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Fortin, BJ., Cabarvos Esoosanos IV, v. 07226, 19 Referéncias bibliograficas 1. DESCARTES, R. Conversation with Burman. Trad. de J. Cottinghal Oxford, Clarendon Press, 1976, . Correspondance, in Euvres de Descartes, vols. I-TV. Ba io de Ch. Adam e P. Tannery (AT). Paris, J. Vrin, 1973-78, vols. Méditations Métaphysiques. Paris, Flammarioi . Principes de la Philosophie, in Zuvres de Descartes, IX-2. Edigdo de Ch. Adam e P. Tannery (AT). P: 78, 11 vi 5. GOUHIER, H. La pensée métaphysique de Descartes. Paris, J, Vi 1962. 6. GUEROULT, M. Descartes selon l'ordre des raisons. Paris, Aub 1953, 2 vols. é de la science et la vérité de la chose dang tésiennes de l’existence de Dieu”, in Etudes sur D @rnexvos Esmvosanos IY, A negacao do livre arbitrio e a acéo do soberano sobre a vontade dos stiditos segundo Hobbes Yara Frateschi* A questo do livre arbitrio é amplamente tratada por Hobbes em ‘tua polémica com o bispo arminiano Bramhall. E de antemao interes- ite frisar que, no Leviara, Hobbes se refere algumas poucas vezes & questo, sem entrar profundamente nos seus detalhes, sempre chaman- atengio do leitor para 0 seu caréter absurdo. O absurdo consiste n um abuso da linguagem e ocorre quando os homens proferem pala- que reunidas umas as outras nfo possuem significagio alguma coisa se da, por exemplo, quando os escolsticos jeriam a trindade, 2 transubstanciagdo, d substancia incorpérea, ou a ao livre arbitrio. Hobbes pergunta: “quando alguém escreve vo- lumes inteiros cheios de tais coisas, é porque esté louco ou porque pre- inde enlouquecer os outros?” (ibidem), No capitulo XXI da mesma obra, “Da Liberdade dos Sti s uma vez ele se refere ao livre arbftrio como um abuso d A liberdade significa a auséncia de impedimentos externos a0 jovimento (idem, p. 129). Este conccito negativo de liberdade é usado justificar a impossibilidade da aplicagdo da liberdade A vontade. is a palavra liberdade s6 pode ser aplicada a um corpo, e sempre que 0 for aplicada dessa maneira h4 um abuso da linguagem, pois “o que jo se encontra sujeito ao movimento nio se encontra sujeito a impedi- 10s” (ibidem). Daf que nao se pode dizer que a vontade ¢ livre, mas, 5 que um homem é livre: “do uso da expressao livre arbitrio nio € Mestranda do Departamento de Filosofia da Universidade de Si Paulo. ee Feavescu, ¥., Caneevos Eseosanos 1¥,p, 27-39, 1998 possivel inferir qualquer liberdade da vontade, do desejo ou da inclina- Gilo, mas apenas a liberdade do homem: a qual consiste no fato de ele iio se deparar com entraves ao fazer aquilo que tem vontade, desejo ou inclinagao de fazer” (ibidem), No capitulo XLVI, “Das Trevas Resultantes da Va Filosofia e das. Tradigdes Fabulosas”, 0 autor volta mais uma vez A questo, Nao por aieaso ela retorna neste capitulo em que Hobbes langa seu poder de fogo. {a ironia) contra 0 clero catélico e reduz os escritos dos escolisticos a lorrentes insignificantes de estranhas e barbaras palavras” (idem, p. 395). Estes atribuem a causa da vontade a uma faculdade, isto é, “a capacidade que os homens tm para quererem umas vezes uma coisa, outras vezes outra, a qual é chamada voluntas, fazendo da poténcia a causa do ato, como se se atribuisse como causa dos bons e maus atos dos homens a sua capacidade para praticd-los” (idem, p. 392). Dizem ainda, para disfargar sua ignordncia quanto as causas, que a fortuna é a causa das coisas contingentes. E, finalmente, sustentam a doutrina do livre arbitrio, isto é, “de uma vontade do homem nio sujeita & vontade de Deus” (ibidem). Vejamos brevemente como a questao se coloca no debate com o bispo John Bramhall. Fornecendo ao leitor um hist6rico da questio, Hobbes diz, no inf= cio do The Questions Concerning Liberty, Necessity, And Chance (1656), que Sao Paulo