 9): B N de Dezembro (pp. 31-32):
Texto de Santos Ponciano (“Um projecto: sete Crónica da autoria de Mário Veiga sobre as “Pri-
jipes”), a propósito da AG de 19 de Maio, em meiras Jornadas Nacionais da ARM, realizadas em
Cucujães. Também uma fotografia desse encontro. Valadares, nos dias 15 e 16 de Outubro, e integra-
B N de Dezembro (p. 41): das nas comemorações do cinquentenário da ARM.
Nova informação e apelo à colaboração no pro- Três fotografias.
jecto de aquisição de viaturas todo-o-terreno para
Chibuto, Chapadinha, Gabela, Nampula e Zâmbia, 1995
com indicação dos núcleos armistas responsáveis __
(Santa Maria da Feira, Lisboa, Porto, Cucujães/
Aveiro e Esmoriz) e do número das respectivas 1996
contas bancárias. __
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 96

1997 22 de Outubro de 1961, no “Novo Seminário” de


B N de Julho (p. 31): Valadares, em construção 57. E em 1963 foi nome-
Crónica da AG realizada em 18 de Maio, no ado delegado da ARM em Coimbra o Dr. Joaquim
Seminário de Cernache do Bonjardim, acompanha- Marques Pereira 58.
da de fotografia. Autor: José Quina. Os Estatutos de 1964 definiam as Delegações
como órgão social da ARM, a par da Assembleia
1998 Geral e da Direcção, e diziam que haveria Delega-
__ ções “nos distritos do Continente e Ultramar”, sen-
do as suas competências definidas no Art.º 21.59.
1999
__ Na década de 60, aproveitando a presença de
bastantes antigos alunos na administração, na vida
2000 sócio-económica e nas Forças Armadas, houve um
__ esforço assinalável para a criação de Delegações
no Ultramar 60. Foi o caso da Delegação de Lou-
2001 renço Marques, em Moçambique, com a nomea-
__ ção, em 1966, do Dr. António Maria de Matos para
seu responsável.
2002
__

2003
BN de Julho (pp. 8-9):
Notícia sumária do Encontro Nacional 2003, re-
alizado no Seminário de S. Francisco Xavier, em
Fátima, em 17 e 18 de Maio, com fotografia de
“família”. E também as conclusões do Encontro.

2004
BN de Agosto/Setembro (p. 18): Vale a pena transcrever excertos de uma carta
Notícia longa do Encontro Nacional 2004, rea- sua, datada de 21 de Abril de 1966, dirigida ao pre-
lizado no Seminário de Cernache do Bonjardim, sidente da Direcção da ARM, Dr. José Roque
em 15 e 16 de Maio, com fotografia de todos os Abrantes Prata:
participantes.
“Foi com grande surpresa e enorme sa-
tisfação que recebi uma carta datada de 17
7. AS DELEGAÇÕES de Março último [...] noticiando-me de que
em Assembleia Geral havia sido escolhido
7.1. Breve quadro panorâmico para Delegado da Associação em Moçam-

Desde o princípio, os Estatutos da ARM previ- 57


Bol 2, Set 1961, p. 3.
ram a realização de reuniões de carácter regional e 58
Bol 5, Mai 1963, p. 5.
a existência de delegados regionais 56. Em 1961 já 59
Ver atrás 2.2. Os Estatutos de 1964, onde essas competências
havia a Delegação do Norte e José Dias de Pinho estão transcritas.
60
Foi a AG de 1964, realizada no Seminário de Cernache do
era o seu responsável, tendo tido papel de relevo Bonjardim, em 4 de Outubro, que deliberou criar delegações no
na organização da reunião regional do Norte, em Ultramar (cf. Bol 9, 1.º e 2.º Trim 1965, p. 3). Em 1965, o Dr. José
Francisco Rodrigues, então presidente da Mesa da AG, ter-se-á des-
56
Estatutos de 1960, Art.º 6.º § 2.º e Art.º 5.º e), respectivamen- locado a África e ele próprio terá tratado de as lançar em Angola e
te (Bol 1, Mar 1961, p. 2). Moçambique (Idem, ibidem).
97 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

bique, para o que tão amavelmente me con- “Dirijo-me à distinta direcção da A. R.


vidava a aceitar o lugar. M. como antigo aluno da Sociedade, agora
[...] investido nas funções de Delegado da Asso-
... a vossa carta veio, precisamente, ao ciação, após a visita que nos fez o querido
encontro da actividade que, nesse sentido, eu Superior-Geral em Setembro deste ano. A
próprio estava a desenvolver, em Lourenço nossa grande preocupação, neste momento,
Marques, com o precioso patrocínio de um é “descobrir” antigos alunos residentes em
dos nossos que “ficaram”, o grande amigo e Angola, tarefa que não tem sido muito fácil.
incansável na prática do bem, Sr. P. Valente, [...]
pois através do Rádio-Clube de Moçambique A implantação da ARM em Angola foi no-
foi já feito um convite a todos os nossos ex- ticiada por toda a imprensa angolana, que
colegas dispersos pela imensidão moçam- nos distinguiu com amáveis referências.
bicana com vista a estabelecerem-se os pri- Qualquer dia, iremos apresentar cumpri-
meiros contactos. mentos ao “armista” D. Manuel Nunes
Deste modo, espero que se realize, no Gabriel (Arcebispo de Luanda)63 e pedir-lhe
primeiro Domingo de Maio, a primeira reu- que indique um assistente religioso, já que
nião que terá lugar na “nossa casa do aqui não temos Padres da Sociedade.”64
Infulene”, pois tenho a promessa de que es-
tarão no meio de nós, além dos Srs. Pes. Pi- O entusiasmo armista que então se vivia em
nheiro e Valente, o sempre jovem e incansá- Angola foi comprovado por mais uma carta vinda
vel apóstolo que é o Sr. P. Álvaro” 61. daquela província ultramarina, da pena do Dr. Leo-
Também em Angola, onde a Sociedade Missio- nardo Luís de Matos, datada de 9/8/69 e dada à luz
nária só começaria a trabalhar em 1970, se procurou no Boletim n.º 27 65. Entre outras coisas, defendia
criar uma rede de delegações que aglutinassem os que cada armista contactasse pessoalmente outro
antigos alunos. Para Luanda foi proposto o Dr. Matias antigo aluno para crescer o número dos integrados
Farinha; para Sá da Bandeira e Moçâmedes foram na ARM e que a SM começasse a trabalhar quanto
escolhidos e propostos delegados cujos nomes se des- antes em Angola 66.
conhecem, devido ao não aparecimento do Boletim O “exagero” de as Delegações serem conside-
n.º 12, onde terão sido indicados 62. Da eventual ac- radas um órgão social foi corrigido em 1981 e os
ção destes armistas não houve ecos no Boletim. Estatutos desse ano, assim como os de 1994, actu-
Em 1968, o Boletim n.º 19 publicou uma foto- almente em vigor, dizem que as Delegações po-
grafia de um encontro de armistas, em Angola, com dem constituir-se “em qualquer parte, desde que o
o Pe. Manuel Fernandes, substrato social o justifique”.
que, na qualidade de Supe- Nos anos 90, a Direcção de Santos Ponciano
rior-Geral da SM, visitou recriou, como já vimos, as Delegações de Castelo
aquele território para estudar Branco e Bragança, em 1994, e, em 1996, a de
a ida dos missionários da So- Coimbra. Pensava ele – e bem! – que descentrali-
ciedade. Publicou também zar seria um bem para a dinamização da ARM, pois
parte de uma carta de assim se conseguiria uma maior “união de todos” e
Antunes Valente, o delega- mais facilmente se atingiriam os objectivos da
do da ARM em Luanda, que ARM67. Para isso, porém, é indispensável que lo-
se transcreve: 63
D. Manuel Nunes Gabriel foi antigo aluno dos seminários da
SM.
64
Bol 19, Fev 1968, p. 1, Angola é Angola.
61 65
Bol 13, 2.º e 3.º Trim 1966, pp. 2-3, Correspondência recebi- Bol 27, Out/Nov 1969, pp. 1 e 4, a ARM em Angola e outros
da. Quanto ao encontro, esse veio, de facto, a realizar-se em 1 de temas…
66
Maio de 1966. O primeiro missionário da SM, o Pe. Albano Mendes Pedro,
62
Bol 14, 4.º Trim 1966, p. 3, Relatório da Direcção (1966), 3.º chegaria a Luanda a 20 de Setembro de 1970.
67
- Delegados. Cf. Bol 55, Out 1994/Mar 1995, p. 7.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 98

calmente haja armistas que, em ligação com a Di- gança-Miranda, Castelo Branco-Guarda, Cernache
recção nacional, assumam essa tarefa, aproximan- do Bonjardim, Coimbra, Cucujães, Lisboa, Tomar
do e levando até quase à porta de cada um a vivência e Valadares.
do espírito armista, consubstanciado no já consa- Para dar solidez a este edifício, a AG de 2004,
grado Encontro Regional onde não falte o magusto realizada em Cernache do Bonjardim, aprovou o
com castanhas e água-pé, em Outubro/Novembro Regulamento das Delegações Regionais da ARM,
de cada ano. que aponta algumas orientações e regras e define
Na mesma linha, a Direcção eleita em 2002 re- as funções das delegações 68.
tomou imediatamente o esforço de repor algumas
delegacões que já haviam existido e constituir ou- 7.2. As delegações de per si
tras, tentando, desse modo, construir uma cobertu-
ra completa do território nacional. O mapa das de- Vejamos agora cada uma das delegações de per
legações ficou assim desenhado: Barcelos, Bra- si, indicando os dados possíveis, nomeadamente as
datas da sua constituição/reconstituição, os nomes
dos delegados e outras informações de interesse,
sobretudo as relativas às delegações de África (Lou-
renço Marques e Luanda). Os encontros já estão
referenciados atrás, em 4. Reuniões anuais de ca-
rácter nacional e encontros regionais.

7.2.1. Delegação de Barcelos

Já no pensamento de Santos Ponciano nos anos


90 69, a Delegação de Barcelos veio a ser constituí-
da em 2003, tendo realizado o encontro regional
desse ano (1 de Novembro) e em 2004 (30 de Ou-
tubro). O Dr. José Campinho tem estado à frente
desse esforço. Vivem nesta região mais de vinte
armistas conhecidos.
(Bol 81, Dez 2003, p. 4, e Bol 84, Out 2004, p. 8)

7.2.2. Delegação de Bragança-Miranda

A Delegação de Bragança foi fundada em 1 de


Maio de 1994, em Pinelo, sendo eleito delegado o
Pe. Norberto Pino e subdelegado o armista Nuno
Trancoso (Bol 54, Mai/Ago 1994, pp. 8 e 5). Realizou en-
contros em 23 de Fevereiro de 1995, em Pinelo (Bol
55, Out 1994 / Mar 1995, p. 7), e em 1 de Maio do mesmo
ano, no Santuário de Balsamão (Macedo de Cava-
leiros), agora com mais presenças.
(Bol 56, Abr/Mai 1995, p. 6).
No encontro de 30 de Junho de 1996, em
Vimioso, foi eleito delegado o armista Abílio
Domingues Pires Barril (Bol 61, Jul/Set 1996, p. 4).

68
Ver o texto no Bol 83, Jul 2004, p. 8.
69
Bol 55, Out 1994 / Mar 1995, p. 7.
99 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

Em 2002, voltou a ser reconstituída, tendo à realizou os encontros de 2002 (10 de Novembro) e
frente os Drs. Gabriel Carvalho e Serafim do Ro- 2004 (7 de Novembro), sob a coordenação de Antó-
sário, que promoveram um encontro em 28 de Ou- nio Bernardo Correia, Eduardo Martins e Baltazar
tubro, no Santuário de Balsamão (Bol 76, Out 2002, p. 8, Mendes. São mais de vinte os armistas aqui resi-
e Bol 77, Dez 2002, pp. 4-5). dentes. (Bol 76, Out 2002, p. 8, e Bol 78, Mar/Abr 2003, p. 3;
Assumindo a circunstância de ser constituída Bol 84, Out 2004, p. 8)
pelos núcleos de Bragança, Macedo de Cavaleiros,
Vimioso e Miranda do Douro, em 2003 tomou o 7.2.5. Delegação de Coimbra
nome de Delegação de Bragança-Miranda e, sob a
coordenação de Duarte Nuno Pires, realizou o encon- O Dr. Joaquim Marques Pereira foi nomeado
tro de novo no Santuário de Balsamão, em 8 de No- delegado da ARM em Coimbra em 1963 (Bol 5, Mai
vembro (Bol 80, Out 2003, p. 8, e Bol 82, Mar/Abr 2004, p. 4). 1963, p. 5) e até 1972 é sempre referenciado como

Em 2004, o encontro teve lugar em Vimioso, tal. Mas não há notícia de que algum encontro re-
em 23 de Outubro, levado a efeito pelo Dr. Serafim gional se tenha realizado na cidade do Mondego.
do Rosário (Bol 84, Out 2004, p. 8, e Bol 85, Dez 2004, p. 6). A delegação da ARM em Coimbra foi
refundada, com um encontro local, em 28 de Setem-
7.2.3. Delegação de Castelo Branco-Guarda bro de 1996, sendo o Dr. Gil Inácio o delegado e o Dr.
Marinho Borges o seu adjunto (Bol 61, Jul/Set 1996, p. 3).
Inicialmente só Delegação de Castelo Branco, Em 1997, o encontro repetiu-se em 13 de Setembro
foi seu primeiro responsável, em 1965, o armista (Bol 63, Mai/Ago 1997, p. 6), mas ficou-se por aí.
António da Costa Vaz, que organizou o primeiro Em 2002, porém, à semelhança de outras, a
encontro local, em 23 de Maio desse mesmo ano Delegação de Coimbra retomou a actividade com
(Bol 9, 1.º e 2.º Trim 1965, p. 3). um encontro que teve lugar em 9 de Novembro,
Até 1972, António da Costa Vaz continuou à sob a coordenação do mesmo Dr. Gil Inácio (Bol 76,
frente da delegação, mas não há notícia de mais Out 2002, p. 8, e Bol 77, Dez 2002, p. 7). Em 2004, com o

encontros. mesmo armista à frente, o encontro realizou-se a


Em 1994, foi refundada com um encontro que 27 de Novembro.
teve lugar em 18 de Abril e foram eleitos: delegado,
o Dr. Albimo Evangelista; sub-delegado, o Dr. Joa- 7.2.6. Delegação de Cucujães
quim Vicente (Bol 53, Mar/Abr 1994, pp. 8 e 2). Em 28 de
Maio de 1995, houve um almoço de confraternização Criada em 2002 por ser uma região onde vi-
(Bol 57, Jun/Out 1995, p. 6) e paralisou novamente. vem cerca de oitenta armistas conhecidos à volta
Após esforços frustrados de reconstituição, ten- de um dos seminários da SM com mais peso
tados em 2002 e 2003, só em 2004 retomou a acti- afectivo e sócio-religioso, a Delegação de Cucujães
vidade, agora com o nome de Delegação de Caste- elegeu a sua direcção (Francisco Moreira Matos
lo Branco-Guarda, para significar que integra os Mota, Joaquim Almeida Gonçalves, António
cerca de vinte armistas residentes no eixo Castelo Alberto Vieira Freitas, Carlos Manuel Silva Oli-
Branco – Fundão – Covilhã – Guarda, passando veira, Joaquim Oliveira Reis e Manuel Oliveira
Proença-a-Nova e Cernache a integrar a Delega- Reis) e organizou o encontro regional nos anos de
ção de Cernache do Bonjardim. O encontro de 2004 2002 (17 de Novembro), 2003 (16 de Novembro)
realizou-se em Alpedrinha, no dia 30 de Outubro, e 2004 (17 de Outubro).
(Bol 76, Out 2002, p. 8, e Bol 78, Mar/Abr 2003, p. 4; Bol 80, Out
tendo tido a coordenação do Dr. José Manuel Neto 2003, p. 8, e Bol 82, Mar/Abr 2004, p. 5; Bol 84, Out 2004, p. 8, e
Fernandes (Bol 84, Out 2004, p. 8). Bol 85, Dez 2004, p. 4)

7.2.4. Delegação de Cernache do Bonjardim 7.2.7. Delegação de Lisboa

Abrangendo os núcleos de Cernache e Proen- A primeira reunião regional em Lisboa reali-


ça-a-Nova, esta delegação foi fundada em 2002 e zou-se em 9 de Abril de 1961 e foi promovida pela
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 100

Direcção nacional da ARM com sede na capital. do Norte (ou do


Só em 1967, com a ida da Direcção nacional para o Porto), mais anti-
Norte, foi constituída, em Lisboa, pela primeira vez, ga que a de Lisboa
a delegação regional da ARM. pois desde 1961
Em 1967 e 1968, foi delegado o Dr. Manuel Nunes teve um delegado
Ferreira (Bol 17, Ago 1967, p. 3, e Bol 20, Mai 1968, p. 2). à sua frente, o
A partir de 1970, a delegação teve à frente uma armista José Dias
equipa formada pelos seguintes armistas: Dr. Ma- de Pinho. O pri-
nuel José Guerra, António da Silva Tomás, Manuel meiro encontro
da Silva e António Moutinho Rodrigues (Bol 31, Jun/ documentado
Jul 1970, p. 2). aconteceu em 22
Depois da retoma das actividades da ARM, na de Outubro de
década de oitenta, houve eleição de delegados em 1961. Mas o dele- José Dias de Pinho (foto de 2003).
25 de Novembro de 1994, na reunião regional. Os gado relatou-o como sendo o segundo71, desconhe-
escolhidos foram os armistas Drs. Armindo Hen- cendo-se, assim, a data do primeiro.
riques e José Quina (Bol 55, Out 1994 / Mar 1995, p. 2). Com a criação da Delegação de Cucujães em 2002
Em 2003, a equipa da delegação de Lisboa fi- e a de Barcelos em 2003, além da de Bragança-
cou assim constituída: Armindo Henriques, José Miranda e a de Coimbra, também em 2002, os armistas
Domingues Carvalho, João Laia Sequeira, residentes nestas regiões do país passaram a ter o en-
Moutinha Rodrigues e José Manuel Teixeira (Bol 81, contro regional mais perto de si e a Delegação do Norte
Dez 2003, p. 4). passou a Delegação de Valadares.
Sempre que a Direcção nacional esteve sedeada Indiquemos agora os delegados ao longo de toda
em Lisboa, foi ela que dirigiu as actividades da a sua história.
delegação. 1961 – José Dias de Pinho
1964 – Dr. Albino Santos
7.2.8. Delegação de Tomar José Soares Pacheco
José Dias de Pinho
Agrupando cerca de vinte armistas que vivem (Bol 9, 1.º e 2.º Trim 1965, p. 3)
bastante dispersos por centros como Tomar, Leiria, 1967 – Presidente – ?
Abrantes, Entroncamento, Torres Novas, Caldas da 1.º Secretário – ?
Rainha, Vila Nova da Barquinha e Ourém, a dele- 2.º Secretário – Sebastião Dias Lobo
gação de Tomar foi criada em 2003 e organizou (Bol 17, Ago 1967, p. 3)72
nesse ano o encontro em Tomar (8 de Novembro) e 1971 – Dr. Albino Santos
em 2004 em Tancos (20 de Novembro). Manuel Silvério Mota
Tereso e sobretudo o Dr. António Silva Pereira têm Manuel Gonçalves
estado à frente desta realização. (Bol 81, Dez 2003, p. 5; F. Costa Afonso
Bol 84, Out 2004, p. 8, e Bol 85, Dez 2004, p. 5) J. Vieira de Sousa
(Bol 40, Mar/Mai 1972, p. 4)
7.2.9. Delegação do Norte (Porto) / Delegação
1974 – Joaquim Alves Pereira
de Valadares
(Bol 50 (1.ª Série), Mar/Abr 1974, p. 3)

Desde o início da vida da ARM e durante mui-


Após o interregno provocado pela crise do 25
tos anos, os armistas do Norte e Centro reuniram-
de Abril, a Delegação do Porto foi formalmente re-
se apenas em Valadares, no Seminário da Boa Nova,
criada pela Direcção nacional, em 5 de Fevereiro
mesmo antes da sua construção 70. Era a delegação
70 71
Lembra-se, mais uma vez, que o Seminário da Boa Nova, em Bol 3, Fev 1962, p. 3.
72
Valadares, abriu em 1 de Outubro de 1961, sendo reitor o Pe. André A falta dos Bols 15 e 16 parece explicar o desconhecimento
Marcos. Quanto à sua construção, ver a nota 46. dos nomes omissos.
101 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

de 1982, e, em carta gria suscitada pela chegada dos primeiros missio-


de 5 de Março do nários da SM a Angola.
mesmo ano, o ar- (Bol 33, Out/Nov/Dez 1970, p. 4)
mista Francisco da 1971 – Em 21 de Março, encontro de armistas,
Costa Andrade foi em Viana/Luanda, com o Pe. Albano Mendes Pedro
nomeado delegado, e Pe. Manuel Fernandes acabado de chegar de
função que tem man- Moçambique para a missão do Dúmbi (que não
tido até hoje. pôde comparecer devido a acesso de paludismo).
Nesses anos das Programa: missa e jantar.
décadas de 80 e 90, (Bol 36, Jun/Jul 1971, p. 3)
tiveram também pa- 1972 – Carta do Pe. Albano Mendes Pedro dan-
pel importante de do conta de reunião armista a realizar em Viana,
dinamização e colaboração com o delegado Cos- em 4 de Março. E também das dificuldades em jun-
ta Andrade os armistas Silvério Mota e Mário tar os armistas.
Veiga. – Carta do armista Carlos Amílcar Dias que,
após o serviço militar, se vai fixar em Luanda, ma-
7.2.10. Delegações do Ultramar nifestando interesse pela vida da ARM em Angola.
(Bol 40, Mar/Mai 1972, p. 3)
Delegação de Lourenço Marques
De 5 de Agosto a 30 de Dezembro de 1972, o
Depois do que está dito atrás (em 7.1.), acres- Pe. M. Castro Afonso visitou, na qualidade de mem-
centemos apenas que o Dr. António Maria de Ma- bro da Direcção-Geral, os missionários da SM em
tos ainda é referenciado como delegado da ARM Moçambique e Angola e dá conta de encontros com
em Lourenço Marques em 1970. antigos alunos e armistas e sugestões ouvidas (Bol
(Bol 30, Abr/Mai 1970, p. 3) 45, Mar/Abr 1973, pp. 2-3).

Delegação de Luanda
8. A ASSISTÊNCIA SOCIAL DA ARM AOS
De 1967 até 1970, pelo menos, há referências SEUS MEMBROS E A SOLIDARIEDADE
claras, no Boletim, quanto à actividade do Dr. Do- COM OS MISSIONÁRIOS
mingos Antunes Valente como delegado da ARM
em Luanda. 8.1. A Assistência Social da ARM
1968 – Excerto de circular enviada pelo dele-
gado aos armistas de Angola solicitando ajuda para Ao “congregar, em redor da Sociedade Mis-
se oferecer um quarto (20 000 $ 00) no Seminário sionária, todos os seus antigos alunos”, a ARM ti-
da Boa Nova, em construção em Valadares, que nha em vista fomentar e estreitar os laços de ami-
seria dedicado a Angola. zade entre eles, “com o fim de se entreajudarem
(Bol 20, Mai 1968, p. 4) espiritual, moral e socialmente” 73. Havia, portan-
1969 – Carta de Luanda, com data de 13/1/1969, to, a intenção de ajudar os associados em dificul-
do delegado Dr. Antunes Valente para o Superior- dade e para esta ajuda social (“fundo de obras e
Geral, solicitando seja avisado, de futuro, da pas- iniciativas sociais”) eram destinados, em cada ge-
sagem de missionários por Luanda, para poderem rência, 50% do saldo líquido (os outros 50% desti-
os armistas locais proporcionar-lhes “momentos de navam-se a bolsas de estudo)74.
convivência”.
(Bol 24, Abr 1969, p. 4)
1970 – Carta do delegado em Luanda, datada 73
Estatutos de 1964, Art.º 3.º a).
74
Estatutos de 1964, Art.º 23.º. Na gerência de 1960/1961, fo-
de 6 de Novembro, enviando 1 100$00 para as ram entregues ao Superior-Geral 798$75, metade do saldo positivo
“obras da Casa-Mãe em Valadares” e dizendo a ale- havido (Bol 3, Fev 1962, p. 4).
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 102

Como terá sido cumprido este belo e altruísta de antigos alunos em dificuldade 82; sabe-se que, na
objectivo, é o que vamos ver. Assembleia geral de 17 de Maio de 1987, no Seminá-
Na Assembleia geral de 25 de Setembro de rio de Cucujães, Moutinha Rodrigues, que na Direc-
1966, o Superior-Geral da Sociedade Missionária, ção estava encarregado desta tarefa, informou que no
Pe. Manuel Fernandes, chamou a atenção para a ano anterior ninguém comunicara qualquer carência
“necessidade imperiosa e vital que a ARM tem de mas que, apesar disso, “os casos que ele conheceu
enfrentar o problema da assistência social aos seus foram devidamente assistidos” 83.
membros” 75. E nessa mesma assembleia, o presi-
dente da Direcção, Dr. José Roque Abrantes Prata, 8.2. A solidariedade com os missionários: bolsas
afirmou que “só depois de resolvidos os proble- de estudo e outros modos de cooperação
mas de cotização” se poderia “pensar em acção
social a sério” 76. As bolsas de estudo constituem a maneira mais
De facto, de 300 associados que receberam o singela e funcional que a ARM encontrou para co-
Boletim e foram contactados através de circulares, laborar na formação de missionários. Fundar uma
pagaram as quotas: 59 em 1962, 75 em 1963, 58 bolsa é ajudar alguém a ser missionário e a ir em
em 1964, 59 em 1965, 58 em 1966 77, o que signi- nosso lugar… Atribuindo-lhe o nome de alguém
fica que só 20% estavam no “pleno gozo dos direi- que se quer homenagear e que desperta motivação
tos de associados” 78. e interesse – entidade divina ou pessoa humana –,
Só em 1972, a Direcção voltou à carga e anun- a importância pecuniária é encaminhada para apoiar
ciou que havia algumas condições para “concreti- as despesas que se quer ajudar a pagar.
zar um dos primordiais fins” da ARM – a acção O entusiasmo com as bolsas de estudo foi tão
social: vários armistas tinham-se oferecido para grande que, em 1973, a edição 44 do Boletim pu-
ajudar, até com as suas ofertas. E fazia-se apelo a blicou um suplemento com o título de “A Criação
donativos “em dinheiro ou em artigos de vária or- de Bolsas de Estudo”, onde o Dr. Luís de Sousa
dem” 79. Ainda nesse ano e até ao final de 1973, Cardoso faz a apologia e convida com veemência
iniciou-se a publicação no Boletim, do n.º 42 ao os armistas a colaborarem na fundação de bolsas
48, de setenta nomes de armistas (dez em cada edi- de estudo. E propõe nomes: Bolsas de Estudo da
ção) bem colocados na administração pública ou Santíssima Trindade, do Santo Nome de Deus Pai,
na vida privada e que poderiam proporcionar uma de Deus Filho ou de Nosso Senhor Jesus Cristo, do
ajuda, “sempre que dos seus serviços algo precise- Divino Espírito Santo, de Nossa Senhora ou Santís-
mos, todos nós e os nossos familiares” 80. sima Virgem, de D. Nuno Álvares Pereira…
Não se sabe os resultados desta forma de acção Esporadicamente e por período de tempo mui-
social, aliás contestada por alguns 81. Sabe-se que às to breve, foi usado um outro modo de angariar
vezes, ao longo dos anos, afloram notícias-rumores donativos, aquando da construção do Seminário da
Boa Nova; foi o “Quadro de honra”, que procurava
75
Bol 14, 4.º Trim 1966, pp. 1-2, Assembleia da ARM, António obter ofertas junto dos que mais podiam, empresas
Moutinho Rodrigues. e pessoas individuais 84.
76
Relatório da Direcção (1966), 9.º - Acção Social, Bol 14, 4.º
Mas houve e continua a haver outras maneiras de
Trim 1966, p. 4.
77
Bol 14, 4.º Trim 1966, p. 5. solidariedade: a oferta avulsa de donativos, o apoio a
78
Hoje nem a tanto se chega. Em 2004, a percentagem foi 18%. pequenos projectos de missionários no terreno.
Nessa altura, a quota era 5$00 por mês (60$00 anuais); em 1995,
Segue-se o levantamento, por ano, de todos es-
fixou-se em 100$00 por mês (1200$00 anuais); desde 2002 é 10,00l
(2004$00) por ano. tes tipos de ajuda levados a cabo pela ARM, ao longo
79 Bol 39, Jan/Fev 1972, p. 3. de toda a sua vida, e documentados no Boletim.
80
Bol 42, Ago/Set 1972, pp. 1-2; Bol 43, Out/Nov 1972, p. 1;
Bol 44, Dez 1972 / Fev 1973, p. 4; Bol 45, Mar/Abr 1973, p. 1; Bol
46, Mai/Jul 1973, p. 1; Bol 47, Ago/Out 1973, p. 4; Bol 48, Nov/
Dez 1973, p. 4.
81 82
Por exemplo, Augusto de Macedo em Primeiro a justiça, Bol Bol 61, Jul/Set 1996, p. 8.
83
51 (1.ª Série), Mai/Out 1974, p. 2, texto publicado na Antologia, Acta da referida AG.
84
com o n.º (5). Bol 21, Ago 1968, p. 3.
103 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

1958 1969, 9 654$40 (Bol 27, Out/Nov 1969, p. 2); em Mar


Bolsa da Vocação Missionária, fundada em To- 1970, 10 054$00 (Bol 29, Fev/Mar 1970, p. 4); em Fev
mar, em 1 Dez 1958, com 1 000$00: em Jul 1962, 1972, 10 154$00 (Bol 39, Jan/Fev 1972, p. 2).
somava 9 416$50 (Bol 4, Ago 1962, p. 4); em Mai 1963,
totalizava 14 412$00 (Bol 5, Mai 1963, p. 6). 1970
Quarto/Bolsa Pe. José Oreiro Pacheco (no Se-
1964 minário da Boa Nova): 350$00, em Mar 1970 (Bol
19 de Outubro – Encontro “espiritual”, em Lis- 29, Fev/Mar 1970, p. 4); 750$00, em Mai 1970 (Bol 30,
boa (na Igreja paroquial de S. Sebastião da Pedrei- Abr/Mai 1970, p. 3); 1 000$00, em Jul 1970 (Bol 31, Jun/
ra), de despedida de vários missionários, com ofer- Jul 1970, p. 1); 1 050$00, em Jul 1971 (Bol 36, Jun/Jul
ta de: objectos de igreja, medicamentos, livros de 1971, p. 4); 1 150$00, em Out 1971 (Bol 37, Ago/Set/Out
formação religiosa, vestuário, utilidades para no- 1971, p. 2); 1 100$00, em Jul 1972 (Bol 41, Jun/Jul 1972, p.
vas residências missionárias. 4); 1 800$00, em Nov 1972 (Bol 43, Out/Nov 1972, p. 4).
(Bol 9, 1.º e 2.º Trim 1965, pp. 5-6) Quarto de Angola (no Seminário da Boa Nova):
1 100$00, em Dez 1970 (Bol 33, Out/Nov/Dez 1970, p. 4).
1967
O nosso quarto no Seminário da Boa Nova (em 1971
construção em Valadares): em Jul 1967, as ofertas Bolsa de Estudo da Santíssima Trindade:
somavam 9 760$00 (Bol 17, Ago 1967, p. 4); em 8 Dez, 10 000$00, em Jul 1971 (Bol 36, Jun/Jul 1971, p. 4);
foi entregue a importância (20 000$00) do primei- 19 900$00, em Fev 1972 (Bol 39, Jan/Fev 1972, p. 2).
ro quarto (Bol 19, Fev 1968, pp. 1-2 e 4).
Bolsa dos Antigos Alunos: soma 3 179$20, em 1973
31 Dez 1967 (Bol 19, Fev 1968, pp. 1-2); 5 550$00, em Paramentos e alfaias para a Missão de Seles –
Mai 1968 (Bol 20, Mai 1968, p. 3); 17 100$00, em Ago Angola (Pe. Laurindo Neto): em Fev 1973, 400$00
1968 (Bol 21, Ago 1968, p. 2); 17 550$00, em Fev 1969 (Bol 44, Dez 1972 / Fev 1973, p. 4); em Abr 1973, 1 300$00
(Bol 23, Fev 1969, p. 4); 17 850$00, em Abr 1969 (Bol 24, (Bol 45, Mar/Abr 1973, p. 5); em Jul 1973, 2 450$00 (Bol 46,
Abr 1969, p. 3); 17 900$00, em Fev 1972 (Bol 39, Jan/Fev Mai/Jul 1973, p. 4); em Out 1973, 2 800$00 (Bol 47, Ago/Out
1972, p. 2). 1973, p. 2); em Dez 1973, 3 260$00 (Bol 48, Nov/Dez 1973, p.
3); em Fev 1974, 3 492$00 (Bol 49, Jan/Fev 1974, p. 3).
1968 Bolsa de Estudo de Deus Pai: 10 000$00, em
Paramentos para a Capela do Boa Nova: em Nov Abr 1973 (Bol 45, Mar/Abr 1973, p. 3); 20 000$00, em
1968, 1 020$00 (Bol 22, Nov 1968, p. 2); em Fev 1969, Out 1973 (Bol 47, Ago/Out 1973, p. 3).
1 120$00 (Bol 23, Fev 1969, p. 4). Bolsa de Estudo de Nosso Senhor Jesus Cristo:
1.º Quadro de Honra: 1 000$00 (Bol 21, Ago 1968, 3 600$00, em Out 1973 (Bol 47, Ago/Out 1973, p. 3) ;
p. 3). 3 700$00, em Fev 1974 (Bol 49, Jan/Fev 1974, p. 3).
2.º Quadro de Honra: 20 000$00 (Bol 22, Nov 1968, Bolsa do Cinquentenário: 9 500$00, em Dez
p. 3). 1973 (Bol 48, Nov/Dez 1973, p. 3).

1969 1974
3.º Quadro de Honra: 20 000$00 (Bol 23, Fev 1969, Bolsa do Divino Espírito Santo: 20 000$00, em
p. 3). Out 1974 (Bol 51 (1.ª Série), Mai/Out 1974, p. 3).
Bolsa de Estudo Vocação Missionária II: saldo
anterior, 17 850$00; total em Ago 1969, 20 000$00 1988
(Bol 26, Ago 1969, p. 3). Bolsas ARM 1, 2... 8: sete bolsas de estudo subs-
Festa dos Mealheiros (em 4 de Maio): 4 600$00 critas na “ reunião da ARM de Lisboa”, em 13 Nov
(Bol 26, Ago 1969, p. 4). 1997, e “mais uma subscrita pelo Dr. Nereu na reu-
Bolsa de Estudo Rainha do Mundo: soma em nião do Porto”, não se sabendo o montante.
Ago 1969, 4 954$40 (Bol 26, Ago 1969, p. 3); em Nov (Acta da AG de 15 Mai 1988, realizada em Valadares)
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 104

1993 2004, p. 8); mais 50,00l da ARM, em Jul 2004 (Bol 83,
Para a cobertura da Capela da Comunidade de Jul 2004, p. 6); mais 100,00l (Moutinha Rodrigues), em
Porteiras – Vargem Grande, Brasil (Pe. Manuel Trin- Jan 2005 (BN, Jan 2005, p. 46); mais 175,00l da ARM,
dade): 200 USD (Bol 51 (2.ª Série), Nov/Dez 1993, p. 5). em Mar 2005, ficando completa.

1994 2004
Jipe para o Chibuto: Núcleo de Lisboa, 350 000$00; Bolsa de Estudo Dr. José Francisco Rodrigues:
Joaquim Alves Pereira, 200 000$00; Núcleo do 150,00l (Dr. Ribeiro Novo), em Mar 2004 (Bol 82,
Norte, 475 000$00; Núcleo de Vila da Feira, Mar/Abr 2004, p. 8); mais 13,00l (armista anónimo)
801 392$00; Núcleo de Cucujães-Oliveira de em Mai 2004 (BN, Mai 2004, p. 38); mais 50,00l da
Azeméis, 720 000$00. ARM, em Jul 2004 (Bol 83, Jul 2004, p. 6); mais 162,00l
(Bol 52 (2.ª Série), Jan/Fev 1994, p. 2) (Dr. Ribeiro Novo), em Fev 2005 (BN, Fev 2005, p. 38),
ficando completa.
1999 Bolsa de Estudo Pe. Norberto Pino: 30,00 l
Missão da Gabela – Angola, construção da casa (João Gamboa), em Dez 2004 (Bol 85, Dez 2004, p. 8);
paroquial (Pe. Augusto Farias): 151 000$00 (Bol 67, mais 345,00 l da ARM, em Mar 2005, ficando
Set 1998 / Abr 1999, p. 4). completa.

2000 8.3. O trabalho na frente de missão


Oferta à Missão do Chibuto (Pe. José Valente):
100 000$00 (Bol 71, Mar 2001, p. 5). Um terceiro modo de solidariedade com os mis-
sionários é ir trabalhar com eles no próprio terreno
2001 de missão (conceito hoje algo diluído, porque a
Oferta à Paróquia de Angoche – Nampula (Pe. missão exerce-se em todo o lado onde há pessoas
Libério): 200 000$00 / 997,60 l (Bol 72, Out 2001, p. carecidas de crescimento humano e sensíveis ao
2, e Bol 74, Abr 2002, pp. 2 e 7).
cristianismo). A obrigação de evangelizar radica no
Bolsa de Estudo Pe. Paulo: 66 000$00 (Bol 73, baptismo e recai sobre todos os crentes, de acordo
Dez 2001, p. 1). com as capacidades de cada baptizado.
Foi o Pe. Jerónimo Nunes que, em 1995, re-
2002 gressado do Brasil e então Superor-Geral da Soci-
Bolsa de Estudo Padre António Ramos: – edade Missionária, iniciou esta “catequese” no seio
50,00l (J. Candeias da Silva), em Dez 2002 (Bol da ARM. Textos publicados no Boletim, de sua
77, Dez 2002, p. 2); mais 300,00, em Jul 2003, ficando autoria e de outros, como Ondjango, Famílias
completa (Bol 79, Jul 2003, p. 6, e Bol 82, Mar/Abr 2004, p. 6). Missionárias, Novo Figurino Missionário, Um
Projecto Construção da Igreja de N. Senhora Congresso… que pode fazer história, O Congres-
da Boa Nova – Viana (Pe. António Valente Perei- so da ARM, Leigos Boa Nova – Um caminho de
ra): 300,00 l, em Dez 2002 (Bol 77, Dez 2002, p. 8); missão, Missionário leigo na Chapadinha, Uma
mais 3 000,00 l, em Mar 2003 (Bol 78, Mar/Abr 2003, ARM virada para o futuro, Conclusões do Encon-
p. 6); mais 700,00 l, em Jul 2003 (Bol 79, Jul 2003, p. 6, tro Nacional 2003, estão nesta linha e inculcam o
e Bol 82, Mar/Abr 2004, p. 6). compromisso do trabalho missionário 85.
Entretanto, em Setembro de 1995, nasceu o
2003 movimento dos Leigos Boa Nova; em Agosto de
Oferta para a Construção da Igreja do Bairro 1999, o armista António Moutinha Rodrigues visi-
Chimundo – Chibuto (Pe. Firmino João): 1000,00l tou as missões da Sociedade Missionária em
(Bol 79, Jul 2003, p. 6, e Bol 82, Mar/Abr 2004, p. 6). Moçambique 86; o Encontro Nacional da ARM
Bolsa de Estudo Dr. José Nereu Santos: 25,00l 85
Estes textos podem ser lidos à frente, na Parte III, nos grupos
(Moutinha Rodrigues), em Dez 2003 (Bol 81, Dez 2003, 2 e 3.
pp. 2 e 8); mais 25,00l, em Mar 2004 (Bol 82, Mar/Abr 86
Ler o relato à frente, na Antologia, texto n.º (27).
105 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

2003, em Fátima, teve a presença e o testemunho proveniente de pu-


de dois jovens missionários dos Leigos Boa Nova. blicidade91. Com a
mesma origem,
mais 2 650$00 es-
tão indicados nas
contas de 196892,
certamente prove-
nientes do anúncio
publicado no Bole-
tim n.º 22.
Depois de dar à estampa novo friso publicitário
no Boletim n.º 32, é na edição n.º 44 que a Direc-
ção responde ao desejo de alguns de que a publica-
ção fosse mensal, afirmando tal não ser possível
E para sublinhar este chamamento dos armistas ao por falta de verba, a menos que se arranjassem “duas
compromisso missionário, os dois últimos encon- páginas de anúncios pagos” ou surgisse algum
tros nacionais da ARM realizaram-se sob o influxo mecenas…93
da missão e o próximo também. Em 2003, sob o De facto, o problema, como já vimos em 8.1., é
lema “Caminhar em Missão”; em 2004, “Viver em de verba; como só 18% a 20% pagam a cota, a dis-
Missão”; e em 2005, “Testemunhar em Missão”. ponibilidade financeira foi sempre insuficiente,
Cabe perguntar, parafraseando o Pe. Augusto ontem como hoje.94
Farias: Quando se decidirá o primeiro armista a ir Por ser assim, quando, em 1993, foi retomada a
até às Missões 87? O desafio das férias missionárias publicação do Boletim da ARM, a Direcção de en-
(por um mês) ou do mergulho na missão (podendo tão lançou mão da publicidade paga e escreveu, logo
ir além de um ano) já foi lançado em 1995 88. Tar- na primeira edição: “Esta publicação só é possível
dam as respostas! pela publicidade dos nossos “clientes”. Façam pu-
blicidade. Não deixem morrer o Jornal”.95
Desde então, nunca mais deixou de haver pu-
9. A PUBLICIDADE NO BOLETIM blicidade no Boletim. A princípio, mais abundante
e com maior proveito; depois, menos assídua e com
Quando surge a publicidade no Boletim da reduzido resultado para as contas.
ARM e porquê – é o que vamos tentar saber. E tam- A Direcção de Santos Ponciano separou mes-
bém que âmbito e importância adquiriu e se resol- mo, até 1999, as contas do Boletim das da ARM. E
veu algum problema. mercê da campanha de angariação de publicidade
A primeira referência a publicidade está no e da resposta positiva de alguns ao esforço de co-
Boletim n.º 17, em Agosto de 1967 89: “Porque fal- laboração solicitada aos armistas, os resultados
taste com o teu anúncio não publicamos o tão ape- foram os seguintes, nos três primeiros anos, sem-
tecido Friso Publicitário. Envia-o quanto antes para pre com cobertura das despesas: em 31 Mar 1995:
o próximo número” 90. 260 190$00 de publicidade e 106 000$00 de
O Boletim n.º 19 publica um friso publicitário,
que se reproduz por ser o primeiro em toda a histó- 91
Bol 19, Fev 1968, p. 4.
ria do Boletim, e as contas do ano de 1967, as quais 92
Bol 23, Fev 1968, p. 4.
93
apresentam na receita a importância de 1 000$00, Bol 44, Dez 1972 / Fev 1973, p. 2, O nosso famoso.
94
Além de frequentes vezes, ao longo dos anos, a Direcção vin-
car, no Boletim, esta carestia de verbas, aponta-se mais um exem-
87
Bol 79, Jul 2003, p. 3, Três Gritos. plo: em 1972, vê-se obrigada a solicitar aos armistas ultramarinos
88
Bol 58, Out/Dez 1995, p. 5. um reforço do seu contributo para lhes continuar a enviar o Boletim
89
Lembra-se que não temos em mão os Boletins n.os 6, 7, 11, por avião (cf. Bol 40, Mar/Mai 1972, p. 3, Aos nossos Ultramari-
12, 15, 16 e 18, o que pode falsear a verdade. nos).
95
90
Bol 17, Ago 1967, p. 2. Bol 50 (2.ª Série), Set/Out 1993, p. 3.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 106

donativos96; em 31 Mar 1996: 170 000$00 de pu- A partir do Encontro Nacional da ARM de 2003,
blicidade e 100 000$00 de donativos97; em 31 realizado no Seminário de S. Francisco Xavier, em
Mar 1997: 50 000$00 de publicidade, somente98. Fátima, nos dias 17 e 18 de Maio, passou a dispor de
Quanto à assiduidade e quantidade de anúncios haste metálica que permite transportá-la com facilida-
publicitários, ver atrás, nesta Parte II (em 5. O Bo- de e evidente visibilidade.
letim da ARM), a tabela que apresenta, entre outros A bandeira está presente nas assembleias ge-
dados, o número de anúncios publicados em cada rais, incorpora-se no cortejo de entrada das euca-
edição do Boletim: uma média de 9,5 até ao n.º 74 ristias da ARM, surge na festa missionária em
(de 1993 a 2002), 3,6 depois dessa edição (de 2002 Cucujães, habitualmente no primeiro domingo de
a 2005). Junho, e noutras actividades da Sociedade
Missionária.
O hino, por seu lado, tem uma história mais lon-
10. BANDEIRA E HINO ga e menos linear.
Em Agosto de 1969, o Boletim n.º 26 publicou um
Qualquer associação gosta de ter a sua bandei- poema de Zeferino Gaspar a que chamou “Hino da
ra e o seu hino, para neles os seus membros expri- ARM”, esperando que “o Figueira” lhe “ajustasse” a
mirem e dizerem, a si próprios e aos outros, o seu música.101 E logo em Outubro/Novembro seguintes, no
ideal, o que os norteia, aquilo que os caracteriza e n.º 27, era feito apelo ao Dr. Delgado da Fonseca no
o que são enquanto membros de uma associação. sentido de compor a música para o referido texto.102
A ARM possui bandeira desde Novembro de Mas tal não terá acontecido. O poema também não te-
1993.99 Foi oferecida pelo armista Dr. José Nereu ria força para tanto nem para tal.103
Santos e apresentada no Encontro Regional de Lis- Bastantes anos mais tarde, em 1993, o Coro da
boa, em 12 do referido mês.100 Tem as seguintes Universidade de Lisboa para a Terceira Idade
características: 1,00 m x 0,70 m; cores: fundo azul, (ULTI) apresentou, no Encontro Nacional da ARM,
logotipo da ARM em amarelo e letras das palavras realizado em Fátima no mês de Maio, o “Hino da
Associação Regina Mundi a preto. ARM”, da autoria do armista e maestro do referido

96
Bol 56, Abr/Mai 1995, p. 5.
97
Bol 59, Jan/Abr 1996, p. 5.
98
Bol 62, Out 1996 / Abr 1997, p. 3.
99
Em 1969, porém, havia sido mandado executar um distintivo
101
e com ele terão sido “condecorados” os armistas presentes na AG Ver Bol 26, Ago 1969, p. 2.
102
de 8 de Junho (de 1969), em Cernache do Bonjardim (cf. Bol 24, Bol 27, Out/Nov 1969, p. 2.
103
Abr 1969, p. 2). Este texto pode ser lido na Parte III deste livro – Antologia
100
Hino e Bandeira, Bol 51 (2.ª Série), Nov/Dez 1993, p. 5. de Textos Publicados no Boletim da ARM –, com o n.º (105).
107 Parte II – ARM: 60 Anos de Vida

coro, Joaquim Alves Mateus, disponibilizado em tendo o júri seleccionado um dos dois em certame:
cassete logo em Dezembro seguinte.104 O poema e o que tinha por título “Armistas para o futuro”.106
a música nunca foram publicados no Boletim e o Depois, para a música; e o júri aprovou a única
seu uso nos encontros armistas, nacionais e regio- apresentada a concurso.107
nais, não consta que tenha sido experimentado. Este hino foi cantado pela primeira vez no En-
Uma terceira iniciativa para dotar formalmente contro Nacional de 2003, no Seminário de S. Fran-
a ARM de um hino oficial foi aberta e levada a cisco Xavier, em Fátima, e posteriormente tem sido
cabo pela Direcção eleita em Maio de 2002. Nesse retomado em encontros regionais e encontros de
sentido, abriu concurso com regulamento em Ou- delegados, além do Encontro Nacional. É o hino
tubro desse mesmo ano105. Primeiro, para o poema, da ARM!

106
Ver Bol 77, Dez 2002, p. 8. O júri foi constituído pelos
armistas Dr. Serafim Fidalgo, Óscar Rodrigues e Luís Rocha.
104 107
Hino e Bandeira, Bol 51 (2.ª Série), Nov/Dez 1993, p. 5. Ver Bol 78, Mar/Abr 2003, pp. 7 e 8. Formaram o júri os
105
Ver Bol 76, Out 2002, p. 3. armistas Dr. Serafim Fidalgo, Fernando Sousa e Francisco Maia.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 108
109 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

PARTE III

ANTOLOGIA DE TEXTOS
PUBLICADOS NO BOLETIM
DA ARM

Selecção, organização e introdução

de

João Rodrigues Gamboa


A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 110
111 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

INTRODUÇÃO Os autores são bastantes e alguns, como não


podia deixar de ser, são sacerdotes da SMBN. En-
Antologia significa selecção, colheita de entre tre todos, é justo salientar alguns deles. Em pri-
o melhor, escolha daquilo que serve os objectivos meiro lugar, o Dr. Albino Santos, com os seus te-
em vista. mas de espiritualidade e doutrina cristã, num estilo
Lembrando que este livro pretende fazer me- sério e fluente. Também José Pacheco / Zé do Por-
mória para homenagear, dar testemunho para agra- to, exímio na interpelação tu cá, tu lá dos armistas,
decer e, na força destes gestos, aprofundar e alar- quase truculento – que exagero! –, de frase curta,
gar o afecto e a comunhão dos armistas uns com os estilo vivo e coloquial. E Mário Coelho Veiga,
outros e de todos com a SM, para projectar e cons- melhor, o afamado e saboroso Lapin du Pré, capaz
truir um futuro de esperança vivo e actuante, os de pegar em pequenos episódios, que testemunhou
textos escolhidos no vasto manancial oferecido pelo ou em que foi participante, e transformá-los em
Boletim têm características e qualidades que per- grandes histórias que fazem rir e chorar por mais,
mitem servir esses fins. não lhe faltando, ainda, a capacidade de ver os acon-
Assim, a antologia reparte-se por oito grupos, tecimentos e as coisas com olhos e sensibilidade
organizando-se os textos, dentro de cada um, por de adolescente. De entre os membros da SM, sali-
um critério cronológico. ento os padres Viriato Matos e Jerónimo Nunes: o
primeiro, no seu jeito filosofante; o segundo, com
Eis os grupos: o apelo constante à consciência da dignidade dos
1. As ideologias, primeiro; baptizados e ao compromisso eclesial e missioná-
2. Teoria e prática armistas; rio dos leigos/armistas.
3. Espiritualidade e compromisso; Porque todos são nossos, todos somos nós, ur-
4. Tu cá, tu lá, com entusiasmo; gente é (re)ler o que escreveram – estes e todos os
5. Memórias com humor; outros. Para novamente ouvirmos o apelo que está
6. Cartas com assinatura; nas suas palavras, muitas ainda e sempre actuais;
7. Textos de procura e encontro; ou para sorrirmos, saboreando os episódios que já
8. Versos e poemas, a fechar. lá vão... Mas também para, deles fazendo memó-
ria, por eles manifestarmos respeito e júbilo. Fi-
Esta antologia é intencionalmente vasta e ofe- nalmente, ainda, para descobrirmos com surpresa
rece-nos uma visão ampla do que foi, ao longo dos – sobretudo os mais jovens e aqueles que menos
anos, o esforço para formar, informar e “divertir” conhecem a ARM – a riqueza do património escri-
os armistas, com vista ao seu chamamento e to que está no Boletim da nossa Associação e ago-
mobilização para as tarefas da ARM. ra passa a oferecer-se-nos neste livro.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 112
113 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

1. AS IDEOLOGIAS, PRIMEIRO
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 114
115 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

(1). ESTAMOS CONVOSCO sequer sobreviver!...


Nesta luta de vida ou de morte, que nós não
O nosso pensamento vai hoje para aqueles dos provocámos nem desejamos, temos que ser iguais
nossos antigos companheiros que, nestes dias de a nós próprios, dignos de continuar a gesta maravi-
luta encarniçada, por Deus e pela Pátria, ocupam lhosa de Afonso Henriques e de Santo António; do
lugares de primeira linha na defesa da nossa queri- Mestre de Avis e de Nun’Álvares Pereira; do In-
da Angola. fante Navegador e do Infante Santo; de D. João de
Sacerdotes ou leigos; missionários, soldados ou Castro e S. João de Brito; de Mouzinho e D. António
simples civis; pregando o Evangelho da Redenção; Barroso; e de tantos outros guerreiros e missioná-
lutando com a força das armas contra os selvagens rios que, só citá-los, encheria mais espaço do que
requintados pela técnica e pela doutrina comunis- aquele de que dispomos.
tas; dando um exemplo de trabalho construtivo e A espada e a cruz foram sempre para Portugal,
redentor ou, simplesmente, mantendo-se no seu através de oito séculos, as armas da vitória, as ra-
posto com energia e decisão – todos estão lutando zões verdadeiras da sua sobrevivência: a espada de
pelos altos ideais de Deus, da Pátria e da Família ferro dos combates e a espada de fogo da sua von-
Portuguesa. tade indómita; a cruz da paixão dolorosa e a cruz
Em nome de todos os que, nesta terra de Santa da fé inabalável e da esperança firme – spes unica!
Maria, nesta capela-mor onde se ergue o “Altar do Assim terá de ser, também hoje, se quisermos
Mundo” que é Fátima, ainda gozam (apesar de vencer.
tudo!...) duma relativa paz, quero dizer-vos, ami- Venceremos, enquanto nos mantivermos fiéis
gos, em perfeita sinceridade, que temos cansciência às fontes da nossa energia, ao sentido histórico da
plena de quanto vos devemos: pelo exemplo viril nossa missão no Mundo.
que Angola tem dado a Portugal e Portugal ao Por Deus e pela Pátria – venceremos!...
Mundo, por terdes sido verdadeiramente dignos dos Amigos de Angola! O nosso pensamento voa
nossos maiores. Quero dizer-vos, mais, que todos para vós. O nosso coração está convosco. As nos-
os bons portugueses esperam e confiam em que o sas orações acompanham-vos sempre.
esforço comum e a ajuda de Deus nos hão-de tra- Não leveis a mal se não vos escrevemos indivi-
zer a vitória. Não faltará, para isso, o cantributo da dualmente, assiduamente, como seria nosso dese-
vossa coragem e da vossa decisão (o comportamen- jo. Mas a vida é tão breve, o tempo tão fugidio e os
to passado é penhor do futuro!) nem há-de faltar a bons propósitos tão difíceis de realizar!...
indispensável união e a determinação firme dos que Mas ficai, amigos, com esta certeza inabalável:
ainda não sacrificaram o ideal da Pátria e a fé em estamos convosco para tudo o que Deus quiser!
Deus, nas aras do internacionalismo comunista ou Procuraremos, cada um no seu posto, cumprir
do materialismo argentário. o nosso dever, e ajudar, material e moralmente, a
Nesta hora apocalíptica do Mundo; quando os construir a vitória.
amigos traidores se confundem com os inimigos Assim havemos de merecer a paz com dignida-
declarados; quando as palavras mais respeitáveis – de e com honra.
como a liberdade, a honra, a dignidade da pessoa E quando ela vier, poderemos abraçar-nos ain-
humana – são esvaziadas por muitos do seu verda- da mais fraternalmente e mostrar a este mundo en-
deiro sentido; nesta BabeI contemporânea em que louquecido o verdadeiro sentido da História... que
as forças do mal tentam não só confundir as lín- o Português criou.
guas, mas fazer a lavagem dos cérebros – temos de Que não nos abandone a Esperança!
nos agarrar, firmemente, às grandes certezas que
canstruíram a glória imorredoura de Portugal: a Fé José Francisco Rodrigues
em Deus, o culto da Pátria, o amor da Família, o Presidente da A. R. M.
respeito pela honra e pela dignidade própria e alheia.
Sem isso trairemos a nossa missão de Cristãos (Bol 2, Set 1961, pp. 1-2)
e de portugueses; não poderemos ser felizes nem
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 116

(2). DIA DE PORTUGAL saudade, queremos recordar aqui, comovida e res-


peitosamente, todos os Armistas e filhos de Armis-
10 de Junho. Dia de Camões, dia da Raça, dia tas que têm contribuído, com heroísmo até da pró-
de Portugal. pria vida, para continuar Portugal. Ainda no dia 31,
Camões estudou, viajou e sofreu, escreveu e festa da nossa Padroeira Regina Mundi, na
lutou, sempre com os olhos postos na grandeza da Assembleia Geral da ARM, em Valadares, eles fo-
Pátria que ele trazia no coração. Por isso, ele ram todos lembrados com emoção e saudade e por
consubstancia em si todas as qualidades da Raça todos – vivos e mortos – elevámos ao Céu uma
Lusa. É o mais perfeito tipo de lusismo. Pelo seu enternecida prece.
universal humanismo, pelo seu acrisolado amor A todos admiramos e acompanhamos de alma
patriótico, pelo seu espírito cristão e missionário e e coração.
até pelo seu valor militar, ele é bem o paradigma Para todos, o nosso mais comovido tributo de
do Português, o expoente máximo da Portugalidade. simpatia e de gratidão. Gratidão da retaguarda.
Por isso também o dia da sua morte foi es- Gratidão da Pátria-Mãe.
colhido para honrar todos aqueles que “por obras Albino Santos
valorosas se vão da lei da morte libertando”, como (Bol 31, Jun/Jul 1970, p. 1)
ele próprio canta numa das suas inspiradas estro-
fes, nessa Bíblia da Pátria que são “Os Lusíadas”.
Nesta hora de desassossego que vai pelo mun- (3). O ESSENCIAL E O ACESSÓRIO
do e em que Portugal se vê mais uma vez obrigado
a defender a sua integridade territorial contra as Não pretendemos analisar aqui o significado do
ambições dos neocolonialismos internacionais, faz 25 de Abril. Outros o fizeram e continuam a fazer
bem, para retemperar a alma, rememorar todos os em discursos empolgantes e exaltados que arras-
nossos Maiores que, a golpes de montante e de au- tam aplausos e apoios incondicionais. Aliás, quem
dácia, à força de bravura e de sacrifícios, criaram, pode negar que a Revolução Portuguesa represen-
dilataram e consolidaram esta nossa Pátria. ta um marco na História de Portugal e, com as suas
Guiados depois pelo génio do Infante, vão me- repercussões na política externa, um marco na His-
tódica e persistentemente desvendando oceanos, tória do Mundo? Quem pode negar a coragem e o
desbravando continentes e formam uma Nação arrojo desses militares que conseguiram, sem san-
pluricontinental, e multirracial que é ainda hoje o gue, acabar com 50 anos de ditadura, corrupção,
assombro do mundo inteiro. É esta a Pátria que eles nepotismo, opressão, apesar de as condições inter-
nos legaram e que nós temos o dever de conservar nas e externas não serem as mais propícias?
e engrandecer, para a transmitirmos aos nossos vin- O 25 de Abril criou a possibilidade de uma vida
douros, intacta e mais heróica e mais bela. nova para os Portugueses. Mas para isso acontecer
Dia da Raça, dia de Portugal! há que desenvolver um esforço de iniciativa, ima-
Em cerimónias evocativas, realizadas através ginação crítica e de reflexão, sem as quais todas
de todo o território nacional, desde o Minho a Timor essas possibilidades se gorarão.
e até no estrangeiro onde palpita o orgulho de ser Há que distinguir muito bem o essencial do
português, se memoraram todos os caídos pela Pá- acessório.
tria e se homenagearam todos os bravos que, em Para já não vivemos numa sociedade democrá-
sangue, suor e lágrimas, se bateram e batem heroi- tica. Vivemos numa sociedade que podemos cha-
camente pela honra de Portugal em defesa dos nos- mar “pré-democrática”, com a possibilidade de se
sos direitos sagrados, nesses sertões da Guiné, An- tornar uma democracia.
gola e Moçambique, que são também pedaços da Não se muda uma política ou uma sociedade,
Pátria-Mãe. E a Pátria agradecida – a retaguarda mudando somente as pessoas que detêm a cúpula
que não abdica nem trai – tem neles os olhos pos- do poder. Só uma mudança radical de mentalidade
tos com orgulho. e de métodos de governar pode trazer alguma mu-
E porque mais perto de nós pelo coração, e pela dança.
117 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

Construir e viver numa democracia não é fácil, empresas estão tecnicamente falidas porque os seus
a não ser que vivamos numa sociedade democráti- dirigentes nunca deram ouvidos aos seus emprega-
ca como se vivêssemos sob um regime fascista, isto dos ou comportaram-se como se estes não existis-
é, alijando a responsabilidade, a liberdade, a sem. E muitos empresários estão a dar prova da
criatividade e o sentido crítico. Não se pode per- sua incapacidade e da sua incompetência, obstinan-
mitir que seja feito por outros o que só aos Portu- do-se em continuar com métodos obsoletos e recu-
gueses compete. E o futuro de Portugal é uma coi- sando-se a discutir os seus pontos de vista seja com
sa que nos diz de tal modo respeito que não pode- quem for. Acabou a época dos “orgulhosamente
mos dispensar-nos de nos pronunciarmos sobre ele, sós” e das incapacidades em torres de marfim. Pre-
nem deixá-lo à mercê das cúpulas dos partidos po- cisamos de trabalhar todos arduamente e todos os
líticos ou outras, quaisquer que elas sejam. dias do ano para a reconstrução de um país de to-
Numa democracia ninguém é detentor da ver- dos e que deixou de ser somente de alguns. A ima-
dade. A verdade de cada um nunca pode pretender ginação tem de subir ao poder. Temos de inventar
ser a verdade de todos. Existem direitos de que não novos modelos de desenvolvimento e deixar de ser
podemos alienar-nos sob pretexto algum. Um de- imitadores de supostos milagres tentados ou con-
les é ter acesso à informação do que se passa real- seguidos noutros lugares. Portugal, apesar de tudo,
mente no País e não ser bombardeado constante- está nas condições ideais de tentar algo de comple-
mente por slogans inócuos e agressivos ao serviço tamente novo, sem precisar de imitar ninguém.
não se sabe bem de quem. A informação não é o Agora que Portugal se encontrou de novo a si pró-
mesmo que propaganda. prio e os Portugueses se orgulham novamente de
Os Portugueses gostam muito de discutir. Infe- ser Portugueses, não por vãs glórias do passado,
lizmente, muitas vezes perdemo-nos em discussões mas por realizações históricas do presente e pelas
estéreis, em bizantinices ridículas, preocupando-nos perspectivas aliciantes do futuro, temos de passar
mais com o acessório do que com o essencial, com por cima do que nos divide e encontrar o denomi-
os meios antes de definirmos os fins. nador comum que nos catapulte para o lugar que a
Eu creio que primeiro temos de definir os nos- História nos reservou.
sos objectivos e então, depois, escolher os meios. Infelizmente, um país não pode fazer tudo aqui-
Numa situação como a portuguesa o primeiro ob- lo que quer, mas aquilo de que é capaz e as condi-
jectivo tem de ser o desenvolvimento económico. ções permitem. Mas nesse aspecto somos optimis-
Todas as economias capitalistas passam por uma tas, se a cada português for dada a possibilidade
crise que se assemelha à dos anos 30 e até as pró- real de o fazer. Não duvido de que o queira fazer. E
prias economias socialistas sentem os seus efeitos, tenho a certeza que saberá distinguir o que é Es-
apesar de se afirmarem imunizadas contra seme- sencial daquilo que é Acessório.
lhantes crises. Como dizia há pouco um leader Vítor Borges
político europeu, se o homem comum refIectisse (Bol 51 (1.ª Série), Mai/Out 1974, pp. 1 e 3)
na crise económica que o Mundo atravessa, treme-
ria de medo. Basta atentar na subida constante dos
preços e na inflação galopante, que ninguém pode (4). PÁTRIA FUTURA
parar. Há já quem avente a hipótese de uma 3.ª
Guerra Mundial inevitável, pois é assim que se Armistas! Sejamos dignos da hora que vivemos!
costumam resolver as crises graves. Portugal ressuscitou da morte e da opressão.
Há que desenvolver um esforço tremendo de Somos um país livre! As Forças Armadas de-
imaginação para a reconstrução de um Portugal volveram aos Portugueses o rosto humano que Por-
onde caibam todos os Portugueses e de que todos tugal havia perdido na longa noite de tanta tortura,
se possam orgulhar. Numa democracia tudo pode e miséria e morte.
deve ser discutido antes de ser decidido, mesmo Sim, morte! Reino cadaveroso era já este Por-
que isso possa parecer ineficaz. É uma garantia tugal, e nós, Portugueses, indignos do passado!
contra erros que se podem tornar fatais. Muitas Os valores da Moral e do Direito eram sacrifica-
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 118

dos e espezinhados na nossa terra em benefício de traição aos fins próprios da sua própria razão de ser.
uma minoria que sobre a opressão e o crime construiu Lembramos ainda aos Bispos que aceitaram,
o seu império, um império hediondo e repelente. colaboraram ou não denunciaram as atrocidades do
11 000 mortos, 30 000 feridos e 20 000 mutila- regime deposto que devem ouvir os apelos dos cris-
dos na guerra colonial, 150 000 desertores e re- tãos no sentido de resignarem, devolvendo ao povo
fractários, 4 milhões de emigrantes, 3 milhões de de Deus o direito de escolher livremente os seus
analfabetos, eis o drama de um País e o resultado “pastores”. Só assim os cristãos e os não cristãos
da política salazarista-marcelista, retrógrada, obs- acreditarão na Igreja, descobrindo nela a nova face
tinada, anacrónica. Eis a ruína de um Portugal e o em que podem confiar. De contrário, a comunida-
suicídio sócio-económico de uma Nação. de eclesial, em vez de crescer, poderá minguar e
Armistas, somos portugueses. Amamos o solo recolher de novo às catacumbas. É na formação de
pátrio. Temos de reconstruir Portugal. cristãos livres e politicamente conscientes e na de-
Todos, sem excepção. Reconstruamos uma Pá- fesa da dignidade da pessoa humana que a Igreja
tria em que cada português não mais possa ser víti- deverá colaborar na edificação da sociedade terrena.
ma de outro português, em que todos, porque nas- Mas é para vós, armistas companheiros, que
cem iguais, tenham iguais oportunidades no aces- mais vai esta mensagem e este apelo. Procuremos
so à cultura, ao trabalho, aos benefícios da civili- construir uma sociedade nova, baseada no respeito
zação, em que não reine qualquer forma de obscu- mútuo, na tolerância, no trabalho e na liberdade,
rantismo, em que não haja fome, nem miséria, nem devolvendo aos Portugueses o seu génio e a Portu-
ódio, mas amor e justiça. Uma pátria edificada no gal o lugar a que tem direito entre os povos.
respeito pelos valores supremos da pessoa humana Meditemos, armistas, no devir histórico, irre-
com base num direito que seja vida. versível; e ocupemos o nosso lugar na hora que na
Esta a tarefa sublime a que, conscientes da nos- História vivemos.
sa posição na sociedade, devemos meter ombros. Marques Farinha
Qualquer que seja a profissão de cada um de (Bol 51 (1.ª Série), Mai/Out 1974, pp. 1 e 4)
nós, armistas – médicos, engenheiros, advogados,
estudantes, empregados da função pública ou pri-
vada, industriais ou comerciantes –, coloquemos (5). PRIMEIRO A JUSTIÇA
ardor no que fazemos, participemos na vida colec-
tiva, mas de coração limpo e sem reservas, e de- Mais cegos que os cegos são aqueles que, ten-
mos autenticidade a uma nova forma de vida so- do olhos, não querem ver, nem tão-pouco admitem
cial e política. que alguém lhes tire as cataratas. Pois, queiram ou
Nesta obra de reconstrução apelamos também não queiram, também esses “cegos” são elementos
para a Igreja. Que ela tenha a coragem redentora constitutivos de uma sociedade e têm para com ela
de não mais silenciar, em cumplicidade, qualquer obrigações que não podem nem devem ignorar.
violação dos direitos essenciais da pessoa humana, A sociedade de hoje, como as sociedades de
pois foi para a defender e dignificar que Cristo a sempre, é uma complexa máquina de que todos
instituiu. Que não pregue só um Evangelho volta- somos peças indispensáveis e insubstituíveis. E
do para a outra vida, apontando o Reino dos Céus como poderá essa máquina funcionar perfeitamen-
como prémio. Que pregue a mensagem autêntica te se as peças não desempenharem, uma por uma, a
de Cristo, que mais não é que um grito permanente função que lhes compete? As peças enferrujadas,
de justiça já nesta terra. Não pode a Igreja alhear- retorcidas, cegas, infalivelmente, emperram a má-
se da opressão, da violência, da tortura, do assassi- quina, impedindo-a de funcionar em pleno.
nato cometido pelos agentes do poder político, em É, pois, com o fim de tentar “lubrificar” uma
qualquer parte do Mundo, na pessoa dos seus fi- ou outra “peça” mais necessitada que vou tentar
lhos – e todo o ser humano é seu filho. Não pode derramar algumas gotas de “óleo”, que julgo salu-
aliar-se nem conviver passivamente com esse po- tar, neste elo de ligação entre as “peças” da nossa
der político. Tal aliança ou convivência significam Associação.
119 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

Não se ignora que a ARM não é uma associa- de produtos alimentares a mais elevados preços do
ção com carácter político. Mas também se não ig- que os praticados em relação aos poucos produtos
nora que todo o homem é político por natureza e nacionais...
que a ARM é uma associação de homens, que, em A nossa indústria navega nas mesmas águas
princípio, são “peças” importantes da grande “má- turvas: escassez de matéria-prima, despedimentos
quina” – que se pretende renovada – que é a socie- colectivos, hotéis, fábricas, transportes colectivos,
dade portuguesa de hoje. telefones, meio-Algarve, tudo na mão de estran-
E não pretendamos isolar a ARM da sociedade geiros exploradores da nossa baratíssima mão-de-
em que vivemos. Por isso, a ARM visará, antes de obra...
mais, o aperfeiçoamento dessa mesma sociedade. Do comércio nem se fala: subida incontrolada
Com efeito, não me queiram convencer de que de preços, supermercados monopolistas estrangu-
sermos ARM é apenas almoçarmos juntos uma vez lando pequenos comerciantes, pseudocomissões
por outra, mantermos um serviço social para aju- reguladoras de preços, açambarcamentos, especu-
dar os armistas mais necessitados ou quotizar-nos lações constantes por parte de “tubarões” endinhei-
para mantermos mais ou menos interessante um rados, pescarias manipuladas, a seu bel-prazer, por
Boletim a que chamarnos “nosso”. senhores armados em “donos disto”, preços irrisó-
A ARM deverá ser muito mais do que isso. Os rios pagos ao lavrador, etc.
almoços e o Boletim deverão ser, sobretudo, esco- O descontentamento era geral. A miséria
las vivas em que se ensine a fraternidade, a igual- grassava por toda a parte. Os bairros de lata assen-
dade e a justiça. Acabe-se, de uma vez para sem- taram arraiais em todo o lado, pois muita gente nem
pre, com o egoísmo, com os ataques pessoais, com sequer ganha para a renda de casa.
as críticas destrutivas ou com os auto-elogios. Se- E, enquanto isto, os administradores e directo-
jamos justos, defendamos a justiça, exijamos a jus- res de empresa enchiam-se à grande e à francesa;
tiça. os lucros da banca e de outros grandes blocos
A justiça dispensa a esmola, as situações de fa- económicos eram cada vez mais elevados; os pa-
vor, as “cunhas”, a acção social, tal qual existe na péis de crédito eram negociados aos milhares de
ARM. Defender a justiça não é fazer política. De- contos por oportunistas desavergonhados...
fender a justiça é pregar o Evangelho. Numa palavra: estava-se perante um “salve-se
É inegável, e não será novidade para ninguém, quem puder” que iria pela certa desaguar num mar
que o Movimento das Forças Armadas encontrou de revoltas, de assaltos, de crimes, de ódios, talvez
o País numa debilidade económica verdadeiramente num mar de sangue.
alarmante, triste herança de injustas prepotências Mas eis que, como por milagre, na manhã de
que nos oprimiam. 25 de Abril despontou radioso o sol da liberdade
A emigração em massa para o estrangeiro não que um grupo de jovens heróis quis desvendar ao
só é disso testemunho insofismável, como talvez povo português, a nós, armistas, que também so-
uma das suas causas próximas. mos povo. A nós também foi oferecida a liberdade,
Os milhões enterrados no ultramar para, teimo- a possibilidade de contribuirmos para que a justiça
samente, orgulhosamente sós, se sustentar uma se faça entre os Portugueses.
guerra reconhecidamente insustentável, para lá – Saibamos aproveitar esta oportunidade que nos
só agora – se construir aquilo que se deveria ter foi oferecida de mão beijada.
construído em cinco séculos que temos de África, Mas cautela! As forças da reacção, latentes
eis mais uma explicação do caos económico para embora, continuam a ser forças. Há que estarmos
que a passos largos íamos caminhando. prevenidos. A reviravolta – sabemo-lo bem – po-
A agricultura nacional é aquilo que todos co- derá acontecer. Está na mão de cada português, de
nhecemos: terrenos incultos por toda a parte, cada um de nós, como armistas, como trabalhado-
eucaliptais substituindo vinhedos e olivais, cultu- res, evitar um retrocesso.
ras exploradas por estrangeiros, com a consequente As greves selvagens, desencadeadas por reac-
saída de capitais para os seus países, importação cionários, as reivindicações salariais exageradas,
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 120

as “ofertas” chorudas do patronato – que até aqui


“não podia dar mais” –, são armas venenosas e
mortíferas apontadas ao peito de um País doente
há quase meio século e que um grupo de bravos
quer restituir à vida, à pujança, ao progresso.
Colaboremos com esse punhado de jovens he-
róis.
Ajudemos a construir um Portugal renovado.
Demos a mão a quem nos quer redimir. Cola-
boremos, apoiemos o Movimento das Forças Ar-
madas. Ajudemo-lo a cumprir o seu nobre progra-
ma.
Portugal será amanhã aquilo que cada um de
nós quiser que seja hoje.
Lutemos por uma sociedade justa, lutando por
uma ARM justa.
Augusto de Macedo

(Bol 51 (1.ª Série), Mai/Out 1974, p. 2)


121 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

2. TEORIA E PRÁTICAARMISTAS
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 122
123 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

(6). ASSOCIEMO-NOS (7). VIDA DA ARM

Por imperativo natural, sempre os homens ten- No momento em que este boletim chegar às
deram a associar-se. Mas uma associação, qualquer mãos dos nossos associados já a ARM está entre-
que seja, é sempre movida por força que leva os gue a uma nova direcção, constituída por elemen-
homens à união e por uma finalidade ou objectivo tos cheios de boa vontade, optimismo, juventude e
que especificam essa mesma associação. dinamismo, dispostos a fazê-la dar um passo em
Ora, no nosso caso, que impulso nos conduzirá frente na sua longa e feliz caminhada. É o mérito
a associarmo-nos? das renovações.
A resposta tem-na cada um de nós lá bem no Como presidente da Direcção cessante quero
fundo da alma, não é verdade? deixar aqui, neste número do boletim, algumas pa-
Deixámos a alma também “em pedaços reparti- lavras que sejam um testemunho do que foi a vida
da” por aqueles claustros tão belos de Tomar, pelos da Associação nos últimos dois anos e traduzam,
recantos frondosos de Cernache do Bonjardim, por ao mesmo tempo, um acto de fé no seu futuro.
aquela casa branca que se ergue no formoso outeiro Nós que acabamos de sair da Direcção temos a
de Cucujães. São lugares sagrados que sempre nos consciência, e humildemente o confessamos, de que
falarão de saudade, de sonhos juvenis, de Cristo. não fizemos tudo quanto os nossos associados es-
Recordá-los no silêncio do nosso mundo ínti- peravam de nós. Ao assumirmos os nossos cargos
mo é como que ter encontrado um doce refúgio para também nós esperávamos poder desenvolver acti-
o barulhento, fatigante, por vezes estúpido viver vidade mais profícua e persistente, mas a vida pro-
do nosso tempo. fissional de cada um e vicissitudes várias não nos
Há, portanto, um Passado, digamos, familiar que permitiram fazer mais do que manter a ARM viva,
nos une. ainda que com uma vida tão pouco espectacular
No entanto, uma razão apenas sentimental não jus- que, por vezes, terá dado a muitos, aos mais exi-
tificará plenamente que nos associemos. Impõe-se um gentes pelo menos, a impressão de que estava ador-
motivo mais forte que há-de ser de natureza espiritual. mecida. Apesar disso, por debaixo da cinza de uma
Não compreendo uma associação sem um ideal. aparente falta de vida, crepitava o fogo vivo das
Ora, a meu ver, o fim superior duma associa- nossas preocupações por ela, traduzidas numa cer-
ção de antigos ou actuais candidatos à vida ta regularidade de reuniões de Direcção, na con-
missionária há-de ser uma correspondência ao cha- fecção do nosso boletim que, ainda que pobre, lá ia
mamento que, um dia, nos foi feito, sejamos ou levando uma palavra e algumas notícias aos nos-
não do número dos escolhidos. sos sócios, e, principalmente, nas nossas reuniões
Fomos chamados! E somos chamados! gerais preparadas e realizadas sempre com muito in-
A meu ver, se a nossa associação conseguir des- teresse e carinho. Cremos ter ficado na memória de
pertar em nós a consciência das nossas responsabi- todos a grande e inolvidável jornada que foi a nossa
lidades perante o chamamento que, um dia, por reunião geral em Cucujães, em Junho de 1963. O nú-
desígnios incógnitos de Deus, nos foi feito, isso mero de presenças, a riqueza do programa e, princi-
justificaria plenamente a sua razão de ser. palmente, o entusiasmo e a boa camaradagern que ali
E depois, só há-de surgir, naturalmente, todo se viveram, jamais esquecerão.
um grande programa de acção. Apesar de tudo, não estamos satisfeitos com o
Para já, impõe-se que os membros da grande nosso trabalho, ainda que reconheçamos não nos
família, dispersos por aqui e por além, se reúnam ter sido possível realizar nem mais, nem melhor.
em alegre confraternização. Todavia, a ARM tem amplas possibilidades de
São milhares? Mas por onde travam eles o duro vir a ser uma associação plena de interesse e dis-
combate da vida? Vamos ao seu encontro. Valeu? põe de virtualidades que poderão, no futuro, desa-
Coimbra, Julho de 1964 brochar em consoladoras realidades. É esta a pala-
J. Marques Pereira vra de esperança que quero aqui deixar bem ex-
(Bol 8, Set 1964, pp. 1-2) pressa. Para que a nossa Associação se torne gran-
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 124

de, ganhe o coração de todos os antigos alunos e nós. E vem a saudade, a nostalgia, o sofrimento, e
adquira um dinamismo sempre crescente são ne- parece-nos que o sol é menos brilhante, que o mun-
cessárias, pelo menos, duas coisas que reputo fun- do é mais triste, que a vida é menos bela.
damentais, uma delas já em parte efectivada na ac- Entrámos um dia no Seminário. Há talvez cin-
tual direcção: refiro-me, por um lado, à vantagem de co, dez, vinte, quarenta anos...
esta ser constituída por um maior número de elemen- Nele passámos mais ou menos tempo e conhe-
tos e, por outro, à necessidade de todos os associados cemos muitas dezenas, talvez centenas de compa-
participarem directa ou indirectamente nas activida- nheiros com quem vivemos durante alguns anos,
des e tarefas que incumbem à mesma Direcção, no- intimamente unidos, em ambiente de família, co-
meadamente na confecção do nosso boletim em que mendo à mesma mesa, ouvindo as mesmas lições,
poderão colaborar com artigos e notícias, e no en- rezando na mesma capela, compartilhando das
vio de sugestões e ideias que muito podem contri- mesmas alegrias, tristezas e preocupações.
buir para o progresso da Associação. A formação que recebemos, o estilo de vida que
No momento em que uma nova Direcção assu- adoptámos e o ambiente em que vivemos marca-
miu os destinos desta, importa muito que um espí- ram-nos, soldaram-nos uns aos outros, como que
rito novo comece a animá-la e este terá que tradu- nos fundiram. E apesar de possíveis antagonismos
zir-se numa maior participação de todos os associ- de temperamentos, das divergências de ideias, e até
ados nas actividades e, portanto, nos destinos da de um ou outro choque, a verdade é que mais do
A.R.M.. que simples amigos nos sentíamos verdadeiros ir-
Se esta exortação encontrar algum eco naque- mãos. A ausência dos nossos irmãos de sangue con-
les que a lerem, sentir-nos-emos já um pouco com- tribuía para cimentar em nós esses sentimentos de
pensados pela amargura de não termos realizado verdadeira e inconfundível fraternidade que nos
aquilo que no princípio julgámos poder fazer. unia, num autêntico instinto de defesa, levando-nos
Que a nova Direcção consiga realizar melhor a procurar preencher no nosso coração o vácuo pro-
do que nós as suas boas e esperançosas intenções. vocado por essa ausência, e de tal maneira nos ir-
Que Nossa Senhora Rainha do Mundo os ajude e manámos que a saudade se atenuava e nos sentía-
faça frutificar as suas iniciativas. mos, até certo ponto, compensados do sacrifício
António José Paisana feito.
(Bol 9, 1.º e 2.º Trim 1965, pp. 1-2)
Mas os anos foram passando e novas separa-
ções se iam operando: uns terminavam o seu cur-
(8). BONS AMIGOS so, ordenavam-se e seguiam o seu destino; outros,
reconhecendo que não era aquele o seu caminho,
Alguém definiu o homem como um animal so- deixavam o lar e iam em busca de novos rumos.
cial. Se é certo que a definição é incompleta, nem Mas, ao partir, todos levavam e deixavam sauda-
por isso deixa de ser verdadeira, sob um dos aspec- des. E as exigências da vida absorveram-nos a to-
tos da nossa natureza. dos e dispersaram-nos por esse país fora, pelo Ul-
A solidão, o isolamento deprimem-nos, neuras- tramar e até pelo estrangeiro.
tenizam-nos, fazem-nos sofrer, porque deixam na Mas aqueles anos de convívio marcaram-nos a
nossa alma um vácuo que nos dá a sensação nítida todos e a lembrança daqueles de quem um dia nos
de seres incompletos, de que nos falta alguma coi- separámos jamais se apagou em nós. Encontrarmo-
sa para sermos felizes. nos novamente, vermo-nos outra vez, abraçarmo-
Para o preencher existe a família, criam-se ami- nos, recordar a infância ou a juventude, sabermos
zades, fundam-se agremiações. E quando nos mor- como lhes tem corrido a vida, ajudarmo-nos, se
re um parente ou um amigo a quem muito quería- possível, é um anseio de todos ou de quase todos.
mos, ou quando as exigências da vida nos levam a Se algum não sente isto – perdoem-me – é talvez
separar-nos daqueles a quem o coração se deixara porque não chegou nunca a irmanar-se com os seus
prender, parece que alguma coisa estala dentro de companheiros.
125 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

E um dos fins da A R M não é precisamente (9). REUNIÃO REGIONAL DO SUL, EM


mantermo-nos unidos, reviver tempos passados, LISBOA
soprar as cinzas que o tempo e a vida possam ter
ido acumulando nos nossos corações? No dia 8 de Maio último realizou-se no Colé-
É por isso que devemos fazer tudo quanto em gio dos Irmãos Maristas, à Rua Artilharia Um, n.º
nós estiver para não faltarmos às reuniões gerais 77, em Lisboa, mais uma reunião da nossa Associ-
ou regionais, a não ser que nos seja absolutamente ação formada pelos antigos alunos dos Seminários
impossível comparecer. das Missões. A caravana somou cerca de 100, que
se dilataram nas respectivas famílias.
Às vezes, por ocasião das convocações, vem- Como foi bom revê-los: os mesmos, a maior
me à mente aquela parábola do Evangelho em que, parte dos quais ainda há pouco encontrados em
para se desculparem de não comparecerem ao ban- Tomar, cabelos brancos, rugas na tez, anos, tantos
quete, os convidados se vão escusando como po- anos de distância e tempo – tanto tempo hiberna-
dem: villam emi – uxorem duxi – juga boum emi ram tão grandes amizades – e ei-los, ledos e crian-
quinque... ças que riem e saltam e bulham e cantam à desgar-
E é pena. Dá-me a impressão de que a ausên- rada como nos tempos idos e saudosos das Tílias
cia, quando não verdadeiramente justificada – do da Avenida e da Fonte do Moisés em Cernache,
que quero que só os próprios sejam juízes... – pode das Sacras Ciências em Cucujães e que o tempo
talvez significar que neles se extinguiram esses guardara, intactas, com soberba, para que eles as
sentimentos de fraternidade de que falei acima, o pudessem mastigar nas mesmas cores, no mesmo
que, como irmão, me magoa. sal e na mesma música.
Vem tudo isto a propósito das últimas reuniões Ei-los que chegam... e bailaram papoilas de san-
da A R M em Lisboa e em Fátima. gue nos seus lábios, crianças que foram (crianças
É certo que compareceram umas dezenas de que eram), música nos olhos – um infinito danúbio
rapazes. Mas que é isto comparado com as cente- tão azul. – Que maneira singular, a de juntar num
nas de ausentes, muitos dos quais, com um só rosário tantos corações!
pouquinho de boa vontade, poderiam ter compare- CONFRATERNIZAÇÃO: não só nos Maris-
cido? Aquando da penúltima reunião de Lisboa, à tas... a terra e o céu... abraços amigos... exortações...
última hora foi preciso cancelar tudo apressadamen- orgia de lua em dia de sol...
te, porque, se fôssemos a contá-los pelos dedos, E vieram... Dr. José Francisco Rodrigues, Nereu
bastava-nos uma das mãos e ainda sobrava um Santos, Dr. Abrantes Prata, Celestino de Sousa Dias,
dedo... Pacheco, Amândio Mendes da Silva, Salvado, Pi-
As coisas agora correram melhor, graças a Deus, res (o Piresão de Tomar), Mateus, Dr. Guerra (o
mas não podemos dar-nos por satisfeitos. É preci- Manel), P. Albano, P. Aires, Sebastião Lobo, Eng.
so mais, muito mais. Ribeiro Coelho, Tomaz, Dr. Gonçalves Narciso,
É necessário que os que já têm vindo se façam Isaac Casimiro, Marques Farinha, Moutinho
arautos da ARM junto dos seus antigos companhei- Rodrigues, Manuel Francisco da Silva, Dr. António
ros, para que o bebé, ainda pequenino e, diga-se a Paisana, Louro (o Louro da Banda de Cernache),
verdade, enfesado, cresça, engorde e se faça um Maués, Belchior, Romão Carreiro, Patrício, Valen-
gigante, forte e sadio, para poder cumprir a missão te, Antero, outros e outros e todos eles, em comu-
que os seus progenitores lhe traçaram. nidade, contagiaram... fundiram-se as mãos... os
A ARM não pode morrer. Mas também não pode pensamentos... os novos ideais...
contentar-se com vegetar. Tem de crescer, desen- Eles tinham guardado em si mesmos, lá bem
volver-se, progredir, para que possa corresponder no fundo, um imponderável TE DEUM, aos tem-
plenamente, e o mais depressa possível, aos altos pos idos e presentes afinal, em que “wagnerizavam”
ideais que presidiram à sua instituição. a música granítica dos claustros, cantando a Noa,
Pe. Luís G. Monteiro Vésperas e Matinas ao compasso dos bronzes.
(Bol 10, 3.º Trim 1965, pp. 1-2) Notou-se neles, sem excepção, a melodia feita
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 126

toda ela de saudade... e parece mesmo que os anos foi, na verdade, assim que se sentiu bem o sabor
foram vencidos... todos beberam uma vez mais nas deste nosso encontro. Excedeu toda a expectativa,
taças níveas dos mesmos ideais. diziam outros. Estamos todos de parabéns, acres-
A separação foi-se por pólos opostos e na Ca- centavam ainda alguns.
pela, todos juntos... todos os olhos se cruzaram nos Como parêntese, aproveita-se o ensejo para aqui
lenhos da cruz. se frisar que foi esta a primeira experiência nesse
O Rev. Superior Geral, P. Manuel Fernandes, género que se tentou e resultou, graças a Deus, pois,
celebrou a Santa Missa acolitado pelos Dr. José até agora, as nossas reuniões se limitavam exclusi-
Francisco Rodrigues e José Nereu Santos. Nela vamente aos antigos alunos – os familiares do sexo
foram lembrados os nossos irmãos falecidos, to- feminino ficavam em casa – e aqueles mesmos,
dos os presentes e ausentes, estes indistintamente sentados à mesa para um almoço, pouco mais que
dos que, na verdade, estiveram impossibilitados de normal, só se confraternizavam com os parceiros
comparecer, e daqueles que, por comodismo ou do lado. E ali não: vieram com suas famílias, todos
desinteresse, não quiseram associar-se. se confraternizaram com cada um e cada um com
À homilia transportou-nos o celebrante ao todos. Valeu? Esta foi, pelo menos, a opinião unâ-
pensamento da doutrina do Evangelho e da Epístola nime de todos que, em face do sucesso da modali-
do dia, chamando a nossa atenção para a razão de ser dade, votaram em uníssono pela continuação. Con-
de nós ali. Aconselhou-nos à prática do bem que apren- tinuaremos, portanto, meus caros amigos.
demos e bebemos, juntos, durante os poucos ou lon- E assim desenrolou-se a tarde, e o sol, final-
gos anos que passámos pelos Seminários. Exortou as mente, adormeceu, doirado, para além do tecto da
famílias ali presentes a que vissem naquela reunião o cidade onde descansa o crepúsculo dos tempos idos.
desejo de cimentar mais e melhor a nossa amizade e Começou a debandada: Lisboa, a Outra Banda,
velha camaradagem e o vivo exemplo de ligar a famí- Águeda, Porto, Santo Tirso, etc. Cada um, abalan-
lia de outrora à nossa de hoje. do, tomou seu rumo... mas a confraternização, essa
Terminado o acto religioso durante o qual, gra- há-de continuar para sempre.
ças a Deus, se abeirou da Sagrada Comunhão um Junho de 1966
grande número dos presentes, a confraternização O Repórter
continuou com um excelente almoço volante de que (Bol 13, 2.º e 3.º Trim 1966, pp. 1-2)
beneficiou ainda – tamanha era a fartura – o Asilo
da Mendicidade.
Mais exortações, palmadas nas costas, abraços... (10). O SEMINÁRIO DA BOA NOVA
e lá estava o Zé Pacheco com as saudosas récitas de
outrora... O Magala, O Zé aperta o laço, Acho que O Seminário da Boa Nova, em Valadares, que em
achim stá bem, etc. e todos falavam, cantavam “Ó boa hora foi inciado e já se encontra em adiantada
RAPAZIADA”, “REUNIU-SE A ZONA SUL” e mais fase de construção, é obra nacional e da Igreja.
que a inspiração poética dalguns bons artistas de mo- Todos nós, portugueses, temos em relação aos
mento haviam improvisado para aquele dia. (Noutro nossos irmãos do Ultramar urgentes responsabili-
local daremos na íntegra aquelas duas canções). dades de promoção e progresso, de civilização e
Que bem que todos cantaram e, entretanto, o apostolado.
nosso Presidente Dr. Prata ia filmando as melhores Foi sempre timbre da Nação Portuguesa civilizar
passagens deste memorável encontro. O entusias- e cristianizar os povos agrupados à sombra da sua
mo, a euforia, a camaradagem, tudo se sentiu na- bandeira. E hoje, mais do que nunca, urge trazer aos
quele ambiente puramente cristão, tudo fez viver benefícios da nossa civilização e do nosso credo reli-
tempos de outrora. Agora, sim, dizia um dos nos- gioso os milhões de irmãos nossos que em África
sos, agora passou a haver verdadeira confraterni- aguardam ainda que se lhes leve as luzes do progres-
zação. Só com um almoço neste género – volante – so e se lhes fale de Deus e do Seu Cristo. E isto só os
e unidos às nossas famílias se poderá viver as nos- missionários o podem fazer. Mas não há missionários
sas reuniões, se poderá confraternizar, festejar. E sem vocações e sem seminários.
127 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

Ora o Seminário da Boa Nova há-de ser o Aproveitemos essa oportunidade para testemu-
alfobre onde se cultivam as vocações, a forja onde nharmos a nossa simpatia por esta obra, o nosso
se temperam e formam os apóstolos da nossa Áfri- espírito missionário, com a nossa presença efecti-
ca. Escola de instrução e de virtude. va e com o nosso óbolo, pequeno ou grande, a de-
Sem bons seminários mal poderá haver bons sa- por no ofertório desse dia.
cerdotes. E a Sociedade Missionária precisa de sacer- Será esse o nosso testemunho de cristãos e de
dotes óptimos que consagrem a vida inteira ao servi- portugueses.
ço do próximo nas missões do nosso Ultramar. E pelo ano em fora, nos nossos gastos e nos
As casas de formação que tem tido até hoje, nossos sacrifícios, não esqueçamos o Seminário da
adaptadas ou antiquadas, já não satisfazem as ne- Boa Nova.
cessidades dos nossos tempos. Por isso se impõe a Não assinado
construção do novo seminário, em ambiente mais (Bol 20, Mai 1968, pp. 1-2)
propício e mais próximo do recrutamento das vo-
cações e em moldes actuais.
E a sua importância é tal que o próprio Santo (11). A NOSSA REUNIÃO ANUAL
Padre Paulo VI, olhos postos na nossa Sociedade
Missionária, assim o compreendeu, dando-nos o Para os que não puderam tomar parte nela aqui
exemplo da sua generosidade por ocasião da sua ficam estas descoloridas notas sobre o que se pas-
peregrinação a Fátima. Mais do que uma dádiva sou nos dias 9 e l0 de Junho em Tomar e Fátima.
generosa, foi um incentivo caloroso à nossa libera- Mas a vibração, o calor, o entusiasmo e a alegria
lidade a sua oferta de 1500 dólares. que lá se viveram, esses não se podem descrever. A
E nós? Nós que somos um povo de gloriosas alma não se descreve. E foi a alma da ARM que se
tradições missionárias, nós que temos responsabi- manifestou em toda a sua pujança.
lidades prementes no nosso Ultramar, nós ficare- Pelo número de participantes a passar de 120
mos de braços cruzados? Sobretudo nós, os católi- com as respectivas famílias; pela amizade caracte-
cos? Seria um crime, porque seria uma traição. Trai- rística das nossas reuniões; pela vivência armista e
ção às nossas responsabilidades históricas e ultra- missionária e ainda pelas sugestões apresentadas,
marinas, traição aos nossos deveres de cristãos. esta foi, sem dúvida, a mais rica e mais quente de
Não! O Seminário precisa do auxílio de todos todas as nossas reuniões.
os portugueses. A dádiva do Santo Padre apenas A ARM é já, de facto, uma realidade conso-
chegará para cobrir um terço das despesas. O resto ladora, cheia de virtualidades, que tende a alargar-
é connosco. se cada vez mais, a projectar-se mais além, a ser
Temos de ser cristãos e portugueses conscien- uma falange de leigos conscientes a secundar aqui
tes, temos de seguir o estímulo do Papa, ajudando e no Ultramar a acção evangélica e civilizadora da
o Seminário da Boa Nova, na medida das posses Sociedade Missionária. Assim o augurou e bem o
de cada um. P. Superior Geral. E a prova é que desta vez, além
E sobretudo nós os que algum dia vivemos o das principais representações de Lisboa e do Por-
mesmo ideal missionário e nos acolhemos à som- to, também Angola e Moçamique estiveram pre-
bra do mesmo tecto, nós temos obrigação, mais do sentes com todo o seu vigor juvenil e espírito de
que ninguém, de contribuir para que o Seminário solidariedade. Lá como cá, a ARM vive perfeita-
se erga e complete, sem atrasos nem dificuldades. mente a fraternidade cristã, o ideal missionário para
É um dever de gratidão. que foi criada e que os seus fundadores lhe insufla-
No próximo dia 5 de Maio vai a Sociedade ram ao nascer.
Missionária prestar a sua muito justa homenagem Para comungar neste espírito, viver esta amiza-
ao Santo Padre, com a presença de S. Ex.a Rev.ma de e camaradagem, recordar tempos passados, va-
o Senhor Núncio Apostólico e de outras autorida- leu bem a pena ir a Tomar.
des religiosas e civis. Nessa ocasião também será Por isso, a ti que não foste só digo que não sa-
lançada a primeira pedra da Igreja do Seminário. bes o que perdeste!
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 128

A Assembleia Geral foi simples, como simples ex-alunos dos Seminários. Cresceu, desenvolveu-
era a ordem dos trabalhos. Mas esteve animadíssima se, e organizou-se, mercê da pertinácia entusiasta
pelas sugestões apresentadas, de carácter de alguns armistas, cujo labor infatigável tem cons-
associativo e missionário. Seguiu-se depois a San- tituído um dos aspectos mais agradáveis da nossa
ta Missa, celebrada pelo Superior Geral. No fim, o Associação.
almoço, no antigo refeitório, a reviver velhos tem- A Sociedade Missionária apoiou, desde a pri-
pos. Só que desta vez não houve farinha de pau meira hora, todas as iniciativas da ARM, quer di-
nem açorda... O Reitor primou em servir bem e foi rectamente através dos estímulos do Superior-Ge-
gentilíssimo. E o repasto deu ocasião a vários brin- ral (quem não recorda o entusiasmo com que o Pe.
des em que se manifestou mais uma vez o entusi- Manuel Fernandes nos acompanhou sempre?), quer
asmo e a alegria de ali nos encontrarmos reunidos. pela nomeação, desde o longínquo começo de 1959,
Após breve visita ao Convento, em romagem de um sacerdote para Delegado ou Assistente jun-
de saudade, descemos à cidade por onde uns se es- to da ARM (cf. Art.º 15, § 2 dos Estatutos).
palharam a recordar o passado, preferindo outros A Sociedade acompanha por isso, com vivo in-
alongar-se mais além a visitar o Castelo de Bode. teresse, aqueles que se propõem “congregar, em
Às 19,30 partimos para Fátima. Aí, após breve redor da Sociedade Missionária todos os seus anti-
saudação à Virgem, procurámos os nossos lugares gos alunos, fomentando e estreitando os laços de
no Verbo Divino, para jantar. Depois foi a nossa amizade, com o fim de se entreajudarem espiritu-
procissão de velas, com a reza do Terço e visita ao al, moral e socialmente” (cf. Art.º 3, a) dos Estatu-
Santíssimo na Basílica. tos) – e põe ao serviço da ARM todos os serviços
No dia seguinte fez-se a Via-Sacra no Calvário que puder prestar para que ela atinja cada vez mais
Húngaro e, após o pequeno almoço, o P. Superior ampla e perfeitamente os seus fins. E vê com imensa
Geral celebrou missa para nós na Capelinha das alegria congregarem-se em fraterna amizade um
Aparições. Aí confiámos à nossa Padroeira, Regi- número cada vez maior dos seus antigos alunos.
na Mundi, as necessidades e anseios, o presente e o Mas a amizade tem de ser mais que um fim.
futuro da nossa Associação. E rogámos-Lhe pelos Dela deverão surgir iniciativas que lancem a ARM
presentes e ausentes, pela Igreja e pelas Missões. lúcida e corajosamente na acção que concretize o
Tempo livre até ao almoço. Aqui, aos brindes, ideal que a inspira. Não podemos ser apenas um
o entusiasmo atingiu o rubro. Viveu-se mais inten- grupo jantante, que de ano a ano se vai encontran-
sa a camaradagem e a amizade. do, sem imaginação renovadora e sem saber bem o
Foi por isso com saudade e olhos rasos de lá- que quer. A ARM contraiu obrigações a que não
grimas que nos despedimos até à próxima. pode furtar-se sem trair as mais legítimas esperan-
Albino Santos ças dos seus membros.
(Bol 21, Ago 1968, pp. 1 e 4) Este Boletim, com todas as limitações que pos-
sam apontar-se-lhe, é uma das suas actividades mais
válidas. Mas será pouco menos que inútil se, atra-
(12). TOQUE DE ALVORADA vés da sua acção mentalizadora, não suscitar ou-
tras iniciativas – e não conseguir despertar tantos e
A ARM nasceu, há cerca de doze anos, da con- tantos que continuam adormecidos. Membros acti-
vergência de diversas iniciativas, ditadas todas pelo vos da ARM são ainda escandalosamente poucos.
mesmo anseio: congregar na amizade, não apenas Iremos deixar que os da primeira hora acabem por
saudosa mas eficiente, aqueles que, nos Seminári- cruzar os braços, no desânimo duma generosidade
os da Sociedade Missionária, tinham convivido que não se vê devidamente apreciada e corres-
durante alguns anos, para muitos os mais lembra- pondida, porque não continuada por outros que
dos da sua vida. venham trazer um sangue novo e criador?
A ARM cresceu, desenvolveu-se, tem-se afir- O campo aberto é imenso, quer no campo apos-
mado como uma das iniciativas mais positivas das tólico, quer na acção cultural e social. O Boletim
que por todo o lado foram surgindo, a favor dos está a precisar de um fervilhar de vida que só os
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armistas lhe podem injectar. Onde estão as vozes pole decidiu criá-lo também entre nós, o tema
(e as canetas!) dos armistas, a transmitir notícias, a readquire um interesse imediato, e um armista me
dar sugestões, a apontar deficiências? Porque não escreveu já a sugerir que o boletim se encarregasse
comunicar aos outros os momentos grandes da vida de elucidar os armistas sobre os problemas, for-
de cada um, na alegria ou no sofrimento: o casa- mas, possibilidades, etc., do Diaconado, nomeada-
mento, o nascimento do primeiro filho, a conclu- mente em Portugal.
são duma carreira universitária, uma promoção (que Lá iremos, se Deus quiser. Mas entretanto há a
é sempre promoção de toda a ARM), o luto que Assembleia Geral, e é a melhor oportunidade de fa-
atinge uma família, e tantas e tantas outras realida- zer um balanço aos doze anos da ARM, discernindo
des que todos gostaremos de saber, para as parti- corajosamente as suas deficiências, para melhor po-
lhar fraternalmente? dermos continuar, e intensificar, o muito de bom que
O Boletim tem de ser uma presença viva e exi- já se fez. Simplesmente, sem ovos não se fazem ome-
gente, ia a dizer provocante. Para arrancar à indife- letas, e a ARM não pode existir sem armistas! Por
rença e à inércia os que ainda não deram sinal de isso, a primeira condição para que haja ARM é que tu
vida – nem sequer para discordar! estejas activamente presente na próxima Assembleia
P.e Manuel Trindade Geral, no dia 30 de Maio.
Assistente da ARM Lá te esperamos! E lá te abraçaremos!
(Bol 34, Jan/Fev/Mar 1971, pp. 1-2) Pe. Manuel Trindade
(Bol 35, Abr/Mai 1971, pp. 1 e 4)

(13). UMA VEZ NO ANO?


