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O Estudo da Historia da Psicologia Por que Estudar a Historia da Psicologia? Comegaremos com uma pergunta basica: por que voce est4 fazendo este curso? Por ser oferecido em um horario conveniente? Por que o curso que realmente queria fazer j4 esta lotado? Por que ouviu falar que o professor da notas altas? Ou seré por que ¢ exigido para o curso de psicologia? Se essa tiltima pergunta se aplica a voce, precisamos ent’o fazer algumas perguntas adicionais. Por que os professores do departamento de psicologia acreditam que € importante para os alunos estudarem a hist6ria de sua area? Qual a possivel relevancia que o passado tem para se entender 0 presente? Por que os departamentos de psicologia tém oferecido esse curso desde, pelo menos, 1911, ou melhor, ha um século? E por que vocé acha que dois entre trés alunos do programa de graduacao incluem um curso de historia da psicologia como parte das exigén- cias para sua formagao? Entre todas as ciéncias, a psicologia é sem igual quanto a esse aspecto. A maioria dos departamentos de ciéncias nao faz tais exigéncias e nem mesmo dé um curso de his- tbria especifico de sua Area. O interesse dos psicdlogos em sua historia levou a formalizagao desta como uma rea de estudo. Assim como ha psicélogos que se especializam em problemas sociais, psicofarmacologia, ou desenvolvimento Ga adolescéncia, também hé aqueles que se especializam em hist6ria da psicologia. CAP{TULO UM Por que Estudar a Histéria da Psicologia? O Desenvolvimento da Psicologia Moderna Dados Histéricos: a Reconstrucao do Passado da Psicologia Historiografia: a Metodologia de Estudo da Historia Dados Perdidos ou Omitidos Informagoes Distorcidas na Tradugao Informagdes Obtidas ‘mediante Relatos ‘Tendenciosos Forgas Contextuais na Psicolog Oportunidades Advindas da Economia As Guerras Mundiais Preconceito e Discriminacao Visdes da Histéria Cientifica A Teoria Personalista A Teoria Naturalista Escolas de Pensamento na Evolucao da Psicologia Moderna agao do Livro 2 HisTORIA Da PSICOLOGIA MODERNA, Em 1965, foi langado o Journal of the History of the Behavioral Sciences, um periodico multidisciplinar, tendo um psicdlogo como editor responsavel. Naquele mesmo ano, foi estabelecido o Archives of the History of American Psychology [Arquivos de Histéria da Psicologia Americana] na University of Akron, Ohio, com o objetivo de atender as ne- cessidades de coletar e preservar materiais ¢ pesquisas. © arquivo tem a maior colecdo do mundo de materiais sobre a histéria da psicologia, com mais de 25 mil livros, 15 mil fotos, cerca de 6 mil filmes (incluindo um filme de Sigmund Freud), e centenas de milhares de cartas, manuscritos € outros documentos. Em 1985, 0 projeto de histéria oral da American Psychological Association (APA) comec¢ou a gravar entrevistas com ex-presidentes e ex-diretores executivos da APA com 0 objetivo de preservar suas memé6rias sobre 0 desenvolvimento da psicologia cientifica ¢ profissional. Em 1998, teve inicio um periddico trimestral chamado History of Psychology, apoiado pela Division of the History of Psychology [Divisdo da Hist6ria da Psicologia] da APA (Divisao 26, fundada em 1966), com o objetivo de estudar a relac&o entre historia ¢ Psicologia e também questées relacionadas ao ensino da historia da psicologia. Em 1969, foi fundada a International Society for the History of the Behavioral and Social Sciences (Cheiron Society) [Sociedade Internacional para a Historia das Ciéncias do Comportamento e Social]. Treinamento em nivel de pés-graduacéo em Historia da Psicologia é oferecido em diversas universidades, incluindo York University, University of New Hampshire, University of Florida, University of Oklahoma, University of Pennsylvania e Texas A&M University. O aumento do ntimero de publicagdes, encontros e arquivos de consulta reflete a importancia que os psicélogos dao ao estudo da historia da psicologia. Naturalmente, esses desenvolvimentos nao respondem a pergunta sobre como uma pessoa se beneficiaria com 0 estudo sobre a histéria da psicologia. Falando francamente, “Que proveito pode tirar disso?” Como a sua compreensao sobre a psicologia atual ~com- portamento humano e funcionamento cognitivo — pode ser influenciada ou aprimorada se ler 0 que alguns psicdlogos, que j4 morreram ha muito tempo, fizeram em um laboratorio ou disseram para um paciente no seu consultorio cerca de 50 ou 100 anos atras? Considere seu conhecimento sobre psicologia obtido em outros cursos, ou seja, que nao ha uma Unica forma, abordagem ou definicao de psicologia com as quais todos os psicdlogos concordem. E mais, que existe uma diversidade enorme, e até mesmo uma di- visdo ¢ fragmenta¢ao na especializacao profissional e cientifica, bem como disciplinar. Alguns psiclogos dedicam-se as fungoes cognitivas, enquanto outros lidam com as forcas inconscientes; e ha ainda os que trabalnam somente com o comportamento observavel ou os processos fisiolégicos e bioquimicos. A psicologia moderna compreende