nunca usou o termo livre arbitrio, pois deriva to- das as ages da vontade irresistivel de Deus, enquanto nada deriva da vontade daquele que deseja. Mas, tempos atrés, os doutores da Igreja Romana exclufram a vontade do homem do dominio da vontade de Deus ¢ formularam uma doutrina segundo a qual no apenas o homem, mas. também a sua vontade, é livre; asseguram ainda que esta ou aquela ago niio 6 determinada nem pela vontade de Deus ¢ nem por causas neces= sirias, mas sim pelo poder da prépria vontade. E, embora esta doutrina fenha sido expulsa das igrejas reformadas por Lutero e Calvino, contit= do, anos depois, ela foi retomada pelos arminianos ¢ scus seguidores, “tornando-se a via mais ligeira para a sua promogio eclesidstica"™”) (Hobbes 3, p. 1). Esta posigio contrasta com aquela de tedlogos doutos, os quais suistentam que ndo esté sob o poder do homem agora escolher a vonta= eatescut, ¥,, Cabsanos Eseosanos IY, 27-39, 1998 de que terd dentro em pouco. Ambos concordam (os arminianos e seus seguidores, e os teolégos doutos ~ Calvino, Lutero © seus seguidores) com o fato de que o homem € livre para fazer 0 que quer e nao fazer 0 que niio quer. No entanto, os doutos negam que a vontade ¢ livre; afir- mam que 0 acaso nada produz; que todos os eventos e agbes tém causas necessarias; que a vontade de Deus faz a necessidade de todas as coi- sas. Os adeptos do livre arbitrio, no entanto, néo se contentam em dizer que 0 homem é livre para fazer 0 que quer, mas também sustentam que a vontade é livre para escolher o que iré querer. E, com isso, afirmam que, quando 0 homem quer uma boa agio, a vontade de Deus concorre com ele € que, de outra maneira, ela ndo concorre; que a vontade pode escolher se quer ou no; que muitas coisas ocorrem pelo acaso © sem necessidade. E ainda dizem que embora Deus saiba de antemao (fore- know) que uma coisa deverd acontecer, contudo nao é necessario que a coisa acontega (Hobbes 3, Prefécio). Pp Hobbes contradiz a doutrina destes tedlogos afirmando que nao € possivel conciliar a presciéncia divina com a doutrina do livre arbitrio (idem, p. 17). Vejamos como nosso filésofo desmonta o argumento de Bramhall, que pretende conciliar ambas as coisas. Bispo diz que 0 poder geral de agir vem a partir de Deus, mas, que a especificago deste poder bom e geral para, por exemplo, matar ‘ou qualquer outro mal particular, nto vem de Deus mas do livre arbi- vio (idem, p. 128). Hobbes responde: Deus néo sabia de antemio (fore~ know) que Uria em particular deveria ser assassinado por Davi em par~ icular? Como é que tal ato poderia no acontecer se Deus sabia de antemdo que tal ato deveria acontecer? E 0 mesmo que dizer que hé um poder que nao tem poder para fazer um ato particular, ou que existe um poder de matar que, contudo, nao mata ninguém em particular. O Bispo diz. que Davi tinha, a partir de Deus, 0 poder geral para matar Uria, € que no tinha, a partir de Deus (mas sim pelo livre arbitrio), o poder de aplicar este poder em especial para o assassinato de Uria. 0 que, em suma, € dizer que Davi tem o poder para matar Uria, mas nao para exercé-lo sobre Uria, isto é, ele tem poder para mati-lo, mas nao tem poder para maté-lo. O que é um absurdo (ibidem, p. 142). Frotescm, ¥., Cabennos Esenosanos IY. Em suma, Hobbes nao concebe a possibilidade de conciliar a d terminagao divina com o livre arbitrio. “Esta posigao segundo a qual homem € livre para querer elimina a presciéncia divina”, pois se a pre ciéncia divina deve ser sobre coisas que nao deveriio acontecer (ou qui poderio nao acontecer), néo hé presciéncia alguma, o que é uma gral de desonra para o poder de Deus (idem, p. 17). A contingéncia é, p tanto, negada. O que Deus conhece antecipadamente que deve ocorn ho pode sendo ocorrer, ow seja, € necessério.