(14). FRATERNIDADE
Vai realizar-se a nossa Assembleia Geral, como
noutro lugar se informa. E é a partir dessa circuns- A fraternidade está na base de toda a humani-
tância que retomo o fio do pensamento do que es- dade. Sem distinção de cores ou de raças, somos
crevi no último número do nosso boletim. todos irmãos. Como tais devemos amar-nos.
A ARM não é um vulgar e banal grupo recrea- Sem embargo, quando o homem esquece a sua
tivo, ou excursionista, e como tal a sua actividade comum filiação divina, torna-se não raro o lobo do
não pode nem deve limitar-se a um passeio por ano homem. Homo homini lupus. Desrespeito pela digni-
e a um almoço de confraternização mais ou menos dade da pessoa humana, egoísmos, falsidades, despre-
animado. Mas esse passeio efectua-se, e a confra- zos, explorações, roubos, ódios, raptos, assassínios, trai-
ternização realiza-se – e são indispensáveis. O que ções e guerras parecem ser a prática quotidiana.
é preciso é que tudo isso seja a mola impulsionadora O progresso, tanto no campo da ciência e da
que, através da vivência de um dia de profunda técnica como no da psicologia, da sociologia e da
amizade, dinamize todo um ano de vida, sugerin- economia, atingiu já proporções nunca antes sus-
do iniciativas, planeando actividades, apontando peitadas. Encurtaram-se as distâncias, aproxima-
deficiências, estimulando novos empreendimentos, ram-se os povos para melhor se conhecerem e ama-
alimentando uma contínua e fértil insatisfação. rem. E nunca se falou tanto de paz e de fraternidade.
A ARM tem à sua frente uma tarefa imensa, na Paradoxalmente, porém, dois terços da huma-
Metrópole e no Ultramar (como em qualquer outra nidade continuam a morrer de fome, os ódios e as
parte do mundo), quer no campo social, quer no guerras são mais ferozes e cruéis. Porque muitos
campo cultural e apostólico. esquecem ou renegam Deus.
De Moçambique vieram, em tempos, sugestões Caminhando por fases de recuo e de avanço,
muito concretas, para uma cooperação missionária parece que a humanidade hoje está retrocedendo
dos armistas em África. Outro grupo de armistas moralmente.
recebeu, há anos, com entusiasmo, a notícia da res- Apesar de tudo, Deus não nos abandona, mes-
tauração do diaconado permanente, pelo Vaticano mo quando nos dá a impressão de se esconder ou es-
II. Agora que o Episcopado Português da Metró- tar ausente. Por isso eu creio, com T. de Chardin, no
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progresso moral do homem, na sua permanente evo- Havia antigos da primeira e última hora, do
lução em direcção ao ponto Ómega, à união última, Norte e das Beiras, como havia representantes de
para que finalmente sejamos todos um com Cristo. Cabo Verde, Angola e Moçambique. O Porto, esse
O homem é na terra uma dádiva e a imagem de apresentou-se em forma, em belo autocarro e todo
Deus, tem um destino e uma dimensão eternos. E vibrante de alegria e entusiasmo.
foi criado para ser feliz. A felicidade, porém, só se Dois armistas dos mais fervorosos, que Deus te-
alcança pelo amor e devoção aos outros. Só rece- nha – o Ribeiro Coelho e o Abalada de Matos – esti-
bemos na medida em que nos damos. Se cada um veram presentes na pessoa das esposas e no coração
soubesse a felicidade que há no dom de si mesmo! de todos, aquelas envergando os emblemas e teiman-
Por isso a ARM nasceu para nos darmos uns do em continuar a pagar as quotas e em receber o
aos outros, para amarmos e servirmos o próximo e jornal sem encargos para a Associação.
sermos assim felizes e podemos afirmar que ela é O ano de 1927 – aquele em que o colégio de
verdadeiramente, no mundo egoísta em que vive- Cernache reabriu as portas às missões religiosas –
mos, essa certeza consoladora de uma autêntica marcou presença com quinze dos seus e o nosso
fraternidade. Se outras provas não houvesse, a úl- querido Padre Sequeira.
tima reunião em Lisboa era só por si suficiente. O Nereu, esse, ajudado da sua bengala (cremos
Nasceu fiel aos princípios que aprendemos na- que temporariamente), sempre loquaz e altissonan-
quelas casas que durante anos a todos nos abriga- te, tinha representação do José Pacheco, do Sebas-
ram, fiel ao espírito do Evangelho e ao amor, para tião Lobo, do Martins de Oliveira e do Abílio Lou-
cultivarmos a amizade nascida nos nossos anos ju- renço, a quem a doença e outras razões graves de
venis. E também para sermos pelo amor e devoção todo impediram a comparência já tradicional.
uma élite de apoio àqueles que, nossos companhei- O Dr. José Francisco Rodrigues arranjou aco-
ros de anos, labutam e sofrem hoje no Ultramar modações para a maioria dos do Norte. Os restan-
pelo alargamento do Reino de Deus. tes tiveram hospitalidade fidalga em casa de ou-
Creio poder-se dizer sem vaidade que somos já tros armistas de Lisboa, alguns dos quais deixaram
a melhor Associação no género. Basta ser-se armista suas camas e quartos para que os irmãos de longe
para logo se encontrar nos outros um amigo, um se sentissem mais perto.
irmão. E quase todos os casais arranjaram coisas para
E como irmãos fomos realmente tratados nós, reforçar a mesa, não fosse correr-se o risco da mo-
os armistas nortenhos, que nos deslocámos à capi- notonia e míngua.
tal para a nossa última Assembleia Geral. Foi tal o Celebrou missa o Pe. Vaz, que representava o
calor e entusiasmo da recepção e do convívio que a Superior-Geral, aliás já bem presente por um ex-
Direcção cá do Norte exarou, na acta da sua reu- pressivo telegrama mandado de Nampula, onde se
nião mensal subsequente, um voto de louvor e gra- encontra no momento. O Dr. Nunes Ferreira ani-
tidão aos armistas de Lisboa. Não quero distinguir mou o canto. E o Irmão Dias Ferreira, agora che-
ninguém. Mas o Tomás... gado das Missões de Moçambique, ajudou e orien-
A todos eles o nosso muito grato Bem-hajam! tou na celebração.
Albino Santos A missa foi aplicada pelas intenções da ARM e
(Bol 36, Jun/Jul 1971, p. 1) em sufrágio dos superiores e condiscípulos já fale-
cidos. Todos eles foram especialmente recordados
na Oração dos Fiéis e nos momentos da Oração
(15). REUNIÃO GERAL DA ARM Eucarística.
Na altura própria, todos se deram a paz efusi-
A reunião deste ano teve lugar em Lisboa, no vamente, abraço que muitos selaram, instantes de-
Colégio dos Irmãos Maristas, a 30 de Maio. Foi a pois, unindo-se estreitamente ao Senhor na comu-
mais numerosa até hoje realizada. Entre armistas e nhão, para n’Ele serem mais irmãos.
simpatizantes, com esposas e filhos, contaram-se A Assembleia Geral foi no ginásio do Colégio.
217 presenças. Presidiu o Dr. Paisana. E falaram muitos, dizendo
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do passado e apontando pistas novas e votos ar- falam quase amiúde do quanto se deve (e não no
dentes para o futuro da Associação. que se tem, porque ele não no há).
Feitas as eleições, o Dr. Silva Cardoso pediu a Entre os que já foram para a mansão do Pai,
palavra e falou, com alma e jeito, da fundação de lembramos especialmente o Eng. Ribeiro Coelho,
Bolsas de Estudo, em ordem a ajudar a formar no- o Abalada de Matos e o Pe. Aparício. Como este
vos missionários, que sejam como prolongamento estaria satisfeito no meio de nós, onde havia deze-
das nossas vidas, bem efémeras. Estamos em crer que nas de condiscípulos! Recomendamo-lo, uma vez
as suas palavras não vão ficar sem eco. Entretanto mais, aos que não puderam estar presentes. E para
podemos acrescentar aqui que o orador, logo a seguir, algum mais íntimo talvez possamos conseguir um
foi-se a bem perto de mim, tirou da pasta um cheque exemplar da edição especial que os jovens do Co-
de dez contos e correu a escondê-lo nas mãos do Ecó- ração de Jesus lhe consagraram com 16 páginas.
nomo Geral, para início da primeira bolsa. Aos armistas do Norte, os nossos agradecimentos
À hora do almoço, comeu-se, bebeu-se, e, so- e parabéns pela sua presença grande em número e em
bretudo, falou-se. Cada um arranjou-se como pôde, entusiasmo. Juntamente vão os nossos melhores vo-
de pé ou sentado, em lugar certo ou onde lhe foi tos de boa saúde para o Pacheco, o Chamusca, o Se-
dado descobrir uma cara há muito nunca vista. bastião Lobo e outros, armistas que nunca faltaram e
Quantos se viram ali passados trinta e quarenta que sempre timbraram pelo amor à nossa Associa-
anos!… Que o diga quem estas linhas escreve!… ção. Que Deus os ajude e cure depressa.
O dia foi realmente cheio de gratas recordações, Um dos presentes
de velhos episódios revividos e de saudade bem (Bol 36, Jun/Jul 1971, p. 2)
viva – e isto na capela, no salão das festas, à hora
da refeição e à sombra dos jardins. Que pena o dia
não ser mais comprido!… Uns de 50 e 60 anos (os (16). MUITA PARRA E POUCA UVA
da primeira hora), outros de vinte ou trinta, casa- (Crónica oficiosa da reunião de Cernache do
dos e solteiros, todos iguais, todos animados do Bonjardim, de 15 Out 1972)
mesmo ideal. Houve quem chorasse, como houve
estranhos que ficaram maravilhados daquela Pois é verdade. Na sequência de uma série de
fraternidade para eles nunca vista. E a presença do anos maus para a “ingrícola”, também este de 1972
Campino e do Craveiro, vindos de Luanda, tornou veio agravar a desoladora situação dos que no seio
a nossa confraternização ainda mais aberta e calo- da terra – que regam com sangue, suor e lágrimas –
rosa. Nota curiosa para mim foi o acento que notei esgaravatam o pão de cada dia.
em tantas conversas: o nosso Superior-Geral, as Quero frisar especialmente aqueles para quem
nossas missões, os nossos seminários ou os nossos a vinha é a única seara.
alunos, as dioceses em que trabalham os nossos. Os E não se julgue que pretendo puxar a brasa à mi-
armistas são também da Sociedade Missionária… nha sardinha, até porque sou um modestíssimo
Não faltou um abanozito às carteiras, para co- vitivinicultor e mal de mim se vivesse exclusivamen-
brir despesas feitas ou para pôr quotas em dia. A te daquela “miséria”. (Já agora – e porque veio à con-
resposta foi sobremaneira generosa, sem falar do versa –, daqui ponho à disposição de cada um dos
Craveiro Morais (vindo de Luanda com a bolsa amigos armistas uma adega minúscula que tenho em
quente), que brindou a ARM com uma nota de mil. Vila Verde dos Francos, no concelho de Alenquer).
E não ficará por aqui! E porquê mais este ano assim tão fraco para a
O Tomás entregou o saco a uma voluntária, e vinha?
vai de contar. Quando apareceu a soma, o Tomás, Muito simples a resposta: a falta de sol e a chu-
que teimara (embora muito doente), ajudado pela va extemporânea fizeram nas videiras muita parra
esposa, em levar a reunião a feliz efeito quase cer- e pouca uva. E essa pouca ainda apodreceu antes
to de que tinha de arrancar do bolso umas boas cen- de madura.
tenas, não queria crer nos seus olhos. Ainda bem, Mas a propósito de quê toda esta conversa? –
tanto mais que, do Norte, por mor do jornal, nos perguntar-se-á.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 132

A propósito da nossa Assembleia Geral reali- (mas actuais também porque a barba está na moda)
zada em Cernache no dia 15 de Outubro passado – – e um divertido sorteio pró-ARM (parabéns ao
respondo eu. amigo Tomás!) completaram o repertório da nossa
Mais à frente tentarei uma explicação. viagem para Cernache, onde chegámos por volta
das onze horas.
Chegada a Cernache À nossa espera já alguns do Norte e do Centro,
mais madrugadores, que vieram nos seus “bólides”,
Pediram-me para fazer uma pequena crónica da e alguns padres do Seminário.
nossa romagem a Cernache do Bonjardim em 15 Pouco depois, também de camioneta, chegaram
de Outubro findo. Como nunca escrevi coisíssima os do Porto.
nenhuma para o Boletim, não tive coragem (nem O átrio do Seminário, nobre sala de visitas da-
moralidade) de me recusar. quela ridente vila, foi palco de cenas enternecedo-
Aqui fica, pois, esta pequena reportagem, sim- ras. Só me faltou ver lágrimas (de alegria, claro)
ples e despretensiosa como eu. nos olhos de alguém.
O 15 de Outubro cá pelo Sul amanheceu enco- Foram as palmadas nas costas (não palma-
berto e molhado. Todavia, às seis e meia da manhã dinhas, que essas não se usam quando há muito os
(hora marcada), já a malta – inclusive algumas cri- amigos se não vêem); foram os abraços de quebrar
anças – se aglomerava à porta do nosso incansável costelas e outras coisas (por exemplo os óculos que
Nereu, local de partida da camioneta que nos leva- o Sampaio trazia no bolso interior do casaco).
ria até Cernache. E, talvez por eu não ter tomado parte em todas
Já agora – e porque considero este apontamen- as reuniões da ARM, encontrei nesta de Cernache
to de reportagem de muito interesse e susceptível muita malta que não via há mais de quinze anos.
de alertar os mais descuidados –, friso que esta E… quantum mutati!…
“malta” de Lisboa era realmente constituída por Uns surpreenderam-me com os seus farfalhu-
algumas crianças, bastantes senhoras e, consequen- dos bigodes (é moda!); outros com as suas longas
temente, poucos armistas (visto que ao todo nem cabeleiras (é moda!); outros, ao contrário, com as
chegávamos a cinquenta), sinal de que o interesse suas inocultáveis calvícies (é… falta de cabelo!).
por este passeio-romagem foi muito diminuto cá Mas nenhum me surpreendeu pela contagiante ale-
pela Capital. gria que a todos inundava no momento do encon-
Permito-me perguntar: todos os que não foram tro. Os tais abraços de fazer ranger costelas, as fran-
(e são a maioria) teriam motivos realmente fortes? cas gargalhadas, os sorrisos abertos foram inequí-
Ou será que têm a sua “religião” armista sem pre- vocos testemunhos da sincera amizade que nos une
cisarem de ir à “igreja”? desde o primeiro dia em que nos conhecemos, para
Cada um que responda aos seus botões. alguns já lá vai quase uma vida.
Como somos uma Associação e associar é co- Os repórteres fotográficos “de serviço”, Dr.
mungar dos mesmos ideais, viver os mesmos pro- Prata na filmagem e Tomás na fotografia, certamen-
blemas, tornar comuns venturas e tristezas, optou- te nos darão as melhores imagens deste encontro
se por uma viagem de camioneta, a fim de mais inesquecível.
facilmente se poder confraternizar.
E covenhamos que os intentos dos organiza- A Missa comunitária
dores não saíram frustrados.
Tudo correu bem. A boa disposição foi a domi- Cerca do meio-dia, na bela igreja do Seminá-
nante de toda a jornada, para o que muito contribu- rio, foi a concelebração da missa acompanhada a
íram os cânticos “fabricados” pelos nossos cróni- cânticos pelo coro de vozes argentinas dos miúdos
cos animadores de programas, Moutinho Rodrigues seminaristas.
e Manuel da Silva, e a gaita de beiços virtuosa- Aí, como foi bom (para mim) recordar aqueles
mente tocada pelo nosso Tesoureiro. Algumas ane- anos cinquenta em que se cantavam missas sole-
dotas – umas imberbes e outras muito barbudas nes a quatro vozes, com acordes sublimes de faze-
133 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

rem pôr os cabelos em pé! Palavra que senti sauda- Esta apreciação que aqui deixo é minha, é pes-
des daqueles tempos. E, Deus louvado, talvez me soal, portanto. Poderá ser defeituosa, exagera-
tenha até distraído um pouco a recordar. damente pessimista. Todavia, para mim é essenci-
À missa, o Rev. Superior Geral, com as suas tra- almente uma apreciação sincera. Por isso, gostaria
dicionais facilidade de expressão e clareza de pensa- que ela fosse tida por aquilo que na verdade pre-
mento, fez breve homilia baseando-se nos textos li- tende ser: crítica construtiva, chamada de atenção
túrgicos do dia. E suponho que cada um de nós teve, para escolhos no caminho que a ARM vai trilhan-
naquela missa, motivo para mais uma tomada de cons- do (e a ARM somos nós, armistas), quebrar de lan-
ciência de que cada qual, no pequeno mundo que o ças que às vezes teimosamente mantemos afiadas
rodeia, deverá dar testemunho de Cristo. uns contra os outros.
Há que rectificar? – Sem dúvida.
A Assembleia Geral Há que renovar? – Absolutamente.
Mas essa rectificação e essa renovação terão de
Depois da missa, nas “mini-reuniões” de gru- ser efectivadas na união, na associação de esforços
pos e, a seguir, na Assembleia Geral é que se fez a de nós todos: os do Norte, os do Centro e os do
“vindima” das ideias dos presentes sobre a ARM. Sul, os antigos e os mais novos.
Em minha opinião, nessa “vindima” colheu-se Só assim seremos uma verdadeira ARM.
– é pena! – muita parra e pouca uva.
Na verdade, além de uma mais activa partici- O almoço
pação dos novos na discussão dos problemas da
ARM – sinal de certo interesse –, uma só coisa fi- Depois da Assembleia (e porque ao longo dela
cou de positivo: o esboço de uma ideia que todos já tinham chegado insistentes “S. O. S.” dizendo
gostaríamos de ver concretizada – o estudo prévio que o arroz estava quase frio), fomos “vindimar”
dos assuntos a debater nas futuras Assembleias da para o refeitório, onde nos esperava um “bem avi-
nossa Associação. ado” almoço, oferta do Seminário.
Em boa verdade, falou-se muito e disse-se pouco, Aí, sim! Todos encheram o “cesto”, pois as
como sempre acontece quando o tempo é escasso para “uvas” eram apetitosas e parece-me que nem
tratar muitos assuntos ou quando se age de improviso “parras” havia naquela “vinha”.
e sem ordem de trabalhos pré-estabelecida. E parece- Findo o almoço, deu-se um passeio pela velha
me que de ambos estes males enfermou a nossa quinta para recordar tempos antigos, para… esmo-
Assembleia de 15 de Outubro passado. er e para “vindimar” mais uns marmelos, também
Com efeito, desde a controversa apresentação gentil oferta do senhor padre ecónomo.
das Contas do exercício de 1972 (e as de 1971?) à
desnecessária e repisada apresentação de alguns Debandada final
temas para discussão; desde a intervenção desor-
denada no debate, por parte da maioria, à sistemá- Por volta das cinco da tarde começou a deban-
tica confusão de ARM (Associação) com Boletim dada.
(órgão da ARM); desde a velha rivalidade (nem E, se a viagem de ida foi alegre, gaiata, despor-
sempre sadia, em minha opinião) entre os do Norte tiva, a de regresso “atirou” mais para o sério. Re-
e os do Sul à recente “rivalidade” (uso aspas nesta zou-se o terço, o Padre Agostinho Rodrigues deu
palavra porque a não compreendo sem elas) entre uma “conferência de imprensa” sobre a Sociedade
armistas antigos e modernos; tudo isto, pareceu- Missionária – realizações, projectos, expansão no
me, foi “vindimar” muita parra e pouca uva, pois o mundo – e, quando nos precatámos, estávamos em
“sol” das ideias claras não conseguiu entrar naque- Lisboa, depois de um dia cheio, dia que abriu em
la discussão e foram bastantes as “chuvadas” de todos nós (suponho) um grande “apetite” de fazer
palavras mais ou menos vãs, mais ou menos inú- mais e melhor pela nossa ARM.
teis que “apodreceram” quaisquer “uvas” que da- A. Malhão
quela Assembleia se pudessem colher. (Bol 43, Out/Nov 1972, pp. 2-3)
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 134

(17). A ARM E O FUTURO (18). HORA DECISIVA – ARM EM CAUSA

A ARM, como associação de pessoas, é um pro- Há quem diga que “após o 25 de Abril” já não se
jecto colectivo que terá de evoluir através de um justifica a existência da nossa Associação, que não
confronto dialético com a realidade e as circuns- tem razão de ser, que é anacrónica, que não tem qual-
tâncias. A estagnação é sinónimo de letargia e mor- quer utilidade, que já não tem qualquer papel a de-
te. E é do confronto das opiniões e das vivências sempenhar, que isto, que aquilo, que aqueloutro...
das pessoas que a formam que surgirão e serão pros- Outros, pelo contrário, uma vez que agora há
seguidos os seus objectivos. Ninguém está dispos- liberdade de associação, defendem a sua continua-
to a colaborar em fins com que não se identificou, ção e dedicam-lhe mesmo, pelo menos, algum do
a que não aderiu conscientemente ou que, de qual- seu tempo livre, tentando salvá-la, dinamizá-la, até,
quer modo, não ajudou a formular. se possível…
A ARM é uma associação de que é preciso tirar Razões, algumas fundamentadas, há-as de am-
todas as potencialidades. Une-nos o passado e a bos os lados, embora aqui e ali, à mistura, se
educação comuns. Mas não podemos viver o pre- descortinem por vezes sentimentos um tanto ou
sente na contemplação nostálgica desse passado. quanto contraditórios. Egoísmo, comodismo, ine-
Apoiar-nos-emos nele, aproveitando todas as suas ficácia do serviço social existente, jactância, com-
virtualidades, para trabalharmos o presente, cons- plexos os mais variados, recordações, confrater-
truindo o futuro. nização, idealismo, etc…, de tudo há um pouco...
Na ARM queremos encontrar e cimentar a ami- É evidente que uma associação pós-25 de Abril
zade, a entreajuda, a solidariedade e a alegria de não pode continuar a reger-se pelos figurinos do
vivermos um projecto comum. tempo da “outra senhora”. Mas de quem depende a
Na formulação desse projecto, a este Boletim sua modificação?
caberá uma parte importante, pelo confronto de Crítica destrutiva não adianta seja o que for nem
opiniões e informações da vida da ARM e dos a quem quer que seja. É necessário apresentar su-
armistas. gestões concretas, práticas...
Ao Dr. Albino dos Santos, que o dirigiu duran- A hora é de acção e não de palavreado oco...
te tantos anos, queremos expressar o nosso reco- É necessário que todos se debrucem sobre este
nhecimento pela lição de trabalho, dedicação, sa- assunto, que todos tomem parte activa no debate,
crifício e vontade de servir que nos deu. que todos colaborem... É tarefa de todos...
A sua colaboração e orientação vão continuar a Aproxima-se a assembleia geral. É boa altura para
ser-nos úteis. Pois deixa de dirigir o Boletim, não meditação e modificações de fundo, se necessário...
para alijar responsabilidades ou fugir ao trabalho, J. Soares
mas somente porque não quis cair na tentação do (Bol 52 (1.ª Série), Jan/Fev 1975, p. 1)
imobilismo nem de se julgar insubstituível.
Queremos que o Boletim seja um verdadeiro ór-
gão informativo da ARM. As suas páginas estarão (19). CRÓNICA DA ARM (NORTE)
abertas a todos e serão um ponto de encontro de todos “Nada mete medo aos do Norte!”
os armistas ansiosos por construir algo de válido.
Não podemos encontrar-nos e reunir-nos só para Quisera eu ter “um estilo grandíloquo”, para
fazermos romagens ao passado, recordarmos ve- deixar à posteridade memória condigna daqueles
lhos tempos e encontrarmos velhas e novas amiza- que, contra ventos e chuvadas torrenciais, conse-
des. Temos de construir, de fazer algo. Individual- guiram chegar, naquele dia 4 de Outubro, ao semi-
mente, mas também em grupo, em associação. nário de Valadares. Era a Reunião Regional.
Precisamos de repensar a ARM. Pois é este o Todo o santo dia choveu: ora em bátegas desa-
desafio que a ARM nos lança. bridas, ora em copiosas chuvadas. E, quem espera-
Vítor Borges va, vivia intensamente a entrada dos heróicos
(Bol 50 (1.ª Série), Mar/Abr 1974, p. 1) armistas e seus familiares.
135 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

– Olha quem ali vem todo encharcado! Entra que é como quem diz, o convívio. Travessas de sar-
para aqui, rapaz. dinha, e cestas de boroa a correr pelas mesas, gar-
– Mais uma cara nova?... – Sou de 1960 e trago rafas e copos em sinfonia, arroz de frango (que sa-
comigo este de 1961. Foi por acaso que soubemos bor!), malgas de caldo verde com a respectiva ro-
da Reunião e viemos pela primeira vez. dela de chouriço. Conversas, alegria, desorganiza-
Cumprimentos, abraços e apresentações aque- ção bem organizada, muita e muita amizade – uma
ciam o ambiente, faziam esquecer a chuva. Lá es- família em festa.
tavam padres de veneráveis barbas brancas, de ca- Honra às senhoras, que se desdobraram no ser-
belo falheiro. Via-se rapaziada nova de todas as viço à mesa (e... no assalto à cozinha!), que nisso
idades, desde os 15 aos 80 anos, de lindas carecas ninguém as ultrapassa.
bem penteadas; grupos falando e gesticulando; es- Numa parede, via-se a tão falada e muito dis-
cutavam-se recordações do passado – o teu nome cutida EXPO-ARM 81 – “para ver, rever, reviver”
andou na baila. Sentia-se bem viva a nossa juven- – que durante toda a semana provocara uma onda
tude, contando-se como de ontem o que havia mais de saudade. Eram fotografias antigas – algumas pré-
de quarenta anos contecera – até um certo tabefe históricas –, eram recortes de revistas e jornais, era
doía... o cantinho do Boletim da ARM (extinto). Dísticos
– Na realidade, antigamente notava-se mais ri- ajudavam a reconstituir os nossos “Bons Velhos
gor na disciplina, mas posso garantir que tratáva- Tempos”. Porém, muitas lacunas; notou-se muitos
mos os rapazes com amor, salientaria o P. Canas anos sem um apontamento. Tais falhas desencade-
emocionado. aram logo ali no Bastos (António de Oliveira), ele-
Entretanto, aproximava-se a hora da missa e o mento da Direcção da ARM, a ideia de iniciar um
Coro da ARM (referido no convite) dava os últi- repositório de recordações – um Museu da ARM.
mos retoques para a estreia. Foi um sucesso tre- – Deixem-me levar esta Exposição para Lisboa,
mendo. Sob a segura regência do nosso maestro Pi- que eu tenho lá muito material e faz-se uma coisa
nho (José Dias) cantou-se com entusiasmo, a coração em condições. Apelo a todos quantos tenham foto-
pleno. Exibição de brilhantismo inexcedível, durante grafias (amareladas mesmo), cadernos de exercíci-
a Concelebração Eucarística. Pena que os de S. João os (quanto mais gatados melhor) com notas de to-
da Madeira e arredores não tivessem comparecido – dos os tamanhos, livros antigos, boinas doutrora –
poder-se-ia falar de orquestra. tantas coisas que nos fazem reviver...
“A vossa missão no mundo” foi assunto para a Há por aí quem tenha velharias... no sótão, numa
homilia do nosso P. Castro Afonso. Com emoção gaveta, que nós bem o sabemos. Desencantai isso.
referiu-se também à “sua”, isto é, a sua partida para Nem fazeis ideia do que se sente diante dessas relí-
a Zâmbia. É que, naquele dia e àquela hora, disse, quias!
estavam a ser entregues três paróquias à Sociedade Lá para o meio da tarde, deixando às senhoras a
Missionária nesse País. nobre tarefa de arrumar a louça (é verdade: partiu-se
A seguir, a SARDINHADA! Ao ataque! – foi a algum prato ou copo de plástico?), os armistas reuni-
palavra de ordem. ram-se com a Direcção, que queria dizer coisas.
Fogareiros acesos, sardinhas nas grades – vira Queria dizer-nos da sua regularidade em reunir
daqui, vira de lá –, todos os elementos da Direcção mensalmente, da sua vontade de contactar com o
da ARM na primeira linha. Casacos fora, mangas maior número das muitas centenas de antigos alu-
arregaçadas, caras enfarruscadas – eles aí estavam. nos e irmãos (os cinco que apareceram pela pri-
E, seguindo as normas do Meu João ainda em meira vez apoiaram a referência), queria falar-nos
vigor – “trata de ti, João” –, raptaram umas garra- do esforço de actualizar o ficheiro e renovar o ma-
fas, uma cesta e boroa e... zás! vamos a isto: assan- terial de secretaria, informar-nos do pequeno
do e comendo – assando e bebendo... era de ver! pecúleo financeiro da tesouraria – um a um, todos
Enquanto isso... lá para dentro, no refeitório, se confessaram ali – e pedir-nos opiniões.
“a arraia miúda”, padres, gentes da cozinha, damas Sobre a data e forma de celebrar para o próxi-
e cavalheiros – tudo iniciara o “stridor dentium”, mo ano a Reunião Geral da ARM, em consonância
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 136

com o Cinquentenário da Sociedade, o P. Teixeira (20). REFONTALIZAÇÃO


adiantou que se pensa organizar uma Peregrinação
a Fátima, uma Visita aos Lugares Santos, mas ain- Inspirados pelo Espírito Santo, que nos regene-
da sem um esquema definido. rou, voltamos à Casa-Mãe, guiados pelo nosso Su-
A rapaziada do Norte mostrou a sua preferên- premo Pastor, que aqui levamos em efígie, no dia
cia pelo mês de Maio tradicional nestas Reuniões; do seu aniversário, como lábaro de paz e frater-
seria interessante que coincidisse com alguma fes- nidade.
ta íntima da Sociedade, de forma que missionári- É sempre reconfortante o regresso às origens.
os, padres, alunos, irmãos e a ARM se juntassem E nós, que fomos temporariamente chamados para
num convívio familiar. dar Cristo ao mundo do nosso trabalho, vamos desta
Propôs ainda a Direcção se criasse uma Comis- vez em boa companhia.
são Instaladora da Delegação da ARM no Norte, O Espírito Santo – que hoje se celebra – e que
que, presidida pelos armistas Alves Pereira e Veiga, nos acompanha; o Sumo Pontífice, que festeja os
contasse com a colaboração dos três Franciscos – seus anos e que com o seu Totus Tuus nos estimula
Costa Afonso, Costa Andrade e Soares Moreira. e aconselha a confiarmos em Maria, a Rainha do
Pretendia que servisse não só o Porto, mas tam- Mundo, a entregarmo-nos nos seus braços como
bém os distritos mais chegados. Atenção Braga, Mãe nossa e nossa Padroeira, Ela que também é a
Viana, Vila Real, Bragança, Viseu, Aveiro e Guar- Rainha das Missões.
da! Marcai presença; o Porto está à escuta. Quem é Duas datas queridas e três factos – que empol-
o primeiro? gam nossos corações e nos enchem de amor e de-
O P. Castro Afonso despediu-se, para avançar voção à Causa que esteve na origem desta nossa
para a Zâmbia; o P. Fernandes abraçou-nos efusi- Casa e que suscitou grandes glórias da Igreja e da
vamente – seguia para o Brasil; também para lá ia Pátria.
o P. Julião Valente. Este, porém, dirigiu-nos pala- E nós, humildes na nossa insignificância, mas
vras de incitamento, chegou mesmo a empolgar a sabendo que Deus precisa de nós para a realização
rapaziada, quando proclamou, alto e bom som, que dos seus desígnios, vamos à FONTE matar sauda-
todos nós somos a Sociedade Missionária – eles na des, alimentar-nos com o leite materno, fortalecer
frente, nós na retaguarda – mas sem distâncias nem as nossas almas ao calor do ideal que norteou os
barreiras, sem aqueles conceitos tão deprimentes heróis de antanho que aqui nasceram para a auréo-
que separavam “os que saíam dos que ficavam”. la dos bravos e dos santos.
Ideia esta que vai tomando forma e que nos deixa a Incitados pelo exemplo de tão insignes varões,
convicção de que, dentro da Sociedade, somos uma como o Beato Nuno e D. António Barroso, e ajuda-
força positiva e indispensável para congregar e con- dos pela Virgem Santíssima, também nós quere-
ciliar gerações. Nós vimos e sentimos como os pró- mos colaborar no projecto grandioso da Igreja, que
prios padres aguardam ansiosamente e vivem com é a obra das Missões, para apressamos a vinda do
entusiasmo as nossas reuniões. Reino de Cristo.
No final, e já presentes as senhoras e outros fa- Chamados temporariamente, somos missioná-
miliares, foram-nos mostrados slides da última reu- rios part-time.
nião de Tomar. Belas imagens! É este o propósito e significado da nossa vinda
Cantámos com emoção e lágrimas a Salve Re- aqui, neste memorável dia.
gina. Queira a nossa Mãe e Rainha favorecer e santi-
Começavam as despedidas. O dia fora inesque- ficar os nossos anelos para que Cristo desça em
cível; não apetecia ir embora. Havia no ar a im- breve a todos os corações e reine no mundo inteiro
pressão de que tudo fora bem organizado – per- e haja assim um só rebanho e um só Pastor.
guntem ao Alves Pereira como conseguiu. VENI, CREATOR ESPIRITUS!
DUPRÉ dixit Albino Santos
(BN, Dez 1981, p. 28) (Bol Ed. Especial, Mai 1986, p. 1)
137 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

(21). DESCOBRIMENTOS E CAMINHOS todos nós para que foi criado. E assim nos manterá
unidos e mais irmanados.
Estamos na década das celebrações do 5.º Cen- O título acima escarrapachado quer lembrar-nos
tenário dos Descobrimentos de Portugal e Espanha hoje a todos nós por um lado as muitas e variadas
pelos mares do ocidente e do oriente. É mérito dos aulas de latim desde os ilustres professores que ti-
portugueses terem contribuído decididamente para vemos e/ou humildemente fomos aos exercícios
alargar os limites do mundo do século XV e abrir mais dificeis ou facilitados por colegas mais
caminhos entre os cinco continentes. felizardos que ajudaram a ultrapassar os “hic opus
Cinco séculos mais tarde, é mérito de americanos labor est” ou os “-bus illis”. Bons tempos aqueles em
e russos terem no século XX alargado os limites da que – crianças ainda imberbes! – aguentávamos com
Terra para o espaço e aberto os caminhos até à Lua. aquelas tarefas que hoje solenes barbados que por
Há ainda muitas dimensões do mundo dos ho- aí se passeiam não se “astrevem” a enfrentar.
mens por descobrir, muitos caminhos a abrir e Pois muito bem nos fizeram e fazem. São parte
muitos limites a ultrapassar. Um desses limites é o de nós: em parte, somos o que nos fizeram! O agir
do egocentrismo que gera o egoísmo donde nas- está de acordo com o ser. Três verbos. Ou melhor:
cem todos os ódios, desentendimentos e confIitos. um só – sequitur (depoente) = segue – a unir dois
Como ultrapassá-lo? Descobrindo e desenvol- verbos substantivados, o “agir” (acção) e o “ser” (a
vendo laços de solidariedade que gerem comunhão pessoa, a essência)...
e participação. Para aqueles que foram mais adiante, até às fi-
A ARM é um grupo de pessoas que passaram losofias, o “agere sequitur esse” fala mesmo de fi-
anos da adolescência em comum e que nesses anos losofia, da filosofia da vida. Da vida que se desdo-
puderam familiarizar-se com o mundo visto na pers- bra em acções. Que deve manifestar-se. É uma
pectiva de Deus e do bem que Deus quer para to- consequência (vem de sequor!). AfinaI, mais sim-
dos. Alguns dos seus colegas, hoje padres ou ir- plesmente, temos, precisamos de manifestar o que
mãos leigos, fizeram-se missionários e percorrem somos, o que nos fizeram, o que queremos ser, o
este mundo carecido de fraternidade com o projec- que professamos.
to divino da salvação. Desta frase tão simples podemos tirar mil li-
Alimentar com companheiros da adolescência ções, muitas consequências. O ditado latino e filo-
uma visão do mundo com valores divinos, lembrar sófico não é assim tão incoerente. Tem mesmo fi-
os colegas que tentam dar corpo a esses valores em losofia para a vida.
continentes longínquos, ou colaborar com eles nes- Mostrarmos o que somos nas variadas instân-
ses planos de Deus, pode contribuir para dilatar as cias ou níveis, nos diversos sectores ou campos,
dimensões deste mundo e abrir novos caminhos à nos devidos tempos ou momentos. Sem comple-
humanidade tanto ou mais que a escola de Sagres xos, sem vergonhas falsas, conscientes do
ou a academia da NASA. contributo que podemos e devemos e esperam que
A ARM faz agora 50 anos. É a maturidade, a demos. Há muita, muita riqueza (agere) de muitos
idade das realizações. armistas (esse) que está a fazer falta “hic et nunc”.
Os colegas que somos missionários estamos É questão de nos lembrarmos que há muitos à es-
prontos a colaborar. pera de muitos que somos muitos mais. Cada novo
Pe. Manuel Castro Afonso que volta renova-se e renova.
(Bol 50 (2.ª Série), Set/Out 1993, p. 1) 1994 é ano de celebrações e estas, como sem-
pre, remexendo no passado, incendeiam o presente
e alumiam o futuro.
(22). AGERE SEQUITUR ESSE Que a luz que vimos e somos não é para meter
debaixo da cama. Tem de se manifestar.
Espaço de recordações hão-de ser também as Dizia o grande Claudel: vós, que vedes, que
páginas do nosso jornal que em bons dias nasceu. frzestes à luz? Alguns se lembrarão do que antiga-
E só assim se há-de manter e crescer no serviço a mente se cantava, num hino, em Cucujães: “Há
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 138

caminhos não andados que esperam por alguém... sas: a mais importante – a rede de amizade; a ou-
Avante! Por Deus avante e pela nossa Sociedade!” tra, menos importante, palavra do Reitor, é que
Pe. Viriato Matos metade das despesas do Seminário são pagas pelos
(Bol 52 (2.ª Série), Jan/Fev 1994, p. 1) antigos alunos.
Não estou pedindo dinheiro. Sei que antigos
alunos colaboram muito com os missionários que
(23). EDITORIAL estão lá na frente; e, o mais importante, alguns pro-
movem as redes de amizade e solidariedade, nos en-
Este primeiro ano de Superior Geral tem sido contros regionais. Com Deus no meio, isso é Igreja.
para “descobrir Portugal”, conhecer os membros Esta conversa mole foi escrita no dia 21 de Abril
da Sociedade, as missões e também os armistas. (feriado no Brasil em honra do Tiradentes que “mor-
Aos poucos fui tomando pé na ARM. Na reu- reu” pela independência do Brasil) e no dia 25 (de-
nião de Outubro, passei correndo, porque coinci- mocracia em Portugal?) veio o Ponciano pedir-me
diu com a minha partida para Angola. Depois fui um editorial para o próximo boletim. Vai essa con-
encontrando o Ponciano e outros aqui em casa, em versa mole que eu escrevi para ir num canto do
reuniões, a elaborar o jornal, a fazer prestar servi- jornal e não na primeira página. Sei que entre os
ços a esta casa. E, num Domingo, levaram-me até antigos alunos da Sociedade existe uma grande di-
à casa rústica do Armindo Henriques onde um pe- versidade de pessoas e mentalidades. Penso que a
queno grupo se divertiu à vontade e comeu muito ARM pode fazer muito mais do que criar redes de
bem. Fui descobrir que Lisboa, além de um amon- amizades. Essa é a base. O resto fica para outro
toado de casas e carros, é formada por redes de editorial, até porque não cabe a mim estabelecer
amigos. E a ARM está tecendo uma dessas redes. objectivos para a ARM.
Apesar de não ter conta em banco, nestes dias Lisboa, 25 de Abril de 1995
recebi um telefonema dum Banco. Levei mais de P. Jerónimo Nunes
um minuto a lembrar quem seria o Dr. Saloio. Vós (Bol 56, Abr/Mai 1995, p. 1)
não conheceis porque não é da ARM, é dos antigos
alunos do Fundão e da Guarda. Foi lá que eu fiz
quase todo o curso. Era o convite para o jantar de- (24). MAGUSTO, QUE MAGUSTO!
les. Apareceu muita gente que eu não via há 30 ou
quase 40 anos. Lembram-se do Seminário mais do Quem houvera de imaginar que o dia 19 de
que eu. E lembraram uma data que eu nunca iria Novembro surgiria triunfal do meio das chuvadas
lembrar: dia 7 de Outubro faz 40 anos que entrei tempestuosas da semana anterior! E, no entanto,
no Seminário, junto com mais 77. Poucos andam foi o que realmente aconteceu, para gáudio dos ra-
perdidos, porque alguém que não é direcção de nada pazes do Porto e zonas circunvizinhas.
mas cuidadoso em manter amizades velhas, das Nunca, em tempo algum, se juntou tanta gente
boas como o vinho, tem os telefones de quase to- e tantos estreantes numa Reunião Regional da De-
dos e anda à procura dos restantes. Como metade legação do Porto. E tudo talvez com a ajuda, com a
vive em Lisboa ou arredores, vamos começar a feliz coincidência de ter sido distribuída dias antes
encontrar-nos. Para comemorar a data? Para já o a lista completa de todos os antigos alunos por to-
importante é reencontrar-se. Talvez lá para o fim dos os que nos era possível contactar, por termos
do ano vamos ver o que sobrou dos castanheiros da em nosso poder a morada de mais de 500! É obra!
Gardunha. Sim, senhor!
Contei metade desta história ao Ponciano e ele E assim compareceram (apareceram), pela vez
pediu-me para o ajudar a estabelecer um contacto primeira, uma data deles, com o espanto de não
entre a ARM e os antigos alunos do Fundão. Um imaginarem como foi possível dar com eles. Mas
dia vou descobrir quem é a Direcção deles. Na reu- entraram na festa com a maior das alegrias, como
nião, a presidência era do Reitor do Seminário que se estivessem no primeiro dia em que, meninos,
veio a Lisboa para isso. Mas já percebi duas coi- entraram no seminário.
139 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

Logo se procedeu a uma pequena Assembleia teira... Cala-te boca! O tempo estava a desafiar,
Regional, presidida pelo Pe. Viriato, com a coadju- estava mesmo na conta, peso e medida. A mocida-
vação do Ponciano, presidente da Direcção, e do de (dos 20 aos 90) entretinha-se em amena confra-
Costa Andrade, delegado do Porto. Nela se tratou ternização. Ninguém queria arredar o pé.
de assuntos correntes a nível nacional, nomeada- Há que perguntar ao chefe da malta do Porto
mente sobre a lista dos antigos alunos, que saiu com como é que conseguiu um magusto tão animado e
algumas deficiências, apesar de muito e extenuan- numeroso. Ao que percebemos a ARM está a en-
te esforço da Direcção, a nível delegacional – con- trar na sua época áurea. Qualquer dia não cabemos
tas da Delegação, e a nível da Sociedade – coope- todos. Ver para crer!
ração dos leigos (de nós, os leigos), no campo mis- Mário Veiga
sionário. (Bol 58, Out/Dez 1995, p. 6)
Prestou-se uma sentida homenagem ao Dr.
Albino Santos, falecido há algumas semanas, na
presença da viúva, Dra. Rosa Pires, ela que sempre (25). VOLTA À ÁFRICA
esteve presente com o marido nas actividades da
ARM. E tão sentida foi que o orador, Dr. Nereu Em fim de Novembro fui para Moçambique e
Santos, falou com a voz embargada daquele que Angola. Foram 4 meses de viagem a visitar missi-
foi um dos pioneiros e pai da nossa Associação, onários, conviver com o povo e com as Igrejas. Es-
seu dinamizador de todas as horas e homem católi- crevi uma dezena de artigos que mandei para jor-
co exemplar. nais das dioceses de Portugal a tentar sensibilizar
Para marcar a data, a viúva abriu ali mesmo uma os cristãos para a situação daqueles povos. A Boa
bolsa de estudos com o nome do homenageado. Nova e a Cruzada estão a publicá-los. Que direi de
A seguir, na santa missa, sufragaram-se as al- novo neste pequeno artigo?
mas dos armistas falecidos ultimamente a começar O que se diz por aqui nos jomais e tv é só meia
na do Dr. Albino até aos sacerdotes da SM. verdade. África está nos media quando há desas-
No final, o Reitor, Pe. Artur de Matos, convi- tres, guerra, refugiados, fome, corrupção. Tudo é
dou-nos para um repasto modesto (na sua opinião), verdade, mas não é toda. Que sabemos das 112
que para nós foi um jantar em comum, à moda an- etnias que vivem em Angola a tentar unir-se numa
tiga, entre padres, seminaristas e armistas. Soube- nação com cultura própria e um desenvolvimento
nos como um lauto banquete. que respeite a sua personalidade? Que houve uma
Houve ainda um desafio de futebol entre duas guerra... Que sabemos de 50 % de moçambicanos,
equipas nacionais (os do seminário contra os da as- crianças e adolescentes em busca de um lugar na
sociação). E que bom futebol! E que grandes reve- escola e de comida para a boca? Que l %, ou me-
lações! Entre todos sobressaíram os guarda-redes nos, são marginais e podem assaltar o incauto que
que defenderam tudo menos as bolas que lhes fu- passa na rua... Que sabemos dessas Igrejas que se
giram. O árbitro foi absolutamente “imparcial”, fortaleceram em 20 anos de perseguição marxista
chegando ao ponto de marcar um penalty. Só as- e hoje têm que receber milhões de jovens catecú-
sim se compreende o empate a 5-5, digno das me- menos à procura de Cristo e de um sentido para a
lhores formações internacionais. Foi pena não po- vida? Que rezam dançando em liturgias coloridas...
dermos contar com os atletas de ambos os lados, Esforcei-me por entender essas realidades.
que, por se desconhecer a morada, se encontram Além de ver, li, estudei, perguntei. Não entendi
em parte incerta. tudo. Entender o essencial da vida de um povo leva
Até que se chegou ao ponto culminante: a anos. Eles gostariam de falar. O que li sobre a TV
pruma, as castanhas, a fogueira e – é claro! – a pin- África que está a ser montada para os PALOPS é
ga. Era um pandemónio! As mulheres meteram-se que eles temem que seja uma TV portuguesa feita
no barulho: assando, comendo, bebendo e “explo- para eles, não deles. Que meios eles têm para se
rando” o bom coração dos convivas, sobretudo os colocarem ao nível dos técnicos daqui? No entanto
da última hora. O coração fica protegido pela car- eles têm uma riqueza humana enorme: a solidarie-
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 140

dade, a hospitalidade, a imaginação, a arte da fala, os que não são cristãos respeitam a memória de D.
do canto, do corpo, do espiritual. Dizer que eles Medeiros, o homem que fez Timor. Talvez a cris-
podem ser bons corredores e futebolistas é só uma tandade de Timor seja o fruto maior de Cernache,
parte da verdade. Há uma riqueza humana diferen- no século passado.
te que eles podem partilhar, apesar dos seus fracos Além da sabedoria e da coragem pessoal de D.
meios técnicos. Ximenes Belo e do seu irmão de Baucau, é essa
As jovens igrejas ainda precisam de missioná- cultura de origem cernachense que dá à Igreja a
rios, padres, religiosas e leigos. Mas já têm muitas autoridade para ser a voz dos sem voz, uma parte
vocações para cada um desses ministérios. Preci- importante na mediação da paz. Mas a cruz do povo
sam de formação, mas já têm muito a ensinar: di- timorense está pesada de mais. Eles ainda não ti-
namismo, ecumenismo, integrar oração e preocu- veram o seu 25 de Abril. E um timorense cristão ou
pação pelo outro. Precisamos terminar o nosso se- de religião tradicional, ou sem religião nenhuma,
minário do Maputo, aumentar o de Angola, reno- não vale menos que um Kosovar muçulmano. As
var o do Brasil. Muitos querem ser missionários. guerras hoje não são religiosas, embora pareçam.
As comunidades querem contribuir para a Missão São económicas e de alta política.
noutros povos. A lndonésia tem dificuldades em ceder porque
Em 98 Portugal terá um ano missinário: Ano tem interesses e milhares de ilhas com anseios se-
do Espírito Santo – Ano da Missão. Os institutos melhantes. Resolvendo este problema de acordo
que por lá andam querem apresentar de forma mais com os desejos dos timorenses, abre esperanças a
sistemática a todos os portugueses as vantagens que outros semelhantes. Mas a essa ela não vai fugir.
teriam em abrir-se a outros povos, a riqueza que O mundo tem que caminhar muito para saber
receberão se se derem mais. Celebrações, campa- viver na convivência pacífica dos diferentes. E o
nhas de solidariedade, mais informação nos media, caminho não vai a direito. Neste fim de século,
a vinda de alguns representantes dessas Igrejas até parece que volta atrás. Viver globalizações uni-
aqui, convites a ir até lá. Portugal pode olhar mais versais, respeitando os direitos e as culturas lo-
para essas Igrejas que ajudou a criar. cais... Quem estiver sem pecado que atire a pri-
Vêm aí a Expo, os turistas, o exótico dos países meira pedra. Não imagino Habibe, Milosevic,
descobertos, as glórias do império. Tudo bem. Vá para Clinton ou Solana com esse direito. Mas a cultura
fora cá dentro. Descubra outros povos. Redescubra a de violência deles difunde-se perigosamente em
história. Que a festa e os milhões gastos nos abram muitos ramos da vida e das actividades sociais ou
horizontes. Para sermos mais humanos. económicas.
P. Jerónimo Nunes Mas eu queria também falar das guerras não
(Bol 62, Out 1996 / Abr 1997, p. 1) mediáticas e que desapareceram dos écrans. On-
tem recebemos de Angola a notícia de que o gover-
no vai fazer valer a lei do serviço militar aos 21
(26). AS GUERRAS E A PAZ anos. Até agora, o costume era “cangar” (levar à
força) jovens às portas das escolas, às vezes com
Todos nós somos corresponsáveis pelo que está 13 ou 14 anos. Seguir uma lei, parece um pro-
a acontecer em Timor. Foi um numeroso grupo de gresso. O problema é que os jovens de 21 anos
padres de Cernache que, no final do século passa- não vêem nenhum patriotismo em entrar nesta luta
do, fez aquele povo ser cristão, falar português, fratricida. Os seminários vão mandar para casa os
escrever o tetum, ter uma cultura diferente do país jovens de 21 anos. Os Bispos não conseguiram a
envolvente e hoje dominante. Eram liderados por sua dispensa do serviço militar. Em Janeiro entra-
D. António Joaquim de Medeiros, Bispo Auxiliar rão para o exército, por dois anos e meio ou mais,
de Macau, formado em Cernache, que viveu e mor- os que terminarem a teologia. Significa que não
reu em Timor. D. Medeiros morreu há cem anos, haverá padres nos próximos 3 anos. Mas, se há
mas a sua obra ficou. O cristianismo inculturou-se, moralidade e comem todos, também não haverá
tornou-se parte da maneira de ser timorense. Até novos médicos, novos professores, etc. E assim
141 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

se destrói um povo e o seu futuro. Sem falar nos centro de Joanesburgo e aí apanhei o autocarro para
mutilados, refugiados, esquecendo as crianças e Maputo.
as mulheres que pagam o pato bem pago porque Até Ressano Garcia, na fronteira, são 400
já estão habituadas a carregar o maior peso, a can- kilómetros, feitos metade em planície fértil de pla-
tar e a gingar para serem o esteio da vida. nalto e a outra metade no prolongado vale do cro-
Para quem acredita na ressurreição do crucifi- codilo, província do Transval. Mal entrei em
cado, há a esperança de que Deus é capaz de escre- Moçambique a diferença nas estruturas e qualida-
ver direito por linhas tortas. Angola, Timor, Kosovo, de de vida, para pior, era notória. Em Maputo es-
Sudão, Eritreia, os índios brasileiros (tiveram festa perava-me Pe. Jerónimo. O Seminário da Matola,
dia 21), os ciganos, as vítimas de Denver... (que cidade satélite de Maputo, foi a minha residência
mistura eu fiz... não adianta pensar que isto é só base.
problema dos negros!) vão ressuscitar. Estão a com- Orientado por Pe. Godinho e a colaboração de
pletar a paixão de Cristo, para que este mundo de Pe. Anisberto, este simpático Seminário, concebi-
individualismos se salve. Para que nós nos salve- do e terminado com Pe. João Almendra, prepara
mos. Mas bem merecem uma Verónica. algumas jovens vocações, decorrendo aqui também
Num mundo globalizado, não adianta meter a ca- o noviciado de quatro seminaristas de cor: três an-
beça na areia. Todos somos corresponsáveis. Quem golanos e um moçambicano.
tiver algum poder de influência para que a vida vença Com eles e aos 61 anos senti-me de novo semi-
neste mundo de tanta morte, que a exerça hoje. “Eu narista. Participava nos vários actos comunitários
vim para que todos tenham vida” – Jo. 10, 10. procurando dar e receber. Foi maravilhoso ter tido
P. Jerónimo Nunes a oportunidade única de assistir ao juramento des-
(Bol 67, Set 1998 / Abr 1999, pp. 1 e 8) tes rapazes numa linda cerimónia concelebrada por
vários dos nossos missionários.
Bem perto do seminário vivem também os Pes.
(27). POR TERRAS DE MOÇAMBIQUE Vicentinos da Congregação da Missão e ainda as
Irmãs Filhas da Caridade que colaboraram comigo
Num destes dias tocou o telefone e era a voz do em duas reuniões alargadas com os Vicentinos da
colega Armindo Henriques. Solicitava-me que des- SSVP das oito conferências de Maputo. Ofereci-
se um testemunho da minha visita missionária a lhes a vida em poesia do nosso fundador, o Beato
Moçambique, que ocorreu todo o mês de Agosto António Frederico Ozanam, da minha autoria. Con-
do ano passado. Devo dizer, meus bons amigos, cretizei ainda um donativo em dinheiro que tinha
que é com muito agrado que vos dou notícias desta angariado em Lisboa para ajuda aos pobres visita-
maravilhosa experiência, embora, e por motivos dos por estas conferências.
óbvios, tenha que o fazer muito resumidamente. A Entretanto houve oportunidade de ver a cidade e
ideia andava há muito comigo e concretizou-se na conhecer as outras duas casas da SM: a casa regional,
altura certa. O amor à causa missionária e a minha no centro, e confiada ao Irmão António Pequito, e a
vivência vicentina permitiram a preparação física, da paróquia de Mavalane, entregue ao Pe. Anastácio.
material e espiritual desta deslocação que afortu- Foi nesta paróquia que me foi dado participar numa
nadamente foi coincidente com a do Superior Ge- eucaristia concelebrada em que seus cânticos, gestos
ral, Pe. Jerónimo. e manifestações de júbilo comoveram-me e deram-
O acesso foi por Joanesburgo. Ali, Pe. Gabriel me a conhecer a alegria e religiosidade de um povo
da S. M. esperava-me no aeroporto, conduzindo- simples mas espiritualmente actuante.
me depois à sua missão de Benoni, paróquia e san- Com Pe. Jerónimo e Pe. Simões deslocámo-nos
tuário de Na. Senhora de Fátima. Seus paroquia- à província de Gaza visitando Xai-Xai e Chibuto.
nos são quase todos de origem madeirense. Com A Sociedade Missionária é a evangelizadora de
eles visitei as redondezas, incluindo um monumen- Chibuto na pessoa dos novos missionários, Pes. José
tal centro comercial. No dia seguinte Pe. Gabriel, a Valente, Firmino e Baltar. Podem imaginar a sen-
quem devo o melhor acolhimento, levou-me ao sação de rever e estar no terreno da missionação
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 142

com estes nossos velhos amigos! A sua igreja é ra carismática, o Pe. António Maria Lopes. Com
grande e linda. Sua torre, lateral, orgulha-se da sua ele encontravam-se dois sacerdotes a passar férias
altura e do seu carrilhão com 12 sinos. Lá de cima apostólicas e de cooperação. Nunca poderei esque-
prolonga-se a nossa vista pelo vale do rio Limpopo, cer o jantar que a seguir teve lugar num ambiente
que nesta altura se apresenta como um lago. jubilar de família. Pe. António Maria é para toda a
Não pudemos deixar de visitar a campa do Pe. comunidade católica e maometana da ilha um ver-
Joaquim Cristóvão, martirizado nesta terra. Dois dadeiro pai espiritual, sendo por isso muito consi-
dias depois voltámos a Maputo e preparámos a derado e estimado. Vive numa grande simplicida-
nossa deslocação ao Norte. Por ter trabalhado na de e desprendimento e sua casa, permanentemente
TAP e dada a minha missão aqui, pedi à LAM faci- aberta, acolhe toda a gente. Lembrámos juntos as
lidades de passagem aérea. Podem imaginar a ale- suas aulas de História em Cernache do Bonjardim.
gria que senti quando vi confirmada a oferta de um Passámos a noite e a ilha acordou em toda a sua
bilhete de ida e volta a Nampula! Com Pe. Jerónimo beleza de património da humanidade.
realizámos esta deslocação tendo à nossa espera Após a missa e o almoço partimos rumo a
no aeroporto de Nampula Pe. Agostinho. Este con- Angoche. Só que, poucos quilómetros andados,
duziu-nos à sua missão, bem perto da catedral. Aqui partiu-se a correia de transmissão do carro. Fomos
foi-me dado conviver com os nossos Pes. Valdemar rebocados para a missão comboniana próxima e aí
Dias, Vieira, Tavares Martins, Agostinho, José tivemos que permanecer dois dias. Um ex-colega
Maria e ainda com os Irmãos Edgar e Luís. Escu- meu da TAP mandou-nos buscar e fomos em Ango-
sado será dizer o que foi aquele fim de dia em fa- che seus hóspedes especiais. Pe. Libério mostrou-
mília, abordando os mais variados temas. nos esta bela missão onde apenas ficámos uma tar-
No dia seguinte partimos de carro para Pemba, de e uma noite, o suficiente para me enamorar des-
antiga Porto Amélia. Nestas andanças Pe. Valdemar ta exótica cidade.
foi o nosso motorista. Estávamos de volta a Nampula. Mal cheguei,
O planalto de Nampula estende-se a grande dis- Pe. Agostinho levou-me ao aeroporto para viajar
tância com a particularidade de apresentar montes de regresso a Maputo.
de bizarros monolíticos isolados evocando meteo- Pelas várias casas onde estive fui oferecendo a
ritos caídos do céu. Paragens obrigatórias foram ajuda que me fora confiada em Portugal para as
Meconta, Alua, Ocua, Xiúre e finalmente Pemba. missões. Lembro ainda os bons momentos com o
Aqui receberam-nos Pe. Paulo e Irmão Godinho. Irmão António Pequito e Pe. Álvaro Patrício.
Pe. Albino passava então férias em Portugal. A ci- Na pessoa do Pe. Jerónimo quero agradecer o
dade mostra-se vaidosa com a sua baía, uma das acolhimento carinhoso que me foi dispensado e que
mais lindas do mundo. Nesta missão nota-se entre me fez sentir uma pessoa da casa. Agora, amigos, é
a juventude uma boa envolvência. Experiência in- a vossa vez!
teressante foi a visita a uma paróquia periférica onde Moutinha Rodrigues
todas as casas são palhotas. Apenas a casa paro- (Bol 69, Jan/Mai 2000, pp. 6-7)
quial e a igreja são de alvenaria. Esta apresenta as
paredes interiores com pinturas “naïf” da vida de
Cristo que merecem toda a admiração de Pe. (28). DEUS ESCONDIDO
Jerónimo pela quantidade de fotografias tiradas.
Dois dias depois deixámos Pemba passando de Um dia, Deus cansou-se de ser esquecido pelos
novo por Xiúre onde Pe. António Gonçalves e seu homens. Resolveu esconder-se para que os homens
irmão nos receberam e nos proporcionaram almo- sentissem saudades e voltassem a procurá-lo. Mas
ço. Foi-nos dada aqui a oportunidade de ir rezar onde esconder-se?
junto à campa do mártir Pe. Rocha. Prosseguimos Vou esconder-me no alto da montanha. Um dia
o nosso caminho com destino à Ilha de alguém sobe lá, descobre-me e vai contar a Boa
Moçambique. Era noite quando batemos à porta da Nova aos outros. Os que estiverem com saudades
missão e nos recebeu o meu velho professor e figu- de mim começarão a subir a montanha.
143 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

Alguém lhe disse: É melhor ir para o fundo do Cernache foi aprovado o projecto de turismo rural
mar. Poucos mergulhadores descem a cem metros nas casas dos laicos. Amigos da Sociedade resol-
de profundidade. Será difícil encontrar-te. Os veram colaborar connosco dando as férias e os fins
homons chegarão realmente a sentir saudades tuas, de semana para tratar da biblioteca. Queremos
mas um dia alguém te encontra e todos correrão melhorar as nossas casas, fazer delas centros de
para lá. espiritualidade missionária, para acolherem todos
Outro disse a Deus: Sei dum lugar onde nin- aqueles que quiserem dar profundidade e novas
guém consegue penetrar: o coração do homem. É dimensões à sua vida.
lá que deves esconder-te. P. Jerónimo Nunes.
É aí que Deus continua escondido – disse o (Bol 70, Out 2000, p. 3)
missionário que me contou esta lenda oriental.
O missionário é alguém que descobriu Deus no
seu coração e quer descobri-lo no coração dos ou- (29). NOVO FIGURINO MISSIONÁRIO
tros. Como Deus gosta dos corações aflitos e as
aflições são maiores no Sul e no Oriente, é para o Todos nós que passámos pelos Seminários das
sul e o oriente que os missionários gostam de ir. E Missões tínhamos uma imagem de missionário que
o Deus escondido anda a fazer muitos milagres por respondia à mentalidade do tempo em que por lá
lá: consola os aflitos pelas cheias e pela seca, orga- passámos. Missionárias eram pessoas e instituições
niza escolas para deslocados de guerra, planta “la- vocacionadas para tal. Até na apresentação havia
vras” para eles terem o que comer, motiva e dá sen- algo que caracterizava o missionário: as barbas, a
tido aos jovens sem emprego, cria comunidades, batina branca, o chapéu de coco, uma roda de pre-
reinventa uma Igreja viva. tinhos... Era o tempo.
Colaborar com ele, é fácil. Há muitas maneiras Com a nova consciência trazida pelo Concílio
acessíveis a qualquer um, crente ou não crente. de que missionária é toda a Igreja e que todos os
Neste ano 2000, conseguimos aumentar o nos- fiéis se devem comprometer, pela força da sua fé,
so Seminário de Angola construindo um pavilhão no serviço da evangelização, surgiu uma outra for-
para filosofia. Falta terminar o pagamento ao em- ma de conceber o missionário. A par desta formu-
preiteiro e comprar os móveis. O nosso Seminário lação doutrinal surgiram apelos concretos dos paí-
do Brasil ainda demorará a terminar, mas os semi- ses de missão a exigirem novas formas de presen-
naristas já moram lá dentro e o resto se fará ao rit- ça e outros tipos de actuação. A evangelização é
mo das vocações que esperamos vão crescendo por uma acção plural que tem a ver com todos os as-
lá. Temos quatro seminários maiores (Portugal, pectos da vida dos povos a quem a Igreja é envia-
Angola, Brasil e Moçambique), mas neste ano não da. A acção pastoral, a promoção humana e social
ordenaremos nenhum padre novo. Em Outubro e em todos os domínios, a consciência dos direitos
Novembro teremos três novos diáconos que serão humanos, a luta comum pela justiça e pela paz en-
padres no próximo ano: dois portugueses e um an- tre os povos são novos desafios que pedem outros
golano. interventores.
Em Portugal, conseguimos terminar o Lar San- A missão clássica era muito clerical. Embora
ta Teresinha, em Cucujães, para missionários e ou- houvesse muitas obras e estruturas de promoção
tros pessoas idosas. Escolhemos como padroeira a humana e social, tudo se realizava no âmbito ecle-
mais missionária das contemplativas porque é esse siástico. O mundo moderno tem outras exigências
o trabalho que os idosos melhor podem fazer, con- que pedem mais capacidade profissional e um tes-
templar e, no seu sofrimento, colocar-se nas mãos temunho de vida mais diversificado. Hoje surgem
de Deus. Está em curso a reforma do pavilhão cen- escolas para cursos médios e superiores, hospitais
tral de Valadares que se destina a cursos, encon- com mais exigências que os antigos postos de saú-
tros, retiros. Cucujães já tem algumas boas salas de, organizações de luta pelos direitos humanos,
de reunião, alguns novos quartos e muito trabalho que exigem outro tipo de resposta. O compromisso
para ser feito para a reforma que precisas. Para missionário da Igreja extensivo a todos os cristãos foi
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 144

uma intuição para dar resposta aos actuais desafios nos interpela para construirmos um futuro diferen-
que os novos tempos e as novas situações sociais e te e mais feliz para todos.
políticas dos países de missão hoje nos colocam. Sei que estais a preparar um congresso extraor-
Quando há anos tive de orientar algumas dinário para a próxima primavera. Se não houver
assembleias da ARM não me cansei de dizer que outra matéria para debate podeis reflectir sobre es-
não foi por acaso que um dia passastes pelos semi- tas questões, se bem que sejam demasiado perigo-
nários da Sociedade. Com a vossa saída do semi- sas porque comprometedoras. Mas às vezes há de-
nário não ficou encerrado o processo de compro- safios que talvez valha a pena enfrentar.
misso com a Igreja missionária. Muitos de vós ten- Pe. Augusto Farias
des uma relação afectiva e atitudes de apoio huma- (Bol 73, Dez 2001, p. 3)
no, espiritual e de partilha muito grande para com
a Sociedade. Creio, porém, que era necessário que
fossem surgindo atitudes mais corajosas e expres- (30). O CONGRESSO DA ARM – PRESENTE
sivas no vosso grupo. Os novos desafios da missão E FUTURO
estão a pedir outro modelo de missionário. Para a
Paróquia da Gabela em Angola precisava neste O Congresso realizado no pretérito mês de Maio
momento de três professores para o PUNIVE (cur- traduziu-se num grande momento de confraterni-
so pré-universitário). Perante o corpo de professo- zação atingindo os objectivos que a Direcção ces-
res que temos quase me arrependo de ter iniciado, sante se tinha proposto: aprofundar a nossa dimen-
vai para quatro anos, a sua instalação na Gabela. são cristã e missionária; reflectir sobre as nossas
Estes jovens vão ser os futuros quadros dirigentes raízes e relações com a Sociedade Missionária;
deste país. Mas sem uma formação com bases sóli- definir linhas de rumo para fortalecimento e de-
das a nível intelectual, humano e espiritual que di- senvolvimento da nossa Associação.
rigentes vamos ter? Precisava ainda, sem falar a
nível de saúde, de um mestre de obras para orien- Esta temática foi magistralmente tratada pelos
tar a construção dum centro de acolhimento de cri- conferencistas Moutinha Rodrigues e P. António
anças e de apoio a idosos, reconstrução da Igreja Couto.
Paroquial. E se calhar até temos gente já reforma- Fazendo-nos percorrer os primeiros passos das
da e ainda com muita vitalidade que anda por aí a comunidades cristãs da Igreja nascente, o P. Couto
tirar a vez e oportunidade a jovens formados sem manteve a assistência suspensa do seu comentário
emprego, a inventar passatempos para que o resto teológico, profundo e claro, do cap. 16 da carta de
da vida não seja tão estúpido, ou empurrar carri- S. Paulo aos Romanos.
nhos de netos que deviam estar aos cuidados dos
seus pais. Tudo isso é bom mas talvez houvesse O armista Moutinha Rodrigues, na tarde de sá-
outras formas de valorizar um tempo muito preci- bado, enquadrou a nossa condição de cristãos e
oso que Deus vos reserva para o Outono da vida. antigos alunos da Sociedade na perspectiva das
Estou convencido que para a ARM ainda há exigências de uma fé adulta e esclarecida e traçou
muitas oportunidades. Se meia dúzia aceitasse o um plano de acção que emana dessa umbilicação
desafio duma experiência missionária de três ou intrínseca. Julgo muito proveitoso para os partici-
quatro anos em missão, seria uma forma de enri- pantes e para todos os que não puderam estar pre-
quecer não só o grupo dos que partem mas também sentes a transcrição desse plano.
a associação na sua globalidade. Seria, estou con- “A nossa colaboração e envolvência com a So-
vencido, uma forma de dar novo impulso e nova ciedade Missionária em especial pode e deve con-
vitalidade à própria Sociedade Missionária. As reu- cretizar-se ainda de muitas e variadas maneiras:
niões e assembleias teriam outros objectivos e in- 1. Assinar as publicações, especialmente a re-
teresses. Em vez de estarmos toda a vida a contar vista Boa Nova, e tentar angariar novos assinantes.
historietas do passado, algumas até já com sabor a 2. Participar nos sorteios missionários.
ranço, preocupar-nos-íamos com um presente que 3. Exercer voluntariado nas casas de formação.
145 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

4. Tomar parte na peregrinação anual 3. Participar activamente nos projectos missio-


missionária a Fátima ou outras. nários da Sociedade missionária.
5. Criar Bolsas de estudo até à sua conclusão. Junho de 2002
6. Concretizar donativos em vida ou doar bens A Direcção cessante,
imóveis. presidida por Serafim Fidalgo
7. Promover, projectar e até gerir uma possível (Bol 75, Jul 2002, p. 3)
unidade hoteleira que se venha a tornar sustentá-
culo permanente para a sustentação das tarefas em
terra de missão, ainda que para isso a Sociedade (31). LEIGOS BOA NOVA
Missionária tenha de alienar algum do seu patri- – Um caminho de missão
mónio.
8. Dar um mês, um ou dois anos, na frente da Os Leigos Boa Nova são um movimento missi-
Missão. onário que congrega, prepara e envia Leigos para
9. Criar ambiente na família para o nascimento os campos de missão, conscientes de que a evan-
de uma vocação ou simples oferta pessoal de um gelização é tarefa de toda a Igreja, e não apenas de
filho ou neto dispostos a partirem após o curso de alguns especialistas.
formação. São um movimento ligado aos Missionários da
10. Utilizar e usufruir das condições de acolhi- Boa Nova, quer no seu nascimento quer nas suas
mento das instalações da Sociedade Missionária. actividades. Nasceram em Setembro de 95, num
11. Para casos de grande contribuição e entrega encontro promovido pelo P. Jerónimo Nunes, em
gratuita à causa missionária, os missionários da Boa Valadares, que respondia assim a solicitações de
Nova poderiam criar um estatuto de equiparação a várias pessoas que estavam dispostas a fazer um
verdadeiros membros da Instituição.” trabalho missionário, em colaboração com os nos-
No painel “A palavra aos Armistas”, muitas sos missionários nos seus campos de missão.
destas propostas e sugesões foram dissecadas por Ao longo destes quase sete anos de vida, o
muitas intervenções. movimento foi-se organizando e solidificando, po-
À guisa de síntese poderíamos afirmar que se dendo contar já com algumas acções no terreno.
evidenciam duas correntes no seio da ARM: uma Três pessoas estiveram em Malema, diocese de
que defende uma acção direccionada para acom- Nampula. Duas ficaram um ano (Belmira e Isabel)
panhar, colaborar e sustentar os projectos pastorais e uma ficou um ano e meio (Emília Machado). A
da Sociedade, em recursos humanos e materiais; sua acção, coordenada pelo P. José Alexandre, es-
outra que entende que a ARM se deve limitar a ser tendia-se a Malema, Mutuáli e Nataleia, nos cam-
um elo de ligação entre todos os membros da Soci- pos da saúde, educação e pastoral.
edade Missionária num clima de convívio e con- Um jovem (Casimiro) ficou durante outro ano
fraternização. na cidade de Nampula, partilhando a vida e os tra-
Estas diferentes visões da “vocação” da ARM balhos com a equipa da Catedral (PP. Valdemar,
eram comentadas nos diversos grupos que iam sur- Vieira Mendes, Agostinho e Tavares Martins):
gindo nos corredores do seminário. catequese, pastoral litúrgica, pastoral juvenil, ani-
mação sócio-cultural e comunidades do interior.
O Congresso sentiu como um imperativo a Um outro jovem, professor (Jorge Carvalhais),
concretização dos seguintes pontos: está há dois anos e meio no Maranhão, na paróquia
1. Ligação mais estreita à Sociedade com a no- de Chapadinha, coordenada pelos PP. Neves,
meação de um assistente e direito de participação António Tavares e Casimiro, assumindo a coorde-
com o estatuto de Observador nas Assembleias da nação dos grupos de jovens (11 na cidade e 3 na
Sociedade Missionária. zona rural), a promoção dos direitos humanos, a
2. Ampliar a base da ARM com contactos di- formação de professores de inglês e prestando va-
rectos, dinamizar as delegações e repetir o esque- liosa colaboração nas celebrações dominicais.
ma deste Encontro. Uma senhora, Rosa Ribeiro, esteve durante seis
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 146

meses no Maranhão, com as Missionárias da Boa (32). JUNTOS NOS CAMINHOS DA MISSÃO
Nova, partilhando com elas a vida e o trabalho.
Durante um tempo mais curto, dois meses, cer- São muitos os homens, muitas as mulheres,
ca de uma dezena de outros leigos fizeram uma São muitos os caminhos, as palavras,
experiência de missão tanto em Moçambique como Muitos são os passos e os povos,
no nordeste do Brasil, cheia de proveito para ambas Muitos os cansaços.
as partes.
Em Portugal, procuram animar missionaria- Mas Tu, Senhor, Tu falas
mente as suas comunidades e comprometem-se com E um caminho novo se abre a nossos pés,
algumas acções em conjunto, como serviços de vo- Uma luz nova em nossos olhos arde,
luntariado e execução de alguns projectos, nomea- Átrio de luminosidade,
damente no respeitante a direitos humanos (áreas Pão
de migrantes e refugiados, idosos e crianças, pro- De trigo e de liberdade,
dutores e povos indígenas) e combate à violência Claridade que se ateia ao coração.
sobre crianças e adolescentes.
Para fazer parte deste movimento, as pessoas Lume novo, lareira acesa na cidade,
devem ter uma certa vivência e profundidade de És Tu, Senhor, o clarão da tarde,
fé, associada a uma capacidade de integração em A notícia, a carícia, a ressurreição.
outros ambientes e culturas, bem como de trabalho Passa outra vez, Senhor, dá-nos a mão,
em conjunto. Levanta-nos,
É um serviço voluntário e gratuito à missão, Não nos deixes ociosos nas praças,
desempenhado segundo as competências profissi- Sentados à beira dos caminhos,
onais ou pastorais de cada um. Desavindos,
Sempre que possível, preferimos o envio em A remendar bolsas e redes.
equipa.
Antes de partir em missão, as pessoas devem Envia-nos, Senhor, e partiremos
estar em contacto com o Movimento (e em forma- O pão
ção) durante um ano. Juntos nos caminhos da missão.
Os Leigos Boa Nova estão organizados, actu-
almente, em quatro grupos, com reuniões mensais, 1. Saúdo muito efusivamente no Senhor to-
em Cucujães, Porto, Aveiro e Lisboa. De três em dos e cada um dos meus companheiros da SMBN
três meses, têm encontros nacionais em que todos onde quer que se encontrem, de Portugal a
participam. Nos dias 06 e 07 de Julho, realizou-se, Moçambique, Angola, Zâmbia, Brasil e Japão, ao
em Fátima, o 28°. serviço do Evangelho. Envolvo também no mes-
A Direcção do movimento está confiada a um mo abraço todos os nossos colaboradores e amigos
membro da Sociedade Missionária e a dois leigos, e todos quantos connosco estão unidos na oração.
sendo que cada grupo local tem o seu próprio coor- 2. Acabámos de sair da nossa IX Assembleia
denador. Geral com o lema “Juntos nos caminhos da mis-
O espírito que anima este movimento é o senti- são”. É um lema, mas é também um projecto e bem
do de missão – ai de mim se não evangelizar – e a pode ser um programa. Na minha maneira de ver,
corresponsabilidade que todos temos nesta tarefa. “juntos” apresenta-se, não tanto na activa, como
Os Armistas também podem e devem fazer mis- obra a empreender, mas sobretudo na passiva, como
são: alguém quer ser professor de português, du- obra a deixar fazer em nós. Nós como espaço dado
rante um ano, no Seminário de Xai-Xai, Moçambi- a Deus para actuar. Como um passivo divino ou
que, para os seminaristas do 10.° ano? teológico. Verdadeiramente só assim, reunidos por
P. Manuel Bastos Deus, nos encontraremos juntos, ajuntados, “reu-
(Bol 75, Jul 2002, p. 8) nidos” (êtroisménoi: particípio perfeito passivo)
como “os onze e os outros que estavam com eles”
147 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

(Lc 24, 33), como puderam constatar os dois de missão com cerca de 150 000 habitantes, vindos
Emaús à sua chegada a Jerusalém. É só desta reu- de todo o território angolano fugidos à guerra, e
nião de “reunidos” que pode brotar a alegria da tem como padroeira Nossa Senhora da Boa Nova,
palavra do Evangelho da Ressurreição e a recita- com celebração litúrgica em 31 de Maio. É seu
ção das coisas acontecidas no caminho e no partir pároco, desde a criação, o Pe. António Valente Pe-
do pão (Lc 24, 34-35). reira, da Sociedade Missionária.
3. É urgente (tem a urgência do Evangelho) que Não tem ainda igreja paroquial porque, há sete
nos deixemos reunir, que nos encontremos reuni- anos, as prioridades eram avassaladoras e eram
dos. Todos. À volta do único Senhor que nos pode outras. A primeira preocupação do pároco e conse-
reunir, porque está “no meio” de nós. Entenda-se lho de pastoral paroquial foi organizar as pequenas
“no meio” de mim, da minha vida, e “no meio” de “comunidades de fé”. São constituídas por vizinhos
nós, “no nosso meio”. Se assim for, eu vejo dife- e reúnem em quintais, em pequenos espaços ou
rente e nós vemos diferente: pela única óptica do mesmo debaixo de uma árvore, onde se reza diari-
amor novo (agápê), da alegria e da doação. Quan- amente, se ouve e medita a palavra de Deus, se
do sou eu a ocupar o “meio” é por usurpação que o examina a vida da comunidade e seus membros, se
faço, e o meu egocentrismo míope produz em mim procura ser missionário dos mais afastados e se
atitudes enviuzadas e desconfiadas, dissimuladas e atendem os mais necessitados. Hoje estas comuni-
distorcidas, carregadas de preconceitos, que trans- dades de fé são 60.
portam consigo mentira, violência e morte. As mais próximas unem-se em Zonas Pastorais,
(..........) de modo a ajudarem-se nas questões mais impor-
7. Convoco-te, meu irmão e companheiro, para tantes e a partilharem a vida cristã. Cada zona tem
esta imensa tarefa missionária: dar a todo o ser huma- o seu conselho presidido por um “visitador”. Os
no a dignidade de filho de Deus, e dar a todos os fi- seus responsáveis, coordenadores de movimentos
lhos de Deus a dignidade e a alegria de serem missio- paroquiais e superiores(as) das Casas Religiosas
nários. Anunciar o Evangelho é a nossa maneira de fazem parte do conselho de pastoral paroquial. As
ser, e é a sua maneira de ser. Só assim andaremos zonas pastorais são seis.
verdadeiramente “Juntos nos caminhos da Missão”. Outra prioridade foi acudir à doença e à fome.
8. Convoco também toda a Família Boa Nova, Num Posto de Saúde, ainda não acabado, são aten-
e, neste contexto, particularmente os nossos com- didos, diariamente, cerca de 130 doentes, e sema-
panheiros da ARM, a entrarem no itinerário de re- nalmente cerca de 60 tuberculosos. São todos os
flexão e oração, recitação e renovação, que em bre- dias acolhidas cerca de 60 crianças desnutridas, com
ve será proposto, e que culminará na celebração idades inferiores a 3 anos. Há também actividades
dos 75 anos da fundação da Sociedade, que ocorre- de alfabetização e formação feminina em escolas
rá a 3 de Outubro de 2005. levantadas para o efeito.
P. António Couto E quem presta estes serviços inadiáveis? As Ir-
(Bol 76, Out 2002, p. 1) mãs Teresianas, as Dominicanas de Santa Catarina,
as Irmãs Dominicanas do Rosário e as Irmãs Salé-
sias. E também asseguram a catequese, auxiliadas
(33). VAMOS AJUDAR A CONSTRUIR A pelos seminaristas da Boa Nova, dos Verbitas e dos
IGREJA DE NOSSA SENHORA DA BOA Franciscanos. Os sacerdotes são cinco: dois da Boa
NOVA, EM LUANDA? Nova, um Franciscano, um Salesiano e um do Ver-
bo Divino.
Aos meus Irmãos Armistas: Esta imensa Paróquia de Nossa Senhora da Boa
Nova, com sete anos de vida, quer, agora, construir
A Paróquia da Boa Nova, nos arredores de Lu- a sua igreja matriz para nela celebrar dignamente a
anda, foi criada em Outubro de 1995, quando a Eucaristia. Já foi benzida e lançada a primeira pe-
Sociedade Missionária da Boa Nova completava dra, em 19 de Março de 2001, dia litúrgico de S.
25 anos de presença em Angola. É uma paróquia- José, a cuja protecção o pároco confiou todas as
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 148

obras paroquiais. E é um sonho ter a igreja pronta tências e desempenhos relevantes na sociedade e
em 31 de Maio do próximo ano – dia da padroeira, na Igreja, uma soma de conhecimentos e experiên-
Nossa Senhora da Boa Nova. cias que são uma riqueza e não se pode perder. Não
A Paróquia de São Salvador de Matosinhos, em seremos capazes de apontar para outros campos de
Portugal, com a qual é geminada, tem colaborado acção, comprometermo-nos noutras experiências de
intensamente. Mas o Pe. António Valente Pereira, dádiva aos outros, aos que mais precisam porque
colega de curso de alguns de nós, conta também mais frágeis, com menos conhecimentos e mais
connosco e com a nossa generosidade. E a Direc- pobres?
ção da ARM também. Ouvimos e lemos os nossos missionários a con-
Envia o teu óbolo generoso e dado com amor tarem as urgências dramáticas das suas comunida-
para a Direcção, em nome da ARM, ou deposita-o des: um mestre de obras para dirigir a construção
na conta da ARM com o NIB: de infra-estruturas essenciais; professores de Por-
003501210000130053098. tuguês e outras disciplinas para formarem e educa-
Deixa lembrar-te que foi nestas terras, onde está rem seminaristas e outros estudantes que serão fu-
implantada a Paróquia de Nossa Senhora da Boa turos dirigentes; técnicos de saúde para a educação
Nova, que, em 3 de Fevereiro de 1982, foi martiri- e os cuidados sanitários básicos; educadores e ani-
zado o missionário Pe. Manuel Armindo de Lima, madores sociais e culturais para a educação famili-
da Sociedade Missionária. Sejamos dignos do seu ar e dinamização de grupos...
sangue. Um abraço do Armista que me lês, se estás incomodado é bom
João Gamboa sinal. Se não, deixa que esta problemática te inqui-
(Bol 76, Out 2002, p. 6) ete e apaixone. Já aposentado (e casado, que assim
são dois), homem maduro ou ainda jovem, não te
esqueças de que ninguém é feliz sozinho e é dando
(34). UMA ARM VIRADA PARA O FUTURO que se recebe. Procura conhecer as actividades dos
Leigos Boa Nova: talvez encontres aí as pistas que
Este é, no fundo, o lema da nova Direcção da procuras, o modo ou o projecto que encha algum
ARM. Não por iniciativa sua, antes por “imposi- vazio na tua vida. E não esqueças: o amor verda-
ção” do Congresso (Maio 2002). Quem esteve aten- deiro dá sempre frutos!
to foi isso que intuiu e percebeu nas entrelinhas: o Junho 2002
Espírito soprou um vento novo e diferente e apontou João Gamboa
caminhos com sentido para a frente, para o futuro. (Bol 77, Dez 2002, p. 1)
Do passado une-nos a circunstância basilar e
importante de termos sido alunos dos seminários
da Sociedade Missionária (e essa é uma graça que (35). CONCLUSÕES
devemos agradecer). No presente une-nos a reali- (do Encontro Nacional 2003)
dade de sermos membros e parte da sociedade e do
mundo; e, como baptizados, sermos filhos de Deus Reunidos em Fátima, nos dias 17 e 18 de Maio,
e membros da Igreja. E somos Armistas. sob o lema “Caminhar em Missão”, queremos co-
Ser Armista não é fundamentalmente uma ati- municar a todos os armistas a riqueza do convívio
tude de saudade nem um ancorar no passado. Ser que aqui tivemos e as conclusões da nossa refle-
Armista é estar bem enraizado no presente e deve xão.
significar sobretudo um olhar para a frente, gene- 1 - Um dia um discípulo foi procurar um Rabi e
roso e sem medo, um dar alguma coisa de nós, o disse-lhe: “Mestre, acabo de atravessar o Talmud
darmo-nos nós próprios. Porque muito recebemos. três vezes”. O Rabi perguntou-lhe: “E quantas ve-
Somos bancários e funcionários administrati- zes o Talmud te atravessou?”
vos, advogados e administradores da justiça, pro- É preciso deixarmo-nos atravessar pelo Evan-
fessores, engenheiros, médicos e enfermeiros, em- gelho. O Evangelho faz a diferença e pode levar-
presários e muitas outras coisas... Temos compe- nos a fazer a diferença no mundo de hoje.
149 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

2 - Ouvindo o testemunho dos missionários, dos o nosso mundo utilitarista precisa de contem-
padres e leigos, dos idosos e jovens, dos homens e plativos, crianças encantadas pelos mistérios de
mulheres a trabalhar fora ou dentro de Portugal, Cristo. E propõe um caminho acessível a todos, o
sentimos a força do Evangelho actuante na vida dos Rosário, aquela oração repetitiva, que tanto nos faz
evangelizadores, que mais aprendem do que ensi- dormir como nos acalma para concentrarmos o es-
nam, mais recebem do que dão. pírito e mergulharmos no invisível. Mas não é acon-
3 - É preciso voltarmos ao Vaticano II quando selhável sair do mundo como fez o monge. O santo
fala do Povo de Deus: “Todos os que têm fé são que o nosso mundo precisa é o contemplativo na
chamados a dedicar-se de corpo e a tempo inteiro libertação: vê Cristo também nos rostos feios dos
ao Evangelho. Mas é preciso evitar o perigo de re- sofredores e vai ao seu encontro (Madre Teresa
duzir o cristianismo a meras acções humanitárias. ensinou-nos a ver dois tipos de sofredores: os do-
São os horizontes da filiação divina que devem ser entes ou excluídos do progresso e os carentes de
revelados”. uma gota de Evangelho). Quem se entendeu com
4 - Não basta evangelizar os outros. É preciso J. C. anda sempre nas fronteiras, em busca da outra
constituí-los em evangelizadores. Não basta gritar margem.
a Boa Nova. É preciso parar para saborear e narrá- Como farei deste mês um Outubro Missioná-
la de pais para filhos e de amigo para amigo. É rio?
preciso serenidade para recitar o que Deus faz.
5 - O grito dos pobres e dos missionários que 2. Ressonância para os 75 anos da SMBN:
com eles convivem são apelos de Deus. Além da “Proponho e proclamo que façamos deste ano tam-
partilha financeira está aberto para todos o cami- bém, em todas as nossas Regiões e Centros Missi-
nho da experiência evangelizadora, curta ou longa. onários, um ano marcadamente vocacional, de in-
Ser armista, homem ou mulher, é ser presença ami- tensa oração, comunicação e partilha do lume que
ga na sociedade com espírito missionário. nos anima. Porque
Não assinado
(Bol 79, Jul 2003, p. 7) “És Tu, Senhor, o clarão da tarde,
A notícia, a carícia, a ressurreição.
Passa outra vez, Senhor, dá-nos a mão,
(36). ARM COM CASTANHAS Levanta-nos,
Não nos deixes ociosos nas praças,
Todos conhecem a história do monge que foi Sentados à beira dos caminhos,
rezar para a floresta do mosteiro e cantava o sal- Sonolentos, desavindos,
mo: “um dia em vossa casa vale por mais de mil”. A remendar bolsas e redes.
E esta frase levou-o a tão alta contemplação que Envia-nos, Senhor, e partiremos
ficou absorvido em Deus. Quando acordou, encon- O pão
trou a grande surpresa: já não conhecia a floresta Juntos nos caminhos da missão.”
nem o mosteiro e nenhum monge o reconhecia. Mas
foi bem recebido na casa dos hóspedes e o biblio- (P. António Couto, Superior Geral da SMBN).
tecário curioso foi consultar a lista dos antigos
monges e encontrou um nome esquisito igualzinho A ARM também pode entrar na onda do espíri-
ao do seu hóspede: era um dos fundadores do mos- to apostólico e do ano vocacional? Como?
teiro, mil anos antes. E o hóspede tornou-se mais
um monge a aprender a esquisita vida do novo tem- 3. Ressonância para as castanhas: De vez em
po e a fermentá-Ia com o ardor das origens. quando os curiosos bibliotecários da ARM folhei-
am as listas dos antigos moradores dos conventos
Esta história pode ter muitas ressonâncias: de Tomar, Cucujães, Cernache e Valadares (con-
1. Uma ressonância para Outubro: O Papa vento?), à procura dos que desapareceram na flo-
diz na mensagem para o Dia das Missões, 19, que resta. E esperam a sua volta, para um magusto e
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 150

uma oração pelos que já partiram. Se encontrares gado com um tinto da região, esteve à altura do
algum, acorda-o do êxtase, chama-o para a reali- acontecimento. E, é claro, “Hoc opus, hic labor
dade transitória mas urgente da contemplação na est”; ou seja, em tradução espontânea, “o copo
libertação. A ARM é um caminho de encontro. puxou o trabalho” (!).
No final sentia-se no grupo a satisfação por ter
Quem pode chamar mais um dos tantos acontecido “armismo”. Mas pairava também a dú-
dispersos? vida se o dia teria sido a melhor escolha, porque
Jerónimo Nunes apareceram poucos e o desejo da organização era
(Bol 80, Out 2003, p. 1) reunir o máximo possível dos constantes da lista.
Alguém lembrou então que tal fenómeno é hoje
muito vulgar, que até é das Escrituras – “Multi sunt
(37). ECOS DE TOMAR vocati, pauci vero...” – e que por isso lhe chamam
Vulgata. (A “coltura” que ficou do seminário!...).
Por aqui, o peso da História e a riqueza do Patri- Em todo o caso queremos sublinhar o grato prazer
mónio, reconhecidamente de categoria mundial, pres- que foi podermos contar com a presença do nosso
sentem-se no horizonte. E estimulam. E atraem. presidente, Dr. João Gamboa, de três padres, entre
Afirmar isto secamente e sem mais justificati- eles o nosso antigo Superior-Geral P. Jerónimo, e
vos, pode parecer fantasia ou diletantismo, propa- de diversos outros associados, figuras ilustres da
ganda turística. Não, não nasci em Tomar, não vivo região. Enfim, como também se costuma dizer, fo-
em Tomar. Mas gosto de Tomar, e penso que neste ram poucos, mas bons!
mesmo sentimento se irmanarão muitos armistas, E, assim, a Delegação da ARM da zona de To-
talvez a esmagadora maioria de nós, que pelos 10- mar cumpriu esta sua primeira tarefa, com espírito
11-12 anos ali ensaiámos os primeiros passos, no de “missão”. Sem dúvida que poderia ter sido me-
velhinho Convento de Cristo. Aquelas ambiências lhor, com a presença de mais associados. Se todos
tinham qualquer coisa de magia... quiserem, poderemos vir a ser uma forte Delega-
Terá sido, porventura, um pouco por tudo isto, ção. Basta “querer”, que o “poder” logo aparece.
e apesar de nunca termos antes falado do assunto, Por isso, armista desta região, para a próxima não
que à actual Direcção da ARM pareceu vantajosa a falte, podendo desde já Tomar nota do nosso lema:
emergência por estas bandas de um agregado ou ARMar em Tomar vale a pena!...
núcleo regional da Associação, uma Delegação. E J. Candeias da Silva
por uma espécie de selecção natural, toda a lógica (Abrantes)
apontava para que fosse Tomar a encabeçá-la. Tudo (Bol 81, Dez 2003, p. 5)
bem até aqui. O pior era haver pessoas disponíveis.
Ora, aceitando o repto, sem alardes nem ambi-
ções, parece que não foi difícil o aparecimento de (38). AQUELE ABRAÇO!
um pequeno grupo de “carolas” dispostos a meter
mãos à obra, apesar dos sacrifícios que estas caro- Aquele abraço trocado entre o P. Manuel
lices – já se sabe – sempre implicam. Parabéns, pois, Fernandes e o presidente da Direcção da ARM, na
Manuel Lopes Tereso e António Silva Pereira. O visita à gruta de Nossa Senhora, no Seminário de
primeiro Encontro cá se fez, de acordo com o pre- Cernache do Bonjardim, no nosso Encontro Naci-
visto e conforme oportunamente divulgado. onal, em 15 e 16 de Maio último, tem muito que se
Foi no passado dia 8 de Novembro: concentra- lhe diga! Tanto, tanto..., que ainda hoje me sinto
ção junto à igreja de S. João, primeiras trocas de perplexo diante do seu profundo simbolismo.
impressões, um breve peregrinar em ameno rosá- Não foi um abraço de circunstância, um abraço
rio de elucubrações desde a praça do Município até qualquer, formalmente protocolar e exigido pelo
às traseiras da Corredoura, e... almoço-convívio ali momento. Foi um abraço de profunda amizade cris-
junto ao Nabão, quase defronte da grande Roda dita tã, um abraço de clara exigência missionária. De
mourisca. O repasto, de enguias e cabrito, bem re- um lado, o velho e dedicado missionário dias antes
151 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

chegado de Angola, Superior-Geral da Sociedade


Missionária nos anos 60, que nessa qualidade mui-
to acarinhou a ARM nos seus primeiros anos de
vida. Do outro, o actual presidente da Direcção da
ARM, ali representando todos os armistas/antigos
alunos. No seu abraço demorado e cheio de ternu-
ra, ele quis enlaçar todos os ex-alunos da Socieda-
de Missionária, nomeadamente os cerca de 570 que
recebem o Boletim, e de modo especial os 90 ali
presentes. Eu senti que ele quis dizer-nos:
– Sede fiéis à vossa vocação cristã! Sede missi-
onários à vossa maneira – na vossa vida diária e
no seio da ARM.
Aquele abraço longo e carregado de significa-
do interpela-nos a todos e convida-nos à solidarie-
dade e ao compromisso missionários. Sintamo-nos
todos chamados pelo nosso próprio nome – José
Campinho, Gabriel Carvalho, Duarte Nuno e
Serafim Rosário, José Manuel Fernandes e Albino
João, António Bernardo, Eduardo Martins e
Baltazar Mendes, Gil Inácio, Francisco Mota,
Armindo Henriques, António Silva Pereira e Ma-
nuel Tereso, Francisco da Costa Andrade, João
Gamboa e João Pedro Martins... – e responda cada
um com alegria e generosidade.
Que fazer não falta. É o testemunho acerca da
nossa passagem pelo seminário para o livro que está
a ser preparado para os 75 anos da SMBN. É o pe-
dido de solidariedade que, através desta edição do
Boletim, nos chega da parte dos Leigos Boa Nova
para aquisição do CD “Encontro”. É a participação
nos encontros regionais de Outubro e Novembro.
É a exposição de trabalhos dos armistas que quere-
mos organizar em Cucujães, em Maio do próximo
ano, aquando do Encontro Nacional. É a quotização
anual e a oferta de dádivas para os projectos dos
nossos missionários... É sobretudo o amor com que
vivemos e nos abrimos a esta solidariedade.
Aquele abraço afectuoso, que nenhuma câma-
ra fotográfica registou para o nosso Boletim, não o
deixemos em suspenso – acolhamo-lo no nosso
abraço e guardemo-lo no coração, para que dê fru-
tos de bem e solidariedade. Porque é preciso e que-
remos “viver em missão”.
João Gamboa
(Bol 84, Out 2004, p. 1)
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 152
153 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

3. ESPIRITUALIDADE E COMPROMISSO
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 154
155 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

(39). “PENEIRAS” os encontra para resolver. Peneiras!