varias areas de estudo que pouco parecem ter em comum, exceto o grande interesse na natureza ¢ no comportamento humanos, e uma abordagem que tenta, de algum modo, ser cientifica. Anica linha de trabalho que une essas areas e esses tratamentos distintos para formar um contexto coerente € a histéria, ou seja, a evolugao da psicologia ao longo do tempo como uma disciplina independente. Somente a exploracao das origens da psicologia e 0 estudo do seu desenvolvimento é que proporcionam uma visao clara da natureza da psico- logia atual. O conhecimento historico organiza a desordem e estabelece um significado ao que parece ser um caos, colocando o passado em perspectiva para explicar o presente. Muitos psic6logos aplicam uma técnica semelhante e concordam que a influéncia do passado ajuda a moldar o presente. Por exemplo: alguns psic6logos clinicos tentam compreender os pacientes adultos explorando a infancia, examinando as forcas ¢ os even- tos que provocam no paciente determinado tipo de comportamento ou pensamento. Capiruto 1 O EsTUDO DA HisTORIA Da PsicoLocia 3. Com a compilagao desses histricos, os clinicos reconstituem a evolugio da vida do paciente e esse proceso, muitas vezes, explica os seus padroes atuais de comportamento © pensamento. Os psicdlogos behavioristas também acreditam na influéncia do passado na formagao do presente. Acreditam que 0 condicionamento prévio e as experiéncias de reforco determinam o comportamento. Em outras palavras, a propria historia do indivi- duo pode explicar o seu estado atual, ou seja, o que fomos no passado pode mostrar o que somos no presente. O campo da psicologia funciona do mesmo jeito. Este livro mostra que 0 estudo formal da histéria da psicologia é a maneira mais sistematica de integrar as areas ¢ as questées que constituem a psicologia moderna, e permitird ao aluno reconhecer as relag6es entre as ideias, as teorias e os esforcos de pesquisa, bem como compreender de que forma as diferentes pecas do quebra-cabeca da psicologia se encaixam para criar uma figura coeren- te. Este livro também deve ser considerado um estudo de caso, ou seja, uma investigacao das pessoas, dos eventos e das experiéncias que formaram a psicologia atual. ‘Acrescentamos ainda que a histéria da psicologia por si s6 € fascinante, ja que envolve drama, tragédia, herofsmo e revolucao, além de um pouco de sexo, drogas e comporta- mentos totalmente extravagantes. Apesar do inicio hesitante, dos erros e dos conceitos equivocados, no geral, houve uma nitida evolugao na formagao da psicologia contempo- ranea, justificdvel por sua riqueza. 0 Desenvolvimento da Psicologia Moderna Aqui vai outra pergunta: por qual ponto comegamos nosso estudo da hist6ria da psicologia? A resposta depende de como definimos psicologia. As origens da area que chamamos de psicologia podem ser determinadas em dois periodos distintos, com cerca de 2 mil anos de distancia um do outro. Portanto, a psicologia esta entre as disciplinas mais antigas, bem como uma das mais novas. Podemos inicialmente tracar ideias e fazer especulacées a respeito da natureza e do comportamento humano jé no século V a.C., quando Plato, Arist6teles € outros filésofos gregos j4 trabalhavam com muitas das questdes que preocupam os psicdlogos de hoje. Entre essas questdes esto alguns dos tépicos basicos abordados no curso de introdugao a psicologia: meméria, aprendizagem, motivacdo, pensamento, percepcao e comporta- mento anormal. Desse modo, um inicio possfvel para o estudo da histéria da psicologia nos levaria aos antigos textos filos6ficos sobre esses problemas, os quais mais tarde foram incluidos na disciplina formalmente conhecida como psicologia. Ou podemos optar por estudar psicologia como uma das Areas mais novas de estudo e comegar 200 anos atrés, quando a psicologia moderna surgiu da filosofia e de outras aborda- gens cientificas para proclamar sua propria identidade como uma area formal de estudo. Como podemos distinguir entre psicologia moderna, abordada neste livro, e suas raizes, ou seja, 08 séculos que antecederam seus precursores intelectuais? A distingo nao se relacio- na tanto com os tipos de perguntas feitas a respeito da natureza humana, mas, sim, com os métodos usados para procurar respostas as perguntas. So a abordagem e as técnicas empre- gadas que distinguem a antiga filosofia da psicologia moderna e que marcam 0 surgimento da psicologia como uma rea de estudo separada, fundamentalmente cientifica. Até 0 tiltimo quarto do século XIX, os filsofos estudavam a natureza humana es- peculando, intuindo e generalizando, com base em suas proprias experiéncias. Mas uma 4 HisTORIA DA PSICOLOGIA MODERNA transformacdo importante ocorreu quando 05 filésofos comegaram a aplicar as ferramen- tas e os métodos ja utilizados com sucesso nas ciéncias biolégicas e fisicas para explorar questées relacionadas a natureza humana. Somente quando os pesquisadores passaram a confiar na observacdo e na experimentacao cuidadosamente controladas para estudar a mente humana € que a psicologia