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CONHECIMENTO OBJETIVO ‘KARL R, RorPen © maior milagre do universo € possivelmente o conhecimento humano, Como, porém, 0 homem adquire conhecimento € o faz cres- cer? De que modo, especialmente, age a ciéncia para progredir, subs- tituindo teorias antigas por outras novas ¢ melhores, em incessante Procura no rumo da verdade? No pasado, e até recentemente, a teoria do conhe ‘5 humano tem sido principalmente subj ta. Mesmo 0 conhecimento ci fico vinha sendo encarado como do. Karl Popper rompe com esta secular tradigdo, que pode ser data- da de Arist6teles. Sendo realista ¢ fall © autor considera 0 conhecimento cientifico, expresso em linguagem humana, nfo como uma parte de nés mesmos, mas como sujeito, ¢ sempre assim devendo ser, a critica objetiva. Esta age como uma espora, para levar-nos sempre & frente, e como uma rédea, para impedir que saia- ‘mos voando em abstragdes vagas. E 6 por meio da constante selecdo critica, num processo evolucioné- rio, que o conhecimento pode aumentar ¢ ser renovado. Esta € a tese fundamental deste livro, que 0 autor debate com argu- 1 COLECAO ESPIRITO DO NOSSO TEMPO A SOCIEDADE ABERTA E SEUS INIMIGOS (2 vols) — Kar R. POrPar ‘Tradugio de MILTON Amano, A CONDUTA DA VIDA — Lewis Musronn ‘Tradugdo de New R. a Suva. A LIBERDADE DO HOMEM — Pav Wi ‘Tradugio de Nett, R. DA. SILva. 0 ROMANCE AMERICANO — CARL VAN Dons ‘Tradueio de Net, R, pA. SIVA PANORAMA DO ROMANCE AMERICANO — Enwano /AGNEKNCHT ‘Tradugio de ESTiteR DE CARVALH HARMONIA POLITICA — JoXo Camo og Ouivera Tonnes. MANIFESTO DEMOCRATICO — Feapixann Penourka ‘Traduglo de Net R, DA Sttva. A CULTURA DAS CIDADES — ‘Traduglo de Nett, R, DA 0 NOME SECRETO — ‘Tradugio de M. 7, LIMA Tonnes. A FORCA DA TERRA — Aumnep Kazin ‘Traduglo de ARTHUR L. SMITH A RECONSTITUICAO DA SOCIEDADE — Watren Live ‘Tradugdo de Nex, R, pA Sttva A CIDADE NA HISTORIA (2 vols.) — Lewis MUMPoRD ‘Tradugio de Neil, R, DA SILVA CONHECIMENTO OBJETIVO — Kart R, Porres ‘Traduefo de MILTON AMADO Reitor: Prof. Dr. Orlando Marques de Paiva EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SAO PAULO Presidente: Prof. Dr, Mario Guimaraes Ferri Comissao Editorial Presidente: Prof, Dr. Mério Guimardes Ferri (Instituto de Biociéncias. Membros: Prof. Dr. Ant Cunha Instituto de Biociéncias, Prof. Dr. Carlos da silva Lacaz (Faculdade de Medicina), Prof. Dr. Pérsio de Souza Santos (Escola Politécnica) e Prof. Dr. Roque Spencer Maciel de Barros (Faculdade de Educacao) 30 OY 93> C.cegos robes ato ce o8 13 45659) frastle FICHA CATALOGRAFICA (Preparada pelo Centro de Catalogacio-na-fonte, ‘CAMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP] 2, Teoria do conhecimente cppazi 161 iees para 0 catélogo sistemético: Conhecimento : Teoria ; Metafisica : Filosofia Epistemologia : Metafisiea : Filosofia 121 Indugio : Légica 1 Teoria do conhecimento : Metafisien : Pilosofin, CONHECIMENTO OBJETIVO COLEGAO BSPIRITO DO NOSSO TEMPO 13 CLAUDIO MARTINS &s LIVRARIA JTATIAIA EDITORA SIR KARL R. POPPER CONHECIMENTO OBJETIVO Uma Abordagem Evolucionaria Tradugdo de MILTON AMADO EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SAO PAULO EDITORA ITATIAIA LIMITADA ‘Titulo da edigao original inglesa OBJECTIVE KNOWLEDGE AN BYOLUCIONARY ArPADAC (Traduside da edigéo de 1973, corvigida Publicado pela OXFORD UNIVERSITY PRESS — LONDON) © KARL R. POPPER, 1972 Dedieado ALFRED TARSKI 1978 Direitos autorais para a lingua portuguesa adquiridos pela EDITORA ITATIAIA LIMITADA de Belo Horizonte PREFACIO. FENOMENO do conhecimento humano é, sem diivida, 0 maior milagre de nosso universo. Constitui um problema que nao seré resolvide em breve e estou longe de pensar que 0 pre- sente volume dé a sua solucdo uma contribuicdo ainda que pequena, Espero, porém, ter ajudado a reiniciar um debate que hd trés séculos tem estado atolado em preliminares. Desde Descartes, Hobbes, Locke, e sua escola, que Inclui nao sé David Hume mas também Thomas Reid, a teoria do conhecimento humano tem sido amplamente subjetivista: 0 co- nhecimento tem sido encarado como um tipo especialmente se- ‘puro de crenca humana, € 0 conhecimento cientifico como um tipo especialmente seguro de conhecimento humano, Os ensaios deste livro rompem com uma tradicao que pode ser rastreada até AristOteles — a tradi¢ao dessa teoria do co- nhecimento, de senso comum. Sou grande admirador do senso comum, que, afirmo, é essencialmente autocritico. Mas, se estou disposto a sustentar até 0 fim a verdade essencial do realismo do senso comum, considero a teoria de senso comum do conhe cimento como wna asneira subjetivista. Essa asneira tem dor ocidental. Tenho tentado erradicd-la ¢ substi tui-la por uma teoria objetiva do conhecimento, essencialmente conjectural. Isto pode ser uma pretensio audi ‘mas iio peco desculpas por ela. Sinto, porém, que devo desculpar-me por certas sobrepo- sigdes: deixel os vdrios capitulo, publicados anteriormente ou ndo, quase no préprio estado em que foram escritos, mesmo quando se sobrepunham parcialmente. Esta € também a razdo nos Capitulos 3 ¢ 4, em “segundo” bora prefira agora falar em 3 Kart R. Porrer Penn, Buckinghamshire 24 de julho do 1971 SUMARIO 1. CONHECIMENTO CONJECTURAL: MINHA SOLUGAO DO PROBLEMA DA INDUCAO 8 a Indugio, M2 — 5 — Con Problema’ Légieo 18. — Coment ico, 18. : Verdade, 23, Dabilidade, 28, 9 — Preferéncia Bases de Minha Reformalagio do Problem Indugio de Hume, $8. 11 — Reformulagio do Problema Pricologico de. Indugio, 96. 12 "0. Problema Tract ‘onal do Indugio ea Thvalidade de Todos os Principios ou Regras de Indugo, 97,18 — Além dos Problemas ¢ 1 dugio e Demareacio, 2, DUAS FACES DO SENSO: ARGUMENTO A FAVOR DO REALISMO DE ce CONTRA A TEORTA DE SENSO COMUM DO CONHECIMENTO. a 1 — Em Desealpa_da Filosofia, a1 — 0 Ponto de Partida Inseguro: Senso Comum e Critica, 42, § — Con- traste com Outros Processos, 44, 4.— Realismo, 45. 5 — Argumentos em Prol do Realismo, 48. 6 — Obser- vyagies sobre a Verdad Verdade eConte 51, 7 — Contevdo, Contesido de alsidade, 68.8 — Observagies , 55, — Veroasimilitude © 10 — Verdade e ‘Alvos, 63.11 — Comentarios sobre aa. Nog jade e Verossimilitude, 63,12 — A Errénea Teoria de Senso Comum do Conhecimento, 68 ‘Teoria de Senso Comum do Conhecimento, 68 tien da Teoria. Subjetivista do Conhecimento, 70 0 Carter PréDarwiniano da Teoria de Sneso Comum a9 16 — Esbogo de uma Epistemologia V1 — Conhecimento de Base © Pro- blemas, 7. Impregnado de Teoria, Ine 18 — Retros- peeto sobre » Epistemologia 5 1. 20 — Co. nhecimento no Sentide Objetivo, 21 — A Procura d Certern e a Principal Fraqueza da Teoria ¢ do Conhecimento, 79. 22 — Observacoes Ai fa Certera, §1, 23 — O Método da Cincia, 84,24 — PreferénciaRacional e 0 Problema. du ise de nossas Escolhas © Predigeds, 85. 25 — Citn- cia: 0 Crescimento do Critien Inventiva, a8, Uma Reflezdo Deer nduedo, 88. 26 — Os’ Problemas de Causagio © Indueao, de Hume, 88, 2M — Por que o Problema Légico da Indugio de Hi mais Profundo do que seu Problema da. C: 2B — Intervengho de Kant: Conhecimento G 29 — A Solugdo do Paradoxo de Hume: Restai Racionalidade, 95, 30 — Confusses Ligadas ao Pi da Indugio, 98. Brvé de Just 3, EPISTEMOLOGIA SEM UM SUJEITO CONHEC 1 — Tris Testes sobre Bpistomologia e 0 Te 108, "2 — Uma Abordagem Biolbgiea do Tereeiro Mu eldgho @ Critiea da Bpistemologia Subjetivismo em Légiea, Teoria da Probabilidade e Ciéncia Fisice, 188, 8 —-A Logica e a Biologia da Descoberta, 141." 9 — Descoberta, Humanismo e Autotranszendén- cin, 144 4. SOBRE A TEORIA DA MENTE ORJETIVA 1. —Pluralismo 5. A META DA CIENCIA Bibliografia Selecionade, 191. Nota Bibliogrticn, 192 10 180 6, DE NUVENS E RELOGIOS Uma Abordagem do Problema da Racionalidade e da Liber- dade do Homem. TA SVOLUCKO E A ARVORE DO CONHECIMENTO 1 — Algumas Observagies sobre Problemas e 0 Crescimen to do Conhecimento, 235. 2 — Observagies sobre Me todos em Biologia e’Especialmente na Teoria da, Ev. 242. 8, — Uma Conjec Dualismo Genético”, 248, ‘Adéndo, 0 Bsperangoso Monstro Comportamental, 367. 8, UMA VISAO HISTORIA BALISTA DA LOGICA, DA FISICA B DA jamo_e Pluralismo: Redueio versus Emersio, imo e Emersio na Histérla, 271 2 — Realisimo e Subjetivismo om Fisica, 276. 