® Uma vez que todas coisas sdo pré-conhecidas por Deus, todas as coisas sao necessari (idem, p. 18). As agées que o Bispo pensa procederem da liberdade di vontade, tém causas necessérias, “pois € impossivel querer sem o pel samento do que se quer, ao passo que nao esté sob a escolha do hom ‘© que ele ira pensar” (idem, p. 19). © homem é livre, naquelas cois que estiio em seu poder, para seguir a sua vontade, mas nao é livre p querer, pois sua vontade nio segue a sua vontade. Hé escolha no hi mem, no entanto no se deve inferir dat que tal escolha nao seja “obi gada” (necessitated) pelas esperangas e medos, pelas consideragées bom e mal, os quais no dependem da vontade e ndo estio sujeitos escolha (Hobbes 4, p. 242). E preciso entender 0 mecanismo que conduz a escolha, isto & mecanismo da vontade, para se compreender a afirmagao de Hobbes, vontade € 0 iiltimo apetite na deliberagio. A memGria que temos conseqiiéncias das agdes dos homens (isto é, os sinais de honra € sonra que Ihes sto dados e as punigdes ou recompensas a cles atril as) determina a nossa escolha. A meméria dessas coisas procede sentidos, ¢ estes tiltimos procedem da operagao dos objetos dos sent dos, que so externos ands ¢ governados pela onipoténcia divina.) suma, ha causas necessdrias que fazem com que os homens queiral que querem (idem, p. 269). O caminho € 0 seguinte: dos objetos ext ores para os sentidos, dos sentidos para a memoria, da memoria pi deliberagao e entdo para vontade. De tal maneira que a vontade nao determina e nao é causa de si mesma, mas depende de pensamentos ( concepgSes, ou memiéria) que também nao so causa de si mesmos, dependem da ago dos objetos externos. Uma vez que nada move ct, ¥, CaDERNOS Esmosaxos IN 27-39, 1998 iesmo, a vontade no pode se automover, logo, a causa da vontade no la mesma, mas algo exterior a ela. Ao negar a contingéncia e o livre arbftrio dentro de uma perspec- iva “tcoldgica”, Hobbes insere uma questo de ordem politica funda- Wental para a manutencao da paz pablica. O soberano pode interferir Jiu cadeia de causas que culmina na vontade (e na ago), na medida em ive, através da punicao de um homem, “determina” a vontade e a aco outro. Vejamos como Hobbes introduz a questo na troca de farpas ive faz. com Bramhall Para Bramhall, se hd necessidade em todos os acontecimentos, suie-se que 0 elogio ou a repreensao, a recompensa ou a puni¢do, so JOS € injustos (idem, p. 248). As leis que profbem quaisquer ages, diz le, sero injustas, assim como as repreensdes, os conselhos, a glorifica- i0 ou a desaprovacdo dirigidos a homens que fazem uso da sua razio ilo Serdo mais siteis do que se feitos as criangas e aos loucos. Finalmen- 4.05 exércitos, os livros, 0 estudo, os tutores, serdo vaos (idem, p. 252). Hobbes nega, por sua vez, tanto a injustiga da lei que profbe as Ges quanto a inutilidade da recompensa e da puni¢do ou, ainda, do pio c da repreensio. Como pode um homem ser punido justamente por uma ago que poderia ter sido evitada, pergunta o bispo ao fil6sofo? Se tal ato € Witavel, isto é, se aquele que o pratica nao poderia ter feito de outro lo, como pode ele ser punido sem injustiga? Hobbes responde — pre- pao com a consequiéneia politica do ato de punir e nao com o pro- a teoldgico envolto na questo — que é justo punir um homem que contra a lei, pois tal é feito tendo em vista a correcao de um outro. € morto com justica, no porque suas ages ndo eram necessérias, porque eram nocivas (e é um direito de natureza defender-se do que ivo). A partir da necessidade da ago voluntiria, nao pode ser rida a injustiga da lei que a proibe (idem, p. 235). Suponhamos, diz es, que o furto seja proibido sob pena de morte e que um homem, lu forga das tentagdes, é “obrigado” (necessitaded) a furtar e, portan- morto. A punicdo & justa pois detém outros furtos, porque € causa que outros nao roubem. Ou ainda, ela nao é injusta, pois esté de ido com a lei que os homens fizeram e consentiram em obedecer.