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Estruturalismo Engolir 0 Tubo de Borracha — um Trote Universitario? Voce seria voluntario para engolir um tubo de borracha que vai até o seu estémago? Para em seguida despejarem agua guente por ele? E depois 4gua gelada, tudo pela gloria da pesquisa psicologica? Precisa de mais tempo para decidir? Se fosse um aluno de pés-graduacéo em psicologia na Cornell University ao norte de Nova York, no inicio do século XX, teriam Ihe feito essa pergunta, ou até mes- mo Ihe incentivado para que aceitasse participar disso. E o professor Edward Bradford Titchener, 0 psicdloge que conduziu o experimento, era um ser humano tao admi- ravel que quase todos os seus altinos concordavam com as coisas muitas vezes absurdas que Ihes pedia, tudo em nome da ciéncia. Os alunos estavam fornecendo dados para 0 sistema psicologico que estava desenvolvendo. Mas como? Eles executavam uma forma de introspec¢ao. Introspeccdo era um sério empreendimento na Cor- nell daqueles tempos, ¢ os alunos de pés-graduacao de Titchener eram dedicados ao seu trabalho. Considere o tubo de borracha, por exemplo, pedia-se que engolissem © tubo para estudar a sensibilidade de seus drgios inter nos. Os alunos engoliam os tubos pela manha e perma- neciam com ele ao longo do dia. Pode-se imaginar que nao era facil desempenhar suas atividades normais com uum tubo enfiado na garganta. Muitos vomitavam, mas Engolir 0 Tubo de Borracha — um Trote Universitario? Edward Bradford Titchener (1867-1927) Biografia de Titchener Os Experimentallstas de Titehener: Proibido para as Mulheres © Contetido da Experiéncia Consciente Texto Original: Trecho sobre fo Estruturalismo, Extraido ide A Textbook of Pspchology (1909), de B. B. Titchener Introspeccao (Os Flementos da Consciéncia Criticas ao Estruturalismo Criticas a Introspeccio Mals Criticas ao Sistema de ‘Titchener Contribuicdes do Estruturalismo 105 106 HisTORIA DA PSICOLOGIA MODERNA depois acabavam se acostumando. Durante o dia, em horarios determinados, os alunos se apresentavam ao laborat6rio para que se despejasse 4gua quente pelos tubos. Depois os alunos relatavam as sensacoes. Posteriormente, eles repetiam 0 processo com dgua fria. Em outro experimento, os alunos carregavam cadernos até o banheiro para que relatas- sem seus sentimentos e sensacdes quando urinassem ou evacuassem. E também houve o estudo sobre sexo, outro exemplo de dados que estavam perdidos por muitos anos antes de terem sido recuperados. Pedia-se a alunos casados que anotassem suas sensacoes ¢ sentimentos elementares du- rante a telacdo sexual e que amarrassem dispositivos de medicio aos seus corpos para registrar respostas fisiolégicas. Esta pesquisa nao foi muito anunciada na época. Foi revelada em 1960 por Cora Friedline, uma das alunas de Titchener, em palestra proferida no Randolph-Macon College, em Lynchburg, Virgina.’ O estudo tornou-se muito conhecido no campus da Cornell daquela época, mas atribuiu ao laboratério de psicologia a reputacao de um local imoral. As responsdveis pelos dormitérios femininos nao permitiam que suas alunas visitassem © laboratério depois de escurecer. E quando se espalhou a noticia de que estavam colocando preservativos nos tubos que os alunos engoliam, 0 que se falava nos dormitérios, segundo Friedline, era que o laborat6rio “nao era um lugar seguro para ninguém”. Edward Bradford Titchener (1867-1927) Embora professasse ser um fiel seguidor de Wilhelm Wundt, E. B. Titchener alterou dras- ticamente o sistema de psicologia ao leva-lo da Alemanha para os Estados Unidos. Ele apresentou uma abordagem propria, a qual denominou estruturalismo, embora alegasse tratar do mesmo sistema estabelecido por Wundt. Na realidade, os dois eram comple- tamente distintos e a denominagao “estruturalismo” é adequada para definir apenas a psicologia de Titchener. O estruturalismo permaneceu em evidéncia por cerca de 20 anos nos Estados Unidos até ser superado por outros movimentos mais novos. Wundt havia identificado elementos ou contetidos da consciéncia, mas a questao que mais chamava sua atencao era a organizagao desses elementos, ou seja, a sua sintese em processos cognitivos superiores por meio da apercepcao. Na opiniao de Wundt, a mente era dotada do poder de organizacao voluntaria dos elementos mentais, posicao divergente da explicagao mecanicista da passividade mental sustentada pela maioria dos empiristas € associacionistas britanicos. Titchener se concentrava nos elementos ou contetidos mentais, assim como na conexao mecanica mediante 0 processo da associagao, mas descartava a doutrina da apercepcao de Wundt. O seu enfoque estava nos elementos propriamente ditos ¢, na sua opiniao, a principal tarefa da psicologia consistia na descoberta da natureza das experiéncias cons- cientes elementares — a determinacao da estrutura da consciéncia mediante a andlise das suas partes componentes. Os anos mais produtivos de Titchener foram os que passou na Cornell University, em. Nova York. Vestia sua toga de Oxford University para dar aulas e fazia delas uma producio grandiosa. O cenario era cuidadosamente preparado por seus assistentes sob sua rigorosa supervisdo. Os docentes mais novos, obrigados a assistirem as suas aulas, faziam fila a porta 1 Agradecemos a F. B. Rowe por nos fornecer uma cépia dos comentérios de Friedline feitos em abril de 1960. CapiruLo 5 ESTRUTURALISMO 107 para tomarem os primeiros assentos, enquanto ‘Titchener entrava diretamente por outra sorta dirigindo-se ao tablado. Embora tivesse estudado apenas dois anos com Wundt, seus vrodos eram muito parecidos com os do seu mentor, copiando seu estilo autocratico, sua snaneira formal de dar aulas e até mesmo o uso da barba. Embora Titchener fosse ingles por nascimento, “aqueles que o conheciam pouco, ou que s6 tinham ouvido falar sobre ele, schavam que fosse alemao” (Boring, 1927, p. 493). Um de seus alunos, E.G. Boring, que mais tarde tornou-se um eminente historiador de psicologia, comentou que Wundt e Titchener tinham personalidades semelhantes, pois ambos eram autocraticos ¢ dominadores, A Biogratia de Titchener Nasceu em Chichester, na Inglaterra, em uma familia tradicional, mas de poucos recur: sos, Gragas A sua considerdvel capacidade intelectual, Titchener obteve bolsas de estudos para cursar a faculdade, Frequentou a Malvern College e mais tarde a Oxford University, pnde estudou filosofia € 0s classicos, além de trabalhar como assistente de pesquisa em fstologia, Ganhou muitos prémios académicos e foi visto como um aluno