comecou a adquirir uma identidade distinta das suas taizes filosGficas. ‘A nova disciplina da psicologia precisava de métodos precisos e objetivos para lidar com o assunto. A maior parte da historia da psicologia, depois de sua separacao das raizes filos6ficas, é a do desenvolvimento continuo de ferramentas, técnicas e métodos para atingir preciso e objetividade crescentes, refinando nao sé as perguntas que os psicélogos faziam mas também as respostas que obtinham. Se procurarmos entender as questdes complexas que definem e dividem a psicologia atual, entao do ponto de partida mais adequado seria 0 século XIX, perfodo em que a psicologia tornou-se uma disciplina independente, com métodos de pesquisa distintos e fundamentacao teérica. Embora seja verdade, como ja observamos, que 0s filésofos como Platdo e Aristdteles se preocupavam com problemas que ainda hoje sao de interesse geral, eles abordavam esses problemas de modo muito diferente do que 0 utilizado pelos psi- célogos atualmente. Aqueles estucliosos nao eram psicélogos no mesmo sentido utilizado hoje em dia. Um grande estudioso da hist6ria da psicologia, Kurt Danziger, faz referéncia as abor- dagens filos6ficas antigas para quest6es da natureza humana como a “pré-historia” da psicologia moderna. Ele acredita que a “historia da psicologia se limita ao periodo em que ela reconhecidamente surge como disciplina, e que é extremamente problemitico falar em uma historia da psicologia antes disso” (Danziger apud Brock, 2006, p. 12). ‘A ideia de que os métodos das ciéncias fisicas ¢ biolégicas podiam ser aplicados ao estudo dos fenémenos mentais originou-se tanto do pensamento filos6fico quanto das pesquisas fisiolégicas realizadas entre os séculos XVII e XIX. Essa época apaixonante forma 0 pano de fundo de onde surgiu a psicologia moderna. Veremos que enquanto 68 filésofos do século XIX estavam abrindo caminho para uma investida experimental ao funcionamento da mente, os fisiologistas estavam, independentemente, abordando alguns dos mesmos problemas de um ponto de vista diferente. Os fisidlogos do século XIX estavam fazendo grandes progressos para a compreensao dos mecanismos corporais subjacentes aos processos mentais. Seus métodos de estudo diferem daqueles usados pelos fildsofos, mas a possivel uniao dessas disciplinas tao discrepantes ~ filosofia e fisiologia — formou uma nova area de estudo que rapidamente ganhou sua propria identidade e status. A nova area cresceu rapidamente, tornando-se uma das disciplinas mais populares entre estudantes universitarios atualmente. Dados Histéricos: a Reconstrucdo do Passado da Psicologia Historiografia: a Metodologia de Estudo da Hist6ria Neste livro, Histéria da psicologia moderna, tratamos de duas disciplinas — a historia e a psicologia -, usando os métodos da hist6ria para descrever e compreender a evolucao da psicologia. Como a anilise da evolucdo da psicologia depende dos métodos da hist6ria, CaPMTULO TO ESTUDO DA HISTORIA DA PSICOLOGIA. 5 Spissentamos uma répida introduco sobre a definicao de historiografia, que se refere as técnicas ¢ aos principios empregados na pesquisa historica, Historiografia: principios, métodos e questdes filosoficas envolvidas na Pesquisa historica. hist6ricos, isto 6, os materiais usados pelos historiadores Para reconstituir vidas, fatos e €pocas, sao claramente diferentes dos dados cientificos, A caracteristica mais distintiva é @ metodologia para coleta dos dados cientificos. Por exemplo: quando os psicélogos dese- jam investigar alguma questao especifica — como a identificagao das circunstancias que levam uma pessoa a ajudar outra que esteja em situagao dificil; 0 impacto dos programas variaveis de reforco no comportamento dos ratos de laboratério; ou se a crianga imita o comportamento agressivo exibido na televisdo — logo eles criam situag6es ou estabelecem condicSes que permitam a geracéo dos dados, Os psicdlogos podem realizar uma experiéncia em laborat6rio, observar o comporta- mento do mundo real sob condig6es controladas, fazer um levantamento ou calcular a correlagao estatistica entre duas varidveis. Esses métodos permitem aos cientistas obter uma medida de controle sobre as situacdes ou eventos que optam por estudar. Por sua vez, Os eventos podem ser reconstruidos ou tepetidos por outros cientistas em €pocas e lugares diferentes. Desse modo, é possivel verificar os dados posteriormente, estabelecendo condicOes similares aquelas do estudo original e tepetindo as observacoes. Entretanto, os dados histéricos néo podem ser Teconstruidos nem repetidos, Uma situagao acorrida em algum momento do passado, as vezes hd séculos, talvez nao tenha recebido 0 cuidado devido dos historiadores ao registrarem as particularidades do evento na €poca, principalmente no que se diz respeito a detalhes precisos, Hoje, os pesquisadores nao tém condicdes de controlar nem de reconstruir os eventos do passado para examiné-los 4 luz do conhecimento do presente. Fica a pergunta: se nao ha registro de um incidente histérico, logo, como