2oow2015 Midas ea paltica cut” — Kiwi Comparhia de Teatro
“Midas e a politica cultural”
Artigo que analisa a mercantilizagao dos bens simbélicos e discute politicas
publicas de cultura.
Fernando Kinas
Quando a arte e a cultura se submetem A forma-mercadoria, produgio, gestio e fruigdo de bens
simbélicos incorporam-se progressivamente A sociabilidade do capital. Toma forma, entao, um
debate que envolve dois grandes campos. De um lado, diseute-se a especificidade da arte e da
cultura, suas caracteristicas, a relagiio que estabelecem com o poder politico e as suas eventuais
capacidades criticas ou, ao contrario, o papel de amortecedoras das insatisfagdes sociais. De outro
lado, discute-se os sistemas de subvengao, apoio e financiamento da arte e da cultura, analisando a
parte que caberia 3 iniciativa privada, 4 sociedade civil organizada e ao Estado, avaliando os riscos
tanto da cooptagao e do dirigismo quanto da omissio.
A reflexdio consequent deveria associar estes dois grandes conjuntos de questdes: a dimensio
politica, social, antropoldgica ¢ filoséfica da cultura ¢ a economia da cultura, Debater csta tiltima,
diga-se desde j4, nao significa confundir arte e cultura com business. A discussio subjacente
supée, justamente, refletir criticamente sobre os significados da integracdo da arte e da cultura no
modelo mercantil, investigando as fungdes que Ihe caberiam dadas as determinagdes habituais do
capital, como a busca do lucro. A cultura, nesta perspectiva critica, teria um papel decisivo no
ilizat6rio e de emancipagdo humana. Civilizagdo eompreendida como desfetichizagio,
desenvolvimento da eapacidade simbélica, ampliagao das liberdades ¢ criagao de espacos
democraticos. Portanto, é razoavel admitir a existéncia de um movimento dialético entre
produco material da vida e as chamadas obras do espfrito. Em outras palavrs
Formas ossumidas pela cultura e pela arte se dé em uin ambiente concreto (aujeto a historia) e
complexo. A abordagem, neste caso, deve ser nao idealista (nela nao eabe a arte pela arte, a
finalidade sem fim ¢ suas derivages) ¢ nao fatalista (refutando, por exemplo, as armadilhas do
pensamento tinico). A dimensio cultural, sob esta dtica, s6 pode ser compreendida a partir das
relagdes de produgdo e das forgas produtivas em jogo.
No Brasil, em sintonia com movimentagées internacionais, a onda neoliberal dos anos 1980 e 90
produziu um modelo de apoio a criagao artistica e cultural que, em linhas gerais, continua em
vigor. Ajudado pela ressaca do arbitrio civil-militar dos anos da ditadura, 0 modelo neoliberal
brasileiro estimulou o recuo do Estado na formulacio e implementacao de politicas culturais. Ha
quem diga, abusando da metfora futebolistica, que o governo “passou a bola” para a sociedade,
Seria uma tentativa de evitar o dirigismo autoritario que caracterizou os anos de chumbo. O
argumento é falacioso. Primeiro, porque o poder decisério no ambito da arte e da cultura nao se
deslocou para a sociedade, mas para uma parte dela, isto é, para grandes empresas e seus
departamentos de marketing, que passaram a definir muito do que é produzido culturalmente no
pafs. Em segundo lugar, é preciso lembrar que a mie das leis baseadas em reniincia fiscal,
implementada em 1986, é obra do governo Sarney, personagem em nada hostil ao regime militar.
Em resumo, as leis de rentincia fiscal representam a continuidade da politica cultural da ditadura e
das opgées politicas, de classe, tomadas pelas elites de ontem ¢ de hoje. Esta situagdo confirma o
processo de modernizagéo conservadora do pais, que renova suas formas mantendo intacto seu
carater.
nip. Kwicladetetro.com brpoltcas-pubicas-de-cutura20temidas-e-2poliica-culura201d2oow2015 “Midas e a potca ctu” — Kiwi Compartia de Teatro
A chamada Lei Rouanet, aprovada em 1991, é a jéia desta coroa. Batizada com o nome do
secretério de Cultura do governo Collor, ela expressa nao apenas o sucateamento da estrutura
administrativa, mas a propria extingao do Ministério da Cultura, transformado ento em
Secretaria. O mecanismo da Lei, eficiente em transferir competéncias e recursos do Estado para a
iniciativa privada, aprimora a politica autoritaria anterior, adaptando-a ao novo momento da
exploragao capitalista e & readequagio do consenso em curso, necessiria para a manutengao da
hegemonia consolidada pelos generais. 1964 é, decididamente, o ano que nao terminou. No caso
da censura houve um deslocamento: da proibicdo politica direta e visivel, a censura instalou-se
prioritariamente na esfera econémica. Nao se trata mais de mutilar ou proibir a veiculagao de tal
peca de teatro, filme ou misica, mas de, simplesmente, impedir a eriagao pela mais elementar
falta de recursos.