brilhante, com tum gosto por linguas, incluindo latim, grego, alemao, francés ¢ italiano, Um professor de Oxford certa vez. deu a Titchener um artigo em holandés e pediu um relatorio no prazo Ge uma semana. Titchener protestou, pois nao sabia holandés. O professor Ihe disse que aprendesse ~ e ele o fez. ‘Titchener interessou-se pela psicologia wundtiana enquanto estudava em Oxford, entu- siasmo nao compartilhado e tampouco incentivado pela universidade. Por isso, naturalmen- te teve de partir para Leipzig, a meca dos cientistas pioneiros, para estudar com 0 proprio Wundt, lé obtendo o doutorado em 1892. Durante a vida estudantil, criow uma relagdo muito estreita com Wundt e sua familia, a cuja casa muitas vezes era convidado, e passou pelo menos um Natal na residéncia dos Wundt, nas montanhas (Leys e Evans, 1990). ‘Ao receber o doutorado, Titchener esperava tornar-se 0 inglés pioneiro da nova psicolo- gia experimental de Wundt, mas, quando retornou a Oxtord, seus colegas ainda estavam céticos em telagio a chamada abordagem cientifica sobre os seus temas filos6ficos favoritos. Ali permaneceu alguns meses até perceber que as melhores oportunidades estavam em outro lugar. Deixou a Inglaterra e partiu para a Cornell University, nos Estados Unidos, para lecionar psicologia e dirigir um laborat6rio. Estava entao com 25 anos, ¢ ali passou o resto da vida até falecer de tumor cerebral, aos 60 anos. De 1893 a 1900, Titchener implementou seu laboratério, conduziu pesquisas e escre- veu artigos académicos, publicando, por fim, mais de 60 trabalhos. Devido ao grande himero de alunos atraidos a Cornell por causa da sua psicologia, teve de abrir mao da tarefa de participar pessoalmente dos estudos de pesquisa, deixando a cargo dos estudan- tes a conducao das experiéncias. Desse modo, a sua posicao sistematica atingiu o auge do desenvolvimento por meio da sua orientaco das pesquisas realizadas pelos alunos. Em 35 anos na Cornell, Titchener orientou mais de 50 doutorandos em psicologia, cujas dissertacées, na maioria, contém a marca das suas ideias. Exerceu nitida autoridade na selecdo dos temas de pesquisa dos orientandos, atribuindo-Ihes as questdes de seu maior interesse, Dessa forma, ctiou o sistema do estruturalismo, que mais tarde alegou ser a “nica psicologia cientifica digna do nome” (apud Roback, 1952, p. 184). Titchener traduziu os livros de Wundt do alemao para o inglés. Quando concluiu a traducdo da terceira edicao de Principles of physiological psychology, Wundt jé havia termi- 108 HistORIA DA PsICOLOGIA MODERN, nado a quarta edicao. E, ao traduzir a quarta, constatou que o incansavel Wundt havia acabado de publicar a quinta edicao. Entre as obras de sua autoria estao An outline of psychology (1896), Primer of psycho- logy (1898) e, em quatro volumes, Experimental psychology: a manual of laboratory practice (1901-1905). Esses Wltimos, mais conhecidos como Manuals (Manuais), incentivaram o trabalho de laboratério da psicologia nos Estados Unidos e influenciaram a geracao dos psicélogos experimentalistas. Scus livros foram traduzidos para diversos idiomas, como Tusso, italiano, alemao, espanhol e francés. Como Wundt, Titchener era elogiado como um excelente professor, cujas aulas ninguém queria perder; frequentemente os corredores ficavam superlotados. Quando Boring foi a sua primeira aula com Titchener, encontrou alunos “espalhados por todas as salas adjacentes. Nao exagero quanto ao seu magnetismo como professor... Lembro-me da aula sobre ritmo de sons como sendo especialmente empolgante; imagine fazer com que ritmo de sons seja estimulante! Era aluno de engenharia na época, e no entanto foi a lembranga dessas aulas que fez com que mudasse para psicologia cinco anos mais tarde” (Boring, 1927, p. 494). A medida que Titchener envelheceu, seus hobbies passaram a ocupar seu tempo € energia, afastando-o do trabalho em psicologia. Titchener dividia sua energia entre 0 trabalho com a psicologia e diversos passatempos. Regia um pequeno grupo musical que se reunia todos ‘os domingos a tarde na sua casa e, mesmo antes da criacdo do departamento de musica em Cornell, por varios anos foi o “professor responsavel por essa disciplina”. Colecionava moedas e, gracas a esse hobby, aprendeu chinés e arabe para decifrar os caracteres gravados nos metais. Correspondia-se frequentemente com varios colegas, na maioria das vezes por meio de cartas datilografadas, porém com muitas observac6es manuscritas.? Com 0 passar dos anos, Titchener afastou-se do convivio social e académico, adqui- tindo o status de lenda viva de Cornell, embora muitos docentes sequer 0 houvessem conhecido ou visto. Preferia trabalhar em casa e, a partir de 1909, lecionava apenas nas. tardes de segunda-feira, durante a primavera. Sua esposa selecionava as pessoas que 0 procuravam, protegendo-o de estranhos ¢ os alunos eram orientados a procuré-lo apenas em caso de urgéncia. Embora sustentasse 0 modo autocratico como um estereétipo do professor alemao, era gentil e solicito com colegas ¢ estudantes, desde que fosse tratado com a deferéncia e © respeito de que acreditava ser merecedor. Hist6rias dao conta de docentes mais jovens e estudantes de pés-graduacao que lavavam o seu carro e instalavam telas de protecao na janela da sua residéncia no vero, ndo por obrigacao, mas por admiracao, O ex-aluno Karl Dallenbach cita uma afirmacao de Titchener segundo a qual “um homem nao pode ter esperanca de tornar-se um psicélogo enquanto nao aprender a fumar” (Dallenbach, 1967, p. 85). E, realmente, varios alunos comecaram a fumar charutos, pelo menos na presenca do mestre. (0 proprio Dallenbach conta ter ficado enjoado quando fumou seu primeiro charuto). A doutoranda Cora Friedline lembrou-se de um dia em que ela estava na sala de Titchener discutindo com ele a sua pesquisa quando o insepardvel charuto encostou na barba, que comecou a queimar. Ele falava de forma t4o imponente ® Titchener também nos deu a palavra “empatia’. Este 6 outro exemplo de tradugaio que alterou 0 sentido original, como discutido no capitulo 1. Titchener traduziu a palavra alema “simpatia”, tal como utilizada por um psicélogo alemao, dando-the um significado bastante diferente (ver Jahoda, 2005). Capirulo 5 ESTRUTURALISMO 109 naquele momento que a ela faltou coragem para interrompé-lo. Finalmente, dirigiu-Ihe a palavra, dizendo: “Queira me perdoar, Dr. Titchener, mas suas suicas esto em chamas.” Quando Titchener conseguiu finalmente extinguir 0 fogo, as chamas ja estavam atingin- do a camisa e a camiseta que vestia por baixo.