De religião o peneirento também sabe tudo. Pe-
Todo o homem é por natureza vaidoso: gosta rante a renovação da Igreja que procura actualizar-se,
de dar nas vistas, de se impor, de mandar. E essa adaptar às novas estruturas sociais a sua maneira de
vaidade, quando bem entendida, pode ser uma afir- estar no mundo, ou encolhe superiormente os ombros,
mação de personalidade, um estímulo e condição sentenciando displicente que tudo isso é política, ou
de progresso. então declara peremptoriamente que o Concílio
Mas quando falta uma verdadeira hierarquia de Vaticano II não completou as reformas que devia por
valores e se esquece a metafísica cristã, o homem causa dos conservadores ou dos progressistas ou ain-
torna-se egoísta, desdenhoso, petulante ou, como da que as suas decisões estão a ser mal interpretadas e
em gíria se diz, peneirento. Centrando todo o Uni- mal cumpridas, porque só ele é que sabe como a coi-
verso em si ou à sua volta, nada respeita, tudo dis- sa devia ser feita. E a gente pasma diante de tanta
cute, tudo critica, tudo despreza, a não ser o próprio petulância, diante de tantas peneiras.
eu. Só ele sabe, só ele tem a solução de todos os pro- Pois que é o homem em re1ação ao Universo?
blemas. Tanto em religião como em política, nas – Um átomo. Em relação a Deus? – Um zero. Em
ciências como nas artes, na família como na socie- relação mesmo a outro homem? – Um algarismo
dade. Não reconhece autoridade alguma, nem dos apenas, semelhante a outro algarismo cujo valor
homens, nem de Deus. Ele é o senhor absoluto. depende em regra do lugar em que se encontra.
Em família despreza os pais, que são velhos e Porque se ele reflectisse um pouco e abrisse os olhos
antiquados. Na sociedade olha com sobranceria e à Fé, facilmente verificaria que todo o ser humano
desdém o próximo que não subiu tanto na escala é filho de Deus seja de cor ou raça que for. É por-
social, ou com ódio e inveja aque1es que conse- tanto seu irmão e, sob muitos aspectos, seu igual.
guiram uma posição superior. E nós, cristãos, somos todos ainda irmãos em
Em política é um desadaptado ou revoltado, por- Cristo. Porque não nos tratamos como tais ajudan-
que os governantes não lhe dão ouvidos, não aprovei- do-nos quanto possível? Deixemo-nos de peneiras!
tam os seus préstimos, a sua rara inteligência, e por A A.R.M nasceu e oxalá que, também, para acabar
isso a coisa pública vai tão mal, o bem público não se com as peneiras entre nós, armistas, fazendo-nos
alcança. Se fosse ele quem mandasse… uma autêntica irmandade em que concretamente
De arte, mesmo quando nada entende, fala abun- todos se dêem as mãos em verdadeiro espírito cris-
dantemente e, abrindo a boca de espanto, finge tão. Só assim ela tem razão de ser.
extasiar-se diante de qualquer obra por mais Para continuarmos separados em compartimen-
abstrusa que seja. E se for abstrusa e estrangeira, tos estanques, fechados, cada um no seu egoísmo,
melhor. Porque para estes indivíduos, o que é es- não valia a pena ela existir. Mas graças a Deus en-
trangeiro tam mais valor. tre nós há fraternidade e amor. Haverá?…
Quanto a ciências, não regateia a sua admira- Albino Santos
ção perante as descobertas sobre o cosmos ou so- (Bol 19, Fev 1968, p. 3)
bre os átomos, faz panegíricos aos astronautas, tece
encómios ao mago transplantador do coração e é
capaz de gritar triunfantemente que Deus já não é (40). OS MEUS DOIS CRISTOS
necessário e que, portanto, Deus não existe!
Pobre peneirento! Mais ignorante que uma Tenho no meu escritório dois crucifixos. Um
criancinha da catequese, não vê que para além da de marfim, muito perfeito e sereno, de braços aber-
Lua, do próprio sistema solar e até da Via-Láctea, tos em jeito de querer abraçar o mundo. Outro de
a milhares de anos-luz, há outras galáxias, miríades ferro tosco, de feições horrendas e mutiladas, con-
de mundos que o homem jamais poderá atingir. E torcido num rictus de agonia. O primeiro todos o
do átomo ou da vida, que conhece o próprio sábio? contemplam e admiram. Do segundo, se alguém
Muito pouco ou mesmo nada. Que a Ciência, à repara, desvia logo o olhar. Todavia, não sei por
medida que avança, mais problemas, mais mistéri- quê, é este o da minha predilecção. Não sabia. Agora
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 156

compreendo-o, depois de ouvir a charla do P. CUE go a cruz se torna uma bênção. Só meditando-Te
“Mi Cristo roto”. na Cruz seremos capazes de amar todos os homens.
De facto, quase todos nós preferimos um Cris- Prende-nos à Cruz Contigo, Senhor!
to bonitinho, domingueiro, que nos desperte uma Albino Santos
devoção mais ou menos piegas, conforme com os (Bol 22, Nov 1968, p. 5)
nossos gostos. E nem reparamos na cruz. Mas afas-
tamos o olhar de um Cristo sofredor e horrendo
que choca os nossos sentimentos estéticos. (41). CRISTO - Criança
E assim é também na vida. Não nos custa ver a
imagem de Cristo no nosso irmão que pensa como Passou mais um aniversário, o octogésimo sé-
nós, ou naquela pessoa piedosa e boa que conside- timo, o Hospital de Maria Pia, mais conhecido por
ramos melhor que nós. Mas horroriza-nos como Hospital das Crianças do Porto.
uma blasfémia, causa-nos uma repugnância inven- Obra de amor, de solidariedade humana, é todo
cível o considerar imagens de Cristo os pobres e os ele um Hino de Fraternidade cristã, de amor a Deus
mutilados e os enfermos, o ladrão e o assassino, o e ao próximo.
criminoso e o devasso, o que nos apunhala pelas A esta Casa devem a recuperação e vida muitos
costas, o bêbedo e a prostituta. E contudo Ele está e muitos milhares de pessoas das quais muitas ocu-
lá, em cada um desses infelizes. pam lugares de relevo social. Nela foram reabilita-
Na Sua via-dolorosa, caído e esmagado sob o dos para a Sociedade muitos dos seus melhores
peso da Cruz, Cristo carrega com todos os pecados valores de hoje.
do mundo, é a imagem, infinitamente ampliada, de Esta gigantesca obra vem sendo possível graças à
todos os que sofrem, de todos os desventurados, de compreensão e generosidade dos seus fundadores cujo
todos os pecadores. O Seu rosto maltratado, desfi- pensamento e caridade têm sido perenizados por uma
gurado, irreconhecível representa todos os rostos, minguada plêiade de almas grandes substancialmen-
todos aqueles que o pecado desfigurou. A Sua an- te, ainda que insuficientemente, ajudadas por dota-
gústia prefigura todas as angústias, a Sua Cruz, to- ções orçamentais do Estado e pela benemérita Fun-
das as cruzes, a Sua agonia, todas as agonias, a Sua dação Calouste Gulbenkian.
morte, todas as mortes. Todavia o muito recebido e feito são o começo do
Cristo e a Sua Cruz!… Dois termos que se con- muitíssimo que resta por fazer. Urge um novo pavi-
fundem. Nem se compreende um sem o outro. Cris- lhão. Os nossos filhos, os nossos netos, poderão ter
to sem cruz é uma mentira. A cruz sem Cristo, uma necessidade de, em breve, o encontrarem concluído.
maldição. Num mundo dementado em que, com frequên-
Ó Cristo morto e desfigurado pelos pecados de cia, se inverte a ordem dos valores, não nos deixe-
todos os homens! Ensina-me a ver em cada um deles mos inverter.
a Tua imagem bendita. Dá-me coragem para amar Estulta a Sociedade que doentiamente se preo-
mesmo os maiores pecadores, os maiores e mais cupa com construções de cemitérios, hotéis e hos-
repelentes desgraçados. Não deixes que o meu or- pitais para cachorros de estimação ou vadios, afron-
gulho me faça voltar a cara a nenhum desses infeli- tando com criminosa indiferença o Cristo-criança,
zes, a nenhum dos meus semelhantes. Mas que eu calcorreando o Calvário dos nossos caminhos ver-
os ame como Tu os amas, a ponto de dares a vida gado ao peso de doenças e dores, à míngua de tudo,
por eles. Que eu Te veja sempre presente em cada nos tugúrios de multiformes Barredos – do Minho
um dos meus irmãos – ricos ou pobres, sãos ou ao Algarve dissiminados.
doentes, santos ou pecadores. Sejamos íntegros, normais, equilibrados.
Todos na vida temos a nossa cruz. Mais pesada Dar às crianças os ossos que sobejam dos cães
ou mais leve, todos temos a nossa. é pecar contra Deus e contra o próximo. É inverter
Senhor! Faze que eu não olhe para Ti sem con- a ordem natural e divina.
templar também a Tua Cruz. E que não repare na No Porto, um senhor ofereceu uma proprieda-
cruz sem atentar também em Ti. Porque só Conti- de no valor de sete mil contos onde outros preten-
157 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

dem gastar muitos outros milhares na construção de vós que não tem pecado atire a primeira pedra”!
de hotéis para cachorros. A verdade é que ninguém até hoje foi capaz de se
Se conheces os doadores leva-os contigo ao reconhecer inocente, fora Aquele que pôde pergun-
Hospital Maria Pia e, enquanto é tempo, façamos tar: “Quem de vós me acusará de pecado?”. Ora os
reconsiderar. O Hospital precisa urgentemente de cristãos de hoje não nos limitamos a julgar, mas
um novo pavilhão. condenamos, e, munidos de sacos cheios de pedras
Os filhos, os netos dos doadores e os nossos – incómodos e anti-evangélicos! –, apedrejamo-nos
poderão ser os primeiros a carecer de internamento mutuamente. Progressistas contra integristas e vice-
no desejado pavilhão. versa; partidários do latim e do gregoriano contra a
De resto, basta de loucuras; estimemos os ani- música “pop” e vice-versa; partidários da seculariza-
mais mas não ultrajemos o nosso semelhante. ção contra os partidários da sociedade sacral e vice-
Primeiro as crianças e só depois, o que lhes so- versa; padres “actualizados” contra os “velhos” e vice-
beje para os irracionais. versa; direita contra a esquerda e vice-versa. Etc. A
Foi delas e não deles que o Senhor disse: “O série podia continuar. Somos uma corja de fariseus!
que lhes fizerdes, a Mim o fareis”. No episódio evangélico referido, os fariseus queriam
José Pacheco apedrejar a adúltera e não vice-versa. Hoje talvez fos-
(Bol 24, Abr 1969, p. 1) se diferente. A adúltera tentaria também, e com igual
direito, colocar a sua pedrada.
Cristo, “que não veio para julgar” e muito me-
(42). DEITEMOS A PEDRA FORA nos para condenar, continua a não suportar este es-
pectáculo ignominioso. Desvia, pacientemente, os
A Fé tem, evidentemente, uma função crítica olhos e faz que escreve no chão, na esperança de
em relação ao mundo. E é um facto que o Evange- que os fariseus de hoje deixemos cair as pedras ou
lho julga o mundo pela simples razão de o penetrar desapareçamos do tribunal. Mas, pelo que se vê,
com a sua luz. Portanto, serve de critério para terá muito que esperar.
discernir o bem do mal, a verdade do erro. E é por A obsessão de julgar e de condenar os irmãos é
isso que aqueles cujas obras são perversas fogem um veneno para a Igreja em geral e para qualquer
dessa luz (do Evangelho) para não serem julgadas grupo de cristãos em particular, como é a Socieda-
por ela (Jo. III, 20). de Missionária ou a ARM. O nosso ofício não é
Mas o cristão individual não pode julgar. É esta julgar nem condenar, mas ajudar e salvar. Em vez
uma das verdades mais características da doutrina de andar a caçar hereges, bruxas e fascistas ou co-
evangélica. “Não julgueis para não serdes julga- munistas, quem obedece a Cristo procura primeiro
dos; porque, com o próprio juízo com que julgardes, o Reino de Deus e encontra, consequentemente, um
sereis julgados; e com a medida com que medirdes amor forte e puro para ajudar todos os irmãos e
sereis medidos” (Mat. VII, 1). O homem do direito para assim realizar uma obra de justiça sob o im-
e duma certa “moral” julga e até condena; o ho- pulso da caridade
mem do Evangelho não o pode fazer. E não se trata Deitemos a pedra fora!
apenas dum preceito de misericórdia ou duma ati- Pe. Alfredo Alves
tude de compreensão. É um mandamento baseado (Bol 32, Ago/Set 1970, pp. 1-2)
numa realidade ontológica ou absolutamente fun-
damental. Só tem o direito de julgar quem conhece
exaustivamente o passado, o presente e o futuro do (43). QUEM SOMOS NÓS?
“réu”. Ora, apenas Deus está nesse caso. Só Ele
sonda o “coração e os rins”, o consciente, o incons- Nesta época de desorientação que vai pelo mun-
ciente e todas as possibilidades de cada um. do e até em certos sectores da Igreja, a pergunta
Há um passo do Evangelho que parece dar ao parece-nos pertinente.
inocente um certo direito de julgar.Releia-se o epi- Quem somos? Somos um grupo de pessoas que
sódio da mulher adúltera (Jo. VIII, 1-11). “Aquele um dia ouviram o apelo do Senhor para entrarem
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 158

nos seminários das Missões, mas depois Deus ori- quando tivermos feito tudo quanto em nós caiba
entou para outros caminhos. Na casa do Pai há por amor de Deus e dos homens, ainda seremos
muitas moradas (Jo. 14, 2) e também lá temos a servos inúteis (Lc. 17, 10). Queremos estar em dia
nossa. com a Igreja missionária e dos pobres e que a nos-
Deus escolheu-nos para sermos no mundo pro- sa sociabilidade seja oblativa, em disponibilidade
fano os pregoeiros da Sua palavra, testemunhas da e doação, principalmente aos fracos e humildes, a
Sua presença, exemplos da Sua verdadeira face. preparar o Advento do Senhor.
Escolheu-nos para sermos meIhores. Albino Santos
Não pregadores de um Deus terrrível e vinga- (Bol 33, Out/Nov/Dez 1970, p. 1)
dor da ordem moral, nem tão-pouco de um Deus
bonacheirão, um Deus avôzinho e bom rapaz, sem-
pre pronto a acudir-nos nas nossas aflições e a des- (44). MARIA IMACULADA
culpar-nos as nossas faltas. Não de um Deus de-
fensor da ordem estabelecida, dos poderosos e dos Colocado desde o berço pelo seu primeiro rei
ricos. São estas imagens falsas e caricaturais de no regaço da Santíssima Virgem, Portugal logo se
Deus que não pouco têm contribuído para fazer habituou, ainda tamanino, a honrá-La e venerá-La,
alastrar o ateísmo à nossa volta. com fervorosa devoção. Atestam-no as catedrais e
Somos cristãos adultos, conscientes, responsá- igrejas, as ermidas e santuários que por toda a terra
veis, que queremos, na nossa pequenez, dar ao portuguesa se erigiram em Seu louvor. Os próprios
mundo autêntica imagem de Cristo, vivo, presente reis davam o exemplo. Até que o racionalismo,
e actuante em nós e neste mundo que Ele criou e infiltrando-se também entre nós, fez arrefecer esta
constantemente recria para nós, e onde quer que tradição nacional de séculos, à qual o povo sim-
nós vivamos. Queremos dar com as nossas vidas ples, contudo, guiado pelos seus dedicados e cons-
testemunho de Deus verdadeiro, todo Amor e Mi- cienciosos pastores, se tem mantido fiel. E com
sericórdia, que ama a todos infinitamente, mas tem razão. A Virgem Maria tem-nos protegido sempre.
especial predilecção pelos pobres e pelos pecado- Por isso se confundem e irmanam os inimigos de
res. Também é a estes que nós mais queremos amar, Nossa Senhora com os inimigos da Pátria.
procurando ajudar a uns e compreender e descul- Predestinada para ser a Mãe do Verbo incarnado,
par os outros, com a mesma ternura de Jesus, sem Maria tinha de ser, em santidade pura, a mais per-
farisaicamente nos escandalizarmos com os que feita criatura saída das mãos de Deus. Atrever-me-
pecam e com os que não crêem. -ia até a dizer que o Criador, ao exorná-la de
Que podemos nós avaliar do bom e do mau que predicados tão excepcionais, para A associar à obra
há nos corações de cada um? Todo o homem tem redentora de Seu Divino Filho, quase esgotou a Sua
em si algo de positivo que é já um valor cristão a Omnipotência. Por Ela Deus se fez carne. Pela Sua
contar para a eternidade. maternidade divina era, de facto, necessário que
Somos uma família que se ama e entreajuda. Ela fosse superior aos próprios anjos, perfeitíssima
Mas não somos um clã fechado. Queremos alargar e imaculada na Sua conceição, na Sua virgindade,
o nosso coração à dimensão do mundo e amar to- na Sua vida toda, em comunhão íntima com Deus.
dos os nossos irmãos, filhos de Deus como nós e E a Igreja assim o tem entendido.
como nós resgatados pelo mesmo sangue de Cristo Por tradição e definição ex-professo, Maria
Salvador. Santíssima é, pois, ao lado de Cristo, o centro da
Mas não queremos ficar por aqui. Queremos nossa fé, da nossa oração e da nossa esperança no
trabalhar com os que se esforçam pela sua promo- ensino milenário da Igreja. É na devoção filial a
ção social, ajudar os que precisam. Maria que se realiza o nosso encontro com Cristo.
Queremos levar a todos a verdadeira imagem A nossa fidelidade à Virgem Santíssima preserva e
do nosso Deus de amor, para ajudarmos a construir aviva a nossa fé no mistério insondável da
um mundo melhor e mais cristão. Incarnação e Redenção. Ela é o caminho mais fácil
Queremos amar a Cristo nos nossos irmãos. E para chegarmos ao Filho. A Sua missão maternal
159 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

continua no seio da Igreja, presente no Corpo Mís- Dos encontros fortuitos com armistas e mesmo
tico e o Seu nome anda associado com o de Cristo com outros ex-seminaristas e das impressões
até na celebração eucarística. E como não há-de o trocadas, chego à conclusão que o primeiro assun-
Filho acompanhar-se da própria Mãe? to e o que mais seriamente nos preocupa é o
Certo que há um só Mediador. Mas a interven- descalabro dogmático e moral de certos elementos
ção de Maria, longe de diminuir o papel único de responsáveis dentro da Igreja. Não podemos pas-
Cristo, ajuda-nos a compreendê-lo melhor e salva- sar sem comentarmos esse problema. Nós vemos e
guarda a nossa fé na virtude redentora do sacrifício ouvimos cada disparate que nem parece de quem
que ao Pai oferece o Verbo de Deus feito carne – leu e estudou o Evangelho.
como ensina o Cardeal Garrone. Com estes ouvidos que a terra há-de comer, já
Por isso a Igreja, ao arrepio de certas correntes eu próprio ouvi numa homilia uma frase que, pela
erróneas e de certas pregações blasfemas, continua imprudência e arrojo, vale uma heresia: “A Igreja
a recomendar o culto à Virgem e a devoção do ter- antigamente dizia…, mas agora não é assim”. Ou-
ço, mesmo nestes tempos de indiferença e de co- tra afirmação feita no tribunal da penitência – San-
modismo. É que a procura de Cristo através de to Deus! em tal lugar! – é do teor seguinte: “A na-
Maria corresponde radicalmente às exigências da tureza humana modificou-se muito… por isso de-
nossa fé e às necessidades profundas das nossas vemos atender que essas atitudes não têm a gravi-
almas de crentes. dade…”.
Nossa Mãe e Medianeira, Ela é para nós, de- Chamem-lhe progressismo, falem em diálogo,
pois de Cristo, a maior dádiva do Amor divino. façam contestação, que eu, por mim, só vejo um
Albino Santos nome capaz de os classificar: materialismo. Que-
(Bol 38, Nov/Dez 1971, pp. 1 e 3) rendo actualizar a Igreja, falam já em coexistência
pacífica entre Deus e ateísmo; o complexo moral
foi ultrapassado por essa nova doutrina. A Doutri-
(45). DEO GRATIAS na da Igreja tem que ser praticada agradavelmente.
Não me admiraria nada que viessem qualquer
Mão amiga passou-me o Boletim de Novem- dia com o Evangelho sem frases como aquela em
bro-Dezembro de 1971; doutro modo não me che- que o Senhor diz a quem o quer servir: “Toma a tua
garia às mãos. Tenho a impressão que andamos às cruz e segue-me”.
escondidas: ou o carteiro não atina com o endereço E quantas asneiras e até já blasfémias nós ouvi-
que oportunamente enviei à Direcção, ou o jornal mos cada dia por este mundo de Cristo!
foge de mim como o Diabo da cruz. É chegada a altura de nós, armistas, os ex-se-
E é pena, porque considerámo-lo o mais fácil e minaristas todos, todos os que compreendem o pe-
talvez o único meio de nos encontrarmos todos e rigo destas insinuantes doutrinas e erros, levantar-
de respirarmos um pouquinho do ambiente sadio mos uma barreira dura, um dique seguro. Não os
do nosso inesquecível seminário. deixemos resvalar mais, para que não vão cair no
Tenho notado, no entanto, que esse encontro e essa caos. Sim, porque eu sou ainda dos que acreditam
conversa se limitam quase exclusivamente aos habi- que a saída do seminário foi providencial: exacta-
tuais articulistas ou às informações dos Directores. mente para esta hora, talvez para substituirmos al-
Nos meus tempos, havia o “silêncio rigoroso”, gum sal contaminado ou espevitarmos a luz que se
durante o qual não era permitida qualquer palavra, escurece, nalguma candeia.
nem sequer ao prefeito. Pois nós, os vulgares Haverá mais alguém que queira apoiar os meus
armistas de Lineu, há quanto tempo estamos em pontos de vista? Será no Sameiro a verdadeira to-
silêncio rigoroso! mada geral de consciência desta nossa responsabi-
Toquem lá essa sineta e haja um prefeito que lidade?
diga, alto e bom som, o célebre Deo gratias!, para Sem dúvida que o desagravo à Imaculada Con-
desabafarmos tanta coisa que, em tão longos anos, ceição já é um passo.
temos armazenado. Sr. Director, chame mais gente ao quadro, para
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 160

que esta e outras ideias sejam avivadas e o nosso Quanto mais numerosas forem as partículas
Boletim ganhe nova energia. opacas dessa “lente” mais sombrio nos aparecerá o
Para já, se este meu arrazoado lhe servir, diga mundo, menos luz será projectada. De igual modo
desde este momento: Deo Gratias! quanto mais numerosos forem os cristãos “trans-
Mário Veiga parentes”, mais visível se tornará no mundo a rea-
(Bol 39, Jan/Fev 1972, p. 3) lidade de Deus.
Ora nós, que tivemos uma formação mais com-
pleta que a da maioria dos cristãos, havemos de
(46). CRISTÃOS RESPONSÁVEIS sentir-nos responsáveis por que se realize no mun-
do o maravilhoso plano de Deus de fazer de todos
Há mais ou menos anos, todos nós Armistas ti- os homens a comunidade dos Seus filhos.
vemos de enfrentar o problema da vocação Todos somos chamados a colaborar na edifica-
missionária e optámos por um caminho que, então, ção de um ”mundo melhor”, não o mundo em abs-
nos pareceu ser o nosso. tracto ou longínquo, mas o “nosso mundo”, aquele
Felizes de nós se acertámos na escolha! onde vivemos, onde se situa aquela nossa zona de
Infelizes, porém, se, ao optar por um caminho influência.
de não “consagrados”e por isso não destinados à Sabemos que a “Salvação” que Cristo trouxe
primeira frente missionária, abdicámos também das ao mundo não é algo que se situe apenas para além
nossas responsabilidades de cristãos no Mundo. da morte e que a religião não é um refúgio para as
Aliás, tem sido trágico que os “alfobres” de pa- nossas limitações ou frustrações.
dres, que são os seminários, não tenham sequer, em O “reino de Deus” realiza-se desde já em nos-
tantos casos, sabido ou podido preparar bons cristãos. sas vidas terrenas, começa neste mundo, que fare-
Queira Deus que, se alguma vez sentimos ou mos mais justo e mais fraterno, se dissermos “sim”
viermos a sentir a tentação daquela abdicação, lhe ao Senhor e realizarmos a Sua Vontade, “assim na
saibamos resistir. terra como no Céu”.
Porque a quem mais se dá, mais se exige. E nós, Manuel Nunes Ferreira
no Seminário, recebemos muito... (Bol 40, Mar/Mai 1972, p. 1)
Todos, neste mundo, temos uma pequena ou
grande “constelação” de pessoas à nossa volta, na
família, no trabalho, na roda dos amigos, dos vizi- (47). NA VANGUARDA
nhos ou dos simple conhecidos.
E em relação a todos temos alguma influência, Chegou-me às mãos uma estampa cujos dize-
maior ou menor. Projectamos luz ou sombra à nos- res transcrevemos integralmente:
sa volta. “O Diácono que desempenhar devidamente
Já ouvi comparar o Corpo Místico de Cristo a o seu cargo, alcançará para si um “munus” hon-
uma lente gigantesca, através da qual se projecta roso e muita confiança na fé de Jesus Cristo”
no mundo a luz da Graça de Deus. (S. Paulo, 1.a Tim. 3,13).
Cada um de nós, cada um dos membros do Recordando a Ordenação de Diaconado de
Corpo Místico de Cristo, pode assemelhar-se a uma João dos Santos Magro (primeiro diácono casado,
pequeníssima partícula dessa lente. em Portugal) realizada na Igreja da Missão do I.
Se somos cristãos autênticos, se vivemos em L. E. – Zambézia, Moçambique –, em 27 de Junho
graça, a luz de Deus passará através de nós e ilumi- de 1971 por D. Francisco Nunes Teixeira”.
nará o mundo que nos rodeia.
Se, pelo contrário, vivermos em pecado, não O Senhor Bispo de Quelimane figura neste fac-
estaremos transparentes e então forma-se como que to histórico com o devido relevo. Foi o primeiro
um cone de sombra para além de nós. E aqueles Bispo português que confiou nos leigos a ponto de
que estiverem sob a nossa influência poderão ficar não hesitar em conferir o Diaconado a um homem
privados de receber a graça. casado, pai de muitos filhos, cristão exemplar, e
161 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

considerado digno do “munus” do diaconado, se- vários modos, em diferentes termos, mas constitui
gundo os cristãos do Concílio Vaticano II. uma realidade viva e presente na alma do crente
O João dos Santos Magro, um beirão de S. que vive da fé: a salvação da alma “post mortem”;
Miguel d’Acha, passou a ocupar um lugar de van- a vida da graça, a paz da consciência, de que de-
guarda no laicado português. É muito honroso para pende a felicidade neste mundo; a realização da
ele ter conseguido viver a vida cristã de um modo justiça entre os homens e a fé em Deus: “Quaerite
exemplar, a ponto de a Igreja e o Povo de Deus ne- primum regnum Dei et justitiam ejus et coetera
le terem posto os olhos plenos de confiança e admi- adicientur vobis”.
ração, e o terem admitido a partilhar com o Epis- Buscar primeiro, antes de tudo e acima de tudo,
copado e o presbitério o sacerdócio ministerial. o reino de Deus, “reino eterno e universal, reino de
Refiro-me ao novo diácono com muita simplici- justiça, de amor e de paz”.
dade, sem qualificativos especiais. Trata-se de pessoa Procurar sempre, em todas as circunstâncias,
conhecida de muitos dos nossos caríssimos leitores, através de todas dificuldades, realizar entre os ho-
embora há muito tenha passado pelo nosso meio. mens a justiça de Deus.
Sim. Embora modestamente, temos muita satis- E, depois disso, confiar; confiar plenamente em
fação em registar que o primeiro diácono casado de Deus – que é Pai, que é justo, que nunca se deixa
Portugal é um antigo aluno da Sociedade Missionária. vencer em generosidade, que está sempre atento às
Tendo deixado os nossos Seminários dirigiu-se necessidades dos seus filhos e que nunca lhes fal-
a Moçambique. Entrou ali nos serviços de Admi- tará, no momento próprio, com o necessário.
nistração Civil. Em 1946 estava em Nampula. Ali …”Coetera adicientur”: o resto, tudo o que for
casou. Os párocos de Nampula tiveram nele um indispensável à sobrevivência e à realização dos fins
apóstolo leigo sempre disponível. superiores do Homem, será dado por acréscimo.
Passados alguns anos, foi transferido para ou- Afinal, o “unum necessarium” é o reino de Cris-
tras localidades. Finalmente fixou-se no I. L. E., to nas almas. Quando o Espírito d’Ele orientar as
onde presta serviço na Administração Civil. actividades dos homens haverá paz, haverá justiça,
Foi com alguma surpresa e principalmente com haverá amor; o homem não mais será o “lobo do
muita alegria que recebi esta notícia. Penso que o homem”; os bens materiais e espirituais serão dis-
mesmo acontecerá com os leitores. tribuídos com mais equidade; não morrerão uns de
A seriedade da formação humana, intelectual e fome e outros de lautas ceias.
espiritual dos Seminários da Sociedade Missionária Com inteira razão escreveu o último Sínodo dos
está na base de muitos valores que honram a vida bispos no seu documento “A justiça no Mundo”:
portuguesa, nos mais variados sectores. “A situação actual do mundo, vista à luz da fé, faz-
Pe. Albano (Mendes Pedro) nos um apelo no sentido de um retorno ao núcleo
(Bol 41, Jun/Jul 1972, p. 1) central da mensagem cristã que cria em nós a cons-
ciência profunda do seu verdadeiro sentido e das
suas urgentes exigências”.
(48). UNUM NECESSARIUM O verdadeiro sentido da mensagem cristã é o
“unum necessarium”.
Perante as desordens de toda a espécie que alas- As suas urgentes exigências traduzem-se, afinal,
tram pelo Mundo e põem em grave risco a ordem na necessidade de um empenhamento sério e profun-
social e a própria sobrevivência da humanidade, do de todos os cristãos no sentido da sua realização.
muitas vezes nos quedamos a meditar nesta pala- … “Et coetera adicientur”!
vra de Cristo... José Francisco Rodrigues
Afinal, uma só coisa é necessária ao homem e (Bol 42, Ago/Set 1972, p. 1)
essa deveria, portanto, constituir o grande objectivo
da sua vida, a razão maior de todos os seus esforços, a
preocupação constante da sua curta existência.
Esse “unum necessarium” pode exprimir-se de
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 162

(49). PERSEVERAR reúne. Ao contrário do que muitos imaginam, en-


tre os bantos o poder do chefe é muito limitado
A perseverança é uma das mais raras virtudes, mas pela obrigação de consultar e respeitar as tarefas
é a chave de todo o êxito. Sem ela todo o esforço se diversas dos conselheiros.
perde. Só quem persevera vence. Mas é difícil perse- Vai fazer, em Setembro, 25 anos que o P. Albano
verar, permanecer na trincheira, exposto aos ataques partiu para Angola. Foi um dos missionários mais
de muitos. Muito mais fácil é abdicar, desistir. queridos em Luanda. Mas, logo depois, a Socieda-
Mas abdicar é confessar-se vencido. A abdica- de se espraiou pelo Quanza Sul, região difícil, onde,
ção é uma derrota. mais tarde foram raptados o Laurindo e o José
Abdicam os comodistas, os velhos, os incom- Mendes e onde morreu o Irmão Artur, cujo túmulo
petentes, os incapazes e inúteis. os nossos não puderam visitar durante muitos anos
Abdicam os ofendidos e despeitados, os que por causa da guerra. Mas região bonita e de um
recusam a luta, os covardes. povo bom, povo do poder repartido, do Ondjango.
Dirigir é mais que tudo servir. E servir é ser útil De lá vieram os primeiros dois padres angolanos
aos outros. da Sociedade: o Eduardo Daniel que vai nestes dias
Quem tem responsabilidades de cargo deve as- para a Zâmbia e o Kaquinda, ordenado no Seles,
sumi-las até ao fim, sem pretensões embora de a no passado 13 de Maio, e que se prepara para o
todos agradar. Brasil. Temos muito a celebrar na festa dos 25 anos
A validade dos nossos actos está na dedicação de missão em Angola.
ao serviço dos nossos semelhantes. Avalia-se pelos Vale a pena fazer festa porque os missionários
resultados. Estes, porém, embora válidos, estão descobriram o ondjango e a Igreja, pelo menos na
sempre sujeitos a críticas, pois são sempre aprecia- base, também pode ser ondjango: 1.° Todo o cris-
dos segundo a escala de valores de cada um. tão tem a responsabilidade de espalhar a fé. “O
Salva-nos, porém, a intenção de servir. E a cer- evangelizado evangeliza” é o lema do Bispo D.
teza também de havermos sido úteis àqueles que Zacarias, agora promovido a Arcebispo do
se julgam capazes de fazer mais e melhor. Lubango. 2.º Alguns de cada aldeia são eleitos para
É cómodo renunciar, desistir... Mas a vida é luta. coordenar os trabalhos: catequese, liturgia,
E também deve ser sonho. É preciso construir, so- ecumenismo, serviço aos velhos e crianças pobres,
nhando. etc. 3.º Estes responsáveis formam o Conselho, o
Com os pés bem firmes na terra, atentos às rea- Ondjango, presidido por um deles. 4.º O padre faz
lidades, trabalhemos todos unidos em busca de um parte do ondjango, de todos os muitos ondjangos
ideal mais perfeito, sem sacrificar o bem geral ao da paróquia. Tem autoridade, sim, repartida. É o
particular ou de grupos, sem preferir até ao bom o Ondjango que representa e coordena a Igreja, toda
óptimo, ao viável o utópico. Idealistas mas realis- ela ministerial, com diversidade de serviços. As-
tas. Comunitários, não parciais. sim os cristãos da aldeia formam uma comunidade
Assim, logo que alguém mais capaz surgir, haja e a paróquia é uma comunidade de comunidades.
a humildade de se lhe ceder o lugar em prol do Já pensou? E se a Igreja fosse assim em toda a
bem comum. parte, verdadeiramente colegial, como diz o Con-
Albino Santos cílio?
(Bol 43, Out/Nov 1972, p. 1) A Sociedade Missionária já formou muitos pa-
dres e irmãos. Mas há na Igreja muitas outras pes-
soas que podem ser missionárias: jovens, casais,
(50). ONDJANGO religiosos, padres diocesanos. Além de formar pa-
dres e irmãos, pode formar esses outros, com ser-
É uma palavra umbundu que denomina a casa viço diferente, mas com a mesma vocação: anun-
redonda onde os responsáveis da aldeia se encon- ciar a Boa Nova. Assim, a Sociedade também será
tram para resolver os problemas da comunidade. mais ondjango: coordenação de ministérios diver-
Também se chama ondjango o conselho que aí se sos e complementares, ao serviço do Reino.
163 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

No início do próximo ano lectivo, em fins de Vem aí a festa de Todos os Santos, o dia dos
semana, começamos a formação de missionários Fiéis Defuntos, daqueles para quem este Mistério/
diferentes que se comprometam a dar 3 anos de revelação é vida já sem sombras, sem problemas,
serviço. Precisamos de professores de português e sem lágrimas. Seja à luz deste Deus-Mistério que
inglês, médicos(as), enfermeiras(os), agentes de ser- nós resolvamos os nossos problemas. E... se pu-
viço social, de promoção da mulher, da juventude, dermos, que ajudemos alguém a resolver algum dos
dos agricultores... seus problemas. Próprio do armista.
Vinde e vede. Viriato Matos
P. Jerónimo Nunes (Bol 61, Jul/Set 1996, p. 1)
(Bol 57, Jun/Out 1995, p. 1)

(52). A LIÇÃO DO MERGULHO


(51). DEUS, Problema ou Mistério?
As férias terminaram para a maior parte. Mui-
No momento em que me pedem o editorial para tos, neste tempo, por certo tiveram oportunidade
o Boletim da ARM, tenho sobre a mesa, para breve de irem à praia. E não faltou quem tivesse dado um
rescensão, um dos últimos livros do teólogo espa- bom par de mergulhos. Se fosse para falar destes
nhol José Maria González Ruiz. O livro, de 180 mergulhos, bem teria ficado este breve editorial no
páginas apenas, é muito denso de conteúdo, e vale princípio das férias. Mas como não é destes movi-
mesmo a pena dedicar-Ihe algumas horas. mentos aquáticos que quero falar, talvez não venha
Um bom conselho. a despropósito reflectir, por metáfora, sobre o mer-
Para já fiquemos pelo primeiro capítulo, que é gulho espiritual a que fomos convidados por alguns
o que lhe dá o título. acontecimentos últimos. Quero referir-me à morte
Por problema entendemos um objecto, um obs- de Diana e de Teresa de Calcutá.
táculo (palavras do mesmo campo significativo ou Todo o mergulho implica um imergir e um emer-
semântico), uma dificuldade, com que deparamos, gir. Um entrar dentro das águas e um sair das águas.
fora ou estranha a nós, que nos complica ou torna a Eu diria, muito brevemente, sem intenções morali-
vida dificil. zadoras (e cada um que extraia daqui as conclu-
Por mistério (os seus significados são muito di- sões que muito bem entender), que é imperioso,
versos e mais indeterminados, menos precisos que por um lado, que mergulhemos no mundo que nos
os de problema) entendamos uma coisa escondi- rodeia e que, por outro, saiamos do mundo que nos
da, secreta, uma verdade ou sabedoria escondida, intoxica; que saiamos de nós próprios e que lance-
divina, uma vontade ou plano de Deus, o reino de mos os olhos para um mundo que está mais longe
Deus, o próprio ser de Deus; em resumo, aquilo de nós, o mundo dos outros, que nos pode provo-
que há de mais profundo, ou alto, ou grandioso na car gestos de generosidade terapêutica; que nos
vida do homem. esforcemos por penetrar no sentido da vida que le-
Postas assim as coisas, ou as palavras, parece que vamos e em outra vida que podemos levar; que
não será dificil responder à disjuntiva da pergunta com apreciemos o alcance ou valor/inutilidade das ac-
que se dá título ao livro. Efectivamente, Deus não ções que fazemos ou omitimos; que nos inteiremos,
poderá constituir problema ao homem. Não é de Sua pela leitura, pelas viagens, pelos media, do que se
natureza opor-se ao homem. Dificultar-lhe a vida, cri- passa perto ou longe de nós, e nos esforcemos por
ar-lhe dificuldades. Será sim o segredo, a explicação, verificar até que ponto é que tudo isto/aquilo nos
o sentido último e a razão primeira e última da vida diz respeito ou nos deixa indiferentes.
de cada um e de todos, a garantia da existência, o Diz-se, numa frase já meio gasta, que estamos
coração do homem, de todos os homens. ou vivemos em tempos de aldeia global. É preciso
A frase de Santa Teresa de ÁviIa vem dizer isto que sejamos capazes de deduzir se efectivamente
mesmo: “nada te perturbe, nada te espante: só Deus somos cidadãos deste mundo em que vivemos ou
basta”. vivemos alienados num mundo irreal, só nosso, fei-
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 164

to de egoísmos, mergulhados, imersos dentro de apresentar outro testemunho também fundamental:


nós mesmos, ou se somos capazes de emergir, para ser o espelho onde as jovens famílias cristãs po-
encher os pulmões com o ar que vem de outros dem olhar a sua vida, ser uma casa aberta a outros
contornos, doutras margens. casais e às crianças, água pura a irrigar o nasci-
Há gente que quando mergulha se afoga, por mento duma comunidade.
não saber nadar. Há gente que não mergulha por Ouvi dizer que, anos atrás, um movimento fa-
medo ou por falta de coragem. miliar duma diocese portuguesa procurou padres
No rio da vida não podemos ficar parados. Con- para serem assistentes religiosos do movimento e
templando as águas que correm, é inadmissível fi- não encontrou. Analisaram a questão e descobri-
carmos sozinhos, alheios à torrente de vida que nos ram que a sua diocese precisava de padres. Come-
rodeia. Para vivermos e sermos cidadãos desta al- çaram a rezar e a trabalhar para que surgissem vo-
deia global é preciso emergir e imergir, cações sacerdotais nas suas famílias. Quando me
ininterruptamente, corajosamente, alegremente. contaram a história, já vários filhos deles eram pa-
Viriato Matos dres. Descobri, nestes dias, que essa grande diocese
(Bol 63, Mai/Ago 1997, p.1) é, em Portugal, das que menos envia missionários
para outros povos.
Que aconteceria se esse movimento familiar
(53). FAMÍLIAS MISSIONÁRIAS descobrisse que existem ainda bilhões de pessoas
que não conhecem o Evangelho ou não têm a Eu-
Nós católicos estamos habituados a ver o mis- caristia dominical porque faltam “assistentes reli-
sionário como um aventureiro que parte sozinho giosos”? Logicamente começariam a rezar e a edu-
para o desconhecido, deixando para trás o pai e a car os seus filhos e filhas para serem missionários
mãe, a chorar e a rezar. Bastaria ver alguns filmes no meio de outros povos. Um dia chorariam de ale-
americanos para descobrir outra imagem de missi- gria ao enviar o seu filho ou a sua filha a outros
onário: o pastor com a sua família a trabalhar jun- pobres de Deus a que Ele diz: “como a mãe conso-
tos na evangelização, a sua esposa a dirigir o coro la o seu filho, assim eu te consolarei”. O movimen-
da Igreja, os filhos na mesma escola de crianças de to se tornaria imagem do Deus consolador que so-
outra cultura, a crescer juntos e travar amizades que, corre os mais necessitados.
por vezes, são mais evangelizadoras do que muitos O Ano Missionário-Ano do Espírito também é
sermões. Nós católicos precisamos descobrir que para as famílias. Para que sejam mais sacramento,
também às famílias é dirigido o apelo: deixa a tua imagem do Deus que quer salvar toda a humanida-
terra e vai para onde Eu te enviar. de, sobretudo os que mais d’Ele precisam.
Só para dizer que isso já acontece, lembro um P. Jerónimo Nunes
casal católico da Áustria que andou 16 anos pelo (Bol 65, Mai/Jul 1998, p. 8)
Brasil. O João é agrónomo e fez de tudo naquelas
comunidades rurais. A Criselda, nunca perguntei a
profissão. Cuidava dos 4 filhos. Sei que, às vezes, (54). A ANAGOGIA DA PEDRA
dirigia celebrações dominicais.Vi-a fazer reuniões
com senhoras. Junto com elas, escreveu livrinhos Pois é assim mesmo. Não há engano. Anagogia
sobre saúde, alimentação, fabrico caseiro de pro- é uma palavra muito pouco usada, hoje. Antiga-
dutos de higiene. Um dia, um filho apareceu com mente, no tempo dos Santos Padres, os Padres An-
uma doença. Tiveram que deixar o seu campo de tigos, era mais usada. Significa uma interpretação
missão e foram para outra cidade, onde, depois de mística de uma coisa; uma interpretação com sen-
algum tempo, formaram uma escola comunitária tido espiritual elevado. Não se trata de uma sim-
para crianças com a mesma doença. Onde estives- ples comparação ou analogia. Vamos a uma apli-
sem, eram todos missionários. cação concreta, que é disso que eu queria falar, a
Uma religiosa ou um padre são fundamentais propósito da Páscoa.
para a Missão. Mas uma família missionária pode Nos Evangelhos (no cap. 28 de Mateus, no 16
165 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

de Marcos, no 24 de Lucas e no 20 de João) fala-se Missionária”. Até andou por lá recentíssimo ex-alu-
na pedra que fechou o túmulo da sepultura de Je- no da Sociedade, com a máquina às costas, a cortar
sus. Da pedra que seria preciso revolver para vol- ervas e silvas (a reunião não era o ambiente dele...
tar a ver o corpo de Jesus e que uns Anjos remove- armista que rejeita o título).
ram, simplificando e resolvendo assim as dificul-
dades às mulheres. Há uma nova Direcção com pessoas históricas
Ao sublinhar algumas palavras estou já a apon- desta caminhada e gente nova com nova energia.
tar para o sentido elevado ou místico que a palavra Como pode ela levar o Congresso à massa dos
PEDRA pode ter e que cada cristão poderá aplicar 3000? Como implementar as intuições maiores ou
a si mesmo e à sua circunstância. Trata-se de uma as mais exequíveis?
breve meditação que todos podemos e devemos 1.° O princípio básico é este: o armista é um
fazer. Sugiro apenas duas perguntas que abram ca- cristão baptizado, participa da vida de Deus e tes-
minho para a reflexão na Páscoa deste ano: temunha-a na sua vida familiar, profissional,
Sou pedra ou obstáculo na vida de alguém? eclesial e mundanal. Entre os valores que recebeu
Em que medida sou ou posso ser um anjo que no seminário, há um que a Igreja do séc. XXI quer
retira/remove pedras ou obstáculos do caminho dos destacar: todo o baptizado enriquecido com a Boa
que vivem comigo (pais, filhos, mulher, marido...)? Nova de Deus é (deve ser) missionário e pode
Retirou-se a pedra e houve Páscoa. Cristo res- (deve!) contribuir para que outros o sejam.
suscitou. 2.° princípio: A Missão que arranca do Baptis-
A Pedra rejeitada tornou-se pedra angular, base, mo realiza-se de muitos modos. Os leigos podem
alicerce, dos que n’Ele crêem. Aleluia! ser protagonistas da Missão ad gentes, universalista,
Feliz Páscoa para todos. para lá das fronteiras.
Lisboa, 19.03.01 3.° Sendo uma Associação de Leigos, a ARM
P. Viriato Matos pode ser protagonista da Missão ad gentes (esqueça-
(Bol 71, Mar 2001, p. 1) mos a linguagem antiga como “auxiliares”...).
Quando cheguei a Portugal, há 8 anos, fui pro-
vocado pela ARM a apontar alguns caminhos para
(55). UM CONGRESSO… os armistas serem mais missionários. Fiz o que
QUE PODE FAZER HISTÓRIA pude. Mas investi também noutros caminhos. A
Sociedade criou outra associação de leigos missio-
No momento em que as coisas acontecem é di- nários. Os Leigos Boa Nova existem e crescem, são
fícil prever a sua repercussão no futuro. Porque nós uma ONG. O objectivo é fazer Missão aqui e lá fora.
não somos máquinas que, uma vez afinadas, funci- Têm projectos ambiciosos para realizar em Portu-
onam automaticamente. Mas o Congresso da ARM gal e já realizaram vários na África e no Brasil.
em Valadares foi uma experiência que pode influ- Se a ARM ou alguns armistas querem partici-
enciar o futuro. par neste grandioso plano de Deus por um mundo
Foi uma convivência que ultrapassou a profun- melhor... o campo é grande e os trabalhadores são
didade normal dos encontros ARM. Houve tempo poucos. As duas associações poderiam conhecer-
para contar histórias do passado seminarístico e para se mais e colaborar em projectos concretos. A mís-
falar do presente com os seus mil compromissos. tica é a mesma: a Boa Nova. A origem é diferente e
Houve a arte imperdível da noite organizada por diferentes são alguns objectivos. Ambas podem ser
João Gamboa. Aconteceu uma profunda reflexão uma concretização laical da mística Boa Nova. Es-
sobre as companheiras e companheiros de Paulo, pero que muitas vezes se encontrem nos caminhos
apóstolos como ele. Fizeram-se exigências à Soci- do mundo. Lá vos espero.
edade: Queremos participar mais directamente na P. Jerónimo Nunes
Missão... Queremos participar na Assembleia Ge- (Bol 75, Jul 2002, p. 1)
ral, ainda que seja sem direito a voto... “Ainda não
perdi as esperanças de morrer na Sociedade
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 166

(56). MISSIONÁRIO LEIGO NA nunciou a muita coisa. “Renunciei ao conforto do


CHAPADINHA meu lar, aos meus divertimentos. Gosto muito de
música e de ler, mas na Chapadinha não há nada
Chapadinha, Estado do Maranhão, no Nordes- disso”. Porém... “estou a ganhar muito mais a ní-
te brasileiro, é uma paróquia de 62 mil almas, com vel de experiências, enquanto sinto que o que es-
3400 Km2 de superfície e 120 comunidades cris- tou a fazer é útil e muito urgente, quer a nível reli-
tãs, algumas a mais de 100 Km de distância, entre- gioso e cultural, quer social, educacional e dos di-
gue aos cuidados dos Missionários da Boa Nova. reitos humanos”.
Quatro famílias de fazendeiros, bem estribados nos O jovem missionário confessa que o padre
políticos, autoridades e forças policiais, dominam Laurindo Neto, missionário da Boa Nova, o mar-
a região e são os proprietários únicos da terra. O cou profundamente. “Penso que foi Jesus Cristo que
povo trabalhador dá-lhes o feijão como renda e fica me tocou por ele”, conclui.
com o arroz e a mandioca para sua alimentação. O Julho 2002
gado é bem exclusivo dos fazendeiros, aos quais as João Gamboa
populações têm de vender tudo o resto que culti- (Bol 76, Out 2002, p. 7)
vam e colhem pelo preço que aqueles quiserem. As
famílias só podem ter algumas galinhas e um ou
dois porcos. (57). RESSUSCITOU, RESSUSCITAREMOS
É neste mundo que trabalha como missionário
leigo o jovem Jorge Carvalhais, 29 anos, professor Um caçador mandou o seu cão perseguir o bi-
de Inglês no Colégio de Calvão, diocese de Aveiro. cho que fazia balançar uns arbustos. Rapidamente
Em entrevista ao semanário Correio do Vouga, se encontraram frente a frente o cão e a raposa. Com
publicada em Janeiro último, afirma o jovem mis- habilidade o cão levou a raposa para a mira do ca-
sionário: “A minha missão é procurar ser sal, fer- çador. Mas a esperta arriscou o seu truque: “Irmão
mento e luz, pondo ao serviço do bem das popula- cão, ninguém te ensinou que as raposas são irmãs
ções as minhas aptidões pessoais e profissionais”. dos cães?”
Na prática, é responsável por programas de rá- “Sim, mas isso são coisas de idealistas e estú-
dio. Ligado à Amnistia Internacional, faz forma- pidos. Para os realistas, a fraternidade nasce dos
ção com base nos direitos humanos. Anima cele- interesses comuns”.
brações da Palavra e apoia os padres em trabalhos Disse o cristão para o muçulmano: “Realmente
ligados à catequese e à formação de jovens. Consi- poderíamos ser irmãos. Mas, nos dias de hoje, isso
dera a educação uma prioridade e dedica-se à for- fica bem nos idealistas e nos estúpidos. Para os
mação de professores dando aulas de Inglês e tam- realistas, a fraternidade nasce das ideias comuns”.
bém de Português, Literatura, História, Geografia Neste mundo dividido por interesses e ideias, a
e Sociologia. Com esse objectivo percorre as 32 maior parte das pessoas religiosas têm 710 razões
escolas da cidade, mas não descura o seu grupo de para odiar, mas pouquíssimas para amar.
teatro, com aulas de expressão dramática e apre- É por isso que os cristãos e os pagãos precisamos
sentação de peças. de uma boa Quaresma e de olhar para aquele Galileu
À noite, tem outra actividade: “Pego num gera- que passou a vida fazendo o bem e, exactamente por
dor eléctrico e num projector e lá vou para o interi- isso, foi crucificado. Esse drama tremendo O fez suar
or passar filmes, com agrado geral das populações”. sangue, mas apostou até ao fim na doação. Os estúpi-
E é bem recebido por todos. “As pessoas estão dos e os realistas é que o empurraram para esse beco
de tal modo acostumadas a sofrer com os políticos, aparentemente sem saída. Ou realisticamente fugiram.
autoridades e fazendeiros, que confiam apenas nos Mas o Pai O ressuscitou e abriu o túnel para a liberta-
missionários, que são para eles os únicos em que ção d’Ele e da humanidade.
se pode confiar”. Como homens práticos e realistas, vale a pena
Para se dedicar a este trabalho que todos admi- apostar no Caminho que leva ao túnel. Esse é o
ramos e lhe dá muita alegria, Jorge Carvalhais re- verdadeiro culto lógico aceite por Deus. Fora d’Ele,
167 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

as celebrações e festas tornam-se folclore, espec- o ano, junto das comunidades cristãs, em ordem a
táculo, reviver das tradições de crianças. No segui- suscitar voluntários para esta tarefa de primeira
mento do Caminho enche-se de sentido a Páscoa, evangelização. Num curso realizado nos finais de
reveste-se a humanidade de esperança. Novembro participaram 80 pessoas, 69 das quais
Feliz Páscoa. fizeram o seu compromisso apostólico perante o
P. Jerónimo Nunes Vigário Geral da diocese, no dia 29 de Dezembro,
(Bol 78, Mar/Abr 2003, p. 1) na comemoração dos nossos 20 anos de presença
na Gabela.
Nos finais de Janeiro foram esses evangeli-
(58). A PRIMEIRA EVANGELIZAÇÃO NA zadores enviados para 19 comunidades, em peque-
PARÓQUIA DA GABELA nos grupos, só na área da Kilenda. Foi emocionan-
te, mas ao mesmo tempo comprometedora, a ava-
A paróquia da Gabela foi fundada há 60 anos liação deste trabalho. Desde a Kilenda, onde o ca-
pelo P. Maia, de Ovar, e, antes da sua erecção mião da paróquia os deixou, até ao lugar de desti-
canónica, já era visitada pelo Cónego Magalhães, no, alguns grupos andaram mais de 50 Kms a pé.
a partir de Novo Redondo. Por aqui passaram, an- Passaram fome e sede, privações de alojamento e
tes da nossa chegada a 28 de Dezembro de 1982, até de água para se banharem... Nalgumas comuni-
doze padres seculares. O imenso trabalho realiza- dades foram bem recebidos, noutras, tolerados e
do por alguns deles, cujos nomes continuam a ser em duas, mandados embora. Encontraram todas
evocados com muita admiração pelos cristãos, deu essas aldeias sem escola, sem posto de saúde, sem
um considerável impulso ao crescimento desta Igre- água; e as pessoas, a começar pelas crianças, têm
ja, em todos os aspectos da organização pastoral: apenas uma refeição de farinha de massambala por
criação das zonas pastorais e seu aprovisionamen- dia. Alguns dos evangelizadores ficaram abisma-
to com ministérios locais, promoção da catequese dos porque pensavam que já não existiam situa-
e da liturgia, estruturação do catecumenado, pro- ções destas em Angola. Sentiram a sua impotência
moção do laicado e lançamento de movimentos perante tantas urgências. Aparentemente nada mu-
apostólicos, incremento da acção social, etc. Apa- dou no final do trabalho deles. Porém, o seu teste-
rentemente parece que até dava para ficarmos tran- munho de oração e solidariedade com aquele povo,
quilos... a presença junto de doentes graves, alguns dos quais
Em 1999, ano do Espírito Santo e da Missão, foram curados, deixou uma marca muito grande.
através dos inquéritos que, no ano anterior, havía- Na hora da despedida, em quase todos os lugares
mos entregado aos nossos catequistas-visitadores, pediram que voltassem quanto antes para que a
demo-nos conta de que, num universo de 340 al- sementinha deixada não murchasse. Nalguns sítios
deias, havia cerca de 70 sem um único católico. até já ficou um grupo de oração que está a reunir
Isso mexeu muito com a equipa missionária. De- todos os dias, e em todos ficou uma grande cruz de
pois de um curso para evangelizadores, constituí- madeira a testemunhar a passagem de Cristo Re-
mos algumas equipas que foram em missão para dentor por aquelas paragens.
algumas dessas aldeias, ao serviço do primeiro Apesar das privações e das doenças que de lá
anúncio. Num tempo de guerra e de rusgas para trouxeram, já partiram de novo para as mesmas al-
apanhar homens para a tropa, essa iniciativa ficou deias, de 28 de Fevereiro a 4 de Março, para “re-
meio abortada, se bem que já haja frutos desse tra- gar” a semente aí deixada e “arrotear” novos terre-
balho: vários catecúmenos e, em duas delas, até já nos. E para as outras 50 aldeias que ainda faltam?
os primeiros baptismos. Mais uma vez constatamos que “a messe é grande
Em Janeiro de 2002, foi assumido como gran- e os operários são poucos...” (Lc.10, 2), ou, como
de objectivo da diocese empenhar todas as comu- diria João Paulo II, a Missão está ainda no seu co-
nidades no serviço do primeiro anúncio, em todas meço (R. Mi. 40). Estes catequistas foram envia-
as paróquias. A partir da primeira experiência, fi- dos à nossa frente a preparar o caminho (Lc.10, 1).
zemos um trabalho de sensibilização, durante todo É um trabalho novo que se abre diante de nós, em
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 168

que tudo vai começar desde o princípio. Não da Vida e ele próprio se diz a Vida que vem trazer-
estamos longe dos começos do anúncio do Evan- nos em abundância.
gelho pois as situações são exactamente idênticas. Jesus vive a sua vida fazendo o bem e pondo
Foi esse o quadro de reflexão/avaliação com os em prática aquilo que vai ensinando aos amigos,
nossos evangelizadores. Mais uma vez sentimos indicando assim aos homens o caminho a seguir.
que o ardor missionário começa também a difun- Jesus vence, pela sua paixão e morte na cruz, a
dir-se por estas terras, quando está mortiço por ou- Morte do pecado e ressurge, ressuscitado e glorio-
tras paragens. so, Homem Novo e liberto, vivendo a Vida de Deus
Este desafio não fica confinado aos limites da e gozando a sua Luz infinita.
nossa paróquia. Dentro de três meses é o P. Aníbal Este é o caminho... Sejamos sinal e presença de
Morgado que vai, durante algumas semanas, para Deus no transitório do pó que somos: com gestos
a área do Mussende/ Chiengue, Missão onde não de amor e paz que adocem a indiferença e o ódio;
há missionários desde 1976, para, juntamente com comportamentos de luz que desvaneçam a escuri-
algumas Irmãs e Leigos, aí ajudar a organizar a vida dão; atitudes de vida que respondam à morte; rosto
cristã, orientada, ao longo destes anos, apenas por e sorriso de alegria que ilumine a tristeza.
alguns catequistas. Tudo isto é fruto da paz que para Procuremos e facilitemos o encontro de Deus
nós é bênção e, ao mesmo tempo, desafio a que com o Homem, na pessoa de Cristo Menino.
temos de dar resposta. João Gamboa
P. Augusto Farias (Bol 81, Dez 2003, p. 1)
(Bol 80, Out 2003, p.3)

(60). PAIXÃO DE CRISTO


(59). NATAL PARA A VIDA
Aos que me têm convidado para ver o filme
O acto de nascer é sempre um acto para a vida, tenho respondido que já vi! De facto não vi a pai-
para o estar vivo. E estar vivo, viver – é o que o xão do Gibson, mas, nesta Quaresma, tive oportu-
homem mais deseja, porque é o único sentido para nidade de experiências mais radicais.
que aponta e se dirige o seu nascimento. Nasce-se Para visitar uma doente tive de entrar numa casa
para se viver. O nascimento é, pois, uma passagem por um janelo perto do telhado, a uns quatro me-
para a vida, ou para um estádio ou modo diferente tros de altura. Desculpe, não fui eu que entrei, foi
de vida. Nascer é entrar na vida. um garoto que meia hora antes conhecera numa
Porém, nascer é também dar um passo para a escola. Que alegria nos seus olhos quando me viu
morte, começar a caminhar para ela, ficar mais pró- ali! Entendeu logo tudo e foi buscar a escada que
ximo dela. Nascer também é começar a morrer, a eu subi para o deitar a ele para dentro da casa e me
morte faz parte da vida. abrir a porta da frente.
Nesta encruzilhada, na lâmina desta angústia, Que alegria a da senhora, ao ver o padre ao seu
surge o acontecimento mais desejado e celebrado lado (nem desconfiou dos meios usados para lá
em toda a história – o Nascimento de Jesus. Dese- chegar)! Que alegria a minha ao ver como o seu
jado intensamente pelos que viveram antes na es- sofrimento é vivido com sorrisos em solidariedade
perança dele; celebrado todos os anos pelos que já com a Paixão de JC, oferecido pela salvação do
vieram e ainda virão depois, na convicção profun- mundo, pelos missionários também.
da de que o Natal de Jesus é o acontecimento mais Ao sair, encontrei o garoto na cozinha a comer
revolucionário e libertador alguma vez aconteci- a merenda com o irmão mais novo. Fechei o gás
do. É o Eterno que irrompe no meio do Efémero, é que ainda saía por um bico já sem chama. E vis-
Deus que vem viver com os homens. lumbrei o motivo que levara o garoto a ajudar-me
Jesus revela-nos esse Deus-Amor que nos ama a entrar em casa: a fome é negra e ele estava preso
e nos quer felizes vivendo como irmãos. do lado de fora! Comiam à pressa para fecharem
Jesus apresenta-nos esse Deus como o Senhor logo a casa atrás de mim.
169 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

Antes de entrar no carro ainda pude olhar para


a beleza da beira-rio. Já lá andavam os dois garo-
tos, contentes, de barriga cheia, um a cuidar meia
dúzia de ovelhas, o outro a correr atrás de uma bur-
ra. E arranquei sem entender por que estava ali es-
tacionado o Vectra do namorado da mãe dos garo-
tos, guardiã da idosa acamada.
Continuei a minha peregrinação pelos aca-
mados, mas não consigo esquecer esses 40 minu-
tos radicais em que contemplei a Paixão de Cristo.
Quero voltar lá antes de ver o filme. Neste caso, o
reality show vale mais do que a arte ensaiada, ape-
sar de provocar menos lágrimas e ter menos propa-
ganda.
Aviso que esta cena foi gravada em Portugal,
numa região onde há membros da ARM e muitos
outros vão passar férias, talvez até a próxima Se-
mana Santa. Mas o local interessa pouco. Depois
disso já vivi outras semelhantes em cenários dife-
rentes. O importante é ter olhos para ver.
Uma feliz e santa Páscoa, vivida com paixão.
Até às camaratas de Cernache, nos dias 15 e 16 de
Maio.
P. Jerónimo Nunes
(Bol 82, Mar/Abr 2004, p. 1)
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 170
171 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

4. TU CÁ, TU LÁ, COM ENTUSIASMO


A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 172
173 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

(61). POSTAL PARA TI (1) multaneamente, metendo também ombros à trasei-


MAIS PENEIRAS... ra do carro ou forçando-lhe o rodado.
Nada. Impassível, o animal, manhoso e estúpi-
Caiu como uma bomba o artigo do nosso cola- do (seria portanto burro!…) não se movia.
borador e estimado presidente da A. G. da ARM Lá que sentia o chicote, via-se que sim, mas
sob a epígrafe “Peneiras”. andar, não, não era com ele.
Recorte literário, ortodoxia, clareza, sincerida- Aparece quem, no desejo de ajudar o homem,
de, numa palavra, lição. Outra coisa não era de es- empurre também a carroça. Mas quê? se o burro
perar do grande mestre e exemplar cristão. era burro e apanhava mas não andava.
De vários recebemos aplausos e até de alguns, Éramos já bastantes os “mirones”. O homem
que, como nós, “generosamente” viram segundas desesperava.
intenções aliás inexistentes, recebemos comentári- Às tantas, surge dos lados da Rua do Almada
os mais ou menos espirituosos que a camarada- uma mulher, mamuda, expressivamente congesti-
gem admite e que denunciam não ter morrido em onada. Barafusta, insulta o pobre do homem e por
nós aquele espírito de observação, crítica e bom fim tenta roubar-lhe o chicote e, sem mais aquelas,
humor que no declinar da vida tanto ajuda a man- em tom solene de delicioso ridículo, declara: “Está
ter a jovialidade de espírito. preso, chamem um polícia, eu sou da “sociedade”,
Apesar disso, confessemos, eu e tu pertence- está preso, não se bate assim no animalzinho!, eu
mos à seita dos fariseus que não vemos a tranca sou da “sociedade”, chamem um polícia”.
para vermos o argueiro. Eu, porque peguei numa Embora o animalzinho fosse um animalzão,
dessas carapuças e reservei-a logo para o “Dr. do percebi; ela era da “Sociedade”.
Tramagal”. Tu, então, desculpa-me, mas também Por isso berra, protesta, barafusta…
sem “caridade” nenhuma clamas que ela assenta Surgem comentários, “p’ro burro”, mas quase
bem num “clérigo”, perdão, num colega (minhoto todos “p’ro homem”.
ou transmontano?) que teima em não ligar à “mal- Um dos assistentes: “Oh santinha, quer que ele
ta”. Um alfacinha classifica-a de “monumental li- leve o burro ao colo ou que lhe dê aqui de mamar?”
ção a um notável de... de qualquer parte”. Outro A mulher rebenta de ira e, de língua apimenta-
fuzila o José Francisco da Silveira. Mas, a propósi- da, desfiou um longo rosário de termos expressi-
to, já lhe disseste que existimos? Pois vou dizer- vos… mas irreverentes.
lho eu agora. A harpia tinha razão. Já fazia falta um polícia.
E outro e outro ainda… Santo Deus, tanta cara- Um velho, que chega pergunta:
puça e tanta careca ao léu. – Quem é? Que quer?
E isso, afinal, porque todos somos peneirentos, Ao que um garoto (teria treze anos) responde:
e só por isso “generosamente” “as” enfiamos aos – Não conhece? É a mãe dos gatos! Mora ali…
outros sem repararmos que a nós é que elas fica- (indicava a Rua do Almada).
vam a matar. –?
Zé do Porto – Já foi presa por espancar um sobrinho!
(Bol 20, Mai 1968, p. 3) – ?!!!
– Até o homem “come” quando está com um
golito.
(62). POSTAL PARA TI (2) * * *
ASSIM VAI O MUNDO Relembrei esta cena quando, há dias, um jornal
desta cidade “gastava” (?) três colunas para relatar
Já lá vão cerca de 35 anos; eu descia a Calçada a entrega de um prémio de mil escudos instituído
de Mompilher e vi, vi mesmo, entrei na cena. por certa criatura, em testamento e para premiar
Era um burro – burro, cavalo ou mula, não sei actos de “filantropia” para com animais, deixara,
já –, uma carroça sem carga e um homem que sua- ao jornal, 70 contos!…
va as estopinhas, ora chicoteando o animal ora, si- Para meditação de pessoas bem formadas vou
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 174

transcrever as últimas linhas dessa notícia: Quando há meses lhe falei da ARM e do seu
“A título de curiosidade, saliente-se que a pre- Boletim ele admitiu tê-lo recebido já mas que, por
miada D… tem sob o seu tecto nada menos que 12 falta de tempo, nem sequer o lera; agora, graças a
gatos, 3 cadelas, 8 canários e 1 periquito”. Deus já o lê e acha bom. Falou-me do Dr. Guerra,
Para além disto só a notícia de que também os do Acácio, do Carreiro, do Nereu e de tantos ou-
jornais se fizeram eco: – Vai construir-se no Porto, tros. “Que prazer em reencontrá-los!”... disse.
numa esplêndida quinta, um hospital, hotel, alber- Pois, meu caro, é fácil se, mesmo que te seja
gue ou coisa que o valha para cães vadios. difícil, te fizeres substituir na Paróquia no dia da
Será o melhor da Europa. Centenas, milhares próxima reunião.
de contos!… E, acredita, lá estaremos todos para te abraçar.
Pobres crianças, pobres pretinhos, quem se lem- A tempo: não esqueças um postal para o Boletim.
brará de vós?… * * *
Zé do Porto Durante o decorrer dos exames do 7.° ano (2.ª
(Bol 21, Ago 1968, pp. 3 e 2) época), encontrei o Pardilhó. Não sei qual o alibi
que usa mas, mal se lhe dá metade da idade que
tem de ter. Hesitei. Reconheci-o como colega es-
(63). POSTAL PARA TI (3) colar. Mas de onde?… Colégio João de Deus? Au-
las primárias?
Quando do nosso penúltimo número, eu pro- Depois de um apertado abraço – eu sabia que
meti, aqui, escrever ao José Francisco da Silveira, era condiscípulo –, disparei:
de Caria, a saber do rumo da sua vida, do seu pen- – Então onde vives agora ?
sar, da sua saúde, enfim de Si em relação aos seus e – Ora onde?!... Em Pardilhó!
também em relação a nós. Tanto bastou e, então sim, que era ele mesmo,
O Silveira leu, pois leu!, mas, esperto, não se o Henrique Lopes Ramos.
manifestou e aguardou e aguarda lógica e pruden- Direcção: (só) Pardilhó.
temente. Eu, porém, e de vários que não por ele, Que formidável vai ser a próxima reunião!…
recebi notícias suas que muito me alegraram e en- * * *
tão, cá por certas razões e com premeditados fins, Em viagens, que quase pareceram de inspec-
resolvi “castigar” o silêncio do Silveira com uma ção, visitei o Sebastião Almeida em Carregosa, o
visita familiar no final de Agosto. Caldeira em S. João da Madeira, o Dr. Marques
Mas... o homem põe (salvo seja!) e Deus dis- Pereira em Coimbra, o Sebastião Lobo em Águeda,
põe. E não pus, perdão não pude, por culpa alheia, o Chamusca em Freamunde, etc., etc., e recebi vá-
papar-lhe um caldo como desejava. rias das quais por razões pessoais perdoareis que
Atrás de tempo, tempo vem... mencione apenas a do Dr. Manuel José Guerra.
Darei notícias para a próxima. Todos eles me entregaram um abraço para ti.
* * * Zé do Porto
Quanto ao Dr. do Tramagal a quem também (Bol 22, Nov 1968, p. 5)
então me referi, com esse encontrei-me há dias.
Várias vezes nos temos encontrado. E, para satis-
fazer um pedido de dois curiosos, aí vai o seu nome (64). POSTAL PARA TI (4)
na esperança de que para o identificarem não seja
necessária a irreverência da publicação dos seus Tens razão, meu velho. O meu último postal foi
cognomes: maior que a légua da Póvoa. Desculpa.
João Milheiro de Carvalho * * *
Neste interregno a coisa correu bem. Mesmo
Ordenou-se na sua diocese, creio, e depois dou- muito bem. Escreveram-me, acabaram por me es-
torou-se em Espanha. Actualmente é o Capelão- crever, a marcar brilhante presença entre nós o
mor de Sta. Margarida. Silveira, o Lopes Ramos (Pardilhó) e muitos ou-
175 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

tros com 5 dos quais, especialmente, estou de acor- como sabes. Por isso orgulho-me todo de assinar
do: – O Boletim deve, tem de sair mais vezes por Zé do Porto. Há porém uns tantos que – eu bem os
ano. Sim, tem e vai sair, certamente. É que os mor- entendo – me chamam Zé das Ideias. Bom, ele há
tos estão a ressuscitar e até já escrevem; mais: muitas maneiras de insultar...
muitos até já pagaram as cotas!!!... Pois bem, o Zé das Ideias sugeriu há tempos ao
O Milheiro de Carvalho (Dr.) não escreveu. Presidente que enviasse a uns 50 nomes bonitos
Procurou-me. Claro, sempre que o faz é para me um postal que redigiu e no qual se lembrava inge-
criar complicações. Calcula tu que me confiou um nuamente, claro, o pagamento das cotas em débito.
enormíssimo abraço para eu repartir por todos. A coisa resultou e por isso confidencialmente te
Como me é humanamente impossível andar de digo que o Presidente quase pulando de contente
porta em porta, País além, cá guardo o teu quinhão dizia depois ao Tesoureiro: “Ó pá, assim sempre o
para quando nos encontrarmos. Boletim poderá sair mais amiudadas vezes...” E o
É terrível este Milheiro. Fala, fala e de tal ma- outro: “Pois, pois!...”
neira me troca os olhos com a conversa que não * * *
pude cumprir as ordens do nosso Presidente: “Quan- Eu não estranho já. Ele há sempre quem se ajeite
do estiver com ele cace-lhe as cotas de 67, 68 e, de a não perceber o que lê que até uns 20 dos 50 refe-
castigo, já também a de 69”. Mas vá que desta vez ridos continuam, com grande pesar nosso, a ser vi-
deu-me já o nome de um perdido cá na nossa terra, vos mortos quando os preferíamos mortos vivos.
o Augusto Américo Afonso, e que afinal já foi lo- Sim, que um morto vivo é mais útil que um vivo
calizado pelo Alves Pereira. Anota, vive na Av. morto. Como remédio “in extremis” vamos repro-
Rodrigues Vieira 17 Leça do Balio. duzir o referido postal só para esses e... para ti, se é
* * * que também o merecias (a experiência do postal
Uns atrapalham-se por “defeito”, outros por foi a título reduzido). Mas, por favor, não desatem
“excesso”. O Manuel Francisco da Silva, do Bair- a enfiar carapuças à toa. O número é limitado,
ro da Encarnação, Rua 22 – Lisboa, manda-me um limitadíssimo. Ora pois:
vale de Correio de 273$00 e não diz nada. Como
estávamos em vésperas de Natal, tive a tentação de “Porto, 12 de Novembro de 1968
lhe telegrafar a agradecer o peru. Pensei um pouco
mais e... ná, isso não é para mim, certamente. Mas... Caro Armista:
para a ARM? Que raio de conta!…
Bom, é charada. Vou tentar resolvê-la. Ordens Vimos por este meio pedir-te desculpa de não
ao Tesoureiro: registe 50$00 cota 68 + 50$00 cota termos ainda promovido, pelo correio, como nos
69 + 173$00 de telhas para o Seminário. Eu cá, cabia, a cobrança das cotas da Associação dos
mesmo que à custa alheia, sempre que posso, dou Antigos Seminaristas de Tomar, Cernache ou
telhas até preferentemente a tijolos. É que, se dou Cucujães relativas ao ano corrente.
telhas, fico com menos e, assim, podereis todos Estes serviços, porém, ficam caros e por isso
aturar-me melhor… procuramos evitá-los pedindo a todos poupem à
Dias depois, que arrelia! O Tesoureiro refila, nossa Associação essa despesa e a nós a trabalheira
diz que não obedece e argumenta: “Esse está pago. de tal cobrança.
Não pode ser”. De acordo? Para não esquecer, diz-nos algu-
– Ah! diz o Presidente regressado da Lua, eu ma coisa ainda hoje, como quiseres, até em selos.
recebi carta dele. Isso é um saldo da Delegação de
Lisboa. Ano 1967 ..................
Ora bolas. Fiquei com pena. Já agora estava a
contar com telhas... e… sentia-me mais leve. Ano 1968 ................... 50$00
* * *
A minha terra, mesmo que o Padre Almeida, De, troco, antecipadamente, enviamos-te um
por pirraça, o negue, é a mais bonita do Mundo, formidável abraço da malta cá da terra.”
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 176

Se estás nas condições, responde. Diz-nos al- Zeferino, o Vigário, o Armando Alves, o Ochoa, o
guma coisa que o teu dizer tem graça. Chamusca e tantos, tantos outros que com “dê er-
Zé do Porto res” ou sem “dê erres”, pela sua craveira moral e
(Bol 23, Fev 1969, pp. 2-3) também intelectual e social muito honrariam o lu-
gar da presidência da nossa assembleia geral; mas
o Paisana...
(65). POSTAL PARA TI (5) Bom, fiquemos por aqui, a menos que haja quem
o não conheça ou me não entenda.
Em mim todos “batem”. É uma signa, uma Estamos de parabéns!...
“infelicidez”. E o pior é que, de tantas que levo, já *
nem dou por isso. Em Cernache ouvi, estupefacto, A nossa Direcção. Bom, eu tenho que dizer o
um dos nossos dizer que Fulano, (este teu criado) que sinto. Lá confiança em todos não tenho. Mas
“fala, fala porque atrás “dele” estão uns padrinhos tenho-a na mor parte que, só por si, garante. Os
que lhe dão umas palmadas nas costas” (?!!!) outros não têm história, mas... vão fazê-la, ora pois!
Como nada tinha sentido, olhei discretamente Eu não tenho confiança mas nunca perdi a es-
para trás mas só vi senhoras e, pelo menos, aparen- perança, entendamo-nos.
temente, vários leigos. Nunca fiando, que “eles” Zé do Porto
(muitos deles dos padres) já não respeitam os usos (Bol 26, Ago 1969, p. 3)
e costumes dos lugares, indaguei.
Mas não, nenhum era padre. Assim, como não
percebi nada, logo descoroçoado concluí com os (66). UM ABRAÇO PARA TI
meus botões “apre! sou ainda mais estúpido do que Conversa à minha moda
pensava”. Paciência!...
Mas, já agora, também não quero entender... Afazeres vários levaram-me de novo a Lisboa
se isso não tira verticalidade nem impede que a ca- onde indesmentível amizade de armistas mai-la das
ravana passe... suas caras metades me retiveram 15 dias.
* Muito teria para contar. Apenas porém vou re-
Eu por mim gostei; gostei da Festa. ferir um pormenor do regresso de uma estupenda
Gostei de ver o Paisana, o Nereu, o Dr. Nunes passeata que o Carreiro me proporcionou à Nazaré.
Ferreira, o Abel Martins, o Dr. Rodrigues, o P. Na estrada, o indicativo Benedita. Abrandando
Serafim, o Martins; o Prata (Dr.), o Costa Vaz, o de súbito, pergunta-me o meu simpático hospedeiro:
Cardigos, e sobretudo... a ti. Sabes? achei-te bom. Já – Lembras-te dos da Benedita, dos Carmos?
sei que nunca te queixaste do aspecto, como dizia o – Não, respondi.
sr. D. Carlos Fragoso, mas enfim... pela aragem... – Eram três irmãos, o António, o Luís e o Joa-
Com tristeza vi que faltou o Piresão, o Amândio, quim; mas só dois eram do nosso tempo.
o Zé Silveira, o “nosso” João da Barra, o Tereso, o E sem esperar raciocínio ou melhor resposta, lá
Maués, o Henrique Ramos, o P. Silveira, o Carreiro, guina ele à esquerda, estrada fora, por entre fartos
o Dr. Milheiro, o Machado, o MeIo, o Dr. Delgado, pomares e sobre feio piso, até à Benedita.
o Salvador, o Granjo, o Dr. Alves... mas enfim, as- Caminho fora recordei o António e, por isso,
sim mesmo, gostei. chegados, perguntei onde morava e pronto me in-
O Bom não “grama” o óptimo. Gostei e até dicaram a casa.
porque nunca vi tanta gente “nossa” reunida. Entrei. Café, Restaurante, Mercearia. Recebeu-
* me um rapagão jeitoso adentro do balcão.
O Paisana – O Paisana é uma lição. Lição, ele; – Que deseja?
lição, a esposa; lição, os filhos. Fiz cara feia, armei em polícia e perguntei se o
Eu não quero ofender o Rodrigues, o Guerra, o snr. António Carvalho estava.
Prata, o Nunes Ferreira, o Martins de Oliveira, o – Não está, agora.
Ramos, o Rodrigues Pereira, o Marques Pereira, o – Mas devia estar. Onde se encontra?
177 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

Empertigando-se o rapaz returque: (67). CONVERSAS À MINHA MODA


– Que quer o senhor?
– Isso é comigo e com ele. Onde se encontra? O meu pecado
A minha maior arrogância quebrou a dele, aliás
compreensiva e correctíssima, que logo adianta Três dos nossos fizeram-me sentir que gosta-
assim a modos de prudentemente mais calmo que ram do meu reaparecimento nesta folha e, em pala-
“não estaria longe”. Compreendi que seria filho mas vras amigas, espevitam-me a vaidade e, deste modo,
não me desmanchei e secamente ordenei: – Vá buscá- carregam-me a alma.
lo enquanto esperamos ali no café. Mas, olhe, leve- Vanitas vanitatum… praeter amare Deum, as-
lhe este cartão (o meu de visitas) e não se demore. sim começa a Imitação.
Minutos volvidos aparece de uma porta ao fun- E é que eu sou dado à vaidade. Sinto-a no arre-
do entre receoso e curioso o António Carmo. cadar da muita correspondência que de vós recebo
Reconhecendo-o, apesar dos 42 anos volvidos, a saber de mim e até a saber dos outros, a solicitar
passei o balcão, agarrei-lhe o braço e trouxe-o, meio coisas e informes, a transmitir ideias, a enviar di-
a sério meio a brincar, para o salão restaurante. E nheiro porque só, felizmente, ainda (e nisto vos
ele veio; que quem não deve não teme. Os filhos, estou grato) me não endossastes contas para que
intrigados, acompanhavam-nos à distância. eu as pague. E já agora relembro que na nossa As-
– Conhece-me? sociação não tenho galões sobre a farda de soldado
– Não, senhor. raso e, claro, os generais “Directores” é que co-
– E a estes senhores? (apontei o Carreiro e Es- mandam. Também, feliz ou infelizmente, não sou
posa). padre como em carta recente me trata um dos nos-
– Não, senhor. sos sacerdotes de Moçambique que não tenho a
– Pense… vá, pense. Não conhece… honra de conhecer pessoalmente.
Depois de certa insistência, sempre mandão e
enigmático mas mais amodinho, disse: Guerra ao escudo
– Torne quarenta anos atrás. Esse cartão não
lhe diz nada? Ora, porque gosto de alimentar esse tal meu
Confuso, relendo-o, balbucia “quarenta anos”… pecado, no receber dos vossos recados e convosco
Porto… Pacheco… Não me diga que… Sernache... dialogar é que eu tenho a VAID… perdão, o brio, o
– Sim pá! dá cá um abraço. gosto, a devoção ou obrigação (com esta rotulagem
Os moços, de olhos arregalados, começaram de “a” escondo) de vos não deixar sem resposta. Ora,
se tranquilizar. como o tempo nem sempre é muito, a paciência é
Depois o Carreiro, que ele acabou por relembrar pouca (que a doença ma consome), os ESCUDOS
também. menos, eu gasto apenas postais do correio. Perdoai.
Sentámo-nos. Conversámos. Quis saber de Assim gasto só coroas que me facilitam mais a vida.
muitos. De ti. Vimos-lhe água nos olhos. Apresen- Agora que muitos “as” deitaram fora… valem só
tou-nos à esposa, falou aos filhos. metade de um selo de escudo.
Bebemos e comemos e gastámos mais de duas
horas. Não podíamos ficar e por isso se adiou, “sine Pois, claro
die”, o jantarzinho tão cordialmente oferecido.
Despedindo-se, deu-nos para ti o abraço que te Disse alguém que eu escrevia banalidades. Pois
enviamos e a certeza de que, na reunião primeira, claro. Para escrever “sério” lá estão os doentes do fí-
lá te virá ver. gado e, muito a sério, o nosso Director, os fundistas,
Zé do Porto um ou outro e o tal alguém que, até agora, nem a sério
(Bol 37, Ago/Set/Out 1971, p. 2) nem a brincar, mas que há-de começar um dia, com
proveito duplo da “malta” que me aturará menos e o
aproveitará como convém. Mas, por agora, ser conti-
nua a ser melhor que o nem ser.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 178

Lá vem o Natal ritano, logo me prometeu, ele que andava a pé, aju-
dar-me em tudo (e tanto tem sido) que pudesse.
Como vistes faço contas e procuro ser econó- Depois veio um simpático pedreiro de
mico sem faltar ao que devo. Por isso é que vos Coimbrões e, ao terceiro dia, ficava completa a lo-
envio, este ano, só deste modo mas a todos e com tação.
alguma antecedência por mor das aglomerações nos Louvado Deus. Fizemos família de forma que,
correios, os meus sinceríssimos votos de Bom Na- talvez breve, ao levarem-me daqui para um quarto,
tal em Cristo renascido. irei contente que a família também tem seus direi-
Dezembro 1971 tos, mas já aqui, de certo modo, ficará um pouco
Zé do Porto de mim. Comigo irá muita gratidão. É que aprendi
(Bol 38, Nov/Dez 1971, p. 2) que entre os melhores, os mais humildes, numa
enfermaria do Hospital de S. João do Porto, entre
gemidos e dores se pode viver alegre.
(68). O MEU POSTAL Assim me desenganei.
*
Um de Abril. Quaresma. Dia de enganos. P. S. – Desculpai. Falei só de mim quando me
Para mim não foi de engano, mas de desenga- havia prometido dedicar todo o Postal deste núme-
no, esse dia. Longas semanas crucificado no meu ro à Missão de Nossa Senhora de Fátima – do “nos-
leito, a quaresma começou este ano para mim mui- so” Pe. Neto, em Angola.
to mais cedo. Será talvez a minha única verdadeira Ajudai-o. Mandou-me um S. O. S.
quaresma de toda a vida, vivida em sofrimento, Fé Na casa Nuno Álvares-Porto, estão já deposita-
e Esperança. das à sua ordem várias centenas de escudos. Lem-
Falaram-me em vir para aqui, para o Hospital bro que para os que não optaram pelas obras pias,
de S. João. – E porque não? Vim à consulta e fi- etc., estabelecidas para alternativa, as esmolas das
quei, entrei logo. – Que não havia quarto, que teria “Bulas” não acabaram mas podem ser substituídas
que ir, até ver, para uma enfermaria mas era me- por donativos a favor das missões, desta Missão.
lhor entrar e já. Por isso entrei e logo. Vosso, muito vosso
A sala é pequena. Apenas 5 camas das quais 4 Zé do Porto
nem dono tinham. Fiquei eu só e um humilde tra- (Bol 45, Mar/Abr 1973, p. 6)
balhador agrícola ali das Taipas que, bom sama-
179 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

5. MEMÓRIAS COM HUMOR


A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 180
181 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