4 — Re ismo em Logiea, 279 8. COMENTARIOS FILOSOFICOS SOBRE A TEORIA DA VERDADE DE TARSKI . Adondo, Uma Nota sobre a Definigho de Verdade, de Tar i, 808. APENDICE, 0 BALDE E 0 HOLOFOTE :DUAS TEORIAS DO CONKECIMENTO : NOTAS . Capfutlo 1, 333, Capitulo 4) 345, Captiulo 7, 368. Capitulo 9, 365 INDICE DE NOMES NDICE DE ASSUNTOS Capitulo 2, 335. Capitulo 5, 354 "Adendo, ‘365 Adendo, 387 italo 8, Capitulo 6, 856. Capitulo 8, 365. Apendice, 369, 198 284 261 > 294 an M6 1 — CONHECIMENTO CONJECTURAL: MINHA SOLUCAO DO PROBLEMA. DA INDUCAO 0 irracionaliamo erescente em todo 0 século 19 ¢ no que ja passou do século 20 ¢ uma seqiéncia na- tural da destruigéo do. empirisme por Hume. BerTeaND Russet Julgo haver resolvido importante problema filoséfico: 0 problema da indugéo. (Devo ter chegado a solugdo de 1927 ow por af.(1) Essa solugio tem sido extremamente frutifera, capacitando-me a resolver bom nimero de outros problemas filos6ficos. Poucos filésofos, contudo, apoiariam a tese de que resolvi © problema da indugdo. Poucos fildsofos tém-se dado a0 ined- modo de estudar — ou mesmo de criticar — minhas concepgdes de tal problema, ou de tomar conhecimento do fato de haver eu feito algum trabalho a esse respeito. Muitos livros publi- cados bem recentemente no fazem a menor referéncia a minha obra, embora muitos deles déem mostras de ter sido influen- ciados por alguns ecos bastante indiretos de minhas idéias. E as obras que tomam conhecimento de minhas idéias costumam atribuir-me opinides que nunca sustentei, ow criticar-me com base em evidentes incompreensdes ou interpretacies errdneas, ‘ou com argumentos invdlidos. Este capitulo é uma tentativa de explicar minhas concepgdes de novo e de um modo que conte- nha plena resposta a meus criticos. Minhas duas primeiras publicagdes sobre o problema da indugfo foram minha nota em Erkenntnis, em 1933,(2) na qual apresentei em sintese minha formulacdo do problema e minha solugdo, e meu livro Logik der Forschung (L.d.F.), em 1934.(8) ‘A nota e também o livro foram muito concentrados. Esperei, uum pouco otimistamente, que os leitores descobrissem, com a B ajuda de umas sugestdes hist6ricas que fiz, a razio de ser deci- iva minha reformulacdo peculiar do problema. Penso que o de haver reformulado o problema filoséfico tradicional foi mou possivel sua solucio. Por problema filosdfico tradicional da indugdo quero dizer uma formulagdo como a seguinte (que chamarei Tr): Tr — Qual é a justificativa para a crenca de que 0 futuro sera (amplamente) cor » qual & a justi ficativa para as inferéncias Formulagdes como estas esto erroneamente feitas, por vérias razées. Por exemplo, a primeira supde que o futuro sera como 0 passado, suposico que, de inicio, considero errada, a menos que a palavra “como” seja tomada em sentido t8o fle- xivel que torne a suposigio vazia ¢ inécua. A segunda formu- Jago supse que hé inferéncias indutivas normas para extrair inferéncias indutivas ¢ es nao deveria ser feita sem critica e que Penso, portanto, que ambas as form destituidas de © observagoes semelha muitas outras formulagdes. Minha tarefa formular outra vez o problema que penso estar por trés do que chamei problema filos6fico tradicional da inducéo. ‘As formulagées que agora se tornaram tradi historicamente, de data bem recente: brotam da por Hume a indugdo e de seu impacto sobre a teoria de senso comum do conhecimento, Voltarei a mais detalhado exame das formulagSes tradi- is de apresentar, primeiro, a concepgo de senso ‘comum, a seguir a concepcio de Hume e, por fim, minhas pré- prias reformulagdes e solugdes do problema 1 — 0 Problema de Senso Comum da Inducao A teoria de senso comum da indugo (que também apelidei “teoria do balde mental") & a teoria mais famosa, na forma da igéncia que ndo haja ‘enho tentado mostrar tio foi formulada marménides com :0: Muitos mi io tenha chegado através de scus sentidos Contudo, temos expectativas e fortemente acreditamos em certas regularidades (leis da natureza, teorias). Isto leva 90 problema de senso comum da indugo (que chamarei Sc): Se — Como podem ter surgido essas expec vas e crencas? ‘A resposta de senso comum €: Por meio de observagses repetidas feitas no passado: acreditamos que o sol nascera amanh& porque ele assim tem feito no passado. Na concepgio de senso comum € simplesmente tido como certo (sem que quaisquer problemas se suscitem) que nossa crenga nas regularidades é icada por aquelas observagdes idas que sio responséveis por sua genese, (Génese cum justificativa — ambas devidas a repeticio — € 0 que os fil6- sofos, desde Aristételes e Cicero, tém chamado epagdg? ou indugao .)(°) 2 — Os Dois Problemas de Inducao, de Hume Hume interessava-se pela situago do conhecimento hu- ‘mano ou, como poderia ter dito, por indagar se alguma de nossas crencas — e qual delas — poderia ser justificada por razbes suficientes.(*) Levantou ele dois problemas: um problema légico (HL) € um problema psicolégico (Hrs). Um dos pontos importantes € que suas duas respostas a esses dois problemas de certo modo se entrechocam. O problema de Hume €:(7) Ht — Somos sados em raciocinar partindo de exem- plos (repetidos), dos quais temos experiéncia, para outros exemplos (conclusdes), dos quais no temos experiéncia? ‘A resposta de Hume a Ht. é: Nio, por maior que seja o mimero de repetigdes. Hume também mostrou que a situagio légiea permanecia exatamente a mesma se em HL a palavra provaveis foss rida depois de “‘conclusdes”, ou se as palavras “para exe fossem substituidas por “para a probabilidade de exemplos”, problema psicol6gico de Hume é: Hes — Por que, nao obstante, todas as pessoas sensatas esperam, e créem que exemplos de que nfo tém experiéncias conformar-se-o com aqueles de que tém experitncia? Isto &: Por que temos expectativas em que depositamos grande con- fianga? 15 A resposta de Hume a HPs €: Por causa do “costume ou habito”; isto € porque somos condicionados pelas repeticdes pelo mecanismo da associagao de idéias, mecanismo sem 0 qual, diz Hume, dificilmente poderiamos sobreviver. 3 — Conseqiiéncias Importantes dos Resultados de Hume Por esses resultados, 0 proprio Hume — ais que jé houve — transformou-se num smo tempo, num crente: crente numa epistemologia irra- cionalista, 6eu resultado de que a repetigio nfo tem qualquer forga como argumento, embora domi levou-o & conclusio de que 0 , ot desempenha apenas um papel menor em “conhecimento” € desmascarado como sendo néo s6 da natureza de crenca, mas de crenca ra~ cionalmente indefensdvel — de uma fé irracional? ‘Tomnar-se-4 Gbvio na seccHo seguinte © nas secgSes 10 ¢ 11 que tal concluséo itraci ‘nfo pode ser derivada de minha solugdo do problema da inducéo, ‘A conclustio de Hume foi igorosa e desespe- radamente expressa por B. Russel por Hume a indugdo, diz Russel representa a bancarrota da_ra “Assim, € importante descobrir se hé alguma resposta a Hume ia. que seja inteira ou principalmente em- ica. Se nfo houver, ndo hd diferenca intelectual entre a sen- satez e a deméncia. © lunético que acredita ser um ovo escal- dado 36 seré condenado com base em que pertence a uma minoria” Russell prossegue asseverando que se a indugfo (ou o prin- iva para chegar ages particulares é ‘Assim, Russell acentua o choque entre a resposta de Hume a Hie (a) a racionalidade, (b) 0 empirismo ¢ (c) os proce- dimentos cientificos Tornar-se-4 bvio, nas secgdes 4 e 10 a 12, que todos esses choques desaparecem se for aceita minha solugéo do problema 16 da indugGo: ndo hé choque entre minha teoria de néo-indugio e a racionalidade, ou 0 empirismo, ou 0 procedimento da ciéncia, 4 — Meu Modo de Abordar 0 Problema da Induct (1) Considero de extrema importincia a distingo, cita no tratamento dado por Hume, entre um problema € um problema psicolégico. Mas nao penso que seja t6ria a concepedo que Hume tem do que me inclino a la; mas encara-os como processos mentais “ra- Em contraposigo, um de meus pr dagem, sempre que duzir todos os termos ‘pais métodos de abor- “teoria explant “assergio de observagio” ou de um em vez de “Justificativa de uma cren¢ da alegagio de que uma teoria é verdad “assergio de test ” falo de “ a", ete. Este processo de colocar as coisas no modo de falar obje- tivo, ow I6gico, ou “formal” serd aplicado a HL, mas néo a Hrs; contudo: (2). Uma vez resolvido o problema I6gico, Ht, a solugio & transferida para o problema psicoldgico, Hs, com base no se- uinte principio de transferéncia: 0 que & verdadeiro em légica verdadeiro em psicologia. (Principio andlogo se sustenta de modo geral para o que habitualmente se chama “método cienti- ‘0 que € verdadeiro ico e na historia da tura algo ousada -ologia da cognico ou dos processos de pensamento, (3) Ficaré claro que meu princfpio de transferéncia asse- gura a ponder a sew principal sem violar o prinefpio de transferéncia, entdo’ nfo pode haver choque entre l6gica e psicologia e, portanto, nenhuma conclusio de que nosso entendimento é irracional. (4) Tal programa, juntamente com a solugéo dada por Hume a H., implica que se pode di légicas entre teorias cientificas © observagies, mais do que é em Ht. (5) Um de meus_principais resultados & que, estando um erro — uma espécie de ilusio indugéo por repetioao no existe. 