® Nem a preocupacao pelos alunos e muito menos a influéncia sobre suas vidas ter~ minavam quando eles se formavam e deixavam a Cornell. Depois de receber 0 titulo de Ph.D., Dallenbach planejava cursar a escola de medicina, mas Titchener arranjou-lhe uma posicao académica na University of Oregon. Dallenbach pensou que Titchener aprovaria 3 sua intencao de seguir medicina, mas estava enganado. “Tive de ir para Oregon, j4 que Titchener] nao estava disposto a ver todo o seu trabalho e toda a sua orientagao perdidos” Dallenbach, 1967, p. 91). Outro ex-aluno, E. G. Boring, lembrou-se de que nem todos aceitavam a ingeréncia de Titchener sobre suas vidas. “Diversos de seus alunos mais brilhantes ressentiram-se da interferéncia e do controle e acabaram rebelando-se, vendo-se, entdo, excluidos, excomun- gados, magoados, em uma relacaio sem retorno” (Boring, 1952, p. 32-33). As vezes as relagées de Titchener com os psicdlogos fora do seu grupo também eram tensas. Eleito pelos fundadores como membro da APA em 1892, renunciou logo em seguida porque a associacao negou-se a expulsar um membro que ele acusava de plagiario. Conta-se que um amigo pagou as taxas de Titchener durante varios anos para que o nome dele conti- nuasse sempre aparecendo na lista de membros. Os Experimentalistas de Titchener: Proibido para as Mulheres Em 1904, um grupo de psicdlogos autodenominados “os experimentalistas de Titchener” comecou a se reunir regularmente para comparar as observac6es obtidas nas pesquisas. Alem de selecionar os temas ¢ os participantes, Titchener geralmente conduzia as reu- nides. Uma das regras era a proibicao de participacao das mulheres. E. G. Boring conta que Titchener desejava “ouvir relatos com liberdade para interromper, debater e criticar, em um ambiente encoberto pela fumaga dos charutos e sem a presenca das mulheres (...) elas sao delicadas demais para fumar” (Boring, 1967, p. 315). Algumas alunas da Bryn Mawr College, na Pensilvania, tentaram frequentar essas reunides, no entanto foram prontamente convidadas a se retirar. Em uma das reunides elas se esconderam sob a mesa, enquanto a noiva de Boring e outra amiga aguardavam na sala ao lado “com a porta entreaberta para descobrirem como era a psicologia masculina sem censuras”. Boring lembrou-se de que elas safram “ilesas” (Boring, 1967, p. 322). Em 1912, com o intuito de participar da reuniao dos experimentalistas, Christine Ladd-Franklin (1847-1930) escreveu para Titchener, solicitando-Ihe uma oportunidade 3. De L.T. Benjamin Jr, baseado em documentos do Acervo Cora Friedline, Arquivos de Histéria da Psicologia Americana, da University of Akron, Ohio. Lucy May Boring, que morreu com 110 anos (1886-1996), obteve 0 Ph.D. na Comell em 1912 e chegow a lecionar na Vassar College e na Wells College antes de abrir mao da carreira na psicologia ¢ optar pelo casamento ¢ pela mater- nidade. Assim como diversas mulheres casadas daquela épaca, com étima formagio académica, ela trabalhava no nonimato ajudando o marido, que se tornou um respeitado historiador da psicologia. Lucy lia todas as publicagoes do marida ¢ emitia opiniGes, embora suas contribuigdes permanecessem desconhecidas do piiblico. Esse era o destino tipico da mulher de classe média com altas credenciais e alto nivel de formagao académica (Furumoto, 1988) 110 HistoRta DA PSICOLOGIA MODERN para ler 0 relatorio da sua pesquisa relativa a psicologia experimental. Havia trabalhado no problema da visdo das cores no Laboratorio de G. E. Miller na University of Géttingen, na Alemanha, e no laboratério de Helmholtz, em Berlim. Antes disso, havia completado as exigéncias para o obtencao do Ph.D. em matemitica na Johns Hopkins University, mas teve © titulo negado por ser mulher. A direcdo da universidade acabou redimindo-se e concedeu-lhe o titulo de doutorado somente 44 anos mais tarde. Quando Titchener recusou seu pedido, ela escreveu para ele, dizendo-se “chocada em saber que ainda hoje, em 1912, vocés nao permitem a participagao das mulheres nas reunides dos psicélogos experimentalistas. Como podem ser tao retrégrados?” (apud Fu- rumoto, 1988, p. 107). Sem desistir da sua posigao, continuou a protestar durante varios anos, chamando a politica de Titchener de imoral e anticientifica. Titchener escreveu a um amigo, dizendo: “A Sra. Ladd-Franklin acusou-me de injiria por nao permitir a participagao das mulheres nas reunides e ameaga fazer um escandalo pessoalmente e por escrito. Possivelmente ela conseguiré dissolver 0 grupo e nos obrigara a realizar reunides escondidas em tocas escuras, como os coelhos” (apud Scarborough e Furumoto, 1987, p. 126). Embora Titchener continuasse a excluir as mulheres das reunides dos experimenta- listas, encorajava ¢ apoiava seu progresso na psicologia. Ele aceitava mulheres nos progra- mas de pés-graduagao em Cornell, mas as universidades de Harvard e Columbia nao as admitiam. Mais de um terco dos 56 doutorados concedidos por Titchener foi para mulhe- res. Nenhum psic6logo daquela época concedeu tantos titulos de doutorados a mulheres como Titchener. Ele também apoiava a contratagao de professoras, ideia que muitos cole- gas consideravam avangada demais. Em uma ocasiao, ele insistiu na contratagao de uma professora, mesmo diante da recusa do diretor. A primeira mulher a obter 0 doutorado em psicologia foi Margaret Floy Washburn, que também fora a primeira orientanda de doutorado de Titchener. Ela lembrou que: “Ele nao sabia muito bem o que fazer comigo” (Washburn, 1932, p. 340). Depois do doutora- do, ela escreveu um importante livro sobre a psicologia comparativa (The animal mind, 1908) e foi a primeira psicdloga eleita para a Academia Nacional de Ciéncias. Além disso, chegou a ser presidente da APA. Essa breve mencdo ao sucesso de Washburn tem o intuito de salientar 0 constante apoio de Titchener a mulher na psicologia. Embora ele nao abrisse mo da proibicao de mulheres nas reunides dos experimentalistas, envidou esforcos para abrir as portas total- mente fechadas, pela maioria dos psicélogos, as mulheres. Em 1929, dois anos apés a morte de ‘Titchener, os experimentalistas renasceram como Sociedade de Psicélogos Experimentais, ainda ativa hoje.’ A nova sociedade admitia mulheres (Washburn foi uma das duas mulheres titulares) e tinha reunides anuais para discutir a pesquisa de seus convidados (ver Goodwin, 2005). Em 2004, a Sociedade de Psicélogos Experimentais organizou uma reuniao por ocasiaio de sew centendrio, no campus da Cornell University. Um dos professores da Cornell touxe um convidado para a reuniao (...) 