Você está na página 1de 6
t (testemunho \\ AI “CO Poeta FICA Em Novembro de 2010, 0 SOL conversou com a viliva de Sebastido da Gama e registou as suas memérias. A7 de Fevereiro assinalam-se os 60 anos do desaparecimento do poeta da Arrabida, que viveu apenas 27 mas deixou uma marca profunda em todos com quem privou ‘Texto de VLADIMIRO NUNES E ESTA HISTORIA FOSSE UM LIVRO, —_gaiol2. Um pintassilgo. Pois se eu servou, no inicio da conversa podia ser um romance: um romance _andasse zangado com a Vida, que com o SOL, a expresséo trance: sobre oamor,aperda ea permanéneia nfo ando (apesar de tanto mal que da. Instruida numa época em que fos afectos, sobre a beleza que foresce me tem feito, i tantas coisas boas _o intimo no era para expor, mui ‘nos Ingares mais espinhosos, onde so quea Vida dé eme da), era por cau to menos perante estranhos, a ‘os poetas sio.capazes de descobri-a.Poetas camo Se sadopintassilgo que me reconcilia-_vertlu: «Se houver alguma cols bastido da Gama, que conseguiu colhéla nas maio- ria com ela». ‘que eu no queira que fique gra- resadversidadese reveléla, intacta, atodos quantos -_Entre as tantas coisas boas que vada, digo». Nunca disse, ¢ogra- 6 leram ou privaram com ele. avida the dewesteve-esta ainda _vador continuou ligado quando ‘Vindo ao mundo em Vila Nogueira de Azeitio, 20 a mulher de quem a morte nio 0s sentimentos mais profundos rmejo dia e meia de 10 de Abril de 1904, tinha 14 anos 0 separou, Com o vigor de uma _irromperam a superficie, afas- ‘quando os primeiros sintomas de tuberculose éssea_jovem de 87 anos, Joana Luisa _tando definitivamente qualquer the ensombraram o futuro promissor. Mas, apesar da persevera nacruzada contraoes- _aparéncia de austeridade. sade frig, Schastido munca se desviou do ‘Itineré-_quecimento do seu ‘Bastia’, que a rio’ tragado em 194: «Meu caminho é por mim fora /_teve apenas 27 para deixar obra e imidade familiar 'Té chogar ao fim de mim / A encontrarme com gratas recordacoes. Polida nos Como em todos os grandes roman- Deus», Prova disso €o ter escrito duas semanas antes modos e desenvolta nos gestos, a cos, neste ¢ dificil dissociar a his- {do morrer: «Os meus vizinhos tem um bicho numa —vitivado'Poeta da Arrabida’con- _t6ria dos dois protagonistas. ee Joana Laisa, também ela criada | em Vila Nogueira de Azeitio, onde nasceu a 28 de Fevereiro de 1923, recorda: «0 Sebastigo era mais ‘novo do que eu no chegava a um ano. framos quase da mesma ida 4e,tinhamos a mesma maneira de pensar, viviamos em ambientes | parecidos... pai dele tinha um es- | tabelocimento ci em Azoitio ~ da | queles que havia antigamente, a | que agora chamam centros comer cials. Naquela altura chamavam- -semercearias -mas as merooarias tinham tudo, do petréleo ao baca- Tau. O pal dele tinha uma loja des- ‘sas, omeupaitinha outra, eas nos- sas mAes ndo tinham empregos, cestavam om casa, Havia muitas se- ‘melhangas entre as familias ‘Além de partilharem 0 mesmo ambiente social, os dois partilha- ram, literalmente desde erianeas, ‘o mesmo espagofisico. «Ble mora- vva ali A frente, eu morava aqui, nesta casa. Os nossos pais eram amigos e ele dava-se muito com 0 ‘meu irmio, Nos, as raparigas t- ‘nhamos as nossas amigas, que vi ‘ham brincar connosoo eo meu ir io ia brincar com 0 Sebastiao ~ ‘ou vinha ele brinear para cé. Com isso, havia uma certa intimidade familiar. famo-nos encontrando em festas, em serdes ou mesmo na rua e fomo-nos conhecendo, ‘Arrébida ‘Sera MAY desta grande {ipertiche. em 2006, Sebastito em (Gatepos. em 1940 {A partir de 1998, por causa da doenga de Sebastio, ‘a proximidade tornowse mais espacada. «Quando ‘ele adoeceu, 0 pal, para evitar que ele fosse interna do no Sanatério do Outio, perguntou ao médico se no seria o mesmo o Sebastido ir viver para a Arré- bida, porque néo podia pensar em ter 0 filho hospi- talizado - uma tuberculose éssea, naquele tempo, ‘eram anos de hospitalizacao. Eo médico disse que sim, queseele tinha facilidade em ir viver para Ar- ‘rabida, 0 iodo da serra até