5 — 0 Problema Légico da Indi ‘eformulago e Soluce Em vista do que acaba de se (ponto (2) da prece- dente secgfo 4), tenho de reformular o Ht. de Hume num modo de Hume, por que descrevem acontecimentos obser ¢ “exemplos de que nfo temos Formulei 0 problema légico de indugéo de Hume do se- guinte modo: Pode a alegacio de que uma teoria explana observagio (que, pode-se dizer, sho “base Minha resposta ao problema ¢ a mesma de Hume: Nao, ras justificaria versal € verdad lizagio de Ly. Obté palavras “6 verdad rdadeira, ou € falsa, ser justificada por “razdes em- 6, pode a admissio da verdade de assercdes de ar a alegagio de que uma teoria universal é verda- 8 alegacio de que € falsa? A este problema, minha resposta € positiva: Sim, a admis sdo da verdade de assercdes de teste as vezes nos permite justi- ficar a alegacdo de que uma teoria explanativa universal é falsa 18 Esta resposta se torna muito importante se refletirmos sobre a situaglo de problema em que se ergue o problema da face de varias teorias explanat solugdes de um problema de explanacdo — por exemplo, um problema cientifico; e também em face do fato de precisarmos, menos desejarmos, escolher entre elas. Como vimos, (ima) de um demente, Hume tambéen concorrentes. “Suponhamos (escreve el ha em mente teorias we uma pessoa concordo,... que a prata é mais fusfvel do que o chumbo, ou que o merctirio é mais pesado do que 0 ouro....”(#8) Esta situagdio de problema — a de escolher entre varias teorias — sugere terceira reformulacdo do problema da indugdo: L, — Pode uma prefer a falsidade, por algum: outras ser ‘alguma vez j ia, com respeito & verdade ov A luz de minha resposta a L, a resposta a Ly torna-se weD), podemos afirmar que pelo menos uma dessas relagies deve manter-se. ; os cone © resultado de tudo isto € podermos dizer que 8 co! dos de verdade ¢ 0s contetidos de falsidade podem ser tornados Compariveis em prinefpio com a ajuda do efleulo de proba- bilidade, ‘Como mostrei em varios locais, quanto maior for o con- tetido A de a, nenor seré a probabilidade logica p(a) ov P(A). ois, quanto do, menor seré a probabilidade Iogica de que seja ver assim dizer). Podemos portant conteddo (pode ser mais usada topologicamente, um indicador de ordem linear), cha), isto 6 9 conteddo (absolute) de a, ¢ também medidas rele- tivas ct(a,b) © ct a,B), de a dado b ou B respectivamente. teremos entdo sem diivida ct(a,b) = podem ser definidas com 0 auxilio isto , com a ajuda da definigio isto & 0 1 (Se B for axiomatizév ct(a,B).) Estas “medidas do cflculo de probat o(a.B) = 1 = PlaB). i ios de definir (me ‘Temos agora A nossa disposigéo os meios de ¢ ( da) 0 contetido de verdade, cf,(a) ¢ 0 conteddo de fal et, (a): ot,(a) = et(A,), sendo Ar novamente a intersecgao de A ¢ do sistema tarskiano de todas as assergdes verdadeiras; € t,(@) = ata), isto €, 0 contetido de falsidade (sua medida) é 0 contetido cela- tivo de a (sua medida), dado © contetido da verdade de A, de ou, ainda em outras palavras, o grau a que a vai além daque- las assergGes que (a) decorrem de a e (b) que so verdadeiras, 8 — Observacdes sobre a Verossimilitude Com a ajuda destas idéias podemos explicar agora mais claramente © que entendemos intuitivamente por verossimi- ide. Intuitivamente falando uma teoria T, tude do que uma teoria Ty se, e apenas Se, (a) seus contetidos de verdade e de falsidade (ou suas me- didas) forem compardveis, ou se (b) 0 contetido de verdade, mas néo o contetido de falsidade, de T, for menor que 0 de Ts, ou ainda se (c) © contetido de verdade de T; nio for maior que o de 72, mas seu contesdo de falsidade for maior. Em suma, dizemos que T, esté mais perto da verdade, ou é mais seme. Ihante a verdade, do que T:, se, € apenas se, mais asserges ver. dadeiras decorrerem dela, porém néo mais assergdes falsas, on pelo menos igualmente ‘tantas assergdes verdadeiras, porém ‘menos asseredes falsas, Em geral, podemos dizer que s6 1 tais como as teorias da gri sao intuitivamente comparéveis com respeito a seus conteddos (nfo medi as hd também teorias concorrentes que niio as concorré tagio de Newton e de Ei ‘A compar intuitiva dos contetidos da teoria de Newton (N) © da de Einstein (E) pode ser estabelecida da se- guinte forma:(®) (a) para cada questio a que a teoria de Newton apresente uma resposta a te uma resposta que é pelo menos, © conteddo (sua medida), em sentido levemente m © de Tarski,(#) de N menor do que ou igual ao de E; (b) ha uestdes a que a teoria de Einstein E pode dar uma resposta (nio tautol6gica), a0 passo que a teoria de Newton N ndo a dé to toma 0 contetdo de N defin ite menor que o de E. Assim podemos comparar amente 0 contetidos destas duas teorias e a de Einstein ontetido maior. (Pode. 58 Gialmente ou virtualmente a melhor teoria; pois mesmo antes de qualquer teste podemos dizer: se verdadeira, ela tem maior poder explicativo. Além disso, desafia-nos a realizar maior varie- dade de testes. Assim, oferece-nos novas oportu aprender mais a respeito dos fatos: sem o desaf tida pelas chamadas “ands brancas”. Soisfo estas algumas das vantagens de uma teoria (logica- de uma teoria com maior contetido. Blas tornam uma teoria potencialmente melhor, uma teoria mais desafiadora. Mas a tecoria mais forte, a teoria de maior contetdo, serd ema de maior yerosin alsidade seja também maior. ; . — 0 método de conjecturas ousadas e de refutagSes tentadas, Uma teoria é tanto mais ousada quanto maior for seu con- tevido. £ também a mais arriscada: 6 a mais provével de come- ue seré falso, Tentamos encontrar seus pontos fracos, Se falharmos em refutd a us aca au a pean) tampolan, ou pare ccojectara, que a tor : spear ou par constr gue ria mal foe af te fraca e que, portanto, tem o maior grau de verossimilitude, 9 — Verossimilitude e a Procura da Verdade Tomemos um quadrado como representando a classe de todas as asserg6es ¢ dividamo-lo em duas sub-éreas iguais, a das assergbes verdadeiras (T) ¢ a das falsas (F): 59 Agora, mudemos um pouco este arranjo, juntando a cl classe das asserg6es verdadeiras num cffculo no centro do quadrado, | @® Ll Fro. 2 F A tarefa da ciéncia é, metaforicamente falando, cobrir com acertos 0 maximo posstvel do alvo (T) das assergdes verda- deiras, pelo método de propor teorias ou conjecturas que nos parecam promissoras, © cobrir o minimo possivel da pecs possivel da rea £m conjectur interessados em propor trivialidade ou tautologi mesas sfo mesas” € certamente verdade — € certamente mais verdadeiro do que as teorias de Newton e de Einstein — mas intelectualmente nfo emocionante: nfo € o que procuramos em Wilhelm Busch produziu certa vez 0 que chamei © bergario epistemol6gico: (3) Duas vezes dois sio quatro: & certo, mas € trivial, sem importincia. © que procuro € um rumo aberto para questdes de mais substincia. Em outras palavras, nfo estamos simplesmente procurando a verdade, estamos procurando uma verdade interessante © es- clarecedora, teorias que oferecam solugSes a problemas interes. santes. E, se possivel, estamos & busca de teorias. profundas Nao estamos tentando meramente acertar um ponto dentro de nosso alvo T, mas uma Grea de nosso alvo tio ampla ¢ interessante quanto possivel duas vezes dois sio quatro, embora verdade, ndo 6, no sentido aqui pretendido, uma “boa aproxi- magGo da verdade”, simplesmente porque encerra uma verd Pequena demais para cobrir o alvo da ciéncia ou mesmo uma 60 parte importante dele. A teoria de Newton é uma “aproximaco da verdade” muito melhor, ainda que seja falsa (como prova- velmente €), por causa do tremendo mimero de conseqiiéncias verdadeiras interessantes ¢ informativas que contém: seu con- teido de verdade & muito grande. ‘Hi uma infinidade de assergdes verdadeiras € so de valo- res muito diferentes. Um modo de avalié-las € I6gico: calov- amos o tamanho ou medida de seu con assergées verdadeiras, mas ndo das falsa teddo de verdade). Uma assercdo que transmita mais informa- ¢fo tem maior contetdo informati € a