0 cérebro de Titchener que jé levado a sesso de abertura € agora, conforme seu desejo, faz parte da colecao de cérebros de Cornell. (Benjamin, 2006a, p. 137) 5 Ver www.sepsych.org, Capiruto 5 EsreuTURAUsMO. 117 OContetido da Experiéncia Consciente De acordo com Titchener, 0 objeto de estudo da psicologia € a experiencia consciente Como Z=pendente do individuo que a vivencia. Esse tipo de experiencia difere da estudada por sanntistas de outtras Areas. Por exemplo, tanto a fisica como a psicologia podem estudar a cz ¢ o som. Enquanto os fisicos examinam os fendmenos do ponto de vista dos proce’: sex fisicos envolvidos, os psicdlogos analisam a luz eo som com base na experiéncia ena ebservagdo humanas desses fendmenos. ‘As outras ciéncias nao dependem da experiéncia pessoal. Titchener citou, como exem- plo da fisica, a temperatura de uma sala que pode ser, cigamos, de 30°C, haja ou ndo wna Sessoa presente para senti-la, Todavia, quando ha observadores que relatem sentir um calor recon fortavel, essa Sensa¢ao ~ a experiéncia da temperatura elevada - depende das experién- nas individuals dos presentes. Para Titchener, esse tipo de experiéncia consciente € 0 tinico enfoque adequado para a pesquisa psicol6gica. Ele descreveu a diferenca entre a experiéncia dependente e a independente no livro A textbook of psychology, publicado em 1909. — Texto Original Trecho sobre o Estruturalismo, Extraido de A Textbook of Psychology (1909), de E. B. Titchener Todo conhecimento humano é derivado da experiéncia humana, nao ha outra fonte de conheci- mento. Todavia a experiéncia humana, como vimos, pode ser analisada a partir de pontos de vista distintos. Imaginemos esta situacdo: tomamos dois pontos de vista, 05 mals distintos possiveis, «© vivenciamos nos mesmos as experiéncias nos dois casos. Em primeiro lugar, consideraremos a experiencia como um todo, independente de qualquer pessoa ern particular; e que ela ocorra, haja ou no alguém para vivencié-la. Em segundo lugar, consideraremos a experiéncia como um todo dependente de uma pessoa em particular; e que ela ocorra apenas quando ha alguém presente para vivencié-la. Dificilmente encontraremos dois pontos de vistas tao antag6nicos quanto esses. Quais as diferencas na experiéncia analisada a partir dessas duas visoes? Para comecar, tomemos 0s trés primeiros conceitos ensinados na fisica: 0 espago, 0 tempo ea massa, 0 espaco fisico, que 0 espago da geometria, astronomia e geologia, € constants, permanecendo sempre o mesmo em qualquer parte. A unidade de medicao é o centimetro, que tem exatamente o mesmo valor onde e quando quer que seja aplicado. © tempo fisico 6 igual- mente constante, assim como sua unidade de medicao, o segundo. A massa fisica € constante sua unidade, o grama, é sempre a mesma em qualquer parte. Esses S40 casos de experiéncias de espaco, tempo e massa, consideradas independentes da pessoa que as vivencia. Passemos, ento, para a visao que considera a experiéncia dependente da pessoa que a vivencia, As duas linhas verticais (na Figura 5.1) sao idénticas fisicamente; possuem 4 mesma medida em unidades de centimetro. Para vocé, que as visualiza, nao sao iguais. A hora que © Reimpresso mediante a autorizacio da Macmillan Publishing Co. Ine. extaide de.A textbook of psychology, de E. Be ivene (pe 8-9, Copyrght 1909 por Macmillan Publishing Co., Inc. Revisado em 1937 por Sophia K Titchener. VIZ HistORIA D4 PSICOLOGIA MoDERNA Bula 5-1 Ero de estimulo: confundindo © processo mental sendo estudado com » ealmulo ou objeto sendo observado. O universo da fisica, no qual essas experiéncias séo consideradas independentes das pessoas Que as vivenciam, nao ha calor nem frio, ndo ha escuridao nem luz, ndo ha siléncio nem ruido. Somente quando as experiéncias sto consideradas dependentes de algum individue que existem © calor ¢ 0 frio, 0 preto eo branco, 0 colorido e o cinzento, tons, assobios estampidos. E esses $80 05 objetos de estudo da psicologia. Captruvo 5 ESTRUTURALISMO 113 No estudo da experiéncia consciente, Titchener fez um alerta 8 respeito de se cometer > que chamou de erro de estimulo, que gera uma confusio entre 0 processo mental € 0 spjeto da observacao. Por exemplo, 0 observador que vé uma maga e a descreve apenas como a fruta maga em vez de descrever elementos como 4 CO, © brilho ea forma que esté peervado, comete 0 erro de estimulo. O objeto da observacdo nao deve ser descrito na lin- guagem cotidiana, mas em termos do contetido consciente elementar da experiéncia. Erro de estimulo: confusdo entre 0 proceso mental que esta sendo estudado e o estimulo ou objeto que esta sendo observado Quando 0 observador concentra-se no objeto de estimulo e nao no contetido conscien- te, no faz distingao entre o conhecimento adquirido no passado em relagao ao objeto (por exemplo, que o nome do objeto € maca) € a propria experiéncia imediata e direta Todo observador sabe que a maca é vermelha, redonda ¢ tem certo brilho. Ao descrever outras caracteristicas que nao sejam a cor, 0 brilho e o formato, em Ve de observar 0 objeto, 0 obset- ‘vador o esta interpretando. Trata-se, assim, da experiéncia mediata, ¢ no da imediata. Titchener definia a consciéncia como a soma das experiéncias existentes em deter- minado momento. A mente é a soma das experiéncias acumuladas ao longo do tempo. '\ consciéncia ¢ a mente s4o semelhantes, apenas com & diferenca de que a consciéncia envolve os processos mentais que ocorrem em determinado momento, € a mente, 0 total desses processos. ‘A psicologia experimental, na visao de ‘Titchener, era uma ciéncia pura. Ele nao se preocupava com a aplicagao do conhecimento psicolégico. A psicologia, afirmava, nao se propoe a curar mentes doentias nem a reformar a sociedade. O tinico propésito legitimo da psicologia é descobrir os fatos estruturais da mente. Ele acreditava que os psicdlogos Geviam manter-se distantes das especulagdes sobre © valor pratico do seu trabalho. Por isso posicionou-se contra o desenvolvimento da psicologia infantil, animal e outras areas incompativeis com a psicologia introspectiva experimental do conteddo da experiéncia consciente. Introspeccdo ‘Titchener empregava a introspeccao, ou auto-observacao, com base em observadores rigoto- samente treinados para descrever os elementos no seu estado consciente, em vez de relatar Sestimulo observado ou percebido, utilizando apenas nomes conhecidos. Percebeu que todos aprendemos a descrever a experiéncia em termos do estimulo, por exemplo, chamar o objeto vermelho, redondo e brilhante de maca, 0 que 6 suficiente ¢ util para o cotidiano, Todavia, no seu laboratério de psicologia, essa pratica feve de ser desaprendida. Titchener adotou a mesma definicao de Kilpe para descrever 0 8 método, introspec- cao experimental sistematica. Como Killpe, ele utilizava relatos detalhados, subjetivos € qualitativos das atividades mentais dos individuos durante o ato de introspecsao. Fle se opunha a abordagem de Wundt, cujo foco eam as mensuracoes quantitativas e objeti- vas, porque acreditava nao serem titeis na andlise das sensacées ¢ imagens elementares da consciéncia, ponto central da sua psicologia. 