®) 32. titans cavemnco Haran eT Sea Devos EsnNosanos IV, r.27-39, 1998 33, = que tornam esta tiltima necesséria, nao como sua causa inteira mas como sua tiltima causa —_hé um espago para a interferéneia do soberano re as escolhas de seus stiditos, 0 que nao implica, evidentemente, a gago da onipoténcia divina. Uma vez que a vontade ¢ a ago seguem- se da opiniao acerca do que é bom ou prejudicial, o soberano pode agit sobre esta opinido, Quando pune a ago de um infrator, ele age sobre a gem “interna” da ago dos demais, que observam a punigio e memo- n a relagHo de causa e efeito entre a infracao e a punigio. Mas as estratégias para a manutengdo do poder do soberano ~ que » sdo sendo estratégias para manter as vontades dos stiditos em con- formidade com este poder ~ no passam apenas pela recompensa ou punicdo de fato. Faz-se indispensavel um discurso articulado em fun- fo da manutengao deste poder. Vimos que a vontade nao é livre na em que nao se determina a si mesma mas depende de pensamen- 9s, que também nao so causa de si mesmos pois derivam da agfio de jetos externos. Contudo, nesta cadeia causal, podemos incluit 0 dis- urs0, isto 6, 0 poder da palavra, como causa da vontade. Dada a forga jue exerce sobre a imaginagio, o discurso feito nos pilpitos causa nos Homens 0 temor de fantasmas e a supersti¢ao. O medo, por sua vez, de- ina a vontade e esta determina a aco, que neste caso no € outra weniio a desobediéncia civil. Hobbes pergunta na Parte IV do Leviata: quem, tendo medo de fantasmas, nao terd mais respeito Aqueles que bem fazer a Agua benta capaz de afast4-los dele?” (Hobbes 2, p. 389). { a necessidade que o soberano tem de controlar os medos (as pai- ‘es em geral) de seus stiditos. Dai, sobretudo, a necessidade de man- ler Sob seu controle a publicidade das idéias que acabam tendo dimen- Wes politicas (principalmente a publicidade que é feita dos pilpitos). {também que as promessas de recompensa ou de punigao (¢ no ape- lis a recompensa e a punicao de fato) devem partir dele ¢ somente dele. Compreendemos assim 0 esforco de Hobbes, na Parte III do jatd, em negar os castigos eternos apés a morte ¢ em atrelar a salva- ilo a obediéncia civil. Os temores ¢ as esperangas dos stiditos devem F controlados pelo soberano e nao pelos padres. E, neste caso espect- ico, trata-se do maior medo, o dos tormentos etetnos, ¢ da maior espe~ nga, a da vida eterna, Na abertura do capitulo XXXVIII do Leviara, E também nao é inttil, uma vez que é preventiva, na medida em que punigdo daquele que furta (ou agride voluntariamente) forma as vont des dos demais para a justiga. Deus € colocado no inicio da cadeia causal, sendo a primeira cal sa de todas as coisas. O soberano, por sua vez, pode (e deve) formar vontades dos seus stiditos através da punigio e da recompensa, confor mando as suas agdes com a paz. Vale lembrar uma passagem di Elements of Law onde este mecanismo de “determinagao” da vonta aparece de maneira muito elucidativa: Posto que a vontade de fazer é apetite, © a vontade de omitir € medo, as causas do apetite e do medo so também as causas da nossa vontide. Mas a proposta de beneficios e prejuizos, isto 6, de recompensa e de punigao, & a causa de nossos apetites e de nossos medos; e, portanto, também das: nossas vontades, na medida em que acreditamos que essas recompensas € prejuizos devem chegar a nés tal como nos so propostos.” (Hobbes 5, p. 145). Apesar de Hobbes enfatizar, no exemplo que dé 20 bispo, 0 el ‘mento da punigao, ndo devemos negligenciar o papel da recompensa: ¢ o da esperanga — na formagio da yontade. Nao podemos nos esques que os homens fundam o Estado nao apenas pelo medo da morte também pela