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Condensaveis
Bellona
Bellona
Samuel Peregrino
Bellona
Série
Corpos CondensáveiS
Por
SAMUEL PEREGRINO
2008
www.samuelperegrino.blogspot.com
Copyright © 2008
Horácio
Corpos Condensáveis
Cena I
“... a pergunta não é quem sou, e sim o que tenho que fazer"
Idiotas! Não podem me ouvir... Está tão fria essa noite que só penso em voltar ao
meu androceu. A necessidade me compunge a relatar as horas errantes dos
viventes. Sou aquele que vê, ouve e não toca, não sente, apenas escreve. Sou aquele
que relata, mas não me peça conselhos! Eu não lhes daria se tivesse...
Primeiro de Junho
O que ela vira em Michel Eyquem que não encontrara em si mesma? Enfurnado
em sua biblioteca no terceiro andar de uma torre arredondada em algum castelo
no Périgord, interior da França; ali se escondia de seus medos. E ela não se
escondia nos Ensaios? Chegara a Horácio na página quarenta e sete: "Pensa que
cada dia é teu último dia, e aceitarás com gratidão aquele que não mais esperavas."
À abcissa distância sinto o olor alcióneo de seu corpo, banhado com crisma -
candela para meu númen. São trinta e dois minutos de abstração. Cerra o livro.
Com uma lã de alpaca limpa os óculos - lentes translúcidas; calça as luvas,
tardívago se levanta e põe-se próximo à porta sem notar que observava seu mais
oligístico movimento. Uma minimidade de alvura em cada gesto e candura nos
olhos rúbeos. A porta se abre; uma torrente algor lhe acaricia os cabelos,
delineando formas quase letárgicas aos pobres moribundos por amor. Eu, com
minha autolatria abalada, sucumbi à musa; desalentei-me quase por inteiro ante
sua numinosidade.
Os dias são cíclicos. Um ciclo complexo, como uma cadência melódica de Miles
Davis. Tudo retorna para um fim. O fim é o início e o fim. E tudo muda.
Transitoriedade da alma, da vida, da música. E em nosso lugar, sozinhos,
contemplando esse movimento sentimos atraídos à ir, à mudar junto com o resto.
A minha é cíclica como a Samsara budista. Samsara tem o sentido literal de
"perambulação". Muitas pessoas pensam que esse, o seu mundo é o lugar mais
importante em que se vive no momento " o lugar seguro", mas nos textos Budistas
mais antigos Samsara é a resposta, não para a pergunta, "Onde nós estamos?" mas
para a pergunta, "O que estamos fazendo?" Ao invés de um lugar, é um processo: a
tendência de ficar criando mundos e depois se mudando para dentro deles. À
medida que um mundo se desintegra você cria outro e lá se instala. Ao mesmo
tempo, você dá de cara com outras pessoas que também estão criando os seus
próprios.