114 HisTorIA DA PSICOLOGIA MODERNA Em outras palavras, Titchener divergia de Wundt porque estava interessado em ana- lisar a experiéncia consciente complexa a partir das partes componentes, e nao a sintese dos elementos mediante a apercepcao. Titchener dava énfase as partes, enquanto Wundt, ao todo. Alinhado com a maioria dos empiristas ¢ associacionistas britanicos, 0 objetivo de Titchener era descobrir os chamados dtomos da mente. Seu conceito de introspec¢ao aparentemente j4 se havia formado antes de ele estu- dar com Wundt, em Leipzig. Um historiador disse que, quando ele ainda frequentava a Oxford, fora influenciado pelos trabalhos de James Mill (Danziger, 1980) O espirito da filosofia mecanicista também o influenciou, como se pode observar na imagem que ele tinha dos observadores que Ihe forneciam dados. Nos seus relatos de pesquisa publicados, eram chamados de reagentes, termo usado por quimicos para se refe- rirem as substancias que, por causa de sua capacidade para certas reagées, so utilizadas para detectar, examinar ou medir outras substancias. O reagente normalmente é passivo, ou seja, é usado para provocar reacées nas outras substancias Percebe-se que, ao aplicar esse conceito aos observadores humanos, Titchener os enxergava como instrumentos mecnicos de registro, que reagiam e respondiam de forma objetiva as observagGes das caracteristicas do estimulo observado. Os individuos seriam meramente maquinas neutras e imparciais. Seguindo a ideia de Wundt, as observagdes treinadas se tornariam tao mecanizadas e habituais que os observadores nao perceberiam mais se estavam realizando um processo consciente. Titchener dizia: “Ao prestar atengao no fendmeno, o observador da psicologia, assim como o observador da fisica, esquece completamente de atribuir atencdo subjetiva ao estado de observacdo (...) 08 observadores, como € do nosso conhecimento, sao treinados; seu ‘estado de obser- ‘vacao’ ja esté mecanizado.” (Titchener, 1912a, p. 443) Se esses observadores eram considerados maquinas, entao nao faltava muito para gene- ralizar esse conceito a todo ser humano. Esse pensamento mostra a continua influéncia da visio mecanica do universo de Galileu e Newton, conceito que nao desapareceu mesmo com a extingao do estruturalismo. Com os desdobramentos da hist6ria da psicologia, observa-se que a imagem do homem como maquina continuou a caracterizar a psicologia experimental até a primeira metade do século XX. A proposta de Titchener consistia na abordagem experimental para a observacao introspectiva na psicologia. Ele obedecia rigorosamente 4s normas da experimentacio cientifica, afirmando que um experimento € uma observacdo que pode ser repetida, isolada e variada. Quanto maior a quantidade de repeti¢des das observagées, maior a probabilidade de clareza na percepcao e de precisdo na descricdo do objeto observado. Quanto mais isolada a obser- vacdo, mais facil seré a execucdo da tarefa e menor o risco de confusdo proveniente de circunstancias irrelevantes ou de énfase no ponto errado. Quanto mais amplamente se puder variar a observagio, mais clara sera a percepcao da uniformidade da experiencia e maior a chance de descoberta de leis. (Titchener, 1909, p. 20) A introspecgao realizada pelos reagentes ou observadores do laboratério de Titchener era baseada em varios estimulos, proporcionando observagdes extensas e detalhadas dos ele- mentos de suas experiéncias. Por exemplo, um acorde com trés notas seria tocado no piano. Os observadores tinham que relatar quantos sons separados eles conseguiam distinguir, Capiruto 5 ESTRUTURALISMO 115 2s caracteristicas mentais dos sons, € quaisquer outros Atomos basicos ou elementos cons- cientes que pudessem detectar. Outro experimento envolvia uma determinada palavra falada em voz alta. Como qitchener descreveu, pedia-se ao reagente que “observasse 0 efeito que °Ss6 estimulo produz sobre a consciéncia: como a palavra afeta a pessoa, que ideias veem a mente, e assim por chante” (Titchener, 1910, apud Benjamin. 1997, p. 174). Pode-se ver Por esses exemplos por que os observadores no Jaboratério de Titchener tinham que ser rigorosamente treinados, = como suas observacbes eram necessariamente subjetivas, ou qualitativas. 0s Elementos da Consciéncia Titchener apresentou trés propostas basicas para a psicologia: 1. reduzir os processos conscientes aos seus componentes mais simples; 2. determinar as leis de associagiio desses elementos da consciéncia; 3. conectar os elementos as suas condigdes fisiologicas. ‘Assim, as metas da psicologia estrutural de Titchener coincidem com as das ciéncias naturais, Depois de decidir a parte do universo natural que desejam estudar, os cientistas fentaram descobrit seus elementos para demonstrar como ¢les compdem um fendmeno complexo e para formular as leis que os governam. A parte principal da pesquisa de Ti- tchener dedicava-se ao primeiro problema: descobrit os elementos da consciéncia. Titchener definiu trés estados elementares da consciéncia: © estado da sensacio, 0 da imagem e 0s estados afetivos. As sensacdes sao elemento’ pasicos da percepcao e esto presentes nos sons, nas visdes, nos cheiros ¢ nas outras experiéncias provocadas pelos bjetos ffsicos do ambiente. As imagens sdo elementos das ideias e esto no processo que reflete as experiéncias nao realmente presentes no momento, come 3 Jembranca de uma experiéncia do passado. Os estados afetivos, ou as afeicoe®, 520 elementos da emocao ¢ cneontram-se nas experiéncias como 0 amor, 0 Odio € a tristeza, tim An outline of psychology (1896), Titchener apresentou a lista dos elementos da sensagdo descobertos nas suas pesquisas. Sao cerca de 44.500 qualidades sensoriais individuais, sendo $2,820 visuais e 11.600 auditivas, Cada elemento é considerado consciente distinto dos demais, podendo haver a combinagio entre eles para a formagao das percepces ¢ das ideias. Tmbora basicos e irredutiveis, os elementos mentais podem ser categorizados, do mesmo modo que 0s elementos quimicos sdo agrupacios em classes. Apesar da simplici- dade, os elementos mentais sao dotados de atributos distintivos. ‘Aos atributos de qualida- de ¢ intensidade definidos por Wundt, Titchener adicionou a duracao e a nitidez. Essas quatro caracteristicas eram consideradas fundamentais, {4 que est4o, em certo grau, em toda experiéncia. + Quatidade é a caracteristica, como “frio” ou “vermelho”, que distingue claramente um elemento de todos os demais. « Intensidade refere-se a for¢a, fraqueza, sonoridade ou brilho de uma sensacao. © Duracao 6 0 curso da sensagio ao longo do tempo + Nitidez refere-se a funcio da atencao na experiencia consciente; uma experiencia no foco da nossa atencio mais nitida do que a que no seja alvo da nossa atengao. 