Nao se pode afirmar, no entanto, que o Estado, a partir de redemocratizagéo, tenha se omitido
completamente da formulagao de politicas culturais. Este ponto tem se prestado a confusdes. A
ciéncia politica eritica ensina que o Estado nao foi criado para resolver conflitos (entre capital e
trabalho, interesses particulares e sociais, burguesia industrial e agréria), antes, ele age para
garantir a reproducao do sistema. Por isso, enquanto “capitalista coletivo ideal” (definigao de
Engels para Estado), o horizonte da ago deveria ser sua supressio. Isto significa dizer que os
mecanismos de financiamento as artes ¢ & cultura devem ser vistos como meios e nao como fins.
A transformagao das lutas por politicas piiblicas de cultura em causa diltima, ou tinica, equivale a
limitar o alcance da intervengao. Nao se trata de maximizar reivindicagdes com a intengio de eriar
impasses, desconhecendo o papel do actimulo de forcas ¢ da sobrevivéncia material, nem, por
outro lado, de cireunscrever os objetivos da ago politica mera gestio do capital e& utopia
possfvel.
Desta andlise suméria do Estado, deduz-se que ele tem um papel importante na esfera da cultura:
organizar e legitimar socialmente a transferéncia de competéncias (planejamento estratégico
poder decisério, por cxemplo) c recursos (verbas publicas) da esfera comum para a esfera privada,
preferencialmente para a do grande capital. Rigorosamente falando, é inexato exigir uma politica
de Estado para a cultura argumentando que ela nao existe. Tanto a Lei Rouanet como outras
safdas do mesmo molde constituem uma auténtica politica de Estado, e nao apenas de governo.
por isso, aliés, que a passagem de bastio entre tucanos e petistas no provocou alteracao estrutural
na rea, Mudaram os governos, mas a orientago geral continuou a mesma. Os tiltimos nove anos
da administragaio federal nao foram capazes de alterar as regras bsicas de funcionamento da
politica cultural, apesar de reorientagGes pontuais e mesmo da introdugao de algumas propostas
formuladas fora da matriz liberal. Uma das razées para este fato talvez. seja a aproximagio das
concepedes de arte e cultura assumidas pelos principais atores politicos, representados pelo bloco
PSDB / DEM, de um lado, e pelos petistas e sua base aliada, por outro.
A anulagao das diferencas tem lugar na esfera politica mais geral, s6 entao incidindo no ambito da
politica cultural. Se a e desta andlise pelo bloco governista atual faz algum sentido
(considerando a cria¢do dos Pontos de Cultura, as tentativas de desconcentragao regional dos
recursos, o reconhecimento de setores marginalizados - como quilombolas, indigenas e
periférieos -, uma certa democratizagdo da gestdo através de conferéncias e consultas pablicas e 0
aumento relativo da verba do Min), a orientagao da macropolitica cultural nao deixa divida:
assim como a politica geral, a aco cultural esta pautada pelo pragmatismo e pela realpolitik. 0
discurso foi parcialmente renovado, mas, de forma obliqua ou direta, o ideario liberal
presente, com seu universalismo de pacotilha e seu elogio da competi¢ao. Os acordos por cima
continuam sendo feitos, to caros & tradigo brasileira, da independéncia de Portugal 4 Nova
Repiblica, ou, se preferirmos, das capitanias hereditérias & Comissiio Nacional da Verdade. Assim,
6 garantido o padrao médio de exploraco que fez. do Brasil a sexta ou sétima economia do mundo
e uma das mais desiguais do planeta.