(69). FIGURAS DO PASSADO comprendestes ainda. O estudo é o vosso principal


dever.
Um educador Mas que sermão! Ninguém tugia, enquanto ele
falava. Referiu-se aos sacrifícios de nosso pais, às
Aí por 1942, frequentava eu o seminário de preocupações dos superiores; numa palavra: esgo-
Cernache; já lá vão, portanto, uns bons trinta anos. tou todos os argumentos para nos convencer de que
Mesmo assim, recordo ainda com muita saudade e o exercício fora a maior de quantas calamidades
bastante nitidez uma aula que me torna inconfun- nos tinham acontecido. Começávamos já a procu-
dível um professor, que primava em ser o que hoje rar refúgio na ideia de que talvez na entrega dos
em dia já rarissimamente se encontra: educador, pontos houvesse abrandamento, como de costume.
mas deveras original.
Os alunos, em forma tradicional, entraram si- O perigo aumenta
lenciosamente na sala; colocaram os livros sobre
as cadeiras e, perfilados, aguardaram a chegada do As i1usões esfumaram-se quando, para provar
professor. que ninguém escapara ao descalabro, chamou o pri-
Momentos depois, pontualmente, assomou à meiro aluno – e logo o melhor aluno! Ia entregar o
porta a proeminente figura abdominal. A careca exercício.
ampla era cuidadosamente coberta pelos raros ca- Um sonoro cachaço ecoou pela aula.
belos da adjacente coroa circular. Bigode curto, às –Então é assim que você quer merecer o pão
vezes cómico; e nariz afilado. que come no seminário? – comentou com toda a
Naquele dia não o acompanhava o fidelíssimo severidade. Pobre rapaz! Tivera um ponto tão mau
cão Tuca, mártir das alfinetadas dos alunos sob as que não conseguira dar nenhum erro!
carteiras, e que volta e meia exibia habilidades junto O1hámos uns para os outros verdadeiramente
do dono; tão-pouco este trazia nenhum guiso para alarmados e pela mente passou uma ideia sinistra:
nos intrigar a atenção ou aliviar o ambiente. Nada – Quem será o último?
disso. Começara a pancadaria e continuava com os
exercícios de 1 erro, 2 e por aí fora até cinco. A
Ameaça de tempestade coisa estava mesmo muito feia. “Apanhou” o
Ducelino, o Moisés, o Domingos, o Lapin du Pré
Pareceu-nos mesmo que a lição ia ser terríve1. e poucos mais. O que seria das negativas?
É que, reparámos, jogou sobre a secretária, com
semblante estranhamente carrancudo e impenetrá- Calma intrigante
vel, os cadernos com o semanal exercício dos sá-
bados. Quando apareceu o primeiro de seis erros, hou-
– In nomine Patris… (rezava-se tudo em latim; ve uma pausa, um momento de aflição. O bigode à
vocês lembram-se?) Hitler do professor deixou escapar um sorriso.
– Ave Maria, gratia plena... (nunca ninguém – Ora até que enfim! Um aluno que faz
conseguiu identificar a algaraviada de palavras que excepção. Está a mostrar que estuda; mas ainda “só”
se seguia até ao pomposo final)… tui Jesus. deu seis erros. Eu espero que continue a melhorar.
À voz do sacramental Asseyez-vous, toda a gente Os meus parabéns!
se sentou. E o aluno regressou ao lugar absolutamente in-
Da secretária do professor desprendia-se uma tacto, mas plenamente convencido que alguma coi-
atmosfera pesada. O breve silêncio que precedeu sa estava errada e que devia esperar pela “panca-
as primeiras palavras pôs-nos nervosos. da”. Mas os seguintes também tiveram sorte igual.
– Eu pensava que vós todos já vos tínheis com- Para pasmo de todos, acontecia uma coisa incrível:
penetrado de que o seminário é para formar ho- quantos mais erros, mais elogios, mais apertos de
mens de carácter. Mas enganei-me. Tantíssimas mão, palmadinhas, parabéns... O professor estava
vezes tenho repisado neste assunto e vós não o a esgotar o dicionário dos louvores. Era um entusi-
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 182

asmo! E note-se que houve lá menino com lindas Nunca mais me esquecerá, até porque ele me
marcas: 10 erros, 12, 15 e mais! arranjara o pomposo título de
Aquilo era já um desaforo! Como é que ele, que Lapin du Pré
para “a pancada era um catita”, tratava assim os (Bol 46, Mai/Jul 1973, p. 3)
maus alunos? Com certeza estava a reservar a fú-
ria, para o último.
Realmente só faltava um, que, em regra, supe- (70). FOI NAS FÉRIAS GRANDES
rava todos em erros. Era bom rapaz; tinha jeito para
a bola – excelente guarda-redes; no teatro fizera-se Nos últimos dias de Julho terminara o ano lec-
notado no papel de sapateiro, Mestre Nazário, don- tivo. Fomos passar a casa as Férias Grandes. “Gran-
de lhe ficou o nome por que era conhecido até pe- des” era uma força de expressão muito exagerada,
los estudantes de fora. Mas em estudos, coitado! pois começavam ali por 27 de Julho e duravam até
não dava o suficiente. Naquele dia... meados de Agosto! Ena! Tanto tempo!!!
Fez-se o silêncio dos grandes momentos. O pro- Pois era assim mesmo. E nós regressámos to-
fessor levantou-se da secretária e chamou: dos contentes, pelo menos pela minha parte. É que
– Maître Nazaire, ayez l’obligeance de vous lá em casa faltava o convívio dos colegas e o horá-
lever et venir auprès de moi! rio do tempo bem repartido. Que tempo maçador!
– Mau! Mau! Lá vai cair agora o aguaceiro, pen- Então foi com entusiasmo que nos vimos outra
sou tudo em uníssono. Ai do desgraçado! A cabeça vez juntos. Mas agora é que era um bico de obra:
dele, um pouco avantajada, não tem culpa disso. como ocupar o resto do tempo até ao início do novo
ano lectivo, em Outubro? Simplesmente iríamos
Desanuviamento uns dias até Cernache, o seminário que era frequen-
tado pelos “maiores” do 3.º, 4.º e 5.º anos, que sa-
Timidamente, lá se levantou, avançando receo- biam línguas: além do latim (Ah! malfadada lín-
so dos acontecimentos, acompanhado dos olhares gua! que me deste o único “chumbo” e me obrigas-
gerais. te a repetir todo o 1.º ano!). Então nós cuidávamos
De pé, impassível, o professor lá o aguardava; que os alunos veteranos de Cernache eram uns “sa-
para quê? bões”.
– Ora como vai o meu prezadíssimo amigo? E Carregadinhos de curiosidade, de malas e sa-
todos os seus? Está mesmo bonzinho de saúde? cas, enfiámo-nos na camioneta da carreira. Curvas
Um amplo abraço, palmadinhas nas costas, e mais curvas, subidas e descidas, enjoos, paisa-
cumprimentos efusivos. Ia condecorá-lo com cer- gens montanhosas e esquisitas, voltas e reviravol-
teza. tas. Parecia que nunca mais chegávamos. Até nos
apareceu pela frente um rio que mal conhecíamos
Ironia final de nome: o Zêzere. (Um dia hei-de contar coisas
dele! Deixem estar!)
– Aqui está o aluno que é a minha coroa de gló- E, quando tal, a camioneta estacou bruscamen-
ria! Ponham aqui os olhos os colegas. Portou-se te num largo ajardinado cheio de “padres”, de bati-
galhardamente. Não deu 1 erro, nem 5, nem 10, na preta, que nos estenderam as mãos solícitas para
nem 15, nem 18. Ultrapassou todos. Deu “apenas” nos ajudar a descarregar malas, enjoos e curiosida-
24 erros! Os melhores parabéns! Quem estuda sabe. des. Era ali o seminário de Cernache do Bonjardim.
O nosso terror, que se fora transformando em Os alunos de lá queriam conhecer os “pequenotes”
espanto, explodiu numa colossal gargalhada, que de Tomar, e nós ali estávamos. Nem queríamos
atroou os corredores e deve ter abalado os alicer- acreditar: tantas batinas!!!
ces do seminário. Imediatamente nos conduziram às camaratas,
O Sr. Craveiro tudo tinha planeado. Excedera- para marcar camas e descarregar sacos e malas.
se nas suas excepcionais qualidades de actor con- Depois foram mostrar-nos tudo, tudo, até os por-
sumado. cos (com licença de V. Exas.). Demos os primeiros
183 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

pontapés no recreio, descemos a Avenida das Tílias, voltámos à nossa casa, à casa onde passámos bons
sentámo-nos nos bancos de pedra da Fonte do momentos da nossa adolescência!
Reboludo (aquele monumento nacional da quinta Lá abraçámos, além de outros, o padre Carva-
ainda existia – eu estive lá); provámos uns bagos lho – cuidado com as palmadas dele nas costas,
dos enormes cachos de uvas. Apesar de meio ma- que elas são pesadas! (eu que as senti...) e o padre
duros, souberam-nos bem. Nunca vi tamanhos. Manuel Fernandes, ambos com respeitabilíssimas
Quando tal, reparámos num magote de alunos, barbas brancas dos setenta e sua eterna juventude.
dos mais adiantados, lá no cimo da Avenida. Pas- Ao vê-los, veio-me à memória o tempo em que
sava-se qualquer coisa. E nós queríamos ver tudo, eram prefeitos em Cernache – há mais de cinquen-
com toda a nossa curiosidade. E para lá corremos ta anos – e das tropelias que os pequenotes de então
alvoraçados. faziam sob a suas incipientes barbinhas de moços.
Estava um prefeito empoleirado num “bólide”, Se bem se lembram, tínhamos quatro repastos
muito alto, talvez com mais de um metro de altura, diários, que, na linguagem tradicional, se chama-
com duas rodas de suma-pau. Amparava-se nos alu- vam: o almoço, o jantar, a merenda (ocasião para
nos mais possantes. Era o Sr. Gabriel, distinto cons- um pão com maçãs nas mais das vezes) e a ceia.
trutor mecânico, terrível professor de matemática. Nas grandes festas havia o “jantar em comum” em
(Agora todos o conhecem por D. José dos Santos que estavam presentes superiores, alunos e irmãos;
Garcia, bispo resignatário de Porto Amélia). Tinha na véspera do Natal, a Consoada era “Ceia em co-
a batina arregaçada e metida nos bolsos das calças. mum”. O doce de arroz, a guloseima desses dias. E
(Oh! Que escândalo! Um padre a ver-se-lhe as cal- viva o velho!
ças!, pensámos nós, os miúdos). Empurraram a Ora, em Novembro, no dia, no feriado do Bea-
“mota”, que arrancou aos ziguezagues, aos sola- to Nuno de Santa Maria, padroeiro da Sociedade
vancos (o “piso da pista” era impróprio para Fór- Missionária, era um acontecimento à parte.
mulas daquelas – e doutras, claro!). Ganhou velo- Eu conto, para conhecimento de todos. Na se-
cidade com o peso do motorista e do material de mana anterior, as duas prefeituras encarregavam-
madeira pesada, foi até ao fundo, fez uma graciosa se de preparar o material. Uma, armada de serrote
curva à esquerda (eu diria graciosa pelo e machado, penetrava na floresta densa da quinta,
desequilíbrio), meteu pelo caminho da vacaria e à procura de uma árvore inútil ou seca, de ramos
finalmente, por falta de declive, estacou a breves com feitio de ninho. Se fosse preciso, lá estavam
metros. os destemidos transmontanos para subir. Logo que
A rapaziada corria desenfreada e em alegre al- se destinasse a árvore, era abatida e transportada
gazarra atrás do condutor e daquela máquina. em triunfo para o recreio, o tradicional campo de
Para nós foi um sucesso. Estávamos conquista- futebol. E lá se implantava orgulhosamente.
dos pelo Seminário, pelo convívio, pelo à-vontade A outra turma encarregava-se de recolher a
que ali se respirava. Ai quem me dera voltar a vi- pruma, quanta mais melhor, tanto para se ouvirem
ver momentos tão ingénuos e singulares! Em Agos- as castanhas estoirar, como para a sessão de fogo
to de 1938. preso. Duma vez a coisa foi importante: é que al-
Lapin du Pré guém se lembrou de trazer também umas tigelas
(Bol 50 (2.ª Série), Set/Out 1993, pp. 6-7) de resina (não havia pinheiro que não as tivesse).
No dia 6 de Novembro, ao cair da noite, ouviu-
se o toque da sineta para indicar a hora exacta do
(71). INCÊNDIO NO SEMINÁRIO começo da função.
Fez-se uma grande roda de pruma para as cas-
Um dia destes tivemos a Reunião Regional tanhas, e a árvore encheu-se entre os ramos, qual
no Seminário de Valadares, tendo por fundo um ninho gigante, de material incandescente, com as
magusto à moda do Norte. Ali se juntaram uns tigelas no topo, para que os pingos das faíscas da
quantos dos antigos, entre padres, irmãos, alunos resina pegassem o fogo à pruma lentamente.
actuais e nós, os doutros tempos. Com que prazer Primeiro passámos aos comeres e beberes. Que
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 184

bem sabiam as castanhas! Ainda estou a presenciar a gripe. Os outros faziam de enfermeiros. Mas a
a algazarra da rapaziada ao ouvir o estrondo das gripe (seria a asiática?) não era de brincadeiras e vai
castanhas e a saltar a fogueira... daí os enfermeiros foram fazer companhia aos doen-
Finalmente um dos nossos melhores ginastas tes. O médico – tenho uma vaga ideia que era pareci-
trepou à árvore e pegou fogo à tigela cimeira. Tudo do com o pai de Santa Teresinha, até nas barbas –
parecia correr como planeado. Mas o fogo é que entendeu fazer uma inspecção a toda a malta. E zás!
não esteve pelos ajustes. Parece que o efeito foi Quem tivesse mais de 37º, ia parar à camarata.
muito superior ao do costume. As labaredas alas- Escaparam uns seis da minha prefeitura.
traram rapidamente a toda a pruma e, talvez por se Ora uma destas! Logo nas vésperas da Semana
terem contagiado simultaneamente todas as tige- Santa! E tantos responsórios para ensaiar! E qu’é
las, as chamas ganharam alturas nunca vistas. Eram das aulas? O Sr. Padre Reitor, tão moralista e tão
enormes e o nosso entusiasmo era sem medida. Nós rigoroso, foi obrigado a fechar o período muito
não pensávamos em mais nada deste mundo. antes do tempo. Ena que bom! A única vez que tal
Só que os moradores da vila de Cernache de- sucedeu em séculos de existência do seminário.
ram de reparar em tão estranho e tamanho clarão e O cozinheiro é que se viu nelas: ter que fazer
passou-lhes pela cabeça um mau pressentimento. dois tipos de comida, uma para os doentes, outra
Porque aquilo era demais. para os resistentes (que bem comeram nestes dias!).
Tanto assim, que um grupo deles veio bater à Quem se viu à rasca foi o ensaiador da Semana
portaria: Santa: o Padre João Avelino. Faltavam-lhe os te-
– Irmão, que incêndio é este? O Seminário está nores, os da segunda não tinham o chefe de naipe,
a arder e vocês nem reparam? os baixos andavam à deriva. Para remediar a en-
No dia seguinte, o Sr. Craveiro (professor de fran- rascada, ele berrava, ele batia o compasso com os
cês) deu-nos mais uma das suas lições moralistas: – pés no soalho do salão, ele barafustava. Mas a coi-
Meus meninos, aquilo ontem foi demais; pouco fal- sa não dava certo. Teve de improvisar novos che-
tou para o povo de Cernache tocar a rebate! fes de naipe. E, às tantas, voltou-se para este escriba
Nós rimo-nos à sucapa. É que ele também to- e deu-lhe voz de substituir o do seu naipe.
mara parte na brincadeira. Era sempre convidado. Entretanto, alguns doentes, meio cambaleantes
Lapin du Pré da cura, foram aparecendo. Foi mesmo por um triz!
(Bol 51 (2.ª Série), Nov/Dez 1993, p. 6) Mas as chefias estavam mudadas e não se podiam
fazer mais experiências.
Chegou a Semana Santa, com as aulas paradas
(72). FÉRIAS EXTRAORDINÁRIAS (até me lembro que foi nessa semana que eu li, pela
primeira vez, a Paixão e Morte de Jesus segundo
Estou ainda a terminar uns dias de constipação, as visões de Catarina Emmerich). Pois os cânticos,
que me apertou nestes dias de chuva miudinha. Se os responsos, as cerimónias decorreram mais ou
o leitor quiser ter cuidado para não ser contagiado, menos bem. Só que eu nunca mais deixei de arcar
é melhor ler o boletim com binóculos, a boa dis- com a responsabilidade de naipe das “segundas”.
tância. Deixem-me tossir de vaidade!
É por isso que esta crónica vai atrasada. Logo a seguir à Páscoa, talvez na segunda-fei-
Faz-me lembrar a epidemia de gripe que ata- ra, era o passeio extraordinário – todo o dia fora de
cou o seminário de Cernache nos idos dos anos casa. E fomos para a ponte do rio Zêzere, no sítio
quarenta. Era Reitor o falecido Padre Luís Tavares, onde passavam as camionetes para Tomar, a tal
natural de Ovar, ou coisa que o valha. Ainda o es- ponte de que já falei.
tou a ouvir nas suas prelecções semanais em que o E de que se haviam de lembrar? Levar as pane-
tema era “correspondência à santa vocação missio- las, loiças, os arrozes, as cebolas e temperos numa
nária”, sempre em termos severos. carroça. À falta de melhor, eram os alunos mais
Pois sucedeu que umas semanas antes da Pás- possantes (os transmontanos sempre na liça). E lá
coa caíram de cama uns três ou quatro alunos, com partimos todos contentes.
185 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

Tinha-se encarregado um pescador de nos apa- Ainda mal tínhamos começado a beijar o anel,
nhar o peixe. Realmente o rio era farto de bons e já ele nos dizia: – Eh! Moços! Perdi agora mesmo
grandes peixes. Foi uma destas arrozadas de se lhe o anel episcopal e não faço ideia do sítio onde seria
chegar com o dedo. Ficámos empanturrados. Dia mais fácil tê-lo deixado cair. Dou uma moeda de
bem passado! 10$00 (dez escudos) – era um dinheirão! – a quem
Ao fim da tarde, toca a carregar os pertences da mo encontrar. Eu andei por estas bandas das laran-
carroça e arrancar para o seminário. Já cansados, jeiras e do tanque. Vós ajudais-me? Vamos lá rezar
com a carroça pesada que se fartava (sempre a su- o Responso a Santo António, que ele é bom para
bir para Cernache), os nossos passos pareciam mais isso:
pesados. “Se milagres desejais, recorrei...”
Mas, às tantas, chega-se para a minha beira um E logo toda a minha gente se lançou à cata do
tal Geraldes Chaves (esse moço veio algumas ve- anel; mexeu-se erva sobre erva, de cabeça inclina-
zes às nossas reuniões – qu’é dele?) e diz-me as- da, olhos em bico – era uma agulha num campo de
sim: farta erva. Mas, por impossível que pareça, foi num
– Vamos cantar para animar a rapaziada? instante: logo se ouviu uma voz:
E vá de entoar os responsos da Semana Santa, – Aqui está ele, sr. Bispo.
que tanto nos custaram naquele ano. Foi um fartar: – Parabéns meu rapaz, foste fino como um rato!
Velum templi scisum est... Omnes amici mei... O E vá de contar, em termos simples, populares,
vos omnes qui transitis... De Perosi e do Cón. coisas achadas com o Responso, oração que mui-
Barreiros. tos ainda não conheciam. Formou-e um círculo a
Quem se lembra? escutar com atenção e interesse, que o Sr. Bispo
Lapin du Pré tinha um jeito especial para concitar o agrado com
(Bol 52 (2.ª Série), Jan/Fev 1994, p. 6) as suas conversas, até para entreter “os filósofos”,
está bem de ver. Por pouco não contou toda a sua
vida desde pequeno.
(73). RESPONSO A SANTO ANTÓNIO Palavra puxa palavra – salvo seja! – e relatou-
nos a sua recente visita ao Seminário de Tomar para
No tempo em que o seminário de Cucujães era ver a gente nova, os caloiritos da Sociedade (era
dos filósofos – isto é que era importante ser filóso- pelo seminário de Tomar que naquela época se en-
fo!, imaginavam os de Cernache –, às vezes, no trava); o que quer dizer que estaríamos nos meses
intervalo do jantar (não me obriguem a repetir que de Novembro/Dezembro.
se chamava jantar ao que hoje se chama almoço), – Fui ver os pequenos de Tomar. Coitaditos!
logo a seguir ao jantar, dizia eu, dava-se uma volta Alguns tão pequenos que até fiquei com pena. Mas
pela quinta. Ou se partia pelos lados da Tipografia, eles é que não se importavam lá muito. Alegres
seguindo pela Gruta de N. S. de Lourdes; ou se como pardalitos. Olhavam para mim muito espan-
começava pela eira, lado nascente. Era como ca- tados, porque não imaginavam como era um bispo
lhava: não havia regra certa. e como era que um bispo pudesse estar ali no meio
Ora, por esta banda, por baixo das salas de es- deles. Falavam muito à vontade, com simplicidade
tudo, havia umas laranjeiras, um tanque de água, e franqueza. Um deles até me disse assim:
uma bica de água pura, já perto do antigo seminá- – Ó Senhor Bispo, este hoje mijou na cama
rio dos beneditinos. (sic!).
Foi por aí que nós, os filósofos, vínhamos de Olhámos uns para os outros, meio espantados
uma vez, descuidados da vida, desanuviados das com a frase que tínhamos ouvido. Mas não tive-
fainas escolares, quando, de repente, nos surgiu pela mos muito que pensar: é que se ouviu uma tremen-
frente o Sr. Bispo de Gurza, então ainda Superior- da gargalhada, como um trovão: era o irmão do Sr.
Geral, acompanhado dos falecidos padres Bispo que tinha uma voz poderosa. E desatou tudo
Vernocchi e Alfredo Alves. Mais atrás vinha o Sr. às gargalhadas. O Sr. Pe. Vernocchi arranhava-se
Pe. José Maria, irmão do Sr. Bispo e seu motorista. todo para aguentar uma certa seriedade, mas não o
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 186

conseguia. O Sr. Pe. Alves casquinava miudinho, criadas pelo Vaticano III ou IV, mas não acertam
era contagioso. E nós, pobres “filósofos”, ficámos com as do Santo Padre. Mas... vamos à frente.
sem concerto. Tantos anos a aprender palavras po- E então via-me a rezar em latim, tudo em latim,
lidas e vai-nos sair uma destas do Superior-Geral! a rezar sempre e muito em latim. Não sei se o ver-
Era demais! Aquilo não se dizia! bo rezar ainda é regular. Mas dá a impressão que,
Mas disse e pronto! em certas comunidades, se aparenta com certos
Fomos para a sala de estudos, onde ainda se verbos latinos: ou é irregular, ou tem ataques de
ouvia alguém a fungar. míldio e é defectivo, ou até terá falta de vozes e é
Lapin du Pré depoente.
(Bol 53, Mar/Abr 1994, p. 6) Continuando, porém, na minha linha de lem-
branças, naqueles tempos era assim: mal entráva-
mos em Cernache, vestíamos logo batina, rezáva-
(74). AI MEU RICO LATIM! mos, como disse, em latim, entretínhamos o tempo
do recreio na quinta (as cerejeiras e figueiras paga-
I – Comecei-te vam a fava) e estudávamos por todos os poros, es-
pecialmente em latim. Isso é que ele era duro de
Estive em Cernache no dia 15 de Maio. Era a roer! Mas deixa estar que a matemática e o francês
reunião Magna dos antigos alunos. Há cinquenta também davam azo a umas pancadas de cana!
anos, pela primeira vez, um reduzido grupo deles
juntara-se numa das Casas da Sociedade Missio- II – Meei-te
nária. Este ano, portanto, foi a Rennião Cinquen-
tenária da ARM. Eu podia lá faltar! Pois, por causa do negregado latim e do bem
Entrei furiosamente com o meu “bólide” ali pela fornecido pátio das galinhas (que eu vi cheio de
esquerda do antigo salão de teatro e fui estacionar ervas e com os telhados a desabar) é que apareceu,
à sombra das laranjeiras, perdão, ao abrigo da chu- de repente, ressuscitado na minha memória, a fi-
va. Eh! Pá! Aquilo é que era chover! Tive de utili- gura muito típica e familiar: o guardador daqueles
zar a rapidez adquirida no jogo do caçador pelas animais, o Ti Zé das Cabras (se não me engano…),
minhas “gâmbias” para chegar à portaria. Vislum- bom homem, bom cavaqueador e muito respeitador,
brara ali uns “rapazes do meu tempo”, devidamen- quer com os superiores, quer com os alunos ou ir-
te acompanhados das esposas e demais comitiva mãos. No meio da conversa, metia infalivelmente
familiar. ou “com sua licença” ou o “adesculpe” a sublinhar
Devo declarar, entretanto, que, apesar das altas qualquer palavra que entendia mais indelicada.
velocidades das “de Vila Diogo”, ainda pude ser Como à sua moradia, mesmo ali debaixo da
brindado por umas pingas de autêntica chuva, da- capela, chegava o eco das nossas orações, ele acom-
quela que molha, doa a quem doer. E, de relance, panhava como podia ou, no caso do latim, como
ainda consegui ver, pelo canto dos olhos, uma bre- “as entendia”. Bem certo é que a nós, às vezes nos
ve paisagem da quinta e, logo ali em baixo, as ruí- momentos de maior recolhimento, também subia o
nas do que foi outrora um farto pátio de galinhas. eco dos seus animais: os cães a discutir qual deles
Galinhas e mais animais: havia patos e perus, ha- imprimira maior velocidade a um gato, o glu-glu
via galinhas da Índia, e um lindo rebanho de ca- dos perus, o desafio musical dos galos, o tilintar
bras, e até pombas... Foram brevíssimos instantes, dos chocalhos das cabras.
mas suficientes para me trazerem à memória, em Isto não era mesmo romântico?!
catadupa (não era só a chuva), cenas inesquecíveis Ora, uma das orações que ele ouvia, que mais
da vida de seminarista... procurava entender (por lhe meter confusões), era
Eu via-me “na forma”, enfiado na batina, rode- a que rezávamos ao meio-dia. Devo confessar que
ado de dezenas de batinas – não sei como se cha- só agora, passados tantos anos, é que eu reparei
mam agora as batinas, que têm as cores de arco- que era quase “ipsis verbis” a actual Oração dos
íris, com predomínio para jeans; se calhar foram Fiéis – apenas diferia na resposta. Nós dizemos:
187 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

“Ouvi-nos , Senhor”; e, nesse tempo, dizia-se em (75). UM CÁLCULO APROXIMADO


latim – claro! –: “Domine, miserere”; isto é: Se-
nhor, tende piedade. Quando ainda era da Sociedade, o Seminário
(Esperai aí um momento. Até vou ver no “Ma- de Tomar, ou, mais exactamente, quando nós en-
nual de Piedade da SMPCU” as palavras textuais. trávamos para a Sociedade em Tomar, já lá vão uns
Ah! Cá está ele – ainda tem uns santinhos pelo bons anos, a portaria era do lado em que havia umas
meio!). escadarias com muitos degraus, que iam dar ao
O “leitor” rezava assim: “Pro Papa nostro Pio corredor dos superiores.
(referia-se a Pio XII), precamur Te”; e nós: “Do- Aquelas escadas tinham muita imponência para
mine, miserere”. Depois era: “Pro fratribus nostris quem era da aldeia, tinha um tamanho pequeno e
absentibus”; e nós: “Domine, miserere”. olhava para elas pela primeira vez.
Pedia-se também pelos maometanos, pelos he- E então, quando nos aparecia lá em cima um
reges, pelos judeus, não se esqueciam os pais e os padre com barbas, a coisa era de impressionar vi-
parentes; e nós: “Domine, miserere; Domine, vamente um caloirito. Vós estais a lembrar-vos do
miserere”. que vos aconteceu nesse dia ao pisardes pela pri-
Este latinório dava que cismar ao homem, fu- meira vez os degraus?
gia ao “ora pro nobis”e ao “saeculorum, amen”. Dantes, já se ia de fato preto, na cabeça um cha-
Ele tanto andava preocupado que... péu também preto. Carregava-se uma mala ou saca
com o enxoval. E ali estava à porta um sério candi-
III – Acabei-te dato a missionário. Mas as barbas é que faziam im-
pressão.
… um dia encheu-se de coragem e com muito Quantos de nós ficámos a titubear, acanhados,
respeito e audácia desembuchou: sem saber se seguir em frente, se dar meia volta!
– Ó senhor padre, “adesculpe-me”, mas eu que- Nesse momento singular, no meio de toda a
ria perguntar-Ihe, com sua licença, uma coisa: Que nossa confusão, a voz quente e amiga do Sr. Reitor
reza é aquela à beira do jantar? (Eu já expliquei, e de algum dos futuros colegas prendiam-nos ali.
vezes sem conta, que o jantar era ao meio-dia e não Éramos empurrados com calor para as nossas ins-
à noite. Não volteis a interromper a minha conver- talações. Contavam-nos peripécias e brincadeiras,
sa, que eu não volto a ensinar). É que eu, conti- desafiavam-nos para junto da malta ruidosa, que
nuou ele, queria acompanhar, “adesculpe”, mas não andava no recreio ou que vagueava pelos imensos
entendo o que vocês rezam, sempre a dizer “Ho- corredores.
mem e Mulher”; uma data de vezes “Homem e E, às tantas, estávamos envolvidos no ambien-
Mulher”. Eu, à tarde, ainda sei dizer no terço te do seminário...
“orapronobis”, mas não sei para que vem sempre o Lá apareciam alunos da nossa Terra, cercavam-
“homem e a mulher” para o jantar. nos com perguntas, queriam ouvir coisas; e nós ía-
Que ideia faria o pobre de Cristo daquela ora- mos abrindo a nossa tacanhez, soltávamos a língua
ção?! e já estava conquistado o entusiasmo.
E se ele visse tantos homens e mulheres na reu- Enquanto isso nos acontecia, os nossos famili-
nião da ARM, à hora do “jantar”... Teria ele previs- ares (quando nos tinham acompanhado até ali) con-
to tamanha invasão? versavam com os superiores, eram informados da
Só não previa o arraial de pancada que eu levei vida que nos esperava. Que estivessem tranquilos
deles, quando assomei à portaria, mesmo com uma que tudo correria pelo melhor.
valente molhadela no corpo. O Sr. Reitor gostava de nos recordar certos de-
Lapin du Pré sabafos ouvidos nessas trocas de impressões. E
(Bol 55, Out 1994 / Mar 1995, pp. 6-7) contou-nos que certa vez, além dos pais, também
foi uma irmã mais novita, a qual passou o tempo
pasmada a olhar para aquilo tudo, nem falava. Vi-
rava a cabeça e os olhitos para um lado e para ou-
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 188

tro; estava mesmo absorta com tudo o que via. E o veneráveis, brancas e extensas – um velho recal-
Sr. Reitor deu de reparar na curiosidade dela. Daí a camento:
nada estavam os dois a conversar; a rapariguita – Ora cá está o professor que nos marcava nas
perdia o acanhamento e soltava a língua. Aprovei- aulas com a cana!
tando o à-vontade conquistado, levou-a a ela e aos E ele, com aquela segurança e matreirice dos
pais numa volta pelos corredores, pelas salas de velhos tempos:
aulas, pelos claustros do convento. Até foram à – Olha lá! Alguma delas caiu no chão? Era mal
Charola, onde havia um enorme tubo de órgão – o empregada!!!
órgão colossal que os franceses levaram aquando Os circunstantes desataram na galhofa com a
das Invasões. Como era pesado demais, deixaram- saída dele, com uma resposta daquelas, assim tão
no como relíquia. pronta e atempada.
– Eh! Que casa mais grande! – exclamava ela. A cana? Que história é essa?
É maior do que a igreja da nossa terra. É para aí – É uma longa história (que já vem de longe).
duas vezes maior! Eu conto-vo-la em duas penadas; o que exijo é que
– Olha lá, minha menina, interrompeu o reitor, não me interrompais, como tendes o costume, com
tu que achas: Quanto custou esta casa? Muito ou dúvidas e tosses despropositadas, sempre que eu
pouco? quero ser um narrador exacto (como na matemáti-
– Ui tanto! Mais de “mil merréis”, calculou ela. ca) e imparcial. Desta vez até vos mostro os locais
Um sorriso de simpatia aflorou aos circunstan- e os personagens, além de exibir os cadernos esco-
tes – reitor e familiares. lares, onde podereis examinar as boas notas que
Naqueles tempos – quem se lembra? –, tudo se ele me dava, sem falsa modéstia nem cunhas.
pagava em “mil réis”. Como sabeis, as salas de aula situavam-se ren-
Era o tempo da transição para os escudos. E te à estrada que vem de Tomar em direcção à Sertã,
tanta piada o senhor reitor achou à saída da miúda do lado da portaria. A primeira era de português e
que muitas vezes se havia de referir a ela. francês, seguia-se a de matemática. Depois da por-
Mas cautela! Agora não me venhais dizer que taria, havia as de latim e história.
isto se passou com o vosso Em francês e português, pontificava o Sr. Cra-
Lapin du Pré veiro, professor leigo, antigo aluno do seminário.
(Bol 60, Mai/Jun 1996, p. 8) Todos estão lembrados dessa figura, que se distin-
guia à distância, pelo bigodinho à Hitler e a sua
espaçosa careca bem penteada à Pavarotti. Nas suas
(76). QUEIMAR PESTANAS… Para Quê? aulas nunca sabíamos o que nos esperava, porque
ele tinha acessos: umas vezes, de moralizador, ou-
Este vosso colega tem cada azar! Na reunião de tras, de pura e boa disposição, ou ainda de tremen-
Cernache, apanhou uma valente carga de água; agora das descomposturas, ou de outras reacções inespe-
em Valadares, foi o que se viu – lá veio ela durante o radas.
jantar comum. Serviu para animar a Reunião GeraI O professor de matemática era de compleição
de 1996. E não era precisa, desde já vos digo, por- mais delgada; acumulava várias facetas: era enge-
que, mesmo sem ela, aquilo foi um sucesso! nheiro dos célebres bólides que desciam a avenida
Apareceu gente de todas as idades, de várias das tílias vertiginosamente, construtor da gruta, jar-
épocas e de muitas procedências: novos, novís- dineiro de ar livre e de estufa; quanto a canto e
simos, antigos e, mais do que antigos, antiquíssi- música, deve ter sido das negações mais notórias.
mos. Imaginai que até lá foi dar o meu professor de Mas nas aulas, eu vos conto... nós entrávamos sem-
matemática – de álgebra, para ser mais exacto. A pre a tremer – se ele exigia, exigia, exigia tudo ao
exactidão é o âmago dessa disciplina, dizem os máximo. Vede lá que dava sempre pontos em todas
mestres. Creio que foi a vez primeira que o vi, de- as aulas, marcava temas sobre temas para as aulas
pois dos tempos áureos de Cernache. Bela ocasião, de estudo e chamava habitualmente quatro alunos
que eu aproveitei para desabafar nas suas barbas – ao quadro, simultaneameute, com o quadro dividi-
189 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

do em quatro nesgas. E cada aluno tinha que resol- – Porque é que tu achas que as notas de mate-
ver “in loco” o seu sistema de equações, enquanto mática são tão baixas?
ele, professor, comandava com a ponta da cana, que – Porque... eu sei lá... porque é uma disciplina
ia apoiando em ritmo constante na tola do muito difícil – responderam quase todos, por cópia
beneficiário, ao som de berros desalmados. Não do primeiro.
doía lá muito, mas sempre era um suplício, sobre- Mas lá para trás, lá nas últimas carteiras, onde
tudo para os menos dados a voos exactos (algébri- figuravam os mais altos em estatura e em más no-
cos, claro). tas, alguém saiu com esta:
Nesta altura da vida actual, nós poderíamos – Porque o Sr. Professor bate... bate muito.
comentar: e para quê, Santo Deus, se os computa- – Ai tu achas isso? É por eu bater que tu não
dores vieram tornar obsoleto esse esforço?! Pobres aprendes?
pestanas queimadas ingloriamente! Ai! se nós adi- É claro que a seguir a esta corajosa resposta
vinhássemos... todos os outros confirmaram e foi uma votação oral
Ia eu a dizer que era uma gritaria. E era mesmo. por unanimidade. Era por causa da cana.
Tanta e com tal coragem que se ouvia na aula de – Se é por causa disso, como vós dizeis, então,
francês, separada apenas por uma parede; o que a partir de hoje, acabou-se a cana, acabaram-se os
impedia de nos concentrar “nas jogadas” dessa dis- berros. Doravante, se não aprenderdes, as notas é
ciplina. E diga-se em abono da verdade: até o Sr. que vão substituir a cana. Vós ficais responsáveis.
Craveiro se distraía das suas regras de gramática E foi mesmo o fim da cana e aqui acaba a ver-
ou das tradicionais literatices. dadeira bistória.
A coisa tornou-se tão feia que certo dia, num Perguntam-me alguns daí: e como foi isso?
daqueles acessos inesperados, o Sr. Craveiro levan- Eu explico: o segredo daquela cena foi obra do
tou também a sua voz (e que voz!) e vai de gritar novo Superior-Geral, D. Manuel, bispo de Gurza.
no máximo registo: Tivera uma reunião com superiores, prefeitos e pro-
– Ó colega de matemática, então como é? Nes- fessores e nela decidiu: “Nos rapazes ninguém bate!
ta casa já não se pode falar francês em paz? Entendido?”
Mas ninguém ouviu, ninguém se deu por achado. Chamar rapazes era bem o seu estilo...
– Ai ele é isso? Eu já lhe digo! Venha cá o Lapin du Pré
Sr.Ducelino. “Pardon, levez-vous et venez auprès (Bol 61, Jul/Set 1996, pp. 2 e 5)
de moi”.
E desatou a interrogar o aluno, aos berros, ain-
da mais altos que os do professor da sala ao lado. A (77). HISTÓRIA ATRIBULADA DUM
malta entrou em delírio, estava no auge do gáudio SALPICÃO TRANSMONTANO
e o aluno que se encontrava “auprès” do Sr. Cra-
veiro suava as estopinhas, de tão atrapalhado. A história que vou contar passou-se no já lon-
Nestas ocasiões em que o candidato tomava gíquo Verão de 1955, no dia do regresso das férias
fôlego ou titubeava, o professor de francês come- grandes.
çava a ajudar, dizendo as palavras da regra, e nós, Quando se procedia à entrega generosa das so-
em coro, entrávamos e recitávamos, como na bras da merenda do regresso de férias, este mortal
catequese, até ao final. Era uma barulheira. E que escriba não resistiu à tentação de ficar com o enor-
pagode! Uma aula sem exemplo. me e apetitoso Salpicão, que a mãe lhe metera na
Contudo, o de álgebra não esmoreceu. E lá se fardela, para comer na viagem. É que de Carção a
continuou a ouvir, horas inteiras e vários dias por Tomar, naquele tempo, eram muitas horas de ca-
semana, a sua voz fina e enérgica. Era demais. minho e, então como agora, apetite era coisa que
Certo dia, muitos dias depois, aconteceu o im- não faltava a este pobre pecador.
previsto: o professor – o tal barulhento e amigo da Ainda não estava recomposto daquela “menti-
cana – fez-nos um inquérito, um referendo, a que ra piedosa” de que tinha entregue tudo o que so-
cada um respondia da sua carteira. brara, e logo começaram as minhas atribulações,
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 190

sendo a primeira onde e como guardar aquele pre- tras, homenagear respeitosame aquelas mãos de
cioso troféu. sonho, que fabricavam aquelas incomparáveis ma-
Na carteira, nem pensar; na camarata, ainda pior. ravilhas.
Tudo seria bem mais fácil, não fora aquele cheiri- C. Andrade
nho de arrebitar o nariz mais obtuso. (Bol 64, Ago 1997 / Abr 1998, p. 7)
O cheirinho é que era a grande questão.
Mas, como a cabeça foi feita para pensar, para
neutralizar um cheiro nada melhor que outro chei- (78). 1954 – DE CARÇÃO A TOMAR
ro. (Parte IV)
Eureca!... Já tenho solução.
Peguei no dito, embrulhei-o em papel, depois Finalmente Tomar.
meti-o numa grossa meia de lã e, zás!, meti-o den- Desde aquela longínqua madrugada em que
tro duma bota. Custou um bocado a entrar mas, para deixara para trás todo o meu mundo, passaram já
meu sossego e seu desconforto, lá o encaixei como mais de vinte e quatro horas, vividas num ritmo
pude e depois foi só guardar a bota, lá no fundo da alucinante em comboios, carros e autocarros, numa
mala. sequência arrasadora de sentimentos, emoções e
Com a vinda do Inverno, voltaram os trabalhos. novidades a que não estava habituado.
Chegada a altura de calçar as botas, ainda pensei Chegado ao Convento, o velho Buik descarre-
em me confessar e entregar o malvado, mas o medo gou-nos na portaria, uma porta enorme, só compa-
da reprimenda que o Pe. Garcês de certeza me iria rável ao arco da ponte do rio Maçãs.
aplicar e, sobretudo, aquele irresistível cheirinho a Enquanto esperava que tirassem da bagageira a
fumeiro transmontano, foram mais fortes do que minha saca da merenda (o enxoval já fora despa-
eu e, então, resolvi mudá-lo para um sapato. chado antes na enorme mala revestida a chapa aos
Ainda me aconselhei com o João Landeiro, que quadrados verdes e pretos), quando, vencido pelo
era do Souto do Sabugal, rapaz já muito experiente cansaço de duas noites quase sem dormir, tentei
e perito em histórias de guardas e contrabandistas assentar bem os pés no chão, vi logo que aquele pó
– a propósito, ninguém sabe notícias dele? –, se de calcário nada tinha a ver com a terra da minha
não seria melhor comê-lo num passeio ou mesmo terra, que eu nem fazia ideia para que lado ficava,
deitá-lo fora, do que ele me dissuadiu, dizendo que e que o naco de céu avistado por cima daquele
levá-lo para o passeio era muito perigoso e deitá-lo mastodonte enorme que era o Convento nada ti-
fora seria um enorme desperdício. nha a ver com o horizonte sem fim das eiras do S.
Até que, finalmente, chegou o dia de ir de férias. Roque.
Com que alegria eu meti o meu rico salpicão Ouvem-se, então, as primeiras instruções, as
no meio daquela merenda horrorosa, de pão e queijo primeiras proibições, a primeira tentativa de orga-
americano, que nos forneciam para a viagem! nizar a primeira “forma”, tudo o que eu não sabia
Só depois de Santa Cita me senti seguro para ir que existia nem suspeitava que pudesse vir a exis-
ao fundo da saca procurar o meu petisco. tir. Com toneladas de peso nas pernas, os olhos a
Duro como estava, nem a faca lhe entrava, pelo arder de sono e um turbilhão de ideias a baralhar
que não houve outra solução senão atacá-lo... a completamente a cabeça, eis-me agora no meio de
dente. vinte ou trinta aventureiros, quais cordeiros des-
Dentada atrás de dentada, lá o fui roendo como mamados à força, lançados sós nos mistérios es-
pude e soube. Aquilo já era carne seca tremenda- magadores do desconhecido e que, procurando as
mente salgada, mas parece-me que nunca comi mães para todos os lados, só viam crianças como
coisa que me soubesse tão bem, de forma que se eles, feitas homens à pressa e à pressa feitos viú-
tornou para mim como que uma referência de qua- vos de gravatas desajustadas, fatinhos a estrear e
lidade. sapatinhos brilhantes mal feitos aos pés.
Bem certo que nunca mais comerei salpicão Por mais que rebuscasse, não encontrei nada
como aquele; quereria apenas, com estas duas le- no meu imaginário que pudesse comparar à imen-
191 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

sidão daqueles corredores sem fim, à maravilha das


escadas de caracol, à grandiosidade dos claustros.
Aturdido por tudo e sem saber como, vi-me diante
duma mala que reconheci logo como “a minha”
mala. Agarrei-me a ela como a uma âncora, algo
que sim, que era meu, que me reidentificara comi-
go. Ilusão fugaz prestes desvanecida com a primeira
ordem.
– Os meninos agora vão fazer a sua cama.
– Não. Esta agora é que não. Fazer a cama? Aqui-
lo em Trás-os-Montes era só com as mulheres.
Ouvi as explicações e, para não fazer feio, que
remédio, lá fiz como os outros. Feitas as camas e
arrumadas as malas, eis-nos de saca da merenda às
costas rumo ao refeitório e aqui a segunda ordem,
avisando que, a partir daquele momento, os meni-
nos eram todos irmãos (não via como aquilo podia
ser verdade se meu irmão era só o Manuel e esse
tinha ficado em Carção), pelo que devíamos entre-
gar todas as merendas para serem todas de toda a
gente.
Esta é que não entendi nem aceitei. Isto já era
mesmo demais. Pelo sim pelo não, entreguei o pol-
vo frito da tia Angélica, o pão, a chouriça e a mar-
melada, mas ciosamente guardei no sapato o fa-
moso salpicão transmontano que já mereceu hon-
ras de crónica nestas páginas.
Porto, 2001
C. Andrade
(Bol 71, Mar 2001, p. 8)
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 192
193 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

6. CARTAS COM ASSINATURA


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195 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

(79). Carta de JOÃO FERNANDES CHENDO se, submerso num monte de impressos, o Boletim:
ANTIGOS ALUNOS DA SOCIEDADE MISSIO-
Lisboa, 8 Outubro 1968 NÁRIA PORTUGUESA.
Avidamente tomei o Boletim de novo em mi-
Exmo. e Senhor nhas mãos, a percorrê-lo de uma folha à outra, acho
Caro delegado da A. R. M. que não demorei segundos, mas o suficiente, para
mergulhar profundamente num mundo delicioso de
Sou um estudante universitário em Económi- recordações. E, eu, que há muito, por uma questão
cas e depois de vários anos decorridos desde que de terapêutica em relação ao mal das saudades,
frequentei os Seminários da SPMCU acabo de re- havia cortado relações com o passado, vi-me numa
ceber alguns prospectos e ter conhecimento de que prodigiosa regressão de memória a evocar tantos e
existe uma associação de antigos alunos – a A. R. tantos acontecimentos, vividos no Colégio das
M. – de queV.Ex.cia é delegado em Lisboa. Missões Religiosas Ultramarinas de Tomar.
Com a presente desde já me considere sócio e A minha passagem por Tomar, foi meteórica.
mais solicito a V. Ex.cia que ao abrigo da alínea c) Lá cheguei para um primeiro ano do ano lectivo de
artigo 18.º do Capítulo II dos estatutos da mesma, 1931/1932, tendo como bagagem a frequência de
me considere dispensado temporariamente do pa- um 3.º ano de liceu, que não me valeu de nada pelo
gamento das cotas por motivos a que certamente pouco que sabia de latim. Mas quantas recorda-
não é alheio: um estudante fora de casa – sou da ções!... Tudo já vai longe, mas ainda me parece
Beira – e sem qualquer outro auxílio que não seja a ontem!... Era a figura austera do reitor, sr. P. João
mesada “dos pais”. Presentemente tento arranjar um Lopes, homem vivido ao sol de alguns continentes
emprego “part-time” e logo que a minha situação na sua missão de pregar o amor entre os homens.
financeira se modifique o comunicarei. Era a figura do boníssimo director espiritual sr.
Sou Padre Jaime Boavida. Eram os professores sr. P.
João Fernandes Chendo Albano de Paiva Alferes, P. Arnaldo, P. Marinho e
(Bol 23, Fev 1969, p. 6) a figura divertida, apesar do homem sério que era,
do professor de desenho geométrico e ginástica,
major Luís Aparício, e tantos outros, entre os quais
(80). Carta de ANTÓNIO ALVES MOREIRA não posso esquecer o velho mordomo, a quem
E SILVA muito secretamente dava umas gratificações, para
me deixar à noite debaixo do travesseiro, na
Rio de Janeiro, 23 de Junho de 1969 camarata, umas guloseimas a mais, além daquelas
À Redacção da “ASSOCIAÇÃO REGINA que eram servidas parcimoniosamente no refei-
MUNDI” tório.
E quantos episódios pitorescos eu poderia con-
Caro Sr. Director: tar, dos muitos que aconteceram, nesses anos já tão
distantes, mas que no entanto ainda me parecem
Chegou-me às mãos o Boletim publicado sob tão próximos.
número 25, e confesso, que no momento, ao Foi uma alegria ler o Boletim. Poderá ser que,
manuseá-lo, fiz, sem me aperceber do que se trata- por ele, venha a ter conhecimento de tantos
va, nessa forma inconscientemente automática com condiscípulos, muitos que me distinguiram com sua
que nos habituamos a passar uma vista de olhos amizade entre eles.
sobre tudo o que de impresso nos vem às mãos, e Cordialmente
que logo jogamos em cima da mesa, para uma pró- António Alves Moreira e Silva
xima leitura mais detalhada, mas sem direito a pri- (Bol 26, Ago 1969, p. 2)
oridades em nossa agenda de leituras.
Eis, no entanto, uma particularidade a chamar
a minha atenção, quando já deixava que se perdes-
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(81). POSTAL DE NAMPULA De si nem se fala! O Dr. Albino chegou àquela fase
invejável e gloriosa do varão celebrado pela Sagrada
Como vedes é já de Nampula que vos escrevo e Escritura pela fecunda habilidade com que tira do
principalmente o faço para desejar um óptimo e cofre, onde guarda os tesouros, raridades novas e ve-
felicíssimo Natal à “Família armista” que tenho lhas. Está visto e provado em letra redonda.
sempre bem presente no meu espírito. A mim pede você, nestas dramáticas circuns-
tâncias, umas palavrinhas.
A minha viagem decorreu muito bem e encon- É um diminutivo familiar e carinhoso. Realmen-
tro-me cheio de saúde e boa disposição, apesar deste te, adivinhou ser má altura para um artigo grande e
tórrido e húmido clima. solene. Ando, desde manhã, a arrumar os trapos e os
papéis na maleta de viagem, e parece-me estar já no
Tive maravilhosos contactos com os armistas – ar – situação pouco jeitosa para organizar ideias. Se
em Luanda com o Idalécio, o Sá e o Craveiro Mo- estivesse calmo, enchia-lhe duas ou três colunas a
rais, inexcedíveis todos em gentileza, atenções e a encarecer a necessidade e a beleza de promover a
mais franca e fraternal amizade; no Lobito apare- amizade prática entre os armistas, de lhes avivar o
ceu-nos o Manuel Dias Duarte, levou-nos no seu ideal que um dia o Senhor lhes fez luzir no espírito,
carro a ver Benguela, exteriorizando a sua muita de orarem uns pelos outros e pelos nossos missionári-
alegria por contactar connosco. Em Lourenço Mar- os e aspirantes. A missão essencial do Boletim é pre-
ques estive uns momentos agradáveis com o chefe cisamente esta de despertar e ligar almas e corações.
da nossa Delegação, Dr. Matos, agora promovido Não temos na ARM leis duras que nos prendam pelo
a maior responsabilidade. Tive também contactos pescoço, mas pretendemos manter e reforçar laços que
leves com outros armistas cujos nomes agora não nos juntem pelo espírito, pondo-nos a todos, cada qual
recordo, sempre em ambiente de muita amizade. no seu lugar (o lugar onde a Providência nos colo-
Bem-haja a ARM por tudo isto e que ela possa es- cou), ao serviço do Senhor e dos irmãos, ou melhor,
treitar sempre mais os laços que nos unem. ao serviço do Senhor nos irmãos. É que, desde a
Incarnação, o amor de Deus passa pelo amor dos ho-
Por enquanto estou em Nampula em férias. mens. Nem todos puderam consagrar-se à missão no
Depois direi mais. sentido estrito. Mas ninguém está dispensado de ser
fermento, sal e luz. Esta obrigação junta à amizade
Um abraço muito amigo para todos. Em íntima natural entre condiscípulos é o denominador comum
união de orações e sentimentos, sempre ao vosso dos membros da ARM. E o interesse pelo Boletim,
dispor. traduzido concretamente em colaboração literária e
Nampula 15/12/69 C. P. 54 no pagamento pronto e generoso de cotas, é sinal hu-
Pe. Manuel Fernandes milde mas convincente de que está atento e de que
(Bol 29, Fev/Mar 1970, p. 2) não há curto-circuito.
Meu caro e bom amigo, isto não é um recado
nem um artigo. É em ponto pequeno e em linguajar
(82). UMA CARTA QUE NÃO É AINDA O familiar o que eu diria se o tempo fosse mais e um
ARTIGO PROMETIDO pouco mais sossegado.
Pode informar a ARM de que o interesse da
Doutor: direcção da Sociedade Missionária por ela não
O seu postal do dia 11 chegou-me às mãos pou- diminui. O Relatório enviado ao Governo e à San-
cas horas antes da minha partida para Angola e ta Sé dedica-lhe um parágrafo, como o ano passa-
Moçambique. Francamente; não imaginava que fos- do. E diga-lhes sobretudo que rezamos por todos!
se tão catastrófica a situação literária do Boletim da Com muita amizade
ARM. O Pacheco, meu inesquecível condiscípulo, foi Padre Alfredo Alves, Superior-Geral
sempre um viveiro de ideias e iniciativas e é capaz de (Bol 30, Abr/Mai 1970, p. 3)
extrair prosa e verso do mais compacto dos armistas.
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(83). Carta de ZÉ MARIA OLIVEIRA comprometer-me-ia a dar notícias da “criança” em


todos os números do “ARM”.
CAROS AMIGOS: Como só se ama o que se conhece, aí vão os
primeiros apontamentos:
Recebi há dias o Boletim da ARM que a minha Área: 3 732 Km2. Habitantes: 32 000, sendo
mãe me mandou para aqui. 1 267 católicos, 508 catecúmenos, 110 famílias cris-
Brevemente receberão o dinheiro da assinatura tãs, 25 escolas da Missão, com 2 569 alunos, além
pois já escrevi à minha mãe nesse sentido. de 7 da Direcção Escolar, também visitadas por
Agradou-me receber o nosso Boletim e foi com mim.
saudade que o li. Soube através dele do paradeiro O apostolado em regiões de domínio mao-
de alguns camaradas meus e também eu vou dar metano co-cristãos são, por assim dizer, conquis-
sinal de vida. tados a ferros. A rapariga, como tem valor comer-
Encontro-me no momento aqui em Moçambi- cial, é mais perseguida pelos pais e ameaçada, para
que a comandar um destacamento militar junto à não se fazer cristã porque, nesse caso, já não pode-
fronteira com a Tanzânia. Talvez no próximo mês rá andar de qualquer maneira e terá que casar, ter
vá para a sede da minha companhia. Estou em um só marido, etc., etc.
Moçambique desde onze de Maio de 1970. Feliz- No entanto, temos 35 raparigas a prepararem-
mente no meu pelotão ainda não tenho desastre se para o casamento e um próximo novo curso pro-
nenhum. mete já ser mais volumoso.
Também aqui em Moçambique se encontra o Edifícios: O Senhor Bispo deu-nos uma resi-
ANTERO LEITE DUARTE em SPM 1164 e o dência bem boa; o edifício escolar tem seis boas
DANIEL DOS SANTOS PEREIRA do qual não salas. Mas não temos ainda igreja, nem Irmãs, nem
sei o SPM. Ambos prestam serviço como alferes. casa privativa para as noivas. A nossa concessão é
Como capelão do meu batalhão está o Pe. ZÉ de 350 hectares de mata, a que já arrancámos 30
MARIA DA COSTA MOREIRA. hectares para começar a cultura do algodão.
Em Julho espero estar aí na Metrópole em gozo Veículos: Land Rover, oferecido pelo Senhor
de férias e então aproveitarei a ocasião para visitar Bispo, 1 motorizada muito doente que trouxe da
a Direcção da ARM. Metrópole, uma bicicleta e duas pernas que vão
Para finalizar e como nos encontramos na se- servindo.
mana Pascal os meus votos sinceros duma Páscoa Precisamos: de tudo mas... uma sineta, uma
muito feliz para todos os Armistas e suas Famílias. motorizada que não atraiçoe, filmes de projecção
Não esqueçam nas vossas orações estes que lu- fixa, quadros religiosos para os casais cristãos, ter-
tam pelo bem no mundo. ços, roupas usadas ou novas, calçado, e até, calcu-
Com um abraço do lem, notas de Banco.
ZÉ MARIA OLIVEIRA Pedimos orações, especialmente a exigir do
(Bol 35, Abr/Mai 1971, p. 2) Patrono Cristo-Rei um tractor, urgente. Não duvi-
dem de que esta gente só se salva com a graça e
essa “compra-se” pela oração. Rezem, rezem por
(84). UM SOS DA MISSÃO DE CRISTO REI eles e não me esqueçam também.
Ah! Um sonho: Gostava de, num sítio maravi-
O nosso pequeno grande Jornal recebeu do lhoso que cá tenho, colocar uma imagem de Cris-
“nosso” Rev. P. Manuel Norte uma carta S.O.S. de to-Rei, em mármore; aí de metro e meio. Passa lá
que passamos a transcrever alguns períodos: sempre tanta tropa! Lembrar-se-iam do de Almada.
E quem sabe o bem que daí adviria...”.
“ A Missão de que sou superior nasceu mas não In Jesu
tem padrinho há quase 2 anos. Não quererá o vos- Pe. MANUEL NORTE
so jornal aceitar esse honroso encargo, passando (Metoro - Porto Amélia)
especialmente a auxiliá-la como puder? Por mim (Bol 38, Nov/Dez 1971, pp. 1 e 2)
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(85). Carta de JOSÉ (MATEUS) CRESPO As poucas vezes que com o Raimundo Cardigos
já me encontrei, serviram-me de verdadeiro tónico
Saudades, muitas saudades Amigos: reconstituinte, e demos-lhe o cariz de autêntico ZIP-
ZIP.
Antes de mais, a clara confissão de que, só por Aquele que durante a nossa vida colegial co-
desleixo, ainda vos não dei notícias ou, ao menos, nhecíamos por Fonsequita, hoje António Alves
ligeiro sinal de vida. Rodrigues, como capitão na situação de reserva,
Será isso devido ao frio que temos de suportar encontra-se nesta cidade a comandar a P. S. P.
nesta cidade serrana durante uma boa parte do ano, Evidentemente que, de quando em vez, embo-
em que, com frequência, se registam temperaturas ra o Rodrigues não tenha muita vontade de gastar
negativas? Ao epíteto de “cidade da saúde” tere- saliva, tem que me aturar durante esquecidos mi-
mos que juntar-lhe o de “cidade do frio”. nutos no seu gabinete, recordando nomes e passa-
É preciso não esquecer que está situada a uns gens da vida estudantil cucujanense.
1 058 metros de altitude. Tive conhecimento que andou pela estância
Franqueza exposta, fico certo não me será ne- sanatorial desta cidade o Padre Julião Valente, mas
gada a vossa indulgência. tal notícia só me chegou depois da sua saída.
Amigos, penaliza-me imenso não haver ainda O Padre Serralheiro também durante dois anos
assistido a qualquer das reuniões realizadas, e que na mesma estância sanatorial Sousa Martins per-
já não foram poucas, mas, além do mais, a tal con- maneceu, em recuperação da gravemente abalada
trariedade não tem sido estranho o negativo saldo saúde e energias gastas no ultramar. Durante esse
financeiro que tem andado cá por casa a fazer com- período, como é natural, falámos e passeámos. Não
panhia, e ainda algumas vezes o precário estado de esquecemos o “AGULHAS E ALFINETES” de que
saúde. Não está, todavia, perdida a esperança da foi director, editor e administrador.
efectivação de tão grande como justificado desejo. Restabelecido, fez-se rumo a Mértola, onde de-
Está dentro do plano operacional aproveitar a que pressa se esqueceu do velho amigo que, no seu dizer,
vier a ser realizada durante o mês de Setembro. nesta cidade Sanchina lhe ajudou a passar maus dias.
Por norma, faço sempre a leitura do boletim que Bem, AMIGOS, se algum de vós passar pela
generosamente me tendes enviado, duas ou três cidade da GUARDA, não hesite em me procurar
vezes, com incalculável insaciabilidade. Obrigado. na Rua de S. Vicente n.º 52 – 2.º, que é a minha
Pela leitura revivo os dias mais felizes da minha residência.
vida, os dias da nossa alegre e florescente juventude. Para já, a oferta da confraternização amiga com
À generosidade assaz demonstrada da vossa uns aromáticos “COGNACS” de “nuetros herma-
nobre qualidade de ARMISTAS se deve. nos”. O Pe. Serralheiro, se quiser, algo sobre isso
Os anos passaram, é certo, e uma grinalda bran- pode dizer, bem assim acerca dos passeios realiza-
ca nos ornamenta já a fronte, mas a saudade de tudo dos a Ciudad e Salamanca.
e de todos mantém-se, perdura. Jamais se apaga. Com um abraço de saudades, cá vos espera o
Se bem que os anos pesem um pouco, no en- AMIGO
tanto o espírito conserva a mesma juventude. Jo- José (Mateus) Crespo
vem como nos dias em que, alegremente, brincá- (Bol 41, Jun/Jul 1972, pp. 2 e 4)
vamos nos extensos corredores ou claustros do
Convento de Cristo e cercanias da rainha nabantina;
jovem como nos saudosos tempos em que, a meio (86). De Luanda – CARTA DE INÁCIO
da semana, dávamos o nosso passeio através dos HENRIQUES LAPA
verdejantes campos cucujanenses, embelezados e
aromatizados pelas boninas e malmequeres; jovem Caros Armistas: Os meus melhores cumpri-
como quando francamente ríamos, e saltávamos no mentos e votos de prosperidades.
formoso e odorífero canteiro, berço de Nuno Álva- Depois de ter sido descoberto pelo bem conhe-
res Pereia, em Sernache do Bonjardim. cido e dinâmico armista Joaquim Craveiro da Gra-
199 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

ça Morais, mais conhecido em Luanda pelo Mo- plar do Boletim que me sugeriu estas ideias sobre
rais da Arcádia, cá estou a dar-vos conta de mim as quais espero se pronunciem os elementos mais
e da entrevista que a referida descoberta proporci- relevantes da A.R.M.
onou. Foi com imenso prazer que abracei este anti- Vou mandar pagar a minha quota e espero que
go condiscípulo, dos anos 1934-40, que pela sua não deixem de me enviar o jornal.
jovialidade, dinamismo e extraordinária memória Um abraço a todos do
dos factos ocorridos naquele tempo, nem parece Inácio Henriques Lapa
ter sofrido o desgaste de quase 40 anos já volvidos. (Bol 46, Mai/Jul 1973, pp. 1-2)
O nosso encontro descontraído mas cheio de
atenções e cortesias como se fosse um seu familiar
dos mais íntimos, teve lugar no seu estabelecimen- (87). Carta do Pe. MANUEL TRINDADE
to mais conhecido, a “Arcádia”.
A conversa, bastante animada e reveladora, foi Vargem Grande,12 de Setembro de 1993
regada com uísque. Por ela fiquei a saber uma gran- Caríssimos Amigos,
de quantidade de notícias sobre a vida, funções e (...) Como esta já vai longa demais, limito-me,
localizações de muitos rapazes da família armista, para terminar, a um pedido que não está muito nos
condiscípulos uns e outros mais antigos ou mais meus hábitos, mas a que as circunstâncias me obri-
modernos. gam.
O Morais é realmente um ás do contacto, tanto Porteiras é uma comunidade de cerca de 50
cá como na Metrópole, procurando os familiares famílias, assentadas há anos pela Paróquia numa
onde quer que eles se encontrem. E notei que entre gleba de terreno adquirida para esse fim. Lança-
os armistas há mais laços de camaradagem, maior ram-se agora à construção de uma capela. Eles
harnonia e espírito de colaboração do que entre mesmos fabricaram os tijolos, e deram outras aju-
muitas famílias que o são pelo sangue. das importantes. Mas o ano foi muito mau para os
Isto mostra que a Escola que nos deu asas para lavradores, e tiveram de parar a construção, quase
a vida também nos soube incutir a verdadeira reli- no momento de pôr a cobertura. Desejariam pelo
gião da fraternidade humana, o autêntico sentir de menos que a estação das chuvas a encontrasse com
irmãos em Cristo. o telhado em cima. Se cada um dos meus amigos
Quando há dois anos fui à Metrópole em gozo me enviar o equivalente a 10 dólares (um almoço
de graciosa, não me contive sem ir passar algum português dos mais simples!), eu garanto que con-
tempo ao Cernache do Bonjardim, terra a que me cluímos a capela antes do fim do ano. Valeu?
prende uma afeição especial por ter sido no seu se- Fico a aguardar a vossa... resposta! O meu agra-
minário que bebi os conhecimentos que me prepa- decimento vai já antecipado! E Deus dará ainda re-
raram para a Vida. E estou certo que o mesmo acon- compensa mais valiosa!
tece com muitos outros que de lá saíram. É uma Um abraço muito amigo para todos e cada um.
romagem de saudade e de gratidão ao Seminário Com sincera amizade,
que nos deu a sólida formação que trouxemos para Pe. Trindade
o Mundo e o desejo de contactar com antigos (Bol 50 (2.ª Série), Set/Out 1993, p. 5)
condiscípulos e professores que lá se encontrem.
Proponho, por isso, que ali se faça uma casa
armista para repouso e reunião de Armistas espe- (88). CARTA ABERTA AOS ARMISTAS
cialmente durante as suas licenças e férias. Uma
casa de todos em Cernache do Bonjardim era mais As exigências cada vez mais prementes da vida
uma obra social de grande alcance, lugar de cola- quotidiana, por razões pessoais e profissionais, limi-
boração fraternal e incentivo para romagem de to- tam cada vez mais o nosso tempo disponível. Somos
dos nós à Casa-Mãe. assim obrigados a adiar sucessivamente o que não tem
Bem-haja o Morais que me deu a conhecer o carácter de obrigação rígida, transferindo para ama-
movimento armista e até me ofereceu um exem- nhã as realizações que programámos para hoje.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 200

Já não somos donos das nossas horas livres e des- (89). Chibuto – Carta do PADRE FIRMINO
preocupadas, pois as simples ocupações de rotina, o AUGUSTO JOÃO
dinamismo da vida moderna e as responsabilidades
acumuladas escravizam-nos cada vez mais. 20.01.94
Planificar o dia, elaborar planos e identificar me- Caros amigos da ARM:
tas, tornou-se cada vez mais necessário. Só os homens Venho por este meio agradecer novamente a
dotados dum espírito disciplinado podem tornar vossa segunta oferta no valor de 801 392 $ 00 para
exequível um esquema de realizações práticas. a compra do jeep Land Cruizer que vós tão genero-
Não temos assim dúvidas em afirmar aqui e samente prometestes para esta Missão do Chibuto
agora que a criação da Associação dos Antigos Alu- e Alto Changane, pois o Alto Changane, a partir da
nos da Sociedade Missionária que congregasse os morte do Sr. Pe. Cristóvão, ficou a depender do
antigos estudantes que viveram irmanados por uma Chibuto.
indissolúve1 solidariedade, apenas se tornou reali- Ainda continuamos a esperar novas ofertas e
dade, graças ao esforço, trabalho, persistência e por isso estamos a bater a outras portas. É pena,
abnegação de um grupo de alunos que são credo- com estes 18 864 dólares, há dois anos teríamos
res da nossa admiração, estima e elevado apreço. comprado o carro. Mas agora já custa 33 000 dóla-
É que apesar de nos mantermos dispersos, man- res, e cada mês que passa custa mais. E fazia-nos
temos viva a chama da solidariedade. O estreita- muita falta agora que somos dois padres, pois che-
mento e aumento dos laços de amizade são os fru- gou o Pe. Benjamim do Brasil e só temos um carro
tos colhidos dessa plêiade de abnegados pioneiros muito velho, para atender cinco Missões. Mas te-
que criaram a Associação e a dirigiram até ao pre- mos esperança que venham outras ajudas.
sente com empenho e entusiasmo na prossecução Graças a Deus agora podemos trabalhar à vonta-
dos seus objectivos. de, porque não há o entrave da Frelimo nem o proble-
Os nomes desses obreiros são sobejamente co- ma da guerra e as comunidades precisam da presença
nhecidos. do padre mais do que nunca, pois há muita coisa es-
Das finalidades da Associação, torna-se desne- cangalhada, material e espiritulmente falando.
cessário falar neste momento, até porque, além de É tudo por hoje.
discriminadas nos Estatutos aprovados, elas estão Em meu nome, do Pe. José Valente, do Pe.
implícitas na mente de cada um de nós. Benjamim e das comunidades das várias Missões,
Importante agora é revitalizar e reforçar o laço o nosso muito obrigado.
de união entre todos os Armistas e a Direcção da Pe. Firmino Augusto João
Associação. (Bol 53, Mar/Abr 1994, p. 2)
Na nossa modesta opinião, entendemos que para
se fortalecer o laço de união entre todos os Armistas e
a Direcção da Associação, nada melhor se poderia (90). De Nampula – Carta do PADRE JOSÉ
levar a efeito que a publicação do Boletim como elo MARIA LUÍS DA SILVA
de ligação entre todos os membros e porta-voz das
suas actividades sociais, intelectuais e artísticas. MEUS AMIGOS:
A Direcção está deste modo a trilhar caminho
para o êxito e por isso aproveitamos esta oportuni- Continuo a viver, no louvor, a graça imensa de
dade para a apoiar e concomitantemente para pres- ter podido entrar, de novo, em Moçambique.
tar homenagem a todos os inesquecíveis obreiros Isto acontece após uma ausência de cinco anos,
que criaram e solidificaram os inquebrantáveis va- durante os quais fui sujeito a cinco operações, al-
lores que hoje representa a A.R.M. gumas extremamente delicadas.
José Martins Carreto Fui posto a funcionar à força de tratamentos
(Bol 51 (2.ª Série), Nov/Dez 1993, p. 2) especializados e cuidados intensivos de cirurgiões
e médicos dedicadíssimos e competentes do Hos-
pital Egas Moniz, em Lisboa.
201 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

Aterrei no Aeroporto de Maputo, na manhã de e pernas hirtos, apostado em resistir até ao desmo-
09/11/95, aguardando pela solicitude eficiente do ronamento do meu ser. E disse: “Liquidação total,
irmão António. sistema bloqueado sem hipótese. Tombarei no tem-
Não voltava a Moçambique por engano. Tinha po do meu esboroamento. Sei que o sopro do Seu
a certeza de que toda a novidade aqui acontecida, Espírito recolherá todos os meus destroços, que a
mesmo se na minha ausência física, nem por isso ternura de Deus e Pai de Jesus reamassará a poeira
era estranha. Sentia-me aberto e disponível para do meu barro e que o Seu beijo boca a boca fará
tudo. Mas não podia abarcar que tudo fosse tanto. reviver em mim a sua imagem e me fará saber sa-
Encontrei-me a rondar por zonas de risco da fragi- boreando que sou construção Sua, ao recolocar-me
lidade da minha estrutura psicofisiológica. Até hoje, direito sobre a planta dos meus pés.”
01/01/96, ainda não consegui escrever para nin- Desmoronei-me pelas 17.45 h. Estendido no
guém nem uma letra sequer. chão, reduzido aos estilhaços de mim, celebro Seu
A todos vós a quem o Pai me expôs, na louvor, Sua bondade e Sua glória para sempre. E
graciosidade de seu Filho e na comunhão do Espí- proclamo que hoje e aqui, também para mim e tal-
rito Santo e a todos aqueles aos quais ele continua vez mais do que nunca, é vigília do Seu nascimen-
a enviar-me, e a quem me sinto ligado por laços de to. É já festa do Natal.
sincera amizade e profundo reconhecimento, ofe- Porque o Filho de Deus nasceu no tempo, o
reço em gratuidade, esta Sua narrativa em mim. Seja nosso tempo torna-se decisivamente, por graça,
celebração. Em sua singeleza se “filtre” na Sua tempo de Deus para os homens. Neste tempo que o
Eucaristia. Calendário não pode conter nem consegue devo-
Cheguei a Nampula, “esta minha Arquidiocese”, rar, é que estou a desejar-vos Natal sempre feliz,
segundo a palavra amiga e sentida de D. Manuel, à Novo Ano sempre de Paz... Sei que, mesmo se fora
noite de 14 de Dezembro, vindo de Maputo, de das datas convencionais, não estou desatempado.
carro, em viagem de dois mil e tantos quilómetros. Encontro-me em convalescença animada e se-
Na companhia dos PP. Almendra e Simões, pe- rena. Agradeço a quantos me têm acompanhado
regrinei 12 dias, com vários acidentes de percurso com amizade e dedicação a toda a prova, possibili-
e encontros e experiências enriquecedores. Vivi tando-me assumir na paz a situação delicada de me
com intensidade este novo contacto físico e afectivo sentir peso e preocupação para aqueles a quem pre-
com Moçambique. Viagem feliz e inesquecível atra- tendia proporcionar um pouco de alívio e contri-
vés do “país do coração”. buir para alargar seus espaços de respiro.
Permaneci em Nampula para participar no en- Neste meu ser “empecilho”, vivo o sinal sacra-
contro de reflexão e reciclagem do grupo. De 18 a mento, em solidariedade pascal, da fecundidade
24 de Dezembro, vi-me assaltado por fortes dores destas vidas doadas, em tensão permanente e
de cabeça, atordoado por febre caprichosa a des- desgastante, nas fronteiras em que a Missão procu-
pistar-me na sua dança dos 36 aos 40º. Algumas ra preparar Caminhos do Reino, que só por gracio-
noites passadas quase em branco, carregadas de sa iniciativa do Pai nos pode vir. – Venha o Teu
pesadelos. Eu a sentir o físico a estalar-me com Reino!
tremuras de calor. E a verificação cáustica de estar Na Comunhão que Ele em nós realiza, a todos
prestes a roçar pelos limites, neste país que amo, envio, de coração, o meu abraço fraterno e amigo.
no qual se encontra quase de tudo, mesmo o
consumismo requintado, e em que quase nada fun- Nampula, 01 de Janeiro de 1996
ciona para a grande maioria dos moçambicanos. P. José Maria Luis da Silva
Poderei eu funcionar ainda? (Bol 59, Jan/Abr 1996, p. 7)
Em 24/12/95, pelas 17 horas, agudizou-se em
mim a consciência de que uma situação insusten-
tável de ruptura me atingia.
Pus-me de pé, no excesso de mim, cabeça le-
vantada, rosto de granito, pescoço tendido, braços
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 202

(91). Carta do PADRE AUGUSTO FARIAS sam encontrar na vasta área de amizade, proporci-
onada pela ARM, um seguro apoio no caminho.
Gabela, 22.03.98 Para todos vai o meu abraço incondicional de
amigo com a invocação das melhores bênçãos de
Caro amigo Ponciano Deus e da protecção da nossa Padroeira.
Um abraço amigo destas terras africanas. Louriçal do Campo, 22/8/98
Foi minha intenção quando por aí andei, dar um Pe. José Valente
certo dinamismo à ARM no sentido de ser uma re- (Bol 67, Set 1998 / Abr 1999, p. 2)
taguarda firme no apoio aos missionários. Fizemos
a campanha dos carros. Conseguiu-se o que se con-
seguiu... mas mexeu-se com a malta. (93). A missão da Gabela – Carta do PADRE
Agora sou eu que estou em apuros. Não tenho AUGUSTO FARIAS
casa para viver! Pensamos nela.
Os cunhados Óscar e Serafim, de Rio Meão, já Caros amigos e benfeitores
me enviaram as ferragens para as portas e janelas,
da fábrica das esposas deles. Já são mais de 2 000 No termo da construção da casa paroquial, cum-
dólares que poupei aqui em Angola. Outras coisas pre-me, antes de mais, agradecer tanta generosida-
poderiam surgir. Mando a circular que fiz para al- de da vossa parte, para esta obra que felizmente foi
guns amigos. concluída com êxito.
Vejam o que se pode fazer. Desde já o meu agra- A casa paroquial foi benzida e inaugurada por
decimento. D. Benedito Roberto, Bispo desta Diocese, no dia
O jornal da ARM nunca aqui chegou... porque 08 de Agosto deste ano, festa da padroeira desta
eu nunca o pedi. É uma forma de ligação. Um abra- Paróquia. Do acontecimento mando foto comemo-
ço muito grande do amigo rativa.
Pe. Farias Foi muito o cansaço e o sacrifício mas valeu a
(Bol 64, Ago 1997 / Abr 1998, p. 6) pena porque esta equipa missionária e as outras que
lhe seguirão têm uma estrutura que as vai ajudar a
empenharem-se mais na construção do Reino Deus.
(92). Carta de saudação do PADRE JOSÉ Queiram aceitar, queridos amigos, a nossa gra-
VALENTE tidão por tanta generosidade. Outros desafios se nos
colocam, mas estamos convencidos que vamos
Ao celebrar o 50.° Aniversário da minha orde- conseguir com a ajuda de Deus e dos benfeitores.
nação sacerdotal soa com um timbre muito especi- Estamos para iniciar a construção do Centro
al a minha vibrante recordação dos antigos alunos Sócio-Cultural: um salão para 400 pessoas senta-
e irmãos da SMBN que encontrei ao longo desta das com palco para teatro e projecção de vídeo,
caminhada: os companheiros dos cursos iniciados uma biblioteca com depósito de livros e sala de
em Tomar nos anos de 1935, 1936 e 1937; e os que leitura aberta aos jovens que não têm livros nem
foram meus alunos em Tomar no ano lectivo de sala para estudar, cartório e gabinete de atendimen-
1944/1945, e, depois, em Cucujães no vasto perío- to, além de mais quatro salas para catequese e ou-
do de 1945 a 1964. tras actividades paroquiais. Temos matriculadas a
Para todos eles vai a minha calorosa e amiga passar de 1 000 na sede da Paróquia e faltam-nos
saudação nesta festiva ocorrência das minhas bo- espaços para essa e outras actividades. Vai ser
das de oiro sacerdotais e o desejo sincero de uma construído com o mesmo tipo de material da casa
feliz realização na vida. paroquial. Queremos iniciar já em Janeiro porque
O voto, sobretudo, de que, sejam quais forem obtivemos um bom subsídio da SONANGOL. Não
as circunstâncias do seu viver e as dificuldades que vai chegar mas será uma ajuda substancial.
lhes surjam na caminhada, nunca percam a espe- Outro desafio urgente é a reparação da Igreja
rança nem a capacidade de partilhar. Oxalá pos- paroquial cujo tecto ameaça ruína. Vamos a ver
203 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

como dar resposta a esta situação. zados nessa área, em 1982 – P. Lima e Companhei-
A construção do centro infantil ainda aguarda ros, pois ele foi abatido quando ia dar catequese.
porque não há financiamento. Com ele foi morta uma senhora de 29 anos e que
Esta casa não é apenas para nós. É também para estava grávida, uma menina aspirante a Irmã (21
receber os amigos. Por isso ficaríamos imensamente anos) e um jovem com 17.
satisfeitos por um dia vos recebermos nesta casa que Os leigos a formar teriam como modelos estes
também é vossa, porque há aqui também um pouco mártires.
do vosso suor e sobretudo da vossa amizade. Estamos a preparar o baptismo dos jovens e
Com Votos de Feliz Natal e de Paz para cada adultos que serão, este ano, baptizados por ocasião
um de vós no ano 2002, mas particularmente para da Páscoa. São cerca de 200.
esta martirizada terra, me subscrevo grato no Se- Ontem, domingo, tivemos o retiro quaresmal
nhor. dos catequistas. Temos cerca de 180. No próximo
Atenciosamente domingo, teremos o retiro dos jovens. No último
Gabela 2001-12-20 domingo do mês, teremos o retiro dos casais.
P. Augusto Farias Hoje iniciou-se mais um curso bíblico, dado por
(Bol 74, Abr 2002, p. 4) leigos. Também começámos a dar aulas às crian-
ças e jovens que não têm escola. São cerca de 1700.
Bem, caro Gamboa, vê se vens um dia até aqui
(94). De Luanda – CARTA DO PADRE passar um pouco do teu tempo. Então verás me-
ANTÓNIO VALENTE PEREIRA lhor.
Estamos no mês de S. José. Certamente que ele
Caríssimo Gamboa nos vai ajudar a levantar a Igreja Corpo de Cristo e
também uma Casa onde os crentes se possam reu-
Recebi o Boletim da ARM. nir para celebrar o Senhor da Vida, bem como mei-
Obrigado pela ajuda que já veio. os para formar a gente, a começar pela capacida-
A igreja está a ser levantada, embora ainda não de de receber a vida que brotou do lado aberto de
tenhamos meios para a acabar. Precisávamos de Jesus.
cerca de 60 000 l. Cumprimentos a todos.
Ai se a ARM nos pudesse ajudar mais um pou- 18/03/2003
co! Sonho com uma igreja ampla, embora simples, P. António Valente Pereira
e que tenha ligada a si salas para a formação de (Bol 81, Dez 2003, p. 6)
leigos: 4 salas, cada uma com o nome dos martiri-
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 204
205 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

7. TEXTOS DE PROCURA E ENCONTRO


A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 206
207 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

(95). RECORDANDO Pois é verdade, “cacei” o José António Coelho


Sampaio, muito trigueiro – cor das terras do Ultra-
Um dia, já muito distante... 8 de Maio de 1930, mar, onde esteve em comissão de serviço militar –,
eu fora convidado a abandonar o Seminário de alto e forte.
Cucujães. Os Superiores não tinham encontrado em Olhámo-nos frente a frente. Entre surpreso e
mim sinais de revelação sacerdotal e missionária. interrogador, exclama, abrindo os grandes braços:
Altos desígnios de Deus nem sempre bem compre- “Olha o Quim Alves!” E um alegre cavaco se seguiu,
endidos... Já lá vão 37 anos! recordando os velhos tempos da nossa permanência
Inconformado e triste... preparei as malas para, no Seminário. Ornamentando a mesa estavam dois
no dia seguinte, regressar à casa paterna, sem uma copos de vinho do Porto, mas cheios, claro.
satisfação airosa a dar a meus Pais e sem rumo traça- Vieram à colação o José Nabais Magro, o Cos-
do para uma nova vida. Assim, nessa tarde, para mim ta Afonso, o Jorge Teixeira, o Teixeira Leite, os
muito cinzenta..., eu decidira despedir-me de todos Pinas, o Galante, o João e José Gamboa, o Alfredo
os Superiores, tendo deixado, para final, o Ex.mo e Rodrigues, o Sequeira, o Felizardo e tantos outros
Revmo. Senhor D. Teotónio Manuel Ribeiro Vieira que a mossa memória teve por bem recordar. E foi
de Castro, já nessa altura nomeado Patriarca das Índi- agradável!
as, mas ainda Superior Geral dos 3 Seminários. Para gáudio e estímulo de muitos informo que
Bati à porta do quarto – creio que ainda é hoje o o Sampaio, aquele espadaúdo desportista e músico
quarto do Superior Geral –, pedi licença que me foi apaixonado que todos conhecemos, não se perdeu
concedida e muito embaraçado disse ao que ia. Sem pelas sendas da leviandade, não. E é quase Doutor.
qualquer recriminação o Venerando Prelado dirigiu- Faltam-1he três cadeiras para terminar o seu curso
me palavras de conforto e bom conselho e, dando-me de Românicas.
a Sua bênção, abraçou-me cingindo-me bastante ao Meu caro Sampaio, a minha admiração e o meu
seu coração. Dos seus olhos brilhantes, fitando-me, respeito. E já agora permite-me a liberdade de pro-
rolaram algumas lágrimas tão expressivas e quentes curar estreitar mais e mais os laços da amizade que
que nelas, vida em fora, tenho encontrado conforto e nos une, na esperança de que ambos contribuire-
calor, sobretudo nos dias frios e difíceis que atravessei. mos para a adesão sincera de outros colegas ao
Nunca esqueci este facto e apesar das vicissitudes nosso movimento armista.
passadas, consequências duma época de instabilida- Bem-hajas! Contamos contigo.
de e de dificuldades, parece-me dever à preciosa bên- A. Pereira
ção de meu antigo e Venerando Superior, a relativa (Bol 19, Fev 1968, p. 3)
estabilidade da minha vida que me vai permitindo
dispensar a meus filhos a educação e preparação que
a vida actual aconselha. Bem andou o nosso “porta- (97). EU FUI AO S. JOÃO AO PORTO
voz” em, na sua “Galeria de Saudade”, ter dado prio-
ridade à figura veneranda deste príncipe da Igreja, Durante quase 30 anos sonhei ir ao S. João ao
glória de Deus e glória da Pátria. Na singeleza destas Porto. Razões várias vinham-me impedindo de
linhas, vai também o preito da minha gratidão. transformar o sonho em realidade. Os meus ami-
Maio de 1967 gos nortenhos, dos quais não posso deixar de des-
JANC tacar o ZÉ do Porto, insistiam comigo para ir até
(Bol 17, Ago 1967, p. 2) lá, pois se tratava, diziam eles, da melhor festa po-
pular que se realiza no Mundo!!!...
Decidi-me este ano e... fui, para ver e crer, como
(96). MAS QUE GRANDE COELHO!... S. Tomé.
MARAVILHA DAS MARAVILHAS! Jamais
Que surpresa! Que rico “Coelho” que eu apa- havia assistido a coisa igual. Delirei.
nhei na rua do Telhado, 107-2.º, em Vila Nova de Habituado embora, de há muito, a admirar os
Gaia. Já há muito que o procurava. “tripeiros” pelas suas excepcionais qualidades de
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 208

civismo e de educação, quis, porém, observar me- o nome e a posição. Já não é Rabiloto e é Doutor.
lhor “in loco” e com os meus próprios olhos – pas- Sinceramente, Dr. Joaquim da Costa Nunes, gostei
se o pleonasmo – o quanto eles são ordeiros, e ale- de ver-te como gostei de dar notícias tuas, mas não
gres, acolhedores e divertidos. podemos conceber-te sem o nome Rabiloto porque
Que noite!... Um povo triste é um triste povo!... só ele nos associa e nos invoca toda a tua pessoa!
Com as suas lindíssimas “cascatas” postas a Parabéns pela tua posição na vida. A ARM, que
prémio da Exma. Câmara Municipal, ruas ricamente somos todos nós, conta com a tua colaboração.
engalanadas e iluminadas a cores, balões, foguetes Este encontro foi meramente casual como tan-
e panchões, o Porto apresentou-se com um ar or- tos outros no turbilhão da vida de Lisboa.
gulhosamente festivo. Nessa noite, de 23 para 24, Para estreitar mais os nossos laços de amizade
toda a gente saiu para a rua, de alho-porro na mão não poderíamos eleger um ou dois Cafés como
ou, como se vem fazendo de há uns anos atrás, com ponto de encontro informal? Em Lisboa eu propu-
um gracioso martelinho de plástico. nha o Café “Paladium” nos Restauradores e “A
Não se magoa ninguém, toda a gente ri, canta, Mexicana” na Praça de Londres. O exemplo podia
dança, confraterniza, delira. Dão-se a cheirar ser seguido na Metrópole e no Ultramar onde o
raminhos e flores de agradável aroma, toca-se com número de armistas o permitisse.
o alho-porro ou com o martelo na cabeça das pes- Ninguém duvidará da utilidade destes encon-
soas, enfim, numa harmonia de sentimentos frater- tros.
nais que só dignificam um povo como aquele, de António Moutinho Rodrigues
tão curiosas e ancestrais tradições, assiste-se à mais (Bol 39, Jan/Fev 1972, p. 4)
extraordinária e convincente demonstração de ci-
vismo. Grande lição.
Foi assim – neste ambiente de euforia e comun- (99). ENCONTRO EVOCADOR
gando nesses mesmos sentimentos – que eu vi e
vivi, pela primeira vez, o S. João no Porto, enqua- Eram três “manos” que se não viam há muito.
drado eu também numa “rusga” de armistas Uma ideia vagueava na mente dos três, havia anos.
nortenhos. Obrigado, parabéns amigos. Até ao ano. Queriam encontrar-se.
Lisboa, 26 de Junho de 1969 Veio a oportunidade e concretizou-se a ideia.
José Nereu Santos Leiria apareceu logo a ligar Aveiro e Lisboa.
(Bol 26, Ago 1969, p. 2) O pretexto de um dos “manos” – a numismática
– conseguiu o carro do outro. Assim, partimos de
Lisboa – o Moutinho e o redactor destas linhas.
(98). UM ENCONTRO Interessava-nos o encontro com o Gamboa. Há que
tempos a gente se não via!
Num destes dias estando eu a almoçar num res- Inventariámos, durante a viagem, tudo aquilo
taurante em Lisboa, eis que vejo entrar alguém que que a nossa memória ainda possuía do João
os meus olhos já não viam há longos anos. Vinha Gamboa. Falámos do seu entusiasmo pelas fusas.
acompanhado da noiva. Conversámos animada- Trauteou-se a pastoral sol-lá-sol-mi de sua autoria.
mente, matando saudades. Quem se não lembra? – “Tenho melhor do que
Era nem mais nem menos que o Joaquim da isso”, diria mais tarde. Mas, de verdade, não che-
Costa Nunes (Rabiloto). Pequeno como eu, ele é gámos a ouvir. E falou-se com sinceridade dos as-
ainda aquele moço patusco dos velhos tempos da suntos ARM, de uma forma própria nossa – os da
década de 50 que nos habituámos a ver e com quem geração 1950/60.
convivemos em Tomar, Cernache e Cucujães. Se Nós dois – pretensos especialistas – de bisturi
alguém quiser contactar com ele pode escrever para na mão, contra nós próprios, observámos e conjec-
Dr. Joaquim da Costa Nunes, 1.ª Vara do Tribunal turámos hipóteses. Formulámos até teorias de trans-
de Trabalho de Setúbal. fusão! – Seremos nós quem precisa da ARM, ou
Mas atenção a dois pormenores importantes – será esta que precisa do sangue desta geração? Fi-
209 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

zemos estas perguntas como elementos suficiente- recordar a malta em pormenor. A última sensação é
mente adultos que somos, mas colectivamente um o Sequeira, como Gerente bancário em Castelo
pouco alheios à vitalidade daquela. – Porquê? Branco. Mas à conta dos Bancos apetece-me trazer
Quando apareceu o “fusário”, já nós tínhamos até este palco todos estes do nosso ano: o Felizardo
elaborado um esquema de acção a ser posto em e o Sebastião Alves, o António Pina, o Alfredo, o
prática, numa primeira fase, já na próxima reunião Costa Afonso e o Nabais Magro.
em Sernache. Isto ficou na Agenda. E havíamos No Magistério vemos o (Dr.) Sampaio e o
também falado de muito “craque” evocado a ca- Valdemar Coutinho, além do protagonista princi-
pricho da memória ou por afinidades de simpatia. pal desta reportagem que de propósito vou deixan-
Esta foi uma expressão que bastante desenvolve- do para segundo plano.
mos e nos serviu de mola para os esquemas previs- Sabemos por onde andam o Teixeira Leite (uma
tos e já referidos. boa cunha para a Datsun), o Jorge, o José Gamboa e o
Simpatia! – Mas, porque foi que tão tarde se José Pina – este está na lista dos internacionais, actu-
descobriu esta palavra? E as suas virtualidades? almente em Paris. Mas nós também somos internaci-
Dantes pareciam ignorá-la, a pretexto de possíveis onais, meu amigo! – a TAP deixa-nos fazer umas
confusões, talvez, com aquelas terríveis amizades viagenzitas, a mim e ao Moutinho; a todos, afinal.
particulares. Vocês sabiam que o Moutinho já é pai de 4 fi-
Quando o Austin Mini azul apareceu, decorre- lhos? E que eu, casado há pouco mais de um ano,
ra já um longo compasso de espera, interrompido também já lá tenho um herdeiro? É curioso! Entrá-
de súbito com dois efusivos e grandes abraços. Aí mos e saímos do Seminário no mesmo ano, e hoje
estava o Gamboa e com a família toda atrás de si – temos o mesmo emprego.
mulher, dois filhos e um irmão, também ex-mas- Mas há mais gente. Por onde andam os
não-ARM. Tivemos pena que as nossas caras-me- transmontanos Elias, Salvador e o Pires?
tades houvessem de ter ficado em Lisboa. E o (Barão) de Quintela – que sabemos Geren-
O João, militarista no cabelo, entroncado de te da Firma DUN?
forma, denunciava-se fortemente o mesmo que era Recuemos um pouco atrás: – Que é feito do
e tínhamos na memória. Depois do primeiro bate- Albino, o Pinto; e daquele transmontano de rija têm-
papo virou logo a Professor, tal como é, e tomou a pera, o Cepeda? E o divertido Tomás?
palavra. Ouvimo-lo com interesse, em todo o al- A finalizar, está na nossa mente o Galante! An-
moço e depois, a contar-nos a história da sua vida. dará ainda pela tropa? Quem nos dará uma pista?
Ouçam bem! Os três meses da Filosofia não o Gostaríamos de a todos ver. Esta é malta que exis-
dispensaram do 2.º e 5.° anos do liceu. Mais tarde tia ainda no 3.º ano.
veio o 7.°. Fez isso e mais do que isso. A título informativo para todos estes nossos
Mas falava com muita maturação e calma. Ti- colegas de curso, agrada-nos referir que chegaram
rara o curso de enfermagem. Praticara. Eu encon- ao fim da meta e são hoje missionários o Sebastião
trara-o, então, no HMP à Estrela, em Lisboa, em João, o Viriato Matos, o Casimiro e o Sá Fernandes.
1961. Recordámo-nos disso. Entretanto, tropa no Toda esta digressão anterior foi motivada por
Ultramar; e os estudos continuaram. Hoje, é licen- este nosso encontro; programado já de há muito,
ciado em Românicas e professor em Aveiro. em Leiria, com o Gamboa – encontro esse que de-
Já depois no Parque, em Leiria, sentados a to- sejaríamos ver repetir, a título informal, com todos
mar uma bica ou a passear, recordámos ainda os os colegas mencionados e da mesma forma dentro
episódios mais vivos de todo um tempo passado dos outros anos.
juntos. O Moutinho era o mais vivo na memória Aguardamos que a todo o momento possa che-
dos tempos primeiros. Ele domina bem tudo o que gar ao nosso Boletim outra reportagem.
se passou em Tomar e Cernache. Pensámos em tan- Esta é assinada pelo
tos dos nossos. Enumerámo-los, quisemo-los jun- Manuel da Silva
tos, mas de pleno agrado, na ARM. (Bol 42, Ago/Set 1972, p. 4)
A propósito de posições na vida passámos a
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 210

(100). UM PASSEIO À BEIRA BAIXA – Então tu, Mateus, já tens netos?