o historiador deve lidar com ele? Quais dados pode utilizar? E como saber com certeza o que ocorreu? Embora ndo possam repetir a situagio vases da histéria podem produzir fragmentos de dados extremamente substanciais, 2 Ponto de deixar poucas diividas em relagao a preciso do registro. No entanto, hé Outras circunstancias em que os dados podem estar perdidos, distorcidos ou, de algu- ma forma, comprometidos. © HisTORIA DA PSICOLOGIA MODERNA oO Hist6ria On-line“ Hé um vasto e rico material referente a todos os aspectos da historia da psicologia dispontvel na internet. Alguns sites de interesse geral estao listados a seguir. www.uakron.edu/ahaop Os Archives of the History of American Psychology [Arquivos da Historia da Psicologia Americana] contém uma colecéo maravilhosa de documentos e obras, incluindo trabalhos profissionais de renomados psicdlogos, equipamentos de laboratério, pésteres, slides e filmes. http://psychclassics.yorku.ca Este site foi criado e & mantido pelo psicdlogo Christopher Green, da York University, em Toronto, Canadé. Nele ha textos completos de mais de 200 arti- gos e capitulos de livros e 25 livros de importancia para a historia da psicologia. Entre os trabalhos disponiveis estao os de William James, Sigmund Freud e Ivan Pavlov. O site é constantemente atualizado e disponibiliza informacées Uteis para cada capitulo deste livra. Se acessar 0 “Google” com a seguinte frase York University History and Theory of Psychology Question & Answer Forum, & possivel enviar perguntas a respeito da historia da psicologia, responder as perguntas feitas por outras pessoas, ou navegar pelo site para saber o que diferentes pessoas estao falando. www.apa.org/archives Este link de arquivos histéricos da APA (American Psychological Association) permite localizar os materiais mais relevantes, mantidos pela Biblioteca do Congreso em Washington, DC. Este site também apresenta biografias de anti- gos presidentes da APA, além de obituarios de psicélagos ilustres, publicados anteriormente na American Psychologist. http://vip.mpiwg-berlin.mpg.de O Laboratorio Virtual do Instituto Max Planck Para a Historia da Ciéncia em Berlim, Alemanha, oferece biografias, fotografias e informacdes sobre publi- cages, pesquisas de laboratérios e instrumento experimental relevante para a historia da psicologia. (Mais dados, veja Schmidgen e Evans, 2006) Dados Perdidos ou Omitidos Em alguns casos, 0 registro histérico esta incompleto porque os dados foram perdidos, algumas vezes deliberadamente. Considere 0 caso de John B. Watson, o fundador da escola de pensamento behaviorista. Antes de morrer, em 1958, aos 80 anos de idade, ele sistematicamente queimou suas cartas, manuscritos e notas de pesquisa, destruindo todo o registro nao-publicado de sua vida e carreira. Logo, esses dados estao para sempre perdidos para a histéria. * Como 0s enderecos da internet pociem sofrer alteragdes, a editora ndo se responsabiliza por quaisquer problemas nas conexées dos sites publicadios (N.E.) CAPITULO 1 Q ESTUDO DA HISTORIA DA PSICOLOGIA 7 Alguns dados foram extraviados. Em 2006, mais de 500 paginas manuscritas foram descobertas nos armérios de uma casa na Inglaterra; tratava-se de atas de reunides da Royal Society nos anos de 1661 a 1682, registradas por Robert Hooke, um dos cientistas mais brilhantes dessa época. Esses documentos revelaram o trabalho anterior feito com um novo instrumento cientifico, o microfone, e detalhou a descoberta da bactéria e do espermatozoide. Também foi encontrada a correspondéncia entre Hooke e Isaac Newton a respeito da gravidade e do movimento dos planetas (veja Gelder, 2006; Sample, 2006). Em 1984, 0s trabalhos de Hermann Ebbinghaus, que se destacou no estudo da apren- dizagem ¢ da meméria, foram encontrados — cerca de 75 anos ap6s a sua morte. Em 1983, foram descobertas dez caixas enormes contendo didrios manuscritos de Gustav Fechner, que desenvolveu a psicofisica. Esses didrios registravam 0 periodo de 1828 a 1879, época importante dos primordios da historia da psicologia. No entanto, por mais de 100 anos, os psicdlogos desconheceram a sua existéncia. Varios livros foram escritos sobre os trabalhos de Ebbinghaus e Fechner sem 0 acesso a essas importantes coleg6es de documentos pessoais. Examinemos 0 caso de Charles Darwin, de quem foram escritas cerca de 200 biogra~ fas. Certamente podemos afirmar que © registro escrito da sua vida e do seu trabalho hoje esta completo e bem apurado. Mas, recentemente, em 1990, mais de 100 anos depois da sua morte, muito material novo foi colocado a disposigao, inclusive os cadernos e as cartas pessoais que nao estavam acessiveis para a andlise dos bidgrafos anteriores. Um pesquisador disse acreditar que esses dados promoverdo nova perspectiva sobre 0 trabalho Ge Darwin, no contexto das tradicées cientificas ¢ da sociedade vitoriana da sua época Masterton, 1998). Portanto, com a descoberta desses novos fragmentos de historia, mais pecas do quebra-cabeca podem se encaixar. Outras informacdes podem ter sido