assergio melhor. Quanto maior for o conteddo de uma asseredo verda- deira, melhor sera ela como abordagem de nosso alvo T, isto & da “verdade” ( da classe de todas as asser- ges verdadeiras). Pois néo desejamos aprender apenas que todas as mesas so mesas. Se falamos de abordagem macdo da verdade referimo-nos a toda a classe de assergées verdadeiras, « Ora, se uma assergdo for falsa a situaco ¢ similar. Cada assercio nfo ambigua € verdadeira ou falsa (embora possamos no saber se & uma coisa ou outra); a l6gica que aqui consi- dero(#) s6 tem estes dois valores de verdade ¢ néo ha ter- ceira possibilidade. Contudo, uma assergo falsa pode parecer mais prOxima da verdade do que outra assergdo falsa: “sto agora 9 horas € 45” parece mais perto da verdade do que “so agora 9 horas ¢ 40”, se de fato forem 9 horas e 48 quando se faz a observaciio. ‘Nesta forma, porém, duas assergde (a menos que introduzamos certo micleo de verdade na intui (que no caso das ‘oincide com seu con- iva é errénea: as Jo comparaveis tudo, hd guinte), entdo a primeira esté realmente mais perto da verdade do que’a segunda. Podemios proceder assim: a primeira assergio 6 substi- tuida por “Estamos agora enire 9 hora: segunda por “Estamos agora entre 9 horas ¢ 40 ¢ 9 € 48". Deste modo, substituimos cada assergdo por uma que admite uma consecutiva escala de valores, uma escala de erros. Agora as duas assergées substituidas se tornam comparaveis ( meira acarteta a segunda) ¢ a primeira esta de fato da verdade do que a segunda; ¢ isto se deve aplicar a qualquer coerente fungio de medida de contetido, como ct € ct,. Mas visto como num sistema com uma fungio de medida como ct, nossas primeiras assergdes eram compardveis (num tal sistema, 61 definida de modo que ct, da primeira assergéo € de fato, pelo 10 — ou maior do que — o da segunda até certo ponto nossa primeira intuicd Note-se que a palavra “entre” w pode ser interpretada de modo a inch limites. Se a interpretarmos como nto ambas as assergoes so ver 1, para ambas. Séo verdadeiras, mas a primeira assergo tem i ide porque tem um contetido de verdade maior que 0 da segunda, Se, por outro lado, interpretamos “entre” como excluindo o limite maior, entio ambas as assergdes se tornam falsas (embora pudessem set chamadas “quase verda- ); mas permanecem comparsveis (no sentido de nfio-me- ) € podemos ainda afirmar que a primeira te ihanga que a segunda. (Ver também meus tures and Refutations, pgs. 397 seg. © Logic of Sci covery, see¢io 37. Assim, sem violar a idéia da logica de dois valores (“toda asser¢io no ambigua 6 verdadeira ou falsa e nfo hé terceira possibilidade”), podemos as vezes falar de assercdes falsas que afastadas da verdade, ou de verossimilitude maior ou menor é aplicével tanto as asseredes falsas quanto as verdadei- ssencial & seu conteiido de verdade, que & wm iramente dentro do campo da légica de dois valores. ras palavras, € como se pudéssemos identificar a id ‘a de aproximagdo da verdade com a de alto con- tetido de verdade, ¢ baixo “conteddo de falsidade”. Tsto € importante por duas razées: alivia as divi alguns légicos tém tido a respeito de operar com a idéia tiva de aproximago da verdade, ¢ nos permite dizer que 0 alvo da cigncia é a verdade, no sentido de melhor aproximacao da verdade, ou maior verossimilitude. 10 — Verdade e Verossimilitude como Alvos Dizer que o alvo da citncia 6 a verossimi deravel vantagem sobre a formulagao, tt que 0 alvo da cigncia € a verdade. Esta tiltima pode sugerir que o alvo € completamente atingido quando se diz a verdade indubitével de que todas as mesas sfo mesas, ou de que a tem consi- mais simples, de 1 + 1 = 2, Obviamente, ambas essas assergdes sto verdadeiras; smbém obviamente nenhuma delas pode ser tida como um de faganha cient ‘Além disso, os cientistas visam a teorias como a teoria da gravidade de Newton, ou a de Einstein; e embora estejamos alta- mente interessados na questio da verdade dessas teorias, as teorias conservam seu interesse ainda que tenhamos ra7ao pi crer que sejam falsas. Newton nunca acreditou que sua teoria fosse a ltima palavra realmente, e Einstein nunca acreditou que sua teoria fosse mais do que uma boa aproximagio da teoria verdadeira — a teoria do campo unificado, a cuja busca esteve desde 1916 até sua morte em 1955. Tudo a que a idéia de “procura da verdade” s6 € ss ia se (a) centendemos por “verdade” 0 conjunto de todas as proposicdes verdadeiras — isto é nosso inatingivel conjunto alvo é T (a ese (b) que- ‘omo aproxi- (ngo tenham © encerrem um magées, desde mtetido de falsidade demasiado gran contetido de verdade. este modo, a procura da verossimilitude ¢ um alvo mais nitido e mais realista do que a procura da verdade. Mas pretendo strar um pouco mais. Pretendo mostrar que, embora possa~ mos nunca ter arguments suficientemente bons, nas ciéncias empiricas, para alegar que alcangamos de fato a verda ‘demos ter argumentos fortes ¢ razoavelmente bons para {que & posstvel termos feito progresso no rumo da verdade; G que a teoria T é preferivel & sua predecessora T , pelo menos alur. de todos os argumentos racionais Mais ainda, podemos explanar 0 muito da historia da ‘como o proceso racional de chegar mais perto da verda cago importante pode set conseguida com com o problema di adiante.) 11 — Comentarios sobre as Nocoes de Verdade ¢ Verossimilicude Minha defesa da te tem sido as vezes grand vit tessas incompreensdes é aconselhdvel ter em mente minha opinifo de que nfo 86 todas as teorias so conjecturais, mas também 03 so todas as avaliagbes de teorias, incluin de tearias do ponto de vista da sua verossi E estranho que este ponto, que ¢ de minha teoria da ciéncia, h acentuado muitas vezes, fs comparagtes tanto que @ a discussa0 como, sem ela, Mas no creio que a exatidéo ou a preciso sejam valores intelectuais em si mesmas; pelo contrério, nunca devemos tentar ser mais exatos ou precisos do que 0 requerido pelo problema que nos defronta (e que é sempre tum problema de discriminar entre teorias concorrentes). Por esta Tazo tenho frisado que ndo estou interessado em Bes; como todas as definig6es devem usar termos indetinidos, ‘do importa, via de regra, que usemos um termo como um termo Primitivo ou como um termo definido. Por que, entéo, tenho tentado mostrar que a verossimilitude pode ser definida, ou reduzida a outros termos (contetido de verdade, contetido de falsidade e, em dltima instancia, proba- bilidade’ logica)? Certas pessoas tém imaginado que meu alvo era algo como 2 exatido ou a preciso; ou mesmo a aplicabilidade: qi esperava encontrar uma fun¢fo numérica que se pudess a teo! talvez seu grau de corroboracio) De fato, nada pode estar fastado de meus objetivos ide, ou uma medida de dores (como 0 ¢ 1). E embora a introdugo de uma fungio edida torne todos os contetidos compardveis em principi ites logicamente mi isto é teorias que visam a resolver os mesmos problemas. Pois a comparagio efetiva depende inteira- mente desses casos (paradoxalmente, poder-se-ia dizer, visto como as fungGes de medida tais como as probabilidades tornam seus argumentos em principio geralmente compardveis). Qual entio, poder-se-ia perguntar, € o sentido de minhas tentativas para mostrar que a verossimilitude definivel em 64 termos de probabilidade logica? Meu objetivo € conseguir (num nivel de preciso mais baixo) para a verossimilitude algo si- milar ao que Tarski conseguiu para a verdade: a reabilitagio de uma nogio de senso comum que se tornou suspeita mas que a meu ver € muito necesséria para qualquer realismo eritico de senso comum e para qualquer teoria critica da ciéncia. Gos- taria de poder dizer que a ciéncia visa A verdade no sentido de correspondéncia com os fatos ou com a realidade; e também gostaria de dizer (com Einstein ¢ outros cientistas) que a teoria da relatividade € — ou assim con aso da verdade do que a te vton, tal como esta Togi- 10 que apenas Tal como © vejo, o principal mérito da invencao, por Tarski, de um método de definir a verdade (com respeito a linguagem correspondéncia com a realidade, nogdo que se tornara Definindo-a em termos de nodes (no semanticas) ele estabeleceu sua ‘rou também que € possivel nogo de verdade materialmente yguagens formalizadas de ordem yguagem como de senso comum cri- rarski acentuou com grande forga, em 5, que para construir uma linguagem formalizada € in © uso de uma linguagem natural, ainda que seu uso no tico leve a antinomias. Assim temos, por assim dizer, de ref mar a linguagem ordindria enquanto a usamos, como foi por Neurath em seu metéfora do navio que temos de recon: enquanto tentamos manter-nos a seu bordo.