116 Historia D4 Psicovocia MODERNA As sensagdes e as imagens possuem todos esses quatro atributos, todavia os estados afe- tivos stio dotados apenas de trés: a qualidade, a intensidade e a duragao, nao possuindo a nitidez, Por qué? Titchener acreditava ser impossivel concentrar a atenco diretamente em uum elemento de emocao ou sentimento. Quando tentamos fazé-lo, a qualidade afetiva, como a tristeza ou a satisfacdo, desaparece. Alguns processos sensoriais, especialmente a visio e © tato, so dotados de outro atributo, a extensao, j que envolvem a nocao espacial. Todo proceso consciente pode ser reduzido a um desses atributos, As descobertas feitas no laboratério de Kiilpe, em Wiirzburg, sobre o problema do Ppensamento sem ima- gens, nao fizeram Titchener mudar de opiniao. Ele reconhecia que algumas qualidades mal definidas podem ocorrer durante o pensamento, no entanto sfirmeva que, ainda assim, Melpe cn SensagGes ou. tmagens. Para Titchener-estava clato qua os obsarvadons de Kilpe sucumbiram ao erro de estimulo por concentrarem mais aten¢ao nos estimulos do objeto do que nos préprios processos conscientes, Os alunos da p6s-graduagao de Cornell realizaram muitas Pesquisas relacionadas Sonar aatados afetivos e suas constatacoes levaram Titchener a rejeitar a teoria tridimen- sional dos sentimentos de Wundt. Titchener alegava estar o afeto presente em apenas uma dimensao ~ no prazer/desprazer ~e rejeitava as dimensoes de tensao/relaxamento e excitacao/depressao definidas por Wundt. No final da vida, Titchener alterou de forma significativa a sua Psicologia estrutural Comecou a trabalhar no que imaginava ser a exposicao completa do seu sistema. Por volta de 1918, nao abordava mais o conceito de elementos mentais nas aulas ¢ afirmava ae @ Psicologia devia dedicar-se ao estudo das dimensées ou dos processos mentais mais amplos ~ qualidade, intensidade, duracao, nitidez e extensio —e nao dos elementos basi- cos. Alguns anos mais tarde, escreveu a um aluno de P6s-graduagao: “Desista de pensar eae mos de sensacBes ou afetos. Esses conceitos eram validos ha 10 anos, mas hoje esto completamente desatualizados. (...) Pense em termos de dimensbes c nae de cons- ‘tuctos sistematicos como a sensacao” (Evans, 1972, p. 174). Na década de 1920, Titchener colocou em dtivida o uso do termo “psicologia estru- tural’ ¢ Passou a chamar sua abordagem de psicologia existencial. Reavalion seu método de introspeccaio e adotou o tratamento fenomenolégico, examinande experiéncia como um todo e nao dividida em elementos, Essa mudanga de perspectiva foi drastica e, se Titchener tivesse vivido tempo suficien- ic Para implementé-la, ele teria alterado radicalmente o destino e a visdo de psicologia ccreial. Essas ideias supdem flexibilidade e abertura para mudangas que os cientistas acreditam possuir, mas que nem sempre sao capazes de demonstrar, As Provas dessas mudangas foram reunidas pelos historiadores mediante a andlise curidadove de cartas e aulas de Titchener (veja Evans, 1972; Henle, 1974). Embota nao tenham sido incorporadas formalmente ao seu sistema, essas ideias indicam a diregao para a qual ele seguia, mas a morte o impediu de atingir esse objetivo. Criticas ao Estruturalismo Muitas vezes, as pessoas ganham notoriedade na historia porque se opoem a um ponto de wren, mais antigo, mas no caso de Titchener nao foi bem assim, pois ele se mantere firme, eee ano quando todos haviam mudado de opiniao. Na segunda década do século XX, 0 PeREERAI Sethclnctesdl matics e-surnmren Neier amma, 2008. sixdeieys Horne he Capiruto 5 EstRUTURALISMO 117 qitchener permanecia o mesmo. Consequentemente, varios psicélogos chegaram a conside- cara psicologia estrutural uma tentativa fuitil de ater-se a principios e métodos antiquados. © psicélogo James Gibson, que conheceu Titchener ja quase no final da vida, observou que, embora ele “inspirasse verdadeira admiragao (...) a minha geracao prescindia da sua seoria ou do seu método. Sua influéncia estava em declinio” (Gibson, 1967, p. 130). Titchener acreditava que estava estabelecendo uma base para a psicologia, no entanto seus esforcos fizeram parte apenas de uma fase da historia da disciplina. O estruturalis- mo morreu juntamente com Titchener. O fato de se ter mantido por tanto tempo deve-se exclusivamente a admiracao por sua personalidade dominadora. Griticas a Introspeccao ‘As criticas mais relevantes em relagdo ao método de introspeccao estavam voltadas ao tipo de observacao praticada nos laborat6rios de Titchener e Kiilpe, que lidava com relatos sub- jetivos de elementos da consciéncia, diferentemente do método de percepgao de Wundt, © qual lidava com as reacdes mais objetivas e quantitativas ao estimulo externo. A introspeccao, no sentido mais amplo, foi empregada por décadas, e as criticas ao método nao eram novidade. Um século antes do trabalho de Titchener, 0 filésofo alemao Immanuel Kant declarou que qualquer tentativa de introspeccao alterava necessariamen- te a experiéncia consciente observada, porque introduzia uma variavel de observagao no contetido da experiéncia consciente. O filésofo positivista Auguste Comte criticou 0 método introspectivo, alegando que, sea mente fosse capaz de observar as proprias atividades, teria de se dividir em duas partes: uma observadora e outra observada e, para ele, obviamente, isso era impossivel (Wilson, 1991). A mente é capaz de observar todos os fenémenos, exceto os proprios. (...) © drgtio observador e observado neste caso é 0 mesmo ea sua acdo nao pode ser pura e natural. Para realizar uma observacio, 0 intelecto deve fazer uma pausa em sua atividade; no entanto essa é exatamente a atividade que se deseja observar. Se essa pausa ndo for possivel, sera impossivel realizar a