ocultadas propositadamente do pablico, ou alteradas a fim de proteger a reputacdo das pessoas envolvidas. Ernest Jones, 0 primeiro bidgrafo de Sigmund Freud, minimizou de propésito a mencao sobre o uso que Freud fazia da cocaina, comentando em uma carta: “Acho que Freud usava mais cocaina do que deveria, no entanto, nao cito esse fato [na minha biografia]” (Isbister, 1985, p. 35). Veremos mais tarde, quando dis- cutirmos Freud (no Capitulo 13), que informagoes descobertas mais recentemente confirmam 6 uso de cocaina por mais tempo do que Jones estava disposto a mencionar em seu livro. Quando a correspondéncia do psicanalista Carl Jung foi publicada, as cartas foram selecionadas e editadas de forma que apresentassem uma impressao positiva de Jung e do seu trabalho. Além disso, descobriu-se que a chamada autobiografia de Jung nao fol escri- ta por ele, mas por um leal assistente. As palavras de Jung foram “alteradas ou excluidas para a sua imagem ficar de acordo com a desejada pelos familiares ¢ por seus discipulos (...) Obviamente, o material desabonador foi omitido” (Noll, 1997, p. xiii). Em um exemplo semelhante, um estudioso que catalogou os escritos de Wolfgang Kohler, o fundador da escola de pensamento conhecida como psicologia Gestalt, talvez tenha sido um admirador devoto demais. Quando ele revisou 0 material selecionado para publica¢ao, ele omitiu determinadas informacoes com 0 objetivo de melhorat a imagem de Kéhler. Os trabalhos haviam sido “cuidadosamente selecionados para apresentar um perfil favoravel de Kohler”. Posteriormente, um historiador, ao rever os trabalhos, confirmou 0 problema basico com os dados da historia, “a saber, a dificuldade para se determinar se os trabalhos sao uma Verdadeira ou falsa representagao de uma pessoa, favoravel ou desfavoravel, influenciada pela pessoa que selecionou os trabalhos que seriam publicados” (Ley, 1990, p. 197). Esses so alguns exemplos que ilustram uma das dificuldades enfrentadas pelos pes- quisadores para avaliar 0 material histOrico. Seré que os documentos ou outros fragmentos de informacao sao representacées realmente precisas da vida € do trabalho da pessoa ou B HISTORIA DA PSICOLOGIA MODERNA foram escolhidos apenas para causar certa impressao, seja positiva, negativa ou neutra? Um biégrafo contemporaneo colocou o problema da seguinte forma: “Quanto mais estudo © caréter humano, mais me convengo de que todos os registros, todas as lembrancas so em maior ou menor escala baseadas em ilusdes. Quer queira ou nao, a visdo é distorcida pela parcialidade, pela vaidade, pelo sentimentalismo ou simplesmente pela imprecisao, assim, nao existe verdade absoluta.” (Morris, apud Adelman, 1996, p. 28.) Oferecemos mais um exemplo de pedacos de informagées omitidos. Sigmund Freud morreu em 1939 e, nos anos seguintes a sua morte, varios documentos e cartas foram publi- cados ou divulgados aos pesquisadores. Grande quantidade de documentos é mantida pela Biblioteca do Congresso, em Washington, DC, e, embora alguns tenham sido divulgados em 1998, outros ainda serao colocados a disposi¢ao para pesquisa, conforme o espolio de Freud. A alegacao dada para essa restricdo é a de proteger a privacidade dos pacientes de Freud ¢ suas familias e talvez a reputacao do proprio Freud e dos familiares dele. ‘Um famoso pesquisador sobre a vida de Freud encontrou variagdes consideraveis nas datas de divulgacao desse material. Por exemplo: uma carta para Freud de seu filo mais velho esta selada até 2013, outra até 2032. Uma carta de um dos orientadores de Freud sera divulgada somente em 2102, 177 anos apés a morte do autor da correspondéncia, despertando a curiosidade acerca da importancia do seu contetido a ponto de exigir tanto segredo ¢ por tao longo tempo. Os psicdlogos nao tém ideia do impacto desses documen- tos e manuscritos na compreensao de Freud e dos seus trabalhos. Entretanto, até que esses fragmentos de dados estejam disponiveis para estudo, 0 conhecimento a respeito de uma das figuras mais importantes da psicologia permanecer4 incompleto ¢ talvez impreciso. Informacées Distorcidas na Tradu¢ao Outro problema referente aos dados hist6ricos so as informagées transmitidas de forma distorcida aos historiadores. Nesse caso, os dados estao disponiveis, mas de algum modo foram alterados, talvez por causa de erro de tradugao de uma lingua para outra ou pelas distorgdes introduzidas, de propésito ou por descuido, pelo participante ou observador que registrou o importante evento. Referimo-nos novamente a Freud como exemplo do impacto desorientador das tradu- ges. Nao sao muitos os psicdlogos com fluéncia suficiente para a leitura do trabalho de Freud no idioma original, ou seja, em alemao. A maioria depende da op¢ao mais adequada feita pelo tradutor para a tradugao de uma palavra ou frase. No entanto, a traducao nem sempre transpée a intengao original do autor. ‘Os trés conceitos fundamentais da teoria da personalidade de Freud sao o id, 0 ego ¢ 0 superego, termos normalmente ja estudados na introducao a