esperanga de uma vida mais confortével. Diminuir a portincia desse fator nos levaria & conclusdo de que o soberano exe uma funcao exclusivamente negativa ¢ reforgarfamos assim apenas aspecto repressivo do Estado. O poder politico requer o controle vontades dos stiditos, 0 que é feito através de promessas tanto de recot pensa quanto de punigdo, as quais trabalham com as esperangas & medos dos homens. As escolhas dos homens decorrem das suas esperangas e medos das consideragdes de bem e mal que deles procedem. O que nos inl Tessa precisamente aqui € o fato de que as esperangas € medos, ass como as consideragdes mencionadas, nao dependem da vontad tampouco esto sujeitos & escolha (Hobbes 4, p. 242). E se a vont segue a diltima opinido ou julgamento imediatamente precedente & Fraresc ¥, Cabennos Esnnosans IV 9.27.39, 198 1998 35 Featesci, ¥, CApEnos ESPNOsANOS IV» 274 Hobbes explica por que é fundamental para a paz publica a andlise do i soberano civil (seja este iiltimo fiel ou nao). Sendo assim, no que diz significado da vida eterna e dos tormentos eternos: respeito aos atos externos dos homens, Deus exige que sejam stiditos 's U0 governante, No que diz respeito a fé, Deus exige que os cris- ios acreditem que Jesus € 0 Cristo, pois este 6 0 artigo fundamental de da a f€ crista ¢ os demais esto contidos nele e dele podem ser dedu- zidos (idem, p. 342-343). A reinterpretagao da imagem do inferno, a negagao dos castigos {ernos apés a morte eo atrelamento da salvagdo a obediéneia civil tém ma funcdo clara e precisa no tratado de 1651: minar 0 poder que 0 clero catélico exerce sobre a imaginagdo ¢ as paixées dos stiditos. E para isto € preciso garantir que as promessas de castigo ou recompensa estejam ado que a preservacdio da sociedade civil depende da justiga, e que a us- tiga depende do poder de vida e de morte, assim como de outras recom- pensas ¢ castigos menores, que compete aos detentores da soberania do Estado, é impossivel um Estado subsistir se qualquer outro, que nio 0 so- berano, tiver 0 poder de dar recompensas maiores do que a vida, ou de apli- car castigos maiores do que a morte. Ora, sendo a vida eterna uma recom- pensa maior do que a vida presente, e sendo os tormentos eternos um castigo maior do que a morte natural, € coisa que merece exame de todos os que desejam (obedecendo 2 autoridade) evitar as ealamidades da con- Bo dontnio de soborane civ. pebble Abbr aay aan ‘Ninz da histria mrad no Beemer (de 1668 sobre a casas © cometidas contra quem, pelas quais os homens receberio os tormentos Be gusta eivil HobbGa nostaz compres titer ae ay re ‘como so- etemnos, e quais as agdes que permitiram gozar uma vida eterna.” (Hobbes exereido sobre a imaginasao as paixOes dos sits (assim como so- 2, p. 265) re as suas vontades) determinou o rumo da politica: os presbiterianos haram a devogo dos ingleses devido a habilidade com que exerce- dos, diz ele, no queimardo eternamente no fogo do in fam este controle, 0 rei, inabil, ou excessivamente permissivo com os ferno, como pregam os padres, mas apenas sofrerao uma segunda e eter= pregadores, perdeu o poder e a cabega. ha morte, isto 6, ndo terio a vida eterna, O autor desmente que 0s no mes Diabo ou Satands refiram-se a uma pessoa individual, ou at governante do inferno onde supostamente queimariam os castigados p Deus. Tais nomes se referem apenas aos inimigos terrenos do Estado ( clero catélico). Da mesma maneira, Hobbes transfere o reino das trevs Notas + para este mundo definindo-o como “uma confederagao de impostores, que para obterem 0 dominio sobre os homens neste mundo present tentam por meio de escuras e erréneas doutrinas, extinguir nele a luz! (idem, p. 353) No dia do Jufzo, os corpos dos eleitos ganharao vida e viverfo eterna: mente no Reino de Deus, que ser na terra (idem, p. 266-267). Apeni duas coisas sao necessérias para a salvagio: a fé em Cristo e a obedién , i As leis civis (idem, p. 341). Deus quer que os homens obedecam seul > Telves Beeay iy GiFPE ANG 8 cre Oe ee soberanos, 0 que se verifica através das leis de natureza e das Escri a eT ie, ios du Filosofia Bias Haas geet bs rine osofia. Duas passagens s. Portanto, nao entra no Reino de Deus aquele que desobedecer sai cae para nossa comparacao. Diz Descartes: “E to evidente (1) Notamos aqui a preocupagao de Hobbes com as conseqtiént icas da questao. A promocio eclesidstica nfo € saudavel (prine nente quando se trata de uma idéia originalmente papista) para a vida civil. Sobre esta passagem ver Skinner 6, p. 381 Pratesci,¥., CaDesvs Espisosanos IV, r, 27-39, 1998 que ha liberdade em nossa vontade, e que, em muitos casos, temos 0 poder de dar ou negar consentimento quando bem entendemos, que isso deve ser tido como uma das nogdes primeiras € mais comuns que em) 1n6s so inatas” (Descartes 1, I, art, 39). E logo em seguida acrescentaz ..temos uma concepezo clara e distinta de que 0 poder de Deus [pel qual ele deseja ¢ predestina todas as coisas] € infinito, mas nao pode= mos ter dele suficiente compreensao a ponto de ver como deix indeterminadas as ages livres dos homens” (ibidem, art. 41). Descat tes concilia a predestinagdo divina com a liberdade da vontade, aind: que aceite 0 fato de no podermos compreender como Deus — qui predestina todas as coisas ~ deixa indeterminadas as agdes livres do} homens. Certamente Hobbes ni aceitaria tal conclusio. (3) Bum coneurso de causas que obriga, ou seja, torna necessaria tods ago. Causas estas que sio determinadas pelo concurso das primeir: ‘tusas que so estabelecidas e ordenadas pela causa eterna, isto €, si decretos de Deus (cf. Hobbes 3, p. 245). De tal maneira que o ditimt ditado do julgamento, ao qual se segue uma ago, ndo é causa total dest agdo, mas a sua tiltima parte; e produz o efeito necessariamente. Assi desaparece a idéia tradicional de “agente livre”. O homem tem a libt dade de fazer o que ele tem a “fantasia” de fazer, embora nao esteja sof sua vontade escolher sua “fantasia” ou sua vontade (idem, p. 247). “agente livre” nao é aquele que, quando todas as coisas necessarias pi a produedo do efeito esto presentes, no obstante pode nio produzi efeito. Isso implica uma contradigao, O “agente livre” nao é aquele qi é livre para querer, mas sim aquele que é livre para fazer. E ele $6 6 li para fazer quando nao é impedido por obstaculos exteriores. (4) © que aparece publicado nas Obras Completas da edigo Mol worth com 0 titulo Of Liberty and Necessity 6 uma carta escrita Hobbes, em 1646, onde o autor critica a posi¢ao do bispo John Bram acerca do livre arbitrio. A primeira edigao desta carta (de 1654) foi f ta, pelo que diz nosso autor, sem seu conhecimento, No tratado ultel de 1656, Questions Concerning Liberty, Necessity and Chance, Hobl diz que tinha uma série de razes para nao querer tornar puiblico o debate com Bramhall (tendo em vista as questdes de que tratava), que alguém havia obtido uma c6pia de sua carta editando-a sem resco, ¥, CAnERNOS Espisosanos IV p 27-29, 1998 conhecimento e contra a sua vontade (Hobbes 3, p. 25). Ele conta que um gentil-homem francés havia tomado conhecimento da carta mas no havia compreendido a linguagem nela empregada e, entZo, Ihe pediu utorizago para que um jovem inglés a interpretasse. Hobbes nao ne- fou o pedido do francés, permitindo que o jovem inglés fizesse 0 traba- Iho. Mas este tltimo, tendo a carta em suas mos, nao hesitou em publicé-la (ibidem). Skinner sugere que talvez o preficio endereado "To The Sober and Discreet Reader” tenha sido escrito pelo jovem tra- vesso (Skinner 6, p. 379). (5) Deve-se notar que, se aqui Hobbes reforga que Deus é a