– É verdade!
Tendo planeado o meu passeio de férias deste ano – Quanto te invejo! Pois eu para aqui estou,
à Beira Baixa, e tendo como principal atractivo a Ser- solteirão. Não há mulher que queira aturar este diabo!
ra da Estrela, lá fui, com a família, estrada fora, co-
mendo e dormindo nas terras onde passávamos. E foi, Afinal o nosso José Ramos Pina não é um dia-
de facto, um passeio bastante agradável. bo. Pelo contrário. É uma alma grande e generosa,
Em Alpedrinha parámos, para almoçar. toda dedicada ao serviço da família e dos seus
Durante o almoço perguntei à empregada: “Não conterrâneos. Digamos, até, que a vida dele é um
conhece aqui um senhor que andou há tempos no autêntico sacerdócio. Como dirigente da Junta de
Seminário, chamado José Ramos Pina?” Freguesia e da Casa do Povo, a sua vida é um
E ela disse logo: “Ah! Conheço muito bem. É o deambular constante de entrevistas com as entida-
presidente da Junta de Freguesia e o vice-presidente da des oficiais, com vista a dotar a sua terra de tudo
Casa do Povo. A casa dele é ali ao cimo daquela rua”. aquilo de que precisa. No dia anterior à nossa che-
Acabado o almoço, lá fui bater-lhe à porta. gada havia falado com o presidente da Câmara no
É uma casa tipicamente beiroa, construída em sentido de resolver a deficiência no abastecimento
granito, com varanda, escadaria lateral, circunda- de água a Alpedrinha. No dia seguinte teria de se-
da de árvores de fruto, numa posição na colina de guir para Lisboa para representar a sua Casa do
onde se desfruta um lindíssimo panorama. Um ga- Povo nas comemorações do Estatuto do Trabalho
roto acompanhou-me à quinta onde ele estava a dar Nacional.
ordens ao pessoal. Logo que lhe disseram estar ali – E é assim sempre, Mateus. Meteram-me na
uma pessoa para lhe falar, ele aparece, rosto meio política. Já não posso deixar isto. E, como não te-
carrancudo. nho filhos, dedico-me aos conterrâneos, como se
– Boa tarde. O que é que o senhor deseja? meus filhos fossem.
Pensei que ele me reconhecesse. Como isso não
se deu, procurei dissimular: Deixou-nos uma grata impressão esta visita ao
– Precisava dum atestado. antigo colega de Seminário, José Ramos Pina.
– Para quê? Emigração? Quem, como ele, sacrifica a vida de casado, para
– Sim. não faltar coisa alguma à mãe e às duas irmãs, das
– O senhor vive cá? quais se tornou o único amparo; quem, como ele,
Ainda quis continuar a inventar aldrabices, mas se sacrifica tanto pelo bem-estar dos seus
já não sabia o que responder, pelo que resolvi logo conterrâneos, só aceitando cargos sem qualquer
dar-me a conhecer. remuneração, não pode deixar de ter uma sólida e
– Então tu não me conheces, pá? bela formação moral. O Ramos Pina continua a hon-
– Não me lembro de si de lado algum. rar o Seminário que o educou, e envergonha-nos a
– Vê se te lembras do tempo do Seminário. nós que, às vezes, nos furtamos a pequenos sacrifí-
– Do tempo do Seminário lembro-me do Sal- cios para não prejudicar a nossa comodidade.
vado, do André, do Mateus, do… Fui a Alpedrinha receber uma bela lição.
– E o Mateus sou eu! Joaquim Alves (Mateus)
– Não me digas! Já lá vão 30 anos! (Bol 44, Dez 1972 / Fev 1973, p. 3)
E o rosto austero do Presidente da Junta de Fre-
guesia tornou-se risonho e cordial como sempre foi
durante o tempo em que estudámos e fomos cole- (101). O MEU POSTAL
gas de carreira. E veio o abraço de saudade e dei-
xou-se tudo para conversar e relembrar tempos Nas vésperas do Natal 73, a pedido de pessoa
passados. Apresentei-lhe a família: só a mulher e muito amiga, fui com ela visitar, ali à Maia, uma
filho, que a filha ficara em casa dela na companhia sua antiga lavadeira, muito pobre, encamada por
do marido e dos seus dois filhos. força da terrível doença dos seus 86 anos, para mais,
211 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

carregados do contrapeso de um ror de dolorosas P. S.


outras enfermidades e muita penúria. Casa térrea, Recado para um certo:
humilde, de duas únicas divisões. – A nota da velhinha com mais dois zeros dá
Procurei dar à conversa a tónica natalícia: ale- 2000$00. Sabes?
gria até no sofrimento. (Bol 49, Jan/Fev 1974, p. 2)
Conversou-se. Às tantas, não sei que voltas de-
mos, abri a minha pasta, e pedi-lhes para escutarem
uma carta que, dias antes, recebera do Padre Laurindo (102). O QUE NÓS AMARGÁMOS!
Neto, o PADRE que dirige a nossa (tua?) afilhada, a
Missão de Seles – Angola. Nela agradecia-nos a nos- Pelo que tenho depreendido dos muitos desa-
sa última remessa e recontava-me as suas dificulda- bafos e confidências dos ex-seminaristas e antigos
des e aflições, dizendo-me também do delírio em que colegas, estou em afirmar que muitos problemas
ele e os que com ele lá evangelizam ficaram, ao sa- nos amarguraram a saída do seminário. Quantos
ber, pelo nosso Boletim, da ideia de lhes enviarmos deles fizeram descarrilar a formação moral e reli-
uma moto (15 000 $ 00, usada). giosa ali recebida!
A simpática velhinha ouviu, visivelmente inte- A mim, dá-me a impressão que fomos abando-
ressada. Por fim, de olhos brilhantes e um sorriso nados num deserto ou alto mar, sem bússola e sem
estranho, se é que sorriso isso era, rebusca debaixo qualquer ponto de referência. Aquilo, desde a au-
do travesseiro e... sência do rigor dos horários até à falta de ocupa-
– Pegue, meu senhor, aceite para ajuda da moto ção, foi um navegar à deriva.
dos seus padres. Tantas orações, tantos estudos, tanta disciplina e...
Eu, confesso, estarreci. Como sabia que não tanta despreocupação lá dentro!, enquanto cá fora,
posso (não pude até agora) contar com a tua com- quem nos animava a rezar, onde estudar, como ga-
preensão e ajuda, logo me arrependi de lhes ler a nhar a vida? Para além disso, aqueles sorrisos trocis-
“malfadada” carta. É que, cá muito no meu íntimo, tas dos nossos conhecidos, a idade das inconsequên-
eu resolvera até deixar esquecer a história da moto. cias, as magras possibilidades dos nossos pais e... os
Pois se ele até ainda faltavam 232$00 para liquidar estudos sem equivalência para coisa nenhuma...
a conta das alfaias enviadas... Este último, sim, este foi um problema bem
Apanhado assim, confuso e até depois enver- amargo! para nós, sobretudo os mais antigos –
gonhado, aceitei, claro. 20$00 que traduzem tanto quantos o lembram com raiva! Talvez se possa di-
amor, carência e sofrimento, Fé, e Esperança. Eles zer que a maioria das deserções e antipatias para
serão bênção. Lá mesmo recebi mais 100$00 e pro- com os seminários se filiam nisso mesmo. Pois ele!
messa de mais. Outros 4 que leram a carta também Tantos estudos e tão inúteis!
prometeram. Mais felizes os que actualmente por lá andam,
Ah! mas tu? É para ti que escrevo. Não te es- porque, matriculados no ensino oficial, ao menos
queças. Pelo Menino que então festejávamos, pe- no fim dos ciclos fazem exame, que os coloca ao
las Missões; às quais tanto devemos. Diz-me ao abrigo da falta de equivalência, ao contrário dos
menos que querias mas não podes, nem sequer ali- velhos tempos.
nhar com outra nota igual à da simpática velhinha. Grande vantagem, sem dúvida, e com ela nos
A tua boa vontade será bênção que também ajuda- congratulamos.
rá à moto da afilhada. Mas é preciso ir mais além.
Os rapazes de Cucujães frequentam as aulas do
Uma velhinha entrevada 20$00 ensino oficial em Oliveira de Azeméis – postos assim
Lurdes Cardoso 100$00 de parte todos os obstáculos. Quanto a Cernache, o
L. B. C. 100$00 caso muda de figura: inscritos no ensino particutar no
Albino Santos 100$00 liceu de Tomar, ficam sem hipóteses, ao abandona-
rem o seminário antes do exame do 5.° ano.
Zé do Porto Sei que a Sociedade estuda o assunto, para acau-
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 212

telar o futuro dos alunos, enquanto disso não se (104). CONVERSANDO (1)
ocupar a legislação.
Um apelo a todos os armistas: lembremo-nos Uma das coisas boas que aprendemos, bem cedo,
das grandes dificuldades por que passámos e não nos nossos seminários, foi a prática da partilha.
deixemos de ajudar os mais novos a continuar os Pessoalmente recordo que, nos dois anos pas-
estudos. Se pudermos, que eles não comam pão tão sados em Tomar, tinha na cidade uma irmã dedicada
duro e amargo como o nosso. à pastelaria. Quinzenalmente ela subia ao Conven-
Lapin du Pré to de Cristo para me visitar, trazendo essas tão apre-
(Bol 49, Jan/Fev 1974, p. 4) ciadas especialidades! Pois, tal qual me eram en-
tregues, assim seguiam para as mãos dos superio-
res, para serem partilhadas pela comunidade. Ver-
(103). BOLSAS & C.ª dade seja dita que, sendo coisa insuficiente para
todos, não deixava de ser minimamente contem-
É certo e sabido que, quando se fala na bolsa, plado.
toda a gente leva a mão à carteira, não para a abrir Encarava isto com a maior naturalidade, ao
generosamente mas para ver se ela lá está. ponto até de aceitar que eventualmente nada vies-
De facto, custa tanto puxar das notas para as se a provar. Dava assim os primeiros passos no ABC
dar, que muitos por elas dão o próprio sangue. Cer- da vocação missionária – estar permanentemente
tamente é até por isso que se diz que o dinheiro é ao serviço do meu semelhante. E, quanto mais bem
sangue. Além disso, o maganão é tão bonito!... preparado, tanto mais eficaz.
Não obstante, de uma maneira ou de outra, é Por desígnios da Providência, não cheguei, não
forçoso pô-lo a girar, pois sem ele não se compram chegámos, na grande maioria, a concretizar a com-
melões – nem nada. Mas é preciso também reparti- pleta vida missionária. Mas sem dúvida que muito
lo, na medida do possível (esta é que é muito rela- de positivo valorizou as nossas vidas. Não sei to-
tiva), pelos que têm necessidades. davia se o nosso permanente contacto com um
Nós somos administradores dos bens que Deus mundo egoísta, ou ainda a luta diária pela sobrevi-
nos deu. Não somos obrigados a dar aquilo que nos vência, não nos terá porventura arrefecido o cora-
faz falta, mas, quando o damos (lembro o óbolo da ção, tornando-nos um tanto ou quanto insensíveis
viúva de Naim), como Deus fica contente connosco! às carências que nos rodeiam. Vou mesmo ao pon-
Ele avalia-nos conforme o nosso sacrifício. to de chegar a pensar se não constituímos uma fa-
E não precisamos de invocar exigências sócio- mília virada mais para dentro do que esquecida um
económicas tão em voga hoje em dia. Basta-nos pouco de si própria, para ajudar os outros.
recordar a doutrina do Corpo Místico de Cristo ensi- Vem a propósito este pensamento porque, nos
nada por S. Paulo. Se todos somos membros do mes- muitos anos que levamos de ARM, nota-se com
mo Corpo, cada um no seu lugar próprio, como não uma certa regularidade, nos nossos encontros na-
acudimos àquele que está em necessidade? cionais em assembleia, mais entre familiares, uma
Vem isto a propósito das bolsas de estudo aber- certa ânsia em consumir aquilo que, à partida, é
tas no nosso Boletim e que tanto tardam a comple- oferecido igualmente a todos. É certo que não vou
tar-se. E também da subscrição a favor da Missão nem posso generalizar este comportamento. Seria
de Seles que tão pouco genrerosamente tem sido muito injusto. Mas que deve servir para reflexão,
contemplada. Não me parece que não possamos não tenho dúvida.
todos, ou quase, ajudar um bocadinho. Muitos pou- Reflectir se estamos a possuir e a saber usar o
cos fazem muito. espírito de partilha é a melhor forma de continuar-
Quem se recusa a acudir a umas e à outra, nem mos a celebrar este ano do Cinquentenário da ARM.
que seja com migalhas caídas da sua mesa? É que por aqui passa a nossa vocação de baptizados.
Não assinado Uma vocação de generosidade, de doação e de ale-
(Bol 49, Jan/Fev 1974, p. 4) gria. Há por aqui e por aí tantos dons não investi-
dos!
213 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

Para mim e para todos nós e nossos familiares Sejam, pois, os nossos encontros e assembleias
é altura de voarmos mais alto, pois só desta forma o verdadeiro espelho de um relacionamento criado
descobriremos as necessidades dos outros e o nos- e cultivado ao longo dos nossos dias.
so coração se abrirá em generosidade e amor. Par- Com a maior amizade
tindo sempre à descoberta de Cristo, no rosto do Moutinha Rodrigues
nosso próximo carente, é partilhar a alegria de em (Bol 55, Out 1994 / Mar 1995, p. 8)
cada dia ser missionário.
Com muita amizade
Moutinha Rodrigues (106). CONVERSANDO (3)
(Bol 54, Mai/Ago 1994, p. 8)
Sempre que perdemos alguém que de uma for-
ma ou de outra cruzou os nossos caminhos e influ-
(105). CONVERSANDO (2) enciou as nossas vidas, costumamos dizer que tam-
bém nós morremos um pouco.
Neste ano da comemoração do cinquentenário Isto é bem verdade no plano existencial, enquan-
da ARM penso que seria interessante vermos mais to ficamos privados da sua influência pessoal, mo-
uma vez as razões que levam a maioria dos que ral e intelectual.
frequentaram os nossos seminários a não aderirem Digamos ainda que morremos tanto mais quanto
à nossa Associação. mais avançamos na idade, porque, nessa fase, o
Muito se tem falado sobre o assunto. Também leque de referências é cada vez menor.
não sou eu que o vou esgotar nem tão-pouco resol- Mas analisando esta realidade na vertente espi-
ver. ritual, sempre que tal acontece ficamos mais enri-
Gostaria, sim, que passasse a haver uma estrei- quecidos. Graças à comunhão dos Santos passa-
ta ligação entre a Sociedade Missionária e a Direc- mos a beneficiar sobremaneira da influência dos
ção da ARM para que o aluno, uma vez deixando o que já partiram porque, então, o seu amor por nós é
seminário, nos fossem fornecidos os seus dados. perfeito.
De imediato a Direcção lhe escreveria. É preciso que tenhamos consciência desta rea-
Por outro lado, a já longa experiência nos con- lidade porque nos ajudará imenso no processo do
tactos com os colegas, antigos alunos, leva-me a nosso envelhecimento.
concluir que uma das poucas coisas que vai resul- Uma boa parte dos que vibram com a ARM si-
tando é o contacto directo – telefónico e pessoal. tuam-se na casa dos cinquenta para cima. Todos os
O privilégio desse contacto tem o condão da anos somos confrontados com a partida deste ou
amizade e do interesse pela vida do outro, de modo daquele. Lembramos a figura dos padres António
a cativá-lo e a fazer-lhe nascer a vontade de aderir. Pereira, José Mendes Patrício e Manuel Trindade,
Mais do que a escrita, embora esta não se deva ou dos leigos Fernando Augusto Cepeda e Albino
descurar, o relacionamento, pessoa a pessoa, irá dos Santos, que recentemente partiram desta vida.
renovar a nossa Associação. Não é meu propósito lembrar ou dar a conhecer
Foi o caso recente que se passou com um dos aqui o que cada um destes nossos amigos foi na
antigos presidentes da Direcção, José Soares de vida e a influência que tiveram em muitos de nós.
Almeida, há 20 anos afastado do nosso convívio, Já outros o fizeram e esperamos que mais nos pro-
vítima da nossa incompreensão e alguma injustiça. porcionem o prazer intelectual de um melhor co-
Bastou ter descoberto o seu telefone para, de ime- nhecimento destas vidas cheias. Homens como es-
diato, entrar em conversa amigável com ele e fazer tes souberam dignificar o mundo em que viveram;
passar uma borracha por aquilo que aconteceu. e também eles, dignificados, gozam agora na casa
Foi com imensa satisfação que o vimos e abra- do Pai não só da felicidade mas da grande capaci-
çámos neste último encontro regional de Lisboa. dade de intercessores e medianeiros. Continuará
Como neste caso, outros poderiam dar o seu teste- certamente o nosso coração sensível à ausência
munho. destes e de outros nossos amigos mas a nossa alma
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 214

rejubila com tais eleitos. as chaves dos magníficos quartos da ala restaurada
Os colegas armistas que como eu devoramos do Seminário e, antes da solene abertura dos traba-
todas as linhas do nosso boletim talvez se interro- lhos, à pergunta a este e àquele que é feito de fula-
guem porque é que o Moutinha Rodrigues fez des- no, de cicrano e de beltrano, a resposta era sempre
te tema o objecto do “Conversando”. Talvez algum a mesma:
acrescente que estou a ficar velho! Mas, quando “Eh pá, se ainda não chegou é porque não
encaramos a vida pelo prisma aqui abordado, não vem ou porque está coxo...”
conta muito a idade da pessoa mas sim a qualidade Confesso que, na altura, me inclinei mais para
da sua realização. a primeira hipótese mas quando na segunda-feira
Sejamos todos dignos da amizade e do teste- passei os olhos pela imprensa vi quanto me enga-
munho que estes e tantos outros nos legaram para nei pois todos os jornais do Porto faziam com o
que a paz e a juventude do espírito nos acompa- evento manchetes de primeira página referindo:
nhem até ao fim dos nossos dias na terra. “Ontem à tarde, inúmeros coxos congestiona-
Estejamos onde estivermos, façamos o que fi- ram as estradas a caminho de Valadares”
zermos, pensemos o que pensarmos, sintamo-nos “Em direcção a Valadares coxos perturbaram
envolvidos na amizade de todos e amados por Deus. o trânsito na estrada n° 109”
Com a maior estima e um abraço. “Coxos de todo o País dirigem-se a pé para
Moutinha Rodrigues Valadares”
(Bol 57, Jun/Out 1995, p. 8) “Fenómeno inexplicável arrasta milhares de
coxos em direcção ao Seminário de Valadares”
“Inúmeros peregrinos coxos dirigem-se a pé
(107). VARIAÇÕES SOBRE UM CONGRESSO para Valadares”

Na certeza de que “escribas” altamente cota- Atrasados, estes já não assistiram ao Congres-
dos na nossa praça irão abordar o recente Congres- so e perderam esta grande jornada de convívio e
so da ARM em Valadares com a categoria e digni- partilha, de reflexão e interpelação à nossa atitude
dade que tal evento merece, supondo que estou a perante os actuais desafios da missão em que todos
escrever para ser lido daqui a muitos anos, vou são chamados a colaborar aqui e agora; faltaram à
abordá-lo sob a forma de “Era uma vez...”. eleição dos novos corpos sociais da ARM e ao bap-
Era uma vez um grupo de sonhadores que, não tismo da sala em que decorreram os trabalhos e que,
sendo coxos, tudo fizeram para reunir em Valadares por proposta da Delegação do Porto, financiada pelo
os antigos alunos da Sociedade Missionária, du- Dr. Ribeiro Novo e aceite pela Sociedade, ficará a
rante o terceiro fim de semana de Maio de 2002. chamar-se “Sala da ARM”.
Porque era linda a razão do seu sonho, pensa- Para os que sonharam, parabéns pelo muito e
ram juntar 50, 100, 500, ou até 1000, dos muitos bem que fizeram.
milhares que sabiam andar a morrer de saudades Para os que vieram, não guardem a mensagem
espalhados pelo mundo inteiro e, porque eram so- debaixo do alqueire.
nhadores e não eram coxos, calcorrearam listas te- Para os coxos de “Domingo à tarde”, espero que
lefónicas, exploraram sites na Internet, chegaram a na próxima oportunidade saiam de casa logo no
todo o lado com resmas de cartas e paletes de tele- sábado e bem pela manhã.
fonemas, esboçaram programas altamente, ideali- Junho 2002
zaram eventos muito In e organizaram ementas de C. Andrade
fazer crescer água na boca. (Bol 76, Out 2002, p. 2)
No dia e hora aprazada, começaram a chegar
mas às paletes de 1 ou 2, aos centos de 3 ou 4 e aos
milhares de 5 ou 6, num total de mais de 50. Com
toda a pompa e circunstância confirmaram-se ins-
crições, receberam-se as pastas com a informação,
215 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

(108). RECORDANDO

É verdade. Nunca fui um revoltado nem nunca


traí as minhas convicções. Sempre que me pergun-
tavam as minhas habilitações académicas, sempre
respondi: Fui Seminarista no Seminário das Mis-
sões. É que, se entrei para o Seminário, foi por von-
tade própria e nunca me arrependerei.
Mas não seria suficiente a própria vontade, se
lá bem no fundo o Mestre, com desígnios bem di-
ferentes dos meus, e naquele Domingo especial,
não me chamasse. Serviu-se do seu Servo, a quem
já chamou para o seu seio: Pe. Alexandre de Sousa.
Corria o mês de Maio do longínquo ano de 1950
e na Capela de Gondezende, cidade de Esmoriz,
cuja capelania naquela época era exercida pelo Se-
minário de Cucujães, celebrou a Eucaristia o Padre
Sousa.
Numa entrevista rápida de olhos bem fixos em
mim (olhar penetrante e peculiar que jamais esque-
cerei), fez-me apenas três ou quatro perguntas de
aritmética, a que pronta, rápida e acertadamente
respondi (não era muito burrico a matemática!...).
De seguida disse-me: “Se quiseres, aparece no
dia X em Cucujães e lá falaremos”.
E assim aconteceu. Não fiz teste algum. Ape-
nas fui apresentado a um outro Padre, já na altura
muito “magrinho” (Reverendíssimo Padre Vaz, com
quem estive há dias no mesmo local), que me deu
instruções e orientações para em Setembro me apre-
sentar no Seminário de Tomar. Deixei a minha ter-
ra e os meus e lá parti...
E foi assim que os meus caminhos se vieram a
cruzar com os vossos, meus caros Armistas.
Joaquim Alves Pereira
(Bol 77, Dez 2002, p. 8)
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 216
217 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

8. VERSOS E POEMAS, A FECHAR


A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 218
219 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

(109). EFECTIVO ou ORDINÁRIO? (111). HINO DA “A R M”


(Art.º 5.º dos Estatutos)
Ao raiar para a vida tivemos
A pedido dum velho Secretário, O alto ideal de ligar Terra e Céu!
Muito zeloso no pagar das cotas, Difundir o Evangelho quisemos,
Cá vai mais um soneto às cambalhotas, Fazer de almas glorioso troféu!
Falando do “Efectivo e do Ordinário”!
Mas um dia outras vozes soaram,
Não creio o “Estratagema” necessário, Outro rumo o Senhor nos mostrou...
Nem que haja para tal grave motivo; E em famílias cristãs germinaram
Mas ele supõe que a marca de EFECTIVO Fé e Amor que em nós sempre brotou!
Fica bem como um título honorário.
Os domínios do Senhor
Apostar de ORDINÁRIO quem não paga, Têm fronteiras nunca vistas...
Deus sabe por que razão ou mau fadário Dilatá-las com fervor,
Injustiça é talvez, que mais estraga, É nosso voto de “Armistas”.

Embora a cota seja pouca massa, Seja, pois, o nosso anseio


E quem tanto por lá estudou de graça, E da nossa fé o sinal
Deva isso e muito mais ao Seminário. Tornarmos nossa “ARM” um meio
Figueira De a Deus darmos Portugal!
(Bol 21, Ago 1968, p. 1)
Avante,
“Armistas”,
(110). LUZ PASCAL Que esta hora é de acção!
Triunfante,
A jornada findara. Só faltava Vivamos,
Rematar e selar com sangue e dor Em paz e Amor, a nossa união!
A missão que ditara o seu Amor Porto, 25-6-969
De aos homens dar um céu que se fechava! Zeferino Gaspar
(Bol 26, Ago 1969, p. 2)
Sim! Ele o prometera, pois amava
Com desvelos de mãe o pecador
Que, entre as trevas, sem luz e sem calor, (112). NATAL
Servia o Mal e o Erro idolatrava!
Natal! Eis chega de novo!
E invulgar maravilha então se viu: E é como se fosse agora...
Quando a Cruz ao sepulcro O deu, três dias, Cantam os Anjos, canta o povo
Vitorioso da Morte ressurgiu! Que ao Menino-Deus adora!
– Festa de paz e alegria,
Ressurgiu o Senhor em aleluias! Lá no Céu e cá na terra.
Círio pascal no mundo refulgiu! Seja a noite como dia!
Boas Festas em santas alegrias! Reine o Amor em vez da guerra!…
Porto, Páscoa de 1969
Zeferino Gaspar Natal! Eu sinto saudades
(Bol 24, Abr 1969, p. 1) Dos natais que já passei,
Mormente nos Seminários,
Onde vivi e sonhei...
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 220

Com que ternura eu fazia Num convívio amoroso,


O presépio da capela! Ou muda contemplação...
Com que entusiasmo vivia Já me bastava este gozo,
Festa tão grande e tão bela! Para encher o coração.
Lembro os ensaios, os cantos,
A ceia, a Missa do galo... Aos teus pés me ajoelhei
Os jogos, prendas, encantos, E as mãos pus no teu regaço...
De que nem sequer vos falo! Como foi então não sei:
Tanto amor... tanto embaraço!...
Lembro os natais nas Missões...
Vinham de longe pretinhos, Ai que pena eu tenho agora
A branquear os corações, De não ter morrido então!
Sequiosos de carinhos... Contigo iria, Senhora,
E naquela noite santa, Sonhando à Eterna Mansão!
À Missão tudo acorria.
A luz, a fé era tanta! Ó Mãe do céu, Mãe divina!
Tanto amor, tanta alegria. Vem buscar-me, por favor!
Feliz o que vive ainda Leva esta alma peregrina
Esta data nas Missões! À Pátria do eterno Amor!
Não há lá festa mais linda, Maio de 1970
Mais gratas consolações! ESSEFE
(Bol 31, Jun/Jul 1970, p. 1)
Natal sim, nasceu Jesus...
Tantos natais! Tantos anos! (114). IMACULADA
E continuam sem Luz
Tantos corações humanos!... “et luna sub pedibus ejus”, Ap
Feliz o que faz nascer
Esse Jesus de Belém Quando as sombras da noite são a veste
Nas almas que inda O não têm Do vale ao monte e desde a serra ao mar,
E nelas O faz viver! Mesquinhos, homem e fera vão buscar
Natal de 1969 Tecto que os cubra ou cova que lhes preste…
ESSEFE
(Antigo Missionário) Por toda a parte a escuridão investe,
(Bol 28, Dez 1969 / Jan 1970, p. 6) No céu nem uma estrela a lucilar…
E os homens temem homens encontrar,
De um pólo ao outro e do Poente a Leste!
(113). OH MÃE DIVINA!
Mas deixai que apareça a Lua Cheia
Foi num sonho de ternura E ao mundo inteiro a luz de tal candeia
Que Te vi, Senhora Minha! De amor e paz eflúvios espargiu!
Que meiguice e formosura!...
– Era o Céu todo que eu tinha! Pois mais bela que a Lua ao Céu sorriu,
Quando à mancha primeva foi poupada
Sorridente, docemente, Maria, a Virgem Mãe Imaculada!…
Sentaste-te ao pé de mim... Zeferino Gaspar
Oh como fiquei contente! (Bol 38, Nov/Dez 1971, p. 4)
Quisera estar sempre assim:
221 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

(115). IMACULADA CONCElÇÃO (1) Não olheis às nossas culpas,


Sede a nossa protecção.
Senhora da Conceição, Rogai por nós, pecadores,
Imaculada Senhora, Senhora da Conceição!
Foste pura e sem labéu A. ELESSE
Desde sempre e a toda a hora. (Bol 48, Nov/Dez 1973, p. 4)

Ab aeterno foste eleita


Para Mãe do Criador. (117). ÊXTASE
És de toda a criatura Ao Pe. Alfredo Alves
A mais perfeita, a melhor.
Ouvi dizer que rezavas muito.
Partilhaste a Redenção Mas quem reza
Desta enferma humanidade, Se reza
És por isso lá no Céu Não reza
Associada à Divindade. Por conta nem medida.

Em teu poder infinito Sei que rezavas a vida:


Que o Filho te concedeu Tempo para Deus.
És a Mãe da Santa Igreja Adoração louvor.
E a Rainha do Céu.
Que eu saiba, pedir só pediste (e “bem”!):
Mãe nossa! Por teu amor Quando me quiseres levar,
E ternura maternal, Não percas tempo, Senhor.
Salva este Mundo doente, Que eu não seja trabalho para ninguém.
Livra-nos de todo o mal.
A. S. Seis anos acamado.
(Bol 43, Out/Nov 1972, p. 4) Dependente todo.
Quase imóvel.

(116). IMACULADA CONCEIÇÃO (2) Rezaste a vida.


Ela aí está
Senhora da Conceição, Oferecida. Só louvor.
Maravilha sois dos Céus P. José Maria da Silva
E a mais excelsa Criatura (in Abismo e Esperança)
Saída das mãos de Deus. (Bol 59, Jan/Abr 1996, p. 8)

Virgem-Mãe Imaculada,
Mãe do próprio Criador,
Mãe nossa por adopção
E amparo em nossa dor.

O poder de intercessão
Que Deus vos deu é tão forte!
Acolhei-nos, piedosa,
Na hora da nossa morte!
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 222

(118). DISPONÍVEL Tantos a que inda não chegou a luz


E a riqueza infinita da Vossa Fé;
Quando o silêncio da noite Tantos milhões de infiéis para quem é
Te revestir de pobreza, Inútil e nociva a vossa Cruz.
Terás a vida mais rica,
Se deixares o que é a mais. Tornai minha alma grande como o mundo,
Fique teu ser mais liberto, E dai-me a graça da vossa luz, que é
Sendo só tu o que fica. Sinal certo do vosso amor profundo.
Antes de dormir,
Sorri E que jamais eu possa descansar
Ao dia que vem, Enquanto houver na terra alguém sem fé,
Em que estarás mais perto Enquanto houver uma alma p’ra salvar.
De quem, Domingos J. R. Quina
Dispensando o que é teu, (Bol 73, Dez 2001, p. 7)
Precisará de ti!
Pe. José Maria da Silva
(in Abismo e Esperança) (121). AMOR
(Bol 64, Ago 1997 / Abr 1998, p. 6)
Quando a tormenta surge,
E nos tenta afundar,
(119). “O ELOGIO DA LOUCURA PELA VOZ É para Vós, Senhora,
DO SILÊNCIO / OU A MINHA OUTRA Que voltamos o olhar.
FORMA DE DIZER AS COISAS...”
Teu coração, Senhora,
O Silêncio é a palavra, toda em oiro lavrada... É lugar de confiança,
A espada flamejante, na bainha mais cortante Onde a alma perturbada
Do que estando a alguém apontada... Vai encontrar bonança.
O Silêncio é dizer nada, por se já ter dito tudo
O que havia a dizer, pela espada! Teu sorriso, ó Maria,
É a minh’alma cortada pelo teu e meu sofrer; Desabafo de amor,
É o teu e meu calar da opressão, da revolta, É meu beijo materno,
É o falar de quem cala a sua boca... Bálsamo na dor.
Eu, calando, falo mais, falo mais alto,
Porque aprendo a ouvir, sempre escutando É a graça de Deus
Se quem fala, fala bem... aprendo a amar. À alma dispensada,
Silêncio! quero pensar o futuro, repensar o passado, Que Vos recorre humilde,
Quero um pensamento mais puro!... Limpa ou esfarrapada.
Lx. 31/10/2000
José Augusto Rodrigues É a consolação,
(Bol 71, Mar 2001, p. 2) Alívio na desgraça,
Paz e felicidade
Que a feliz alma abraça.
(120). ORAÇÃO Armindo Henriques
(Bol 73, Dez 2001, p. 7)
Basta... não mais consolação, Senhor,
Que me mudais a terra em paraíso!
Que eu sofra e trabalhe agora, é preciso,
Para a todos levar o vosso amor.
223 Parte III – Antologia de textos publicados no Boletim da ARM

(122). NATAL PARA A VIDA (124). PÁSCOA

Nasces para o encontro de Deus Tu vês as sombras no nosso perfil


com o homem, Cristo Menino, e conheces o nosso crepúsculo,
e à morte respondes a melancolia na noite sem luar.
com a Vida para sempre.
Tu choras as nossas dores,
És a nossa Páscoa. o cativeiro sem passado nem futuro,
E, no presépio do altar, a morte que nos tolhe sob a pedra.
o Filho que nos é dado,
Pão-Menino para a Vida Nova Livra-nos, Senhor, da violência difusa
em teu Corpo envolvido em panos. e do limbo que progride no tempo.
Vejo-te Luz do mundo
na árvore iluminada Livra-nos da imobilidade da consciência,
– árvore do Paraíso, do pulsar da tristeza,
árvore gloriosa da Cruz, da comunicação sem rosto e sem fogo
símbolo de vida imortal
e traço que une a Terra e o Céu. e concede-nos a lua cheia do teu sorriso,
o sol sem ocaso da tua primavera.
És a Vida Eterna oferecida
ao nosso corpo transitório. Que respiremos a luz-perfume da tua Páscoa
Eugénio Beirão e que a tua graça nos faça navegar
(Bol 77, Dez 2002, p. 1) e passar de um mar a outro mar,
Tu, que és a água onde desliza a nossa barca,
o lume novo do novo dia.
(123). PELA PAIXÃO É QUE VOU Eugénio Beirão
(Bol 82, Mar/Abr 2004, p. 1)
Pela paixão é que vou,
– é a minha arte de marear.
Deixem-me ser o que sou
e neste oceano navegar.

Se os meus gritos ouvirem


contra a negra mediocridade,
pedras e paus não me atirem,
ergam-se, iluminem a cidade.

Não há-de a morte vencer-me


nem a noite há-de engolir-me;
à luz do dia hei-de ver-me,
a vida a crescer e a sorrir-me.

Pela paixão é que vou,


– é a minha forma de estar.
A indiferença não me tocou,
conjugo sempre o verbo amar.
Eugénio Beirão
(Bol 81, Dez 2003, p. 8)
A ARM nos 75 anos da S M B N / Memória 224
225 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

PARTE IV

O TESTEMUNHO DOS ARMISTAS

Coordenação, organização e introdução

de

João Rodrigues Gamboa


A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 226
227 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

INTRODUÇÃO Martins, já com 92 anos, ingressado no Seminário


de Tomar em 1926, até ao Paulo Fernando Dias da
Era impensável este livro de homenagem à Silva, que entrou em 1978, no Seminário de
SMBN sem a palavra pessoal e directa dos armistas Cucujães, e tem 37 anos.
que quisessem dizer a sua gratidão. A relação seguinte mostra esses dados: ano de
Apresentada a ideia na AG de Fátima, em 18 entrada, número de ordem e nome do antigo aluno.
de Maio de 2003; amadurecida ao longo de um ano
e aprovada na AG de 15 de Maio de 2004, em 1926
Cernache do Bonjardim, o Boletim não mais dei- 1. Abel Francisco Martins
xou de repetir, com entusiasmo e veemência, o ape-
lo à participação de todos1. Além disso, em No- 1927
vembro de 2004 foi enviada a cinquenta e três 2. António da Costa Salvado
armistas uma carta pessoal convidando-os a cola-
borar com o seu testemunho2. 1934
São estes testemunhos que aqui se publicam, 3. José Roque Abrantes Prata
num total de cinquenta e três. Há textos muito be-
los, outros são mais simples3; todos testemunham, 1937
porém – apesar da análise crítica às vezes dura –, a 4. Mário Fernando Coelho Veiga
gratidão dos que os assinam pelo que receberam,
todos dizem que valeram a pena os anos infanto- 1939
juvenis vividos nos seminários da SMBN. 5. José Ramos dos Santos
Mas há muito mais do que isso: há experiênci-
as e testemunhos de vida tão intensos e inespera- 1941
dos que nos emocionam; há recordações que va- 6. António Maria de Matos
lem ouro; há revelação de sensibilidades e bonda-
des de coração que espantam; há confissão de pre- 1943
ocupações e corações que se abrem com singeleza 7. Aníbal Fernandes Alves Catarino
admirável…
É que nós temos necessidade de “manifestar o 1944
que somos, o que nos fizeram, (…) o que professa- 8. Gabriel da Silva
mos” 4. Porque estamos marcados, reconhecem-no
muitos, expressamente. 1946
Alguns depoimentos ultrapassam largamente os 9. Abílio Antunes Pereira
limites de espaço definidos. Tal resultou de um acor- 10. Fernando Pinto de Oliveira
do dos seus autores com o coordenador, tendo em
conta o número total de testemunhos, que não era ele- 1948
vado, embora tenha crescido, posteriormente. 11. Domingos Antunes Valente
Os textos vão ordenados pela ordem cronoló- 12. Manuel Joaquim Faria Gomes
gica da entrada dos seus autores no seminário e
abrangem um leque variado de idades – desde o 1949
armista mais velho, o “bisavô” Abel Francisco 13. Mário Alfredo Ferreira Pêgo
14. Mário Simões Júlio Pereira
1
Ver Bol 83, Jul 2004, p. 3, Bol 84, Out 2004, p. 6, e Bol 85,
Dez 2004, p. 3.
2
1950
Destes 53 armistas, 10 enviaram o seu testemunho.
3
Bastantes foram revistos e retocados (alguns muito) para po- 15. António da Silva Costa 5
derem ser publicados; nenhum foi recusado.
4
Pe. Viriato Matos, Agere sequitur esse, Bol 52 (2.ª Série), Jan/ 5
Tendo ingressado directamente no 1.º ano, e não na Classe
Fev 1994, p. 1, texto transcrito na Parte III deste livro, com o n.º Preparatória, foi companheiro de curso dos alunos ingressados em
(22). 1949. A Classe Preparatória deixou de existir em 1951.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 228

16. António Moutinha Rodrigues 6 1959


17. Francisco Manuel Morais 40. Carlos Amílcar Dias
18. João Rodrigues Gamboa 41. Celestino Cândido Rodrigues Neves
19. Joaquim Alves Pereira 42. Serafim dos Santos Alves do Rosário
20. Manuel Francisco da Silva
1960
1951 43. José Augusto Rodrigues
21. João José Gamboa
22. José Alves Sebastião 1961
44. Francisco Moreira de Matos Mota
1952 45. João Manuel da Costa Amado
23. Joaquim Costa Nunes 46. José Abílio Raposo Quina
24. José Farinha Lopes 47. Marinho da Silva Borges

1953 1963
25. Afonso Marcolino Andrade 48. Armindo de Jesus Santos
26. António Francisco Tavares Regal 7
27. António Raimundo Amado 1967
28. Francisco Antunes Domingues 49. Isidro Gomes de Araújo
29. José Marques Farinha
1969
1954 50. José da Encarnação Arroteia
30. Francisco Costa Andrade
31. José Maria Ribeiro Novo 1976
51. Dionísio Manuel Ferreira Correia
1955 52. Fernando Manuel Pinto Moreira Capela
32. Alfredo Luís Vieira de Sá
1978
1956 53. Paulo Fernando Dias da Silva
33. Duarte Nuno Pires
34. Serafim Fidalgo dos Reis Há dois textos – um de José Marques Farinha
e outro de Vítor Manuel da Silva Borges – que,
1957 escritos há muito tempo e noutros contextos (que
35. António da Silva Pereira conheceremos à frente), constituem, todavia, dois
36. Joaquim Candeias da Silva excelentes testemunhos; por isso se publicam tam-
bém, com o assentimento e a colaboração dos seus
1958 autores.
37. Amadeu Gomes de Araújo Demos, pois, voz e rosto ao sentir de cada um,
38. Manuel Rodrigues Ribeiro que é como quem diz: demos a palavra do testemu-
39. Vítor Manuel da Silva Borges nho aos armistas, associando a cada nome a ex-
pressão dos traços do seu retrato.

6
Descobriu este armista que o seu apelido era Moutinha e não
Moutinho, quando teve de requerer o BI. Não se trata, portanto, de
engano ou gralha. A partir de quando deixou de ser Moutinho e
passou a ser Moutinha é que o autor não sabe.
7
Entrou em 1953 para o 2.º ano, integrando-se no curso dos
que haviam ingressado em 1952.
229 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

1. O MEU TESTEMUNHO Proferida a sentença irrevogável esboroava-se,


naquele momento, um projecto que tinha sido en-
Nasci no lugar de carado como viável.
Alvite, freguesia de Regressado a casa a vida tinha que continuar.
Escariz, concelho de Graças à preparação adquirida, quase graciosamen-
Arouca, em 29 de Outu- te, no seminário, consegui um lugar de regente es-
bro de 1912. Em Outubro colar, durante dois anos, o que me permitiu angari-
de 1926, os meus saudo- ar os proventos suficientes para me autonomizar.
sos pais, humildes casei- Entretanto constituí família e, durante cinquen-
ros, eram avisados de que ta anos, sob o patrocínio de S. Cosme e S. Damião,
menos uma malga e uma dediquei-me à cura do meu semelhante, aviando
colher deviam emoldurar medicamentos que, sob prescrição médica, lhe eram
aquela mesa comprida prescritos.
onde eram servidas, diariamente, as quinze parcas Agora, aos 92 anos, recordo o passado com cer-
refeições do dia a dia.
Sobressaltado, mas curio-
so, fui acompanhado pelo meu
irmão mais velho, até ao Con-
vento de Cristo, em Tomar,
onde permaneci um ano.
O fim do percurso adivi-
nhava-se e a imponência aus-
tera do referido Convento qua-
se não cabia nas minhas órbi-
tas humedecidas. Mas como ti-
nha sido essa a minha escolha,
a habituação não constituiu
problema de maior.
Mais ou menos entrosado
transitei para o Seminário das
Missões de Cucujães até que
um dia, já no meu sexto ano,
fui expulso por não corres-
ponder ao perfil desejado.
Transmitida a trágica notí-
cia ao meu pai, este acompa-
nhou-me, de novo, a Cucujães,
não só para reaver a mala com
o meu enxoval, mas ainda para
se inteirar das razões do meu
despedimento. Curvado pelo
peso da vida e pela presença
dominadora do Snr. Reitor,
nada consentânea com os valores da caridade, tão to saudosismo, é um facto, mas prevejo, também,
massivamente apregoados, não articulou palavra, que o futuro ainda irá ser generoso comigo.
limitando-se, submisso, a ouvir o veredicto: “Snr. Abel Francisco Martins
Martins, de um arrocho não se pode fazer um pau Cabeçais
direito”. 4540-367 Fermedo ARC
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 230

2. O MEU TESTEMUNHO “Que o Menino não sabe já eu sei, porque o Meni-


no, em vez de estar com atenção, estava na brinca-
Entrei no Seminário deira”. E continuou: “O Menino sabe para que fins
de Cernache do Bonjar- nos encontramos aqui neste lugar? Eu vou-lhe di-
dim em Outubro do ano zer: estamos aqui para adquirir conhecimentos, que
de 1927. Saí em 1932, já nos serão preciosos ao longo da nossa vida futu-
lá vão tantas dezenas de ra”. Fez-me uma prelecção tal que me ajudou a
anos. Serei, até à data em compreender o mal que estava fazendo, não só a
que escrevo estas linhas, mim, mas também aos meus colegas. Fez-me en-
um dos poucos sobrevi- tão outra pergunta: “Acha o Menino que, se lhe
ventes desses tempos aplicar um castigo, ele será justo?” Respondi-lhe
inesquecíveis. Tempos com toda a lealdade que, se me castigasse, eu o
que não voltam mais... merecia. Resposta dele: “Não te castigo, porque já
Estou prestes a fazer 90 anos e quero aqui re- me demonstraste que reconheces o erro que fizes-
cordar alguns colegas que já partiram para o ALÉM, te. Vai para o teu lugar e não brinques mais”. Tudo
todos eles da minha região, a Cova da Beira. São isto dito com palavras simples e amorosas. Con-
eles: o Bento Morais Sardinha, o José Ramos Pina, fesso que esperava um castigo, mas ele, bondoso
o Alfredo Carvalho, o Francisco Silveira, o João como era, não o fez. Eu disse-lhe: “Sr. Cónego
Pires, o Francisco José Brito, o João da Costa Benjamim, obrigado pela grande lição que acaba de
Abrantes, o Vitorino Barrocas, o Francisco Men- me dar; prometo-lhe que nunca mais estarei desa-
des Sequeira, que se ordenou sacerdote. tento em qualquer aula”. O que cumpri fielmente.
São tantas as recordações e saudades dos tem- Este episódio aconteceu há mais de setenta anos
pos que ali vivi..., os mais sãos e amigáveis anos e ainda hoje o retenho na memória com emoção,
que tive, ao longo do meu passeio por este mundo, lembrando-me daquele bondoso professor.
tão falso e agreste. Ali, dentro das quatro paredes Vou contar outro episódio, mas com desfecho
que me acolheram durante cinco anos, nunca en- oposto. Foi numa aula de Música. Na véspera, no
contrei hipocrisia, falsidade ou inveja por parte de salão de estudo, fui acometido por uma indisposi-
qualquer dos meus companheiros. Ali só se respi- ção que me impediu de preparar as lições do dia
rava amizade, lealdade e fraternidade. Fraternidade, seguinte. Quando ia a caminho da aula, pedi a to-
que se tem mantido nos encontros regionais e naci- dos os santos que não fosse chamado à lição, mas,
onais que a ARM nos tem proporcionado desde a para meu azar, fui logo o primeiro a ser chamado.
sua fundação. Pedi ao professor que me dispensasse, contando-
Quero também aqui deixar bem expresso o meu lhe o que me tinha acontecido na véspera. Respos-
preito de homenagem e gratidão a todos os superi- ta dele: “Estiveste mal disposto para preparar a li-
ores e professores que me prepararam para ser um ção, mas nunca estás mal disposto para correr, sal-
homem livre e honesto ao longo da minha vida; tar e jogar à bola. Pois hoje não corres, não saltas
para todos eles, o meu mais profundo BEM HA- nem jogas à bola”. Esta atitude do professor cau-
JAM, como se diz na minha Beira. Seja-me permi- sou-me uma profunda revolta, quando a comparei
tido, porém, citar o nome de um deles: o Sr. Cónego com a do Sr. Cónego Benjamim, e provocou em
Benjamim da Silva, que muito me marcou pelo seu mim um desejo de vingança, que aconteceu passa-
exemplo e bondade. dos uns dias.
Para exemplificar o que atrás digo, vou contar O professor de Música era o Sr. Pe. António
um episódio que se passou comigo, durante uma Pacheco. Diz-nos ele, uns dias depois: “Hoje va-
aula de Geografia. Eu estava distraído e na brinca- mos dar uma volta pela mata da quinta”. “É hoje
deira, sem prestar atenção ao que se estava passan- que me pagas o castigo injusto que me aplicaste”,
do. Ele viu, chamou-me para junto de si e quis sa- pensei eu para os meus botões. No caminho que
ber da minha boca que pergunta tinha ele feito ao circundava a mata, havia um sobreiro já velho, com
meu colega. Respondi que não sabia. Retorquiu ele: um enorme buraco no tronco que servia de asilo a
231 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

um enxame de abelhas bravas, as chamadas ves- vinte e oito irmãos, irmandade onde se iam diluin-
pas. Quando, à porta de saída para a quinta, o Sr. do as saudades dos familiares que, havia pouco,
Pe. Pacheco deu o habitual “DEO GRATIAS!”, tínhamos deixado.
desato a correr por ali abaixo, em direcção ao tal E rapidamente íamos interiorizando as normas
sobreiro; chegado ali, arranco um pinheirito, intro- de comportamento, ou seja, a disciplina da casa,
duzo-o no dito buraco e as vespas saiem cá para que era, ao mesmo tempo, tão rigorosa e suave.
fora, todas furiosas, e atiram-se à cabeça do Sr. Pe. Não me lembro que tenham sido precisos castigos,
Pacheco... Escondido num ponto estratégico pre- vozes alteradas ou ameaças de qualquer espécie.
viamente escolhido, eu gozava o panorama dizen- Tenho a sensação de que tudo foi muito simples,
do para comigo: “Já estou pago!” como simples era aquele livrinho, as “Normas”,
Quero também recordar o primeiro encontro onde, em pouco mais de meia dúzia de páginas,
que tive, aqui em Lisboa, com o meu ex- estavam compiladas as regras disciplinares, de for-
condiscípulo Dr. José Nereu Santos, pela década ma clara, simples, concisa, até suave. Confesso,
de 1950 a 1960. Foi casualmente e num eléctrico, perfeitamente consciente do que afirmo, que essa
ali para os lados do Conde Barão. Quando nos vi- disciplina não foi o fruto mais saboroso que colhi
mos frente a frente, lançámo-nos nos braços um do no Seminário, mas foi de certeza o que maior in-
outro, numa explosão de alegria e amizade que es- fluência benéfica exerceu na modelação do meu
pantou todas as restantes pessoas. A partir daquele carácter. A esta mesma disciplina e aos bem orien-
momento, nunca mais deixámos de nos encontrar, tados currículos escolares fiquei a dever a possibi-
até à hora em que o acompanhei à sua última mo- lidade de, mais tarde, concluir uma licenciatura que
rada. Paz à sua alma! me permitiu singrar na vida tranquilo e feliz.
Termino este meu testemunho com imensas Outro factor que me marcou bastante foi aque-
saudades dos tempos e dos companheiros que tive le rigor na formação cultural. Basta referir que a
no Seminário de Cernache do Bonjardim. bitola de classificação nas várias disciplinas ia de
António da Costa Salvado zero a quinze, e para haver aprovação era necessá-
R. Bernarda Ferreira de Lacerda, 8 – 2.º D rio atingir os dez valores. Mas, verdade se diga, os
1700-059 Lisboa mestres davam o seu melhor e não me lembro de
Tel. 217 971 164 ter notado falta de paciência ou modos bruscos em
qualquer aula.
É por isso mesmo que, passados tantos anos,
ainda me lembro de todos, creio que de todos os
3. “SE BEM ME LEMBRO...” professores. Tenho-os tão presentes que, com fre-
quência, sobretudo nas noites mais longas, este ou
Dava a Sociedade aquele vem sentar-se ao pé de mim e, por entre es-
Missionária ainda os pri- fumadas imagens, conversamos longamente com
meiros passos, naquele as memórias.
longínquo ano de 1934, Outras vezes acontece que sou eu a ir ter com
quando me levaram (é eles às aulas. É estranho como há coisas que ficam
mesmo assim, “levaram” assim gravadas na memória para todo o sempre.
é o termo certo) para Lá está o tal da Matemática com a sua incontida
aquele distante e imenso paixão por problemas de equações. Estoutro regia
Convento de Cristo, em o Latim, a Filosofia e a Literatura. Era uma enci-
Tomar. clopédia viva. Sabia tudo, de tudo e bem. E o de
Para quem saía pela História Universal? Não merecia um vinte na dis-
primeira vez da serrana vila de Manteigas, que me ciplina que tentava ensinar... Mas era um santo. O
vira nascer, devia ter sido um choque um tanto de Inglês então era um perito em boas maneiras,
desconfortável. Já não me lembro muito bem; só era um cavalheiro, o único que não usava barbas e
sei que, no dia seguinte, por assim dizer, já éramos o único que fumava o seu cigarrito. E quem não se
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 232

lembra do Poeta? náveis caminhadas, por montes e vales, até as per-


E outros, e os outros todos... sem esquecer nas dizerem que já bastava. Talvez essas longas
aquele senhor padre, que, durante anos, nos orien- caminhadas estivessem como que a preparar aque-
tava nas práticas religiosas e nos celebrava a mis- las outras bem mais difíceis que um dia faríamos
sa, mal rompia a alvorada. E celebrava-a com tanta através dos tórridos sertões africanos, que afinal
concentração de espírito que até nós, jovens, éra- nunca chegaríamos a pisar.
mos surpreendidos pelo seu desprendimento de toda De facto, ao terminar a Filosofia, no oitavo ano
a realidade terrena. Igual ardor se lhe adivinhava de estudos, dos vinte e oito alunos que começámos
nas “meditações” que precediam a missa matutina. em Tomar, já só restavam três. Eu deixei o seminá-
E a cada passo vinha o refrão: “Todos temos que rio nesse ano de 1942. Que será feito desses vinte e
aceitar a nossa cruz”. E repetia devagar e com bran- oito? Qual terá sido o caminho dos mais de dois
dura: “Todos temos que aceitar a nossa cruz”. E mil que frequentaram os seminários da Sociedade
nós bem conhecíamos a cruz dele... Quando lhe Missionária desde a sua criação? A vida é mesmo
acontecia ser o celebrante duma “missa solene”, assim. Separa tantas vezes as pessoas.
ao chegar a qualquer passo que devia ser cantado a Numa louvável tentativa de contrariar essa dis-
“solo”, o pobre fazia um esforço heróico, mas o dó persão, em boa hora surgiu a ARM. Estive nos pri-
saía sempre igual ao ré. Para ele as notas musicais meiros momentos da sua criação e testemunhei o
eram todas iguaizinhas em altura e duração. entusiasmo dos muitos que compareceram às pri-
Mas nem só de orações e estudo se fazia a vida meiras chamadas. Quando fui dirigente da Associ-
do Seminário. De vez em quando também havia ação (onde já lá vão esses tempos...), verifiquei
festa. Eram as “Sessões Solenes”, com ar sério de mesmo que havia associados com verdadeira de-
cultural, onde muitos de nós, mais nervosos do que voção por aquele ideal de irmandade, que se tradu-
varas verdes, já “deitávamos faladura”, como en- zia por confraternizações cheias de verdadeiro ca-
tão costumávamos dizer. Eram os “almoços em lor humano.
comum”, com a participação de toda a família, por Não deixemos morrer tão nobres ideais. Pro-
vezes até com a presença do Superior-Geral. Para curemos despertar entusiasmo nos corações mais
nós, porém, o mais importante é que, nesses bendi- tíbios; mantenhamo-nos unidos uns com os outros
tos dias, o rancho vinha melhorado. Melhorado... e todos com a Sociedade Missionária, onde vive-
mas não muito, que as dificuldades financeiras mos parte da nossa juventude e onde recebemos
condicionavam tudo. Festa era ainda aquele “se- preciosas orientações, que em todos deixaram mar-
nhor Padre dos diapositivos”, que nos reunia num cas indeléveis.
salão e nos maravilhava com projecções tão vivas José Roque Abrantes Prata
e interessantes que nem sabíamos se nos encanta- Rua dos Junquilhos, 84
vam mais as imagens dos diapositivos ou os co- Birre
mentários que os acompanhavam. Um ar festivo 2750-144 Cascais
vinha também na quadra do Natal. Além de toda a Tel. 214 871 111 / 934 201 527
solenidade religiosa, havia ainda a distribuição de
prendas, sorteadas pelo jogo do loto. Então era coisa
digna de ser vista: um batalhão de olhos esbuga-
lhados a acariciar com incontida esperança os “pre-
sentinhos” muito bem dispostos numa grande mesa
do largo refeitório. Aquilo nem presentinhos eram;
aquilo, na verdade, era um quase nada. Mas... para
quem tão pouco tinha, aquele nada era tudo. E aca-
bava por parecer a multiplicação dos pães: todos
ficavam contemplados e contentes.
Mas festa, mesmo festa acontecia todas as quin-
tas-feiras, à tarde. Eram longos passeios, intermi-
233 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

4. O MEU PRIMEIRO PRESÉPIO presentar. O nosso coro de vozes finas, que ele en-
saiou, foi ao Seminário de Cernache abrilhantar a
Eu ando roído de ordenação sacerdotal de quatro dos nossos sacer-
saudades. Há quantos dotes. Ai como nós brilhámos! Ninguém contava
anos eu não revejo a ra- com tal surpresa. Eu lembro-me nitidamente de ter-
paziada da Sociedade! E mos cantado o motete “Quid retribuam Domino” e
isto de saudades não per- a Ladainha de Todos os Santos. A minha voz até
doa. Qualquer recanto sobressaiu, quando chegámos ao versículo “Ut
me lembra o “in illo fructus terrae/dare et conservare digneris”. Aí eu
tempore” e faz recrudes- só fiz pausa em “dare”, enquanto o coro fez pausa,
cer o desejo de o reviver. como devia, em “terrae”. Se houvesse televisão, lá
Ora vede lá: Quando apareceria a cara do solista.
me ponho a alinhar os Então eu não tenho o direito de sentir sauda-
materiais para a construção do meu Presépio, no des dessa fífia?
meio do insistente pedido, da algazarra e do Muitas saudades deste vosso inveterado cole-
vivíssimo interesse dos meus netinhos (já vou nos ga e amigo.
20), sobe-me ao sótão das memórias o Presépio que, Mário Fernando Coelho Veiga
em 1937, foi construído pelo Sr. Júnior, de inci-
piente barbinha ruiva (assim chamávamos nesse tem- Rua António Graça, 146
po ao vice-prefeito de nome Manuel Fernandes Júnior, 4490-471 Póvoa do Varzim
Tel. 252 684 063
– sabeis a quem me refiro? – Pois claro, ao Pe. Manu-
el Fernandes Júnior). Nesse tempo, no Seminário de
Tomar era Reitor o Pe. Pinheiro, colaborado pelo Pe.
Albano, o Pe. Canas, o Pe. Fidalgo, padre secular 5. TESTEMUNHO DE JOSÉ RAMOS DOS
(Director Espiritual), Secretário do D. João SANTOS
Evangelista, Superior-Geral da Sociedade.
Mas vamos ao Presépio. Ao fundo do corredor Os meus pais, lavra-
maior, mesmo sobre o estádio do recreio, havia um dores médios da fregue-
nicho, que teria sido em tempos habitat de alguma sia das Medas, Gondo-
imagem de santo, quiçá até de alguma figura ilus- mar, tiveram oito filhos.
tre do Convento. Aproveitando o recanto e aumen- Eu sou o sétimo.
tando-lhe a área com ripas e tábuas, ali construiu o O mais velho, Albino
Sr. Júnior um lindo Presépio, com musgo, moinho Luís dos Santos, foi dos
de vento, figuras populares de pastores e Reis Ma- primeiros alunos da So-
gos, carreirinhos de serrim e um chafariz de água. ciedade Missionária.
Além, evidentemente, do Menino Jesus, sua Mãe Saiu por altura do sétimo
Santíssima e S. José. Mas o que mais me atraiu foi ano e, quando ainda não
o letreiro “Glória in Excelsis Deo”, que, à força de tinha concluído o curso de Direito, abriu um colé-
uma engenhoca, mudava a cor das letras. gio e deu a mão aos outros irmãos, que ali puderam
Muitas vezes tenho tentado o mesmo efeito de estudar. Colaborou na A.R.M..
cores, para pasmo da minha numerosa assistência. O segundo, Alberto Luís dos Santos, seguiu tam-
E não consigo. Falta-me engenho... Mas ninguém bém para o Seminário, ordenou-se e trabalhou no norte
me livra das saudades do ambiente do Natal de de Moçambique, enquanto a saúde lho permitiu.
então, avivadas pelo Presépio. Em 1939, dei eu entrada no Seminário de To-
Gostava de dar um forte abraço ao P. Fernandes: mar. E comigo, lembrando a chamada: Aníbal dos
por me ter maravilhado com o Presépio, aquele meu Anjos João, António Geraldes Chaves, António da
primeiro e inesquecível Presépio, e por ter o Sr. Silva e Sousa, António da Silva Tomás, Domiciano
Júnior despertado em mim o vício de cantar e re- Pires Valente, Francisco Casimiro Mouro, Francisco
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 234

da Silva Pinheiro, Idalécio Pais de Loureiro, José Refiro tudo isto porque, na base de tudo, está a
Alves, José Maria Alves (...). Sociedade Missionária. Sem ela, nem meus irmãos
Recordo o P. e Pinheiro, figura veneranda de nem eu teríamos estudado. Sempre tive esta perfeita
velho missionário, com longas barbas brancas, di- consciência, continuo a reconhecer esta dívida.
rector espiritual. E os Prefeitos Canas, Júnior,
Alberto, Pacheco e Patrício, prestes a serem orde- Do meu ano, creio que apenas o Aníbal e o José
nados, que continuavam a estudar mas que foram Alves chegaram ao fim. O Pinheiro também se orde-
os nossos professores, que connosco jogavam no nou mas em Bragança, seguindo depois para Louren-
recreio e que connosco passeavam nos largos e lon- ço Marques, onde foi director do jornal diocesano e
gos corredores do Convento. fez o levantamento exaustivo da obra missionária em
Em Sernache, permito-me destacar o P. e Gabriel, Moçambique, trabalho que foi oportunamente apre-
professor de matemática, zeloso administrador da sentado na ONU e depois publicado em livro, que
quinta, e que foi depois elevado a Bispo; o Senhor amavelmente me ofereceu, quando já era cónego na
Craveiro, professor de português e francês;e o bon- Igreja de S. João de Deus, em Lisboa.
doso Pe. Sequeira, director espiritual.
Também aí, apesar de ser tempo de guerra, nada A Sociedade Missionária parecia esquecer os
nos faltou – nem mesmo o intragável óleo de fíga- que saíam. Estes é que não a esqueciam, na gene-
do de bacalhau. ralidade agradecidos.
O ambiente continuava a ser de verdadeira fa- Quando estava no Tribunal de Torres Novas,
mília. Eu continuava a sentir a amizade sincera de fui, com o Geraldes Folgedo, ao Seminário de To-
todos, absolutamente de todos, colegas e Superio- mar matar saudades. O Reitor cumulou-nos de aten-
res. Mas, com o decorrer do tempo, o entusiasmo, ções e manifestou-se plenamente de acordo com
a alegria foram-me desaparecendo. Comecei a sentir uma associação de antigos alunos. A Sociedade já
que não tinha a disponibilidade indispensável para abertamente acarinhava os seus muitos filhos que,
ser Missionário. E a luta comigo mesmo começou embora “chamados”, não tinham sido “escolhidos”.
a agravar-se e a angústia a aumentar. A A.R.M. acabou por aparecer.
Já em Cucujães, e depois de, durante dois me- Graças a Deus.
ses, ter tido o privilégio de ser aluno de filosofia do Setúbal, 11 de Fevereiro de 2005
Pe. Alves, o Pe. Vernocchi, director espiritual, um José Ramos dos Santos
santo, acabou por aceitar que saísse, podendo re-
gressar, se quisesse, bastando escrever-lhe. Abriu-
-me a porta sem a fechar completamente. Tornou-
-se, assim, muito menos dolorosa a decisão mais 6. TESTEMUNHO
difícil de toda a minha vida.
Razão de ordem
Vim a verificar que, para além de uma profunda
formação religiosa e do ensino de música, de órgão, Ao prestar o meu de-
de canto, de teatro, de civilidade e de enfermagem, poimento, entendo diri-
tinha aprendido quase o mesmo que se ensinava no gir-me, em primeiro lu-
liceu, com deficiências na área das ciências mas com gar, ao prezado e dinâmi-
grande vantagem no campo das letras. Tinha aprendi- co armista, Dr. João
do sobretudo a estudar. Assim pude, sem perda de Gamboa, para lhe mani-
anos, chegar à Universidade, ser oficial miliciano de festar a minha sentida
cavalaria, tirar o curso de direito como voluntário, gratidão pela meritíssima
dar aulas na Universidade Moderna e chegar a juiz iniciativa que teve, ao
conselheiro do S.T.J.; e, “a latere”, ser membro do convidar os armistas para
Tribunal arbitral de futebol e relator dos casos “Pau- que, através de um escri-
lo de Sousa” e “Nikos Feher”. to, que permanecerá como uma memória para o
235 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

futuro, na qualidade de ex-seminaristas, quer da ex- parto normal (quarto filho do casal) assistido por
S.P.M.C.U., quer da actual Sociedade Missionária uma parteira “ad hoc”, que vim a conhecer, poste-
da Boa Nova (S.M.B.N.), testemunhem o que foi e riormente. A “parteira designada” era a minha avó
tem sido a sua vivência com a referida Sociedade. materna – a avó Maria –, que tinha ido ao mercado
O meu muitíssimo obrigado ao dar-me a oportu- de Ovar vender e fazer compras. Isto, de acordo
nidade de recordar, transportando-as para o papel, al- com o relato prestado por uma tia materna, ainda
gumas situações e memórias que tiveram a sua rele- viva, a tia Dolorosa, tendo sido ela própria a cha-
vância na altura em que os actos se manifestaram e mar a pessoa que assistiu ao parto. Assim, nasceu
que exerceram e ainda exercem, muitas vezes incons- um indivíduo do sexo masculino a quem foi dado o
cientemente, a sua acção no nosso dia a dia. nome de António Maria de Matos, filho legítimo
O meu testemunho, para um melhor entendi- de Adelino de Matos, de 30 anos de idade, lavra-
mento do que pretendo transmitir, é apresentado dor, natural de Pardilhó, concelho de Estarreja, e
em termos temporais, ao evoluir do tempo, servin- de sua mulher, Nazareth da Silva Vigário, de 28
do também para nele referir o meu irmão ex-semi- anos de idade, natural de Ovar, onde ambos se en-
narista, falecido, após doença grave, em Macau, contravam domiciliados, sendo neto paterno de
em finais de 2003 – o Leonardo Luís de Matos, Manuel António da Silva Matos e de Ana Maria
sepultado junto dos nossos pais, no cemitério de Valente e materno de Joaquim Lopes Conde e de
Válega, freguesia do concelho de Ovar. Maria da Silva Vigário.
Do Assento referido consta que é gémeo com
Adoptando o critério citado, referirei, em pri- o que vai ser registado com o n.º 689, identificado
meiro lugar, o período do meu nascimento até à como Leonardo Luís de Matos, não tendo sinal al-
entrada no Seminário, seguido do período da esta- gum que os distinga.
dia no Seminário, incluindo o período de tempo Casou com Rosa Gamelas de Almeida Martins
em que me preparei para poder inclusive enfrentar (Matos), cujo casamento teve lugar na Igreja da Sé,
as vicissitudes da vida, seguido daquele em que em Aveiro, em 23.5.1959, tendo sido pais de três
exerci a minha actividade em África (Moçambi- filhos: o primeiro nasceu em Aveiro (nado morto);
que), verdadeira “Terra de Missão” e, por último, o o segundo, do sexo masculino, António Manuel de
período que vai desde o meu regresso a Portugal Almeida Martins de Matos, nasceu em 16.2.1961,
Continental, onde actualmente permaneço e resi- em Nampula; e o terceiro, do sexo feminino, nas-
do, seguido, ainda, das conclusões. cida em 16.3.1962, em Lourenço Marques, actual-
mente Maputo.
Do meu nascimento até à entrada no seminário Durante o período da minha infância e até ao
meu ingresso no Seminário, no ano escolar de 1941/
De acordo com o 42, vivi no Lugar do Torrão do Lameiro, tendo fre-
Assento de Nasci- quentado a “Casa, hoje seria de Infância, da Tia
mento, constante do Mestra”, Maria do Céu Valente, irmã de meu pai,
Livro de Registos solteira, também já falecida, e que ensinou durante
existente na Conser- vários anos às crianças do lugar do Torrão do
vatória do Registo Lameiro as primeiras letras, ministrando, ainda, às
Civil de Ovar, com o meninas a arte de costura. Era, à época, exímia
n.º 688, nasci numa pedagoga, confeccionando e remendando peças de
casa térrea, situada no vestuário para as pessoas que a ela recorriam, acti-
lugar do Torrão do vidade de que vivia em companhia do seu irmão
Lameiro, freguesia de Clemente e família, na casa que tinha sido morada
Ovar, pertencente aos dos meus avós paternos.
meus pais, no dia Prestava primeiros socorros e inclusive minis-
24.10.1929, pelas Junto à janela do quarto trava injecções receitadas pelos médicos, excepto
10.00 horas, de um onde nasci. as por via venosa.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 236

Foi a grande impulsionadora e principal inves- Da frequência do seminário (1941/42/43) até à


tidora, secundada pelos seus irmãos e habitantes minha ida para Moçambique
do Lugar, na construção de uma nova capela, a se-
gunda, erigida no mesmo local onde ainda hoje se O ano escolar de 1941/42 foi o ano da minha
encontra “uma terceira versão”, sob a invocação entrada para o Seminário. O Leonardo Luís de
de Nossa Senhora da Boa Viagem, Padroeira do Matos, meu irmão gémeo, entrou no ano se-
Lugar. guinte.
A primeira capela era pertença de Manuel Pe- No dia indicado pela Sociedade Missionária,
reira e adjacente à sua casa, num edifício térreo, acompanhado pelo meu pai, dirigi-me à estação da
que veio a ser utilizado como Posto Escolar, que C. F. P. de Ovar, apanhei um comboio (viajando
frequentei até à realização do exame da 3.ª classe, em 3.ª classe), que me transportou até Paialvo, onde
tendo como professora a regente escolar D. se encontrava uma camioneta que me levou bem
Rosinha, ex-residente nos Palames, em Ovar. como os outros rapazes até ao monumental Con-
A Tia Mestra, enquanto viveu, foi a grande vento de Cristo, onde estava sedeado o Seminário
zeladora da capela com tudo o que isso implicava, de Tomar.
acolitando o padre e acompanhando a missa com
cânticos por si ensaiados, ministrando com eleva- Ao chegar a Ovar, no “meu” comboio encon-
do sentido cristão a catequese, tendo sido conside- travam-se outros seminaristas, vindos inclusive de
rada uma líder pelo povo do Lugar, que muito a Trás-os-Montes, acompanhados por um enviado da
admirou. Sociedade Missionária, vestido de batina, e que a
Após a 3.ª classe, frequentei a Escola da Ri- todos acolhia e atendia com solicitude, entre os
beira, onde, em 1940/41, tive como professora a quais recordo o Francisco Maria Preto que, além
Sra. D. Aragão Seia, mãe do Meritíssimo Juiz de se fazer acompanhar de uma grande bola de car-
Desembargador Aragão Seia, e que, na altura, resi- ne e de bocados de coelho e de porco, usava, com
dia no Jardim dos Campos, onde, após as horas em mestria, uma navalha igual às utilizadas pelos pas-
que ensinava na escola, dava, gratuitamente, ex- tores da sua região. Ainda hoje possuo duas nava-
plicações aos seus alunos, preparando-os para o lhas dessas que me foram oferecidas, muito mais
exame da quarta classe. O meu exame teve lugar tarde, pelo comandante dos Bombeiros Voluntári-
na célebre Escola do Castelo, local onde, actual- os de Vimioso.
mente, funciona o Tribunal Judicial. Aí pontifica- Era a minha primeira grande viagem de com-
vam excelentes pedagogos, nomeadamente os pro- boio.
fessores Patrício, Baptista, D. Benilde, dos quais o Chegados ao seminário, encontrámos, cons-
segundo, especialmente, se salientava por falar em tituindo uma turma, os alunos que permanece-
voz bastante alta: “gritava” tanto que se ouvia no ram no 1.º ano, que nos receberam com muita
exterior, acompanhado do uso ruidoso da “menina alegria e grandes manifestações de regozijo, após
dos cinco olhos”, instrumento bastante generaliza- o que passaram a existir três turmas, tendo sido
do nas escolas, que, à época, tinha a fama de fazer integrado na “B” e que tinha como Prefeito e
“alguns milagres”. Vice-Prefeito os alunos de teologia, respectiva-
Na altura, alguns missionários visitavam as al- mente, Manuel Nunes de Abreu, de Peraboa, e
deias à procura de candidatos a seminaristas, tendo Alexandre Valente de Matos, de Avanca. O pri-
eu sido um produto dessas visitas, pelo que o meu meiro foi meu professor de Português e o segun-
pai e eu nos dirigimos ao Seminário de Cucujães, do, de Latim.
acabando por me inscrever, tendo a inscrição sido Eram considerados por nós como os nossos ir-
aceite e ficando a pagar uma mensalidade de 5$00. mãos mais velhos, com todos os poderes que, na
Foi-me indicado um enxoval, cujas peças seriam altura, os irmãos mais velhos tinham, mas também
identificadas pelo n.° 371, marcado a ponto de cruz com os deveres, especialmente, de protecção, de
e a vermelho. compreensão, de ensino e de educação, permitin-
do-me realçar o nosso sempre muito querido P.e
237 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

seu comportamento, classificado por três itens, a


níveis bastante baixos e altamente censuráveis,
podendo até ser alvo de castigos diversos.
No Seminário havia normas ou regras para
tudo, permitindo-me recordar algumas situações ir-
regulares em que fui intérprete directo.
O facto de só podermos falar com os elemen-
tos da nossa turma impediu-me, na prática, de falar
com o meu irmão, acontecendo que, durante um
período escolar, conseguimos estar juntos uma úni-
ca vez, ainda por cima acompanhados, e durante
um curtíssimo período de tempo. No mínimo, além
P. Alexandre Valente de Matos com alunos do Seminário.
de ridícula, esta situação era desumana. Muitas ve-
Alexandre Valente de Matos, homem de grande zes, ele tentava contactar comigo por sinais. As-
ternura, sempre bem disposto, irradiando simpatia, sim, por exemplo, para me informar que precisava
grande devoto de Nossa Senhora e grande de umas botas, que acabaram por ser enviadas pe-
impulsionador das melhorias a introduzir na gruta, los meus pais, no salão grande gesticulava e colo-
localizada no topo do recinto do recreio. cava as botas enfiadas nos pés, fora do alinhamen-
Foi um Homem de uma enorme estatura cívi- to das carteiras, infringindo as regras estabelecidas.
ca, cultural, moral e religiosa, missionário de elei- No refeitório, havia uma escala de serviço para
ção e um investigador de mão cheia, ressaltando a servirmos aos outros seminaristas a comida, cujos
sua vasta obra identificada com a etnia Macua, povo pratos eram acondicionados em tabuleiros. Tínha-
que ele amou e por ele foi amado e considerado “O mos de comer de tudo e tudo o que viesse no prato,
Grande Irmão”, morrendo e sendo sepultado em verificando-se que, às vezes, apareciam coisas bem
terras macuas, com as honrarias inerentes. Paz à esquisitas no prato e que até nos provocavam v......
sua alma e que vele por nós, no Paraíso Celeste Quando servia o meu irmão à mesa e sabendo
junto do Divino Pai. que ele não gostava de certos pratos, à socapa pro-
Durante os primeiros dias de contacto com o curava que o prato a ele destinado fosse o que ti-
Seminário, tudo era novidade – capela, salão de vesse menor quantidade de comida, dando como
estudo, salas de aula, refeitório, camaratas, claus- que um safanão no tabuleiro e com alguma mes-
tros e recinto do recreio –, em que, entre outras tria, para não ser topado pelo prefeito, que também
coisas, nos ensinaram a fazer as nossas próprias comia ao nosso lado, numa mesa com mais de 25
camas, a manter as calças passadas, colocando-as metros de comprimento, embora este fosse servido
entre o colchão e o lençol de baixo, a vestir-nos e a por um empregado próprio. Nunca cheguei a per-
despir-nos na cama, entre os lençóis, a fazer a higi- ceber se o meu irmão descobriu a minha marosca,
ene pessoal e a tomar banho de chuveiro, a fazer mas isso era o menos.
parte da formatura – por alturas –, a falar baixo e A minha saída do Seminário e despedida do
somente com elementos da nossa turma, a estar na meu irmão foram bastante dramáticas. Assim, se o
capela, a assistir à missa e a rezar as nossas ora- motivo indicado para a minha saída, no início do
ções diárias, a estudar, somente sendo permitido 2.° trimestre do ano escolar 1942/43, em meu en-
termos em cima da carteira os livros respeitantes a tender, não tinha um fundamento sério, dado que
duas cadeiras (disciplinas), durante uma hora de fui um bom aluno no primeiro ano, não tendo se-
estudo, sendo ainda proibido, durante esse perío- quer marcado passo, como aconteceu com outros,
do, levantar as tampas das carteiras. embora não me sentisse muito bem, por força de
Devíamos utilizar as horas de recreio para fa- um castigo que indevida e injustamente me foi apli-
zermos as nossas necessidades fisiológicas. Enfim, cado, durante as férias passadas em Cernache, por
as normas deviam ser religiosamente cumpridas, alguém que veio a ser meu professor de Latim e
sob pena de o prevaricador ser sancionado e ver o que, também neste aspecto, foi muito injusto para
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 238

comigo. Faleceu muito novo e perdoei-lhe, mas para passar para o ensino liceal, tive que fazer exa-
nunca esqueci nem esquecerei a injustiça que co- me de admissão e de transição do 1.°, onde era obri-
meteu e para a qual eu pedi, oportunamente, a de- gatório ir à oral a duas cadeiras (Português e Fran-
vida atenção, inclusive aconselhei-me várias vezes cês), tendo-me valido, no exame de Francês, os
com o então director espiritual, mas em vão. meus conhecimentos de Latim, pois foi a Latim que
A decisão tomada também não mereceu o be- fiz exame e passei. Obrigado, Sociedade
neplácito do meu pároco de Ovar, P.e Boaventura Missionária e Pe.Alexandre Valente de Matos, cujas
Valente de Matos, que, na altura, depositava em aulas jamais esquecerei, até pelo esforço que fez
mim grandes esperanças, conforme, por diversas ao ter permitido identificar-me por Antonius Ma-
vezes, demonstrou pessoalmente, inclusive toman- ria Mattorum, o que, de certo modo, me veio a ser
do a iniciativa de insistir com o meu pai para me fatal no 2º ano.
deixar estudar, o que veio a acontecer, no Colégio Em conjunto e novamente com o Leonardo,
Júlio Diniz em Ovar. passámos a frequentar, em simultâneo, o Colégio
Quanto à minha despedida do meu irmão, por- Universal do Porto – o 6.º e 7.º anos –, fazendo os
que dos outros colegas tal não era permitido, a exames finais no Liceu Alexandre Herculano, o que
situação foi, no mínimo, caricata e paradoxal, dado nos permitiu entrar na Universidade, ele na Clássi-
que o meu irmão não estava a compreender abso- ca (Direito) e eu na Técnica (Administração Públi-
lutamente nada do que se estava a passar, até por- ca), onde tirámos os respectivos cursos, acabando
que eu era uma referência para ele (encontrava- eu por tirar um segundo curso em Ciências Sociais
me no 2.° ano e ele na Classe Preparatória, ofici- e Políticas (Economia), também na Universidade
alizada no ano em que ele entrou para o Semi- Técnica.
nário). Durante toda a última parte do período não tive
A vida no Seminário, por vezes, era muitíssi- qualquer contacto com a Sociedade Missionária
mo dura, inclusive estávamos em plena 2.ª Guerra que, na altura, não possuía qualquer estrutura para
Mundial e a Sociedade dependia directamente de acompanhar, inclusive psicologicamente, os seus
Roma, cujos emissários eram os Pes. Parodi e ex-seminaristas. Muitos deles tiveram de servir o
Vernochi, – este último e durante os retiros, de cer- exército como soldados, por falta de recursos fi-
to modo, “intimidava” os Seminaristas com as des- nanceiros para efectuarem o pagamento de certifi-
crições que fazia do inferno, cujas cores carrega- cados de aproveitamento escolar, aspecto que jul-
das de vermelho escuro atribuía a visões de Santos go ter sido, posteriormente, objecto de correcção
que apresentava como modelos a seguir. Mesmo pela Sociedade Missionária. Bem-haja!
assim, tivemos bons Superiores, entre os quais o Na parte final deste período, dei aulas no ensi-
Reitor e o Vice-Reitor e outros professores que, num no secundário, tendo ainda servido o exército, por
espaço tão curto de tempo, me incutiram bons há- cerca de sete anos, como oficial miliciano, frequen-
bitos de trabalho e o sentido do dever e da honra, tando, como tenente, em 1957, o curso de Coman-
que muito prezo. Muito do que me foi transmitido dante de Companhia, em Mafra.
tem servido para ultrapassar dificuldades que me
surgiram ao longo da minha vida, pelo que estou A minha passagem por África e Moçambique
bastante reconhecido, embora refira que a forma-
ção escolar que era ministrada pouco ou quase nada Em Fevereiro de 1960, tomei posse do lugar
tinha a ver com a que era praticada no ensino ofici- de Chefe de Posto Estagiário do Quadro Adminis-
al, com as dificuldades inerentes para quem tinha trativo de Moçambique, onde iniciei a minha acti-
de abandonar o Seminário. vidade em Lourenço Marques, tendo sido coloca-
O Leonardo, por exemplo, teve que se prepa- do, posteriormente, no concelho de Nampula, como
rar para, em três anos, fazer o ensino secundário e Secretário de Circunscrição, substituindo o Admi-
entrar no ensino superior. Eu, um ano e meio após nistrador do Concelho, nos seus impedimentos ou
a minha saída do seminário, tive que me matricu- ausências, tendo deixado o referido lugar e qua-
lar no ensino comercial e, no final do ano lectivo, dro, em Abril de 1961, para tomar posse do lugar
239 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

de Chefe de Divisão do Quadro Comum do Ultra- de acordo com o nosso Código Penal. Ficou-me
mar, colocado nos Serviços de Economia de muito grato e prometeu corrigir-se, mostrando-se
Moçambique, em Lourenço Marques. arrependido do acto praticado.
No curto período de tempo em que exerci as Posteriormente, soube que o casal se reconci-
minhas funções em Nampula, tive a grata oportu- liou, porque, para além da lei dos homens, existe a
nidade de contactar com alguns missionários da So- Lei Divina, pregada pelos missionários e que se
ciedade Missionária, que actuavam naquela área, baseia em: “Amai-vos uns aos outros como Eu vos
nomeadamente os padres Agostinho, Alírio, Vieira, amei” e “Perdoai-vos”.
Eugénio e outros, não me tendo sido
possível contactar com o meu ex-pre-
feito P.e Alexandre Valente de Matos,
com enorme pena minha.
Enquanto exerci as minhas funções
em Nampula, tive algumas situações
dignas de registo, das quais destaco a
seguinte.
Num certo dia, o Pe. António Vieira
Mendes, acompanhado por alguns na-
tivos, um dos quais era acusado de ter
traído a mulher, solicitou a minha in-
tervenção ou aconselhamento, o que, na
qualidade de substituto do Administra-
dor e na sua ausência, aceitei. Armistas de Moçambique, com esposas, e os Padres Julião,
Antes de iniciar o julgamento e Álvaro Patrício e José Valente (1956).
dirigindo-me, à parte e em voz muito baixa, ao A partir de Abril de 1961, passei a trabalhar no
Pe. Vieira, disse-lhe: Quadro Comum do Ultramar, colocado nos Servi-
– Vocês, os missionários, procuram converter ços de Economia de Moçambique como Chefe de
os “infiéis” ao catolicismo e baptizá-los e nós, au- Divisão, e a residir em Lourenço Marques, atin-
toridades com funções de aplicação da justiça, te- gindo a categoria de Director Adjunto onde me
mos que julgar os que praticam as infidelidades, mantive até finais de 1973, altura em que vim pas-
independentemente de os seus autores serem ou não sar férias em Portugal Continental e já não regres-
católicos. No caso em apreço, vou procurar actuar sei a Moçambique, terra que muito amei e que foi
como um bom católico e como juiz pacificador. berço dos meus dois filhos vivos.
Assim fiz. Constituiu-se o Tribunal com um O meu irmão Leonardo Luís de Matos esteve
juiz municipal, eu próprio, dois assessores, um in- na Ilha Graciosa, como Delegado do Ministério Pú-
térprete e um secretário, dando-se início à sessão. blico; mais tarde, também serviu como Delegado
Ficou provado que o réu cometeu um pecado e um em Novo Redondo, como Juiz de Direito em Lu-
crime de adultério e que se mostrava arrependido anda e, finalmente, como Inspector Provincial das
de tal acto. Actividades Económicas, também em Luanda e em
Como era usual, inquiri, junto dos assessores, Angola.
qual a pena que seria de atribuir se tivéssemos de Em Lourenço Marques, estive à frente de vári-
aplicar o direito consuetudinário. Informaram-me as instituições, entre as quais destaco a Delegação
que a pena aplicável seria a de amputar um dos da ARM, em Moçambique, com sede na Casa da
membros, ou parte. Perante a situação, dirigi-me Sociedade, sedeada no Infulene, onde, além do Sr.
ao réu e informei-o de que o nosso quadro jurídico Pe. Pinheiro, residiram, entre outros, o Pe. José Va-
não permitia que tal pena lhe fosse aplicada, o que lente, que foi prefeito do Leonardo.
foi para ele motivo de um grande alívio, ao mesmo Do Sr. Pe. Pinheiro, que foi meu director espi-
tempo que o informei da pena que lhe ia ser dada, ritual em Tomar, recordo que se fazia sempre trans-
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 240

portar numa motoreta que só tinha uma velocidade existir entre os ex-seminaristas e a Sociedade, de modo
(sempre a andar), que era bem conhecida dos polí- a fazê-los regressar ao bom rebanho, deixando de ser
cias sinaleiros, assim como o seu condutor, a quem, ovelhas tresmalhadas e sem rumo.
devotadamente, abriam sempre o sinal à sua passa- Aproveito esta oportunidade para saudar todos
gem, usando o referido padre, no seu dia a dia, a os armistas, recordando especialmente os nascidos
batina branca e chapéu colonial. no Torrão do Lameiro, três já falecidos, o Albino
Em Lourenço Marques contactei com vários Vigário, o João Pedro Lopes Conde e o Leonardo
armistas, missionários e leigos, destacando, entre os Luís de Matos, meu irmão gémeo, e dois ainda vi-
missinários, os padres Julião e os irmãos Patrício, dos vos, o Manuel Maria de Matos e eu próprio, todos
quais refiro o grande amigo Pe Álvaro, cuja missão parentes próximos.
visitei; sofreu muitíssimo com a descolonização e jun- A terminar, formulo votos sinceros para que os
to das populações a quem se dedicou de alma e cora- nossos missionários e leigos, directamcntc empe-
ção. Recordo, ainda, os padres José Valente e Alfredo nhados em dar o seu melhor, ajudando os mais
Alves, tendo contactado várias vezes com este, que desfavorecidos, se mantenham firmes e disponíveis
era o Superior-Geral da Sociedade Missionária. E, para levarem por diante projectos que possam dig-
ainda o incansável padre Eugénio, que se deslocava nificar a condição humana, honrando os nossos
de António Enes (situado no norte de Moçambique) a Mártires e Santos que tombaram ou morreram a
Lourenço Marques para obter ajudas para o seu que- favor da luta de bem servir o próximo, ou seja as
rido Hospital de António Enes, junto das entidades populações desprotegidas com as quais actuaram.
oficiais, a quem dei muito gostosamente a minha O nosso testemunho vai nesse sentido.
modesta colaboração. Carnaxide, Dezembro de 2004
Com a Descolonização acabou a minha actua- António Maria de Matos
ção como funcionário público, em Moçambique, R. Manuel Teixeira Gomes, 51 – 1.º E
mantendo-se a que se prende com a colaboração e 2790-106 Carnaxide
ajuda à Sociedade Missionária nos mais diversos Tel. 214 186 765
campos, acreditando que a semente lançada pelos
nossos missionários irá produzir bons frutos na
população moçambicana, especialmente através da
constituição de um clero nativo, renovado e atento 7. O MEU TESTEMUNHO
às necessidades do seu povo.
Sou Aníbal Fernan-
O regresso a Portugal Continental des Alves Catarino, natu-
e conclusões ral de Proença-a-Nova.
Entrei no Seminário de
Voltado à minha terra de origem, fui contactado Tomar em 1.10.43; estu-
e contactei com os armistas aqui residentes, tendo, dei também no Seminá-
dentro das minhas possibilidades, tomado parte em rio de Cernache e no de
eventos organizados pela ARM, realçando o exce- Cucujães, donde saí em
lente trabalho que tem sido levado a cabo pela Di- 3.5.55.
recção presidida pelo Dr. João Gamboa, a quem Gostei imenso de vi-
efusivamente felicito. ver em Tomar durante três anos, onde comecei pela
Os armistas devem ser uma força viva, a actuar Classe Preparatória. Estive em Tomar como peixe na
em consonância com a Sociedade Missionária da Boa água. Não tenho nada a dizer contra o meu prefeito
Nova, apoiando-a e ajustando-se a novos instrumen- (Pe. Alberto) nem contra ninguém. Nem mesmo con-
tos de actuação, no campo missionário em que al- tra o regulamento em vigor na altura. Achei tudo bem
guns têm tomado parte. Bem-hajam por isso. e correcto. Era uma alegria total e completa. Há quem
A Sociedade Missionária terá, conjuntamente com se queixe dos regulamentos, do rigor e disciplina exis-
a ARM, de eliminar as sequelas que ainda possam tentes na altura. Eu, porém, só tenho a dizer bem de
241 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

todos, mesmo dos professores. Que saudades tenho Sentia-me tão bem no seminário que, quando
do ambiente vivido no seminário e dos meus fomos de férias no Verão, tive pena e saudades. Ia
condiscípulos! Era uma amizade sincera. Havia dis- eu na camioneta para Proença e, junto à praça de
cussões e brincadeiras, sobretudo com os touros da cidade, virei-me para trás para ver o Con-
transmontanos, que eram muitos. Ríamo-nos muito vento de Cristo. Quando este desapareceu no hori-
com as suas expressões e palavras, tais como: nada zonte visual, comecei a chorar de saudades...
não, bó, um cilo e outras de que já não me lembro. Gostava muito da vida vivida no seminário e
Mas os transmontanos eram generosos e simpáticos, dos meus colegas, tanto em Tomar como em
assim como os seus familiares. Mandavam vir sacas Cernache, onde havia outros encantos mas o espí-
de castanhas muito boas. E bolas de carne que eu des- rito era o mesmo. Mesmo em Tomar a visita ao
conhecia. Também nos divertiam com os pauliteiros Convento e ao Castelo era sempre atraente. Em
e profissões e com as respectivas danças. Havia tam- Cucujães o ambiente e a disciplina não mudaram
bém um colega que nos divertia muito, o José de muito, mas não dá para descrever tudo.
Oliveirinha, ou melhor, José Austrelindo de Oliveira À Sociedade Missionária devo muito da cultu-
Martins Cardoso. ra e educação que recebi. Estou-lhe muito grato por
Os recreios eram sempre desejados. O jogo do tudo. Deus a abençoe.
caçador era o meu preferido. Eu apanhava quase to- Aníbal Fernandes Alves Catarino
das as bolas que me atiravam e libertava um morto.
Rua Vila Catió, Lote 398 – 1.º Frente
Bons tempos! E as nossas idas à gruta, aos sábados, 1800-348 Lisboa
eram uma festa. Os nossos passeios às quinta-feiras Tel. 218 516 547
para os Pegões e para o Mouchão, onde descobrimos
uma gruta de morcegos. Nunca tinha visto tantos mor-
cegos juntos. A roda que tirava a água do Nabão
também me causou espanto. Assim como os holo- 8. SE BEM ME LEMBRO…
fotes do quartel militar que cruzavam o céu, à noi-
te. Era o tempo da segunda guerra mundial. Já lá vai um moio...
Certo dia, um avião a jacto esboçou vários de- desde aquela tarde soa-
senhos de fumo sobre a cidade. O sr. Pe. António lheira de 28 de Setembro
Pereira fotografou os desenhos e apresentou-os no de 1944, quando deixei as
quartel, pensando que teriam algum interesse mili- faldas da Serra de Sicó e
tar, mas os militares não se interessaram por eles. abalei para a estação de
Para nós é que foram interessantes e coisa nova. Pombal para ali aguardar
E assim o tempo ia passando. a chegada de um comboio
Nessa altura comíamos triga-milho e apanhá- ronceiro que chegou
lo na cidade era muito bom. arfante pelas 12 horas do
Um dia passei pelo refeitório e estava lá um dia seguinte à cidade de
tabuleiro de pão partido. Era quase meio-dia. A Tomar.
fome apertava. Tive tanta vontade de tirar uma fa- Acompanhavam-me o meu pai e um tio que
tia, mas não tirei e fui dizê-lo ao vice-prefeito. Este tinha sido amanuense de um capitão no regimento
disse-me que podia ter tirado. Quis lá voltar mas da cidade e que sabia os passos a dar até ao Semi-
ele não me deixou ir lá de novo. nário das Missões.
Lembro-me também da alegria que tive quan- Os meus avós tinham ido à Missa Nova do seu
do os alunos do primeiro ano começaram a ajudar sobrinho P. António Pereira e daí o projecto de um
à missa. neto seu, com jeito para os estudos – que era eu –,
A mandioca que comíamos ao pequeno almoço vir a seguir também a vida missionária – e daí a
não me agradava muito, mas lá tive de me habituar. origem desta viagem.
O silêncio durante as refeições não me afecta- Da estação da Lamarosa até Tomar, grandes
va nada. ranchos de homens e mulheres se entregavam à
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 242

faina da apanha da azeitona e que, sustendo o tra- Maio, quando os canhões começaram a troar na ci-
balho, se erguiam para acenar aos passageiros do dade, supondo nós que era a invasão e, afinal, era a
comboio que das janelas os saudavam. celebração da rendição dos nazis.
Chegados à estação de Tomar, muitos e muitos Ainda hoje me parece sentir o cheiro e gosto
rapazitos de olhar bisonho se apearam comigo; do óleo de fígado de bacalhau que o prefeito lança-
entreolhámo-nos e logo nos vimos heróis da mes- va na sopa a quem se demorasse a estender a co-
ma sonhada aventura de entrarmos um dia por es- lher.
ses sertões de África, de sotaina até ao chão e de Que saudades desses dois anos de Tomar em
longas barbas,convertendo os infiéis. que, avezitas singelas, chilreámos ao sol de cada
Formado o grupo, encetámos a caminhada até manhã, nessa despreocupada infância!...
ao Seminário que surgia lá no alto, na majestade Depois, foram três anos em Cernache do
do Convento de Gualdim Pais, indo à nossa frente Bonjardim.
uma carroça puxada por uma mula valente, carre- Dos caboucos da memória recolho o barulho
gando a nossa bagagem mais simples: umas male- do gerador de electricidade que em cada tarde anun-
tas e muitas taleigas. ciava o anoitecer, as representações teatrais com
A meio da subida, surgia impressionante o os pauliteiros de Miranda, a visita de Marcelo Cae-
casario da cidade e o Mouchão e logo, mais acima, tano em que cantámos “A Portuguesa” a quatro vo-
abriram-se os olhos de espanto frente à zes, a apanha da tília, os passeios até ao Zêzere e
grandiosidade do Convento de Cristo, onde tinha Santa Maria Madalena onde vi neve pela primeira
assento o Seminário das Missões. vez, as missas solenes que fomos cantar a Mação,
Entrando, tudo foi revelação: no reconhecimen- Vila de Rei, Proença-a-Nova e muitos outros síti-
to dos colegas e dos superiores, na apresentação os; recordo sobretudo a ida a Mação em que gru-
dos espaços que nos aguardavam, dentre estes, o pos de três ou quatro alunos eram aboletados junto
imenso refeitório. de famílias lá da terra: estávamos ao almoço em
Num ritmo bem repartido de vida pela oração, mesa distinta e o Ferreira da Silva não conseguia
estudos e recreio, ali experimentei pela primeira trinchar o bife com a faca prateada do respectivo
vez accionar um torniquete que acendia a luz, as- talher. Sorrateiramente sacou do bolso uma
sisti ao primeiro filme que se chamava “Marcelino, navalhita bem afiada que trazia consigo e partiu
Pão e Vinho” e vi um pequeno caixote chamado facilmente a vianda que saboreou com gosto, sob
rádio que transmitiu de Roma a Missa do Natal de alguns sorrisos velados dos comensais.
1944 celebrada pelo Papa. Serviram-me de bom proveito as aulas de por-
Ah... a minha roupa tinha o n.º 519. tuguês do Pe. Alexandre e de francês do Sr. Cra-
Recordo a figura do Reitor, P. Pedro, do P. So- veiro.
ares que ensinava aritmética e geometria de envol- Seguiram-se os três anos de Cucujães, beiran-
ta com umas reguadas, das visitas do Superior Ge- do os 18 anos, quando são muitas as perguntas que
ral – que era o Bispo de Gurza – e o P. Pinheiro, de nos afligem a as respostas se tornam pesadas.
barbas brancas que nos recebia semanalmente para Recordo as festas missionárias, o acompanha-
conferir a pagela onde contabilizávamos diariamen- mento que fazíamos até à Estação de Cucujães dos
te as quedas no defeito dominante. padres e irmãos que partiam para Moçambique, a
Saiu o primeiro colega do nosso grupo de cer- tartaruga gigante que hibernava nos jardins do
ca de 90 alunos, e por ele rezámos, à noite, no ter- claustro e o Vouguinha que nós do salão de estudo
ço, para que Deus lhe valesse, pois tinha perdido a víamos subir aflito até Faria, recuando a seguir até
vocação. Cucujães, para de novo abalar por aí fora, devo-
(Por onde andarás, Godinho, de Santiago de rando a subida até S. João da Madeira, deixando
Riba Ul?) no ar um rasto de fumo espesso.
Trago na memória a angústia que nos domi- E continuo a ouvir as lições de filosofia minis-
nou a todos, na iminência da invasão da Península tradas pelo P. Alves que lia um pedaço do jornal
Ibérica pelos exércitos de Hitler e duma noite de “Novidades” e daí tirava pretexto para desenvol-
243 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

ver o sumário da aula. dão por aquele Instituto que nos deu os primeiros
Oiço ainda aquele leitor do refeitório que duma impulsos para a Grande Caminhada da nossa exis-
vez atirou do púlpito abaixo o nome de uma qual- tência.
quer encíclica do Papa Pio Vi (era Pio VI); corrigi- E enquanto vamos celebrando a riqueza da
do pelo presidente da mesa, sob o som estrídulo da Vida, relembramos com muita saudade todos esses
campainha, veio a esbarrar, mais adiante, com o pequenos heróis sonhadores, muitos dos quais já
nome de Roentgen, inventor do Raio dez (queria partiram para o Pai!
dizer Raio X). Gabriel da Silva
Urbanização Quinta D. João, Lote 3 - 6º D
Depois, veio a corrida imparável: a saída de 3030-204 Coimbra
Cucujães, a tropa como soldado raso, o seminário Tel. 239 716 758
de Coimbra, o exercício apaixonado da Ordem por
cinco anos em zonas remotas sitas entre o Caramulo
e Buçaco, com fama de bom pregador, o desenten-
dimento com as autoridades políticas constituídas… 9. O MEU TESTEMUNHO
O Vaticano II, a dispensa do Ministério por Paulo
VI, o refúgio em Moçambique, o casamento quase Abílio Antunes Perei-
clandestino na Capela do Arcebispo, de madruga- ra, natural de Orca, con-
da, o ensino, sempre particular, que a Pide mais celho do Fundão, e resi-
não autorizava, o 7.º ano do Liceu, a Faculdade de dente na Rua Paul Harris,
Direito de Coimbra e a Magistratura do Ministério n.º 14, Entroncamento.
Público e Judicial que me retalhou muitos dos bons Tudo o que sou e te-
anos da vida por África, Angola e Moçambique, nho devo-o a Deus, a uma
Sátão, Alenquer, Setúbal, Aveiro, Vagos, Penacova, grande protecção de Nos-
Funchal, Guarda, Gaia, Águeda e Coimbra. sa Senhora, aos meus pais
Três filhos admiráveis, seguindo a mais nova a e à Sociedade Missio-
profissão do pai; o do meio é professor universitá- nária, na pessoa de vários
rio na área do direito de família e o mais velho, dos seus membros.
oficial da marinha mercante. Entrei no seminário de Tomar no dia 1 de Ou-
Quando em noite de insónia faço o filme desta tubro de 1946, na idade de 14 anos. Era Reitor o
peregrinação, forçoso é reviver as imagens origi- senhor Pe. Albano Mendes Pedro. Foi meu prefei-
nais dessa aventura começada em Tomar, em que to o senhor Pe. José Patrício. Grande amigo,
lançámos as primeiras raízes. cooperador e muito humano. Éramos trinta, fui
Muitos dos que ali firmaram as origens não con- amigo de todos. Tive como vice-prefeito o senhor
seguiram ir pelo mundo além “Dilatar a Fé e o Im- Pe. Vieira Mendes. Gostei imenso e lembro os três
pério” – na verdade: Multae viae sunt ad Patrem! anos que passei em Tomar. Em 1949 transitei para
De todo o modo: “o silêncio rigoroso”, “as ami- Cernache do Bonjardim. Tive um grande amigo,
zades particulares”, a “forma”, a tríplice classifi- dedicado, humano, e um grande pedagogo – o se-
cação semanal e pública do “comportamento”, a nhor Pe. Porfírio. Muito lhe fiquei a dever. Depois
severa proibição de contactar mesmo com familia- passei ao senhor Pe. Teixeira, bom pedagogo. Era
res ou patrícios vivendo sob o mesmo tecto, e al- Reitor o senhor Padre Canas e depois o Pe. José
gumas práticas espartanas (os tempos eram ou- Baptista que não tinha qualidades para o cargo. Um
tros...), ajudaram a modelar a personalidade, a for- grande amigo dado aos jovens e muito competente
talecer a vontade e o carácter, para podermos para a altura, o Pe. Antunes; foi o meu professor de
palmilhar com dignidade os caminhos da vida. Francês e reprovei dois anos. Transitei ao seminá-
Todos aqueles que num dia qualquer de finais rio de Cucujães: Reitor, um grande homem – o se-
de Setembro subiram a encosta de Tomar, a cami- nhor Pe. Domingos Marques Vaz –, homem de ora-
nho ao Seminário das Missões, têm de sentir grati- ção, de muita vida espiritual, nada inferior ao Sr.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 244