Reconhecer este papel desempenhado pelos Estados nacionais modernos no deve, entretanto,
impedir a disputa dos seus rumos, O erro estaria em alimentar demasiadas ilus6es sobre 0
gerenciamento democritico do Estado. Sob certo ponto de vista, a maquina estatal sempre foi
eficiente, é uma trituradora de projetos alternativos... O tema tem atraido a atencao de alguns dos
nossos melhores analistas politicos, especialmente apés a chegada do lulismo ao governo fed
A “grande politica”, que se ocupa das questdes de fundo, induz. os que fazem a “politica pequena” a
aereditarem que esto fazendo a “grande politica”. Quem atua no varejo nao pereebe o fato,
nip. Kwicladetetro.com brpoltcas-pubicas-de-cutura20temidas-e-2poliica-culura201d 282oow2015 “Midas e a potca ctu” — Kiwi Compartia de Teatro
imaginando dominar as regras do jogo. Outros perecem o engodo, vislumbrando nas sua
préoprias praticas um oportunismo indesejavel, e, nos melhores casos, constrangem-se com a
defesa hoje daquilo que negavam ontem. No entanto, em nome da politica do possivel, da
governabilidade, do senso de responsabilidade, da “correlacao de forgas” (ii nos anos 1970
‘Augusto Boal ironizava em Murro em ponta de faca esta desculpa para a moderacao e a inagio),
enfim, em nome do que consideram razodvel, setores antes eriticos questionam a urgéncia da
transformagao, depois a viabilidade da transformagao, até finalmente se convencerem de que cla
no é mais possivel.
A politica do consenso, da conciliagao de classes, do arranjo, da administragao gerencial toma o
lugar da critica sistémica e radical. O conflito e a contradiga0, motores da histéria, passam a ser
evitados a qualquer preco. O vocabulério empregado por estes setores fala por si (fomento ao
mercado, empreendedorismo criativo, novos modelos de negécios, ativos culturais, capitalismo
social, nova indiistria cultural).
A situagao politica atual no é exatamente inédita (a social-democracia de Friedrich Ebert em
1918-19 deixou suas li¢es) ¢ os exemplos do bloco governista atual tendem a confirmar aquela
maxima sobre a repetigaio da historia como farsa: alianga ou conccssio ao agronegécio, inclusive
no episédio do Cédigo Florestal; abandono da reforma agraria; manutencao da politica econdmica
liberal com pitadas de distributivismo; descaso com a educagao ¢ a satide; cooptagao ou tentativa
de desmobilizacao dos movimentos sociais; nao enfrentamento do oligopélio das comunicacoe:
recuo na politica de direitos autorais; persisténcia do fisiologismo e do patrimonialismo; politica
de grandes eventos; bloqueio da participagdo popular na formulagao, gestao e fiscalizagaio das
agoes de governo etc. A degeneracio programatica deste campo politico e a faléncia do projeto de
sociedade, tal como tinha sido construfdo na transicao democratica, sio evidentes.
A politica do travestimento (que produziu a frase “esquecam o que eu escrevi”, atribuida a
Fernando Henrique Cardoso) também tem lugar no ambito da cultura. Por esta ética, que mistura
gestdo teenocratica, submissAo ao capital c discurso falsamente critico, ¢ muito melhor agir na
superficie, propondo um edital aqui e um programa acolé, do que construir uma nova politica
cultural, capaz de alterar 0 modelo global de definigdes e de gestiio. Me 10 Nacional de
Calta (aprovado etm 2010), apareiitemeute ammbicioso, corr o sitio risco da insignfieanci, dada
a pentiria de recursos, as metas irreais, a falta de mobilizacio popular e a recusa em indicar
claramente outro rumo para a politica cultural. Estamos neste pé. Quem faz a “grande politica”
sabe 0 que est em jogo, mas convence os incautos de que nao hé alternativas.
Enquanto “governos técnicos” tomam posse no velho mundo — atestando a faléncia da politica de
direita classica em administrar a barbdrie (agora os economistas do Goldman Sachs se ocupam
diretamente, como fizeram Mario Monti na Itélia e Mario Draghi no Banco Central Europeu) -,
por aqui se passa algo parecido. Quem decide o orgamento da cultura é 0 Ministério da Fazenda
com a colaboracao do Banco Central. A flagrante incompeténcia do MinC (em que querelas
paroquiais também tém sua parte) so nao é mais dramAtica que a subserviéncia deste Ministério
exangue — cerca de 0,06% do orgamento da Unio, segundo dados da Auditoria Cidada da Divida —
diante da politica econémica de superdvits, criada ¢ mantida para pagar o servico da divida.
Faltam recursos para a cultura, certamente (embora o MinG, ironicamente, tenha alguma
dificuldade em executar seu magro orgamento), mas também, e sobretudo, falta um novo projeto.