(*) Esta é mente a situago do senso comum critico, tal como o vej 6 12 — A Errénea Teoria de Senso Comum do Conhecimento © senso comum, disse eu, é sempre nosso ponto de par- tida, mas deve ser criticado. E, como se poderia esperar, nfo € muito bom quando vem a refletir-se sobre si mesmo. De fato, a teoria de senso comum do conhecimento de senso comum é uma trapalhada ingénua. Contu sobre 0 qual se erigem até mesmo as mais recentes teorias séficas ‘A teoria de senso comum simples. Se vocé ou eu mos conhecer alguma coisa ainda nao conhecida a resp mundo, temos de abrir os olhos ¢ olhar em redor. E temos de agugar ‘nossos ouvidos e ouvir ruidos, especialmente os feitos por outras pessoas. Assim nossos vérios sentidos so nossas fontes de conhecimento — as fontes ou 0s acesso para nossas ‘mentes. A esta teoria tenho dado muitas vezes 0 nome de teoria do balde mental. A teoria do balde mental € melhor representada por um diagrama Fig. 3 — O balde Nossa mente é um balde que primitivamente se acha vazio ou mais ou menos assim, e nesse balde entra material através sos sentidos (ou talvez por um funil para enché-Jo ou lo por cima), e se acumula, ¢ € digeric No mundo filoséfico, esta teoria é melhor conhecida pelo nome mais nobre de teoria da tabula rasa da mente: nossa mente € uma fousa vazia na qual os sentidos gravam suas mensagens. Mas o ponto principal da teoria de tabula rasa vai além da teoria de senso comum do balde: refiro-me sua énfase sobre a per- ita vacuidade da mente no nascimento. Para nossa discussio, 1as um ponto menor de discrepaincia entre as duas teorias, pois no importa que tenhamos ou nio nascido com algumas “idéias inatas” em nosso balde — mais talvez no caso 66 de criangas inteligentes, menos no caso de imbecis. A tese im- portante da teoria do de € que aprendemos a maior parte, aprendemos por meio da entrada da as de nossos sentidos; de modo que 0”, por exemy agora que 0 balde nfo esté vazio no nascimento, mas vem dotado de um programa de computador. Minha tese € que a teoria do balde € totalmente ingénua € completamente errénea em todas as suas verses, ¢ que adora influéncia especialmente sobre os chama- dos behavioristas, sugerindo a ainda poderosa 5 teorias que gozam da mais Entre as muitas coisas erradas na teoria do balde mental estio as seguintes (1) © conhecimento € concebido como consistindo ressbes, sensacdes, dados de sentidos, elementos, ou — talvez um pouquinho ‘melhor — ) © conhecimento de informagdo que nos atingiu © que conse (3) Ha conhecimento imediato ou direto, isto &, os ele- fados de informagio que penetraram sridos. Nenhum conhecimento po- elementar e certo do que este. © (3) pode ser elaborado da sex: ‘odo erro, todo conheciment comum, ver de ma smentos de informacio 1 ligando-os erradam de modo que seria completamente sem propésito suscitar sequer a questo de serem talvez erréncos (3b) Assim, o conhecimento, até onde em esséncia um conhecimento recebido passiv que 0 erro é sempre ativamente (embora no por forga inten- 67 cionalmente) produzido por nés, ou interferindo com “o dado” ou talvez por algum outro mau tratamento: 0 cérebro perfeito nunca erraria (3c) © conhecimento que vai além da pura recepedo dos elementos dados € sempre, portanto, menos certo do que 0 co- ual de fato consttui 0 padrao ssidade pri 10: de conhecimento que ado estabelece-se por meio de associagao de idéias ou de elementos. (5) As idéias ou elementos se associam se ocorrem E, mais importante, a associacao é fortaleci (6) Deste modo estabelecemos expectativa (se a idéia a é fortemente associada a idéia b, ento a ocorréncia de a des- perta uma alta expectativa de 5). (7) Do mesmo modo, emergem crencas. A crenga verda- deira a crenga numa associagio infalivel. A crenga errénea é a ctenga numa associagdo entre idéias que, embora ocorressem juntas, talvez nalgum tempo passado, nao se repetem juntas infa- livelmente. Em suma: o que chamo teoria de senso comum do conheci- mento € algo muito pr6ximo do empirismo de Locke, ¢ Hume e nfo muito distante do de numerosos pos empiristas modernos. 13 — Critica da Teoria de Senso Comum do Conhecimento Quase tudo esti errado na teoria de senso comum do co- hecimento. Mas talvez o erro central seja a suposigdo de estar- ‘mos empenhados no que Dewey chamou a procura da certeza. isto que leva & seleco de dados ou elementos, ou dados de sentidos, ou impresses de sentidos, ou experiéncias ime- diatas, como base segura de todo conhecimento. Mas, longe de ser isto, esses dados ou elementos nao existem em absoluto. 68 Sio inventos de fil6sofos esperancosos, que conseguiram legé- los aos psicdiogos. Quais so 0s fatos? Quando eriangas, aprendemos a deci- frar as mensagens cadticas que nos chegam de nosso ambiente Aprendemos a peneiré-las, a ignorar a maioria delas, a sele- cionar aquelas que sio de importancia bi desde j4, quer num futuro para 0 qual estamos sendo prepa- rados por um processo de amadurecimento. ‘Aprender a decifrar as mensagens que nos chegam é extre~ mamente complicado. E coisa que se_bascia em disposigbes inatas. Somos, conjecturo, inatamente dispostos a relacionar as mensagens com um sistema parcialmente regular ou ordenado; com a “realidade”. Em outras palavras, nosso conhecimento subjetivo da realidade consiste em amadurecer disposicdes inatas, em minha opinigo, incidentemente € uma construsdo por sofisticada para poder ser usada como forte ¢ indepen- dente argumento em favor do realismo.) Seja como for, apren- r por eliminagdo de experiéncias ¢ erros, ¢ em- bora nos tornemos extremamente bons e répidos nas experién- cias de decifrar mensagens como se fossem “imediatas” ou “dadas”, ha sempre alguns enganos, corrigidos por mecanismos especiais de grande complexidade ¢ de consideravel eficiéncia, Assim, toda a histétia dos “dados”, dos elementos verda- deiros a que se junta a certeza, € uma teoria erronea, embora faca parte do senso comum, Acredito que experimentamos muito disto como se nos fosse imediatamente dado ¢ como se fosse perfeitamente certo, Deve-se tal coisa a nosso complicado aparelhamento decifrador, com suas muitas instrumentagées inseridas, usando o que Winston Churchill chamaria “‘localizagdes transversais”, siste- mas que conseguem eliminar grande parte dos erros que come- temos em decifracao, de modo tal que, de fato, nos casos que sentimos como (0s, rarissimamente erramos. Nego, porém, que essas experigncias bem adaptadas possam ser identificadas em qualquer sentido com padrdes “dados” de fidedignidade ou de verdade; nossa incrivel eficiéncia como sistemas bioldgicos E que se devem casos tais, pois eles, em verdade, ndo estabele- cem padres de “imediatilidade” ou “certeza” ‘nem mostram que munca podemos errar em nossas percepgdes imediatas. (Um fot6grafo bem treinado raramente faré mas focalizagSes. Isto se deve a seu treinamento c nio ao fato de que suas fotos sejam tiradas como “dados” ou “‘padrdes de verdade”, ou talvez como “padrdes de focalizagio correta”.) ‘Quase todos nds somos bons observadores ¢ bons perce- bedores, Mas este € um problema a ser explicado por teorias o biolégicas e no para se tomar como base de qualquer dogma- fismo de conhecimento direto, ou imediato, ou intuitivo. E, ido isto, sem davida, nao ret ista do’ conheciment ito da psicologia (ou da fisiologia) da percepgéo pode ter um sonho, 1m argumento mui que ainda nao ust especialmente com as ciénci nos revelam padrdes de verdade, nada mais sendo do que ins- trumentos perfeitos de predicdo. Néo pode haver padres mais altos de certeza (exceto a revelacéo feita por Deus).(2) Mas nto chega a fisiologia e prediz que nossos “dados” sio faliveis, em vex de padrdes de verdade ou de certeza. Assim, se essa forma de instrumentalismo subjetivo é verdadeira ela leva & sua prépria refutagio. Portanto, nfo pode ser verda Isto, sem davida, ndo refuta um idealista, que replicaria {que estamos apenas sonhando que refutamos o idealismo. Posso mencionar talvez, de passagem, que um argumento argument observando uma pedra, esté real deve ser crida, observando os efeitos da Assim, a cigncia parece estar em guei ideatismo ingénuo leva a fisica, que 0 realismo se verdadeiro, 6 falso. Portanto, é falso”.