Pe. Campos, e muito humano. Outro cérebro e com uma grande mulher a quem devo muito do que fiz
muita competência – o Pe. Alfredo Alves, meu pro- e continuo a fazer. Estive no Ensino, onde comple-
fessor de Literatura e Filosofia. Muito aprendi, re- tei o tempo e idade de reforma. Foi um tempo feliz
flecti e segui. Só tive amigos da parte dos superio- para mim, colegas e alunos. Transmiti Cristo a to-
res e colegas. Em Teologia segui o curso normal; dos e deixei saudades. Tudo isto, por me tornar
trabalhei, dediquei-me ao próximo e passei pelo como um deles, sem me afastar de Maria e Jesus.
cansaço. Graças aos superiores que me deixaram Em 1973 comecei a trabalhar na Conferência
sempre em liberdade e confiança mútua. Desde o de S. Vicente de Paulo, na Paróquia do Entronca-
segundo ano de Seminário habituei-me a rezar to- mento. Sempre trabalhei na paróquia em colabora-
dos os dias o rosário completo. Muito dedicado a ção com os párocos. Fui Presidente do Conselho
Nossa Senhora e ao Santíssimo Sacramento – fo- Central da SSVP na Diocese. Contribuí para a fun-
ram os meus dois pilares e que ainda hoje sigo. dação de várias conferências; a última foi aquela
Ordenado em 29 de Junho de 1960, continuei no em que ainda hoje trabalho, com 28 vicentinos.
Seminário de Tomar até 1964. Como prefeito e pro- Jovens, carenciados e idosos seduzem-me, sem es-
fessor dediquei-me aos meus alunos. Realizei-me. quecer ou pôr de lado qualquer outra pessoa.
Em Outubro de 1964, fomos um grupo de seis Realizei-me em liberdade em Cristo e por Cris-
padres para Moçambique. Tive um grande mestre, to. Continuo a transmitir Cristo, na oração, no
que tinha sido meu vice-reitor em Tomar e já fale- exemplo, na palavra e pregação.
cido, o Sr. Pe. Pereira. Foi um Santo Missionário a Como casal fundámos e trabalhamos em dois
100%. Trabalhámos juntos, construímos uma nova Movimentos: Virgem Peregrina – já com trezentas
Missão – Corrane –, onde havia comida para toda famílias, que mensalmente recebem a Imagem de
a gente, paz e amor entre todos. Nossa Senhora, e outro – Fé e Cultura.
Passei a outra Missão, Nametil, já muito anti- Como casal somos sócios agregados da “As-
ga. Riqueza na sede, mas miséria no resto. Num sociação Missionários de Cristo Sacerdote”, com
ano, sem gastar um tostão à Missão, contribuí para sede em Évora. Como tal fazemos dois retiros por
a construção de 40 escolas e 40 casas de professo- ano, de uma semana cada.
res, condignas e utilitárias a qualquer família. Não Tivemos uma grande acção na fundação do
perdi a vocação mas compreendi que Deus me cha- “Fraternitas” – Associação-movimento dos padres
mava a outro tipo de apostolado. casados, com Estatutos aprovados pela Comissão
Em 31 de Março de 1971, despedi-me do en- Episcopal. Temos dois encontros anuais, um deles
tão Superior-Geral, Senhor Pe. Alfredo Alves, sem de reciclagem teológica. Toda esta acção, porque
nunca deixar a Sociedade a quem tudo devo, o que fui aluno e membro da Sociedade Missionária.
sou e o que tenho, sem nunca me desviar de Maria Obrigado a todos vós, Padres e Irmãos, que já estais
e do Pai. Constituí família. Temos dois filhos (um com o Pai, e a todos vós que estais no activo, e a
casal) e dediquei-me à juventude. Entrei no Ensino todos vós, bons amigos, que frequentais as mes-
Secundário em 1971; em 73 fui convidado para mas casas, que trabalhámos juntos e que a vontade
professor de Moral, mas não aceitei porque não me do Pai e a nossa liberdade nos colocaram em situa-
garantia futuro. Em 1976 entrei na Faculdade de ções bem diferentes. Gosto de vos lembrar a todos,
Letras da Universidade de Lisboa e fiz a Licenci- junto de Cristo na Eucaristia e presente no Sacrário,
atura em História. No terceiro ano fiz também as aos pés de Maria e na sua contemplação e oração
cadeiras ad hoc para complemento do Curso Teo- do Terço.
lógico ao Ensino e no quarto ano, aproveitando as Um abraço em Cristo!...
facilidades da Faculdade, fiz 4.° e 5.° anos num. Abílio Antunes Pereira*
A trabalhar, chefe de família, achei que precisava * O armista Abílio Antunes Pereira enviou o seu teste-
de frequentar a Universidade e formar-me o me- munho em 15 Nov 2004, por correio electrónico. Faleceu em
lhor possível para realizar o que Deus queria de 11 Jan 2005.
mim.
Escolhi livremente e tive sempre a meu lado
245 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

10. O MEU TESTEMUNHO foram aqueles de que mais gostei. Para isso con-
tribuiu o facto de o Pe. Alves ser um grande pro-
Foi no longínquo fessor.
ano de 1946. Era Setem- Nesta terceira e última etapa da minha vida de
bro e falei a meus pais seminarista marcaram-me, pela positiva, mais duas
que queria ser padre. Só pessoas: o Pe. Vaz, meu reitor, e o Pe. Campos,
que era já tarde para pe- meu director espiritual. Isto sem desprimor para
dir a admissão e os se- todos os meus mestres a quem devo imenso. Nem
minários estavam super- sequer me queixo da disciplina imposta e do méto-
lotados. Foi preciso me- do de educação de que muitas vezes discordava.
ter uma “cunha” ao Pe. Era o sistema e resta saber se os métodos actuais
Vaz, então reitor de serão os mais adequados ou se não se caiu no ex-
Cucujães. Nessa altura tremo contrário.
não faltavam vocações, ao contrário de hoje. Fiquei por isso amigo e reconhecido a todos os
No dia marcado lá me apresentei no Convento meus superiores e demonstrei-o, com prazer, onde
de Cristo juntamente com 35 futuros colegas, oriun- quer que os encontrei: aqui, em Portugal, na cida-
dos sobretudo do norte do país. de da Beira onde residi 14 anos, em Lourenço Mar-
Os três anos que passei em Tomar decorreram ques, Nampula, etc.
numa atmosfera de beleza e magia. Aquele cenário Para terminar quero mandar um grande abraço
constituído pelo Convento, a mata e jardins ane- ao Pe. Castro Afonso, único do meu ano na vida
xos, os passeios ao longo dos pegões, as visitas aos sacerdotal e que lá longe, na Zâmbia, dedica a sua
monumentos da região, de tudo isso me lembro com vida à mais nobre das causas.
saudade. Até dos retiros eu gostava. O Pe. Parodi Fernando Pinto de Oliveira
sabia-os dosear com certas graças tornando esses Rua Dr. Clemente, 472
momentos menos pesados. 4535-080 Lourosa
Entre os superiores que nos orientaram nesta
primeira etapa de seminaristas, lembro o Pe. José
Patrício. Pessoa muito humana, bom pedagogo e
por isso muito respeitado por todos. 11. TESTEMUNHO DE
Os três anos seguintes foram passados em DOMINGOS VALENTE
Cernache do Bonjardim. Éramos todos já mais cres-
cidos e com problemas de outra ordem. Foi aqui Entrei na Sociedade
que se deram a maior parte das desistências dos (estabelecimento de ensi-
colegas e era sempre com tristeza que os víamos no de Tomar), em Outu-
partir. bro de 1948 e saí (Cer-
nache do Bonjardim), em
Apesar disso guardo dali boas recordações. A
Fevereiro de 1953.
romagem semanal à Senhora de Lurdes constituía
A permanência ali,
um momento de muita devoção e espiritualidade.
durante aquele tempo,
Era divertida a apanha anual da tília em que eu constitui uma das minhas
fiquei pendurado como um macaco pela quebra do melhores experiências de
ramo em que me apoiava. vida e, no período da ado-
Lembro-me também dos pombos correios que lescência, sem dúvida a melhor. Os princípios e
sempre levava no regresso de férias, para mandar valores com raízes na moral cristã, que já transpor-
notícias mais rápidas a meus pais. É que meus ir- tava comigo, ficaram fortemente reforçados, tanto
mãos eram columbófilos. que ainda hoje me acompanham. Beneficiei na
Finalmente a transferência para Cucujães. Os minha vida adulta (no estudo, no trabalho, no rela-
três anos de Filosofia, academicamente falando, cionamento social, na forma de ver e interpretar o
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 246

mundo) muito da formação obtida na Sociedade. discutir ou explanar. Esta concepção advém prin-
Por isso, ficarei eternamente grato. cipalmente dos três anos dominados pela compo-
Domingos Antunes Valente nente filosófica que cria um estilo de encarar a vida.
Rua Cabo Verde, 8 – 2.º E Quando surgiu o momento em que decidi dei-
2900-072 Setúbal xar o seminário, para trás ficou toda uma aprendi-
Tel. 265 551 142 zagem que reclamava um desafio de mudança, uma
busca pelo pormenor da diferença (na altura pouco
tolerada, admito).
O sentido religioso de carácter cristão sedi-
12. TESTEMUNHO PESSOAL PARA A ARM mentou serenamente ao longo desses anos a minha
própria personalidade, criou uma maneira de ser e
Sou Manuel Joaquim de estar na vida, por vezes pouco pretensiosa. Mas
Faria Gomes, natural de sempre disposta a enfrentar novos desafios, tam-
Alvelos – Barcelos, resi- bém fruto da juventude, na época. Mas tal como
dente em Oeiras, à Praceta ontem, também hoje aceito e desejo a mudança, a
de Manica, 6 – 4.º D. Re- melhor mudança “possível” a crescer e evoluir para
cuando no tempo, confes- toda a sociedade nos seus múltiplos estratos so-
so que tive dificuldade em ciais. Como para a ARM e para todos nós.
descortinar que afinal en- Oeiras, Dez/2004
trei no Seminário de To- Faria Gomes
mar no ano de 1948, onde
Praceta de Manica, 6 – 4.º D
comecei por frequentar a 2780-022 Oeiras
chamada Classe Preparatória. Tel. 214 423 271
Neste percurso de regresso ao passado, já dis-
tante, tive de reviver os tempos em que fui, ora
vendedor, merchandiser, delegado de vendas, ad-
vogado, liquidatário judicial, trabalhador estudan- 13. O MEU TESTEMUNHO
te, militar, quase aviador na força aérea, activida-
des estas exercidas por territórios tão distintos como Decorridos que são
Lisboa, Algarve, Aveiro, Madeira e todo o territó- 55 anos sobre a minha
rio de Moçambique, terra aliás onde tive a oportu- entrada na SPMCU (hoje
nidade de presenciar no terreno o trabalho missio- Sociedade Missionária
nário realizado pelos nossos missionários, alguns da Boa Nova), não posso
dos quais haviam partilhado comigo anos de for- deixar de corresponder
mação religiosa. ao apelo lançado pela ac-
Contactei com pessoas de todas as classes so- tual Direcção da ARM de
ciais. Como tive o prazer, ao longo de todo este redigir um modesto tes-
percurso, de encontrar outros ex-seminaristas, como temunho acerca da minha
aconteceu na força aérea de que relembro o meu passagem de cerca de 7
amigo António Mendes Laia que faleceu em 1959 anos pelos seus Seminários.
quando testava o primeiro avião a jacto de treino Entrei no velho Convento de Cristo em Tomar
que entrou em Portugal. (cujos corredores se assemelhavam a largas aveni-
Saí do seminário no ano do “noviciado” em das onde poderiam circular automóveis) em Outu-
1958. O sentido ou conteúdo religioso entrou e bro de 1949 e saí em Janeiro de 1957 em Cucujães,
permaneceu na minha pessoa para todo o sempre. quando frequentava o segundo ano de Filosofia.
As verdades, como aliás todas as ideias abstracta- De Tomar guardo especialmente a memória da-
mente amadurecidas, são no meu íntimo mais uma quele Convento frio e sombrio, onde não foi fácil a
referência de contemplação do que assunto para adaptação a um sistema de vida completamente
247 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

diferente daquele que a infância me proporcionara ciente das matérias que era necessário assimilar,
no longínquo torrão natal do Nordeste transmon- prática esta que, no meu caso concreto, se trduziu
tano. Mas foi aqui que, para além de começar a numa preciosa ajuda para os anos vindouros; e a
moldar a minha personalidade e a aprofundar a vantagem material (que nunca me canso de salien-
espiritualidade, do ponto de vista intelectual se me tar) de adquirir conhecimentos (alguns deles mais
intensificou a tendência que, tendo tido por profes- aprofundados do que no ensino público) duma for-
sora a minha própria mãe, já revelara nos bancos ma praticamente gratuita, beneficiando significati-
da escola primária, a qual se traduzia numa mais vamente o modesto orçamento familiar.
fácil apreensão de conhecimentos relacionados com A apredizagem exigente do Latim foi um
as Letras em detrimento das Ciências. contributo precioso para a paralela aprendizagem
Provavelmente por ter sido o Seminário onde do Português e para uma forma característica de
permaneci mais tempo e ainda por este se situar escrever correctamente a língua que falamos. Sem
numa zona rural, de certo modo idêntica àquela em querer tornar-me fastidioso, não resisto a contar
que havia sido nado e criado, a passagem por brevemente um espisódio da minha vida profissi-
Cernache do Bonjardim deixou no meu espírito onal. Em Angola, fui, no início de 1970, Secretá-
marcas indeléveis. Em Cernache aconteceu o des- rio dum Concelho Distrital presidido pelo Gover-
pertar da juventude, com todas as interrogações que nador, competindo-me redigir as Actas das res-
esta fase da vida suscita e com o surgimento das pectivas reuniões, que, por vezes, se alargavam
primeiras dúvidas sobre o verdadeiro caminho por vinte ou trinta páginas. Em determinado mo-
vocacional. mento, após ter elaborado a Acta, o Governador
Visito o Seminário de Cernache (aquele que (um distinto general do Exército) disse-me: “Que-
mais saudades me deixou) sempre que posso, com ria fazer-lhe uma pergunta: o senhor não foi se-
o objectivo de recordar os bons e maus momentos minarista?” Respondi naturalmente que sim, por-
que nesta grande Casa passei e os formadores que que nunca escondi tal facto. Comentário daquele
ali mais contribuíram para a minha educação, de Chefe: “É que a sua forma de escrever denota que
entre os quais não resisto à tentação de citar os ain- aprendeu o Português, que sabe escrever, no Se-
da vivos (e que o sejam por muitos anos) padres minário”.
António Teixeira e Antunes dos Santos e o já fale- Mas no Seminário aprendi ainda muitas ou-
cido Pe. António Pereira. tras coisas boas que tenho que agradecer a quem
Tal como aconteceu mais tarde na vida e nas ins- promovia a sua concretização, tais como: as réci-
tituições onde estudei e trabalhei, a minha permanên- tas em que apresentávamos, nos salões de festas,
cia nos Seminários da Sociedade caracterizou-se por os textos em prosa e poesia que nós próprios es-
aspectos negativos e positivos. Dos primeiros, diria crevíamos; as peças de teatro que representáva-
apenas que foram resultantes da época que se vivia – mos; os ensinamentos de música sacra e profana
a recuda década de cinquenta do século vinte – e de que recebíamos e que cantávamos em ocasiões
certas normas que os próprios superiores hierárqui- específicas.
cos estavam vinculados a fazer cumprir. Algumas Todas estas manifestações artísticas serviam
dessas normas só eram contraproducentes na medida não só para revelar os dotes que Deus nos conce-
em que conduziam a que se saísse do Seminário com deu como também para distrair e amenizar os mo-
os olhos completamente fechados para a realidade do mentos mais difíceis de vencer.
mundo exterior, ao qual, aliás, eram destinados os Como já me alonguei demasiado, termino, fe-
sacerdotes e os missionários. licitando vivamente a Sociedade Missionária e to-
Prefiro, porém, deter-me mais nos aspectos po- dos os seus membros pela efeméride dos 75 anos
sitivos, que superam largamente os negativos. E dos da sua existência e desejando que os seus Seminá-
positivos, apraz-me salientar: os hábitos de refle- rios venham a ficar novamente repletos de voca-
xão sobre os desígnios de Deus em relação à vida ções sacerdotais e missionárias.
futura; a prática da disciplina, do método, da orga- Entristece-me ir a Cernache e encontrar o se-
nização, da rectidão e do estudo intensivo e cons- minário quase vazio e sem prefeituras idênticas às
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 248

que albergava no meu tempo. Mas o tempo tam- Quem és tu, que a luz do sol
bém é outro! Não é como a tua luz,
Um forte abraço para todos do ex-seminarista, Nem o fulgor do arrebol
Mário Pêgo Assim me prende e seduz?
Alameda António Sérgio, 14 – 4.º C
Miraflores Quem és tu, de azul vestida,
1495-132 Algés De fina púrpura ornada,
Tel. 214 120 595 Tu que consolas na vida,
Nesta vida degradada?
Mando (…) uns versos que escrevi em Cer-
Quem és tu, que o teu olhar
nache (creio que tinha 15 anos) e que li numa ses-
Tão delicado e profundo
são solene dedicada à Imaculada Conceição em
Transpõe as ondas do mar
08 de Dezembro; nessa altura tinha como profes-
E domina todo o mundo?
sor de Português o Pe. Antunes dos Santos (que
tem estado no Brasil), com quem muito aprendi.
Me responde com voz pura
Mário Ferreira Pêgo A visão iluminada:
“Sou quem chamam com ternura
CONCEIÇÃO IMACULADA”.
Mário Pêgo

14. O MEU TESTEMUNHO

Nome: Mário Simões Júlio Pereira


Nascimento: 19 de Fevereiro de 1938
Residência: Penela
Entrada no Seminário: Setembro de 1949
Saída do Seminário: Setembro de 1955

Decorria o ano de
1949. Oriundo de uma fa-
mília composta por seis
pessoas, os parcos salári-
os do meu Pai só com
muita ginástica iam dan-
do para o sustento do dia
a dia.
Imagem de Nossa Senhora da Conceição, existente na Conhecedora de to-
igreja do Seminário de Cernache do Bonjardim. das estas dificuldades e
porque sentia quanto me
À IMACULADA CONCEIÇÃO era impossível ter as mesmas hipóteses de outros
familiares, minha avó paterna colocou-me a pos-
Quem és tu assim tão bela, sibilidade de tudo fazer para eu entrar no Seminá-
Tão formosa e virginal, rio. Como a ideia foi por mim bem aceite, inicia-
Que brilhas mais que uma estrela ram-se, desde logo, as diligências necessárias à
No Céu azul sem igual? concretização da proposta.
249 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

Um sacerdote amigo tratou da documentação tentadora. Ainda em Cernache, onde nos apresen-
exigida e, em Setembro de 1949, juntamente com támos para colaborarmos numa Festa, falei com o
um sobrinho do mesmo sacerdote, dava entrada no meu Director Espiritual e de seguida com o Reitor,
Seminário da S.P.M.C.U. sedeado no Convento de os quais acabaram por me passar “guia de marcha”.
Cristo da Cidade de Tomar. Terminava, assim, a minha passagem pelos Semi-
Apesar de ter encontrado uma casa acolhedora nários da Sociedade Missionária.
e deixado para trás as tarefas de carregar cântaros Comecei depois nova vida. Primeiro, a traba-
de água para beber e consumo doméstico, andar lhar para os meus Pais, ao balcão de um Café. Mais
pelos pinhais em busca de lenha para a lareira, as tarde e beneficiando já das habilitações literárias
idas aos recados, guardar os irmãos mais novos e que o Seminário me deu, ofereceram-me o primei-
muitas outras, nos primeiros tempos debati-me com ro emprego numa Câmara Municipal. Como este
algumas dificuldades, quer a nível dos estudos quer era provisório, concorri a um concurso aberto pelo
a nível do próprio ambiente. O exame da 4.ª classe Ministério das Finanças para o lugar de aspirante
ficara para trás havia um ano e muita coisa do que das Repartições concelhias. Entre muitas centenas
me foi ensinado já o tinha esquecido. As normas de concorrentes classifiquei-me em 19.º lugar, o que
exigidas – o Reitor, os prefeitos, as orações, os re- implicou a minha imediata nomeação. Mas nem
tiros, o estudo, as formaturas, as aulas, as notas, o tudo foram rosas. Não consegui livrar-me do ser-
tocar da sineta, os horários, as refeições, o silên- viço militar obrigatório e, muito menos, de em Se-
cio, os recreios e muitas outras – eram condutas a tembro de 1961 ter partido no paquete Vera Cruz
que não estava minimamente habituado. para terras de Angola. No total, foram cinco anos a
No entanto, tal como o barro nas mãos do olei- servir o Exército, metade dos quais na Guerra Co-
ro, também eu me fui moldando àquela vida do lonial. Após o regresso de Angola, constituí famí-
Seminário e paulatinamente tudo começou a de- lia e retomei o meu trabalho nas Repartições de
correr dentro dos parâmetros da normalidade. E isto Finanças. Com o nascimento dos filhos a família
porque, além do mais, aos poucos comecei a reco- foi crescendo. Tenho uma filha e dois filhos, todos
nhecer a enorme e sempre constante dedicação dos licenciados pela Universidade de Coimbra. Creio
Superiores e a fraternidade cordial e afectuosa de que não é exagero afirmar que o seu comportamento
todos os meus colegas. É com muita gratidão e sen- foi sempre irrepreensível, o que para os Pais é sem-
tida saudade que sempre recordo uns e outros. pre motivo de muito orgulho.
De Tomar passou-se para Cernache do Profissionalmente, também fui procurando me-
Bonjardim. Aqui, face ao grande espaço físico, às lhorar a situação, designadamente progredindo na
instalações mais recentes e acolhedoras e ao maior carreira. Exerci a chefia de algumas Repartições e,
número de alunos, o ambiente era, em meu enten- em 1980, a meu pedido, transitei para o Quadro de
der, mais propício para o desenvolvimento pessoal Pessoal da Inspecção-Geral de Finanças onde exerci
e espiritual de cada um de nós. Cada ano que pas- as funções de inspector. Como as tarefas abrangi-
sava era um passo que se dava a caminho de uma am todo o País, acabei por trabalhar num elevado
sã maturidade. Ali, muito, mas mesmo muito me número de concelhos. Em 1995, já com mais de 36
foi ensinado. Não foi só o Português, o Latim, o anos de serviço, solicitei a minha aposentação que
Francês, a Religião, a Moral, a Matemática, a His- acabou por me ser concedida, embora com alguma
tória, a Geografia, a Música ou o Desenho, mas oposição da parte do dirigente dos Serviços. Ape-
igualmente a ser Homem, a viver em Comunidade. sar das limitações inerentes aos vencimentos da
Adquiri também um elevado número de qualida- função pública, com a ajuda de minha esposa sem-
des que muito me têm beneficiado ao longo da vida, pre foi possível oferecer aos meus filhos, a par de
designadamente nos aspectos familiar, social e pro- uma sã educação, um certo conforto e bem-estar
fissional. na vida.
Após as férias de Agosto de 1955, entendi que No âmbito da vocação cristã, também a semen-
não devia continuar. Tinha então 17 anos. A vida te lançada no Seminário tem dado os seus frutos.
fora do Seminário apresentava-se para mim mais Penso que tem havido, da minha parte, correspon-
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 250

dência ao que me foi ensinado e que tenho cumpri- menor que me deixou muito preocupado: não vi lá
do as minhas obrigações como católico. nenhum campo de futebol e disseram-me mesmo
A minha disponibilidade para colaborar nas ta- que ali não havia este jogo. Entretanto, um semi-
refas da paróquia tem sido total. Durante vários anos narista da Sociedade Missionária, natural da mi-
fiz parte do Conselho Económico. Em 1987 fui ins- nha aldeia, disse-me: “Gostas de futebol? Então,
tituído, pelo Senhor Bispo da Diocese, nas funções vai para Tomar, pois lá joga-se muito à bola”. As-
de Ministro Extraordinário da Distribuição da Co- sim foi. Entrei no Seminário de Tomar em 1950 e,
munhão e, mais tarde, no cargo de Animador das durante toda a minha vida de estudante, fui um apai-
Assembleias Dominicais sem Celebração da Eu- xonado pelo futebol, tornando-me até um adepto
caristia. convicto do Sporting, simpatia que ainda conservo
Tudo isto apenas foi e continua a ser possível hoje. Esta paixão pelo futebol causou-me alguns
porque um dia a Sociedade Missionária me abriu dissabores e foi mesmo por causa dela que, em
as suas portas e, com todo o carinho, me educou Cucujães, já em Filosofia, recebi o único castigo
para a Vida. em toda a minha vida de seminário. Baixaram-me
Na celebração dos 75 anos da sua fundação, muito o comportamento por perguntar os resulta-
quero expressar à Sociedade Missionária da Boa dos de futebol aos funcionários do Seminário.
Nova o meu sentido afecto, o muito respeito e imen- Mais tarde, em Moçambique, na Missão de
sa gratidão por tudo o que me deu e fez por mim Corrane, fiz construir campos de futebol em todas
durante os seis anos que frequentei os seus Semi- as escolas, dando-lhes em troca uma bola. Grandes
nários. festas com ajuntamentos de muitas pessoas se rea-
Bem-haja e muitos parabéns.! lizaram nestes locais, pois também ali funcionava
Mário Simões Júlio Pereira maravilhosamente a magia do futebol.
Travessa da Escola Primária, 2 Na Sede da Missão de Corrane, construí o “Es-
3230-269 Penela tádio das Mangueiras”, bem conhecido em
Tel. 239 569 171 / 919 966 387 Nampula, e que foi o palco de muitos e importan-
tes encontros de futebol, vivamente participados
pela população daquela área. Algumas festas ali
realizadas ficaram bem gravadas na memória das
15. A MAGIA DO FUTEBOL gentes daquela região. Creio que muitas pessoas
de Corrane ouviram falar de Cristo e da religião
Parece que nasci cristã por causa desta força misteriosa e mesmo
com uma bola nos pés. A mítico-religiosa do futebol que tanta gente atrai,
magia do futebol acom- de todas as raças e culturas, e que continua sempre
panha-me desde a minha envolto no seu mistério.
infância. Muitas meias da Depois, seguindo outros rumos, passei mais de
minha mãe acabaram uma dezena de anos estudando, na Universidade
como bolas de futebol. Católica de Lovaina (Bélgica), entre outras coisas,
Logo que tive algum di- as razões profundas da força misteriosa do futebol.
nheiro, comprei uma bola Isto aconteceu principalmente nos anos da minha
de borracha para jogar licenciatura em Comunicação Social em que fiz
nos caminhos da minha uma dissertação sobre “Futebol e Religião” e du-
aldeia. Tive até alguns problemas com esta bola, rante o meu doutoramento, também em Comuni-
pois o meu avô, que não gostava nada de futebol, cação Social, onde defendi uma tese sobre o tema:
acabou por ma tirar. “Futebol e Mito – Função simbólica do futebol
Depois de terminar a minha instrução primária analisada através da imprensa desportiva de mas-
e querendo ir para o seminário, fui fazer o exame sa”. Nestes dois trabalhos, que condicionaram toda
de admissão ao Seminário Diocesano de Braga. a minha vida académica e universitária, procurei
Tive uma boa classificação, mas reparei num por- descobrir um pouco do segredo de toda a força
251 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

misteriosa do futebol que, para mim, se situa prin- A aldeia beirã sorria para mim
cipalmente na sua ligação aos mitos e em toda a Na euforia da viagem p’ra Tomar;
sua carga religiosa que, mesmo inconscientemen- A natureza revelava-se um jardim
te, funciona em todas as grandes e pequenas com- Sem que o tempo desse por passar.
petições realizadas em torno da bola. Os grandes
estádios são verdadeiras catedrais, onde se celebram Éramos cinco da mesma região
liturgias grandiosas e os pequenos campos de al- Dando entrada no Seminário das Missões,
deia são igrejas locais onde também se celebra o Num convento de tamanha dimensão
culto da bola, sempre muito participado pela co- E motivo de estranhas sensações.
munidade local. Actualmente, sou professor de
Sociologia e de Antropologia do Desporto na Uni- Padre Patrício foi recepcionista,
versidade do Porto, onde procuro falar aos meus Amável e de barbas imponentes,
alunos de toda a natureza religiosa do homem e da Acolhendo cada seminarista
sociedade a partir do desporto, principalmente do Para evangelização das gentes.
futebol.
Em conclusão, a magia do futebol continua ain- A vida em comunidade
da bem presente na minha vida. E com grande disciplina
António da Silva Costa Pedia responsabilidade
E tinha a marca divina.
Av. D. Manuel II, 1011 – 1.º
Vermoim
4470-334 Maia O Cristo crucificado,
Tel. 229 486 830 // E-mail: acosta@fcdef.up.pt No altar-mor da capela,
Deixava-me impressionado
Na sua dor que revela.

16. VIVER EM VOCAÇÃO Orar, brincar e comer,


Estudar e cedo dormir
Era programa a valer
E com regra p’ra cumprir.

Logo as saudades surgiram


Da família que deixámos;
E até convites se ouviram
Mas que sempre recusámos.

O início da adolescência
Quase me era fatal;
Pela divina providência
Distingui o bem do mal.
À família grande que era a minha Vi chegar a maturidade
Em que Deus tinha o seu lugar Na direcção espiritual
Foi revelado ao casal Moutinha E o apelo à santidade.
Seu filho António consagrar. Foi para mim o sinal.

Transmitida a mensagem naturalmente, Foi crescendo a vocação


Como que bebida no leite maternal, De um dia ser missionário,
Amadureceu em ritmo crescente Sempre com recta intenção
E aos onze anos já era um ideal. Neste sonho visionário.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 252

Contar esta caminhada, A chama por nós herdada


Junto dos companheiros, Nunca mais se apagará;
Era tarefa alongada No calor desta jornada
E fora destes roteiros. Mais acesa ficará.

Sendo nobre o ideal, O espírito não tem idade;


No receio do fracasso, Boa vontade também;
Pedia a Deus um sinal Haja disponibilidade,
Que fosse certo o meu passo. Alguma criatividade
E a bênção da nossa Mãe.
Já no probandato andava,
No rescaldo da filosofia, Lisboa/Fátima, 17/18 de Maio 2003
Com ansiedade aguardava António Moutinha Rodrigues
Frequentar a teologia. Rua Aboim Ascensão, 3 – 3.º D
1700-001 Lisboa
Tel. 217 960 277
Com grande esforço mental,
Na ausência de psicologia,
Um esgotamento cerebral
17. O MEU TESTEMUNHO
Retirou-me desta via.
Ingressei em Tomar,
Sofrendo a incapacidade no ano de 1950, onde es-
Perante os desafios da vida, tudei durante dois anos.
Tinha a dor da nulidade Decorrido esse tempo e
E alguma esperança perdida. após as férias do Verão de
1952, regressei nova-
Não sei se dormia em Deus mente mas, dessa vez, ao
Ou se Deus dormia em mim; Seminário de Cernache
Até que os sofrimentos meus do Bonjardim, cujo edi-
Depressa tiveram fim. fício era mais acolhedor
que o do Convento.
Alcancei uma profissão; No dia em que transpus a porta de entrada da
Realizei-me no casamento; nova Casa da Sociedade Missionária, senti uma
E achei que a vocação enorme satisfação mas, apesar disso, a minha per-
É para tudo o fermento. manência, em Cernache, acabou por se resumir ao
ano lectivo de 1952/53, porque, após as férias do
Na ARM sou missionário ano em causa, acabei por prosseguir os meus estu-
E em tantas coisas também; dos, num Colégio da cidade de Bragança.
Palpito que o meu fadário Para complemento do meu testemunho, junto
É ser útil para alguém. estes dois sonetos:

Ao tempo de Tomar
O mérito que possa ter
A mim não deve ser dado;
Já mais de meio século é volvido,
Mas antes reconhecer
Desde a saída do enorme Convento
E até agradecer
Onde, em menino, me vi protegido
O que foi nosso passado.
E abri as asas ao meu pensamento.
253 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

O ensino, a rigor, sempre sentido, 18. TESTEMUNHO DOS TEMPOS DE


Em cada aula e a cada momento, SEMINÁRIO E RELAÇÃO COM A
Julgo eu, deveras, ter contribuído, SOCIEDADE MISSIONÁRIA
Para dos valores meus ser sedimento.
Natural de Peraboa –
Às bases do saber que hei conseguido, Covilhã, entrei em Tomar
À sombra do amor e fraternidade, em Outubro de 1950 (úl-
Devo o saber estar e ver a vida... timo ano em que houve
classe preparatória), e saí
em Cucujães nas véspe-
E o carinho grátis recebido, ras do Natal de 1956, no
No fulcro da eterna humildade, início do sexto ano, com
Deixou a minha alma enriquecida!... 17 anos.
Do tempo de seminá-
Ao tempo de Cernache rio quero guardar e teste-
munhar sobretudo boas recordações. A primeira é
Na Casa de Cernache, a estadia que ele foi para mim – como para centenas e cente-
Foi curta, mas deu para o despertar nas de adolescentes que o demandámos com o so-
Ser mais consciente que a nostalgia nho lindo e acarinhado de sermos missionários – o
Que, aos poucos, me fez acabrunhar. único caminho possível, nessa época, para chegar
à cultura e ao conhecimento e ascender na vida a
Aprendi a viver em harmonia, patamares profissionais e sociais que seria impro-
Tal como no Convento de Tomar, vável atingir de outra maneira. Os valores assimi-
Até que as ilusões da vida, um dia, lados durante esses anos – como o sentido da res-
Pensaram em fazer-me vacilar. ponsabilidade, a necessidade do estudo, a discipli-
na mental e da ocupação do tempo, entre outros –
permitiram-me enfrentar, logo a seguir e progres-
Cresci mais e a vivência de um sucesso
sivamente, tarefas como o Curso Geral de Enfer-
Transpôs a porta do meu pensamento
magem (três anos), o Curso do Liceu (sete anos), o
Que já vagueava por outro mar...
serviço militar obrigatório (quatro anos e meio) e a
Licenciatura em Filologia Românica (cinco anos).
O ano finda e dá-se o regresso, Foi no seminário que fiz os primeiros contac-
Lá para a terra do meu nascimento, tos com a escrita e a música. Essa quase iniciação
De onde não deu mais para voltar!... permitiu-me, já adulto e profissionalmente estabi-
lizado, retomar o estudo dessas áreas e aventurar-
Francisco Manuel Morais me a compor e a escrever (livros que sempre têm
Rua de Sto. Ovídio Velho, 151 sido compostos e impressos na tipografia da Soci-
4430-222 Vila Nova de Gaia edade Missionária).
Tel. 227 118 156 / 279 342 604 (Soutelo) No campo da fé e da espiritualidade, também
os anos de seminário me apontaram o caminho que
sempre tenho procurado percorrer. Nunca tendo
perdido, por graça divina, a relação com Deus e
com a Igreja, pude aprofundar e alargar os meus
conhecimentos e o meu compromisso eclesial como
crente activo e empenhado.
Este testemunho escrito é expressão da minha
estima e homenagem à Sociedade Missionária e é
também gesto de gratidão àqueles que foram meus
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 254

educadores e professores, alguns já falecidos, e que De facto, o silêncio pode ser fecundo e criati-
fui reencontrando esparsamente. vo e dele erguer-se um “rumor novo” ou brotar uma
vida bela e feliz:

Apaguem-se os ruídos
e desça o silêncio
sobre os meus sentidos.

Acenda-se o fogo
de um rumor novo.
E da fonte frágil e rara
escorra o cristal de água clara.
(Eugénio Beirão, Pétalas e Rubis, Aveiro, 1995, p. 19)

Deus queira que tenham frutificado na minha


Prefeitura dos “grandes”, vida as coisas que Deus me terá sussurrado ao co-
em Cernache do Bonjardim (1955-1956). ração, nesses e noutros momentos de silêncio
ascético!
Dos colegas sinto saudades e poucos tenho re- Maio de 2002
visto. Procurei um há dois meses, no Algarve, que João Rodrigues Gamboa
não via há mais de 45 anos. Que pena não ser a Rua de S. Sebastião, 86 – 1.ºE
ARM mais procurada como espaço amplo e fecun- 3810-187 Aveiro
do de encontro, reflexão e compromisso cristão e Tel 234 425 697 // E-mail: joaogamboa@clix.pt
missionário!
O “silêncio rigoroso” marcou-me interiormente
e de maneira tão profunda que, há anos, sem rela- 19. TESTEMUNHO
ção explícita e consciente com essa experiência,
escrevi num poema: Ingressei na Socieda-
de Missionária em 1950
Amo o silêncio e saí em Agosto de 1958,
e anseio possuí-lo tendo frequentado nestes
irrecusavelmente anos os Seminários de
– como quem apetece Tomar, Cernache do
e bebe Bonjardim e Cucujães.
um copo de água fresca Nesse tempo ainda
em hora de canícula ardente. se vivia a ressaca da Se-
gunda Guerra Mundial e
Afastar-me do bulício a vida não era fácil para
e sentir o pulsar ninguém, muito menos para os dirigentes dos Se-
do coração, minários. Em Tomar, de modo especial, nunca me
o respirar brando faltaram os cuidados ou mesmo os alimentos, ape-
das coisas, sar dos meus 15/16 anos de idade.
o nascer Porque vinha já do mundo do trabalho, nunca
e o morrer tive dificuldade em aceitar as regras de convivên-
da emoção... cia que nos eram impostas, melhor dizendo, expli-
(Eugénio Beirão, Pétalas e Rubis, Aveiro, 1995, p. 19) cadas nas aulas de civilidade. Achava tudo aquilo
normal. Tinha de haver uma ordem estabelecida
para um bom convívio entre todos.
255 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

Vivi Cernache e Cucujães com alegria entre co- 20. O MEU TESTEMUNHO
legas e Professores. E com todos eles aprendi o que
de melhor se pode aprender: os valores humanos e Em 1950 entraria
cristãos. Estes, aliados à formação intelectual que para o Seminário de To-
gratuitamente recebi, permitiram-me vencer na es- mar este armista, Manu-
cola da vida as grandes dificuldades que, após a el da Silva de seu nome.
saída, encontrei. Nasci a 30 de Maio de
Sempre mantive estreita relação com os mem- 1939 em Cernache do
bros da Sociedade Missionária e colaborei muito Bonjardim, terra do San-
fugazmente, quando funcionário da Câmara Muni- to Condestável, Nuno
cipal de Vila Nova de Gaia, em 1959/60, com o Álvares Pereira, cuja ele-
então Superior Geral, Padre Manuel Fernandes, e vação aos altares aguar-
com o Ecónomo-Geral, Padre Sequeira, quando foi damos para breve.
preciso desbravar alguma selva burocrática no Depois, em 1960, acontecer-me-ia, em
Departamento de Obras, para se iniciar a constru- Cucujães, a fuga, bem provada, do probandato.
ção do Seminário de Valadares, na Quinta do Pe- Mas, hoje, sou pai de três filhos e já avô de duas
nedo. encantadoras netas. Isto, graças a uma jóia de
E foi neste relacionamento que me tornei um madeirense que Deus pôs no meu caminho, tam-
membro activo (talvez pouco) da ARM. Passei a bém ali em Cernache, mas que eu só viria a encon-
frequentar as reuniões em Vilar do Paraíso, onde trar no aeroporto de Lisboa. Exactamente no local
funcionou temporariamente o Seminário, depois em do meu trabalho. (Ela descera de Cernache, onde
Valadares. Fui, através dos anos, membro de di- exercia como enfermeira, numa “casa” frente ao
versas Direcções e continuo a gostar de me encon- Seminário, e ia para Lisboa, a fim de comprar uma
trar e de conviver com a malta. passagem aérea para o Funchal. Eu era funcionário
Academicamente fiquei com a equivalência ao caixa da TAP, exercendo a minha função, no mo-
3.º ciclo dos Liceus. Lancei-me na vida. Fui em- mento exacto em que ela vinha pagar… O nosso
pregado por conta de outrém e desde 1968 tornei- encontro começou ali).
me industrial, juntamente com mais seis Armistas, Olhando para o passado, apetece-me dizer que
alguns dos quais já partiram para o Pai. sempre pertenci ao ministério das comunicações:
No momento em que se comemoram os 75 anos três anos nos CCT, mais trinta na TAP, com hipóte-
de existência da nossa Sociedade Missionária – Mis- ses de correr mundo, medianamente aproveitadas
sionários da Boa Nova, não posso deixar de lhe agra- por falta de “cum quibus”, e, é claro, nos primórdios
decer o muito que por mim fez e que por tantos outros da nossa juventude, os meus dez anos vividos nos
continua a fazer nos cinco Continentes, formando três seminários, a pensar em ser-se enviado para as
Homens de coragem, de convicções e de Fé. missões…
O meu bem haja num grande e apertado abra- Pensei que esta história valesse a pena ser con-
ço que enlaça todos os Membros desta Grande Fa- tada, porque quase todo o mundo dos nossos
mília Missionária espalhada por todo o Mundo: Pa- armistas passou por Cernache, minha saudosa ter-
dres, Irmãos e Irmãs Leigas e todos os demais co- ra, pois hoje habito nos arredores de Lisboa.
laboradores missionários. É-me verdadeiramente grato olhar para a
Madalena, 13 de Novembro de 2004 solidificação das nossas raízes. Recordo os meus
Joaquim Alves Pereira parentes, que não só os mais próximos. Todos te-
mentes a Deus e voltados para a divulgação do seu
R. Conde D. Henrique, 17
4405-739 Vila Nova de Gaia Reino. Os Padres Patrício, que eram ainda meus
Tel. 227 111 014 primos afastados, eram também “familiares” a toda
a geração a que pertencemos muitos de nós. Re-
cordo ainda aqueles dois padres transmontanos que
Deus já tem consigo: o Pe. Agostinho Rodrigues
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 256

que nos apontou, uma vez, o modo como se devia caloroso acolhimento dos Padres e a monumenta-
ler a imprensa – a Bíblia dos tempos modernos, lidade do edificio do Seminário, instalado no Con-
como dizia. E quem não tem saudades do Pe. Trin- vento de Cristo.
dade ou do Pe. Alfredo Alves, para só nomear al- Logo no primeiro dia, quando constituíram as
guns dos que Deus já tem? Deste, é destacável o prefeituras, eu apanhei um grande choque pois ví-
seu maravilhoso testemunho, como filósofo e pa- nhamos três de Peraboa e ficaram os outros dois
ciente, no leito que o levaria para Deus, após longo numa e eu, sozinho, noutra. Também é certo que
sofrimento. não seria fácil dividir os três por duas prefeituras.
Mas, e o que devesse dizer-se, em termos de O P. Manuel Abreu, também de Peraboa, na
loas, a respeito dos que ainda nos acompanham? altura já bastante doente, tinha tido alguma culpa
Tanto de padres como de leigos armistas. ou mérito na minha vinda para o Seminário mas
Este cantinho é pequenino demais para as nos- estava em Cernache do Bonjardim, bem como o
sas já longas histórias, eu sei. É muito bom que nos Júlio Abreu Gamboa estaria nos últimos anos de
vamos reunindo, já tão assiduamente, e agora se formação em Cucujães. O João Rodrigues Gamboa,
prepare este livro em que terei muito orgulho de como tinha feito o ano zero, estava numa outra Pre-
participar, se ainda for a tempo. Ele será um pode- feitura e, como não podia haver comunicação en-
roso meio de contacto entre as várias gerações do tre prefeituras, apercebi-me que iria fazer a cami-
grupo que nos enforma; e também com as várias nhada um pouco sozinho, pois só poderíamos fa-
casas dos missionários, espalhados já por quatro lar-nos nas férias em Peraboa. Não foi fácil mas
continentes. ultrapassou-se ao fim de alguns meses...
Parabéns à Sociedade Missionária da Boa Nova Ainda em Tomar, mas já no 2.° ano, estava o
e à ARM que está com ela. José António Sampaio e eu de serviço à capela e, à
03.Jan.2005 noite, enquanto os outros andavam no recreio em
Manuel Francisco da Silva frente à gruta, nós estávamos a preparar os para-
Rua António Sérgio, 10 – 1.º D mentos, na sacristia, para a Missa do dia seguinte.
2620-132 Póvoa de Santo Adrião Enquanto preparávamos os paramentos deu-nos
Tel. 914 321 919 para experimentarmos se já tínhamos corpo e altu-
ra para envergar uma casula. Para nós já não falta-
ria muito, mas não nos apercebemos que do lado
21. DE PERABOA PARA O de fora, naquela longa varanda, passeava o Reitor
SEMINÁRIO DE TOMAR e outros superiores que, oficialmente, não podiam
aprovar o que viam com toda a nitidez para dentro
Naquele fim de tarde da sacristia!... Quando acabámos a “nossa passa-
já bem distante de Setem- gem de modelos”, ouvimos umas pancadinhas no
bro (?) de 1951, chegáva- vidro da janela e um aviso muito curto e simples:
mos ao Seminário de To- “Amanhã vão ao meu gabinete!” Penso que foi a
mar três candidatos vin- noite mais longa e mais mal dormida de que me
dos de Peraboa -Covilhã, lembro.
acompanhados pelo pai No dia seguinte lá fomos e tanto o Sampaio
do João Cordeiro Tomás, como eu fomos seriamente advertidos e a nota se-
um dos do grupo; os ou- manal do comportamento veio parar a 10 e veio a
tros dois eram o José Vi- repercutir-se na informação trimestral que foi para
nagre e eu. Tínhamos sa- casa, o que me foi muito dificil explicar aos meus
ído bem cedo da nossa aldeia para apanharmos o pais, quando fui de férias... Sinceramente, ainda
comboio em Caria e rumarmos ao Entroncamento hoje tenho dúvidas sobre a gravidade deste acto e
e Tomar. À chegada, não é fácil desmontar todos se ele não poderia ter outro desfecho!...
aqueles sentimentos de saudade e angústia que nos Mas, para além destes episódios, fiquei com
invadiam, mas um facto nos impressionou logo: o um grande saldo positivo no aspecto da educação
257 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

da vontade e dos verdadeiros valores que nos de- para que fosse fiel a esse nobre ideal. Lembro-me
vem nortear em todos os momentos da vida. Aque- de que, enquanto estava no seminário, me escrevia
les quase seis anos acrescentaram-me muito os va- muitas vezes a activar o calor desse ideal e me di-
lores de família que já tinha como referência e fo- zia: “Tomara eu, um dia, poder acompanhar-te para
ram a melhor escola superior que podia ter frequen- as missões”... As suas cartas tinham timbradas as
tado para a minha formação humana e cristã. seguintes palavras: “Opportet Illum regnare”. Afi-
Entretanto saí. Cedo me cruzei com a Acção nal, foi ele que, mais tarde, pediu ao senhor bispo
Católica Rural, na Diocese de Lisboa, e nesse Mo- da Guarda para o deixar ir para as missões, e lá
vimento tenho realizado o meu compromisso em esteve ele a trabalhar durante vários anos, na diocese
Igreja. de Vila Cabral com o senhor D. Eurico Dias No-
Casei e tenho dois filhos. gueira.
Em 1991, em colaboração com a Acção Cató- O outro sacerdote foi o senhor padre José Lou-
lica de Lisboa, participei com um grupo de volun- renço Baptista, meu primo, reitor e professor de mui-
tários numas férias solidárias na Diocese da Guiné- tos de nós e cujos exemplos de fé, piedade, acção,
Bissau. Passados alguns anos, um dos meus filhos disciplina e organização lembrarei por toda a vida.
fez a mesma experiência integrado num grupo de Distantes vão os tempos desse Outubro de 1951
jovens. Este trabalho já levou à Guiné várias deze- em que deixei a minha família e a minha pequena
nas de grupos de jovens e adultos, num total de mais aldeia de Alcaria, entre as serras da Gardunha e da
de 200 pessoas, que já fizeram esta experiência Estrela, com a roupita toda marcada com o n.º 51,
missionária e levaram vários contentores de ajuda. pelas mãos e as lagrimitas de minha irmã Patrocínia.
Tudo isto será ainda o “bichinho” que apanhei E lá “embarquei” para Tomar, na companhia do meu
naqueles anos em Tomar, Cernache e Cucujães, primo Norberto Azevedo, que deixaria o seminá-
donde saí em Maio de 1956? Quem sabe ?... rio no 3.° ano, em Cernache do Bonjardim. Era um
João José Gamboa bom amigo, o Norberto. Alguém se lembra ainda
R. Joaquim da Silva Santos, 14 – R/C E do “Calebre”?... Dava uma boa história, mas o es-
2500-221 Caldas da Rainha paço é curto!
Tel. 262 823 698 / 919 927 001 As primeiras pessoas que vi no Seminário de
Tomar foram o senhor Pe. Alexandre de Sousa,
imponente e afável, o irmão Ribeiro alegre e
22. O MEU TESTEMUNHO bonacheirão e o nosso condiscípulo Joaquim Ma-
ria Ladeiras. Foi bem gravado na minha cabeça esse
Na comemoração do retrato... Depois, foi o dia em que me senti mais
75.° aniversário da nossa pequenino na minha vida... Uma ridícula criatura,
Sociedede Missionária, a caminhar nos majestosos claustros e corredores
seria injusto, da minha do Convento de Cristo... Cada dia, a partir daqui,
parte, não lhe testemu- dava para contar uma história, para fazer um teste-
nhar a minha gratidão por munho. Foi o receber dos primeiros livros, sobre-
quanto lhe devo, já que tudo dos dicionários de letra tão miudinha e que
fui seu aluno, desde Ou- deveria ser tudo para decorar, tal e qual como a
tubro de 1951 a Dezem- doutrina, lá em Alcaria.
bro de 1958.
Fui encaminhado Recordo os nomes, as imagens, as atitudes de
para os seminários das missões, devido às palavras todos os mestres e colegas com quem convivi du-
e ao exemplo de dois bondosos sacerdotes: o se- rante todos esses anos. Formámos grandes prefei-
nhor padre José Genro Carvalheira, ao tempo pá- turas em Cernache do Bonjardim e em Cucujães.
roco da minha aldeia, bem conhecido na Socieda- Gostaria de referir o nome de cada superior ou
de Missionária, que despertou em mim a estrelinha condiscípulo e dizer obrigado a cada um deles, pois
do ideal missionário e que sempre me incentivou foi com eles que eu cresci e formei o meu carácter.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 258

Não o posso fazer, mas quem ler este meu despre- Malhão a entoar: “Somos jovens, queremos lutar...”
tensioso escrito, tenha ele sido padre, irmão auxili- Pois, numa tarde de Dezembro de 1958, já bem
ar ou condiscípulo, fique certo que os lembro a to- chegado ao Natal, fui ao quarto do nosso reitor,
dos e com muita saudade. senhor Pe. Domingos Marques Vaz, para lhe co-
Das prefeituras que referi saíram grandes diri- municar a minha decisão de sair do seminário. Es-
gentes da ARM, como o António Moutinha tou mesmo a vê-lo: encolheu os ombros, como que
Rodrigues, o Quim Alves Pereira, o João Laia Car- a dizer-me: “Também tu, Sebastião... Também te
doso Sequeira, o João Rodrigues Gamboa, o Ma- vais embora?!” E pouco mais diríamos. Sei que,
nuel Albertino (“Mané Pinho”) e valorosos missio- quando dei por mim, já cá fora, a descer as esca-
nários como os PP. Casimiro, Manuel Sá Fernandes, das, me senti muito tranquilo, mas com lágrimas a
Artur de Matos, Manuel dos Santos Neves, João correr, cara abaixo...
Evangelista Catarino, Farinha, Norberto Pino, O senhor Pe.Vaz, pelo brilho dos olhos e pelo
Mamede Fernandes, Valdemar Dias, António Luís fulgor que punha nas palavras, nas homilias ou
e o incansável Viriato Augusto de Matos... Eles são conferências, parecia-me uma imagem viva de S.
as minhas estrelas! Francisco Xavier. Na verdade, os nossos superio-
Recordarei para sempre a alegria das nossas res tinham mesmo pena de nos verem sair do semi-
músicas do “Cantai ao Senhor”, do “Liber Usualis”; nário e tudo faziam para que nos sentíssemos feli-
das Vésperas, das missas solenes, das novenas e zes na vida e no ideal, que nos eram comuns.
grandes festas litúrgicas; do “gregoriano”, dos Por fim, quero deixar os nomes dos mestres e
“fabordões” e de toda a música polifónica. E das condiscípulos, de cujo falecimento tive conheci-
nossas orações tão simples, mas que serenavam a mento e que, por isso, recordo ainda com mais sau-
alma, como a que rezávamos ao iniciar cada dade: PP. José Alves, Alexandre de Sousa, Julião
deslocação: “Lembremo-nos de que estamos na Valente, João Pinheiro, José Patrício, Manuel
presença de Deus”, entoava o prefeito, ao que nós Abreu, Manuel Faria Gomes, Moisés, Aquiles,
respondíamos: “Adoremo-l’O”. E as romagens à Manuel Cristóvão, António Pereira, Alfredo Alves,
gruta de Nossa Senhora... Os meses de Maio... A Sequeira dos Reis, José Baptista, Manuel M. Cam-
apanha das cerejas... O aroma das tílias e o zumbi- pos e Agostinho Rodrigues... Que grandes mestres!
do das abelhas... As caçadas na quinta e as pesca- Que bons amigos! E ainda os nossos condiscípulos:
Norberto Azevedo, António Mendes Laia, José
Coelho Sampaio, Fernando Cepeda, Padre Armindo
Lima e Padre Norberto Pino... Que belos ramos da
árvore que nós éramos!
O ideal missionário é, mesmo assim, estrelinha
que continua a brilhar na minha vida e certamente
na vida de cada um de nós, de maneiras diferentes
e da forma de que somos capazes. Não foi inútil
que a boa semente tenha caído neste bocadinho de
terra. Os caminhos são diversos, mas a “Messe” é
a mesma e imensa.
E aquela oração da “formatura”: “Lembremo-
nos de que estamos na presença de Deus” é de marca
e para toda a vida, como a do “Santo Anjo do Se-
nhor”, com que terminavam sempre as nossas ora-
ções comunitárias.
rias na ribeira... As aulas de Química, com o se- Depois de tantos anos, não me considero um
nhor Pe. Baptista, de Filosofia com o senhor Pe. homem de grande sucesso, como vulgarmente se
Alfredo Alves, de medicina com o senhor dr. Pi- entende. Casei, tenho mulher e dois filhos. Traba-
nho... E a Academia de S. João de Brito, com o Zé lhei num Banco durante 37 anos e estou reforma-
259 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

do. Com 64 anos de idade, ajudo como posso nesta estava ali a fazer. Lá expliquei o sucedido, paguei
paróquia de Almada, onde resido, procurando ligar o respectivo bilhete e fui rebocado para uma carru-
a vida à Vida da Bíblia e à Liturgia. Dedico parte agem de gente, lá bem adiante.
do meu tempo ao “canto coral polifónico”. E isto No Entroncamento, consegui mudar de com-
tudo é muito absorvente, mas reconfortante. boio sem engano. Com a mala e o cobertor enrola-
Obrigado, Sociedade Missionária. Obrigado a do, qual campista dos tempos de hoje, cheguei ao
todos os mestres, irmãos e condiscípulos. Parabéns grandioso Convento de Cristo, onde fui despejado,
pelo 75.° aniversário! Deus queira continue a se- tal como outros beirões, numa grande camarata, algo
mear boas sementes, na certeza de que darão bom sombria e austera, como num quartel. Era um lugar
fruto a seu tempo. E sem angústias – porque só Deus onde se respirava disciplina e austeridade e onde co-
é grande e aqueles que hão-de fazer a ceifa podem meçávamos a sentir saudades da terra e da família.
não ter sido os que semearam o trigo, mas o Se- Em todo o caso, nesse dia, não comemos mandioca,
nhor é o mesmo! como alguém de família nos tinha anunciado.
José Alves Sebastião Nos dias seguintes, a comida era bastante boa
Av. D.Nuno Álvares Pereira, 33-R/c. Dto. e, aos domingos, até tínhamos direito a um peque-
2800-179 Almada no copo de vinho branco, colhido nas vinhas e la-
Tel. 212 753 395 tadas próximas que ladeavam os recreios.
Habituei-me à disciplina do estudo, do silên-
cio e da oração sem dificuldade. Devo dizer que
23. TESTEMUNHO gostava dos recreios que ficavam situados no cam-
po, o que era bastante do meu agrado.
Corria o ano da gra- Tanto Tomar, como Cernache, como Cucujães
ça de 1952, considerado tinham uma particularidade: a poética gruta de
pela Igreja Católica como Nossa Senhora de Lurdes. Todas as semanas, se-
Ano Santo. Duma aldeia, guíamos, em procissão até à gruta, entoando e can-
Vale de Estrela, pérola tando alegremente hinos à Virgem Maria. Ainda
encastoada numa das ecoam na minha memória esses cânticos, de sabor
montanhas da Serra mais paradisíaco.
alta de Portugal, parti, a Recordo-me dos jogos dos recreios: o futebol,
cavalo, para apanhar o a barra, a tala, o berlinde e a dança dos pauliteiros
comboio na estação mais de Miranda, quando fazia mau tempo. Recordo-me
próxima, rumo ao Semi- dos magustos, ou eu não gostasse tanto de casta-
nário das Missões de Tomar. nhas! e não fosse da região das castanhas, o distri-
Era madrugada, caminhando iluminado apenas to da Guarda!
pelas areias brancas espalhadas ao longo da estra- De vez em quando, fazíamos teatro, nas festas
da de terra batida. Quando cheguei à estação, a e nas deslocações às aldeias vizinhas, do que eu
máquina do comboio apitou ruidosamente, com o gostava bastante e para o qual tinha algum jeito,
som a ecoar pelas encostas das serranias mais pró- segundo confessavam os superiores e o público.
ximas. Recordo-me dos passeios grandes que, em par-
Foi por um triz que não perdi o comboio. E a te, eram financiados com a venda da tília que nós
única carruagem que consegui apanhar foi o vagão próprios colhíamos, nos meses de Verão, na aveni-
de mercadorias, para onde subi apressadamente e da das tílias, cheia de sombra e de perfume.
onde um familiar amigo conseguiu deixar a minha Tudo nos deixou saudade; até a disciplina e a
bagagem. austeridade, que começavam logo às 6 da madru-
Quis DEUS que não perdesse o comboio e che- gada, com o toque da sineta e com a voz do prefei-
gasse ao meu destino, em boa hora! to a rezar, em latim, “Benedicamus Domino!”, e
Passsado algum tempo, surgiram no vagão em nós, ainda estremunhados, a responder: “Deo
que seguia os funcionários da CP a perguntar o que gratias!”
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 260

Tivemos a sorte de ter sempre professores com- do tribunal de trabalho de Setúbal, de Subdelegado
petentes que, no campo das humanidades, nos dei- do Ministério do Trabalho em Vila Franca de Xira,
xaram bem preparados, de tal modo que, ao fazer e de técnico Jurista do mesmo Ministério, na Praça
os exames do 5.° e do 7.° anos, no liceu da cidade de Londres em Lisboa.
da Guarda, foi possível ficar dispensado. Neste momento, já me encontro reformado, fa-
E a filosofia, ministrada em Cucujães pelos sau- zendo um pouco de advocacia, nos momentos
dosos professores Pe. Agostinho Rodrigues e Pe. dísponíveis.
Alfredo Alves, que nos deixaram também bem pre- Antes de terminar este testemunho, queria
parados, neste domínio, para estarmos à vontade, dizer que é com nostalgia que recordo os mo-
nas mais diversas situações desta vida complexa e mentos vividos nos Seminários das Missões da
difícil. Boa Nova e que o sentimento genuíno que
Ao chegar à Universidade de Coimbra, tive que irrompe de mim não pode deixar de ser um sen-
fazer exame de aptidão para me matricular em di- timento de viva gratidão para com a Instituição
reito, mas, felizmente, não foi difícil porque a boa que nos formou em tantos domínios: intelectual,
preparação, nas cadeiras nucleares, latim e filoso- moral e religioso.
fia, permitiram a dispensa do exame oral. OBRIGADO! aos seminários da Boa Nova
A alegoria das sombras da caverna no idealis- que nos fomaram e nos deixaram na consciência
mo de Platão, sobre o conhecimento, tinha ficado a marca indelével da obrigação de evangelizar,
bem percebida no seminário de Cucujães, para que conforme o lugar e as circunstâncias de vida. É
o exame se tornasse relativamente fácil. preciso lembrar São Paulo: “Ai de mim, se não
Foi também em Cucujães que, ao ler a Apolo- evangelizar”.
gia de Sócrates, escrita pelo seu discípulo Platão, Lisboa, 8 - 12 - 04
aprendi quão grande deve ser a nossa humildade Joaquim Costa Nunes
frente à grandeza do Universo e ao mundo do co- R. Cidade de São Paulo, 11 - 6º E
nhecimento. Ele, Sócrates, um modelo de filósofo, 2685-190 Portela LRS
de pensamento genial, a defender-se perante o tri- Tel. 210 874 050
bunal ateniense, afirmando: “Só sei que nada sei”.
Mais tarde, pude saber e compreender com mais pre-
cisão a frase lapidar de Sócrates, ao ler Karl Popper, 24. ENTRO EM TOMAR EM 1952
filósofo vienense dos nossos tempos. Sócrates afir-
mou, em sua defesa, ao tribunal ateniense: “Só sei Depois de o venda-
que nada sei e nem mesmo isso sei”. val descolonizador passar
Tanto Sócrates como Platão, defendiam que só por Moçambique, tive de
os mais sábios, os melhores, os que estavam me- regressar a Portugal com
lhor preparados deviam ter a seu cargo o governo a família e, ainda com o
da nação. vigor dos 40, comprei um
Parece-me que os nossos políticos dos tempos terreno nos arredores da
de hoje deviam ler os ensinamentos destes filóso- cidade de Coimbra, numa
fos da antiguidade. Entretanto, veio a guerra colo- encosta virada para o vale
nial em África, onde prestei serviço militar, em e encosta de Eiras. No
Angola, como alferes da força aérea. Aí, encontrei fundo do terreno, e de-
um mundo de dificuldades, mas também um mun- pois de feita a casa, desbravei a terra que sobrou e,
do de gandes espaços abertos, cheios de luz. Havia depois de bem cuidada a terra, plantei árvores. Bem
riscos, mas foi uma experiência única que só podia tratadas no princípio, desprezei-as durante uma boa
acontecer nessa idade. meia dúzia de anos. As silvas, ervas e caniços to-
Concluí o curso de direito. Desempenhei as fun- maram conta do terreno. No fim do ano passado,
ções de delegado do procurador da República no resolvi procurar as árvores: algumas já nem rastos,
Minho, de magistrado do Ministério Público junto uma ou outra abafada com as silvas e uma – só
261 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

uma – resistiu e tinha mais de três dezenas de boas 25. O MEU TESTEMUNHO
laranjas. Vi nisto muitos retratos de vida... Inclusi-
ve a minha! Chamo-me Afonso
Ao fim duma amena tarde de Domingo do Ve- Marcolino Andrade, resi-
rão de 53, quando o sol já passava para lá das Ca- dente em Gulpilhares –
pelas Imperfeitas e da gruta de Nª Senhora, ao fun- Vila Nova de Gaia, junto
do do campo da bola, e já parecia poisar para lá ao Seminário da Boa
dos Pegões, um grupo de meninos corria, gritava e Nova (Valadares).
brincava, em frente da Charola do Convento de Frequentei o Semi-
Cristo, em Tomar, sob o olhar atento do Prefeito. nário de Tomar no ano de
Andava por ali um casal de idade já madura e, ven- 1953/54. Era Reitor o Pe.
do aquele grupo de meninos alegres, disse ao Pre- José Mendes Patrício,
feito: “Vão ser um dia missionários!” Eu estava no Vice-Reitor o Pe. Manu-
grupo, ouvi e até hoje tenho essa imagem gravada el Abreu. Lembro-me ainda dos padres Cristóvão,
no arquivo da minha memória. Aquiles e Soares.
A afirmação do casal não se cumpriu em mim, Do meu ano, parece-me que só se formou o
mas, graças a Deus, um bom número desses meni- Pe. Armando Soares, conhecido de todos nós. Lem-
nos alegres chegou ao fim. Esses meninos chega- bro-me do Mesquita. Que será feito dele? Fiz um
ram ao Convento de Cristo, em Tomar, em 1952. concurso de perguntas sobre religião (Bíblia). Ele
Um ou dois meses antes do Natal, em Cernache ficou em primeiro lugar e eu em segundo. O prémio
do Bonjardim, eram seleccionados os alunos com foi uma caneta de tinta permanente. Estive com o
melhor caligrafia para escreverem cartas a amigos Raimundo no Congresso da ARM, no Seminário
e benfeitores do Seminário, a pedir lembranças para da Boa Nova, em Maio de 2002. Não o conheci,
o Natal. Chegou o dia da entrega das prendas e foi ele que me reconheceu. Também esteve presen-
coube-me uma lanterninha redonda, de pilhas. Que te o Pe. Armando Soares. Não me lembro de mais
maravilha de prenda!... Nessa noite, na camarata ninguém do meu ano.
lá em cima, virada para a avenida das tílias e ao Foi sempre um marco na minha vida a passa-
lado do octógono, já deitado, cobri a cabeça com gem pelo Seminário. Foi com emoção que o visitei
as mantas e acendi várias vezes a lanterninha bem mais tarde. Ainda no mês de Setembro último o
debaixo das mantas, não fosse o Prefeito ou os vi- visitei por fora, assim como o campo de futebol,
zinhos do lado ver... lembrando passagens a quem me acompanhava na
Durante várias noites, foi uma alegria acender ocasião.
aquela luz. Que maravilha! Agora frequento muitas vezes o Seminário da
Ainda em Cernache, quem não se lembra dos Boa Nova, em Valadares, do qual sou colaborador.
passeios ao rio Zêzere, ajudando a levar o panelão
de arroz, no carrinho de duas rodas, e, na volta, Afonso Marcolino Andrade
rezando o terço pelo caminho fora!...
E já agora... Quem abriu comigo a porta que Rua Belos Ares, 192
dá para a quinta, para irmos apanhar peras e uvas? Cx 613
4405-621 Gulpilhares VNG
Que grande aventura, não fomos descobertos...
Tel. 227 622 689

Coimbra, 9 de Janeiro de 2005


José Farinha Lopes

Estrada Logo de Deus, 46


Adémia
3020-268 Coimbra
Tel. 234 439 479
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 262

26. TESTEMUNHO ta de que o Concílio Vaticano II tinha introduzido


profundas alterações e tomando consciência de que
Nasci numa família os Padres não são os únicos responsáveis pela Igre-
católica e desde criança ja, mas que também os leigos são uma parte da Igre-
senti-me atraído pelo de- ja e que, por isso mesmo, devem assumir, em cada
sejo de ser missionário dia, a parte da responsabilidade inerente à sua vo-
para poder levar o Evan- cação no mundo. Tudo isto teve um impacto muito
gelho a gentes muito dis- forte no despertar da minha consciência cristã, ao
tantes da minha terra. Ini- reafirmar e explicitar, de modo inequívoco, que
cialmente fui para o Se- todos os leigos em razão do baptismo são chama-
minário dos Salesianos, dos a participar, à sua maneira, na tríplice função
em Mogofores, no ano de de Cristo: sacerdote, rei e profeta. E esta identifi-
1952, onde estive apenas esse ano, não conseguin- cação com Jesus Cristo constitui a essência da ple-
do adaptar-me. Regressado a casa, o meu primo na vocação e dignidade dos fiéis leigos e da sua
Padre Regal diligenciou no sentido de ir para a comunhão e participação na missão da Igreja Ca-
Sociedade Missionária da Boa Nova para o Semi- tólica e, portanto, somos todos corresponsáveis da
nário de Tomar, entrando para o 2.° ano, em 1953. Igreja e a tarefa da missão e evangelização cabe a
Os anos decorriam alegres e felizes e precisa- todos, porque todos fomos chamados à santidade.
mente na altura da minha vida de Seminário em Toda esta descoberta foi para mim um assom-
que me sentia mais perto do Senhor, em que sentia bro, foi como um mundo novo que se abriu diante
desabrochar em mim a vocação de ser Padre e se de mim e, portanto, reacendia-se dentro de mim o
tornava mais viva esta aspiração de ser missioná- desejo e a aspiração de voltar a ser missionário,
rio, fui compelido a deixar o Seminário, exacta- anunciador da Boa Nova, na minha condição de
mente no Seminário de Cernache de Bonjardim, leigo.
no 5.° ano, em 1956, em circunstâncias dolorosas Por outro lado, percebi que, para evangelizar,
e traumatizantes que durante algum tempo afecta- preciso primeiro, e acima de tudo, ser evangelizado.
ram a minha vida. Mas, felizmente, graças à fé e ao Ninguém pode dar aos outros o que não tem. Te-
apoio dos meus familiares, sobretudo da minha mãe, nho que primeiro encher o meu coração do Senhor
consegui com o decorrer do tempo curar essa feri- Jesus. A boca fala do que transborda do coração.
da que tanto me doeu e, hoje, recordo com viva Para ser testemunha não posso falar de algo que
satisfação muitos dos momentos agradáveis vivi- não conheça em profundidade.
dos no Seminário que indubitavelmente marcaram Por isso, tinha necessidade, antes de mais, de
para sempre a minha vida. Por tudo isso, dou gra- experimentar, viver o verdadeiro encontro com
ças ao Senhor e manifesto o meu agradecimento à Aquele que nos chama, estabelecer com Ele uma
Sociedade Missionária da Boa Nova, deixando aqui relação de intimidade profunda, para depois, en-
expresso o meu reconhecimento e também o meu tão, ser enviado como apóstolo de Jesus Cristo.
testemunho. É verdade que, após a saída do Semi- Foi isto o que procurei e efectivamente encon-
nário, passei por alguns momentos de crise e de trei nas Oficinas de Oração e Vida. Aprendi a en-
aridez, mas com persistência e determinação fui trar, pouco a pouco, na relação pessoal com o Se-
gradualmente superando esses obstáculos, quer de nhor, a estabelecer, na fé e no amor, uma relação
ordem religiosa, quer de ordem económica e pro- de intimidade e profundidade, começando pelos
fissional, mercê da formação que recebi no Semi- primeiros passos, continuando por uma variedade
nário. de modalidades ou de diferentes modos de relacio-
Entretanto, conheci a Isménia com quem casei namento com o Senhor, até submergir no insondá-
e temos três filhos, dando-lhes a educação cristã. vel abismo da contemplação.
Também, devido à formação recebida no Se- Para mim é importante a oração para a missão
minário, procurei estudar e aprofundar alguns do- evangelizadora, uma oração feita de silêncio e de
cumentos do Magistério da Igreja, dando-me con- escuta desse Deus que, em Cristo, ama todos os
263 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

homens e quer que todos cheguem ao conhecimento Agora aqui era tudo diferente, principalmente
da verdade. se pernoitasse na camarata do primeiro andar. Se
Por isso, neste momento eu e a Isménia, em pelas 3 ou 4 horas da madrugada tivesse necessi-
casal e na qualidade de leigos, somos responsáveis dades, teria de vestir as calças dentro da cama, en-
pelas Oficinas de Oração e Vida, a nível da Coor- fiar os sapatos, sair da camarata, atravessar um lar-
denação Zonal Luso-Africana, abrangendo Portu- go corredor onde, ao fundo, pontificava, em tama-
gal e os países africanos de expressão portuguesa. nho natural, um Cristo crucificado alumiado por
Quando verdadeiramente se tem conhecimento de uma lâmpada, e meter-se num estreito labirinto es-
um Deus vivo e pessoal, se faz a experiência do curo, frio e molhado, entrar num pequeno cubículo
encontro com um Deus infinitamente misericordi- a que chamavam casa de banho, com um buraco
oso que nos ama incondicional e gratuitamente, aberto no chão e que dava para um subterrâneo...
então brota em nós a força do Espírito para Esse pequeno cubículo tinha uma porta com fecha-
evangelizar e sentimo-nos impelidos a irradiar e a dura e que àquela hora, mesmo que estivesse sozi-
comunicar o mistério pascal, a Boa Nova de Deus nho, teria de ser fechada à chave ou ferrolho para
ao mundo actual, onde quer que seja. recato e pudor de quem se estava a servir. E
E assim tenho a plena consciência de que se lembrarmo-nos, agora, que naquela Casa se esta-
aplica a mim aquele adágio popular: “Deus escre- vam a formar crianças que amanhã seriam homens
ve direito por linhas tortas”. Não deixei de ser fiel que seriam mandados para terras de missão onde
à minha vocação de missionário e de evangelizador, não encontrariam homens e mulheres, lá nascidos,
não como eu queria, mas sim como o Senhor quer, vestidos com fatos a preceito, mas sim e apenas
não como Padre, mas sim como leigo. com uma única peça de roupa da cintura para bai-
Seja feita a Sua vontade. xo cobrindo as suas partes mais íntimas...
António Francisco Tavares Regal E, agora, a criança, desanuviada, tiritando de
Rua Bartolomeu Dias, 2 – 7.º Dto. frio e de medo, voltar para a sua cama, até que uma
2685-187 Portela LRS sineta, ainda o sol está no primeiro sono, a acorda-
Tel. 219 447 746 rá e lhe lembrará que tem mais um dia pela frente
para a sua aprendizagem.
Leccionavam naquela turma vários professo-
27. A DEFESA É CASTIGADA res, todos competentes e todos com o seu feitio.
Ali não havia lugar para cunhas ou alvíssaras. Sa-
Quando, por vocação bes? Passas!! Estudas? Tens lugar!! És desleixado?
ou conveniência de servi- A porta que te deixou entrar também se abre para
ço, se entra na nobre mis- saíres. E as notas comportamentais, lidas todas as
são de ensinar, deverá ter- semanas, em alto e bom som, perante todos, não
se em conta que: ou se deixavam sombras para o avaliador de que estava
toma, logo de início, uma tudo correcto. Que grande farsa! Não se compre-
atitude firme de autorida- ende que alunos cujas notas trimestrais eram de 13
de, sem cair no “posso, e 14 pudessem ter 10 ou 12 no comportamento es-
quero e mando”, ou se tudantil! Feitios!!!
deixa embalar pelo modo Um professor havia que, a explicar e a corri-
como a turma quer ou gir, era impecável; e então na disciplina que quase
tenta ser. Uma turma de 25 alunos na idade dos 12, todos temem: Matemática. Porém, se mostrava um
13 anos, arredados do seio familiar, onde tudo, ou sorriso, da parte da turma era uma gargalhada; se
quase, lhes era servido – desde o levantar pelas 8 era um riso mais aberto devido a alguma azelhice,
horas, deitar quando quisesse, com a roupa lavada havia lugar a uma algazarra, os alunos tinham-no
sem ter o cuidado de a mandar para a lavadeira, embalado. Podia ele gritar alto e bom som: “Ca-
cama feita, almoço na mesa e até o bacio debaixo lem-se! Vamos ao trabalho!” e logo as perguntas
da cama para as suas necessidades primárias. caíam: “Sr. Padre, explique melhor! Diga outra vez!
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 264

Este x não é igual a este número!” E assim por meu posto de guarda-redes, ficaram célebres as parti-
diante. das do jogo da tala. Depois, a quinta com as vinhas e
Quando, certo dia, tudo isto já estava a passar as hortas e o irmão que tomava conta delas cujo nome
as marcas e um aluno dos mais pequenos se levan- já me esqueceu. O Pe Patrício.
ta da carteira e grita alta voz: “Calem-se!!! Não Em 1958, entrei triunfante em Cucujães. Ia
aborreçam mais o homenzinho!!!”, o professor, do aprender Filosofia. Que saudades das aulas do Sr.
alto do estrado, lança um olhar carrancudo sobre o Pe Alves! Como me fez despertar com os seus
defensor, que, encolhido no seu lugar, mais pare- ensinamentos para a realidade da vida! Com o ma-
cia um condenado à morte! E, no meio do silêncio estro Pe. Silva Pinto, arruinei um pouco, entre a
que se seguiu, ouviu o que nunca pensou ouvir: vaidade e a necessidade de suportar o naipe de te-
“Homenzinho, eu?” e sem mais demoras: “Rua!!!” nores, a minha bela voz que, no entanto, ainda con-
E o catraio, com os olhos cheios de lágrimas, tinua a deliciar quem me queira ouvir cantar a
abandona a sala de aulas e durante muito tempo foi o Samaritana ou Coimbra é uma lição. Não resisti à
bode expiatório daquela turma. Mas um miúdo com leitura escondida, em tempos de férias, de Eça de
12 anos a olhar para o professor, que talvez tivesse Queiroz, donde retive a célebre frase, creio que de
27, e vê-lo com aquela barba em toda a cara, devia- Jacinto em A Cidade e as Serras: “Que me importa
lhe parecer não um homenzinho, mas um homenzão. o mundo se a digestão me pesa?”. Esta e outras
Tudo isto se passou no já longínquo ano de deixas queirozianas deram corpo às minhas redac-
1953/54, em Tomar. O aluno era o Raimundo e o ções de tema livre para as aulas de Português, o
professor, Carlos Martins Soares, a quem daqui que me trouxe alguns dissabores por me querer afir-
endereço os meus cordiais cumprimentos. mar como um racionalista no realismo da vida. No
20.10.2004 campo de futebol, fizemos aprendizagem de andar
António Raimundo Amado de bicicleta. A minha estreia ficou marcada com
Largo da Capela uma saída de campo, tombando da parte mais alta
Avessada da parede e dando entrada no hospital, parece que
3150-215 Condeixa-a-Velha apenas magoado sem nada ter partido!
Tel. 239 942 348 Nas férias do 8.° ano, conheci uma moça que
me virou a cabeça do avesso, acicatado pelo calor
do verão, o peso da puberdade, o cheiro forte a
28. A FORÇA DE UM TESTEMUNHO giesta negral e a rosmaninho da Serra da Gardunha,
onde ela tomava conta de crianças numa Colónia
Sou o Francisco Antunes Domingues, de infantil. Regressado ao Seminário, convenci o Rei-
Louriçal do Campo, Beira-Baixa. tor, o meu conterrâneo Pe. José Valente, a abrir uma
Entrei no Seminário de Tomar, no dia em que excepção e a deixar-me frequentar Teologia sem
fazia 10 anos, 1 de Outubro de 1953. Logo dali são passar pelo Probandato, etapa para a qual não me
muitas as recordações que ficaram: o Convento e sentia nem atraído nem preparado. Concedido. Em
os seus claustros, a charola e o seu órgão, os pas- Teologia, com o Pe. Marques, doutorado em Estu-
seios pela cerca e pelo aqueduto dos Pegões, a ida dos Bíblicos pela Universidade de Roma, as mi-
à igreja da cidade em tempos pascais, o campo de nhas discussões eram permanentes devido à con-
futebol com a gruta de Nossa Senhora ao fundo, o testação sistemática, logo a partir do Génesis, com
belo pão com manteiga, o queijo e o leite da Cáritas a Criação do Mundo e nela a de Adão e Eva conde-
ao pequeno almoço... nando, com o seu pecado original, a humanidade
Em 1955, rumei a Cernache do Bonjardim. Mais ao trabalho e ao sofrimento. Aguentei, aguentaram-
espigadote mas novato: era o mais novo do curso. O me um ano. No 2.º ano, mal cheguei a entrar, já
que logo me salta à mente é a gruta de Nossa Senhora com um dia de atraso, e a dormir, pois regressei ao
onde íamos todos os sábados em romaria. Passáva- “mundo” num dos dias seguintes, indo directamente
mos pelo campo de futebol onde, além desse jogo de para Castelo Branco onde, no mesmo ano, tirei o
que guardo recordações num dedo torto contraído no antigo 5.º ano de Ciências e Letras, com a ajuda do
265 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

Director do ISA, que me deixou frequentar as au- ram determinantes para mim e para a clarividência
las de Física e de Matemática já entretanto esque- com que vejo e sinto agora as coisas, do átomo ao
cidas, e fiz o sétimo de Letras. Dispensei ao exame Universo, do Homem a... Deus!
de aptidão para entrada na Universidade de Letras A todos, sem excepção, mesmo aos meus cole-
de Lisboa, e ali me licenciei em 1968. Depois, foi gas de que não menciono nomes para não ser in-
um ano no Liceu Camões, três anos de serviço mili- justo para com aqueles de quem me esqueceria, o
tar, dois deles em Nampula, trinta e dois anos de pro- meu imenso obrigado. Imenso, embora de certeza
fessor no Colégio Militar, durante os quais me dedi- pequeno, como pequeníssimo que sou,
quei à publicação de livros para o ensino do Francês. pequeníssimo é o Homem na Terra, sendo esta pe-
Agora, reformado, vou escrevendo... filosofias quena no Sistema Solar, o Sol pequeníssimo na
da vida, na tentativa de encontrar a Verdade, nas Galáxia, a Galáxia pequeníssima no Universo, não
dicotomias Ciência e Religião, Deus e o Homem, havendo Ciência capaz de provar que o Universo
o Bem e o Mal, o Espaço e o Infinito, o Tempo e a não seja infinito! E, se infinito, eterno! E como só
Eternidade. O primeiro “filho” de tais escritas cha- Deus é e pode ser infinito e eterno, por Sua própria
ma-se O EU CÓSMICO, publicado pela Europa- definição, e porque dois infinitos ou eternos não
América. Para alguns que já o leram, apaixonante! cabem senão um dentro do outro, sendo ambos um
Não sei o que seria se não tivesse tido a sorte de só, teremos um panteísmo universal! Uma fanta-
ter estado na Sociedade Missionária. Outro, certamen- sia, dirão uns. A Verdade, dirão, a meu ver, os que
te que não eu, pelo menos no pensar, que no corpo... raciocinam e têm uma visão não de espaço mas de
não haveria grande jeito a dar-lhe! Nesta etapa da Infinito, não de tempo mas de... Eternidade!
minha vida, tendo lido António Damásio nos seus li- Para o leitor, o desafio da procura!
vros sobre o cérebro, Carl Sagan sobre os mistérios e
as leis que regem o Universo e a vida, e muitos ou- Francisco Antunes Domingues
tros, tendo-me apaixonado pelas Ciências da Vida e
Rua João de Freitas Branco, 24 – 6.º Dto.
do Cosmos, sinto que a minha formação de menino a 1500-359 Lisboa
todos os níveis e a filosofia e teologia aprendidas e Tel. 217 262 327 / 969 209 018
discutidas, na juventude, com aqueles “crânios”, fo- E-mail: rdd75218@mail.telepac.pt

Aos dezoito anos! Aos sessenta anos! Na eternidade!...


A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 266

29. TESTEMUNHO MUITO SENTIDO Aulas e refeitório,


Corredores e jardins,
Tive em criança, por Recreios e dormitório!
circunstâncias várias, o
então raro privilégio de E à tarde, tardinha,
“ir estudar” para longe. E Como era bonito
estudei. (…) Ver uma andorinha
À sombra dos claus- No azul do infinito!
tros decorreram alguns
anos da minha vida. Os Adeus, árvores frondosas,
primeiros da minha for- Grandes, esbeltas, floridas.
mação. Eles deixaram em Adeus, perfume das rosas,
mim marca indelével. Sorriso das nossas vidas.
Habituei-me a amar o Criador do Universo, o
próprio Universo e os homens, quando são Homens. Adeus, manhãs afogueadas
A Cernache do Bonjardim, quando me despedi De rosado sol-nascente;
do seminário e transitei para Cucujães, escrevi na Azuis, brancas, encarnadas,
juventude Ó manhãs orvalhadas,
Adeus, adeus para sempre!
UM ADEUS
Ó aurora branqueada,
Adeus, Bonjardim! A tua face rosada
Meu jardim, adeus… Eu quero contemplar!
Inunda-me, doirada,
Terra de sonhos e cantares, De branca luz refulgente,
De pombas voando nos ares Enquanto eu, sorridente,
Cheia de flores, sorrindo, Escuto, pelos ramos da folhagem,
És berço a embalar Ao leve sopro da aragem,
Corações que vão abrindo… Os teus rouxinóis a cantar.
Cheia de sol e de luar, Adeus, noites calmas, silenciosas,
De nuvens brancas, doiradas, Cheias de estrelas formosas
– Oh! tardes perfumadas! – Que no alto espreitam a brilhar!
Tu, terra do Bonjardim,
Sempre cheia de beleza Brilhai sempre, brilhai agora,
No esplendor da Natureza, Que eu quero pela vida fora
Adeus! – sorri para mim! Vossa luz no peito guardar!

Na hora da partida Adeus, jardim bendito,


Minha alma ao Céu erguida De pequenas gotas orvalhado.
Vibra em teu seio dolente. Inunda de aroma infinito
Tu és bela, tu és linda Este pouco do meu passado…
Na frescura da manhã José Marques Farinha
E nas tintas do poente.
(Marques Farinha, Poemas da vida, Lisboa, Editorial Luso-
Como eu recordo encantado Atlântica, 1991, pp. 12-13 e 107-110)
A capela branquinha Praceta das Várzeas, 16-A
E o altar enfeitado! 2795-895 Queijas
O salão de estudos, Tel. 969 352 442
267 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

30. O MEU TESTEMUNHO a sol para manter a família em níveis mínimos de


subsistência, naqueles longínquos e bem difíceis
Transmontano, nasci- anos 40/50/60.
do em Carção (Vimioso), Foi o espírito de tantos colaboradores anóni-
em 1942, entrei em To- mos como o Pe. Amândio Lopes que fez crescer e
mar em 1954 e saí em afirmar-se a Sociedade que hoje temos. Para eles e
Cernache em 1958. Ade- para Ela, e por todos aqueles que o deviam fazer e o
ri à ARM em finais dos não fazem, o testemunho da minha eterna gratidão.
anos 70. Delegado vita- Francisco Costa Andrade
lício da Delegação de
Rua D, 174
Valadares, desde a sua Urbanização Bouça Grande
fundação. Aposentado da 4470-825 Vila Nova da Telha
C. G. de Depósitos. Ca- Tel. 229 423 234
sado e pai de dois filhos, moro na Maia desde 1975.

Entusiasta desde a primeira hora da publicação 31. O MEU TESTEMUNHO


deste livro, não podia deixar de dar também o meu
testemunho que, duma maneira sintética, frontal e “No fim do Verão
directa, se poderia resumir em dizer apenas: ES- vais para o Seminário,
TOU AQUI. vais estudar para Padre”,
Oriundo, como a quase totalidade dos alunos disse-me o meu pai em
da Sociedade nas décadas de 40, 50, 60 e 70, das jeito de sentença. “Sem-
zonas mais interiores do País, será neste contexto pre deve ser melhor que
que procurarei enfocar o meu testemunho. guardar cabras”, disse-
Como dezenas e dezenas de outros miúdos, lhe eu. E lá fui para o
devo a minha entrada na Sociedade à influência do Convento de Cristo, alti-
saudoso e inesquecível Pe. Amândio Lopes, natu- vo e com esperança, e
ral de Carção, que, porta a porta, fazia a mais au- depois para Cernache do
têntica dinamização missionária e ao qual nunca Bonjardim. Até que, quase quatro anos depois, o
foi reconhecido o seu espírito de missão e meu pai recebeu uma carta registada do Senhor
apostolado, tanto pela Sociedade como por muitos Reitor onde, entre outras coisas, dizia que seria
daqueles que ele encaminhou para lá. melhor para mim ser um bom cristão no mundo do
A ele deve o País intelectuais ilustres, brilhan- que um mau Padre. Na semana seguinte, fui ao
tes homens de leis, médicos famosos, militares Seminário entregar alguns pertences. Saí comovi-
competentes, empresários de sucesso e uma do por ter lá deixado a minha batina de que tanto
plêiade incontável de homens valorosos nas mais gostava. Uns anos mais tarde comprei uma toga,
diversas actividades, para os quais, pela sua ac- que ainda uso, e que se parece com aquela minha
ção e empenhamento, a Sociedade foi o trampo- batina.
lim que os potenciou para níveis de cultura e va- Entrei e saí do Seminário, em paz comigo e
lorização pessoal que seriam impensáveis para to- sem convulsões, mas não esquecerei nunca aque-
dos eles, de entre os quais, com toda a mosdéstia, les plátanos frondosos que se encontravam junto à
também eu me incluo. Quantas vezes ia o Pe. cozinha do Convento de Cristo nem a Quinta de
Amândio a casa dos pais para os convencer que o Cernache. A esses ambientes devo o meu actual
menino era esperto e devia ir para Tomar, que ele amor pela natureza. Da mesma forma, não posso
até conseguia que pagasse apenas 20$00 por mês esquecer aquela música gregoriana que esforçada-
de alimentação. mente fui aprendendo. É hoje e será sempre a mi-
Sim, a hoje irrisória quantia de 20$00, quantia nha música de eleição.
bem difícil de grangear por quem trabalhava de sol Mas foi também lá que aprendi a distinguir o
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 268

livre arbítrio de outros conceitos. De facto foi lá 32. SEPTUAGÉSIMO QUINTO ANIVERSÁ-
que aprendi que “o livre arbítrio é o dom mais ele- RIO DA SOCIEDADE MISSIONÁRIA
vado que o homem recebeu de Deus; se o homem
não possuísse livre arbítrio e fosse simplesmente Testemunho do Vieira de Sá
forçado a servir Deus, não haveria nem beleza nem
vida no homem e não haveria nem alegria nem gló- Seminarista
ria para Deus. É sumamente belo e precioso que o
homem sirva Deus e o ame com todo o seu coração No Verão os semina-
de livre vontade. Devido a esse livre arbítrio o ho- ristas chegavam para fé-
mem é supremo em toda a criação” (Princípios rias. Fatinho preto, grava-
Divinos, pág. 27). ta da mesma cor, camisa
Mas não foi só isso que lá aprendi. Julgo hoje branca, sapato preto en-
não ter dúvida que os princípios que enformaram a graxado, compostura e
minha forma de estar na vida tiveram origem nos boas maneiras. Ajuda-
Seminários da Sociedade que tive o privilégio de vam à missa, sabiam la-
frequentar. Foi também lá, penso eu, que descobri tim e francês, estudavam
a receita para poder ser feliz para sempre e que é: para ser padres. Os miú-
devo ser humilde, cumprir a minha missão e acei- dos gravitavam em torno
tar a vida. De facto, ninguém, por mais culto ou deles, com curiosidade e admiração. Com os semi-
rico que seja aos olhos dos homens, deve conside- naristas de férias, eram maiores os dias e maior a
rar-se superior aos outros, uma vez que basta um minha liberdade. Não havia hora estrita de chegar
grão de areia para deitar por terra os nossos projec- a casa, após a catequese à semana ou o terço ao
tos. É que grande, grande, é Deus Nosso Senhor. domingo à tarde, bastava dizer quando chegasse,
Por outro lado, quantos de nós falam, falam, mas andei com os padres, não havia processo
não cumprem a missão que a cada momento lhes inquisitório, ralho ou castigo. Ser padre era o me-
compete, porque é dificil?! Só o cumprimento do lhor da terra e do céu. Com ênfase e enlevo, uma
dever dará a tranquilidade ao homem de novos ho- tia minha dizia: “Que dita, uma mãe ter um filho
rizontes. Quantos, por esse mundo, cumprem a sua que faça descer Deus do céu à terra!”
missão e a dos outros! São os heróis do nosso tem- No inferno da tanoaria, o meu pai não me que-
po. Aconteça o que acontecer, terei que aceitar a ria. Decidira, quando acabasse a 4ª classe, iria para
vida, o bom e o mau que ela nos der, acreditando o Seminário de Tomar. No estudo das linhas férre-
na nossa condição humana. Por último, não resisto as, tive especial cuidado em reconhecer o percurso
a citar uma frase que li algures: “Cheio de Deus, de comboio até à cidade de Tomar.
não temo o que virá, pois venha o que vier nunca Em dois de Outubro de 1955, embarquei na esta-
será maior que a minha alma”. ção de Esmoriz, ia a manhã a mais de meio. Seriam
Continuo a acreditar nesta filosofia de vida e umas cinco horas da tarde, ou pouco mais, tinha tre-
em quem me ajudou a dar os primeiros passos, na pado as grandiosas escadarias do Convento de Cris-
estrada que devo percorrer. Por isso, os objectivos to. Tinha onze anos, ia engravatado e aprumado no
que presidiram à criação da Sociedade Missionária meu fatinho preto, já era seminarista. Agora era pre-
continuarão vivos para além dos 75 anos de vida ciso estudar e portar-me bem para não ser mandado
que comemoramos neste ano de 2005. embora. O sacrifício dos pais era grande e seria um
desgosto imerecido para eles, se me portasse mal ou
José Maria Ribeiro Novo me mandassem embora por outro motivo.
Rua Marquês de Fronteira, 117 – 2.º Esq.
1070-292 Lisboa Quero que sejas um homem
Tel. 213 879 258 / 966 183 744
Percebi cedo que o padre missionário era um
padre diferente do pároco da aldeia. Nas férias do
269 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

primeiro ano, um dia sentei-me ao lado do meu pai Fui para as Missões
que estava a ler um jornal e, com algum receio,
aproveitei a ocasião para lhe dizer: “Pai, no nosso Em Agosto de 1971, fui nomeado para as Mis-
seminário estudamos para ser padres missionários. sões, Região de Nampula. Em Outubro seguinte,
Um dia vamos para as Missões em África, não ga- parti do cais de Alcântara, no paquete Moçambique,
nhamos dinheiro como os padres das freguesias e rumo à província do mesmo nome. Vinte e tantos
não podemos ajudar os pais, se eles um dia tiverem dias depois, tinha à minha espera, no porto de
necessidade”. O meu pai disse-me: – Não faz mal, Nacala, o abraço caloroso e fraterno dos Padres José
quero é que sejas um homem! Patrício e Manuel Sá Fernandes.
Senti um alívio enorme. Pensei que o meu pai, O Pe. Manuel levou-me para a Missão de
amargando naquele inferno da tanoaria, sacrifican- Iapala, enquanto aguardava o Curso de
do-se tanto para me trazer no seminário, talvez es- Adaptação. Foi óptimo! Senti-me em família e senti
perasse alguma recompensa futura. Recebi uma li- a vida e o trabalho intensos de uma missão do mato.
ção de generosidade! Na missão cultivava-se tabaco, feijão e outros pro-
dutos agrícolas. A missão tinha o catecumenado, a
Esforcei-me para ser missionário escola com a 3.ª e 4.ª classes, o posto de enferma-
gem, a cantina. A Missão alimentava largas deze-
Tinha o aval paterno para ser missionário. Res- nas de bocas. O Pe. Manuel teria uns 32 anos, era
tava esforçar-me para o merecer e esforcei-me. ajudado pelo Irmão Edgar e pelas Irmãs Adelgundi,
Estudei, rezei, brinquei, interiorizei as Normas Dis- Ágata e Goreti, imprimia uma grande dinâmica à
ciplinares, fiz meditações e retiros pequenos e gran- Missão, estava um missionário em grande! Passei
des, um Probandato com espírito de asceta, tomei aquele Natal de 1971, em Iapala. Numa noite, a
banho em água fria no Inverno e dormi no chão e irmã Ágata foi chamada para acudir a um parto.
mais coisas que não são para aqui chamadas. Pelo Acompanhei essa missão de socorro. Quando che-
3.º ano de Teologia, comecei a ruminar dúvidas, gámos, que vimos ? Uma mulher de cócoras, com
vacilei na incerteza e estive à beira de desistir, mes- a capulana pendente dos ombros, na sua frente um
mo no fim do curso. bebé nascido, nu, sobre a terra nua, com sinais de
frio. O pai afastado mais para o lado, junto a uns
Prevaleceram os nobres exemplos, as palavras tições acesos. A irmã Ágata encarregou-me de fa-
de coragem de gente amiga e um apelo íntimo a zer o aquecimento do bebé com leves massagens,
dizer-me que o único sentido da minha vida era ela ocupou-se da mãe. A missão foi bem sucedida!
seguir em frente. E segui. Em Agosto de 1969, fui Um presépio vivo, acontecera Natal!
ordenado sacerdote, na Sé Catedral do Porto, pelo
Bispo D. António Ferreira Gomes. Nos dois anos Nesse tempo começava a ser questionado o
seguintes, trabalhei no Seminário de Cucujães, era modelo de missão seguido, que tinha por base eco-
professor dos alunos do 1.º e 2.ºanos, fiz parte da nómica a empresa agrícola, demasiado absorvente
Redacção da revista Boa Nova, redigia a secção de para o missionário. Nesse aspecto, era comparável
noticiário intitulada Horizonte, aos domingos a uma machamba, mas com fins distintos. A acção
coadjuvava durante toda a manhã, na Paróquia de S. evangelizadora assentava os seus pilares nas esco-
João da Madeira, o P. Aguiar. Lembro que no final do las do mato, à frente das quais estava o professor-
2.º Ano do Ciclo (1970/71), os nossos alunos foram catequista, na escola com sede na Missão para a 3.ª
fazer exame no Ciclo de Oliveira de Azeméis e a e 4.ª classes e no catecumenado, frequentado por
Matemática, a média total dos mais de 40 alunos, jovens que se preparavam para o baptismo e casa-
foi de 16 e umas décimas. Mereceram duas grades mento. Havia uma influência da Missão que não
de cerveja! (Hoje ofereceria outra coisa!) permitia que um cristão ou uma cristã se casassem
com não cristão. O não baptizado teria de se sub-
meter ao regime de catecumenado até se encontrar
preparado para o baptismo e casamento. As Irmãs
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 270

tinham um papel relevante na preparação das jo- Cipriano. Residiam numa casa construída com
vens para as responsabilidades domésticas, a pue- adobes de morro de muchém, humilde e acolhedo-
ricultura, a costura, a culinária faziam parte dos ra. Nas primeiras noites, fui por eles apresentado
ensinamentos ministrados. aos cristãos que habitavam mais próximo da Mis-
são. A sala de visitas era, invariavelmente, o ar li-
vre. A fogueira e o luar eram os confidentes daque-
las noites serenas. O padre novo recebeu os pri-
meiros mimos da hospitalidade africana, uma noi-
te cheguei a casa com sete frangos! O Senhor Bis-
po visitou a Missão, poucos meses depois. Fez-se
grande festa, que ajudei a preparar!