psicologia. No entanto, essas palavras nao representam com precisao as idelas de Preud. Elas sao 0 equivalente em latim das palavras de Freud em alemao: id para Es (que literalmente se traduz como “isso”, ego para Ich (“eu”) € superego para Uber-Ich (“sobre-eu”). Com 0 uso de Ich (“eu”), Freud desejava descrever algo intimo e pessoal, diferencian- do-o de Es (“isso”), sendo esse tiltimo algo externo ou distinto do “eu”. A opgado do tradutor pelo uso das palavras ego e id, em vez de “eu” e “isso”, transformou estes conceitos pessoais em “termos técnicos frios, que ndo denotam as associagdes pessoais” (Bettelheim, 1982, p. 53). Desse modo, a distincao entre “eu” e “isso” (ego ¢ id) ndio expressa com a mesma forga a intengao de Freud. CapiTULO 1 © ESTUDO DA HISTORIA DA PSICOLOGIA 9 Analisemos a expressao livre associac@o cunhada por Freud. Nela, a palavra associa- cdo implica a conexao entre duas ideias ou dois pensamentos, como se cada um atuasse como um estimulo para provocar o seguinte em uma cadeia de estimulos. Essa nao era a proposta de Freud. O seu termo em alemao era Einfiall, que literalmente significa intrusao ou invasao, e nao associacao. A intengao de Freud nao era descrever uma simples conexao de ideias, mas expressar algo da mente inconsciente que incontrolavelmente invade ou penetra a forga o pensamento consciente. Assim, os dados hist6ricos — ou seja, as palavras literais de Freud — foram mal interpretados no ato da traducao. Um provérbio italiano expressa bem essa ideia: Traditore~Tradutore (O tradutor é um traidor). Informacées Obtidas mediante Relatos Tendenciosos As atitudes dos participantes da histéria, na narragdo de eventos importantes, também podem afetar os dados histéricos. As pessoas produzem, consciente ou inconscientemen- te, relatos tendenciosos para se protegerem ou para melhorarem a sua imagem publica. Por exemplo: o psicdlogo behaviorista B. F. Skinner descreveu em sua biografia a rigorosa disciplina a que se impunha como estudante de pés-graduacio da Harvard University, no final da década de 1920. Eu acordava as 6, estudava até a hora do café-da-manhi, assistia 4s aulas, seguia para os laboratérios ¢ as bibliotecas ¢ nao tinha mais que 15 minutos livres durante o dia. Estudava até exatamente 9 horas da noite e dormia. Nao frequentava cinema ou teatro, raramente assistia a concertos € poucas vezes saia para namorar, € os tinicos livros que lia eram de psicologia e fisiologia. (Skinner, 1967, p. 398) Essa descric&o parece um fragmento de informacao util, dando uma indicacao acerca da personalidade de Skinner. No entanto, 12 anos apés a publicacao desse material, e 51 anos depois dos eventos descritos, Skinner negou que seus dias no curso de pos-graduacao tenham sido tao rigorosos assim. Ele disse: “Eu estava me valorizando em vez de descrever a vida que realmente levava” (Skinner, 1979, p. 5). Embora a vida académica de Skinner nao seja tao relevante para a historia da psicolo- gia, essas divergéncias nos relatos ilustram as dificuldades enfrentadas pelos historiadores. Quais s4o as informac6es ou versées mais precisas sobre o incidente? Qual a descrig&o que se aproxima mais da realidade? Quais sao os dados influenciados por lembrangas vagas ou por relatos préprios? E como descobrir a verdade? Em alguns casos é possivel buscar entre os colegas ou observadores provas que confi mem as informagoes. Se o regime do curso de pés-graduacao de Skinner fosse tao impor- tante para os historiadores da psicologia, eles deveriam tentar localizar os colegas de classe ou as agendas pessoais e cartas e compar4-las com os proprios relatos de Skinner sobre seus dias em Harvard. Um bidgrafo, seguindo esse caminho, descobriu com um ex-colega que Skinner terminava os trabalhos no laboratério antes dos demais alunos e passava 0 restante das tardes jogando pingue-pongue (Bjork, 1993). Portanto, algumas distorcdes da histéria podem ser investigadas e as divergéncias po- dem ser resolvidas consultando outras fontes. Esse método foi aplicado no relato de Freud referente a alguns eventos da sua vida. Ele gostava de se fazer martir da causa psicanalitica, um visiondrio desprezado, rejeitado e caluniado pela comunidade médica e psiquiatrica. 10 Historia Da PSICOLOGIA MODERNA Ernest Jones, 0 primeiro bidgrafo de Freud, reforca essas queixas em seus livros (Jones, 1953, 1955, 1957). Todavia, as informag6es descobertas posteriormente revelaram uma situagao diferente. O trabalho de Freud ndo foi ignorado em vida. Quando estava na meia-idade, suas ideias exerciam enorme influéncia na geracéo mais jovem de intelectuais. Sua pratica clinica pros- perava e ele era descrito como uma celebridade. Ele proprio foi responsdvel por tornar esses registros obscuros. A falsa impress4o que promoveu foi perpetuada por diversos bidgrafos, e por varias décadas nossa compreenso sobre a influéncia de Freud foi imprecisa. O que esses problemas com os dados hist6ricos significam para o estudo da histéria da psicologia? Eles mostram principalmente que a compreensao