(2") ‘© argumento de Russell & inaceitavel, porque 0 trecho que grifei € erréneo. Quando o observador observa uma pedra, ele hido observa o efeito da pedra sobre si mesmo (embora possa fazé-lo se estiver, digamos, contemplando um dedo machucado), ainda que decifre alguns sinais que Ihe cheguem vindos da pedra. argumento de Russell esté no mesmo nfvel do seguinte: “O leitor, quando acha consigo que estd lendo Russell, e dra sobre si mesmo. consigo mesma... O ica, se verdadeira, mostra © realismo ingénuo, mente observando os efeitos de Russell sobre si mesmo e, por- t nfo esté lendo Russell”, A verdade é que ler (isto é, decifrar) Russell baseia-se em parte em observagdes do texto 70 de Russell; mas aqui nio hé problema digno de anélise; todos sabemos que a leitura é um processo complexo em que fazemox ‘a0 mesmo tempo varios tipos de coisas. Nao creio que valha a pena persistir nesses exercicios de destreza; e repito que, enquanto nao se oferecerem novos argu- ‘mentos, aceitarei ingenuamente o realismo, 15 — 0 Cardter Pré-Darwiniano da Teoria de Senso Comum do Conhecimento A teoria de senso comum do conhecimento esté radical- mente errada em todos os pontos, Seus erros fundamentais talvez possam ser aclarados como se segue. ) Hé conhecimento no ices € expectativas. (2) Mas hé também conhecimento no sentido obj ento humano, que consiste de expectativ. ia de senso comum deixa de ver que a diferenca é de significagdo do mais longo alcance. 0 co- 10 subje alterado por v (morte) do portador do conhecimento sul fem foco. Assim, o conhecimento no sentido su ‘obiém melhores ajustamentos pelo ¢ eliminacio do organismo. Em oposigio a isto, o conhe- imento objetivo pode alterar-se e crescer pela eliminagZo (morte) da conjectura lingiisticamente formulada: 0 “porta- pode sobreviver —, pode até, se for uma pessoa autocri- inar sua propria conjectu A diferenca esté em que as teorias formuladas lingistica- mente podem ser discutidas ¢ 4) de senso jente, uma como teoria do crescimento do conhecimento é extremamente Jalsa. (5) A teoria de tabula rasa é pré-darwiniana: para qual- quer pessoa que tenha algum senso de biologia deve ser claro n que muitas de nossas disposigbes so inatas, ou no sentido de nadora. E isto no s6 porque todo conhecimento subjetivo disposicional, mas principalmente porque nao é uma disposigao do tipo associative (ou do tipo de reflexo condicionado). Para igfo clara e radicalmente: ndo hd essa coisa de io ou reflexo condicionado. Todos os reflexos so 1i0- ~condicionados; os reflexos supostamente “condicionados” sao os resultados de modificagdes que eliminam parcial ou total- mente os comegos falsos, isto 6, 05 erros no processo de expe- rigncia € erros 16 — Esboco de uma Epistemologia Evoluciondria Até onde sei, a expressio “epistemologi devida a meu amigo Donald T. Campbell, A idéia & pos-da nana € remonta ao fim do século dezenove — a pensadores como J. M. Baldwin, C. Lloyd Morgan e H. S. Jennings. ibordagem tem sido um tanto independente Iuéncias, embora eu lesse com grande inte- ida, mas também Lloyd Morgan e Jennings durante os anos que precederam a redagio de meu rimeiro livro. Contudo, como muitos outros filésofos, acentuei grandemente a distingdo entre dois problemas de conhecimento: sua génese ou histéria de um lado e, do outro, os problemas ificacao”. (Assim, por exemplo, ‘uma hip6tese is do que uma tas circunstancias, alcangar »)) Acentuei mesmo bem Wo excluindo que creio possivel), devem de todas as questoes geneticas, his- quando escrevia meu livro Logik der Fors- chung, cheguei & conclusio de que nés, epistemologistas,- pode- n mos reivindicar precedéncia sobre os gencticistas: investigagbes logicas de questoes de validez ¢ de aproximacio da verdade apesar disto, todos os seus exemplos, € muitos de seus problemas. podem ser sugeridos por estudos da ‘génese do conhecimento. Esta atitude 6 de fato precisamente 0 oposto daquela da Descartes, Locke, Berkeley, Berkele em altima instancia & supervisionada por Deus. Tragos da opi- nido de que a ignorincia e pecado séo encontraveis ndo sé em Locke ¢ Berkeley, mas mesmo em Hume e Reid. P linha direta ou 0 imediato de nossas idéias, ou impressdes, ou percepgGes que € seu selo divino de verdade e que oferece a ‘melhor seguranga para o crente, ao passo que a feorias como verdadeiras, gar a verdade de de uma crenga em razio do que se alega como imediato ou direto na crenga. Isto, creio eu, € colocar o carto adiante dos bois: o imediato ou o direto podem ser o resultado do fato biol6gico de que uma teoria ¢ verdadeira e também (em Parte por este motivo) muito util para nds. Mas argumentar que © imediato ou o direto estabelegam verdade, jam critério ages € reagdes fossem mal aj nfo sobreviveriamos, Sendo a do senso comum, que, embora nfo seja de modo algum digno, verdadeiro, ou certo, & sempre um bom ponto de pi sucesso desapareceram e que 0 gurar o éxito futuro. Isto € um samos fazer algo respeito nfio podemos fazer muita coisa. a Menciono este ponto a fim de tornar inteiramente claro que o éxito biol6gico passado nunca assegura 0 éxito biol6gico futuro. Assim, para o biGlogo, 0 fato de que teorias tiveram sucesso no passado néo traz qualquer garantia de sucesso no futuro, Qual é a situagio? Uma teoria refutada no passado pode ser conservada como itil apesar de sua refutagio. Assim pode- biol6gico ou instrumental. Em ciéncia, procuramos a verdade. Problema cent evoluciondria é 0 seguinte: de acordo com esta teoria, os animais que no estio bem adaptados a seu ambiente em mutacdo perecem; conseqiientemente, os que sobrevivem (até um certo momento) devem es dos. Esta formula quase chega adaptada para o moment aquelas qualidades que fizeram sobreviver até entio”. Em outras palavras, considerdvel parte do darwinismo nao da na- tureza de uma teoria empirica, mas é um trudsmo I laro 0 que € empiric do darwi © fato de que esse ambiente se altera, mas ndo com jada rapidez por longos periodos de tempo e nfo ra de condig6es no mundo sob (seja 0 que for ” a prestacleida entee as propredades dos brganimos ¢ as do ambiente em mutagtio,(°*) podemos dizer algo como o seguinte, Sé6 se os organismos produzirem mutacdes, algumas das ajustamentos a mudancas iminentes e assim envol- jade, poderio eles sobreviver; ¢ deste modo vere- que ‘aqueles q tados a seu ambi longe, entio a velocidade, a finura e a complexidade do mento podem impressionar-nos co pode-se dizer que 0 método de exper Se o processo de ajustamento foi bastant ica da sitwagao. Isto, penso, explica (1 jtamente demais) os componentes légicos ou a priori do © tremendo avango biolégico da invengio de uma lingua per carrega. Este € 0 vimento de uma relago a nossas teorias. Ai diferenga entre @ ameba ¢ Ei in € que, embora ambos fagam uso do método de experién inago de erros, a ameba detesta errar, a0 passo que acieatado por isto: cons- cientemente procura seus erros na esperanga de aprender com sua descoberta e eliminagio. O método da ciéncia € 0 método erttico. Assim, a epistemologia evolucionria nos permite com- preender melhor a evoluclo € a epistemologia, até onde coinci- Gem com o método cientifico. Permite-nos compreender melhor estas coisas em bases l6gicas. 17 — Conhecimento de Base e Problemas A meta da ciéncia é 0 aumento da verossi tenho argumentado a teoria de tabula rasa & abs etapa da evolugio da vida e do desenvolvimento de um orga- nismo temos de adi cia de algum conhecimento em ‘expectativas. Concordantemente, 0 crescimento de todo conhecimento igo em ampla escala. O conhecimento nunca ‘mas sempre de algum conhecimento de base — conhecimento que no momento é tido como certo — juntamente com algumas dificuldades, alguns problemas. Estes, via de regra, surgem do choque entre, de um lado, exps s inerentes nosso conhecimento de base e, do outto lado, algumas novas descobertas, tais como nossas observagées ou alguma hipétese sugeridas por elas. 18 — Todo Conhecimento é Impregnado de Teoria, Inclusive Nossas Observacoes © conhecimento em suas varias formas subjetivas & dispo- sicional ¢ expectacional. Consiste de disposigdes de organismos © essas disposigées so 0 aspecto mais importante da organi- zagio de um organismo, Um tipo de organismo s6 pode viver 6 hoje dentro dégua, ago) 86 na terra; como sobreviveram até ua propria ecologia determina parte de seu “conheci- mento”. Se ndo fosse absurdo fazer qualquer estimativa, eu diria que, de mil unidades do conhecimento de um organism, 999 séo herdadas ou inatas ¢ a tinica unidade restante s6 consiste das modificagdes desse conhecimento inato; e