Centro Catequético do Anchilo

Estava a afeiçoar-me bem à vida de missioná-


rio do mato, mas o Senhor Bispo trazia outros pla-
Anchilo - A pastoral no mato estava a meu cargo.
nos. Acompanhei-o no regresso a Nampula, com
Era uma missão todo-o-terreno. guia de marcha para o Centro Catequético do
Anchilo. Fiquei com a redacção da Vida Nova, um
Evangelizar era também civilizar, as Missões boletim mensal, que tentava reflectir os valores do
tinham à sua responsabilidade a maior rede de es- Evangelho no contexto da cultura africana. Recor-
colas da província espalhadas pelo mato. Justiça ria muito às frases interrogativas, nos textos que
seja feita, a Igreja Missionária era sensível aos va- escrevia. Escrevia sempre uma secção com tópi-
lores da cultura nativa e fazia um esforço notável cos de reflexão do evangelho das missas domini-
para a compreender e integrar numa dimensão cris- cais para uso dos catequistas que presidiam à ora-
tã. A própria Sociedade Missionária, em Moçam- ção dominical. Essa reflexão, antes de tomar a for-
bique, pode orgulhar-se de contar, entre os seus ma definitiva, era partilhada com os catequistas em
membros, autores de compêndios de gramática, formação no Anchilo.
dicionários e contos, que representam um contributo No Curso de Adaptação, tinha aprendido com
significativo para a divulgação e conhecimento da o professor Leonardo, ex-seminarista nativo, que
cultura macua.
A Diocese de Nampula organizava Cursos de
Adaptação no Centro Catequético do Anchilo para
os missionários e missionárias recém-chegados.
Eram assim iniciados na aprendizagem da língua e
no conhecimento da cultura e costumes dos nati-
vos. Esta era uma medida sábia, imbuída do res-
peito pela cultura local, que posso testemunhar não
encontrei tão sensível nos revolucionários com
quem convivi.

Fui Missionário

Missão de Lalaua

Acabado o Curso de Adaptação fui destacado


para a Missão de Lalaua, onde labutavam
dedicadamente o Pe. Alfredo Moreira e o Irmão Com o professor Leonardo, o perito em usos e costumes.
271 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

ouvir era uma característica da cultura africana.


Tentava ouvir. Mesmo assim, percebi mais tarde
que no povo havia muitas palavras caladas. Mas
digo-vos que o encontro de culturas foi das expe-
riências mais ricas que vivi.
Uma vez, no Centro Catequético, percebendo
que alguns catequistas tinham dificuldade em gerir
os poucos centos de escudos, que recebiam para a
subsistência da família, falei-lhes do tema – Orça-
mento. Concretizava, quais as necessidades? Co-
mida, roupa, calçado, transportes, pilhas para o rá-
dio... Era preciso estabelecer prioridades... (E aten-
ção, quem não tem dinheiro, não tem vícios!). En-
tão, vamos fazer contas... O custo do arroz, do pei-
Anchilo - Com o Irmão Luigi Coronini (comboniano), que
xe, da capulana, das viagens... Tudo foi ouvido aten- fazia parte da equipa do Anchilo, multinacional e pluri-
tamente, sem contestação! No final, para ter a cer- congregacional. Crianças da área da Missão.
teza de que tudo estava bem percebido e que a
mensagem fazia algum sentido para os destinatári- Paróquia de Nampula
os, pedi-lhes que se pronunciassem. O Bernardo
foi o primeiro a pedir a palavra e disse: “Eu perce- No ano lectivo de 1973/74, passei para a Paró-
bi tudo, mas há uma coisa, barriga não tem orça- quia de Nampula. De uma assentada fiquei com
mento!” “Bernardo, não percebo! O que é que quer funções de coadjutor na paróquia da Sé Catedral
dizer com essas palavras “barriga não tem orça- de Nampula, professor de Religião e Moral no Li-
mento”? O Bernardo, com toda a naturalidade do ceu de Nampula, assistente da Mocidade Portugue-
mundo, foi-me dizendo que ele podia comprar no sa e pároco da Paróquia de Nossa Senhora da Paz.
princípio do mês o tal saco de arroz, mas sempre Esta paróquia correspondia à Nametecalíua, um
que amigo fosse lá a casa, ele ia oferecer arroz ao bairro de palhotas na periferia da cidade de
amigo, assim o saco não iria chegar e furava o or- Nampula, bem conhecido pelo estigma da prosti-
çamento. Eu sabia que amigo tinha um sentido tuição. Alguns cristãos lamentavam-se, viviam na
muito lato. Ouvira da boca do Leonardo que um Nametecalíua, porque a cidade de cimento os re-
velho andrajoso que chegasse à palhota podia ser jeitava. Falavam de casos em que a renda pedida a
um rei, logo também poderia comer arroz! Bem um preto era incomportável e superior à pedida a
longe estava eu de conhecer o sistema de rectifica- um branco. Celebrava lá a missa, ao abrigo de uma
ções e os engenhosos passes de mágica para con- escola com cobertura de lusalite, participada por
trolar défices orçamentais. Não me aventurei mais umas três dúzias de cristãos.
em considerações sobre orçamento. A lição do Tinha conquistado a confiança dos meus paro-
Bernardo ficou para meditar. quianos, lembro-me da passagem de ano de 1973/
Noutras ocasiões, os catequistas falavam-me 74, que partilhei com umas dezenas deles num clu-
de coisas do género, um motorista conduz o mes- be desse famoso bairro. Foi esfuziante a alegria de
mo carro, faz as mesmas viagens, o preto ganha viver, que manifestaram nessa noite! Ouvi-lhes ao
tanto, o branco ganha mais que outro tanto!... É serão histórias divertidas das artimanhas que alguns
justo? Justo, não seria, mas o negro conseguia vi- utilizaram, noutros tempos, para conseguirem o
ver com menos! Pois, conseguia, porque negro vive estatuto de assimilados. Para um preto ser assimi-
na palhota, traz filho descalço... lado, a mulher devia falar português, saber as eti-
quetas da civilização para receber alguém em casa,
comportar-se à mesa de um café, habitar uma casa
decente. Ora, se um não tinha mulher à altura de
superar a prova, pedia emprestada ao amigo a mu-
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 272

lher civilizada! Curiosamente, só depois do 25 de que se não fosse ele, já me tinham feito voar atra-
Abril se abriram a contar-me estas histórias. vés daqueles vidros, enfim a minha integridade fí-
sica estava em risco, etc e tal. Comentei: “Muito
Ano de agitação -1974 bem, tenho mais que fazer e já vi o que tinha a
ver!” O solícito pide acompanhou-me até o exteri-
O ano de 1974 foi um ano agitado. O dia 07 de or do edifício do aeroporto. À saída, um gesto sub-
Março foi para mim um dia marcante. Nesse til do pide sinalizou o alvo. Precipita-se sobre mim
famigerado dia, foram expulsos pelo poder políti- uma chusma de guarda-costas, que me afaga com
co sete missionários combonianos, ao serviço da unhadas no pescoço e estimula a marcha com
diocese de Nampula. Vários de nós fomos despe- biqueiradas, simulando protecção. Percorridos uns
dir-nos deles ao aeroporto. Ficámos surpreendidos 100 metros, já no fim do parque, fiquei de frente para
pela inusitada multidão de gente acumulada frente os verdugos! Vociferavam ódio! “Se não fosse por
ao edifício do aeroporto, bordejando e invadindo respeito, aqui ao meu chefe, metia-te os vidros dos
parte do vasto parque automóvel. Pelo aspecto e óculos pelos olhos dentro! – É da paróquia?! Olha,
indumentária via-se que muita dessa gente eram mais um monte de merda da paróquia!”...
machambeiros vindos do mato. Sentia-se grande Estava varado! Felizmente, apareceu um anjo,
tensão e burburinho a pairar no ar. Perplexo e des- uma missionária leiga, a Adelaide, com o seu Honda
confiado, fiquei por ali, misturado na multidão. À 600, amarelo torrado, e tirou-me daquele princípio
minha frente, em breve se ergue uma voz, acusa- de tortura! Estou-lhe grato!
dora: “Os padres são os culpados! Dão cabo disto Quando cheguei à paróquia, sentia-me todo
tudo! Deviam ser todos corridos!” Ferido nos meus moído. Abandonei-me uns minutos num dos cadei-
brios, reagi logo, incisivo, para quem quis ouvir: rões da marquise, respirei fundo várias vezes, con-
“Eh! Amigo, atente no que diz! Eu também sou centrei-me e tentei desviar a atenção das imagens te-
padre e com muita honra! Não aponte culpas a quem nebrosas do ódio. Um grupo de jovens esperava-me
as não tem!” no salão paroquial para um debate sobre drogas, fui
O homem ficou a bufar. Apercebi-me, desde para lá. A vida continuou, mas ficaram marcas.
logo, que olhares ameaçadores se concentravam em
mim. Saí dali e avancei para o interior do edifício Repensar a Guerra
do aeroporto. Dentro, deparei com um assustador
aparato bélico de homens armados, com uniforme Por essa altura, tinha aparecido um documen-
caqui e capacete, empunhando com ambas as mãos to – “Repensar a guerra” – da autoria do Bispo D.
armas G3. Eram pides. Percebi que a coisa estava Manuel Vieira Pinto. Depois do massacre de
muito séria. Lancei um olhar rápido pelo interior Wiriamu, denunciado na imprensa internacional,
do edifício, notei que o patamar superior estava era preciso Repensar a Guerra. O documento po-
menos povoado, subi para lá, coloquei-me discre- dia ter inspiração cristã, mas era politicamente he-
tamente, frente a uma das largas vidraças, que per- rético. Repensar a Guerra era assunto tabu e fez
mitiam dominar o panorama exterior e ver o que se alguma clivagem entre nós (da Sociedade
passava fora com a multidão. Daí pude ver um mis- Missionária) e entre os próprios bispos. No princí-
sionário comboniano, o Pe. Bruno, a ser empurra- pio de Abril, a Pide engendrou forma de se ver li-
do pelos pides para dentro de uma carrinha, à força vre do Bispo da Diocese de Nampula. Mobilizou
de sopapos e, soube mais tarde, de um dente parti- os patriotas cristãos que entendeu, estes, com cer-
do. Tudo acontecera por delito de uso de máquina teza muito inspirados na cena do Miguel Vascon-
fotográfica. celos, precipitaram-se para o Paço, na disposição
Depois, foi a minha vez! Abordou-me um pide, de linchar o Bispo. A Pide, como lhe competia,
apreendeu-me a máquina fotográfica para censura poupou a vida do Pastor à sanha da populaça, pon-
das fotos, que eu não tinha tirado. Mesmo assim do-o a salvo no aeroporto, pronto a embarcar no
levou-me a máquina, para ma devolver dias depois. avião! D. Manuel teve de fazer escala por uns dias
Ordenou que saísse dali e que fosse embora, por- no Sul. Asilou-se na Namaacha.
273 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

Encontrando-me de passagem em Lourenço sem medo nem hesitação, devia abraçar a causa da
Marques, o Amadeu Araújo levou-me no seu NSU Revolução.
à Namaacha visitar o Sr. Bispo. Recebi de suas mãos
uma carta para a Diocese. No regresso, quando Parti, sem aviso, de manhã muito cedo! Deixei
desembarquei no aeroporto de Nampula, num do- carta para o Superior-Geral, para a Diocese e outra
mingo de manhã, tinha os rapazes da JOC à minha a dizer onde ficava a carrinha da paróquia. Embar-
espera, preparados para o que desse e viesse. quei no comboio em Nampula, com destino ao
Malawi e dali tencionava atravessar a Zâmbia e
Calou-se a Palavra alcançar a Tanzânia, onde a Frelimo tinha a sua Base
principal. Na fronteira do Malawi, em Entre-La-
A expulsão do Sr. Bispo originara algum esta- gos, encontrei o primeiro obstáculo. Usava barbas
do de choque. Na Paróquia, quem fazia as vezes de e cabeleira à Jesus Cristo, fiquei a saber que
Pároco, entendia que, espantado o Pastor, deveria guedelhas e mini-saias não tinham cabimento nos
calar-se a Palavra, logo na celebração da missa não domínios do Presidente Kamusu Banda. Nos ser-
haveria homilia. Era cómodo e bom para a Pide, não viços aduaneiros, apareceram com uma tesoura a
me agradava e não me recordo de ter celebrado mais que faltava mais de metade de uma das hastes de
alguma vez missa na catedral, depois disso. corte, rejeitei a gentileza da tosquia. Aproximava-
se a noite, aproveitei um comboio de mercadorias
Com o 25 de Abril, as vozes da libertação cada e voltei atrás até Nova Freixo. Cortei o cabelo e
vez mais se faziam ouvir. Tornou-se moda ser de- dias depois arranjei boleia até Blantyre.
mocrático. Cada dia nasciam novos democratas. Até
o indivíduo que tesourava os textos da Vida Nova, Prisioneiro no Malawi
editada pelo Centro Catequético do Anchilo, apa-
receu um dia na mesa de uma Assembleia da cida- Em Lilongwe, depois de uma tentativa frustra-
de para se erigir em democrata! Alguns Bispos que da de passar à Zâmbia, obrigaram-me a trocar a
não tinham tido liberdade de espírito para Repen- noite na Rest House por uma cela na prisão. Segui-
sar a Guerra e afirmar a sua solidariedade com o ram-se os estágios nas prisões de Zomba e Blantyre.
Colega de Nampula, já o poderiam fazer, a partir Em Zomba Central Prison, levava mais de dois
de agora, se o desejassem. meses de prisão, fiz uma greve de fome, durante
cinco dias consecutivos, desde a manhã de uma
Na senda da Revolução segunda-feira até meio da manhã de sábado seguin-
te. Nesse sábado, o Officer in Charge chamou-me
No meio de toda esta turbulência, arreigou-se em ao seu gabinete e prometeu que o meu processo
mim a convicção de que a malga da sopa mandava iria ser accionado junto dos Head Quaters, sede dos
muito na mente e nos ideais das pessoas, fossem elas Special Branches (polícia política). Contra o meu
quais fossem. Cresceu o meu fascínio pelo Che e pelo descrédito, pegou na Bíblia de capas vermelhas que
Camilo Torres, lidos anos antes. Comecei a olhar para estava pousada sobre a secretária e, pondo-se de
os cadernos do Samora Machel, como se fossem o pé, afirmou solene e convicto, em abono da sua
evangelho novo da libertação! Numa edição da Boa palavra: “I am a christian!” Eu dramatizei: “Que
Nova de um daqueles meses de 74, o Superior-Geral importa que o senhor seja cristão? Tiraram-me a
da Sociedade assinava um texto sobre Moçambique liberdade! Matem-me! Enterrem-me no pátio da
que me decepcionou. Manifestei-lhe o meu desacor- prisão e escrevam: Morreu, porque lhe tirámos a
do na carta em que comunicava o meu abandono. A liberdade, sem razão!
decisão do abandono foi, obviamente, da minha in-
teira responsabilidade. De Zomba fui transferido para a prisão de
Blantyre, onde permaneci umas cinco semanas.
Perguntei-me, quem é que está a fazer mais pela Partilhei uma cela com o britânico Ken, conhecido
libertação do povo de Moçambique? Entendi que, em Londres por Mister Malawi, por espalhar na
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 274

capital do Reino Unido a felicidade do haxixe confirmar-se, foi executado, mais tarde, num qual-
malawiano. Esse haxixe (top class, segundo ele), quer simulacro de julgamento.
continuava a fazê-lo circular, de pavilhão em pavi-
lhão, dentro da prisão, escondido nas meias dos Nos dias imediatos, fomos transportados de
prisioneiros. Dizia-me: “A dealer is always a Milange para Quelimane, era um domingo. Foi uma
dealer!” Lembro outro hóspede de circunstância dos viagem longa de horas, num camião de capota toda
serviços de segurança do país, o hindu Rashid, de fechada em zinco, imprópria para transporte de
cabeça envolta num pano branco, tipo turbante, animais, havia como respiradouro um minúsculo
muito compenetrado, de joelhos, sobre uma toalha postigo, bem acima das nossas cabeças. Antes de
estendida no pátio de cimento, fazendo mesuras ao subirmos para o camião, foi ordenada uma rigoro-
sol radioso das manhãs. Tão absorto estava o Rashid sa revista, podíamos ter algum feitiço escondido,
que ficava absolutamente alheio à presença do Ken, transformar-nos em passarinho e voar pelo postigo
que, no meio do pátio, em alegria festiva e indis- do camião. A ideia foi do motorista, o passarinho
creto foguetório, bradava aos céus, num gesto de teria de ser mesmo pequenino! A ordem foi levada
crucificado feliz: “Lovely day! Sun in the sky!” muito a sério e logo ali num auto de fé sumário foi
consumida no fogo qualquer coisa insignificante,
O Hugh Edwards, um súbdito de sua majesta- que poderia ter virtudes de feitiço, encontrada nos
de britânica, inquilino da cela vizinha, em Zomba, bolsos de alguém. Lembrei-me outra vez do Leo-
contou-me a sorte macaca das lagartixas do jardim nardo. Nós, não temos polícia. Se eu quiser guar-
do palácio do Presidente do Malawi (His Excellency dar a minha machamba, peço ao feiticeiro para lhe
Doctor Hastings Kamusu Banda). As pobres lagar- pôr feitiço e faço constar. Se alguém roubar ou co-
tixas tinham sido perseguidas e executadas, para mer, sabe que vai morrer mesmo!
não passarem segredos de estado para o exterior!
Acho que nunca estive à beira da sorte das la- Centro Piloto de Nicoadala
gartixas, naturalmente menos perigoso que elas,
mas, na verdade, também fui detido, because of the Eu estava mesmo um D. Quixote da Revolu-
Security of the State! Medo, terror, muitos me con- ção, obsessivo e pertinaz. Indiferente às provas e
fessaram ter de uma tenebrosa prisão de Kikwio, humilhações por que havia passado considerava-
onde as condições eram mais aviltantes, onde im- as equívocos normais de quem não me conhecia.
perava a lei do trabalho forçado e pairava a incer- Iriam ver que podiam confiar em mim e aproveitar
teza da morte. os meus préstimos em benefício do povo.

Entregue à Frelimo Alguns meses depois encarregaram-me de cri-


ar um Centro Piloto, em Nicoadala, num campo
Fui entregue à Frelimo algum tempo após uma que tinha sido de prisioneiros da Pide. Havia umas
entrevista no Congress House com o camarada duas dezenas de miúdos, com idades entre os doze
Olimpo. A viagem foi feita em carro da polícia do e os dezasseis anos e mais uns seis militares. Vivi-
Malawi. Ao meu lado, ia sentado Uría Simango, am lá sem quaisquer condições. Andrajosos, ali-
que, a determinada altura me perguntou se sabia mentavam-se mal, dormiam ao relento abrigando-
para onde nos levavam. Quando lhe disse que pen- se no alpendre de uma palhota ou debaixo do atre-
sava que nos iam entregar à Frelimo ficou muito lado de um tractor.
inquieto e nervoso e dizia: “Não pode ser! Se me A princípio ia e vinha de Quelimane. Depois,
entregam, eles matam-me, consideram-me o ini- pedi ao Governador Bonifácio Gruveta para ficar a
migo número um!” Quando, numa manhã de No- residir no campo. Em pouco tempo, construí com
vembro de 74, nos entregaram no quartel de os rapazes umas dez palhotas para os alojar. Em
Milange, o Uría Simango foi de imediato separado seguida, construímos uma escola, que até deixou
de nós e nunca mais o vimos. O seu receio veio a impressionada uma jornalista europeia de língua
francesa que visitou o Centro Piloto e escreveu o
275 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

livro Mulheres de Moçambique. O trabalho foi do enfermeiro do campo, ex-maqueiro do exército


muito duro, mas havia uma grande sintonia entre português. Custava-me aquele retrocesso na civili-
mim e os rapazes. Um deles, certo dia, na minha zação. Com maus exemplos e oportunistas e políti-
presença, disse para quem quis ouvir: “O camara- cos de ocasião antevia não ser possível ir muito
da Luís é nosso pai.” Falava a verdade do senti- longe com os meus ideais de cavaleiro andante!
mento. Respondi : “Vosso pai, não, mas vosso ir-
mão mais velho, sim!” Regresso à Pátria
O projecto era educar o homem novo para uma
sociedade nova. Pelo estudo, trabalho e formação O meu irmão Álvaro, despachante de tráfego
política. O campo podia tornar-se auto-suficiente da DETA, arranjou-me um bilhete de avião. Sem
em relação à maior parte dos bens alimentares. As dar satisfação a ninguém, um dia de Abril embar-
maiores dificuldades apareceram, após a naciona- quei num avião para a Beira. No meu encalço apa-
lização do Seminário Menor de Nicoadala. Ocupá- receu, nesta cidade, o comandante Castro Lopo,
mos e sobrelotámos as instalações do Seminário. A meu antigo colega de quarto na casa dos coman-
responsabilidade do campo foi repartida em três dantes. Apanhou-me em casa do meu irmão, onde
áreas, política, pedagógica e administrativa. Cabia- lhe oferecemos wiski. Não se fez rogado, sentou-
me a parte administrativa. Estava mal acompanha- se e bebeu. No fim, disse: “Luís, vem comigo.” Eu
do principalmente pelo responsável político. Acha- fui. Deixou-me na prisão da Beira. Dois ou três dias
va que os rapazes tinham mais respeito por mim do depois levou-me de volta para Quelimane, onde
que por todos os outros. Disse-lhe que respeitasse continuei prisioneiro mais uns dias. Lembro uma
e também seria respeitado. Não aceitava que lhe família amiga, com um bar-restaurante em Queli-
dissesse que todos, incluindo ele e eu, devíamos mane, que não permitiu que eu conhecesse o gosto
ser responsáveis perante o povo, pelo uso que dá- da comida desta prisão e mais saboreasse o gosto
vamos aos bens que pertenciam ao povo, como os da amizade e compreendesse que, na desgraça, os
carros ou tractores. Um tractor era para lavrar a revolucionários não são amigos de ninguém. Le-
terra e não para deitar muros abaixo, como ele ti- varam-me a uma reunião no Centro Piloto, não me
nha feito! puderam pegar em nada, fiquei com liberdade total
de movimentos. O Governador Bonifácio Gruveta
Desiludido com a Revolução quis-me receber, perguntou-me o que eu ia fazer.
Disse que desejava ter a vida de um cidadão nor-
O mesmo rapazinho que meses antes dissera mal, no meu país. Se eu fosse daquela terra, natu-
“O camarada Luís é o nosso pai”, numa noite si- ralmente me seria reconhecida outra força e legiti-
lenciosa em que me encontrava só, com a música midade para fazer a revolução e não me poderia
da rádio, sob um alpendrezito elevado, ao ar livre, furtar a ela. Previa que, na condição de ex-coloni-
aproximou-se receoso: zador, haveria muitos desentendimentos e equívo-
– Camarada chefe, está triste? cos, tinha pena, mas ia-me embora. O Governador
– Não! Não estou! Queres dizer-me alguma coi- escutou-me atento, com a cabeça baixa, despedi-
sa? me com um aperto de mão, com dignidade.
– O camarada político disse, quando Camara- Com todos os meus haveres num leve saco de
da Chefe Provincial visitar, nós dizer não gostar do viagem na mão e quinhentos rands no bolso, ofereci-
Camarada chefe Luís! dos pelo amigo Martins, reiniciei a viagem em
– Obrigado! Não te importes. Quelimane. Desta feita, acabei por aterrar em Lisboa,
a 3 de Maio de 1976. Fui para casa, era aniversário de
O veneno estava a ser lançado. Assim não era minha mãe! Ficou feliz, só dias mais tarde me falou
possível fazer revolução. O controlo do campo es- do desgosto de eu ter deixado de ser padre.
tava a escapar-me. As casas de banho dos
continuadores, por excesso de uso ou mau uso, es-
tavam impraticáveis, de portas pregadas por ordem
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 276

Afinal sou humanista continuaram firmes nos seus ideais.


Quem passou pelas Missões, como eu, não
Todo este percurso intrigante, até a mim me pode deixar de testemunhar, com admiração, a enor-
surpreende. Pode parecer que não tem relação al- me dedicação e generosidade, devotadas pelos nos-
guma com o testemunho que eu sinto necessidade sos missionários ao trabalho apostólico. Visitei to-
de dar neste 75.º Aniversário da Sociedade Missio- das as Missões da Sociedade na Diocese de
nária da Boa Nova. O João Bernardo Honwana, res- Nampula e algumas na Diocese de Porto Amélia
ponsável da Segurança na Zambézia, no meu tem- (actual Pemba). Recordando o que vi, digo: uma
po revolucionário, terá dito ao Gulamo, nessa altu- Obra a todos os títulos grandiosa, que só um escol
ra responsável pela Educação, que eu não era um de eleitos, motivados pela fé, com grande espírito
político, era um humanista. Reflecti e percebi. O de sacrifício e inteligência podiam levar a cabo.
humanista era o lutador persistente que os incomo- Podemos sentir orgulho nestes homens bons, de
dava nas belas residências herdadas dos coloniza- moral irrepreensível, a quem cabe com justeza a
dores e não desarmava, enquanto não conseguia expressão evangélica: sois o sal da terra e a luz do
uma camioneta com os mantimentos precisos para mundo. São dignos de todo o nosso incentivo e
os continuadores. O humanista cultiva o respeito apreço.
da pessoa humana, reconhece a dignidade dos mais
fracos, crianças e velhos, pobres e doentes, é soli- Quero vincar, neste meu testemunho, a nobre-
dário, tem compaixão por quem sofre. za de atitude manifestada na amizade e compreen-
De facto, sou politizado, mas não sou político. são que a Sociedade Missionária sempre manifes-
Humanista, sim! tou para comigo, após a minha saída.
Este sentimento de ser humanista, devo-o em Recordo a visita amiga do P. Manuel Bastos
grande parte à Sociedade Missionária, onde cedo que se deslocou a Quelimane, para saber de mim e
aprendi a brincar e a conviver com meninos vindos dos meus propósitos. As várias visitas e momentos
de outras aldeias do país e a sentir que a minha de convívio que tive com outros membros da Soci-
terra era todo o mundo. Houve um espírito de mis- edade, incluindo uma visita ao Bispo D. Manuel
sionário, que assimilei e faz hoje parte do meu ser Vieira Pinto, em Amarante, a convite do P. Manuel
homem. Tenho visitado várias vezes o Convento Sá Fernandes e onde pela última vez vi o P. Alírio
de Cristo, o Seminário da minha infância. Sinto- Baptista. Lembro a delicada atenção do Sr. P. Vaz,
me um privilegiado ter parte da minha história li- que, na hora em que o pedi, me passou o Certifica-
gada àquele admirável monumento. Revejo as cor- do de Habilitações dos Cursos de Filosofia e de
ridas de estafeta no corredor do cruzeiro, o hóquei Teologia, utensílio precioso que me abriu as portas
jogado no claustro da micha com sticks de ramos do ensino e me deu acesso a uma matrícula na Uni-
de oliveira trabalhados com navalhas transmon- versidade. Sinto-me impelido a fazer uma menção
tanas, durante os passeios; o recreio das árvores e especial ao P. Alexandre de Sousa. Conseguiu-me
o campo da bola que já não se parecem, os superi- do Liceu de Nampula o certificado do tempo em
ores, que também jogavam connosco, a araucária; que lá trabalhei, como professor de Religião e
as missas solenes na charola, a capela onde eu ob- Moral. O P. Sousa foi Reitor em Tomar, no meu 1.º
servava as posturas piedosas e a execução do sinal e 2.º anos. Foi, muitos anos, Secretário da Diocese
da cruz, para aprender com quem era mais santo. de Nampula, encontrei-o nessa função, quando che-
guei a Moçambique. Era um homem de fé. Recebi
Testemunho do apreço e gratidão dele uma carta, em Coimbra, já depois de 1982,
contando ter encontrado minha mãe, que lhe dera
Já passei por todos os Seminários depois de ter notícias minhas e provavelmente lhe terá manifes-
saído, a todos me ligam recordações agradáveis. tado a sua tristeza pela minha não prática religiosa.
Sou beneficiário de uma formação humana e de O P. Sousa declarava nessa carta que oferecia a sua
valores que sinto obrigação de honrar. Sinto ami- vida para que eu me reencontrasse na fé. Não sabia
zade pelos antigos colegas e pelos missionários que que o P. Sousa tinha a vida gravemente ameaçada
277 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

por um cancro, veio a morrer algum tempo depois. e enalteço a nobreza de alma com que me compre-
Fiquei impressionado, com tamanha grandeza de enderam e relevaram as minhas faltas. Tenho o sen-
alma! timento de que fui fiel a mim próprio, mesmo quan-
A maior parte de nós conheceu o P. Alfredo do as minhas decisões não foram acertadas. A Re-
Alves, aquele homem de inteligência brilhante, volução desiludiu-me e já deixou de o ser há mui-
humor fino e fé profunda. Um dia, em Valadares, to. Continua a ser necessária uma Boa Nova, apre-
numa celebração penitencial no decurso de um cio, hoje, muito mais o trabalho dos missionários e
Retiro, no momento da confissão, por instantes considero-o merecedor de todo o apoio. Posso di-
hesitei, a quem me vou confessar? O P. Alfredo zer-vos que estou bem com o meu presente, por-
Alves estava ali ao lado, nem me deu tempo de que estou bem com o meu passado, sem qualquer
olhar, começou a confessar-se ao mais novato. Não traumatismo de Manhã Submersa.
me lembro rigorosamente nada do que ele me dis-
se nem do que eu lhe confessei, mas a lição de gran- À Sociedade Missionária da Boa Nova, a mi-
de humildade permanece. nha gratidão, amizade e votos de longa vida!
Ao P. Jerónimo Nunes devo o facto de ter for- Alfredo Luís Vieira de Sá
talecido os laços que necessariamente me prendem
à Família-Sociedade Missionária, considerando que Rua Milagre das Rosas, 36 – 3.º Dto.
nela vivi os anos mais viçosos da minha vida. Partiu Santa Clara
3040-263 Coimbra
dele a iniciativa de me fazer chegar de forma regular Tel. 239 810 162 /965 026 283
o Boletim Familiar, mantendo-me informado do que E-mail: alvieira@sapo.pt
se vai realizando e acontecendo com pessoas que me
foram familiares durante tantos anos. Algumas vezes
vem a notícia do falecimento de alguém que se cru- 33. UM SONHO... SER MISSIONÁRIO
zou connosco na vida, evoco o tempo e presto-lhe
em silêncio a minha homenagem. Corria o ano de 1956.
Há gente nova, felizmente, e a família vai cres- A vida nas aldeias era
cendo, espalhando-se por novos mundos. dura. Tempos difíceis
para famílias numerosas.
De bem com o meu passado Os trabalhos agríco-
las e as jeiras “na flores-
Depois do meu regresso de Moçambique, en- ta” eram a única saída
quanto exercia a profissão de professor no ensino para os jovens que com-
secundário, fiz, primeiro, uma Licenciatura em Fi- pletavam a 4.ª classe.
losofia, na Faculdade de Letras do Porto e, já com Mesmo daqueles cujas
38 anos, iniciei a Licenciatura em Medicina, na famílias tinham posses,
Universidade de Coimbra. Com 52 anos, fiz o exa- poucos eram os que iam estudar.
me final da especialidade de Neurologia. Exerço a Neste Outubro missionário, vou recordar a mi-
profissão médica, desde 1989. Não sei se alguma nha história pessoal de infância. Filho mais velho
vez, sem a disciplina e método de estudo adquiri- duma família de sete irmãos, pacato, tímido, gos-
dos ao longo dos treze anos do curso do Seminá- tava de saber e aprender. Quis Deus, por intermé-
rio, me teria aventurado num curso tão trabalhoso dio do saudoso Pe. Silva, o então jovem pároco da
como a Medicina. Também não sei se teria a acei- minha aldeia, que entrasse no Seminário de Tomar.
tação que tenho, se não mantivesse algum espírito Desses tempos, ainda hoje conservo na memó-
missionário e aquele tal humanismo que enforma ria a experiência da viagem para o Porto que, con-
o exercício da minha profissão. Sei que sentiria um juntamente com o meu pai, efectuei durante toda a
grande vazio, se assim não fosse. noite, à boleia, no camião que o falecido Gil regu-
Pesa-me ter decepcionado algumas pessoas que larmente conduzia carregado de madeira; a para-
depositaram grande confiança em mim, agradeço gem nos postos de controlo que a GNR tinha ao
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 278

longo do percurso; o choque que a vida da grande 34. “A ARM NOS 75 ANOS DA SMBN”
cidade me provocou; o frio que tive na Estação de
S. Bento totalmente deserta às 6 horas da manhã; a Breve nota do antigo aluno Serafim Fidalgo dos Reis
imponência da sua construção, a magia dos com-
boios e a novidade da sua estreia. Numa manhã morna
Aí, à hora aprazada, lá estava um padre missi- do início de Outubro, de
onário, de capa e batina, a quem fui entregue con- 1956, dirigi-me de Rio
juntamente com outras crianças. Meão, a pé, acompanha-
Foi um momento difícil, a hora da separação. do de minha mãe, que le-
Contudo, a incerteza e atracção do desconhe- vava a mala do enxoval à
cido, o fervilhar da grande cidade, a marcha galo- cabeça, à estação de
pante do comboio, o vislumbrar do mar lá ao lon- Esmoriz. Enquanto espe-
ge, o receio de perder os poucos haveres, as apres- rava num misto de ansie-
sadas mudanças de comboio, depressa fizeram com dade pelo desconhecido
que as lágrimas secassem e o grupo, recém-forma- que imaginava e pela sau-
do, se sentisse unido e seguro. dade dos pais e irmãos, vi chegar o Fernando
Chegados ao Seminário, já aí se encontravam Rodrigues de Sousa e o José Costa Pinto Meneses
centenas de jovens. que também vinham para o comboio com o mes-
Foi a descoberta da casa grande, a balbúrdia mo destino: seminário de Tomar. Formámos um trio
dos primeiros tempos, o toque da sineta, o apren- de amigos e entrámos no comboio que já trazia um
der do “caminho” da camarata, da capela, da sala grupo de futuros colegas, vindos do Porto, na rea-
de aulas, do refeitório, do campo de futebol, situa- lidade de vários pontos de Trás-os-Montes, acom-
ções que recordo hoje com emoção. panhados pelo Pe. Júlio e um tal sr. Nogueira. Du-
Era o começo duma nova etapa. O deslumbra- rante as longas horas da viagem chilreei com os
mento dos rituais. A descoberta do caminho iniciado. colegas, irmanados no mesmo sonho.
O sonho de ser missionário nos sertões africanos. O Convento de Cristo surgiu imponente e es-
Não quis Deus, porém, que tal se concretizasse. magador na poalha do sol que já declinava para lá
Contudo, ainda hoje guardo saudades desses das seculares árvores do recreio com o mesmo nome
tempos. O quão importantes foram para o desen- e dos famosos pegões.
volvimento da minha personalidade, maneira de ser As primeiras impressões e as múltiplas emo-
e de estar hoje na vida. ções que se foram sucedendo, sei que foram inten-
Neste mês de Outubro, mês em que se assinala o sas, mas a asa do tempo encarregou-se de as erodir
Dia Missionário Mundial, quis, com a partilha do meu e hoje são fiapos na memória.
sonho e emoções, acicatar os jovens, desassossegar- Percorri o ciclo da vida dos seminários. Fiz o
lhes a consciência e dizer-lhes que, num mundo cada probandato e o primeiro ano de Teologia em Cucujães.
vez mais carregado com as tintas do carreirismo, Estava a viver os tempos novos do Vaticano II. So-
mundo de aparências, mundo em que pontificam o pravam ventos de mudança por toda a Europa... Sen-
hedonismo e a ambição da fortuna, se algum dia ou- tia-se que a Sociedade tinha parado no tempo, a men-
virem a Palavra de Jesus “vem e segue-me”, não te- talidade geral não evoluía, o punhado de jovens dou-
nham medo de enfrentar o desconhecido, de arriscar tores, nossos professores, não conseguia alterar os
a vida ao serviço de Deus e dos irmãos. princípios, nem as normas tridentinas.
Não é loucura segui-Lo, loucura é ignorá-Lo. Nas férias de 1967 tomei a decisão de procurar
Outubro de 2004 um seminário diocesano que me acolhesse. Assim,
Duarte Nuno Pires fui terminar o curso de teologia ao Seminário dos
Rua da Boavista, 13 Olivais, em Lisboa.
5300-097 Bragança E depois... outros caminhos se teceram e ema-
Tel. 273 324 523 / 965 361 473 ranharam no mapa da vida!
A passagem pela Sociedade Missionária dei-
279 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

xou marcas indeléveis. Possibilitou o estudo que, o miúdo não pensava noutra coisa senão no dia da
de outro modo, nunca teria sido possível. Educou sua ida para o Seminário. Puro engano! Afinal, não
com um conjunto de valores que considero um pa- podia ir. Assim o tinha decidido o chefe de família.
trimónio imperecível e que tenho procurado incul- Os seus colegas de escola abalaram: o Américo
car na minha família e nos meus alunos. Mas o que Miguel foi para o Seminário de Tomar e o Zé Luís
hoje, à distância de tantos anos, mais rememoro, para o do Preciosíssimo Sangue. Outros colegas de
apesar de todas as contingências, limitações e de- admissão – o Femando Lopes e o Artur Marques –
feitos, é aquela dedicação, carinho, ajuda, ora pa- também partiram para Tomar.
ternal, ora fraterna que os padres formadores nos Mas a mãe conseguira ultrapassar os proble-
devotavam. Muitas figuras de homens evangélicos mas (financeiros, “ideológicos”?). E o chefe dera,
ficaram gravadas para sempre, mas seja-me per- finalmente, autorização. O miúdo, com alguns dias
mitido lembrar duas, ou mesmo três, que mais me de atraso, lá chegara a Tomar. A primeira coisa que
marcaram: o Pe. Vaz, que me recebeu com o meu fez, acomodadas as malas e instalado numa sala,
pai, quando fomos tratar do meu ingresso – aquela foi um gesto de cumprimento para o Américo
figura esguia, delicada e, mais tarde, quando o co- Miguel; gesto infeliz, pois, de imediato, seguiu-se
nheci melhor, tão espiritualizada... O Pe. Alves, o uma áspera repreensão por parte do vigilante ins-
humanista, o sábio, de coração magnânimo e hu- talado numa posição estratégica e que parecia es-
milde que marcou gerações de jovens que cruza- tar absorvido na recitação do seu breviário.
ram com ele. O Pe. Campos, o asceta, o santo. O miúdo era eu. Gostei de andar nos Seminári-
E por eles quero deixar este simples preito de os da Sociedade Missionária. A disciplina era vi-
homenagem e gratidão a todos quantos nos ajuda- gorosa, mas aceitável. Não era um santo, mas es-
ram a crescer como homens e semearam em nós a forcei-me por cumprir. Fui um aluno que, segundo
Missão de Cristo. julgo, ultrapassei a média exigível, apesar do meu
Obrigado, Sociedade Missionária da Boa Nova! jeito para o desenho e para a música ser fraco. Em
Serafim Fidalgo dos Reis Cucujães, mandaram-me para a Terceira (leia-se,
feitura de terços, durante os ensaios musicais).
R. Mestre António Joaquim, 13
Cruz Adorava ouvir os missionários recém-chega-
4520-239 Santa Maria da Feira dos de África. Eles contavam, eu escutava, sonha-
Tel. 962 470 098 va... Mas o sonho ficou por aí.
Recordo os jogos do caçador e da tala, da apanha
da tília, dos trabalhos na(s) Quinta(s), dos passeios
35. O MEU TESTEMUNHO extraordinários (ai aquele arroz, quentinho!), enfim,
de tantas e tão saudáveis actividades que contribuí-
Corria o mês de Ou- ram para o cimentar e perdurar da nossa amizade.
tubro de 1957. A azáfa- Mas também me ficaram gravados alguns mo-
ma era grande lá em casa. mentos de “tortura”, tais como: o vestir das calças
Tinham sido chamadas à debaixo dos lençóis, o levantar da cama ainda de
pressa algumas costurei- madrugada, o não poder falar com os colegas de
ras, bem como o sapatei- outros anos, o “silêncio rigoroso”. Mas isto são tro-
ro. O outro sapateiro, o cos quando comparado com tudo o que lá aprendi.
mais especialista, ultima- Entrei no Seminário de Tomar em 1957, passei
va os sapatos de calfe, na pelo de Cernache do Bonjardim e concluí o 6.° ano
sua oficina, o mesmo em Cucujães, em 1963. E saí, depois de 6 anos, para
acontecendo com o alfai- grande mágoa de minha mãe (que, até morrer, foi
ate. Naquele tempo, era assim: o vestuário confec- Auxiliar das Missões), que tanto fez por mim e tanto
cionava-se em casa. queria ter um filho missionário! E, modéstia aparte,
As coisas não tinham corrido bem. Depois de talvez, de certa maneira, tenha sido missionário.
ter feito exame de admissão com bastante sucesso, A vida cá fora não era fácil. O Liceu ficava lon-
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 280

ge, o dinheiro não abundava e houve que trabalhar. nossa Direcção. Pelo que, embora a contra-gosto, por
Primeiro, na agricultura, depois como funcionário inevitavelmente ter de abrir a alma, “dar a cara” e
público (nas finanças). Mas nunca perdi os bons há- exprimir para a praça pública sentimentos de foro
bitos que adquiri no Seminário. Na verdade, já a tra- muito pessoal, aqui estou.
balhar e com algum esforço, consegui terminar os Por uma feliz conjunção de acasos que che-
estudos liceais e, um pouco mais tarde, licenciei-me guei a interpretar como manifestação divina, en-
em Direito na Universidade de Coimbra, o que possi- trei em Outubro do ano da graça de 1957. Em To-
bilita que, em reduzida escala, possa, ainda hoje, exer- mar, claro. Ainda com os onze por completar. De-
cer a profissão de advogado. pois, foi o embalar de um sonho de cruzeiro, em
Como militar, fiz comissão de serviço na movimento uniformemente acelerado (ou retarda-
Guiné-Bissau, como alferes miliciano. do?) e ao ritmo do cantochão, entre arsis e thesis
Casei-me com uma mulher maravilhosa, tenho contínuas, sempre confiante na perícia do Capitão
três filhos e uma neta. No início de 2003, aposen- do navio e num feliz ancoradouro, uma terra de
tei-me da função pública, onde, com a graça de “pro-missão”. Acordei estremunhado e interrompi
Deus, consegui alcançar o cargo de dirigente supe- a viagem (saí) no final do 7.° ano, em 1964, de
rior. Moro em Vila Nova da Barquinha, embora Cucujães. Ainda hoje não sei bem porquê... Mas,
nunca esqueça as minhas origens (Cimadas- como soía dizer-se, “Deus é Grande!”.
Fundeiras, lá para Proença-a-Nova). Para mim a vida em seminário, na tripeça em
Agora, sou dirigente associativo (a nível nacio- escadinha que então era constituída pelos três nú-
nal e local), pertenço também à Caritas Paroquial, faço cleos da metrópole, no essencial não terá sido mui-
parte do Conselho Diocesano para os Assuntos to diferente da da maioria dos miúdos que nós éra-
Económicos, sou catequista, ministro extraordinário mos: com as vicissitudes próprias de uma persona-
da comunhão, frequento um Curso de Teologia e, se lidade em construção e de um internamento, a nos-
Deus quiser, serei ordenado diácono permanente, tal- sa senda algo rotineira, mas de alma lavada e
vez ainda neste ano. E, claro, pertenço à ARM. “candeias” geralmente às direitas, com mais ale-
Para mim, o Seminário foi óptimo. Deu-me li- grias que tristezas, mais aspirações que frustrações.
nhas, independência, ensinou-me a lutar. Obriga- E hoje, à distância dos acontecimentos e num ba-
do à Sociedade Missionária e à minha mãe pelo lanço geral, ponderada a conjuntura epocal e as cir-
esforço em encaminhar-me para lá. cunstâncias que nos rodeavam, apraz-me registar
António da Silva Pereira que a dominante foi francamente positiva. E isto
Rua Dr. Barral Filipe, 23-A afirmo sem complexos de espécie alguma e
2260-416 Vila Nova da Barquinha palpando bem o peso das palavras.
Tel. 249 710 823 / 964 513 545
E-mail: asilvapereira-18591l@adv.oa.pt
Não obstante a pouca preparação directa para
a vida activa – contingência esta que não dependia
de nós, que estávamos a ser mais objecto de selec-
36. TESTEMUNHO ção do que a seleccionar (mais de 90 % ficámos
pelo caminho) – como formador profissional que
Face ao “convite ur- também fui e ainda sou tenho que reconhecer que a
gente e irrecusável” feito educação recebida no seminário me foi da maior
no último Encontro Na- utilidade, sobretudo como base e “rampa de lança-
cional em Cernache (15/ mento”. Direi mais. Ela terá sido mesmo estrutu-
16 de Maio de 2004) e rante: por um lado, porque talvez não tivesse outro
formalizado no Boletim meio de seguir estudos; por outro, porque, através
de Julho, como antigo alu- destes, da espiritualidade sustentada e da vida em
no que sempre me prezei comunidade, me foram inculcados valores compor-
de ser e Armista solícito, tamentais e culturais importantes, como a discipli-
não podia ficar indiferen- na, o sentido ético e antropológico, e tanto na di-
te a tão veemente apelo da mensão pessoal como social, hábitos de reflexão e
281 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

métodos de trabalho, entre outros. minha escalada da vida teria sido outra, porventura
Particularmente marcante e decisiva foi a ver- pior. Com a ajuda dela, sinto que me realizei.
tente humanística – e isso bastaria para jamais po- Bem-hajam, pois, todos aqueles, superiores e
der considerar a SPMCU/SMBN e os seus seminá- condiscípulos, que de 1957 a 1964 me ajudaram a
rios como uma “Manhã Submersa”. Sem ela eu não crescer. Obrigado, ARM, por nos ir mantendo a vela
teria chegado onde cheguei. Embora “lá dentro” acesa.
raramente tenha evidenciado ou me fossem reco-
nhecidos alguns dos talentos que Deus me dera, E parabéns, SMBN, pelos 75 anos cumpridos.
“cá fora” fi-los render, penso que com algum su- Ad multos...
cesso. É com uma pontinha de orgulho que o refi- Joaquim Candeias da Silva
ro, e desse pecadilho – que espero seja venial – me Rua de Angola, 30 – 1.º Esq.
penitencio; mas é a verdade; está documentado. 2200-390 Abrantes
Enfim, de tal modo a Sociedade Missionária e Tel. 919 809 170
os seus seminários-viveiros me marcaram, que, E-mail: djcsilva@hotmail.com
passados quarenta anos, eles continuam ainda a
pairar no meu subconsciente como uma referên-
cia, eu diria até que como uma sombra tutelar. Um 37. A MINHA MANHÃ SUBMERSA
amigo meu dizia-me, ainda não há muitos anos, que
eu trazia gravado um grande “S”, bem nítido, na Quando, no 1.º de
testa. De Seminário, obviamente. Não me custa Outubro de 1958, atra-
reconhecer que sob certos aspectos e por vários anos vessei o estreito portão
me senti um pouco à deriva, primeiro no meio es- do vetusto Convento de
tudantil, depois no serviço militar obrigatório, e até Cristo, com 11 anos de
já como profissional. Com o cordão umbilical vida, dei comigo a pen-
abruptamente cortado e sem o providencial acom- sar, pela primeira vez.
panhamento que sempre me fora concedido, por Naquele chão lajeado
algum tempo tive medo do “mundo”, do “escuro”, perdi a virgindade men-
de me estatelar à primeira topadela ou à rasteira tal, com algum pranto,
mais soez, de falhar. O castelo que tinha idealizado como se explica.
desabara e era como se não existisse mais futuro; Para trás ficara uma viagem arrasadora, inicia-
era preciso reconstruir tudo de novo e a sós. da em Barcelos, pela madrugada, dentro de um ca-
mião de gado, e com passagem por Nine e pelo
Mas, como disse um poeta, “quando fica escu- Porto/S.Bento, onde me havia atrelado a uma
ro é que as estrelas aparecem”. E, de facto, elas catrefa de outros minhotos ensonados e de alguns
apareceram. Depois da manhã clara sobreveio a transmontanos assarapantados, todos de preto, dos
tarde cinzenta, anoiteceu; e novamente se fez dia. sapatos até à boina. Cada um carregava a sua ma-
Escreveu-se direito por linhas direitas, e tudo aca- leta de cartão na mão direita, uma sandes de chou-
bou por se recompor, graças a Deus. Com alguns/ riço na esquerda, e uma sacola de pano a tiracolo, e
bastantes sacrifícios, é certo – quem consegue hoje uns atrás e outros à frente e todos à nora, à procura
singrar na vida sem eles? –, mas também sem má- de um reverendo com sotaina e chapéu que,
goas, sem quaisquer ressentimentos... antes com empoleirado numa mala de porão, lá ia dando bai-
muita, muita gratidão pelas bases recebidas. E a xa da malta no rol, à medida que nos apresentáva-
prova provada é o meu regresso, sempre que pos- mos, com o bilhete do comboio entre os dentes,
so, ao seio mátrio, consubstanciado na instituição que as mãos não chegavam para tudo. Seguiu-se
que de direito e de facto nos representa e um longo, pachorrento e sedento percurso até To-
(re)vivifica: a ARM. Porque, como disse, a tripeça mar. Empacotado num fatinho de fazenda preta a
que foi Tomar-Cernache-Cucujães continua a ser estrear, sempre com um olho na mala, e com o ou-
para mim uma referência, fundamental. Sem ela, a tro no guia reverendo, como o meu pai me havia
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 282

ensinado, mal me sobravam olhos para as sauda- e religioso, durante todo o 4.º ano. As classifica-
des que já assomavam ou para os anúncios da “Pasta ções eram confirmadas semanalmente, até que eu
medicinal Couto” e do “Licor beirão”, descabidos me decidisse a revelar “coisas gravíssimas” relati-
naquelas carruagens com bancos de tábua corrida. vas a dois colegas expulsos no início do ano, (en-
Fiz o trajecto da estação de Tomar ao Convento, volvendo sexo, disseram-me sete anos mais tarde)
com a mala de cartão ora às costas ora à cabeça, e das quais se julgava que poderia ter tido conheci-
até que me rebentaram umas bolhas nos pés, pou- mento, por ser amigo deles, mas que eu, de facto,
co dados a sapatos, e foi assim com algum sofri- desconhecia em absoluto. Eram as únicas negati-
mento que entrei no Claustro da Micha, naquele vas a comportamento entre todos os alunos do meu
fim de tarde cinzento de Outono. ano, e recordo que alguns colegas fugiam de mim,
Era tímido e, naquele ambiente estranho, toda nos recreios, talvez com medo de serem considera-
a minha confiança se ancorava na amizade de ou- dos cúmplices. Não conseguindo que me esclare-
tro galfarro da minha aldeola que havia embarcado cessem sobre o que se passava, não descortinando
na mesma aventura. Conversávamos os dois e tudo qualquer explicação para o injusto e tremendo cas-
começava já a compor-se quando um senhor pre- tigo moral a que, ao longo de meses infindáveis,
feito, depois de algumas informações gerais sobre estava a ser sujeito, pensei mil vezes em abando-
as rígidas normas disciplinares por que passaría- nar o seminário, mas sabia que os meus pais e o
mos a reger-nos, nos advertiu que, a partir daquele pároco não me perdoariam tal dislate, e era tam-
momento, estávamos impedidos de falar ou, de bém certo que não poderia contar com qualquer
qualquer modo, comunicar um com o outro. Ti- apoio, até porque éramos, naquela altura, uma de-
nham-nos separado em turmas diferentes, talvez zena de irmãos. Os seminários eram os colégios
precavendo alguma amizade particular, que o se- dos pobres, na sociedade portuguesa de então, par-
guro morreu de velho. Foi como se o Convento me ticularmente no mundo rural, onde mourejava a
desabasse em cima. Aquele colega de infância era quase totalidade da população, enquadrada pelo
a minha referência, naquele vasto mundo novo. clero. Os seminários constituíam praticamente a
Com aquela decisão desastrada, associada ao des- única saída, para qualquer miúdo que gostasse mais
conforto do corpo e ao sofrimento da saudade que dos livros que da sachola, incluindo-me a mim, fi-
assomava, senti-me amachucado. Pousando os lho de alfaiate, mas pouco dado a alinhavos. Ha-
olhos amargurados numas goteiras trabalhadas num via, assim, que amortalhar a alma, afivelar o rosto
dos cantos do Claustro, comecei a aperceber-me e seguir em frente, nem que fosse com as tripas na
de que a minha vida de estudante poderia tornar-se mão, como a minha mãe em diversas circunstânci-
da cor do fato e da gravata desajeitada que trajava. as me inculcara. Foi o que fiz. Com alguma raiva,
Os miúdos de parcos meios, para serem adultos, com muitas jaculatórias, mas sem alegria de viver.
têm de iniciar precocemente o processo doloroso Foi uma tremenda borrasca a minha adolescência.
de destruição da infância. As lágrimas que então Sem faróis na costa. Saí dela muito encharcado.
chorei ao sentir que começava a agonizar a criança
que trazia dentro de mim, ajudaram-me a entender Uma tarde de bonança
que, para os pobres, a infância é como um rio que
gela no seu curso, impedido de chegar à foz. E foi A longa manhã submersa não me gelou o espí-
assim, ao iniciar este processo tosco de amadureci- rito, nem me estiolou a sensibilidade para a
mento acelerado, que dei comigo a pensar, pela policromia da vida. O sol reapareceu nos anos da
primeira vez na vida. Toda a minha infância tinha juventude, em Cucujães e em Valadares. A vida
sonhado que o mundo era azul. Naquela noite, com retomou o seu curso, a ternura e a verdura da espe-
soluços entrecortados, verifiquei que, afinal, era rança voltaram. Conheci o sabor da amizade e o
negro como uma padieira de forno. prazer do estudo, readquiri a alegria de sonhar.
Dias melhores vieram. E outros piores, de Conheci jovens padres que transbordavam entusi-
chumbo, como os de Cernache, quando me atribu- asmo, ouvi testemunhos fantásticos de velhos mis-
íram notas negativas a comportamento moral, civil sionários e tive um professor que me permito no-
283 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

mear, porque me deu coordenadas novas, ajudan- das classificações negativas a comportamento, já
do-me a descobrir rumo: o saudoso Pe. Alfredo referidas, sofri ameaças veladas e outras côdeas
Alves. Devolveu-me auto-estima, auto-confiança, duras que o diabo amassou e que os princípios ele-
convenceu-me que valia a pena jogar a vida. So- mentares da pedagogia não aconselham, mas é tam-
nhei seriamente ser padre. Estudei, rezei e senti a bém conforme à boa verdade afirmar que as doses
força da fé para avançar. Os últimos anos do curso de sopa de urso não eram servidas regularmente, e
de teologia foram, contudo, de alguma turbulên- que os dias fastos eram mais vastos que os nefas-
cia. Face às hesitações que sentia, no final do curso tos. Apanhava-se, às vezes, com estilhaços de pes-
optei por não me ordenar, apesar dos apelos cordi- soas que sofriam de algum recalcamento ou frus-
ais do meu director espiritual. Pedi para rumar à tração assolapada, e gente havia que, talvez por ter
África, até que as águas clareassem. Não clarea- contraído resfriado no vendaval que assolara a Itá-
ram. Os dois anos da minha experiência de vida lia em meados do século, se armava em capataz e
missionária, em Nampula, em vésperas da inevitá- puxava da chibata. Mas esqueçamos estas agruras,
vel e mais ou menos previsível independência, fo- porque dos estilhaçados e dos engripados cuidará
ram de alguma tensão, de pequenas traições e de o Senhor. Vamos adiante.
surda guerrilha entre algumas pessoas da Diocese, Como já relembrei, os idos do Couto de
envolvendo também membros da Sociedade. Com Cucujães suavizaram o meu quebranto. Do que se
o crepitar da crise, casos houve em que a nobre passou antes e depois, recordo nomes e lugares, mas
solidariedade humana e a sublime caridade cristã sem qualquer rancor. Era o sistema. Era mesmo. A
se esboroaram, cedendo lugar a pequenos ninhos Sociedade funcionava como uma família numero-
de víboras e a um ou outro saco de gatos, mais ou sa e de reduzidos recursos, onde os irmãos mais
menos assanhados. Segui para Lourenço Marques, velhos cuidavam dos mais novos. Comparada com
onde estudei, procurei emprego e constituí família. algumas multinacionais, como jesuítas,
Dos conturbados anos de Nampula guardo, to- franciscanos ou combonianos, a Sociedade era, afi-
davia, algumas recordações excelentes e grandes nal, uma pequena empresa familiar. Havia projec-
amigos, dos que me dão sentido e unidade à vida, e to e mística a rodos, havia vontade e dedicação sem
por quem dou a camisa. Devo também referir, em limites, mas faltavam, por vezes, instrumentos fun-
abono da verdade, que não foi por falta de exem- damentais, como educadores competentes. Uns
plos que não segui em frente. Muitos missionários eram bons, outros menos. Em certos aspectos,
e missionárias com quem privei em Nampula, e laborava-se em vão de escada, sem ferramenta ade-
também em Porto Amélia, ainda que só de passa- quada. Algumas peças terão saído canhestras, como
gem, são pessoas excelentes, das mais interessan- eu. Estou certo, porém, que a minha vida teria sido
tes e admiráveis que até hoje conheci, em termos bem mais difícil sem o apoio prestimoso, inesti-
de bondade, de generosidade, de entrega, de fé. mável dos seminários e dos educadores que tive.
Vergo-me a eles, em preito e homenagem. Deram o que tinham para dar. E deram muito. Foi
graças à educação austera, rigorosa, quase espartana
Até ao meu regresso que recebi, à tenacidade e persistência que me in-
cutiram, ao hábito de me desenrascar sozinho que,
Iniciei estas memórias dos meus longos anos depois, sem tropeços nem angústias, acabei por
de internato, pintando aguarelas de alguns momen- fazer uma licenciatura e um doutoramento, por es-
tos difíceis que passei nos seminários menores. Car- crever vários livros e artigos em diversas revistas,
reguei nas tintas e terei até borrado a pintura, mas por ensinar e debater com mestres e doutores, por
foi só para estimular a catarse, porque não culpo presidir a pequenos grupos e movimentos. Fui pro-
ninguém. fessor, conselheiro de orientação profissional,
Nem tudo era paz e amor na seara do Senhor, e gestor de recursos humanos, técnico superior as-
não há que escondê-lo. É certo que nas calendas de sessor de Finanças, chefiei serviços académicos e
Tomar comi alguns carolos no coruto e uma biquei- outros serviços públicos, dirigi a construção de
rada no traseiro, e que, nas nonas de Cernache, além imóveis, e em todas estas variadas circunstâncias
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 284

percebi como me era útil a bagagem herdada da II - Entrada na SPMCU:


Sociedade. Vivi e trabalhei em diversos continen- Em Outubro de 1958 – só, no fim do dia, pelo
tes, pratiquei desporto e corri maratonas em dife- refeitório do Convento de Tomar.
rentes latitudes, às vezes fazendo apelo ao espírito
de adaptação, de desapego e de sacrifício treinados III - Saída: Julho de 1965
na adolescência e na juventude. Fim do 2.° ano de Filosofia
Depois de ter andado pelos quatro cantos do
mundo, e de ter tido oportunidade de o conhecer IV -Membros da SPMCU que marcaram o
mais ou menos de lés a lés, estou de regresso ao meu percurso:
rincão de origem. Curtindo o outono da vida e Pe. Garcês; Pe. Ramos; Pe. João Valente; Pe.
aguardando que os filhos estejam criados e econo- Trindade, Pe. Castro, Pe. Alves e Irmão Ribeiro.
micamente independentes, dou comigo, às vezes, A todos aqueles que influenciaram o meu ca-
a gizar planos para um regresso a terras de missão. minho, cujos nomes não recordo agora e que con-
Talvez no Brasil. Um assunto a amadurecer, com a tribuíram para a minha visão de Deus, do mundo e
mulher e demais família. Resta-me apresentar pa- dos homens, aqui quero deixar o meu testemunho
rabéns à Sociedade, pelos seus 75 anos. Votos de de agradecimento com um simples bem-hajam.
longa vida! E um abraço de enorme gratidão e
amizade a quantos colaboraram na minha forma- V - Companheiros da VESTIÇÃO CLERI-
ção. Bem-hajam! CAL - 3-12-64
Carcavelos, 31 de Janeiro de 2005 Acilino F. Pedro, Adelino C. Serafim, Aníbal
Amadeu Gomes de Araújo Fernandes Morgado, Antero A. L. Duarte, Carlos
Amílcar Dias, Joaquim Ferreira de Araújo, Joaquim
Rua Luís de Camões, 632 Martins da Costa, Joaquim Patrício da Silva, José
Arneiro Manuel Rainha, José V. Pereira da Silva, Laurindo
2775-518 Carcavelos
Neto, Luís M. F. Gomes, Manuel A. Vilas-Boas,
Tel. 214 564 625 / 934 285 048
E-mail: agaraujo@portugalmail.pt Manuel Rodrigues Ribeiro, Miguel Nunes
Ramalho, Pedro M. da Costa Amado, Serafim dos
Santos Rosário, Vítor M. da Silva Borges.
38. O MEU TESTEMUNHO Quero saudar neles todos os companheiros de
percurso e deixar uma mensagem de amizade de-
sejando a todos, nestes 75 anos da SMBN, as mai-
ores felicidades “assim na terra como no céu”.

VI - À SPMCU/SMBN e a todos os seus mem-


bros quero expressar um testemunho de agradeci-
mento e apreço pelo seu trabalho positivo que mar-
cou a minha geração, mesmo em tempos difíceis.
Quero lembrar o contributo do “tio missioná-
rio” que percorria o país, em tempos e estradas di-
fíceis, anunciando a Boa Nova e recrutando alunos
para o Seminário. Foi devido ao seu contributo que
I - Apresentação: deixei de ir para o Seminário de Poiares e ingressei
Nome completo: Manuel Rodrigues Ribeiro na SPMCU. Destinos de uma vida...
Nome profissional: Manuel Ribeiro Era um tempo em que a preocupação com a
Profissão: Advogado educação e evolução dos jovens, nomeadamente os
Data Nascimento: 15/02/46 do interior, não existia, e a Instituição assumiu-a,
Local: Vale da Ribeira (Linhares)- Mesquitela com coragem. Foi o tempo em que a SPMCU edu-
Concelho: Celorico da Beira. cou, todos os anos, dezenas de jovens e contribuiu
285 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

para o enriquecimento cultural e profissional do Com este testemunho pessoal pretendo ter um
nosso país e de alguns países de língua Portugue- gesto de gratidão e reconhecimento a todos os que,
sa, nomeadamente Moçambique. Obra grande. na SPMCU/SMBN, inculcaram sementes de amor
Foi através desse ensino que obtive a forma- a Deus, desenvolvimento intelectual e moral nos
ção básica para encarar a vida. Dessa formação dada alunos que por Ela passaram.
pelos membros da Sociedade, aprendi a gostar e a A sua missão continua a ser actual e importan-
representar teatro, a escrever poesia, a tocar piano te. Exorto-os a trabalhar com coragem neste tempo
(mal, por falta de dom natural) e a filosofar. que se adivinha difícil, mas esperançoso para a
Para tornar o meu depoimento real não resisto integração mais vasta de Deus no coração do ho-
à tentação de aqui deixar poesia escrita em mem. Tudo vale a pena… aos 75 anos.
Cucujães, em Fevereiro de 1964 e 1965, que faz Lisboa, Novembro de 2004
parte das minhas recordações boas. Manuel Ribeiro
Av. Cap. António G. Rocha, 12 – 2.º Dto.
DIÁRIOS 2745-246 Queluz
I Tel. 214 376 542

Branca ou preta (a minha vida sempre) –


Mas secreta
39. UMA AVENTURA E UM DESTINO
No coração de poeta
É que a Rosa do Tempo desabrocha
Ter andado num se-
minário não é exacta-
Ali se abre e se encorola.
meme o mesmo que ter
Vem a noite e o dia
frequentado um liceu,
O insecto e a borboleta
uma escola, um colégio
Atraídos pela nova Primavera
ou uma universidade. Ter
................................................
sido seminarista é uma
Esfloram as rosas ao vento
aventura. E muitas pesso-
Como os flocos de neve quando neva
as se perguntam sobre a
Mas a Rosa do Tempo
personalidade de um can-
Sempre secreta e sempre Bela
didato ao sacerdócio que,
Só a mão de Deus lhe toca e a leva…
por qualquer motivo, abandonou a vocação e vol-
(1964)
tou ao seio dos mortais comuns.
Podem vir a ser presidentes de uma nação como
II
Kubischek de Oliveira, primeiros-ministros como
Tudo passa com o tempo Salazar, presidentes de uma Assembleia Nacional
Na Roda do movimento como Mário de Figueiredo, de uma Academia como
À espera de mudança Astragísilo de Athaíde, escritores como Aquilino
................................................ Ribeiro, jornalistas como Raúl Rêgo, ou exercer as
Passam as árvores floridas mais diversas actividades nos mais diversos secto-
As rosas a as margaridas res, mas quem foi seminarista fica sendo ex-semi-
No Tempo seco do Estio narista para o resto davida.
Porquê?
Tudo passa e tudo morre Eu próprio já várias vezes me fiz a pergunta,
No Tempo que escorre... mas nunca encontrei uma resposta satisfatória. Um
Só eu é que não passo dia destes ainda hei-de sair por aí e entrevistar psi-
Porque fico lasso cólogos, sociólogos, ou pessoas ao acaso para me
No tempo que corre… darem algumas razões deste estranho fenómeno.
(1965) Vários foram os factores que nos levaram ao
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 286

seminário, muitos outros os que nos fizeram Fomos seminaristas e isso foi para nós uma
abandoná-lo. Os motivos de uns foram diferentes aventura. Somos ex-seminaristas e isso representa
dos dos outros. As influências também foram di- para nós um destino.
versas. Uns entraram por vocação, por influência Acho que vale a pena assumi-lo.
das famílias, do ambiente. Outros porque queriam Vítor Borges
estudar, fugir ou simplesmente refugiar-se num
claustro. Depois saíram. Por terem perdido a fé, (Bol 50 (1.ª Série), Mar/Abr 1974, p. 4)
não se acharem aptos ou terem medo de assumi- Estrada Calhariz de Benfica, Lote 2 – 4.º E
rem tão grande responsabilidade, uns. Por julga- 1500-121 Lisboa
rem que se podiam realizar melhor noutro lado, não
tinham vocação ou mais causas ainda, outros. Al-
guns continuaram católicos, outros tornaram-se 40. COMECEMOS PELA SARDINHA
indiferentes e outros ainda ateus. Muitos subiram
na vida, outros não foram tão bem sucedidos. Há- Comecemos pela
os frustrados e resssentidos contra a educação re- sardinha...
cebida, e também os que consideram esses anos os Chegar a Tomar na-
melhores da sua vida. Mas todos foram marcados quela manhã chuvosa de
por essa experiência, que alguns classificam como inícios de Outono não foi
fabulosa e enriquecedora e outros como completa- nada fácil. As curvas e
mente desastrosa. contra-curvas do ainda
Mas a marca ficou. E não há vantagem nenhuma pinhal, que depois virou
em fazer tábua rasa dessa extraordinária experiência eucaliptal, a longa via-
única, mas tirar o máximo partido dela. O culto do gem de 50 Km que demo-
silêncio, o hábito da concentração e da meditação, o rou quase três horas, o
prazer da leitura, o costume da disciplina, da ordem e receio de enfrentar uma nova vida, tudo isso era
da organização, o gosto do estudo, a formação moral demasiado para os meus infantilíssimos onze anos.
e a segurança cultural são algumas características que Aliás, parece-me que na antevéspera eu ainda não
quase todos apontam como a contribuição mais im- era dotado do pleno uso da razão.
portante que o seminário lhes deu e os fez singrar e A recepção foi assustadora. Tanto miúdo da mi-
progredir pela vida fora. nha idade e todos vestidos de bata preta. Aquela
Depois houve aquela entrada de contacto, casa tão grande não cabia na minha cabeça. Con-
vivência face a face com o Absoluto, aquela experi- vento de Cristo! Pensei que aquele nome tinha sido
ência com o transcendente, com Deus, e que só os bem escolhido!
que a tiveram poderão compreender. Creio que mes- O pai e a mãe foram substituídos por pessoas a
mo os que se tornaram descrentes ficaram marcados quem se tratava por prefeito. Como a professora
por esta experiência e na vida hão-de orientar-se sem- Celeste não me havia falado desta palavra, eu en-
pre por algo que seja ou pareça o Absoluto. tendi que era perfeito. E ficava-lhes bem o nome,
Parece-me também que ficou como caracterís- diga-se de passagem.
tica a abertura aos outros e a ideia de que o mundo Divididos em duas turmas, foram os do 2.° ano
se pode transformar para melhor. ensinar-nos onde era a nossa camarata.
Tudo isto são sinais que o ex-seminarista, cla- A seguir à ceia, que ali afinal se chamava jan-
ra ou veladamente, carrega consigo. São valores tar, fomos para o recreio, que neste caso foi num
que tornam por vezes estranhos no meio dum mun- corredor que ainda hoje considero enorme. A chu-
do materialista estes homens ou rapazes que como va que tinha caído enregelava o corpo. As mãos
nós passaram a adolescência ou a juventude na estavam frias? A solução era fácil, disseram os do
exaltação de um ideal que depois mudou de rumo. 2.° ano. Vamos jogar à sardinha.
São qualidades que devem ser aproveitadas, por- Aí, veio-me à lembrança a ceia na casa pater-
que cada vez vão rareando mais. na. Couves, batatas, uma petinga ou uma ponta de
287 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

toucinho. E nesse pensamento o desânimo apode- 41. TESTEMUNHO


rou-se de mim por momentos.
E fui iniciado no jogo da sardinha. Naquela longínqua
Se levei muitas? Pudera! Eu nunca tinha joga- madrugada de sete de
do à sardinha e o meu parceiro já tinha pelo menos Outubro de 1959, eu e o
um ano de treino. Apesar de tudo, a rudeza das Carlos, vizinho e compa-
minhas mãos aguentou a esfrega daquela noite. nheiro, iniciámos a pri-
E, depois daquele dia completamente inespe- meira grande aventura
rado e estafante, lá me fui deitar de pés frios – que das nossas verdes vidas.
falta me fez a lareira! – e de mãos a arder de tantas Meninos e moços, bem
que levei. cedinho, ainda noite, dei-
Nos dias seguintes, lá fui andando no rego. Des- xámos a aldeia, a família
culpem-me a expressão, mas, para quem aprendeu e os amigos e partimos
a andar também atrás de um arado, esta é a palavra rumo ao Convento de Cristo em Tomar. Pelo cami-
certa. nho encontrámos outros companheiros que segui-
Tomar, com passeios às quintas-feiras e às ve- am o mesmo destino. Em nós tinham ecoado os
zes com pinhões pelo caminho, Cernache e ainda apelos inflamados, lançados pelos Padres da Soci-
Cucujães. De garoto a adolescente, eu via-me crescer edade Missionária nas missas dominicais, celebra-
em todos os sentidos. E sentia-me muito gente, espe- das na capela da aldeia.
cialmente em cada verão, quando os meus vizinhos
me perguntavam para que ano tinha passado! No Seminário vivi dias, meses e anos fantásti-
E o que é que me ficou destes oito anos de cos. Tempos cheios de vida e alegria. Uma corrida
vivência? Muito! Imenso! Valores, atitudes, hábi- alucinante de felicidade e entusiasmo que, refreada
tos de gestão de tempo, controlo da vontade, for- pelo rigor da disciplina, para sempre me moldou o
mação integral e um sem número de outras ferra- espírito e temperou o carácter. Porém, o meu desti-
mentas que me moldaram a personalidade. no estava traçado por outras vias, afastado dos ide-
E se nem tudo foi completamente positivo foi ais missionários. Começava o ano lectivo de 1962/
porque na nossa vida nada o pode ser completa- 63 quando abandonei o Seminário de Cernache.
mente.
Mereci tudo o que recebi? De todo que não. A adaptação ao novo mundo nem sempre foi
Tudo isso me foi oferecido. E estou muito grato a fácil. Por vezes andei errante ou sem grande norte,
todos os que apareceram no meu caminho. à descoberta de novos horizontes. Ano após ano vi
Carlos Amílcar Dias a vida passar e hoje, de vez em quando, ainda dou
Rua João Morais Barbosa, 9 - 1º C por mim à procura de algo perdido na bruma dos
1600-416 Lisboa tempos.
Tel. 217 156 179 / 916 003 039
E-mail: dias.carlos@netcabo.pt Daqueles tempos, já tão distantes, apenas res-
tam as saudades. Mas valeu a pena tê-los vivido.

Celestino Cândido Rodrigues Neves


Rua Dr. Francisco Sá Carneiro, 92 – 3.º Porta 5
2490-548 Ourém
Tel 249 543 011 / 917 231 764
E-mail: ccrneves@clix.pt
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 288

42. UM SINCERO BEM-HAJA o meu percurso, vejo realmente que tenho sido
missionário, mas de um modo diferente. Sei tam-
A celebração dos se- bém que muito do que sou e como sou à Sociedade
tenta e cinco anos de Missionária o devo. Em primeiro lugar pelo ciclo
existência da Sociedade de estudos que me proporcionou e que foram a
Missionária, leva-me a base para outros voos. Os seminários, numa épo-
revisitar o meu passado, ca em que o ensino público era bastante elitista e
abrir o baú da memória, as escolas se concentravam apenas nas cidades,
recordar os meus tempos foram a saída para muitos jovens do meio rural e
de criança e juventude, de recursos económicos mais débeis. Em segun-
passados nos seminários do lugar pelos valores incutidos como: a discipli-
de Tomar, Cernache do na, a solidariedade e lealdade, o sentido de justi-
Bonjardim e Cucujães ça, o amor ao trabalho, à arte, à cultura, valores
que frequentei desde 1959 a 1966. Mais concreta- emanados de um projecto educativo, que apesar
mente posso dizer que foi nos primeiros dias de de uma disciplina rígida e talvez com outras defi-
Setembro de 1959, na aldeia de Caçarelhos, con- ciências, o certo é que contemplava o aluno em
celho de Vimioso, que iniciei essa minha caminha- toda a sua dimensão. O tempo era escrupulosa-
da. Ali nos reunimos vários alunos do concelho, mente aproveitado nas aulas, no estudo, na ora-
candidatos ao seminário, a fim de na presença do ção, no desporto, no teatro, na música, em alguns
“Tio Missionário” prestarmos provas escritas de trabalhos de jardinagem ou na quinta, e até nas
admissão. Dali a dias chegou o veredicto de apro- quintas-feiras havia o tradicional passeio pelas
vado, e entrar no seminário de Tomar no dia um de redondezas, e à noite, a aula de civilidade nor-
Outubro, devendo minha saudosa mãe marcar o malmente dada pelo Sr. Reitor. Não faltava o pas-
meu enxoval com o n.º 602. seio anual a locais importantes e por vezes, nor-
A viagem até Tomar foi a minha primeira ex- malmente em Setembro, o acampamento junto ao
periência de contacto com um novo mundo. Com a mar. Assim se criaram raízes para a vida e, agora,
falta de estradas e comunicações na época, agora, lhe reconheço o valor ao constatar tudo o que se
os meus horizontes alargavam-se então para lá da passa nas escolas de hoje.
aldeia onde nasci. Tenho ainda bem focado na reti- Por isso, nesta hora de júbilo, quero expressar
na a imagem do padre Carlos Fernandes, com seu à Sociedade Missionária o meu sincero bem-haja.
hábito clerical, à nossa espera na estação ferroviá- Mas deixo também outro bem-haja ao meu pároco
ria de S. Bento na Cidade Invicta. Ele seria o nosso de então e à minha professora primária, os primei-
guia para nos acompanhar dali até Tomar. ros obreiros nessa minha caminhada, que conven-
Chegado ao histórico Convento de Cristo, ini- ceram meus pais a deixar-me frequentar o seminá-
ciei então um ciclo de vida que me marcou para rio. A Sociedade Missionária, no concelho de
todo o sempre. Não cheguei a sacerdote, mas o pro- Vimioso, era muito conhecida devido ao padre
blema da vocação foi amadurecendo ao longo dos Amândio Augusto Lopes, ele próprio ordenado na
sete anos em que frequentei o seminário. A princí- Sociedade, mas depois incardinado na diocese de
pio, ainda criança, e com toda a magia do pensa- Bragança-Miranda. Na altura era o meu pároco.
mento de criança, o sacerdócio era o ideal a atingir. Para ele deixo aqui o meu fervoroso “requiem”.
Mais tarde, como jovem, já outras perspectivas se Para a minha professora, D. Aninhas Gonçalves,
punham. Depois, já em filosofia, o pensamento também grande dinamizadora da paróquia, um beijo
começou a ser coerente e o problema da vocação de reconhecimento e amizade.
pôs-se abertamente. Afinal, não seria padre, opta- Finalmente uma interrogação. Os membros da
ria por outro caminho!... Mas, na minha despedi- A.R.M. (Associação Regina Mundi) associam-se
da, prometi que não esqueceria a Sociedade e seria com alegria à celebração das bodas de diamante da
missionário à minha maneira. Sociedade Missionária, porém, vemos um mundo
Hoje, a tantos anos de distância, e olhando para em completa transformação. Com os seminários
289 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

vazios urge perguntar: – Qual o futuro da A.R.M? guns padres, também nos apetrechou, aos outros
Creio que Deus lhe dará a melhor solução. que somos leigos, com uma certa forma de estar e
Serafim dos Santos Alves do Rosário de ver a vida. A disciplina, as regras são um meio
Av. do Sabor para conseguirmos outros objectivos e na Socieda-
5230-201 Santulhão de Missionária não faltavam, felizmente, até eram,
Tel. 273 579 114 / 967 088 491 no meu modesto entender, supérfluas ou excessi-
vas porque, na época, não havia a coragem de ex-
plicar a sua razão de ser (influências do regime, da
43. TESTEMUNHO DE UM EX-SEMINARIS- época). Antes assim do que o regabofe que se ouve
TA DA SMBN, NEM DE LOUVOR FÁCIL hoje na comunicação social (veja-se o caso dos
NEM DE CRÍTICA GRATUITA padres pedófilos nos EUA e do seminário que foi
encerrado na Áustria, por homossexualismo) so-
Fui aluno da SMBN, bre a Igreja Católica.
entre 1960 e 1967. Viví- A SMBN assegurou o ensino que o Estado não
amos um tempo contur- proporcionava nomeadamente às pessoas pobres e
bado de fascismo, de po- longe das cidades. É absolutamente necessário e
lícia política e de censu- imprescindível reconhecê-lo. Outra função essen-
ra em que as liberdades cial da SMBN e, afinal, a razão por que, há 75 anos,
fundamentais não eram foi instituída pelo papa Pio XI, é a missionação.
respeitadas a par de uma Ainda há bem pouco tempo faleceu o Pe. Ál-
guerra colonial e de pro- varo Patrício. Ele e o seu irmão Pe. José Patrício
paganda mais ou menos foram dois grandes missionários, na altura em
despudorada ao regime Moçambique. Agora temos missões também em
vigente. É neste contexto que se inserem os sete Angola e Brasil. Parabéns aos missionários que
anos em que eu frequentei os seminários da Soci- muito fazem com bem pouco.
edade Missionária. Quero afirmar, apesar disso, que Foi também na Sociedade Missionária que co-
me sinto honrado por ter tido o privilégio de lá ter mecei a gostar de Educação Física e desporto que
estudado e, talvez se assim não tivesse acontecido, são cada vez mais necessários e recomendáveis,
não teria atingido o nível cultural que hoje tenho, ape- mens sana in corpore sano. Nunca auferi nada com
sar das dificuldades e limitações por que passei. o desporto e sou um defensor acérrimo do despor-
A minha formação não é, hoje, simplesmente a to amador e do espírito olímpico que tanto tem ser-
que lá adquiri pois tem muito de autodidactismo e vido para o desanuviamento de tensões, a nível
das escolas que posteriormente frequentei. De to- mundial, e de aproximação dos povos.
das elas, a mais cruel é, sem dúvida, a Escola da Também foi na SMBN que comecei a desper-
vida. Foi todavia na Sociedade Missionária que tar para o teatro e para a música, duas formas de
aprendi as bases em que fui construindo tudo o res- cultura que muito aprecio. Os seminários estavam
to, fortalecendo a minha personalidade que, de frá- instalados quase no campo e eu que já gostava pas-
gil, se tornou forte. Para tal, tive de ir actualizando sei a apreciar mais os prazeres e as delícias do cam-
e adaptando esses conhecimentos com vista à re- po, desde o ar puro à boa fruta que nós mesmos
solução dos problemas com que ia deparando. Devo íamos apanhar na quinta para o lanche. Os passei-
isto, sobretudo, ao meu apurado sentido crítico (no os campestres que a gente dava de vez em quando;
zodíaco chinês, sou rato, no ocidental, sou virgem) enfim tenho saudade de tanta coisa que nem eu já
que faz de mim um amante quase obsessivo da ver- me lembro...
dade das coisas. Será essa, talvez, a minha maior No ano em que celebra 75 anos de existência,
virtude se outras não tiver. Detesto visceralmente a parabéns à Sociedade Missionária e muito obrigado.
hipocrisia, com a qual não pactuo, muito embora
possa parecer orgulhoso e arrogante. 12.08.2004
A Sociedade Missionária além de formar al- José Augusto Rodrigues
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 290

PS – Como eu não quero ser mais papista que estar todo vestido e com batina precipitou-se na
o Papa, vou lembrar o que ele diz na sua encíclica água tendo ficado todo molhado.
“A Fé e a Razão”: a história do homem é uma bus- Recordo o Sr. Padre Lima por ser um dos Már-
ca incessante para descobrir a verdade ao nível ci- tires da Sociedade Missionária e ter tido a honra de
entífico e filosófico. Ninguém o consegue sem, com ele ter sido um dos meus superiores.
humildade, seguir a máxima socrática “Nosce te Francisco Moreira de Matos Mota
ipsum”. É o que eu gostaria de ver na ARM e sua
Rua D.Miguel
direcção e na SMBN, sendo que eu não sei o que é Casal Novo
hoje a SMBN e como se rege. Só sei que este Papa, 3720-859 Vila de Cucujães
que alguns apelidam de conservador, tem um pas- Tel. 256 827 909
sado de luta contra a ditadura, de desportista e de
operário, um altíssimo respeito por todas as religi-
ões e um humanismo ímpar que o levou ao cúmulo 45. TESTEMUNHO
de ir a Jerusalém e pedir perdão aos Judeus, atitude
que, a meu ver, não se justificava, por excessiva. O indelével perdura.
J.A.R. Ficar-me-ei por peque-
Praceta Irene Lisboa, 5 – 2.º Esq. nos factos pois é difícil,
Arroja em “uma página A4 (po-
2675-554 Odivelas
dendo ir até duas)”, trans-
Tel. 219 328 700 / 968 569 620
mitir o muito que recebi
e o muito – tudo – que
44. TESTEMUNHO DA MINHA PASSAGEM procurei dar à minha
PELO SEMINÁRIO vivência na Sociedade
Missionária. Neste seu
Estive na Sociedade aniversário de 75 anos,
Missionária de 1961 a fica bem abrilhantarmos o diamante. Não é favor
1963: frequentei o Semi- este brilho. É dele próprio, porque ele também é
nário do Convento de nosso. Do “mais que tudo”, na dedicação ao evan-
Cristo em Tomar, o Semi- gelho, sobressai a convivência fraterna, os laços
nário de Valadares (anti- sentidos quer com os colegas quer com os superio-
go) e o Seminário de res. Mas alicerçada na oração eucarística e na de-
Cernache do Bonjardim. voção à Imaculada. Valores que, se não feito apelo
Apesar de terem sido na vivência constante e profunda, se nos vão roti-
apenas três anos, foram neiramente esmorecendo.
particularmente gratifi- A todos os membros da Sociedade, vivos ou
cantes e guardo dentro de mim inesquecíveis re- falecidos, me sinto ligado pelo percurso trilhado.
cordações, tanto dos superiores como de colegas. Por nenhum me senti menos aceite ou pessoalmente
Além do enriquecimento na minha formação, ferido. A alguns me conservo particularmente mais
a passagem pela Sociedade Missionária ajudou-me ligado e devedor.
imenso quando tive de enfrentar a vida – sou Téc- Dei entrada no Seminário de Tomar e nele com-
nico Oficial de Contas e sempre estive ligado ao pletei os anos lectivos 1960/61 e 1961/62, seduzi-
sector de contabilidade. do por algo de diferente no horizonte da vida. Como
Facto relevante que se tenha passado nessa épo- marcantes destaco dois acontecimentos. O primei-
ca: recordo o Padre Lima que, ainda Diácono, foi ro ainda o sinto vivo como há 45 anos: foi a data
figura de relevo num dos passeios à ribeira da Sertã. do crisma. Mas esteve muito entorpecida em mim
Quando os alunos estavam a tomar banho, aperce- esta vivência. Revivo-a desde há alguns anos (so-
beu-se que um estava com as pernas para o ar, na bretudo, pela vivência familiar emergente após 98,
água, pensando que se estaria a afogar; e apesar de ano do Espírito Santo) tornando-se a chave de in-
291 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

terpretação de muito do que tenho vivido e do per- Nova”!) e realizações empenhadas em comunida-
curso salvífico de Deus na história que vamos fa- des cristãs.
zendo. Identifico o meu ajoelhar naquela capela, Terminei teologia e fui para a Diocese de
os passos que dei e, acima de tudo e por tudo, o Nampula. Encontrei uma verdadeira Sociedade
extravasar do fogo-força interior por que fui inva- Missionária: fraternidade cristã de irmãos em de-
dido. O segundo, foram as apanhas de pinhão jun- dicação pelo Reino.
to aos Pegões. Facto banal, não fora a dimensão de Foi uma missão de 73 a 78, tanto mais huma-
repouso interior, vivido em Deus, que essa insigni- namente rica quanto cristãmente foi sentida. Pela
ficante e ignota actividade me proporcionou debai- entrega, pela doação da vida. Desde o tempo da
xo daquela suave brisa, sibilando na copa dos man- guerra, ao atravessar da independência e ao expe-
sos pinheiros. rimentar das novas políticas: com os pobres e os
De Cernache do Bonjardim relevo, continuan- necessitados sempre na nossa mira, sempre na en-
do Tomar, o fervoroso terço (quantas vezes entre- trega do nosso coração – o que, por vezes, teve com
meado de cânticos) pela avenida das tílias até à gruta a vida de ser demonstrado. E foi o que valeu...
da Imaculada (e para esta festa de 8 de Dezembro Vivi tempos de comunhão marcante: mais com
– data em que escrevo –, aquelas novenas e festa os conviventes habituais e com os das comunida-
na igreja...). Mas também a capela nos tempos em des e/ou “missões” próximas da nossa; mas foi
que carinhosamente enfeitávamos o altar e de onde, notável com toda a Região (de Nampula). Um ponto
já sonolentos, nos despedíamos à noite da Mãe com que considero de referência aconteceu com a
o canto da “Salve, Regina...”. E os passeios pelos Assembleia Regional realizada em Malatane. Lo-
montes? E os famosos passeios grandes? E os co- cal a que, como a Iapala, Corrane, Murrupula... tal-
mentários a passagens evangélicas para as quais o vez não soubesse hoje lá chegar. Mas, se lá coloca-
prefeito (Pe. José Maria) nos escalava? (Guardava do, conseguiria fazer reacender nos locais a chama
bem viva esta memória quando, anos mais tarde, dos encontros de há 30 anos.
partilhávamos em Moçambique a tarefa de lá nos Na equipa (como lembro aquela Momola!) vive-
vivificarmos no evangelho, a boa nova!...). mos padre, irmão e dois “estagiários” “...a alegria de
Seminário de Cucujães. Salta-me logo ao es- vivermos como irmãos”. Aqueles serões, sentados nas
pírito a figura (profunda e perspicaz) do Pe. Alves. cadeiras de palha, rezando o terço na varanda, ao som
Marcante! E, de outro cariz, a do Pe. Campos. do silêncio da noite e ao brilho das luzes trémulas das
Probandato. Tempo forte, local extra (também estrelas, em ciclos, com o espraiar lunar duma “lua
Convento de Cristo, Tomar). Revivo alguns mo- que não é mentirosa como na nossa terra” (sempre
mentos. Faço sobressair a peregrinação que fize- nos explicava o nosso irmão Balau)!...
mos a pé a Fátima; e a noite que, como peregrinos, Quão grande foi toda a experiência com a(s)
lá vivemos “neste” tão querido Santuário, tão aco- comunidade(s) que servíamos!... Desde construir a
lhedor, tão fazedor de paz, para mim desde sempre capela (cortar paus à catana, arranjar capim, fazer
(desde criança) tão atraente e memorável. A 27 de o seu transporte aos ombros à moda ensinada pelo
Julho de 1969 fizemos a nossa Consagração Tem- Pe. Godinho... vê-la erguer...) até às celebrações
porária na Sociedade. Naquela “bendita” capela! dominicais com ou sem presbítero e que demora-
No Seminário da Boa Nova (Valadares) o tem- vam tanto quanto demorassem..., dependendo da
po foi de um grande esforço de e na mudança. Boa, vida que lhes colocávamos em partilha. Habituado
penso. Pergunto-me hoje: suficientemente reflec- às pressas e ao relógio, guiar-se pelo sol dando
tida e acompanhada para o transcendente do (no) margem ao erro da sombra e estando “sem horas”
real transparente? Mas não sei se poderia ter sido dele abrigado... foi aprendizagem que sem custo
diferente – revejo – tanto era o esforço que em al- consegui interiorizar. E o Espírito estava presente
guns dos superiores se notava. Seminaristas de vá- porque se sentia naqueles cristãos que, sem ampa-
rias proveniências (Sociedade e Dioceses), novos ro, remavam contra a corrente: tanto da política
horizontes, ensino partilhado extra-muros, grandes como das crenças e “religião” pela grande maioria
feitos (aqueles “ritmos litúrgicos” e o “conjunto Boa professada.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 292

Na nossa comunidade tínhamos as tarefas dis- 46. A MINHA HOMENAGEM


tribuídas. E à nossa responsabilidade específica,
cada qual tinha alunos associados. Foi uma experi- Mais que narrar uma
ência educacional muito gratificante. E foi ela a história repetitiva com al-
que mais elevou a nossa actividade face às autori- gumas notas individua-
dades no pós-independência. Na verdade, o con- lizantes, tem a presente
fronto entre a teoria e a prática nem sempre resulta por propósito render o
em verdade. Sobretudo no que se referia à estrutu- meu preito a uma plêiade
ra económico-laboral nós provámo-lo para surpre- de educadores que soube-
sa do comité do partido no poder e louvor de Cris- ram suprir a falta de uma
to, motor da acção missionária. preparação curricular es-
Estava eu, ao tempo e desde o período de tran- pecífica pela dedicação ao
sição, a leccionar no Liceu de Nampula. Foi uma munus ministerial assumi-
forma de manter presença “diferente” e de me aus- do e outrossim a uma organização educacional cuja
cultar nos jovens que enfrentavam o desafio de um identidade de objectivos teve que ser reformulada
país independente. Em nome do que tudo tivemos no percurso do tempo.
de deixar. O que construíramos e a proximidade
dos laços humano-cristãos que nos animavam. Mas Totalizando um universo de 86 candidatos ad-
sem menos ânimo. Fortes com o Espírito que nos mitidos ao primeiro ano de ensino secundário, po-
(e às nossas coisas) enforma(va). pulação maioritariamente procedente das Beiras do
Vivi um ano integrado em outra comunidade Interior (34), do Douro Litoral (18), de Trás-os-
com um frade (padre) dominicano em zona dife- Montes e Alto Douro (16), do Minho (10), da Bei-
rente da Diocese – Nacala – para onde fui transfe- ra Litoral (5), do Ribatejo (2), registando-se ainda
rido, leccionando na Escola Secundária. Fizemos uma presença do território insular da Madeira, con-
família juntando a nós um casal moçambicano que vergimos no ano de 1961 para o vetusto Convento
vivia em outra dependência da residência paroqui- de Cristo em Tomar. Na integração do plantel cons-
al. Gostei e apreciava como importante a ida regu- tavam 4 repetentes do ano anterior e uma
lar à nossa casa-mãe, a Nampula. Recordo, deste readmissão do ano precedente. Excepção feita para
tempo social revolto, as grandes assembleias litúr- um caso de vocação tardia, as idades do agregado
gicas na Igreja daquela cidade-baía e das quais, por discente compreendiam-se entre os 11 e os 14 anos.
exemplo na Semana Santa, ninguém arredava pé
durante horas. No imaginário de cada candidato arrancado à
Regressei para estudar medicina. Foi uma de- província profunda e aos seus progenitores, Tomar
cisão suportada pela vontade de ajudar os mais po- representava tão-só o primeiro passo para a
bres e desfavorecidos. Na perspectiva de Cristo. materialização de uma amálgama de motivações
Como sinal do Reino. impostas e/ou mal digeridas, onde caldeavam o
Em família – com esposa e filho – vamo-nos acesso a uma apetecida superação educacional di-
estimulando para que com cada um de nós assim ficultada e porventura inacessível por outras vias,
aconteça pelo Espírito, com a ajuda de Maria, nos- a perspectiva de um posicionamento social de des-
sa terna Mãe e do nosso Mestre, o Emanuel, o Deus taque, a expectativa de algo diferente do precário
connosco. meio existencial, e outras tantas alegações, todas
Porto, 8 de Dezembro de 2004, elas sublimadas com a adesão fervorosa a uma
Festa da Padroeira, a Imaculada Conceição insofismavelmente nobre causa. À semelhança des-
João Manuel da Costa Amado tas, diversas outras personalíssimas justificações
encontravam fundamento e foros de legitimidade
Rua Santo Ildefonso, 366 – 1.º E-Trás
4000-466 Porto no recurso à estereotipada resposta a um chama-
E-mail: j_amado@sapo.pt mento vocacional.
293 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

Uma análise metodicista cartesiana traduzida guiu joeirar em mó de proventos um tal número de
em termos de produtividade levaria o exegeta a con- acrisolados cidadãos competentes e cooperante-
cluir que o rendimento do colectivo, em termos mente empenhados na edificação da sociedade do
absolutos deverá considerar-se medíocre, sendo seu tempo. Por ser controverso, abstenho-me de
certo que dos 86 estudantes um só concluiu a for- demasiadas referências ao tema da formação reli-
matura que se propôs, o que representa um coefici- giosa, preferindo destacar o acervo axiomático de
ente de rentabilidade da ordem dos 1,16 %. Porém princípios morais que pautam o dia a dia consuetu-
os resultados efectivos têm que revestir-se de ou- dinário, quer a nível familiar próximo quer alarga-
tros contornos sob pena de condenação por fracas- do ou societário, e ainda a atitude colaborante nas
so e insucesso. comunidades de inserção e não só, onde não fal-
tam exemplos de engajamento e dedicação em prol
A subtil, multiforme e actuante acção recru- de causas de alto sentido de nobreza.
tadora de um organismo em cujo desiderato
estatutário subjazia a preparação de profissionais Era uma manhã fresca de Setembro outonal ain-
idóneos para dilatar a fé e o Império emergiu, evi- da com odores estivais. As tulhas, palheiros e vár-
denciando-se em eficiência ao conseguir desarreigar zea encontravam-se repletos das colheitas sazonais,
de recônditas aldeias, povoados e casarios, despro- em cuja consecução os meus catorze invernos re-
vidas do direito de constância no mapa, um avulta- clamavam desempenho e cobraram a respectiva
do número de petizes, procedentes de condição quota-parte de intervenção. O cheiro e fragrância
social humilde, preparação académica básica – dos bastardos e moscatéis já acicatava o apetite.
quarta classe e exame de admissão – para transfor- Tendo por bagagem uma bolsa de tecido branco,
mar esta massa humana amorfa em outros tantos exibindo em face bem visível o número 757,
homens válidos e cooperantemente úteis no seu abastecida com merenda para dois dias, encetei uma
meio de assentamento original e adquirido. Com longa e até à data inusitada viagem. Meu destino: a
efeito no cosmos deste quase centenar de indivídu- cidade dos Templários.
os, em cujo currículo passou a constar a repleta de
história, mas ignota cidade ribatejana, podem con- A roupa que trajava, composta por fato, grava-
tar-se profissionais dotados de formação superior, ta e boina pretas; botas (a sapatos, mesmo de se-
de mestres dedicados ao ensino, à docência e à ad- gundo uso, só tive direito no segundo ano) tam-
vocacia; empresários e altos funcionários com res- bém de cor preta, já precocemente me convertiam
ponsabilidades de realce no serviço público, na em seminarista, fazendo emergir na minha mente a
actividade empresarial, bancária e governativa; imagem empossada de outros colegas que me pre-
homens de relevo, destaque e protagonismo no seu cederam.
meio de inserção, no espaço geográfico nacional e Da casa até ao largo da capela (da Senhora dos
na diáspora. Remédios), onde deveria tomar o autocarro da car-
Não integra a dissertação especular sobre o hi- reira, assim designado por fazer o serviço regular de
potético advir de cada adolescente provinciano, se vaivém – ida de manhã, regresso à noite – de Vimioso
um dia uma força motivadora não tivesse interpos- a Duas Igrejas, estação terminal da preguiçosa e an-
to a cidade do Nabão no roteiro dos seus destinos. ciã via-férrea do Sabor, a mãe fez-me as últimas re-
O tema fica para reflexão e perscrutação de cada comendações, já com anterioridade escutadas em
um. Concomitantemente formidável deverá consi- conselho familiar, de aplicação nos estudos, de
derar-se a intervenção de uma Sociedade formado- obediência e respeito aos superiores e ainda outras
ra (leia-se: Sociedade Missionária das Missões de cariz pragmático pela viagem iminente.
Católicas Ultramarinas), porque, com o dispêndio
de recursos humanos e materiais no suceder dos A mala baú, contendo o enxoval preparado em
anos de capacitação curricular potenciou tais re- escrupuloso apego às Normas de Admissão, já ti-
sultados, devendo ter por certo haver dado fiel cum- nha sido expedida em data prudentemente calcula-
primento ao seu móbil estatutário, quando conse- da, para que chegasse ao seu destino em tempo
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 294

oportuno. Já na central, enquanto aguardávamos tidade da nossa agregação. Porém era mister aguar-
permissão de embarque, a mãe deparou numa via- dar pela chegada de um comboio rápido, que fazia
jante a quem indagou para onde se deslocava. ligação com duas automotoras também elas ditas
– Para o Porto, retorquiu. rápidas, uma da linha do Sabor e a outra da linha
– Então encarrego-lhe o meu rapaz, que tam- do Tua, procedentes de Duas Igrejas e de Bragança
bém para lá vai. Agradecia-lhe que olhasse por ele, respectivamente. Alguns dos meus condiscípulos
porque é a primeira vez que viaja. do nordeste transmontano, vizinhos de aldeias não
A tendeira do Campo (de Víboras) anuiu. O servidas ainda por qualquer meio de mobilização
distanciamento progressivo da casa paterna provoca- mecânico, utilizaram esta variante de transporte, o
va em mim um efeito emancipante, produto dos meus que lhes extorquiu uma noite de vigília, deslocan-
já 14 anos. Não obstante, na transição de meio de trans- do-se sobre cavalgadura ou mesmo a pé, para em-
porte e tomada do comboio em Duas Igrejas, na mu- barcar nas referidas composições que, admitindo
dança de composição e de linha, no Pocinho e ainda respeito à tabela, levantariam ferro às cinco horas
na busca de estalagem para pernoitar no Porto, quan- da madrugada. É de notar que o rigor e apego aos
do já tarde, chegados à estação de São Bento, a ocasi- horários tabelados beneficiava tão-só de uma pon-
onal tutora mostrou-se solícita e eficiente. A experi- deração relativa, sendo a laxitude e irresponsa-
ência empiricamente adquirida pelas viagens frequen- bilidade práticas de uso corrente, sempre absolvi-
tes à fonte de acópio do meio citadino, onde se abas- das com alguma causa de força maior ou motivo
tecia de bens de escassa oferta entre as fronteiras do fortuito. Exemplifica o dito a viagem de regresso
seu meio actuante, actividade de que fazia seu ganha- no fim do ano lectivo. O comboio chegou com atra-
pão, convertiam-na em exímia conselheira para qual- so à terminal de Bragança e a carreira que deveria
quer neófito que, tal como eu, se aventurasse numa fazer ligação de percurso já tinha abalado. Conse-
primeira expedição. quência: um grupo de colegas que deveríamos pros-
seguir neste meio, e posto que a disponibilidade
Um sem número de novas e inusitadas sensa- financeira obedecia a cálculos de contenção, tive-
ções se desencadeava na minha mente juvenil com mos de pernoitar em banco de jardim, à espera do
o desenrolar do trajecto: a casuística originadora transporte regular do dia seguinte à mesma hora.
da viagem de cada passageiro que a atitude passiva A reivindicação de direitos era matéria que não
de viajante conduzido induzia e evocava na minha fazia parte do nosso programa curricular! O recur-
imaginação; as altas torres de transporte de fluido so à escola da vida foi a melhor resposta que en-
eléctrico proveniente das barragens hidroeléctricas contrei, quando infelizmente tive que enfrentar
do Douro; as caldeiras aerotransportadas nas mi- farisaicas e pervertidas mentes inescrupulosas e
nas de ferro do Carvalhal, na proximidade de seus mesquinhos interesses sustentados numa ló-
Moncorvo; as diferentes localidades e estações que gica maquiavélica.
paulatinamente iam revelando e dando forma ao
nominalismo cantilenicamente decorado na Hoje estas duas vias e as respectivas estações,
instrução primária; as laranjeiras (nunca tinha vis- outrora geradoras de relativo desenvolvimento lo-
to a árvore: só a laranja na sua cor antonomásica) cal, mas sobretudo factores de aproximação, en-
de onde pendiam os imaturos frutos ainda de cor contram-se desactivadas por obsoletagem técnica
verde; a azáfama e burburinho citadinos ao desem- e atiradas a um inadmissível abandono, em ignóbil
barcar numa urbe das proporções do Porto… quanto desrespeito pelo património edificado, acentuando
motivo para contar aos entes próximos quer por endémicas assimetrias regionais.
carta quer sobretudo pessoalmente no primeiro en-
contro! Pelas quatro horas da tarde, após a chegada dos
últimos colegas, sob a égide do Padre Firmino João,
No dia seguinte, ao longo da manhã fomos ar- então Vice-Reitor da casa de Tomar, demos conti-
ribando ao ponto designado de encontro, a estação nuidade ao último segmento da viagem, em auto-
de São Bento. A indumentária conferia-nos a iden- carro fretado, que nos conduziu ao destino, após
295 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

dois dias de itinerário.