observacao; e, se for possivel, nao haverd objeto a ser observado. Os resultados desse método so igualmente proporcionais ao seu absurdo. (Comte, 1830/1896, v. 1, p. 9) © médico inglés Henty Maudsley também fez criticas a introspeccao e falou sobre a psicopatologia: ‘Nao existe consenso entre os observadores da introspegao. Se houver concordancia, deve-se a0 fato de eles estarem rigorosamente treinados e, assim, produzirem observagdes parciais. (..) Devido a extensao patolégica da mente, 0 autorrelato € dotado de pouca credibilidade. (Maudsley, 1867, apud Turner, 1967, p. 11) Desse modo, muito antes de Titchener modificat e aprimorar 0 método, tornando-o mais preciso para adequé-lo aos métodos cientfficos, havia diividas substanciais a respeito da introspeccdo e as criticas continuaram. Um dos alvos das criticas era a defini¢4o, j4 que Titchener aparentemente tinha difi- culdades em definir exatamente o significado do método introspectivo. Ele tentava expl cA-lo, relacionando-o com condig6es experimentais especificas. 118 Historia D4 PSICOLOGIA MODERNA A direcao seguida pelo observador varia nos detalhes em relagao a natureza da conscién- cia observada, ao objetivo do experimento, [e] 4 instrugao dada pelo pesquisador. Assim, introspeccao € um termo genérico e abrange um grupo indefinido enorme de procedi- mentos metodoldgicos especificos. (Titchener, 1912b, p. 485) O segundo alvo das criticas 4 metodologia de Titchener estava relacionado com a tarefa exata que os observadores estruturalistas eram treinados para executar. Os alunos de pés-graduagao de Titchener, que serviam de observadores, eram instrufdos a ignorar algumas classes de palavras (as denominadas palavras com significado) que faziam parte do seu vocabulario. Por exemplo, a frase “Vejo uma mesa” nao era dotada de significado cientffico para o estruturalista; a palavra “mesa” possui significado, com base no conhe- cimento estabelecido e geralmente aceito, relacionado com a combinagio especifica de sensa¢6es que aprendemos para identificar e chamar 0 objeto de mesa. Portanto, a obser- vacdo “Vejo uma mesa” nao expressava, para o psicdlogo estruturalista, nada a respeito dos elementos da experiéncia consciente do observador. O interesse do estruturalista nao se concentrava no conjunto das sensa¢Ges resumido na palavra com significado, mas nas formas basicas especificas da experiéncia. Os observadores que respondiam “mesa” esta- vam cometendo 0 que Titchener chamava de erro de estimulo. Mas, se as palavras comuns eram ignoradas do vocabulario, como os observadores treinados descreveriam as experiéncias? Seria necessério desenvolver uma linguagem introspectiva. Titchener (e Wundt) enfatizava que as condi¢des experimentais externas deviam ser cuidadosamente controladas, de forma a permitir a determinaco precisa da experiéncia consciente. Assim, dois observadores teriam de vivenciar experiéncias idén- ticas e produzir resultados que se corroborassem mutuamente. E com a realizacao dessas experiéncias, praticamente idénticas sob condigées controladas, teoricamente seria possivel desenvolver para os observadores um vocabulario de trabalho com palavras sem signifi- cado. Afinal, é em virtude das experiéncias compartilhadas no dia-a-dia que as palavras familiares adquirem significados comuns a todos. A ideia da criacao da linguagem introspectiva nunca se concretizou. Havia muita discordancia entre os observadores, mesmo quando as condi¢6es eram extremamente controladas. Os observadores de laboratorios diferentes apresentavam resultados distintos Mesmo 0 individuos do mesmo laboratério, observando o mesmo material de estimulo, muitas vezes, ndo conseguiam obter a mesma observagao. Ainda assim, Titchener insistia que a concordancia acabaria ocorrendo. Se houvesse uniformidade suficiente nas desco- bertas introspectivas, talvez a escola do estruturalismo tivesse durado mais tempo. Os criticos também alegavam ser a introspeccio, na verdade, uma forma de retrospeccao, porque havia um intervalo entre a experiéncia e o seu relato. Ebbinghaus ja demonstrara que a taxa de esquecimento € mais elevada imediatamente ap6s a experiéncia, portanto provavel- mente parte dela se perdia antes da introspeccao e do relato. Os estruturalistas respondiam a essa critica de duas formas: primeiro, alegando que os observadores trabalhavam com o mini- mo intervalo e, segundo, propondo a existéncia de uma imagem mental primaria que supos- tamente mantinha a experiéncia na mente dos observadores até que pudessem relata-la. Observamos anteriormente que o proprio ato de examinar a experiéncia de forma introspectiva pode, de algum modo, alteré-la. Analisemos, por exemplo, a dificuldade de introspeccao de um estado consciente de ira. No processo racional de prestar ateng’o e tentar dividir a experiéncia em suas partes componentes, a ira provavelmente diminui- tia ou desapareceria. No entanto, Titchener continuava firme na sua crenga de que seus Capitulo 5 EstRuruRALISMO 119) spservadores treinados continuariam a realizar automaticamente a observacao, sem alterar conscientemente a experiencia. "a nogéo da mente inconsciente, proposta por Sigmund Freud no inicio do século XX veja no Capitulo 13), fomentou outta critica ao método introspective. Se, como afirmava Freud, parte da nossa fungéo mental era inconsciente, obviamente a introspeccao nao servia para exploré-la. Um historiador afirmou: Abase da anélise introspectiva estava na crenca de que todo o funcionamento da mente era passivel de observacio consciente e, se fosse possivel observar cada aspecto do pen~ samento humano e da emocao, a introspecco proporcionaria, na melhor das hipoteses, apenas um retrato fragmentado ¢ incompleto do funcionamento mental. Se a conscién- cia tepresentava apenas a ponta visivel do iceberg, com a maior parte da area da mente permanentemente encoberta pelas poderosas barreiras defensivas, a introspecca0 estava realmente condenada. (Lieberman, 1979, p. 320) Mais Criticas ao Sistema de Titchener A introspecgio nao era o tinico alvo das criticas. © movimento estruturalista fo! acusado de artificial e estéril na tentativa de analisar os processos conscientes a partir dos elementos bpisicos, Os criticos afirmavam nao ser possivel resgatar a totalidade da experiéncia partindo posteriormente de qualquer associac’o ou combinagao das partes elementares. Argumentavam {ue a experiéncia nao ocorria na forma de sensacoes, imagens ou estados afetivos individuais, vas em uma totalidade unificada, Parte da experiencia consciente perde-se inevitavelmen- te