era mais efcaz do que 0 {do Outio, Os meus {futuros} sogros, coitadinhos, de- sorientaram a vida deles toda e alugaram uma casa para o filho ir para lé com a mie, estava o Sebastio ‘no quarto ano do liceu. O pat ficou em Azeitéo, por- que tinha de estar na mercoaria,oia as vezes que po- dia dormir & Arrabida com a mulher e como filo» Estas novas contingincias ndo s6 impuseram wma ‘enorme ginastica para manter alguma normalidade nas relagées familiares como colocaram sérios entra ves a0 percurso Educada numa «adémico do Jo vem enfermo. €poca eM que —avessa altura, 0 0 intimo nao = era muito inteli- fa para EXPOF, eee queriacan Joana Luisa tinuar os estudos, advertiu: «Se eee houver alguma semanas ia um coisa que eu cepa tee no queira que etree ots fique gravada, sim que fez0 quin- to, sextoe sétimo digo».Nunca sere disse para a Faculdade de Letras [de Lis- boa, em 192] Bra aliuo externoe pareceme ques ti- ‘nha a obrigacdo de frequentartrés aulas por semana. ‘Umas veres, a eficava os trés dias em casa da familia Lisboa, porque 0 Eurico Lisboa também foi colega dele na faculdadee eram muito amigos. Outras veaes ine vinha», lembra Joana Luis. ‘Carnaval em verso O particular dos estudos 6 dos poucos em que. histé- ria dela diverge em muito da dele. Enquanto Sobas- {ido cursou Filologia Romania ~efez amizades dura- douras com cologas de faculdade como Luis Filipe Lindley Cintra, Matilde Rosa Arato, David Mourao- Ferreira ou Maria Barroso -, Joana Luisa manteve. -se refém dos preceitos e preconceitos da época, «NO ‘nosso tempo as raparigas nao estudavam porque era preciso sairem decasa, Alguma vez omeu pai consen- tia que uma filha safsse de casa? Consentia quenés-> 49 estudssomos por escrito, por correspondéncia. 0 ‘meu irmio fo estudar porque era rapaz, 0 Sebastiso estudou porque era rapaz, e as raparigas ndo estuda- ‘vam porgue tinham era de saber tratar da casa. Fa- ‘amos quarta clase -aquilo que havia aquina ter- +a, porque liceu ou escola téenia 86 em Setibl © depois éramos preparadas para a vida. Aprendiamos tudo quanto uma mulher precisa de saber para no ‘agar a ninguém que ofaga. Bu estude fo depots, «quando jf pda dizer que pensavay. 'Mesmo assim, pelo menos num aspect, consegult impor sua iberdade de pensamento, Ter umempre- 0 também estava fora de questio, mas como eu era ‘um bocadinho teimosa eno me acomodava muito & ‘dia [de sor dependents, consegui que o meu pai me eixasse empregarme na Misericrdia de Azeitéo claro que ele lou contrariado, mas como aMisercsr- ia era ali eoquina ele quase me via sair de casa © entrar no trabalho, acabou por medeixar «Quando ele Fol af gue ee adoeceu, 1 qjudando nasom- Chorei e disse freely oa a minha mae: io, que ora muito a amigo da ania, en © Sebastiao sinowmetado quanto. Morre’ E ela era necessério para * tiaras crane respondeu: ajudélas depois em GO morre, oe Aeeeetinte nao, filha, O Nous ate nas S@DAStIGO ; emu Oqueerapreetso unCa morre’» exasabon. £m 1950, com a turma da Escols Veiga Birdo ue nsprouo Diana Foi ainda antes de Sebastido int- lar os estudos universitarios que, ‘.contade uma brineadelra de mi os, acontecou a aproximagao deci siva entre ele e Joana Luisa, «De- ‘viamos ter uns 16 ou 17 anos © hhouve um dia que o Sebastifo se lembrou de escrever a uma prima ‘minha, que também morava aqui neste prédio, uma carta de Carma: ‘valem verso sorriso)-A minha pri- ‘ma recebeu a carta e apareoeu-me em casa: ‘Otha I, eu recebi esta, carta, E agora? De quem sera”. E eu assim: im verso?! Otha,€ do Se bastido, de certeza’, ‘Ah, mas eu no selresponder a isto, "Endo del- aestar que respondo eu’. Bescrevi ‘uma carta, com uma grande versa Thada, respondendo a tudo aquilo ‘que el tinha escrito (risos), 'Na volta do correio, apareceu, nao outra carta, mas o proprio Se- Dastido, «Mandémos aquilo e, no dia seguinte, apareceu ele cf em casa: ‘O meninas, quem € que es- crovouesta carta?’Ai, nlofuieu’, ‘Bu nio ful’, nfo tinha sido nin- ‘guém. Até que desatei a rir e ele

Você também pode gostar