Antes de prosseguir tive a nobre atitude de re-
gressar à estalagem que ficava na proximidade,
procurar a ocasional guia para lhe agradecer o seu
auxílio. Ficou enternecida e, de regresso à sua al-
deia, preocupou-se em conhecer a identidade dos
meus pais, dando-lhes conta do dever cabalmente
cumprido. O tempora, o mores!

Não posso precisar a hora em que franqueá-


mos a portaria do Claustro da Micha, dando ingres-
so na parte conventual disponibilizada para semi-
nário menor da Sociedade. De facto uma fracção
do notável monumento estava ocupada pelo exér-
cito, convertida em hospital militar e ainda outra, 2. Curso de 1961. Prefeitura do Pe. Abílio Antunes
na qual a Charola e Castelo se inseriam, estavam
abertas ao turismo, sob a tutela do Estado. Ainda Foi já nesta condição que, auxiliados pelos co-
me lembro de ver no referido claustro, aleatória e legas do segundo ano, fomos conduzidos aos res-
separadamente dispostas as nossas malas, de for- pectivos dormitórios, onde nos foram atribuídas as
ma a poderem ser identificadas pelos respectivos camas. Coube-me um grande salão de tecto
titulares. Sem perca de tempo, reunidos num dos abobadado, suportado por arcadas e colunas de
cantos do amplo recinto, e tendo por critério as pro- pedra, iluminado por uma grande janela semicir-
porções de estatura, fomos cindidos em dois agre- cular, com chão em tijoleira avermelhada já gasta,
gados numericamente equivalentes: o dos peque- no qual tiveram lugar as longínquas cortes de To-
nos, entregue aos cuidados do Padre Fernando Ei- mar. Um aluno de apelido Pisco ajudou-me na con-
ras – prefeito – coadjuvado pelo teólogo finalista fecção da cama e instruiu-me na rotina e procedi-
Américo Oliveira Henriques – vice-prefeito – e um mento do arranjo dos leitos, administrando-me os
outro, o dos fisicamente mais avantajados no qual ensinamentos da praxe: a frequência da mudança
me incluía, cuja responsabilidade incumbia ao Pa- das fronhas e lençóis, o posicionamento e sequên-
dre Abílio Antunes Pereira em parceria com o teó- cia destes em relação aos cobertores e colcha, etc.
logo também em fase terminal de curso José Nuno Dou fé de, após termos sido conduzidos ao desco-
Castro e Silva, em idênticas atribuições respecti- munalmente enorme refeitório onde nos foi servi-
vamente das do grupo anterior. Estavam criadas as da uma frugal e primeira refeição, ter compartido
duas prefeituras do primeiro curso. com ele o remanescente da minha merenda de via-
gem. No repasto seguinte essa partilha já não seria
possível porque entre as duas prefeituras cons-
titutivas do primeiro ano e a do segundo, entregue
aos cuidados do Padre Carlos Fernandes e do
propedeuta José Alves de Sá Fernandes, a comuni-
cação era vedada, por exigência disciplinar.

A separação da massa estudantil por prefeitu-


ras era condição basilar do modelo educativo
institucional. O desenrolar da nossa vida quotidia-
na pressupunha a presença do binómio prefeito/
vice-prefeito ou pelo menos de um dos dois tuto-
res: os recreios, sempre preenchidos com jogos
1. Curso de 1961. Prefeitura do Pe. Fernando Eiras colectivos, de acordo com a fruição rotativa dos
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 296

pátios ao ar livre ou a coberto, nos quais geralmen- de docência, ditando diversas matérias curriculares
te eles também tomavam parte activa; os estudos às diferentes turmas em que, por razões de aspecto
em salão, as práticas de piedade na capela, as oito pedagógico, as prefeituras se subdividiam. Integra-
horas de descanso nocturno, dormindo na mesma vam ainda o colectivo comunitário os Irmãos Lei-
camarata; as deslocações que se efectuavam em gos, ao tempo designados por Irmãos Auxiliares,
formatura dupla de ordenamento por estatura físi- José Ribeiro, em funções de hortelão, e Alberto Luís
ca, e que era periodicamente alterada porque esta da Silva, como despenseiro.
ordem ditava o posicionamento sequencial no re-
feitório e na capela; os ensaios de canto, os passei- A adaptação à monumental residência foi len-
os às quintas-feiras de tarde, a prática de banho de ta e progressiva. Os imponentes e longos corredo-
chuveiro, as idas aos sanitários no início dos re- res onde se jogava estafeta em dias de chuva, os
creios, todos os actos aconteciam sob a presença altos e amplos terraços nos quais até se recebiam
tutelar de um ou geralmente da dupla pedagoga. práticas de educação física, as inumeráveis esca-
Eram poucos os factos que constituíam excepção, das de caracol que interligavam os diferentes pisos
como as aulas, onde o professor titular da matéria do monumento, os caprichosos talhados na pedra
assumia momentaneamente a função de responsá- guarnecedora de portas, janelas, pilares, capitéis e
vel disciplinar. nervuras estruturais, onde o mais emblemático era
O afastamento do grupo, mesmo durante os re- sem dúvida o ventanal da janela do capítulo, a
creios ou passeios, carecia de autorização específi- magnificência da edificação no seu conjunto… tudo
ca e o regresso devia ser notificado. As Normas constituía exótica novidade na minha mente sim-
Disciplinares, livrinho contendo a súmula de pre- ples de provinciano.
ceitos orientadores ao ínfimo detalhe da vida
seminarística, prescreviam que, mesmo em dia de A moldagem educativa era manifestamente
passeio, nenhum aluno deveria distanciar-se do actuante, em forma progressiva e continuada, des-
educador que seguia à frente, geralmente o vice- de o primeiro dia. As normas preceituavam que
prefeito, nem tão-pouco do que precedia a peque- “não era do espírito da Sociedade a aplicação de
na grei na retaguarda. Ainda determinavam que uma castigos, considerando-se como única punição a
petição negada por um superior não poderia ser expulsão do seminário”. A correspondência
requerida a outro, pressupunha-se hierarquicamente epistolar, tanto expedida como recebida, era entre-
ascendente, sem que se desse conhecimento da hi- gue aberta. Uma disfunção manifesta na vida
potética negativa. O progresso comportamental era seminarística e vocacional, uma acentuada defici-
objecto de avaliação polifaceticamente mensurável. ência de aproveitamento escolar, qualquer falha
Três notas de comportamento, religioso, civil e dis- considerada grave, ressaltando de imediato à men-
ciplinar eram semanalmente lidas pelo prefeito, em te, não como a mais gravosa, porém como mais
sessão de leitura espiritual acontecida aos domin- emblemática, a transgressão do silêncio rigoroso,
gos, no final do dia, e extraordinariamente, quando durante o descanso nocturno, delimitado por nove
(mau sinal!) o rigor correctivo se impunha, pelo badaladas da sineta, separadas três a três, desde o
vice-reitor ou mesmo pelo reitor. fim das orações da noite na capela, até ao fim da
prédica de meditação, no fim das orações matinais,
A comunidade de Tomar era constituída, para antes da missa… continham punitivamente associ-
além dos já mencionados educadores, pelos Padres ado o abandono coactivo do seminário.
António João Valente, de grata memória, no exer-
cício das funções de reitor, Firmino João, já referi- O ano lectivo estendia-se em programada rigi-
do, como vice-reitor, Adriano Garcês, na direcção dez de carga horária, com aulas, estudos em salão,
espiritual, e Aquiles Augusto Rodrigues, também práticas religiosas colectivas, como actos
de saudosa lembrança, como ecónomo. Todos, à devocionais, missas rezadas e cantadas, meditação,
excepção do reitor e director espiritual assumiam, homilias, conferências, leituras espirituais, recrei-
em alternância e aproveitamento sinérgico, funções os, refeições, retiros espirituais periódicos, ao lon-
297 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

go de dez meses e meio. Este subdividia-se em três Luís da Silva que, à minha chegada a Nampula
trimestres delimitados por dois hiatos na activida- encontrei no incipiente Lar de Momola, parceirando
de docente, coincidentes com Natal e Páscoa, en- e dando apoio ao Padre António Vieira e Irmão João
volvendo leitura e envio para casa dos resultados Balau. Compartimos horas inesquecíveis quando
de aproveitamento escolar, findos os quais aufería- posteriormente zarpou para apoiar o Padre Júlio
mos 45 dias de férias no seio familiar. Gamboa na missão de Mecutamala. Na mesma
diocese de Nampula tive oportunidade de encon-
Concluído o primeiro ano e gozado o período trar o já Padre José Nuno Castro e Silva, meu pri-
de férias, regressámos como era devido a Tomar. meiro vice-prefeito, e de o substituir nas funções
Porém não foi no monumental casarão que prosse- de docência na Escola Normal do Marrere. Deste
gui os estudos do segundo ano curricular. Recente- estabelecimento partiu após a minha chegada em
mente havia sido adquirida a Quinta da Boa Nova, 1970, para coadjuvar o Padre Manuel Gomes, na
também conhecida por Quinta da Condessa, em missão de Meconta, tocando-me desta dita a grati-
Vilar do Paraíso, complementada por outra contí- ficante tarefa de compartir responsabilidades com
gua e anexa, esta já na circunscrição de Valadares, o prestigiado e saudoso Padre Alexandre Valente
onde futuramente viria a ser edificado o seminário de Matos, à data director da mesma. O Padre Carlos
da Boa Nova. Desde o ano lectivo de 1961-62 que Fernandes, meu insigne professor de Matemática,
um grupo de 25 alunos do segundo curso, originá- era nesta altura não menos notável Reitor do Semi-
rios do Douro e de Trás-os-Montes, ocupando par- nário de Nampula. Também não esquecerei desta
cialmente instalações já existentes acrescidas de primeira equipa de formadores o já ordenado Pa-
uma edificação térrea subdividida em salão dre José Alves de Sá Fernandes, destacadíssimo
polivalente destinado a estudos e aulas e em superior da Missão do Mutuali, meu anfitrião, nem
camarata, integrando as respectivas dependências o seu dedicado coadjutor Padre Manuel Lima, em
sanitárias e banheiras, ali frequentaram o segundo cuja companhia visitei algumas escolas da região,
ano, fragmentando desta forma a respectiva pre- quando ali me deslocava durante as férias escola-
feitura tradicionalmente em Tomar. Não obstante foi res, em labores de pesquisa e investigação, na com-
ainda na casa conventual da Ordem de Cristo que panhia do Padre Alexandre Valente de Matos: ele
passámos os dias que mediaram o fim de férias do- para a publicação, entre outras obras, do seu dicio-
mésticas e o início das aulas do período sucedâneo. nário de “Português-Macua” e o signatário para a
Desta feita, de regresso à cidade templária, por escas- publicação da Colectânea “Ritmos Macuas”. Foi
sas semanas, ainda compartimos tecto sob os auspícios na primeira destas deslocações à Missão de Santa
do inolvidável agora Reitor Padre José Marques. Du- Teresinha que tive o ensejo de confraternizar por
rante esse curto período, o par disciplinarmente res- escassos dias com o Padre Manuel Fernandes que,
ponsável era constituído pelo novíssimo Padre após ter cedido as funções de Superior-Geral ao
Américo de Oliveira Henriques, que já fora meu exem- Padre Alfredo Alves e, após imperturbável regres-
plar vice-prefeito, em substituição do anteriormente so ao campo apostólico, se encontrava de despedi-
referenciado José Nuno Castro e Silva, por troca de da para ir iniciar a missão de Angola. Esta reveren-
parceria na segunda metade do ano anterior, e pelo te e eminente figura impressionava-me agora pela
memorável finalista Manuel Lima. sua simplicidade e jovialidade, quando lado a lado
compartíamos refeições que o nosso anfitrião Pa-
Dez anos mais tarde após o meu ingresso em dre José Alves e o seu braço direito, o diligentíssimo
Tomar, ao longo de um tirocínio estagiário de cin- Irmão Joaquim Veloso, hospitaleiramente nos dis-
co anos em Moçambique, de 1970 a 1975, vim a pensavam. Recordo ter deixado constância desta
encontrar em terras de missão, nas regiões de minha impressão num relato que nessa data enviei
Nampula e de Lourenço Marques, actual Maputo, para a revista Boa Nova.
um vasto número destes educadores, compartindo
com eles idênticas ou comuns tarefas e ombreando A missão do Mutuali, implantada em graciosa
em comuns encargos. Menciono o Irmão Alberto e fértil campina no sopé da Serra Cucuteia, era ba-
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 298

nhada pelo rio Mapalume, engrossado por abun- ras anteriores. O Padre André Marcos compartia
dantes cascatas de água cristalina procedentes da eficientemente as funções de Reitor, de ecónomo,
serra. Diversos cultivos contribuíam para a sua in- de director da exploração agrícola e pecuária e ain-
dependência e desafogo económicos, constituindo da de brilhante professor de matemática. Vim
escola eficaz para as populações daquela zona ge- encontrá-lo, em abnegada acção apostólica, na
ográfica. À semelhança de outras que percorri, gra- diocese de Nampula, em equipa laboral com o Pa-
ças à intervenção de egrégios apóstolos, era cená- dre Alberto Fonseca Prata, na minha estadia de re-
rio de florescentes e paradigmáticas comunidades colha, na missão do Iuluti, onde ainda caçámos jun-
de promoção cristã e humana. A igreja da missão, tos. Os Padres João Almendra e Aires do Nasci-
edificada em lugar panorâmico, era testemunha de mento exerciam funções de prefeito e vice-prefeito
fervorosas e interactivas celebrações litúrgicas de culto respectivamente. Pertencente à diocese do Porto,
divino, onde não se podia ficar insensível ao ouvir a mas residente na casa de Vilar do Paraíso, o
vozes cheias trechos de alto valor artístico e septuagenário Padre Alexandre de Carvalho, após
catequético, tais como Muluku t’apatunshe atchu… anos de labor apostólica paroquial no Bonfim e
As comunidades locais foram terreno fecundo missionária em Moçambique, brindava apoio na
para a minha recolha de temas musicais singelos, direcção espiritual e assistência religiosa, colabo-
mas de alto conteúdo e rara beleza, como já referi. rando com esta equipa.
Estes temas coligidos, somados a vários outros,
hauridos no seio de distintas comunidades disper-
sas na imensidão do território geográfico da nação
macua, não só de presença da Sociedade, mas tam-
bém de outras agremiações missionárias, desde o
Alto Ligonha até à zona do Niassa, originaram uma
publicação de texto e música, até à data única no
seu género. A edição deste opúsculo ocorreu sob
os auspícios dos Padres Valdemar Dias e Manuel
Brito que me dispensaram alojamento na missão
de Murrupula e me apetrecharam de invulgares e
pouco comuns utensílios indispensáveis para o efei-
to: máquina de escrever e mimeógrafo. Após ter
adquirido todos os materiais necessários, papel, tin- 3. Turma de Valadares 1962
ta, matrizes, etc., de Land Rover carregado, apro-
veitando uma vinda do Padre Valdemar a Nampula, Findo o segundo ano, a escala lógica era a pi-
partimos para a missão a seu cargo. toresca vila de Cernache do Bonjardim, em pleno
coração de paisagem beirã, onde os pinheiros e
Ainda do corpo formador inicial não omitirei eucaliptos alternavam com os plantios minifundiá-
o Padre José Marques, meu reitor por breve, mas rios de olivais, laranjais e vinhedos. O entorno de
marcante espaço de tempo. Fui visitá-lo ao hospi- matriz essencialmente rural propiciava a nossa es-
tal civil de Nampula nos meus primeiros dias de tadia de três anos, dotando-a de sensato distancia-
permanência no Marrere, onde estoicamente con- mento do bulício urbano. Aqui, no outrora berço
valescia na sequência de um acidente de viação, dos padres do Priorado do Crato, de missionários
quando, deslocando-se ao porto de Nacala na com- para o Oriente e de padres seculares para o Ultramar
panhia do Padre Manuel Ribeiro Cardoso, foram colonial, se cursava o terceiro, quarto e quinto anos,
vítimas de colisão contra o comboio. considerados os mais propícios à clivagem selectiva,
quer por opção, quer sobretudo impositiva.
A comunidade de Valadares, no ano lectivo de
1962/63 revestia-se de aspecto familiar por nume- O reagrupamento das duas fracções do tercei-
ricamente reduzida, contrastando com as prefeitu- ro curso procedentes de Tomar e de Valadares, sal-
299 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

dou-se numa ainda numericamente expressiva pre- evangelizante, na missão de Corrane, na região de
feitura sob a égide do Padre Orlando Martins, pre- Nampula, ombreando com o Padre Manuel Martins
feito, e do Teólogo António Costa, vice-prefeito, Canas, onde era idolatrado por toda a juventude da
enquanto paralelamente, nesse mesmo período lec- circunscrição pela sua aficção e incremento à acti-
tivo de 1963/64, os quartanistas e quintanistas eram vidade futebolística.
liderados pelas duplas Padre José Maria Luís da A primeira vez que me desloquei a Corra-
Silva / finalista Valdemar Coutinho e Padre José nesburg (assim era designada a localidade pelo sau-
Tomás Borges / finalista Manuel Alves de Sá doso Padre Canas) fui em busca do meu dilectís-
Fernandes. simo companheiro de responsabilidades Padre Ale-
O executivo da casa era constituído pelo Padre xandre de Matos, procedente da missão de
Dr. Manuel Augusto Trindade, de gratíssima me- Namaponda, região de António Enes, para o trazer
mória, na reitoria, pelo Padre Manuel Castro Afon- de volta ao Marrere e coincidiu com um fim-de-
so, na vice-reitoria, e pelo Padre Aquiles Augusto semana. Fui convidado a integrar uma das equipas
Rodrigues, que Deus haja, na incumbência de ecó- desportivas litigantes, porém a camisola do equi-
nomo. pamento disponível não fora confeccionada exac-
As funções de director espiritual eram exercidas tamente para a minha talha. Dado que o lugar que
agora pelo inolvidável Padre António João Valente me incumbia era de defesa à baliza, a camisa de
que no final do ano anterior transitara da reitoria escuteiro que possuía até se enquadrou satisfa-
de Tomar para assumir este novo cargo. O Irmão toriamente no conjunto, marcando a diferenciação
Leigo Adelino Tomé desempenhava com eficiên- funcional. O evento mereceu fotografia de circuns-
cia a tarefa de despenseiro. tância, a mesma que ilustrou um artigo do Padre
Este quadro directivo manteve-se, com ligei- Costa na Revista Boa Nova, se a memória não me
ras alterações, no decorrer dos dois anos escolares atraiçoa. A ocorrência já não seria exactamente
subsequentes, quarto e quinto, nos quais, com o notícia de última hora no momento da sua redac-
acréscimo gradual da idade biológica, a equipa ção e provavelmente o fotógrafo não estaria nos
formanda ia numericamente minguando. Contam- seus melhores dias nem munido do equipamento
se entre estas variações a chegada do Padre Luís de maior eficiência ou da tecnologia de ponta. Daí
Filipe Tavares para guarnecer o corpo docente como resultou que o autor da resenha mencionou, não
distinto professor de latim. Era admirável o seu mi- sei se exactamente com estas palavras, mas inequi-
nucioso conhecimento de qualquer efeméride pes- vocamente com este sentido: “…um militar que se
soal ou colectiva, noticiando os prelúdios da Soci- encontrava de passagem reforçou ocasionalmente
edade. Alguns anos mais tarde, tendo regressado a nossa equipa…”
ao campo apostólico, reencontrei-o em Nampula, Doutor e grande amigo António Costa, tam-
onde assistia espiritualmente os alunos do seminá- bém é para si esta minha homenagem… mas nun-
rio. Era sempre o primeiro a felicitar qualquer ca lhe perdoarei tal diatribe!
confrade no seu dia de aniversário. Da expressiva turma original de 86 educandos,
Durante o nosso quarto ano de curso conduzi- ainda reforçada com três elementos adventícios, o
am o quinto e terminal ano desta casa o Padre Se- efeito depurador e clivático permitiu o ingresso no
bastião João e teólogo Policarpo Lopes. outrora beneditino convento do Couto de Cucujães,
Nas duas etapas académicas seguintes as equi- aglomerado populacional disperso, situado a 30
pas educadoras sucessivas foram constituídas pelo quilómetros ao Sul do Porto e a 5 de Oliveira de
Padre Valdemar Coutinho em parceria com o ainda Azeméis, 16 postulantes ao curso de filosofia.
estudante finalista Artur de Matos Bastos e no ano Cucujães, até à data da abertura do recém-
imediato, o quinto, pelo Padre Viriato Augusto construído Seminário da Boa Nova em Valadares,
Matos coadjuvado, pela segunda vez em idênticas foi ao longo dos anos de vida societária a alma-
funções, pelo António da Silva Costa. Estávamos mater institucional. Aqui residiam as mais desta-
no ano curricular de 1965/66. Cinco anos mais tar- cadas individualidades, como Superior-Geral, Di-
de viria a encontrá-lo já clérigo em actividade rector Pedagógico, Ecónomo-Geral, Vogais ou As-
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 300

sistentes. Aqui eram cursados os dois níveis termi- a leituras extracurriculares que por serem conside-
nais da formatura, filosofia e teologia, assim como radas profanas assumiam agora efeito liberalizante.
o ano curricular que mediava entre ambos, o que A habitual indumentária passava a incorporar
reivindicava um corpo docente mais alargado, batina e chapéu, sendo este de uso obrigatório em
multidisciplinar e porventura mais erudito. Era ain- dias de passeio e cerimónia. Porém tais prescrições,
da no Couto de Cucujães que residia a comunidade por contarem com a repulsa de utentes e condes-
de aspirantes a Irmãos Leigos, até quando, em 1964, cendência com esta por parte dos superiores me-
foi ocupar as instalações de Valadares, e também a nos ortodoxos, caíram em desuso nos primeiros
denominada Escola Tipográfica das Missões. Por meses do nosso curso.
toda esta convergência de motivos, o colectivo for-
mador, mesmo com um optimizado aproveitamen-
to de sinergias, deveria ser numericamente expres-
sivo. Daí que venerandas e insignes figuras como
a dos digníssimos Padres Manuel Fernandes e
Alfredo Alves, Domingos Vaz, Francisco Sequeira,
Manuel Moreira Campos, António Soares, Januário
Aniceto, Irmãos José Pacheco, Manuel Silveira
Nunes, Venâncio Silveira Azevedo e Fernando
Moreira…, figuras na sua quase totalidade já de
grata memória, ficarão para a posteridade indele-
velmente vinculadas à história de Cucujães.
4. Agrupamento de Escuteiros. Cucujães 1968-69

O ingresso no sexto ano curricular revestia-se A condução da turma foi assegurada nos dois
ainda de outro conteúdo do ponto de vista primeiros anos pelo Padre Manuel da Silva Costa,
educativo. A aproximação e incursão na faixa etária que três anos mais tarde viria a encontrar como
de maioridade era facto potenciador de alguma su- pároco da Catedral de Nampula, a quem emprestei
peração traduzida em termos de menor vigilância modesta colaboração, e pelo teólogo Adelino
e omnipresença tutelar, que iam cedendo lugar a Simões, já em condição de ordenado no segundo
hesitantes manifestações de auto-afirmação. A es- ano, e pelo Padre António Valente Pereira, sem vice-
trutura disciplinar dos três anos de filosofia era de prefeito, no ano imediato.
uma só prefeitura, o que de per si também induzia
alguma permeabilidade a subtis e titubeantes idei- Em comunidade paralela coexistia o curso de
as de abertura a mais largos e progressistas hori- teologia ao qual se ascendia após um nono ano de
zontes. Com efeito a opção pelo preenchimento do reclusão celular absoluta designado probandato ou
tempo livre de carga horária curricular com afaze- noviciado, findo o qual tinha lugar o juramento tem-
res de cariz lúdico, desportivo, recreativo, artístico porário de adesão à Sociedade pelo período de três
ou mesmo utilitário, e também a participação em anos. Era em Cucujães que, em dependências fisi-
actividades associativas conjuntas com a comuni- camente segregadas do mesmo edifício, decorria
dade local, como escutismo, celebrações e festas este ano de introspecção e meditação, sob a regên-
missionárias e paroquiais, e ainda a menor rigidez cia de um Director.
na assistência a determinados actos que até então Durante o triénio filosófico os moldes de prefei-
aconteciam sempre sob o marco colectivo, assim tura ainda prevaleceram e com eles o estudo em salão
como o olvido progressivo das anacrónicas Nor- e descanso nocturno em camarata, apesar de que os
mas Disciplinares… eram outras tantas manifesta- períodos de recreios já decorriam com relativa flexi-
ções de nova e progressiva etapa evolutiva, por- bilidade opcional. No último ano no entanto a prefei-
ventura a mais relevante após o ingresso no pri- tura passou a ocupar os quartos deixados vagos pelos
meiro ano. A estas manifestações não ficava incó- teólogos que então transitaram para ocupar o
lume o até então proscrito e agora tolerado acesso novíssimo Seminário da Boa Nova em Valadares.
301 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

A reitoria de Cucujães incumbiu ao Padre Ma- A chegada do nosso curso a Cucujães aconte-
nuel Marques Gonçalves durante os dois anos ini- ceu com a concomitância de alguns factos dignos
ciais e logo a seguir, no terceiro, ao Padre Dr. Ma- de alusão pela alteração do desenrolar rotineiro e
nuel Augusto Trindade, enquanto as funções de regular ao longo de anos.
Vice-Reitor foram asseguradas pelo Padre José Foi intermitentemente suspenso o ano de
Tomás Borges no primeiro e pelo Padre Francisco probandato e com ele a libertação das dependênci-
Santos no segundo. O Padre Joaquim da Silva Pin- as físicas onde desde a sua génese teve lugar, a de-
to compartia funções de ecónomo da casa com as nominada casa de Santa Teresinha, dotada com to-
de professor de Música. Os Padres Dr. Agostinho das as condições de ascético isolamento como con-
Rodrigues e Artur Bastos integraram também o vinha ao eremítico ano de segregação física que
corpo docente nos anos da nossa permanência em precedia a primeira adesão juramentada à Socieda-
Cucujães. Pela sua singularidade merece ainda a de. Tal espaço foi o berço potenciador de uma pri-
nossa especial referência o Dr. Pinho Rocha, mé- meira tentativa de incorporar membros femininos
dico de clínica geral, com consultório em Oliveira no corpo societário. A permanência desta recente
de Azeméis, e membro honorário da Sociedade comunidade em Cucujães teve a duração de dois
Missionária. Em dia determinado ditava aulas de anos. Transitou para Valadares aquando da abertu-
práticas médicas elementares, tendo mesmo para o ra desta nova casa que albergava agora os teólo-
efeito redigido uma escolástica Sebenta duplicada gos, cujas aulas passaram a ter lugar não no âmbito
a mimeógrafo, atestada de conselhos de conteúdo da própria colectividade, mas no Porto, de forma
pragmático sobre a matéria. conjunta com outras comunidades congéneres.
No ano lectivo de 1968/69 o primeiro ano Valadares acolhia desta feita os alunos do curso de
curricular deixou de desenrolar-se em Tomar para teologia, Irmãos Leigos e outrossim as Auxiliares.
vir instalar-se nesta secular casa do Couto, ocupan-
do os espaços da filosofia que, tal como ficou dito, O probandato, agora designado Ano de For-
passou a fruir as dependências incluindo quartos mação, retomava agora no legendário Convento de
deixados vagos com a transição dos teólogos para Cristo de Tomar, com turma integrada por dois anos
Valadares. Conformava duas prefeituras entregues de curso, no ano curricular de 1967/68, sob a di-
à égide dos Padres Francisco Mendes e Libério recção do Padre Manuel Castro Afonso, após um
Sousa Pereira em parceria com os Padres Sebasti- agiornamento no seio de uma comunidade religio-
ão João e Luís Vieira de Sá. sa em terras do Minho, e na monumental casa per-
O cargo ministerial de Vice-Reitor seguiu na maneceu por quatro anos consecutivos.
posse do experiente Padre Firmino João, mas sem
efeitos disciplinares sobre o curso de Filosofia. Foi neste quadro que em Setembro de 1969 re-
Por efeito da adopção do novo método de en- gressámos a Tomar para mais um ano de carreira,
sino em colagem ao ensino oficial, a via do ensino conformando um plantel de oito formandos, integra-
à distância ou telescola requeria agora cada vez me- do também por dois cursos sucessivos: o de 1961,
nos a intervenção de um corpo docente pletórico, agora reduzido à expressão de sete elementos, dos
sendo as aulas substituídas pelo serviço de quais cinco correspondiam ao plantel original e dois
monitoria. O apego ao ensino oficial dos liceus já adventícios; o curso de 1962 contava tão-só com um
vinha acontecendo desde o ano lectivo de 1962/63, aluno da turma inicial; um segundo elemento
sob o sistema de matrícula e prestação de provas constitutivo do grupo provinha do ano anterior.
de exame em estabelecimento oficial, sendo desta A comunidade de Tomar incorporava, para
forma que os alunos do segundo ano, em data de além dos supramencionados formandos, o Padre
testes finais, se deslocavam de Tomar para Cernache Manuel Castro Afonso, na direcção do curso e na
do Bonjardim, prestar provas no Instituto Vaz Ser- condução comunitária, o Padre João Craveiro
ra; contudo as práticas educativas mantinham-se Viegas, ex-Superior-Geral, os Irmãos José Ribei-
nos mesmos moldes de aulas, sendo que agora em ro, João Gonçalves e Macário Oliveira Guedes e
concordância com o ensino oficial. ainda o Padre António João Valente, que ali residia
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 302

sem ingerência na vida colectiva. Reencontrei-o missão fosse consentida. O estágio aconteceu du-
duas décadas mais tarde, não em terras de missão, rante cinco anos em terras de Moçambique, como
cuja nomeação declinou, custando-lhe, à diferença professor e director numa Escola de Professores
de outros em similares circunstâncias, pesada e de Posto Escolar, na região de Nampula, cujo Su-
estóica marginalização. Visitei-o nos hospitais de perior Regional era ao tempo o afável e inesquecí-
Bragança e Leiria, a escassos dias antes do seu fa- vel Padre José Mendes Patrício, e posteriormente,
lecimento. Dele conservo grata recordação. como professor e responsável pedagógico no Li-
ceu 5 de Outubro em Lourenço Marques, desde
O ano de noviciado foi um período de relativa Setembro de 1970 até Dezembro de 1975.
reclusão e introspecção entregue a programáticas
actividades formativas e com escassa, ainda que
regular, colaboração na paróquia local da cidade.
Estudos lectivos de Sagrada Escritura e de
Espiritualidade preenchiam escassas horas de car-
ga curricular que mediavam os tempos de leitura,
de práticas religiosas, de trabalhos utilitários, es-
paços recreativos e período de descanso nocturno.
Pelo terceiro quartel do ano, os ventos de re-
novação prenunciaram o submetimento de todos
os formandos a inusitados testes de psicologia apli-
cada levados a cabo por psicólogos do I.S.P.A. (Ins-
tituto Superior de Psicologia Aplicada de Lisboa),
ao longo de duas sessões, a primeira das quais teve 5. Ano de Formação 1969-70
lugar no âmbito doméstico e a segunda decorreu
com a nossa deslocação a Lisboa, e cada uma das A Escola Normal do Marrere, lugar situado a 7
quais originou um relatório. Da interpretação dos quilómetros da cidade de Nampula, inseria-se num
enunciados emanou um despropositado epílogo con- idealizado pólo educacional mandado edificar pelo
cludente da nossa falta de idoneidade para a carreira bispo de Nampula, Dom Manuel Guerreiro, sendo
postulada! (O efeito selectivo sobre o plantel original integrado por edifício para seminário, com ampla
já era na altura da ordem dos 96,51 %!). igreja localizada na parte central, escola de artes e
Recordo que, após ter sido convidado a aban- ofícios, escola normal de professores de posto es-
donar o seminário, chegando a ter data assinalada colar masculina (nas imediações de Nampula ha-
para o efeito, por iniciativa própria escrevi para um via outra congénere feminina), escola primária ane-
dos responsáveis pelos testes efectuados, manifes- xa para práticas de didáctica, casa de retiros e mis-
tando-lhe as minhas dúvidas sobre a fundamenta- são. Era rodeado de vastos terrenos para cultivo e
ção da pretensa conclusão nos relatórios dos tes- pomares de atas, anonas, citrinos, mangueiras e
tes. A resposta foi expedita, e a minha petição me- cajueiros. A implantação dos edifícios articulava-
receu a oferta de uma entrevista em Lisboa, em dia se em traçado geométrico, com artérias de circula-
definido. Perante algumas hesitações e tentativas ção embelezadas com acácias rubras e amarelas.
de dissuasão, o consentimento da minha deslocação
a Lisboa acabou por ser concedido. O funcionamento e gestão de um tal complexo
A permeabilidade a bafejantes ares de renova- pressupunha a intervenção de recursos humanos,
ção, a não resignação em aceitar um desfecho de de profissionais idóneos e estáveis, condição que
cuja sustentação estava pouco seguro e ainda a co- nunca teve lugar em forma conveniente e adequa-
erência de propósitos em que acreditei permitiram da pela via da administração directa diocesana. A
que, em companhia de mais quatro condiscípulos, missão, a escola normal e escola anexa no entanto
concluísse o ano de formação e que a minha pro- sempre funcionaram com relativa regularidade,
posta para levar a cabo um tirocínio em terras de mesmo antes de a Diocese entregar a gestão das
303 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

experiência adquirida sobre a matéria enquanto


enfermeiro encarregado em Cucujães, mas sobre-
tudo conhecimentos de sentido comum e o desejo
de ser prestável tinham a sua melhor aplicação nos
tempos livres que mediavam as aulas.

6. Vista aérea do complexo do Marrere


mesmas à Sociedade, destacando-se na primeira os
laboriosos cuidados do Padre Agostinho de Sousa,
até à sua nomeação para vigário diocesano,
coadjuvado pelo incansável Irmão António Maria
Marçal, e na segunda a oportuna e profissional in-
8. Missão do Mutuali. Pe. José Alves rodeado por
tervenção do Padre Alexandre Valente de Matos, alunos internos, Irmãs e Professores, com o Autor. 1971.
de quem o signatário veio a ser despretensioso co-
laborador e substituto interino, com nomeação Considero que foram cinco anos de inolvidável
publicada no Boletim Oficial. experiência ao serviço de uma indiscutivelmente
nobre causa, durante os quais as responsabilidades
profissionais se coligavam em fusão simbiótica com
actividades complementares tais como: conduzir
uma velha ambulância, assistir a enfermos e a par-
turientes em situações emergentes, retelhar e repa-
rar o edifício e dependências escolares, transfor-
mação de um espaço em salão de festas, constru-
ção de garagem para preservação das viaturas, fo-
mento de práticas de agropecuária entre os alunos
normalistas nativos, complementar a educação es-
tudantil com o fomento da música e teatro, criação
de dois conjuntos musicais e de um rancho folcló-
7. Visita das Autoridades Escolares Provinciais à Escola rico de pauliteiros, integração do grupo musical e
Normal do Marrere. 1971. instrumental na catedral de Nampula, recolha, com-
O escola de artes e ofícios encontrava-se de- pilação, tratamento e publicação de músicas autóc-
sactivada, dispensando parcialmente as suas insta- tones macuas susceptíveis de aplicação em cele-
lações para centro de promoção da mulher africa- brações litúrgicas e culturais, registo e edição das
na, responsabilidade esta que também acabou por mesmas em fita magnética e maquetização dos tre-
ser entregue aos cuidados das Auxiliares da Boa chos musicados da “Missa Macua” para disco de
Nova; a casa de retiros foi convertida em dormitó- vinil, acompanhamento dos professores recém-for-
rio dos alunos internos da escola normal; quanto mados nas suas escolas de inserção, criação e che-
ao seminário foi transformado em casa de saúde e fia de um agrupamento de escuteiros, dinamização
entregue à responsabilidade das Irmãs Franciscanas litúrgica na catedral de Lourenço Marques / Mapu-
Hospitaleiras da Imaculada Conceição. Era aqui, to, participação em campanhas de esclarecimento
na assistência ao ambulatório, que os ensinamentos em período de transição e emancipação política…
recebidos do Dr. Pinho Rocha e alguma (pouca) A ociosidade não foi moeda de uso corrente, sendo
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 304

certo que o elemento aglutinador da dinâmica diá- no desempenho profissional, da condução familiar
ria era o denominador comum do sentido altruísta e ainda nos desafios e reveses que cada nova etapa
evangélico. a vida colectou, os anos de vínculo a um organis-
mo que qualifiquei de educacional e a acção
A abertura de novas faculdades inexistentes du- operante de uma vasta e ínclita estirpe de educado-
rante a época colonial na Universidade de Louren- res, não obstante as manifestas limitações, consti-
ço Marques potenciou o prosseguimento da minha tuíram e continuam traçando a cada passo sendas
formação académica em terras de Moçambique de conduta.
colonial e emancipado, em paralelo com os estu-
dos de teologia no Seminário de S. Pio X, enquan- É para eles esta minha modesta homenagem.
to este funcionou, sob a égide dos padres Sacra- Lisboa, Janeiro de 2005
mentinos, e até ao meu regresso à metrópole, no José Abílio R. Quina
Portugal pós-25 de Abril.
Quinta das Açucenas
Uma fugaz tentativa para prosseguir estudos Rua dos Meosporos
no Portugal coetâneo, submerso em crise de iden- Vale de Nogueira
tidade, esvaiu-se perante a oportunidade de solici- 1685-539 Caneças
tações e reconhecimento de equivalência de habi- Tel. 219 810 035 / 938 248 282
litações literárias na Sorbona, em Paris.
Aprouve ao destino que o meu afastamento não
terminasse com os anos de estadia em terras gálicas, 47. GRATIDÃO À SOCIEDADE
mas devesse ser acrescido de mais de uma década MISSIONÁRIA
de permanência no novo mundo, desenraizado do
rincão provinciano e do solo pátrio. Avalio a experiência
As imperativas obrigações de desempenho pro- de permanência, durante
fissional em domínios onde a formação humanís- 7 anos, nos seminários da
tico-literária não constituía resposta suficiente re- Sociedade Missionária,
clamaram um novo desafio e a incursão por novas como muito enriquece-
áreas de capacitação em campo eminentemente téc- dora. Teve um papel de-
nico, em engenharia de automação, sendo que, nesta cisivo no rumo e estilo de
altura, o repto de uma nova formatura já era onera- vida por que optei, que se
do com responsabilidades familiares. tem revelado bastante
Já convertido em cidadão da aldeia global, após gratificante.
longa diáspora de vinte anos, cúmplices de ambi- Por isso, estou grato
valentes sequelas, tanto categóricas como menos à Sociedade Misssionária.
edificantes, o regresso semi-forçado ao país cons- Na vida de seminário, tudo estava devidamen-
tituiu uma nova incitação. A mais árdua peleja até te estruturado, sendo claras as regras e as normas
à data travada, com novas e pouco agradáveis ex- por que cada um se deveria reger no seu dia a dia,
periências à mistura foi um gravoso preço para uma preenchido sistematicamente por actividades que
vindoura etapa de superação. todos deveriam cumprir. Mesmo os fins de sema-
… na, férias, intervalos e recreios eram devidamente
Foi na atitude frente a cruentas adversidades, enquadrados por um programa de actividades e de-
no apetrechamento de valiosos hábitos de traba- safios a respeitar por todos. A ocupação do tempo,
lho, de gestão e ocupação do tempo, na metodologia sem cedências ao facilitismo, e a aprendizagem da
para gerir e enfrentar a problemática existencial, superação de todos os obstáculos moldaram o ca-
no discernimento para não optar por meios que ape- rácter e estruturaram a personalidade para ir tão
tecidos fins nunca poderão legitimar… que o acer- longe quanto o permitissem as capacidades de cada
vo de recursos adquiridos mais se evidenciou fa- um. Recordo-me, a propósito, que, com apenas três
zendo a diferença. No rescaldo da praxe pessoal, meses de seminário, fui capaz de vencer o desafio
305 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

de ajudar à missa celebrada num dos altares late- Por isso, estou grato à Sociedade Missionária.
rais da Charola de Tomar. Devo, pois, a esta expe- Saúdo todos os irmãos e padres que comigo se
riência de vida, além de um grande enriquecimen- cruzaram e foram responsáveis pelo meu percurso
to pessoal, a criação de condições para o acesso e educativo de sete anos. Realço a dedicação, o en-
concretização da minha formação académica e pos- tusiasmo e sentido de responsabilidade que nortea-
terior percurso profissional. vam as suas funções. Alguns marcaram-me, de for-
Por isso, estou grato à Sociedade Missionária. ma especial, pela humanidade que os vi imprimir
Entrei, em 1961, no seminário de Tomar e, em às suas vidas e às vidas que se iam cruzando com
1968, abandonei o seminário de Cucujães, após eles.
terminar o então 7.° ano. Já decorreram, portanto, Por tudo isto, estou grato à Sociedade Missio-
bastantes anos, o que permite uma avaliação dis- nária.
tanciada e despreconceituosa deste período. Esta Marinho da Silva Borges
avaliação terá de ser feita à luz das circunstâncias
da época. Algumas das regras que hoje nos pare- Rua 1.º de Maio, 171 – 1.º Dto.
cem injustificadas adquirem razoabilidade e senti- Fala
3040-181 Coimbra
do, se forem perspectivadas de acordo com as Tel. 239 814 023 / 966 365 778
mundividências da altura. Caso contrário, algumas
facetas da vida de então poderão ser vistas de for-
ma algo amarga e eventualmente traumatizante. 48. DO CANADÁ, COM SAUDADE
Dentro desta visão, e consciente também que o E GRATIDÃO
decurso do tempo tende a relativizar as dificulda-
des pessoais e a favorecer uma leitura mais opti- Como passa rápida a
mista da realidade, parece-me que esta longa expe- Primavera da vida!
riência foi globalmente positiva e recheada de mo- Recordo ainda com
mentos felizes. emoção aquele ano dis-
Por isso, estou grato à Sociedade Missionária. tante de 1963, em que dei
Recordo com emoção a viagem de Resende entrada no vetusto e his-
para Tomar, que me levaria ao Convento de Cristo tórico seminário do Con-
e que decorreu sob a responsabilidade de um mili- vento de Cristo em To-
tar conhecido que prestava serviço nesta cidade. mar. Foram os primeiros
Fui acolhido de forma carinhosa pelo meu primo e anos que serviram de
saudoso Ir. Ribeiro, que sempre me apoiou e acom- base e alicerce para a formação moral e religiosa
panhou, dentro dos condicionalismos da época, ao que ao longo dos anos têm marcado a minha exis-
longo do 1.° ano. Relembro com saudade também tência.
o 2.° ano, formado por cerca de vinte elementos, Cernache do Bonjardim e Valadares contribuí-
originários do Norte, passado e vivido num ambi- ram significativamente para o amadurecimento da
ente verdadeiramente familiar na recém-adquirida minha personalidade e da minha realização como
quinta da Boa Nova, em Valadares, em que tive- homem e sobretudo como cristão.
mos apenas três professores. A seguir, vieram os Em 1971, quis o destino que outro rumo to-
tempos das interrogações e da irrequietude da ado- masse a minha vocação e a saída seminário não foi
lescência e da juventude, condimentados com mo- decisão fácil. No entanto, os conselhos, as adver-
mentos marcantes e felizes, como os torneios tências e toda a formação adquirida ao longo de
desportivos, a visita de missionários, as comemo- oito anos, não foram em vão, constituindo elemen-
rações dos dias festivos, as romagens semanais à tos preciosos em tudo o que hoje sou. Foi no semi-
gruta, a distribuição de prendas no Natal, a leitura nário que vim a encontrar o modelo da minha edu-
do “Missionário Católico” e da “Cruzada Missio- cação e formação cristã.
nária”, para não falar dos dias em que chegava uma Há 24 anos longe da Pátria que me viu nascer,
carta. o Canadá como país de acolhimento, tem recebido
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 306

o meu modesto contributo numa acção missionária todos os santos me foi determinada a vocação. Coisa
de leigo comprometido, como membro activo no boa, graças a Deus! Ganhou-se este ruminante de
apostolado da catequese e no Conselho Pastoral, existências e perdeu-se o melhor alfaiate lá da mi-
ao serviço da comunidade local da Paróquia da nha terra. Mas enfim! Tinha de ser! Caminhos do
Imaculada Conceição de Winnipeg. Senhor não são para discutir e toca a andar!
Antes de terminar este meu breve testemunho, O camião chegou cedo, pelas 5 horas da ma-
uma especial saudação e os meus parabéns ao Pe. nhã. Não me apanhou desprevenido! Pois sim, onde
António Couto, meu colega de curso de Filosofia eu já estava... Se a noite foi de remexidas na alma,
no Seminário de Valadares, pela sua nomeação para a manhã foi de êxtase quase divino. Como diria o
Membro da Congregação para a Evangelização dos poeta – cumpria-se o seminarista.
povos. Votos de fecundo apostolado. Ganhavam significado os três meses de prepa-
À Sociedade Missionária da Boa Nova, para- ração ansiosa. Há um momento, dos mais claros
béns e felicidades pelos seus 75 anos de evange- do início desta manhã que nunca deixei ser
lização e o meu sincero preito de estima e gratidão. submersa: a chegada da carta. Ah! abençoada car-
Bem haja! ta! Coisa bonita, papel timbrado, letra de forma...
28/10/2004 Entre coisas diversas e menores como a informa-
Armindo de Jesus Santos ção que o rapaz sempre havia sido aceite, seguia-
se a informação de substância – teria o número 534
1015 Spruce St.
Winnipeg, Manitoba a bordar em todas as peças de roupa, e seguia-se a
R3G 3A1 CANADA lista bendita. Que maravilha! Abençoado seja o
Senhor! Estava traçado o caminho da sabedoria e
enunciavam-se as Suas ferramentas!
49. MEMÓRIAS… EM FORMATO SUSHI! O camião parou e rápida pela porta dos fundos
da adega a mala saltou diligente para a carroçaria.
Esclareça-se de en- Serviço ligeiro que aquela fornada do Senhor era
trada que não gosto de composta por mais duas promessas: o Manuel e
memórias. Não gosto de Jorge ambos meus primos e ambos também perdi-
memórias e incompreen- dos nesta seara de vocações. A monda foi vasta e
sivelmente estou carrega- entre algumas ervas daninhas também se arranca-
do delas. Cruéis mas sa- ram pés de boa cepa. A culpa, Senhor, às vezes tam-
dias, catárticas, purifica- bém era dos obreiros, perdoa-lhes que não eram
doras deste presente as- dos melhores, não!... Resisto neste caminho de en-
sente em alicerces segu- contro aos obreiros (foge-me a mão para a chibata)
ros. Sou um pintor que no meu arquivo de filmes a e volto à minha manhã.
preto e branco, retoca e refaz, com deleite, pelícu- O camião seguiu com a mala grande. Era uma
las coloridas. mala enorme, de madeira, revestida de chapa pin-
Da minha ida para o seminário lembro-me tada às florzinhas vermelhas, protegidas por aros
como se fosse hoje... também com retoques ligei- de madeira. Foi durante muitos anos o meu tesou-
ros e lúcidos de amarelo e de paixão! Foi em 1967, ro, a minha arca da aliança. Por ela comuniquei
então com onze anos cumpridos pelos caminhos com o meu irmão durante um ano, que seminarista
da aldeia, pelo morno da cozinha e do colo da mi- também, a fazer teologia em Tomar, estava proibi-
nha mãe. do de falar comigo. Quem é capaz de me explicar
Acordei cedo que o dia era longo e Tomar era ainda hoje que dois irmãos a habitar a mesma casa,
o destino. Não cheguei bem a acordar porque aquela ambos nos trilhos certinhos do Senhor, que se viam
noite não fora bem minha. Foi nossa, dos nossos lá diariamente, tivessem de, pela calada da noite, dei-
da casa, do alfobre onde medrei feliz! A mãe há xar recados e rebuçados com que se alimenta a alma,
muito me fizera crer no bem e no bom da medida e para continuarem a dar-se como irmãos?! Quem
assim, entre as missas de domingo e as novenas a determinou aquelas pedagogias educativas?! Quem,
307 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

de esclarecido à moda italiana, atirou por terra tan- Cristo está aqui lúcida e bela. Foi o caminhar do
to de paixão, de vontade de servir, de amor seguro seminarista, feliz, de bolhas nos pés, acompanha-
e certo no caminho do bem?! Quem rasgou tantos do do irmão. Era o primeiro delinear da “pedra
lençóis de linho como diria Camilo Pessanha!? bruta, arrancada à rocha”, como diria o Padre
Voltemos à minha mala que dos obreiros sombrios António Vieira. Pena que a mão do cinzel fosse
o Senhor se encarregará de tratar!... imperfeita! Usando uma metáfora hoje na moda
A minha mala continha o meu tesouro, o meu diria – deram muitas cotoveladas na incubadora...
mundo, a minha vida... Continha também umas sapa- Por questões que nunca entendi, seguiu-se no
tilhas novas. As minhas primeiras sapatilhas! Fora pela ano seguinte Cucujães. Foi em 1969. Ano feio! Aí,
sua pertença que lutara anos a fio em manhãs de gea- a mão que monda botou-se firme à minha cepa.
da a caminho das missas diárias da minha infância. Não quero agora beber desse cálice! Deixem-me
Nunca percebi porque se levantava um mortal para esquecer o seco director espiritual... A sua
assistir a uma missa às 6 horas da manhã, que o padre espiritualidade mandou-me embora no fim do se-
Cardoso rezava ainda em tom morno durante dez gundo período, a dez dias do término das aulas,
minutos, num latim algaraviado. Eram receita mater- sem avaliações e sem futuro. O aviso chegou-me
na e não me fizeram mal, não fossem as lambadas do pela tarde: “Amanhã vais-te embora. Perdeste a
reverendo, em dias não, quando a cama lhe tinha fi- vocação e toma lá este bilhete de regresso para o
cado a chamar pelo corpo e eu chegava atrasado para teu nada. A camioneta sai às 10 e no Porto procura
ajudar à missa... comboio para casa”. Assim trabalhava a mão do
Embarcadas as malas, corremos a Nine no car- mondador!
ro de praça lá da aldeia. No Porto um homem seco Obrigado minha mãe pela força, pelo porto de
e grande, negro, muito negro, talvez pela batina(?), abrigo, pela alma grande que me roubou à oficina
ordenava, de lista na mão, o rebanho do Senhor. “E do pai. Talvez no regresso tenha descoberto por-
com que então era Araújo, sim senhor, boa gente, que fui para o seminário! E ainda bem que o fiz.
boa cepa... Já lá havia no seminário um dos bons. Como diz Pessoa: “Deus ao mar o perigo e o abis-
Coisa fina!?” Pena que a mão da monda se tenha mo deu / Mas nele é que espelhou o céu”!
enganado...
Das memórias da partida guardo a imagem do Por aqui me fico. Sei que do peixe só servi a
meu pai, parado no meio da estação de Campanhã cabeça e a posta do meio é que é boa. Mas hoje em
no Porto, até onde me acompanhou. Quando o com- dia o peixe também se serve à japonesa. Em for-
boio partiu ele permaneceu longo tempo parado mato sushi.
com o olhar no vazio da distância. Vi-lhe aquele Obrigado à Sociedade Missionária, a quem
olhar até chegar a Tomar. Ali o vi todo o dia, tenso devo a maior experiência de vida.
e apreensivo, de chapéu na mão, especado no meio Parabéns pelos 75 anos.
da estação como quem não percebeu bem o que
acabara de fazer... Ah meu pai, meu herói de sem- Isidro Gomes de Araújo
pre, minha rocha, minha traineira de todos os ma- Casa do Romão – Carrazedo
res..., como te vi frágil nesse dia, nessa decisão di- 4720-291 Amares
fícil que te fez fechar a oficina e guardar a tesoura Tel. 253 993 254 / 939 932 544
na gaveta. É assim a vida, pai! Sou-te grato hoje
pela decisão que tomaste. Devo-te tudo o que sou
de matéria e de sonho!..
Foi longa a viagem de comboio. Muito longa!
Foi um duro baptismo de santidade. A Tomar
seguiu-se Cernache em 1968. Foram anos de apren-
dizagem e de vida. Foram anos de todas as luzes e
de todas as noites.
A subida da estação de Tomar ao Convento de
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 308

50. O MEU TESTEMUNHO tanto a nível económico como sentimental. Apren-


di que nada na vida pode ser considerado um dado
Entrei para a SMBN adquirido e que “Nunca é tarde para recomeçar!!!”
em 1969, com 17 anos, e José da Encarnação Arroteia
saí em 1972. Dos colegas
Rua de Santa Marta, 681
que tive lembro-me do Souto de Baixo
Santos Ponciano, do 2410-159 Santa Eufémia LRA
Ilídio, do Gabriel Concei-
ção, do Botelho Pereira,
do Parreira, do Quina, do 51. O MEU TESTEMUNHO
Angelino, do Gamboa,
do Moisés, do Peralta, do Parabéns, SMBN,
Reis... Dos professores pelos teus 75 anos!
recordo os Padres Sebastião, Francisco, Libério, Foste a minha casa,
Frazão, Viriato, Armindo Henriques, Alfredo Sá, foste o meu pai, foste a
Almendra, Januário, Artur... Estudei em Cucujães minha mãe e agora pos-
e em Cernache do Bonjardim. so chamar-te minha avó,
Embora a diferença de idade em relação à mai- minha velha e minha
oria dos meus colegas fosse um obstáculo, do pon- amiga.
to de vista psicológico, muito foi feito para que o Sei que, numa tarde
problema fosse atenuado. Em Cucujães, tive direi- do Outono do ano de
to a quarto individual e em Cernache do Bonjardim, 1976, te encontrei nos
partilhei a enfermaria com o Gabriel, o Botelho, o claustros do convento de S. Martinho de Cucujães,
Peralta e outro, de quem não lembro o nome. Ali- e contigo vivi em Cernache do Bonjardim, de 1978
ás, foi nessa enfermaria que me aconteceu algo de a 1981. Como sabias quanto eu gosto de história
inexplicável, à luz dos conhecimentos humanos: de Portugal, levaste-me para Tomar, de 1981 a 1982,
estávamos a equipar-nos para jogar futebol; a mi- e não descansaste enquanto não me mostraste a tua
nha sapatilha direita começou a dar-me problemas; Casa de Valadares, de 1982 a1983.
perdi a calma, sacudi o pé com demasiada energia
e aquela malvada sapatilha saiu disparada, contor-
nou todos os obstáculos, desafiando todas as leis
da física, para ter um encontro imediato do primei-
ro grau... com o vidro da janela!!! Não imaginam
quanto me custou pedir o dinheiro ao meu pai para
pagar a destruição! Ainda hoje não sei se a sapatilha
era demasiado forte ou o vidro demasiado fraco!!!
Sinto-me grato aos professores, aos colegas, a
toda a SMBN pelo que vi, ouvi e aprendi, porque
isso constituiu a base daquilo que, humana e espi-
ritualmente, eu fui, sou e serei. Recordo ainda uma
Valadares, 11º ano (1982-1993).
pequena frase de uma canção revolucionária, can-
tada em surdina, não fosse o diabo tecê-las, pelo Impuseste-me, amavelmente, que escrevesse
Armindo Henriques: “Vemos, ouvimos e lemos, não algumas palavras sobre esta caminhada que conti-
podemos ignorar...” Trinta anos depois a mensa- go percorri.
gem continua actual... Quando te encontrei, não sabia como vivias, não
Tenho 53 anos, três filhos, um neto, e divor- sabia como pensavas, não sabia o que sentias, nem
ciei-me em Dezembro de 2004. Enfrento agora a sabia como estavas: eras desconhecida para mim.
difícil tarefa de recomeçar a viver a partir do zero, Sei que há mais coisas no céu e na terra do que a
309 Parte IV – O Testemunho dos Armistas

minha mente pensa. Tu assim um dia mo disseste. daram-me, ontem e hoje, a sempre respeitar os ou-
Olho para ti, lembro-me da alegria que manti- tros e a procurar lutar contra as injustiças. Por isso,
nhas e continuas a manter, pela energia indomável meus amigos, procuro sempre pôr em prática esses
que fazes crescer no teu espírito dia após dia. valores no sentido de conseguir um mundo melhor.
Formaste o meu espírito e a minha mente, en- É preciso dar bons exemplos...
sinaste-me a ser homem, a ser um cristão activo. O mundo precisa, mais do que nunca, das nos-
Contigo aprendi a viver, a sentir, a pensar, a olhar sas boas acções e de rezar a DEUS para que encha
para tudo aquilo que me rodeia. Contigo passei os os corações humanos de esperança e de amor entre
anos mais difíceis e os mais alegres do meu cresci- todos, para que os mais velhos e as crianças pos-
mento e formação. Obrigado, foste sempre uma for- sam ter uma futuro risonho.
madora presente. Por isso, meus amigos, gostaria, ainda hoje, de
Que cada amanhecer seja o início de mais um ser padre missionário para levar os verdadeiros
dia feliz de crescimento, na paz e no amor de Deus, valores da vida a quem deles precisa: a fé, a espe-
porque o futuro está no seio de Deus. rança e a caridade.
Falo com o Criador, para que te dê alegria e Sabem porquê? Para que haja justiça, paz, amor
força indomável de espírito. Porque depois da noi- e solidariedade no mundo.
te vem a manhã. Valeu a pena ter sido seminarista.
Dionísio Manuel Ferreira Correia No ano em que celebra 75 anos de existência,
parabéns à Sociedade Missionária e votos de que
Rua Ângelo da Fonseca
Faria de Cima outros possam vir a sentir o mesmo.
3720-372 Vila de Cucujães Bem-haja a todos.
Tel. 256 882 006 Fernando Capela
Rua da Cavada Velha, 92
4500-730 Nogueira da Regedoura
52. TESTEMUNHO DE UM EX-SEMINARIS- Tel. 969 543 020
TA DO SEMINÁRIO DAS MISSÕES DE
CERNACHE DO BONJARDIM
53. O MEU TESTEMUNHO
Fui aluno da SMBN
entre 1976 e 1977. Nesse Frequentei o Semi-
tempo da minha vida, as- nário de Cucujães (1978
sistíamos a alguma insta- a 1980), o de Cernache
bilidade pelo começo da do Bonjardim (1980 a
jovem democracia em 1983) e o de Valadares
Portugal, mas também (1983 a 1985).
era um sinal de esperan-
ça de que a sociedade em Há sempre um mo-
geral iria melhorar. mento na vida em que se
Sobre a minha expe- impõe um olhar para trás,
riência como seminarista, apesar dos momentos até para compreender o
difíceis que passei, pelas saudades de casa, dos presente. E o testemunho que irei dar implica que
meus pais e irmãos e dos meus amigos, foi para eu volte o meu olhar para um passado que se en-
mim uma fase da vida muito enriquecedora. contra presente no meu dia a dia. Com efeito, o
Só tenho que agradecer a todos os que ainda que hoje sou, inclusive na minha forma de estar, de
hoje são vivos e àqueles que já partiram, nomeada- pensar e de olhar o mundo ao meu redor, deve-se
mente o Padre Basílio, meu director espiritual da muito a tudo aquilo que recebi no Seminário, des-
altura, tudo o que de bom me fizeram. de Cucujães, passando por Cernarche do Bonjardim
Os valores e os ensinamentos que recebi aju- até Valadares.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Testemunho 310

Cucujães foi o tempo da infância, da assunção


de uma consciência mais séria da necessidade do
estudo e do cumprimento dos deveres, bem como
o tempo de uma maior abertura à dimensão espiri-
tual da vida. Cernache foi o prolongar desse tempo
até ao tempo das interrogações e das primeiras
fissuras. Valadares foi o prolongar do tempo das
interrogações, num contexto de uma maior abertu-
ra ao exterior.
A avaliação que hoje faço dos anos que passei
no Seminário é extremamente positiva. Nem tudo
foi rosas, mas o certo é que não há rosas sem espi-
nhos e a vida no seu dia a dia é a comprovação
disso mesmo. Na realidade, foi nessa casa, e sem
esquecer a casa paterna, que os valores se
sedimentaram no interior do meu ser. Hoje em dia,
olhando para trás, não posso esquecer o amor gra-
tuito recebido de todos os padres/missionários, ir-
mãos missionários e funcionários que deram e des-
gastaram a sua vida para que outros, como eu, pu-
dessem ter vida e uma vida melhor. Não posso dei-
xar de prestar a minha homenagem a todos eles.
Não posso também esquecer os meus colegas, uma
vez que ao longo de vários anos e numa etapa im-
portante da nossa vida juntos rezámos, estudámos,
trabalhámos, divertimo-nos e ajudámo-nos a cres-
cer sem que, muitas vezes e por isso, tivéssemos
dado conta.
Paulo Fernando Dias da Silva
Rua da Igreja, 165
4505-571 Santa Maria de Pigeiros
Tel. 256 911 287 / 967 725 409
311

FUTURO
312
313 Futuro

FUTURO as, reviveram aí, com os condiscípulos, os tempos


e episódios passados, às vezes na própria Casa onde
Sem memória não há perspectiva. A memória é tinham decorrido e ocorrido, conviveram, cresce-
que alicerça o futuro. A memória é que o perspecti- ram em amizade e na afinação e afirmação dos ob-
va e lhe dá curso, cor e calor. Acontece assim a jectivos comuns, partilharam a fraternidade e os
nível pessoal; acontece assim ao nível das associa- bens, recordaram os que já haviam partido…
ções. Os armistas fizeram história, às vezes de me-
Um antigo aluno dos seminários da Sociedade mória dolorosa mas predominantemente e sobre-
Missionária, se o foi sem nuvem de sombra e de tudo tecida de alegrias, de felicidade, de inquieta-
maneira consciente, integrada e assumida, mesmo ção e consciência tranquila, de bondade, história
que tenha seguido outra via não corta com as raízes, que vale a pena recordar. Há memórias e pedaços
porque aquele tempo faz parte da sua história e nele dela nos olhos, no pensamento e no coração de cada
sedimentou muito do que é ou veio a ser mais tar- um. Mas está espalhada, de tantas maneiras e
de. A sua pessoa ganhou alguma coisa durante aque- esparsamente, pelo nosso Boletim, e agora fica reu-
le tempo e nesse ganho cresceu. Cresceu espiritual nida neste livro.
e moralmente, desenvolveu capacidades e potencia- Sim, o nosso Boletim, que é o elo de ligação
lidades intelectuais, incorporou hábitos de traba- entre todos, que a grande maioria aguarda ansiosa-
lho, valores e saberes. Quando recorda esse tempo mente e lê várias vezes e um ou outro talvez esque-
não o aliena nem se sente alienado, mas sente-o e ça e não lhe ligue. O Boletim que procura levar a
vive-o integrado na sua história global, na sua evo- ideia e o projecto da ARM e despertar para eles a
lução para a adultez, atribuindo-lhe o valor que vontade e os corações dos armistas, de modo que
merece. A memória que dele faz dá-lhe perspecti- cresçam e dêem frutos na vida de cada um. O Bo-
va do que veio ou virá a seguir, ilumina-lhe o futu- letim que é sempre feito com tanto amor e espírito
ro tornando-o mais claro, motiva-o a prosseguir. de serviço, às vezes também com suor e lágrimas.
O mesmo acontece ao nível da nossa Associa- A ARM tem uma história longa e rica, uma his-
ção. A ARM nasceu do impulso genuíno de reunir tória que é motivo de orgulho para todos nós, uma
em redor da Sociedade Missionária os seus antigos história que nos aponta com clareza o caminho e é
alunos, “aumentando e estreitando os laços de ami- promessa de futuro com esperança, porque nos es-
zade entre eles, com o fim de mutuamente se auxi- boça o seu desenho e entreabre a sua perspectiva.
liarem no campo social, missionário e cultural” 1. Esse futuro com esperança tem de ser
E foi o que procurou fazer ao longo de sessenta construído, creio bem, sobre os seguintes cinco ei-
anos, com gerações sucessivas de armistas a dar o xos:
seu melhor, entusiasticamente e com denodo. 1.º - Continuar a procurar e a reunir e unir à
A ARM também procurou auxiliar materialmen- volta da Sociedade Missionária, no seio da ARM e
te a Sociedade Missionária e os projectos dos nos- de maneira activa, o maior número possível de an-
sos missionários. Fê-lo com recursos humildes, é tigos alunos, de modo que os nomes dos que parti-
verdade, mas com persistência e criatividade, com cipam verdadeiramente ultrapasse a percentagem
carinho e generosamente. actual de quase 20%. Como? Com persistência, com
Não se esquecendo dos seus associados mais engenho, cada um descubra e traga mais outro. In-
carecidos ou em necessidade ocasional, pensou dividualmente e nas delegações.
neles e, com as dificuldades próprias e evidentes 2.º - Continuar a dar ao encontro nacional de
neste campo, tentou esboçar alguma ajuda e soli- dois dias um grande cunho de alegria e festa, com
dariedade. Deus sabe com que angústia por quase grande participação do maior número de armistas
nada poder fazer! nos diversos serviços necessários, quer por dele-
Os armistas organizaram encontros a nível na- gação quer individualmente, cuidando sempre a
cional e regional, trouxeram a eles as suas famíli- novidade e a criatividade e aperfeiçoando o que
tenha estado menos bem nos últimos anos e de en-
1
Estatutos em vigor (de 1994), Art.º 3.º. contro para encontro.
A ARM nos 75 anos da S M B N / Futuro 314

As nove delegações devem ser consolidadas e evolução da ARM, é urgente e de esperar que os
o seu encontro local, mesmo que estrategicamente armistas sejam capazes de descer ao terreno de
não se faça todos os anos, tem de ser assegurado missão e trabalhar aí com os dons que receberam
porque é ocasião de dinamização e crescimento dos de Deus e desenvolveram com o seu estudo e de-
armistas locais. Alguns nunca se teriam encontra- sempenho na Sociedade e na Igreja. Esta é a dádi-
do se não fosse o encontro regional. va maior e mais preciosa que é necessário os
3.º - Em todo este processo e na sua economia, armistas serem capazes de oferecer.
o Boletim é indispensável e importantíssimo. Ele
faz a relação entre todos, quer formando quer in- Por aqui passará, creio sinceramente, o futuro
formando. Deve ter a colaboração de muitos, o que da ARM. Quem tem a história que este livro
não é fácil, e convém que cada vez mais nomeie os entremostra, quem possui este património não pode
armistas pelos seus nomes – isso motiva e cria ca- deixar-se anquilosar nem paralisar. Se este livro é
lor humano e empatia. A tipologia de textos deve homenagem e gratidão à Sociedade Missionária nos
ser variada. seus 75 anos, o compromisso com este futuro é
4.º - A relação íntima com a Sociedade gesto de apreço e vontade de comunhão na missão
Missionária e com a realidade e os trabalhos no com os nossos irmãos missionários. E é também
terreno de missão é essencial e uma das razões de preito aos armistas que nos precederam, incluindo
ser da ARM. A nossa Associação nasceu para coo- os que já vivem na eternidade. Devemos a todos –
perar neste campo – com afecto e apreço pelo tra- missionários e armistas – esta obrigação e esta fi-
balho dos missionários e com ajuda financeira aos delidade.
seus projectos. Estes são frutos que indiciam e per-
fumam a boa árvore que é a ARM. João Rodrigues Gamboa
5.º - Finalmente, e dadas as circunstâncias e a
315 A ARM nos 75 anos da S M B N

Nota biográfica do Autor

Nascido na freguesia de Peraboa (Covilhã), em 5 de Abril de 1939,


casado, com três filhos e quatro netos, JOÃO RODRIGUES
GAMBOA é (desde 2000) professor aposentado, tendo orientado o
estágio de formação de professores de Francês, no então Ensino Pre-
paratório, de 1975 a 1980.
Após o Ensino Primário na sua aldeia, entrou no Seminário de
Tomar, da Sociedade Missionária Portuguesa, em 1950, na Classe
Preparatória, tendo saído em Cucujães, no final do primeiro trimestre
do sexto ano; fez o Curso Geral de Enfermagem e completou o Ensi-
no Secundário em Coimbra e, após o serviço militar obrigatório (1961-
1966), licenciou-se em Filologia Românica, na Faculdade de Letras
da mesma cidade.
Na segunda metade da década de Setenta e nos anos Oitenta, reto-
mou estudos musicais no Conservatório de Música de Aveiro e fre-
quentou as Semanas Gregorianas, em Fátima; seguiu os cursos de
Verão “Introdução à Criatividade Musical da Criança”, orientado pelo
professor Pierre van Hauwe, no Porto e em Delft (Holanda), e “Mú-
sica e Vida”, orientado pelo professor Bruno Bastin e outros, em Tor-
res Vedras; frequentou vários cursos de direcção coral; e, dedicando-
se à Liturgia e ao canto litúrgico, começou a compor.
Neste âmbito publicou, em 2000, o livro Cânticos para a Liturgia
(296 paginas), que reeditou em 2003 (336 páginas), revisto, corrigi-
do e aumentado com mais cerca de 55 novos cânticos.
Sob o nome literário de Eugénio Beirão – homenagem a sua Mãe
(Eugénia), ainda viva, e à Beira (-Baixa), onde nasceu –, publicou os
seguintes livros de poesia (dois são também diários): Invocação de
Deus (1994), esgotado; Diário Intermitente (1994), esgotado; Péta-
las e Rubis (1995), esgotado; Rosa-dos-Tempos (1996), esgotado; Po-
emas Aveirenses (1997), esgotado; Na Luz das Palavras (1998);
NovamenteDiário (1999); e Beira: Um Rosto Interior (1999), esgo-
tado. Quando terminar tarefas associativas (na Direcção da ARM)
em que tem estado empenhado desde 2002, tem intenção de publicar
as seguintes duas obras: Os Dias Férteis (poesia) e Invenção para
Dois Trombones e Outras Histórias (contos).
A ARM nos 75 anos da S M B N 316

Lume novo, lareira acesa na cidade,


És Tu, Senhor, o clarão da tarde
(...)
Envia-nos, Senhor, e partiremos
O pão
Juntos nos caminhos da missão.

Pe. António Couto


317 A ARM nos 75 anos da S M B N

Convento de Cristo, Tomar. Seminário de Cernache do Bonjardim.

Seminário de Cucujães.

Seminário da Boa Nova, Valadares. Seminário de S. Francisco Xavier, Fátima.


318
319 A ARM nos 75 anos da S M B N

ÍNDICE
Flores que ainda darão fruto (Prefácio) ................................................................................... 5
Introdução.................................................................................................................................. 9

PARTE I – VIVER NAS FRONTEIRAS


Migalhas de História dos Missionários da Boa Nova ......................................... 11
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 13
1. AS GRANDES FIGURAS DO ALICERCE ......................................................................... 13
1.1. D. António Barroso ................................................................................................... 13
1.2. D. João Evangelista de Lima Vidal ........................................................................... 14
1.3. D. Teotónio Vieira de Castro ..................................................................................... 14
1.4. Pio XI, o Papa das Missões ....................................................................................... 15
2. MOÇAMBIQUE – SEMEAR A FUTURA IGREJA ............................................................ 16
2.1. Diocese de Nampula ................................................................................................. 17
2.2. Em Cabo Delgado ..................................................................................................... 18
2.3. Evangelização do Sul do Save .................................................................................. 20
2.4. Resistência e martírio ................................................................................................ 22
3. EM BUSCA DA UNIVERSALIDADE – INCARNAÇÃO NOUTRAS CULTURAS ........ 23
3.1. Brasil – Evangelização e Formação de Comunidades .............................................. 24
Minas Gerais – construir uma jovem Igreja ........................................................... 24
Paraná e Mato Grosso do Sul ................................................................................. 25
Maranhão – nos porões da humanidade ................................................................. 26
Missionárias da Boa Nova ...................................................................................... 27
3.2. Angola – Testemunho na Guerra ............................................................................... 28
Tempo de provação ................................................................................................. 29
A experiência do martírio ....................................................................................... 31
Nova estratégia pastoral.......................................................................................... 32
Nova etapa pastoral ................................................................................................ 32
Nova experiência pascal ......................................................................................... 33
Nova experiência do martírio ................................................................................. 34
Empenho pela Missão ............................................................................................. 34
Lar Boa Nova em Viana ......................................................................................... 35
Paróquia da Boa Nova – Viana ............................................................................... 35
3.3. Zâmbia – fora do espaço de língua portuguesa......................................................... 36
3.4. Japão – voltando ao Oriente ...................................................................................... 41
4. A SOCIEDADE E A ANIMAÇÃO MISSIONÁRIA EM PORTUGAL ............................... 41
NOTAS ...................................................................................................................................... 42
A ARM nos 75 anos da S M B N 320

PARTE II – ARM: 60 ANOS DE VIDA ................................................................................. 49


INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 51
1. AS ORIGENS (1944-1960) ................................................................................................... 51
2. A ARM SEGUNDO OS ESTATUTOS.................................................................................. 52
2.1. Os Estatutos de 1960 ................................................................................................. 52
2.2. Os Estatutos de 1964 ................................................................................................. 53
2.3. A crise de 1974-1975 e a paralisação até 1978 ......................................................... 54
2.4. Os Estatutos de 1981 ................................................................................................. 54
2.5. Os Estatutos de 1994 e a constituição legal da ARM; a celebração dos 50 anos
e outras iniciativas ..................................................................................................... 55
2.6. Quadro-resumo dos Estatutos ................................................................................... 58
ANEXO I – Cópia dos primeiros Estatutos (de 1960) .............................................................. 59
ANEXO II – Cópia dos Estatutos actualmente em vigor (de 1994).......................................... 59
3. OS ÓRGÃOS SOCIAIS ........................................................................................................ 62
4. REUNIÕES ANUAIS DE CARÁCTER NACIONAL E ENCONTROS REGIONAIS ...... 67
5. O BOLETIM DA ARM ......................................................................................................... 83
6. O MISSIONÁRIO CATÓLICO E A BOA NOVA COMO ÓRGÃO INFORMATIVO DA ARM 91
7. AS DELEGAÇÕES ............................................................................................................... 96
7.1. Breve quadro panorâmico ......................................................................................... 96
7.2. As delegações de per si ............................................................................................. 98
7.2.1. Delegação de Barcelos.................................................................................. 98
7.2.2. Delegação de Bragança-Miranda.................................................................. 98
7.2.3. Delegação de Castelo Branco-Guarda .......................................................... 99
7.2.4. Delegação de Cernache do Bonjardim ......................................................... 99
7.2.5. Delegação de Coimbra.................................................................................. 99
7.2.6. Delegação de Cucujães ................................................................................. 99
7.2.7. Delegação de Lisboa..................................................................................... 99
7.2.8. Delegação de Tomar ..................................................................................... 100
7.2.9. Delegação do Norte (Porto) / Delegação de Valadares ................................. 100
7.2.10. Delegações do Ultramar ............................................................................. 101
Delegação de Lourenço Marques ............................................................... 101
Delegação de Luanda ................................................................................. 101
8. A ASSISTÊNCIA SOCIAL DA ARM AOS SEUS MEMBROS
E A SOLIDARIEDADE COM OS MISSIONÁRIOS .......................................................... 101
8.1. A assistência social da ARM ..................................................................................... 101
8.2. A solidariedade com os missionários: bolsas de estudo e outros modos de cooperação. 102
8.3. O trabalho na frente de missão.................................................................................. 104
9. A PUBLICIDADE NO BOLETIM ....................................................................................... 105
10. BANDEIRA E HINO .......................................................................................................... 106
321 A ARM nos 75 anos da S M B N

PARTE III – ANTOLOGIA DE TEXTOS PUBLICADOS NO BOLETIM DA ARM ..... 109


INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 111
1. AS IDEOLOGIAS, PRIMEIRO ............................................................................................ 113
(1). Estamos convosco (José Francisco Rodrigues) ........................................................ 115
(2). Dia de Portugal (Albino Santos) ................................................................................ 116
(3). O essencial e o acessório (Vítor Borges) ................................................................... 116
(4). Pátria futura (Marques Farinha) ............................................................................... 117
(5). Primeiro a justiça (Augusto de Macedo) ................................................................... 118
2. TEORIA E PRÁTICA ARMISTAS ....................................................................................... 121
(6). Associemo-nos (J. Marques Pereira) ........................................................................ 123
(7). Vida da ARM (António José Paisana) ...................................................................... 123
(8). Bons amigos (Pe. Luís G. Monteiro) ......................................................................... 124
(9). Reunião regional do Sul, em Lisboa (O Repórter) .................................................... 125
(10). O Seminário da Boa Nova (Não assinado) ............................................................. 126
(11). A nossa reunião anual (Albino Santos) .................................................................... 127
(12). Toque de alvorada (Pe. Manuel Trindade) .............................................................. 128
(13). Uma vez no ano? (Pe. Manuel Trindade) ................................................................ 129
(14). Fraternidade (Albino Santos) ................................................................................... 129
(15). Reunião geral da ARM (Um dos presentes) ............................................................ 130
(16). Muita parra e pouca uva (A. Malhão) ...................................................................... 131
(17). A ARM e o futuro (Vítor Borges) ............................................................................ 134
(18). Hora decisiva – ARM em causa (J. Soares) ............................................................ 134
(19). Crónica da ARM (Norte) – “Nada mete medo aos do Norte!” (Dupré dixit).......... 134
(20). Refontalização (Albino Santos) ............................................................................... 136
(21). Descobrimentos e caminhos (Pe. Manuel Castro Afonso) ...................................... 137
(22). Agere sequitur esse (Pe. Viriato Matos) .................................................................. 137
(23) Editorial (Pe. Jerónimo Nunes) ................................................................................ 138
(24). Magusto, que magusto! (Mário Veiga) .................................................................... 138
(25). Volta à África (Pe. Jerónimo Nunes) ....................................................................... 139
(26). As guerras e a paz (Pe. Jerónimo Nunes) ................................................................ 140
(27) Por terras de Moçambique (Moutinha Rodrigues) ................................................... 141
(28). Deus escondido (Pe. Jerónimo Nunes) .................................................................... 142
(29). Novo figurino missionário (Pe. Augusto Farias) .................................................... 143
(30). O Congresso da ARM – Presente e futuro (Serafim Fidalgo) ................................. 144
(31). Leigos Boa Nova – Um caminho de missão (Pe. Manuel Bastos) .......................... 145
(32). Juntos nos caminhos da missão (Pe. António Couto) .............................................. 146
(33). Vamos ajudar a construir a Igreja de N. S.ª da Boa Nova, em Luanda? (João Gamboa) 147
(34). Uma ARM virada para o futuro (João Gamboa)..................................................... 148
(35). Conclusões do Encontro Nacional 2003.................................................................. 148
(36). ARM com castanhas (Jerónimo Nunes) .................................................................. 149
(37). Ecos de Tomar (J. Candeias da Silva) ..................................................................... 150
(38). Aquele abraço! (João Gamboa)............................................................................... 150
A ARM nos 75 anos da S M B N 322

3. ESPIRITUALIDADE E COMPROMISSO .......................................................................... 153


(39). “Peneiras” (Albino Santos) ...................................................................................... 155
(40). Os meus dois Cristos (Albino Santos) ..................................................................... 155
(41). Cristo-Criança (José Pacheco) . .............................................................................. 156
(42). Deitemos a pedra fora (Pe. Alfredo Alves) .............................................................. 157
(43). Quem somos nós? (Albino Santos) .......................................................................... 157
(44). Maria Imaculada (Albino Santos) ............................................................................ 158
(45). Deo gratias (Mário Veiga) ....................................................................................... 159
(46). Cristãos responsáveis (Manuel Nunes Ferreira) ..................................................... 160
(47). Na vanguarda (Pe. Albano (Mendes Pedro)) ........................................................... 160
(48). Unum necessarium (José Francisco Rodrigues) ..................................................... 161
(49). Perseverar (Albino Santos) ...................................................................................... 162
(50). Ondjango (Pe. Jerónimo Nunes) ............................................................................. 162
(51). Deus, problema ou mistério? (Viriato Matos) ......................................................... 163
(52). A lição do mergulho (Viriato Matos) ....................................................................... 163
(53). Famílias missionárias (Pe. Jerónimo Nunes) .......................................................... 164
(54). A anagogia da pedra (Pe. Viriato Matos) ................................................................. 164
(55). Um Congresso… que pode fazer história (Pe. Jerónimo Nunes) ............................ 165
(56). Missionário leigo na Chapadinha (João Gamboa) .................................................. 166
(57). Ressuscitou, ressuscitaremos (Pe. Jerónimo Nunes) ............................................... 166
(58). A primeira evangelização na paróquia da Gabela (Pe. Augusto Farias) ................. 167
(59). Natal para a Vida (João Gamboa) ........................................................................... 168
(60). Paixão de Cristo (Pe. Jerónimo Nunes) ................................................................... 168
4. TU CÁ, TU LÁ, COM ENTUSIASMO ................................................................................ 171
(61). Postal para ti (1) – Mais peneiras… (Zé do Porto) ................................................. 173
(62). Postal para ti (2) – Assim vai o mundo (Zé do Porto) ............................................. 173
(63). Postal para ti (3) (Zé do Porto) ................................................................................ 174
(64). Postal para ti (4) (Zé do Porto) ................................................................................ 174
(65). Postal para ti (5) (Zé do Porto) ................................................................................ 176
(66). Um abraço para ti – Conversa à minha moda (Zé do Porto) ................................... 176
(67). Conversas à minha moda (Zé do Porto) .................................................................. 177
(68). O meu postal (Zé do Porto) ..................................................................................... 178
5. MEMÓRIAS COM HUMOR................................................................................................ 179
(69). Figuras do passado (Lapin du Pré) .......................................................................... 181
(70). Foi nas férias grandes (Lapin du Pré) ..................................................................... 182
(71). Incêndio no Seminário (Lapin du Pré) .................................................................... 183
(72). Férias extraordinárias (Lapin du Pré) ..................................................................... 184
(73). Responso a Santo António (Lapin du Pré) .............................................................. 185
(74) Ai meu rico latim! (Lapin du Pré) ............................................................................ 186
(75). Um cálculo aproximado (Lapin du Pré) .................................................................. 187
(76). Queimar as pestanas… Para quê? (Lapin du Pré) ................................................... 188
(77). História atribulada dum salpicão transmontano (C. Andrade) ................................ 189
323 A ARM nos 75 anos da S M B N

(78). 1954 – De Carção a Tomar (Parte IV) (C. Andrade) ............................................... 190
6.CARTAS COM ASSINATURA ............................................................................................. 193
(79). Carta de João Fernandes Chendo ........................................................................... 195
(80). Carta de António Alves Moreira e Silva .................................................................. 195
(81). Postal de Nampula (Pe. Manuel Fernandes) ........................................................... 196
(82). Uma carta que não é ainda o artigo prometido (Pe. Alfredo Alves) ........................ 196
(83). Carta de Zé Maria Oliveira ..................................................................................... 197
(84). Um SOS da Missão de Cristo Rei (Pe. Manuel Norte) ........................................... 197
(85). Carta de José (Mateus) Crespo ................................................................................ 198
(86). De Luanda – Carta de Inácio Henriques Lapa ........................................................ 198
(87). Carta do Pe. Manuel Trindade ................................................................................ 199
(88). Carta aberta aos Armistas (José Martins Carreto) .................................................. 199
(89). Chibuto – Carta do Padre Firmino Augusto João ................................................... 200
(90). De Nampula – Carta do Padre José Maria Luís da Silva ....................................... 200
(91). Carta do Padre Augusto Farias ............................................................................... 202
(92). Carta de saudação do Padre José Valente ............................................................... 202
(93). A Missão da Gabela – Carta do Padre Augusto Farias ........................................... 202
(94). De Luanda – Carta do Padre António Valente Pereira ............................................ 203
7. TEXTOS DE PROCURA E ENCONTRO ............................................................................ 205
(95). Recordando (1) (JANC) ........................................................................................... 207
(96). Mas que grande Coelho!… (A. Pereira) ................................................................. 207
(97). Eu fui ao S. João ao Porto (José Nereu Santos) ...................................................... 207
(98). Um encontro (António Moutinho Rodrigues) .......................................................... 208
(99). Encontro evocador (Manuel da Silva) ..................................................................... 208
(100). Um passeio à Beira Baixa (Joaquim Alves Mateus) .............................................. 210
(101). O meu postal (Zé do Porto) ................................................................................... 210
(102). O que nós amargámos! (Lapin du Pré) ................................................................. 211
(103). Bolsas & C.ª (Não assinado) ................................................................................. 212
(104). Conversando (1) (Moutinha Rodrigues) ................................................................ 212
(105). Conversando (2) (Moutinha Rodrigues) ................................................................ 213
(106). Conversando (3) (Moutinha Rodrigues) ................................................................ 213
(107). Variações sobre um Congresso (C. Andrade) ........................................................ 214
(108). Recordando (2) (Joaquim Alves Pereira) .............................................................. 215
8. VERSOS E POEMAS, A FECHAR ...................................................................................... 217
(109). Efectivo ou ordinário? (Figueira) ......................................................................... 219
(110). Luz pascal (Zeferino Gaspar) ................................................................................ 219
(111). Hino da “ARM” (Zeferino Gaspar) ....................................................................... 219
(112). Natal (ESSEFE) ..................................................................................................... 219
(113). Oh Mãe divina! (ESSEFE) .................................................................................... 220
(114), Imaculada (Zeferino Gaspar) ................................................................................ 220
(115). Imaculada Conceição (1) (A. S.) ............................................................................ 221
(116). Imaculada Conceição (2) (A. ELESSE) ................................................................. 221
A ARM nos 75 anos da S M B N 324

(117). Êxtase (Pe. José Maria da Silva)........................................................................... 221


(118). Disponível (Pe. José Maria da Silva) .................................................................... 222
(119). “O Elogio da Loucura pela voz do Silêncio
Ou a minha outra forma de dizer as coisas…” (José Augusto Rodrigues) ........... 222
(120). Oração (Domingos J. R. Quina) ............................................................................ 222
(121). Amor (Armindo Henriques) ................................................................................... 222
(122). Natal para a Vida (Eugénio Beirão) ...................................................................... 223
(123). Pela paixão é que vou (Eugénio Beirão) ............................................................... 223
(124). Páscoa (Eugénio Beirão) ....................................................................................... 223

PARTE IV – O TESTEMUNHO DOS ARMISTAS ............................................................. 225


INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 227
1. O meu testemunho (Abel Francisco Martins) .............................................................. 229
2. O meu testemunho (António da Costa Salvado) .......................................................... 230
3. “Se bem me lembro…” (José Roque Abrantes Prata)................................................. 231
4. O meu primeiro presépio (Mário Veiga) ...................................................................... 233
5. Testemunho de José Ramos dos Santos ....................................................................... 233
6. Testemunho (António Maria de Matos) ....................................................................... 234
7. O meu testemunho (Aníbal Fernandes Alves Catarino) .............................................. 240
8. Se bem me lembro... (Gabriel da Silva)....................................................................... 241
9. O meu testemunho (Abílio Antunes Pereira) ................................................................ 243
10. O meu testemunho (Fernando Pinto de Oliveira) ..................................................... 245
11. Testemunho de Domingos Valente ............................................................................. 245
12. Testemunho pessoal para a ARM (Faria Gomes) ...................................................... 246
13. O meu testemunho (Mário Pêgo) ............................................................................... 246
14. O meu testemunho (Mário Simões Júlio Pereira) ..................................................... 248
15. A magia do futebol (António da Silva Costa) ............................................................ 250
16. Viver em vocação (António Moutinha Rodrigues) ..................................................... 251
17. O meu testemunho (Francisco Manuel Morais) ........................................................ 252
18. Testemunho dos tempos de seminário e relação com a Sociedade Missionária
(João Rodrigues Gamboa) ........................................................................................ 253
19. Testemunho (Joaquim Alves Pereira) ........................................................................ 254
20. O meu testemunho (Manuel Francisco da Silva) ...................................................... 255
21. De Peraboa para o Seminário de Tomar (João José Gamboa) .................................. 256
22. O meu testemunho (José Alves Sebastião) ................................................................. 257
23. Testemunho (Joaquim Costa Nunes).......................................................................... 259
24. Entro em Tomar em 1952 (José Farinha Lopes) ....................................................... 260
25. O meu testemunho (Afonso Marcolino Andrade) ....................................................... 261
26. Testemunho (António Francisco Tavares Regal) ....................................................... 262
27. A defesa é castigada (António Raimundo Amado) ..................................................... 263
28. A força de um testemunho (Francisco Antunes Domingues) ..................................... 264
29. Testemunho muito sentido (José Marques Farinha) ................................................. 266
325 A ARM nos 75 anos da S M B N

30. O meu testemunho (Francisco Costa Andrade)......................................................... 267


31. O meu testemunho (José Maria Ribeiro Novo) .......................................................... 267
32. Septuagésimo quinto aniversário da Sociedade Missionária – Testemunho do
Vieira de Sá ................................................................................................................ 268
33. Um sonho… ser missionário (Duarte Nuno Pires) .................................................... 277
34. “A ARM nos 75 anos da SMBN” – Breve nota do antigo aluno
Serafim Fidalgo dos Reis ........................................................................................... 278
35. O meu testemunho (António da Silva Pereira)........................................................... 279
36. Testemunho (Joaquim Candeias da Silva) ................................................................. 280
37. A minha manhã submersa (Amadeu Gomes de Araújo) ............................................. 281
38. O meu testemunho (Manuel Ribeiro) ......................................................................... 284
39. Uma aventura e um destino (Vítor Borges) ................................................................ 285
40. Comecemos pela sardinha (Carlos Amílcar Dias) ..................................................... 286
41. Testemunho (Celestino Cândido Rodrigues Neves) ................................................... 287
42. Um sincero bem-haja (Serafim dos Santos Alves do Rosário) ................................... 288
43. Testemunho de um ex-seminarista da SMBN, nem de louvor fácil nem de crítica
gratuita (José Augusto Rodrigues) ............................................................................. 289
44. Testemunho da minha passagem pelo Seminário (Francisco Moreira de Matos Mota) . 290
45. Testemunho (João Manuel da Costa Amado) ............................................................ 290
46. A minha homenagem (José Abílio R. Quina) ............................................................. 292
47. Gratidão à Sociedade Missionária (Marinho da Silva Borges) .................................. 304
48. Do Canadá, com saudade e gratidão (Armindo de Jesus Santos) .............................. 305
49. Memórias… em formato sushi! (Isidro Gomes de Araújo) ....................................... 306
50. O meu testemunho (José da Encarnação Arroteia) ................................................... 308
51. O meu testemunho (Dionísio Correia) ....................................................................... 308
52. Testemunho de um ex-seminarista do Seminário de Cernache do Bonjardim
(Fernando Capela) ..................................................................................................... 309
53. O meu testemunho (Fernando Paulo Dias da Silva) ................................................. 309

FUTURO .................................................................................................................................. 311


ÍNDICE ...................................................................................................................................... 319
326
327
328

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