Com a auséneia surgem os paliativos. O projeto de reforma da Lei Rouanet, conhecido como
Procultura, é um destes remendos. Apesar de diseursos mencionando um “novo paradigma’, o que
se constata é a manutencao do mecanismo de rentincia fiscal (inclusive com o percentual de 100%
de desconto, previsto nao apenas no caso de doagdes, mas em outras modalidades do chamado
“mecenato”),
E nao é tudo. Convive com a ren‘incia um fundo de capitalizagdo (Ficart), cuja finalidade precipua
60 lucro e nao o fortalecimento da cultura. Ha ainda um incentivo duvidoso ao consumo de
produtos majoritariamente oriundos da indéstria cultural (Vale-cultura) e diversos dispositivos que
nao garantem a transparéncia e a democratizagio na utilizagao dos recursos (no Projeto de Lei é
recorrente a expressio “a ser regulamentado”), como aqueles destinados aos Programas Setoriais e
ao Fundo Nacional de Cultura, que devem funcionar “preferencialmente” através de editais
Piiblicos e, no caso do FNC, podem ser utilizados na forma de empréstimos e investimentos em
fundos privados. “A cultura é um bom negécio”, j4 afirmava uma publicagio do MinC em 1995,
nip. Kwicladetetro.com brpoltcas-pubicas-de-cutura20temidas-e-2poliica-culura201d 38zoos “Midas ea pltica ctrl” — Kiwi Compartia de Teatro
época do ministro Francisco Weffort.
Em relacdo A dotacio orgamentiria, o poder executivo e parlamentares da situagio propdem a
criagio de uma Loteria Cultural e a destinagio de 20% dos recursos destinados & ren‘incia fiscal
para o FNC. Com esta vinculago, o governo tenta fugir da responsabilidade com o fomento direto
cultura e busca neutralizar a critica ao mecanismo obsceno da renfincia fiscal. £ mais uma
tentativa de comprar anuéncia, mascarando conflitos.
Outro risco a evitar é o jogo diversionista de produtores comerciais que comparam os valores da
rentincia fiscal na indastria e no comércio com os da cultura. E necessirio fazer a critica do
mecanismo da rentincia (que transfere riqueza eriada socialmente para determinados setores
privados) e nao lamentar ou aplaudir valores e percentuais especificos. O erro nao estaria na
insuficiente remincia fiscal relativa a cultura, como alegam produtores comerciais, mas nos
valores escandalosos transferidos através deste mecanismo (como no caso da indistria
automobilistica, para mencionar apenas um exemplo). F, pura fiego o argumento de que os
recursos envolvidos nas diferentes modalidades de rentincia fiscal so privados, quando é evidente
que sio piblicos: dinheiro oriundo de imposto devido que é renunciado pelo governo.
[Nao se pode dar crédito, também, ao argumento de que o artista que recebe recursos através da
reniincia fiscal “nao esti tirando dinheiro de ninguém”. O dinheiro pertence ao conjunto da
populago, que tem o direito de se beneficiar dos impostos. O caso € grave, ja que as definigdes
sobre a rentincia fiscal da cultura — quem recebe, como e quanto ~ obedecem atualmente a
critérios privados e comerciais, depois de uma aprovacdo essencialmente técnica do Ministério da
Cultura. A sucesso de escdndalos mostra as insuficiéncias e distorgdes do mecanismo atual, que
sero, na melhor das hipoteses, atenuadas com as alteragdes previstas. Mas as perspectivas S40
sombrias, uma vez que a discussio nao é mais sequer sobre a economia da cultura, mas,
simplesmente, da cultura como economia.
Teme-se (0 sujcito oculto da frase esconde interesses ¢ personagens que preferem a discri¢ao ¢ 0
anonimato) que a implementagao de outro modelo de gestao permita ao Estado o controle da
producio e da gesto cultural. Mas este mesmo sujeito oculto ndo menciona o fato de que a
iciativa privada, desde que utilize dinheiro proprio, nao estaria impedida de investir ou doar
recursos para eventos e aces culturais. A auséncia da rentincia, ou a regulamentagiio em bases
aceitaveis (com percentuais de 20% de desconto do imposto devido, por exemplo), nao
cerceariam, em hipotese alguma, o investimento privado direto. Se ha dirigismo, hoje ele é do
mercado. Um banco e suas empresas associadas podem investir, através da Lei Rouanet, em um
centro cultural criado por este mesmo banco. O dinheiro investido no projeto deveria ser
integralmente pago na forma de imposto, mas gracas a rentincia fiscal vai alimentar 0
empreendimento cultural do proprio banco, que lucra em imagem e comunicacao sem gastar um
tostdo. A este absurdo juntam-se outros efeitos perversos do mecanismo: do prosclitismo &
corrupcao, passando por ingressos proibitivos, concentracao regional dos recursos, participagaio de
empresas estatais - que usam, por intermédio dos seus departamentos de marketing e nem
sempre através de selecdes piblicas, dinheiro de imposto devido ao Estado para o financiamento
estatal de atividades culturais, fung’o que caberia ao MinC -, invengao do “captador de recursos”
ete,
‘Nao é estranho, portanto, que consultores e diretores de marketing de grandes instituicdes
financeiras defendam uma politica cultural baseada em mais verbas para o MinC; aumento de
recursos para o Fundo Nacional de Cultura e, sobretudo, nao diminui¢ao dos valores do mecenato
(leia-se: ren‘incia fiscal). Mantido mecanismo do mecenato (sic), estes profissionais das finangas
¢ da especulacao nao se furtam em posar como defensores da fun¢ao social da cultura, da arte
piblica e da democratizagao do acesso. A dissimulaco, uma das componentes desta “hegemonia
as avessas” discutida pelo socidlogo Chico de Oliveira, nunca foi to escancarada.