primeira ‘usa de todas coisas, no De Corpore ele diz que 0 movimento € a pri- meira, nica e indemonstravel causa de todas as coisas. Como compa- fibilizar as duas afirmagGes? Esta é uma questao que requer andlise. (6) Cf. Hobbes 2, p. 161: “E também que as leis sdo as regras do justo e ilo injusto, ndo havendo nada que seja considerado injusto e nao seja eontrério a alguma lei”. (7) 0 Bispo replica dizendo que Deus nfio pode punir justamente um Hiomem com tormentos eternos por ter feito aquilo que nao poderia ter Meixado de fazer. Hobbes pergunta: “qual € a evidéncia que 0 Bispo tem je que o homem deverd sofrer tormentos eternos apés a morte?” Nao leveriamos pensar que Deus é to cruel a ponto de afligir os homens mn tormentos eternos e nao hi nada nas Escrituras que afirme uma tal isa, pois os homens sofrerdio apenas uma segunda ¢ eterna morte. jobre esta questo, ver Hobbes 2, cap. XXXVIIL iN) As citagdes da Parte I dos Elements of Law séguem a tradugiio por- iguesa de J. Aloisio Lopes publicada com o titulo A Natureza huma- ui, pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, de Lisboa, 1987 A partir do que foi dito acima podemos talvez compreender também fazio pela qual o autor, j4 no primeiro capitulo do Leviatd (obra jntrada na questo politica), nega a existéncia de species. Ao tratar da isacio, Hobbes afirma que a sua causa € o objeto externo, mas que, jniudo, ela nada mais € do que uma ilusio causada pelo movimento ik coisas exteriores em nossos érgios dos sentidos. Sendo assim, as lulidades que percebemos so movimentos em nés, uma ilusio ou uma nagem, tal que o sujeito da sua ineréncia nao € 0 objeto, mas aquele que sente. E um engano achar que os acidentes ¢ as qualidades existam no mundo. Contudo, diz nosso autor, “as escolas de filosofia, em todas Universidades da Cristandade, baseadas em certos textos de Arist6= teles, ensinam outra doutrina e dizem, a respeito da causa da visio, que a coisa vista envia em todas as diregdes uma species visivel, ou tradus zindo, uma exibi¢ao, aparigao ou aspecto visivel, ou um ser visto, cuja recepgiio nos olhos € a visio” (Hobbes 2, p. 10). Seré que esta critica se restringe ao aspecto cognitivo no qual ela aparece? Talvez.o proble= ma seja também de ordem politica. Uma passagem dos Elements of Law nos ajuda a pensar esta questo. Quando trata da coeréneia dos-pensa= s (cuja origem esti na sensacHo), Hobbes fornece ao leitor um exemplo interessante e bastante engragado, pois por mais preocupado que pareca estar (ou de fato esteja) com o problema, o caso narrado tem: uma conotagdo politica, Diz ele: “... de Santo André a mente desliza para So Pedro, porque os seus nomes foram lidos juntos; de Sao Pedro para pedra, pela mesma causa; de pedra para fundagdo, porque 0s ve= ‘mos juntos; e pela mesma causa, de fundagao para igreja, de igreja para povo, e de povo para tumulto” (Hobbes 5, p. 67). Se a existéncia de spe= cies implica a existéncia de substancias incorpéreas, podemos imagi- har a seqtiéncia de pensamentos que tero aqueles que acreditam em tal doutrina: de species para substancias incorpéreas; de substincias incor pOreas para fantasmas; de fantasmas para égua benta; de agua benta pars padre; de padre para igreja; de igceja para guerra civil sci, ¥., Cabenvis EsrinosAnos 1Y,r. 27-39, 1998 Referéncias bibliograficas |. DESCARTES, R. Principios da Filosofia. Sao Paulo, Hemus, 1968 2. HOBBES, T. Leviatd, So Paulo, Abril Cultural, 1983 3. The Questions Concerning Liberty, Necessity, and Chan- ce, clearly stated and debated between Dr. Bramhall, Bishop of Derry, and Thomas Hobbes of Malmesbury. In English Works, ed. Molesworth (1843), vol. 5; reimpressio_ Aalen, Scientia Verlag, 1961-66. Of Liberty and Necessity. In English Works, ed. 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