em qualquer esforco artificial de andlise. A escola de psicologia da Gestalt (Capitulo 12) partiu desse principio para lancar sua revolta efetiva contra o estruturalismo. ‘A definigao estruturalista da psicologia tornara-se alvo dos ataques. Nos anos finais da vida de Titchener, os estruturalistas haviam excluido varias especialidades do escopo da psicologia, porque elas nao estavam de acordo com a sua visdo de psicologia. Titchener nao considerava a psicologia infantil e a animal como psicologia. O seu conceito era t&o restrito gue nao permitia incluir 0s novos trabalhos feitos ¢ as novas direcoes que estavarh sendo exploradas. A psicologia ultrapassava a fronteira de Titchener, ¢ com muita rapidez. Contribuicées do Estruturalismo Apesar de todas essas criticas, os historiadores dao © devido crédito as contribuigdes de Titchener e dos estruturalistas. Seu objeto de estudo ~ a experiencia consciente ~ era cla- ramente definido. Seus métodos de pesquisa, baseados na observacao, experimentacio @ medicao, eram cientificamente 0s mais tradicionais. O metodo mais adequado para o estudo da experiéncia consciente consistia na auto-observa¢io, j4 que a consciéncia € mais bem percebida pela pessoa que a vivencia Embora 0 objeto de estudo € os propésitos dos estruturalistas ndo sejam mais funda- mentais, 0 método de introspecsao, mais amplamente definido como relato oral baseado ra experiéncia, ainda € empregado em diversas areas da psicologia. Ha pesquisadores da psicofisica que pedem aos observadores para relatarem se 0 segundo tom é mais alto ou mais baixo que o anterior. Ha relatos de pessoas expostas a ambientes incomuns, como falta 120 HisTORtA 0A PSICOLOGIA MODERNA de gravidade nos voos espaciais. Os relatérios clinicos de pacientes, bem como as respostas dos testes de personalidade € a andlise do comportamento, sao de natureza introspectiva. Os relatérios introspectivos que envolvem processos cognitivos como 0 raciocinio sao frequentemente usados na psicologia atual. Por exemplo, os psicdlogos industriais/orga- nizacionais obtém relatos introspectivos dos funcionirios a respeito da interagao com os terminais de computador. Essas informagées podem ser utilizadas para o desenvolvimento de componentes de computador de mais facil manuseio e méveis ergonémicos. Os relatos verbais baseados na experiéncia pessoal sao formas legitimas de coleta de dados. Além disso, a psicologia cognitiva, com seu renovado interesse nos processos conscientes, vem conferindo maior legitimidade a introspec¢ao (veja no Capitulo 15). Dessa forma, 0 méto- do introspectivo, embora diferente daquele visto por Titchener, permanece vivo € ativo. Outra contribuicdo importante do estruturalismo foi ter servido de alvo de criticas. O estruturalismo proporcionou o estabelecimento de forte ortodoxia contra a qual os mais recentes movimentos da psicologia puderam concentrar as suas for¢as. Essas novas escolas de pensamento devem sua existéncia a reformulacao progressiva da posicao estruturalista. Os avancos cientificos demandam a existéncia de uma oposicdo, Com o estruturalismo de Titchener sendo 0 alvo da oposicao, a psicologia superou seus limites iniciais. Temas para DiscussGo 1. Por que alguns dos alunos de pés-graduagao de Titchener engoliam tubos de borracha, levavam seus cadernos para o banheiro e registravam seus senti- mentos durante as relagdes sexuais? 2. Compare e aponte as diferencas entre as abordagens da psicologia de Titchener e Wundt. 3. Descreva 0 ponto de vista paradoxal de Titchener a respeito do lugar das mulheres na psicologia. Ele agia no sentido de ajuda-las em suas carreiras ou de discrimind-las? 4. Na perspectiva de Titchener, qual 0 objeto de estudo adequado para a psico- logia? Em que ela difere dos objetos das outras ciéncias? 5. O que é erro de estimulo? Dé um exemplo. Segundo Titchener, como 0 erro de estimulo podia ser evitado? 6. Qual a distingao tragada por Titchener entre consciéncia e mente? 7. Descreva 0 método de introspeccao de Titchener. Qual a diferenca entre o seu método e o de Wundt? 8. Descreva a diferenca entre experiéncia independente da pessoa que esta expe- rimentando, e experiéncia dependente da pessoa que esta experimentando. Dé exemplos. Segundo Titchener, qual tipo fornece dados para a psicologia? 9. Como 0 termo reagente, usado por Titchener, indicava sua visio sobre os observadores humanos ¢ as pessoas em geral? 10. Descreva os trés estados elementares da consciéncia e os quatro atributos dos elementos mentais de Titchener. Captruto 5 ESTRUTURALISMO 121 11. De que forma Titchener comecou a alterar o seu sistema no final de sua car- reira? 12. Que criticas haviam sido feitas ao método de introspec¢ao antes do trabalho de Titchener? 13. No que se basearam as criticas feitas a abordagem introspectiva de Titchener? Como ele respondeu a essas criticas? 14. Como Titchener diferenciava a inspecao da introspecc4o? 15. Segundo Titchener, qual o papel da retrospeccdo na pesquisa psicolégica? 16. Que outras criticas foram feitas a respeito do estruturalismo de Titchener para a psicologia? Quais as contribuigbes do estruturalismo de Titchener para a psicologia? Sugestées de Leitura ‘Angell, F. Titchener at Leipzig. Journal of General Psychology, n. 1, D- 195-198, 1928. Um colega da época de Leipzig descreve as qualidades pessoais ¢ os interesses de pesquisa de Titchener. Boring, E. G. A history of introspection. Psychological Bulletin, n. 50, p. 169-189, 1928. Apresenta detalhes praticos da forma de introspeccao adotada por Titchener e descreve 0 uso dos relatorios de introspeccao pelas posteriores escolas de pensamento psicolégico. Danziger, K. The history of introspection reconsidered. Journal of the History of the Behavioral Sciences, n. 16, p. 241-262, 1980. Analisa diversas visGes sobre a teoria ea pratica de introspeccao dos sistemas psicol6gicos britanico, alemao ¢ americano. Hindeland, M. J, Edward Bradford Titchener: a pioneer in perception. Journal of the History ofthe Behavioral Sciences, n. 7, p. 23-28, 1971. Discute a abordagem experimental de ‘Titchener a respeito da sensagao e da percep¢ao. Lieberman, D. A. Behaviorism and the mind: a (limited) call for a return to introspection. ‘American Psychologist, n. 34, p. 319-333, 1979. Analisa os argumentos histricos con- trdrios a introspeccdo, conclui que a maioria deles era Invalida ou tornara-se inade- quada e defende a aplicagéo mais ampla dos métodos introspectivos as questdes da psicologia moderna.

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