da historia 6 dinamica. Ela se modifica e evolui continuamente, além de ser refinada, aprimorada e corrigida sempre que novos dados sao revelados ou reinterpretados. Portanto, a historia nao pode ser considerada terminada ou completa. Ela esta sempre em progresso, ou seja, é uma hist6ria sem fim. A narrativa do historiador pode apenas aproximar ou discutir a verda- de; no entanto, o registro é complementado a cada nova descoberta ou andlise sobre os fragmentos dos dados histéricos. Forcas Contextuais na Psicologia Uma ciéncia como a psicologia nao se desenvolve no vazio, sujeita apenas as influéncias internas. Por fazer parte de uma cultura mais ampla, a psicologia também sofre influéncia das forgas externas, que dao forma a sua natureza e direcao. Para entender a histéria da psicologia, é necessario analisar 0 contexto em que a disciplina evoluiu, as ideias predomi- nantes na ciéncia e cultura da época, ou seja, o Zeitgeist ou ambiente cultural do periodo, além de examinar as forcas sociais, econdmicas e politicas existentes. Descreveremos diversos exemplos, neste livro, sobre como essas forcas contextuais influenciaram o passado da psicologia e continuam a moldar o presente ¢ o futuro. Vejamos a seguir alguns exemplos de forcas contextuais, incluindo as oportunidades resultantes da economia, guerras mundiais e preconceito. Zeitgeist: ambiente intelectual e cultural ou espirito do periodo. Oportunidades Advindas da Economia Os primeiros anos do século XX testemunharam mudangas drasticas na natureza da psico- logia nos Estados Unidos e no tipo de trabalho que os psicdlogos estavam desenvolvendo. Principalmente em fungao do cenario econdmico, muitas oportunidades surgiam para que os psic6logos aplicassem seus conhecimentos e técnicas em busca das solugoes para os problemas do mundo real. A primeira explicacao para essa situa¢ao tinha um sentido pratico, assim como declarou um psicdlogo: “Passei a adotar a psicologia aplicada para ganhar a vida” (H. Hollingworth, apud O'Donnell, 1985, p. 225). No final do século XIX, o ntimero de laboratérios de psicologia nos Estados Unidos crescia bastante, e aumentava a quantidade de psicdlogos em busca de oportunidades CapfruLo 1 © Estupo Da HISTORIA DA Psicotocia, 11 de trabalho. Por volta de 1900, havia trés vezes mais psic6logos com doutorado do que laboratérios onde pudessem trabalhar. Felizmente, o ntimero de vagas para professores aumentava a medida que os Estados do meio-oeste e oeste criavam as universidades. Entretanto, sendo uma ciéncia muito recente na maioria das universidades, a psicologia recebia a menor verba orcamentaria. Comparado aos demais departamentos, como os de fisica e quimica, 0 de psicologia, muitas vezes, era 0 que apresentava o menor orgamento anual, isto é, recebia a menor verba para os projetos de pesquisa, equipamentos de labo- rat6rio € salérios do corpo docente. 0s psicélogos logo perceberam que, se havia a necessidade constante de melhorar depar- tamentos académicos, verbas e receitas, eles deveriam provar direcdo das universidades e autoridades governamentais que a psicologia podia ser titil na solucdo dos problemas sociais, educacionais e industriais. E assim, com o passar do tempo, os departamentos de psicologia comecaram a ser avaliados com base no seu valor pratico. ‘Ao mesmo tempo, as mudangas sociais observadas na populagao americana criaram uma 6tima oportunidade para os psicdlogos aplicarem as suas habilidades. O fluxo de entrada de imigrantes nos Estados Unidos, aliado @ alta taxa de natalidade, transformou 2 educacao ptiblica em uma indistria crescente. Entre 1890 e 1918, as matriculas nas escolas piblicas aumentaram em 700% e as escolas de ensino médio eram construidas na proporcao de uma por dia. Alocava-se mais verba para a educacao do que para 0s pro- gramas sociais ou de defesa juntos. Muitos psicdlogos tiraram proveito dessa situacao e rapidamente buscaram formas de apli- car o conhecimento e métodos de pesquisa a educagao. Essa atividade estabeleceu a mudanca sandamental na énfase da psicologia americana, que passou dos experimentos nos laboratérios acaclémicos para a aplicacao da psicologia nas questdes do ensino e da aprendizagem. As Guerras Mundiais As guerras foram outra forga contextual que ajudou a estruturar a psicologia moderna, criando oportunidades de trabalho para os psicdlogos. Veremos no Capitulo 8 que as experiéncias dos psicélogos americanos, colaborando com o esforgo de guerra nas duas Guerras Mundiais, aceleraram 0 desenvolvimento da psicologia aplicada e estenderam a sua influéncia para 4reas como selecdo de pessoal, testes psicolégicos e psicologia aplicada 3 engenharia. Esse trabalho demonstrou a grande parte da comunidade psicologica e a piiblico em geral a importante ajuda que a psicologia tinha a oferecer. ‘A Segunda Guerra Mundial também alterou a constituigao e o destino da psicologia europeia, principalmente na Alemanha (onde surgiu a psicologia experimental) ena Austria o berco da psicanalise). Muitos pesquisadores e tedricos renomados fugiram da ameaca nazista na década de 1930, e a maioria passou a viver nos Estados Unidos. Esse exilio forga- do marcou a fase final de transferéncia da psicologia, da Europa para os Estados Unidos. As guertas provocaram grande impacto pessoal nas ideias de varios tedricos importan- tes, Por exemplo: ap6s testemunhar a carnificina da Primeira Guerra Mundial, Sigmund Freud apresentou a tese de que a agressio é uma forca motivadora significativa para a personalidade humana. Erich Fromm, teérico da personalidade e ativista da paz, atribuiu seu interesse pelo comportamento anormal a sua exposi¢ado ao fanatismo que varreu a Alemanha, sua terra natal, durante a guerra. 