sugiro, ainda, que @ plasticidade necesséria para essas modificagoes é também inata, Disto decorre o teorema fundamental Todo conhecimento adquirido, todo aprendizado, consiste da modificagao (possivelmente da rejeicdo) de alguma forma de conhecimento, ow disposigo, que existia previamente, e em iilti- ‘ma instancia de disposicdes inates. ‘Ao mesmo tempo, decorre dai segundo teorema: Todo crescimento de conhecimento consiste no aprimora- mento do conhecimento existente, que € mudado com a espe- ranca de chegar mais perto da verdade. Por serem todas as nossas disposigdes, em certo sentido, que tenho em mente é que no hé observacdo ne com um conjunto de situagées tipicas — regularidades — entre as quais el ar uma decisto. E penso podermos asseverar ainda mais: ndo hd dredo de sen- fido em que ndo se achem incorporados geneticamente teorias antecipadoras. O otho de um gato reage de modos distintos a diversas situagGes tipicas para as quais hé mecanismos prepa- rados e embutidos em sua estrutura: correspondem estes as si- tuacdes -amente mais importantes entre as quais ele tem de distinguir. Assim, a disposi¢éo para distinguir entre essas, situages € embutida no érgio do sentido e, com ela, a teoria de que essas, € somente essas, sio as situagdes relevantes para cuja distincao o otho deve ser usado.(*) © fato de que todos 0s nossos sentidos sio, desse modo, impregnados de teoria mostra muito claramente a’faléncia radi- cal da teoria do balde e, com esta, de todas as outras teorias que tentam rastrear a origem de nosso conhecimento em nossas ob- servagdes, ou no abastecimento (input) do organismo. Ao con- tratio, o que pode ser absorvido (e encontrar reagdo) como abas- tecimento relevante ¢ o que é ignorado como irrelevante depen- dem completamente da estrutura inata (a “programaco”) do organismo. 76 19 — Retrospecto sobre a Epistemologia Subjetivista tas”, e absolutamente nfio so fidedignas. Parece nfo haver razo para que ndo devamos fazer de eriéncias observacionais nosso “ponto de partida” provis6- — um ponto de partida como o senso comui volva compromisso com a verdade ou a certeza, E vermos inclinados criticamente, nf comegamos. Mas, 0es so altamente complexas ¢ nem sempre que sejam decifracdes admiravelmente excelentes dos sinais que nos chegam do ambiente, Nao devem portanto, ser elevadas a um ponto de partida no sentido de um padrao de verdade. ‘Assim, o que par de pressuposigao, ot te’ observador, desempenha papel importante, mas s6 muito restrito. 20 — Conhecimento no Sentido OI A teoria de senso comum do conhecime: mela todos 0s filésofos até pelo menos Bolzano ¢ Frege, admitiu como certo, erroneamente, que s6 havia uma espécie de conheci- conhe- mento — conhecimento possuido por algum suj cedor. “conhecimento sub- existe conheci- do. Jo & muito antiga; mas ‘conhecer” € uma atividade e conhecedor. £0 ser subje- ino, 01 A teoria do conhecimento torna-se explicita com Descartes: ressupde a existéncia de um sujei tivo quem conhece. Ora, quero mento’ guir entre duas espécies de “conheci- conhecimento subjetivo (que se poderia chamar melhor 1 tido objetivo, que consiste do conte conjecturas, suposicées (e, se preferirmos, do contetido I6gico de nosso eddigo genético) Exemplos de conhecimento obj 05 € conservadas em bi 3 discussbes iculdades ou problemas apontados em conexio com essas teorias;(*) ete. Podemos dar a0 mundo fisico o nome de “mundo 1 0 mundo dos conteddos 1égicos de livros, bibliotecas, memérias de computador e similares 0 de A respeito deste mundo 3 tenho varias teses: (1) Podemos descobrir no mundo 3 problemas novos que 1 estavam antes de ser descobertos ¢ antes mesmo de se torna- rem conscientes; isto 6 antes que qualquer coisa correspondente ales aparecesse no mundo 2. Exemplo: descobrimos os nimeros primos e surge como conseqiiéncia o problema de E saber se a seqiléncia dos niimeros primos & (2) Assim, hd um sentido em que 0 mundo 3 & auténomo: neste mundo podemos fazer descobertas te6ricas de modo seme~ Ihante Aquele por que fazemos descobertas geogrificas no mundo 1 (3) Tese principal: quase todo o nosso conhecimento sub- jetivo (conhecimento do mundo 2) depende do mundo 3, & de teorias formuladas lingiisticamente (pelo menos virtual- mente). Exemplo: nossa “autoconscigncia imediata”, ou 0 “co- nhecimento de si mesmo”, que é muito importante, depende muito amplamente de teorias do mundo 3: de nossas teotias a respeito do nosso corpo e de sua existéncia continuada quando dormimos ou ficamos inconsciente; de nossas teorias a respeito do tempo (sua linearidade); de nossa teoria de podermos captar nossa lembranga de experiéncias passadas com virios graus de clareza; e assim por diante. Com essas teorias esto ligadas ivas de acordar depois de dormir. Proponho a tese de que a plena consciéncia de si mesmo depende de todas essas teorias (mundo 3) e de que os anim: de sentimentos, sensacées, meméria e, port ngo possuem a plena consciéncia do proprio se dos resultados da linguag ina, € 0 desenvolv mundo 3, especificamente 8 21 — A Procura da Certeza ¢ a Principal Fraqueza da Teoria de Senso Comum do Conhecimento A teoria de senso comum do conhecimento nfo se dé conta do mundo 3 e assim ignora a existéncia de conhecimento 00 sentido objetivo. Esta € uma grande fraqueza da teoria, mas no é sua fraqueza maior. A fim de explicar 0 que considero como a maior fraqueza da teoria de senso comum do conhecimento, formularei. pri- meiro duas assercoes, (a) © (b), que so caracteristicas dessa teoria de conhecimen a) © conhecimento é um tipo especial de crenga ou de opinido; é um estado especial da mente (b) A fim de que um tipo de erenga, ou um estado da mente, chegue a mais do que “mera” crenga e seja capaz de sus- tentar a alegacdo de que importa num item de conhecimento, Fequer-se que 0 crente esteja de posse de razdes suficientes pi estabelecer que o item de conhecimento & verdadeiro com certeza. Dessas duas formulages, (2) pode ser facilmente reformu- lada de modo a tormar-se parte — pequena parte — de uma teoria biol6gica de conhecimento aceitével; pois podemos dizer (") O conhecimento su ‘um tipo de disposigio da qual 0 organismo as vezes pode tornar-se consciente na forma de uma crenga, ou uma opini im estado da mente Esta € uma assergio perfeitamente aceitavel e pode-se ale- gar que ela simplesmente diz com exatid’o maior o que (a) pretendia dizer. Além disso (2°) & perfeitamente comp: ‘uma teoria do conhecimento que dl pleno pe objetivo; isto é, a0 comhecimento como parte de A posigio de (b) € totalmente diferente. Tai em conta 0 conhecimento objetivo melhor, apenas parte pequenina d como razbes suficientes de certa verdade: € aquela pequena Parte (se alguma houver) que pode ser desctita como conhe- cimento demonstrével e que compreende compreende) as proposigdes de légica formal ¢ de ai a (fi Tudo mais — ¢ de longe a parte mais impor nhecimento obj rais, como a plesmente no hé razdes sufi fessas hipdteses so verdadeiras, © Muito menos certamente verdadeiras, Assim, (b) indica que, se féssemos generalizar assim a teoria de senso comum do conhecimento, de modo a cobri w conhecimento objetivo, entéo s6 0 conhecimento demonstravel (se tal houver) poderia ser admitido como conhecimento obje- tivo. Todo o vasto ¢ importar orias que podemos descrever como “conhecimer ntifico”, em face de seu cardter conjectural, nfo se qu cimento. Pois, de acordo com 10, 0 conhecimento é crenga qualificada — crenga t8o ada que & certamente verdadeira. E é precisamente esse tipo de qualificago que falta no vasto e importante campo do conhecimento conjectural, De fato, pode-se alegar que a expresso “conhecimento conjectural” @ uma contradi¢io em termos, se a questdo for assim abordada do lado da teoria de senso comum. Pois a teoria de senso comum no completa em seu. subjetivismo; Em conseqiiéncia, toda generalizagéo sta (b°) em linhas anélogas a (a) ivo a0 conhecimento de- , assim, teria de abandonar 0 conhecimento con- xm, teria de abandonar o conhecimento importante e o problema central de qual- aquer teoria do conhecimeato. Isto indica, julgo, a maior fraqueza da teoria de senso ‘comum do conhecimento, Nao s6 ela ignora a di conhecimento objetivo e subjetivo, como ai ou inconscientemente, 0 conhecimento como o paradigma de todo conhe € que temos, no tod conhecimento verdadeiro e certo” da “mera opiniéo” ou da “mera erenga”.