O rei Midas, como se sabe, transformava em ouro tudo o que tocava. O que o impedia de se
alimentar. A generalizagao da mercantilizagdo atualiza este antigo mito. Mesmo projetos
aparentemente afastados da mao pesada do capital, como o das Usinas Culturais ou das Pracas dos
Esportes e da Cultura, ambos propostos pelo Ministério da Cultura, submetem-se as regras da
economia criativa e da geracao de renda, transformando-se em subprodutos dos novos modelos de
negécios, tao caros ao business cultural em tempos de entretenimento globalizado. As iniciativas
do MinC nao conseguem escapar a este Consenso de Washington em versio cultural. O imperativo
nip. Kwicladetetro.com brpoltcas-pubicas-de-cutura20temidas-e-2poliica-culura201d 4szoos “Midas ea pltica ctrl” — Kiwi Compartia de Teatro
da viabilidade comercial da sustentabilidade no mercado, dentro ou fora do cixo, sao a regra de
ouro, Empacota-se tudo em boas intengSes (que lotam o inferno), alguma maquiagem,
distribuicdo de migalhas e uma boa dose de “realismo”, sempre garantindo a rentabilidade do
capital, como se constata nas parcerias piblico-privadas e nas privatizagGes diretas, indiretas ou
disfargadas (organizagées sociais, oscip’s, fundagdes e terceirizagoes).
O capitalismo cultural que determinados setores sociais aparentemente queriam criar com a Lei
Rouanet é 6 portanto, um duplo engano. A imensa maioria das empresas s6 interessa um
interessa o capitalismo garantido pelo Estado e turbinado com
dinheiro piblico, legal e/ou legal E se eventualmente o modelo funcionasse para estima uma
mercado cultural embrionario, ele seria funcional a expropriagdio da produgao cultural e dos seus
resultados pelos donos habituais do poder, reforgando 0 caminho de mao ‘inica, orientado pelas
necessidades e pela légica da indistria cultural e da organizagio corporativa da cultura.
A Lei Rouanet nao pretendeu, seriamente, criar um mercado de arte e cultura no pats. Nosso
atavico patrimonialismo falou mais alto. Evidentemente, nao seria este mercado que resolveria a
situacio de quase indigéncia 4 qual o setor cultural esta submetido. O que fez a “Lady Rouanet”
(personagem criada pelo movimento de teatro de grupo paulistano) foi transferir riqueza ¢ poder
decisorio sobre os rumos de parte significativa da produgao simbélica para o setor privado, além
de precarizar até o insuportavel o exercfcio das praticas artisticas e culturais no pafs, submetendo-
m apelo as injungGes e inconstancias tipicas deste modelo de financiamento e ges
Uma nova e consequente politica cultural ndo pode se apoiar em uma ou outra formulai
por mais criteriosa e socialmente justa que seja. Ela nao pode se resumir ao debate sobre leis,
embora nao se possa negligencié-io. E preciso um conjunto amplo de iniciativas, amparado por
definigdes politicas claras (dinheiro pablico gerido de forma piblica é uma delas) e recur
altura dos problemas e das necessidades atuais (a Proposta de Emenda Constitucional 150, que
prevé a aplicaciio de 2% do or¢amento federal, 1,5% dos estados ¢ 1% dos municipios em Cultura, 6
uma medida neste sentido). As ages governamentais atuais, eo Procultura em particular, nao
apenas sio incapazes de fornecer as bases desta outra politica, como podem comprometer a sua
construgio durante os proximos anos.
Fonte: http://passapalavra.info/2p=58868
nips. Kwicladeteatro.com brpaltcas-pubicas-de-cutura20temigas-e-2poliica-cutura201d
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