12 Historia DA PSICOLOGIA MODERNA Preconceito e Discrimina¢ao Outro fator contextual € a discriminacao por raga, religiao e sexo. Durante varios anos, esses preconceitos influenciaram algumas questdes basicas como: “Quem estd apto a ser um psicélogo?” ou “Onde ele ou ela pode trabalhar?” Discriminacao contra as mulheres. A discriminagao disseminada contra as mulhe- res existiu por toda a hist6ria da psicologia. Ha intimeros exemplos em que as mulheres nao cram admitidas no programa de p6s-graduacao ou eram excluidas do corpo docente. Mesmo quando estavam capacitadas a ocupar essas posicées, recebiam salarios inferiores aos dos homens e encontravam barreiras para obter uma promogao ou uma titularidade. Por muitos anos, a tinica posicdo académica tipicamente acessivel as mulheres encontra- va-se nas faculdades exclusivamente femininas e, mesmo assim, muitas dessas entidades cometiam uma forma propria de discriminagao, recusando a contratagéio de mulheres casadas. A justificativa dada era de que a mulher nao estava capacitada a administrar a0 mesmo tempo a vida doméstica e a carreira como docente. Eleanor Gibson, por exemplo, recebeu prémios da APA, bem como diversos titulos honorarios de doutora e a Medalha Nacional da Ciéncia por seu trabalho sobre o desen- volvimento perceptual e a aprendizagem. Quando se candidatou ao programa de pés-gra- duagao na Yale University, na década de 1930, disseram-Ihe que o diretor do laboratério de primatas nao permitia a presenca de mulheres em suas instalacées. Ela também foi impedida de participar de seminarios sobre a psicologia freudiana. E, ainda, as mulheres eram proibidas de usar a biblioteca dos estudantes de p6s-graduacao ou a lanchonete, que eram de uso exclusivo dos homens. Trinta anos depois, a situacdo nao havia mudado muito. Sandra Scarr, que trabalha- va a psicologia do desenvolvimento, lembrou-se da entrevista de admissao no programa de pos-graduacao da Harvard University, em 1960. Gordon Allport, importante nome na psicologia da personalidad, disse-Ihe que a Harvard nao gostava de admitir mulheres, Ele disse: “Setenta e cinco por cento de vocés se casam, tém filhos e nunca terminam a graduagao; enquanto o restante nunca chega a lugar algum!”, e Scar acrescentou: E, entao, eu me casei, tive um filho no terceiro ano da pés-graduacao e fui imediatamente excluida. Ninguém me respeitaria como cientista, nem faria algo por mim, como escre- ver uma carta de recomendacao ou ajudar a conseguir um emprego. Ninguém acreditava que uma mulher com filhos pequenos pudesse realizar algo. Ento, comecei a bater de porta em porta, expondo-me até conseguir um emprego. Finalmente, depois de 10 anos € de publicar varios artigos, os colegas comecaram a me respeitar como psicéloga. (Scart, 1987, p. 26) Apesar desses exemplos 6bvios de discriminagao, os registros da psicologia relativos igualdade de tratamento entre homens e mulheres s40 muito mais explicitos do que os de outras disciplinas e profissGes académicas. Mais ou menos no inicio do século XX, 20 mulheres receberam 0 titulo de doutorado em psicologia. Na edi¢ao de 1906 do trabalho de referéncia American Men of Science, 12% dos psicélogos relacionados eram mulheres, um ntimero elevado, considerando as barreiras para 0 acesso aos cursos de pés-graduacao Essas psicdlogas pioneiras foram amplamente incentivadas a associarem-se A APA. James McKeen Cattell, pioneiro no movimento dos testes mentais (veja no Capitulo 8), liderou 0 movimento para a aceitacao das mulheres na psicologia, lembrando aos colegas CapituLo 1 © EsTUDO DA HisTORIA OA PSICOLOGIA. 13 que eles nao deveriam “tragar uma fronteira do sexo” (carta nao publicada, apud Sokal, 1992, p. 115). No segundo encontro anual da APA, em 1893, Cattell nomeou duas mulheres como membros. Principalmente por causa de seus esforcos, a APA foi a primeira sociedade cientifica a admitir mulheres. Entre 1893 ¢ 1921, a APA elegeu 79 mulheres como membros, representando 15% do total de novos associados desse perfodo. Por volta de 1938, 20% dos psicdlogos listados na American Men of Science eram mulheres, as quais representavam quase um terco de todos os membros da APA. Em torno de 1941, mais de mil mulheres completaram a p6s-graduacao em psicologia e um quarto de todos os psicélogos com Ph.D.

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