(*7) Contudo, tanto, passar como conhecimento. A dificuldade € grande, pois como podemos distinguir no reino das crengas? Quais sfo os critérios pelos quais podemos reconhecer a verdade ou uma razdo suficiente? Ou pela forga da crenga (Hume), que racionalmente ¢ dificil defender, ou por sua clareza e nitidez, que é defendida (por Descartes) como 80 indicagéo de sua origem divina; ou, mais diretamente por sua origem ou génese, isto é, pelas “fontes” de conhecimento, Deste modo, a teoria de senso comum do conhecimento é levada a aceitar algum critério do conhecimento “dad dade. fa poreza de origem que garante a liberdade contra o erro e, assim, a pureza do contetido.(**) Mas todos esses critérios so claramente espiirios. O bié- logo admitiré que nossos érgios dos sentidos tenham éxito na maioria das vezes ¢ pode mesmo explicar sua eficiéncia com argumentos darwinianos. Mas negara que eles tenham éxito sempre e necessariamente e que possam merecer confianga como ios de verdade. O que tém de “direito” ou “imediato” é apenas aparente: € apenas outro aspecto da facilidade ¢ efi- ciéncia miraculosas com qi mam; mas de fato eles fun- cionam de modo altam usando muitos mecanismos complicados de controle inseridos no ‘Nada hé, assim, que se assemelhe & certeza absolut todo 0 campo de nosso conhecimento. Mas a doutrina (b) procura do conhecimento com a procura da certeza. Esta € outra razfo para que (b) seja a parte mais fraca da teoria de senso comum do conhecimento. © que temos de fazer ¢ partir do fato de que o conheci- objetivo € conjectural, para entéo procurar 0 que The & anélogo no campo do conhecimento subjetivo. Este g0 pode ser facilmente identificado. Minha tese € que 0 conhecimento subjetivo faz parte de um aparelho de ajusta- inagio de eros, ou por conjectura, refutagio € ia (“autocorrecao”). © senso comum, parece, faz parte deste aparelho ¢ sua posigdo ndo é extremamiente diferente da de outro conhecimento aparente “direto” ou “imediato”. (Aqui Thomas Reid estava certo, embora superestimasse grandemente a forca do argu- mento derivado do direto ou imediato.) 22 — Observacdes Analiticas sobre a Certeza No tenho o minimo interesse por definigdes ou pela and- io pouco valor tem sido dita que algo devemios dizer aqui em prol da clareza 81 Hé uma nogho de senso comum da certeza que significa, em resumo, “bastante certo para fins préticos”. Quando olho meu relégio, que é muito merecedor de confianga, ¢ ele me mostra que so oito horas, e lhe posso ouvir taque (indi- cago de que 0 reldgio nfo parou), entio ‘razoavelmente certo”, ou “certo para todos os fins préticos”, de que é bem perto de oito horas. Quando compro um livro ¢ recebo do ven~ dedor duas moedinhas de troco, ent3o estou “completamente certo” de que as duas moedinhas nao sao falsas. (Minhas “tazes” pata isto slo muito complexas: relacionam-se com a inflagio, que tornou desvalioso para os fal: moedinhas, até mesmo se as moedas em questo pudessem ser ‘pecas antigas dos bons tempos de outrora em que era lucrativo falsificar florins.) ‘Se alguém me perguntasse “Voc8 est certo de que a moeda em sua mao é uma moeda de dez centavos?”, eu para ela de novo ¢ respondesse “Si pendesse da verdade de meu julgamento acho que tomaria 0 trabalho de ir ao banco mais préximo e pedir ao caixa para exa~ nar bem a moeda; e se dela dependesse a vida de um homem, soureiro Chefe do Banco para fe que atestasse a ‘Que quero dizer com isto? Que a “certeza” de uma crenga no é tanto questio de sua intensidade, mas da situardo: de is. Tudo depende da ade da crenga. ‘A “crenca” esté ligada A nossa vida prética de cada dia. Agimos segundo nossas crencas. (Um behaviorista poderia dizer: uma “crenga’ € uma coisa com a qual agimos.) Por esta razio, basta, na maioria dos casos, certo grau bem baixo de certezs. Mas se muita coisa depender de nossa crenga, entéo néo s5 a intensidade da crenca se altera, mas toda a sua funglo biol6gica. Existe uma teoria subjetivista de probabilidade que admite podermos medir 0 grau de nossa crenca numa proposigio pelos riscos que estivermos dispostos a aceitar numa apos Esta teoria € incrivelmente ingénua, Se eu gosto de apostar se as paradas néo forem altas, posso aceitar quaisquer riscos. Se as paradas forem muit so no aceitar aposta al- jguma. Se nio puder evitar a aposta, digamos, por estar em jogo a vida de meu melhor s0 sentir necessidade de estar seguro da proposigéo mais trivial ‘Com as mios nos bolsos, estou completamente “certo” de que tenho cinco dedos em cada mo; mas se a vida de meu melhor amigo dependesse da verdade desta proposigio, eu po- deria (¢ penso que o faria) tirar as mios dos bolsos para ficar 82 “‘duplamente” seguro de que no havia perdido um ou outro de meus dedos miraculosament Qual é a concluséo de tudo € uma idéia limitadora e que a “certeza” experimentada ou nga e de evie ico — da importincia do que estd féncia em favor até mesmo de um radicalmente se 0 que tincia. Isto mostra que no é impossivel melhorar mesmo a mais certa das certezas. A “cetteza” nio € uma medida de renga — num sentido direto. Antes, é uma medida de crenga relativa a uma situagdo instével, pois a urgéncia geral da situa- ‘go em que estou agindo tem muitos aspectos € posso mudar um para outro. a plena certeza nao tem o carter de méximo ou wi Pode haver sempre uma certeza que seja ainda mais segura. Com exclusio de provas vélidas ¢ simples no mundo 3, a certeza objetiva simplesmente nfo existe. E a certeza do mundo 2 € sempre apenas a sombra de uma experiéncia a sombra da forca de uma crenca, dependendo nfo s6 da i de muitas outras coisas, como a seriedade da situagko do pro- blema no qual estamos agindo (ou talvez meramente dos “nervos”), __ £ importante observar a tal respeito que hé mt ges mas quais a recusa a agir impor comum temos de agit todo o tempo e que nos satisjazemos perfeitamente ‘ (A ciéncia — que essenciaimente critica — € também jectural e menos certa de si mesma do que a vida orque elevamos conscientemente ao nivel de um pro- blema algo que normalmente pode ter feito parte de nosso co- thecimento de base.) ‘Mas isto ndo quer dizer que alcancemos sempre o estégio fem que um engenhoso pensador ci cobrir brechas em nossos argument nguém pensara até entéo e que, portanto, ninguém tentara incluir ow excl 83 criticadas ¢ testadas do que qualquer coisa sobre a qual este- jamos acostumados a agir e a encarar como certa Nao hé f tese de que todo conhecimento ‘melhor testado do que muitas teorias as quais cons- tantemente confiamos nossas vidas (como a de que o soalho nfo ruiré ou a de que no iremos ser picados por uma cobra venenosa). {As teorias so verdadeiras ou falsas ¢ ndo merament os, Mas sem diivida sfo também instrumentos, para a prética ou aplicada assim como para mim e para nés 1_respeito de do relato de sua discusstio testes relatados. Se recebemos relatos dos re: testes € se repetirmos nés mesmos, talvez, um ou dois desses testes, poderemos entio usar esses relatos ¢ resultados para formar nossas proprias conviceGes subjetivas ¢ para determinar © grau de certeza com que mantemos nossas crencas pessoais (Este € um modo pelo qual poderia ser explicado o fuinciona~ mento do princfpio de transferéncia:(*) usamos conhecimento objetivo na formagGo de mossas crengas subjetivas pessoais; embora as crengas subjetivas pessoais sempre possam ser des- critas como “irracionais” em certo sentido, este uso do conhe- cimento objetivo mostra que nfo ¢ necessdrio haver aqui qual- quer conflito Humeano com a racionalidade.) 23 — O Método da Ciéncia ‘Tantas vezes tenho descrito o que considero como 0 método do autocorrecio por meio do qual a ser aqui jecturas ousadas e de tentativas engenhosas e severas para re- futd-tas. Ce tura ousada é uma teoria com um grande contetido — maior, de qualquer forma, que a teoria que, esperamos, seré superada por ela. Deverem ser ousadas nossas c diata do que tenho dito a res aproximagio da verdade: a ousadia, ou grande contetid a grande contesido le; por isto 0 contetido de falsidade pode ser ignorado a principio. 84 yumento no contetido de verdade néo 6 te para garantir um aumento de verossimili ‘como 0 acréscimo no contetido é uma questo puramente l6gica, © como o acréscimo no conteddo de verdade marcha com o acréscimo de conicido, o tinico campo deixado ao debate cien- aumentado, ou nfo, 0 contedido de f cura competitiva da verossimilitude transforma-se, especial- mente do ponto de vista empirico, numa comparagao competi- tiva de contetidos de falsidade (fato que certas pessoas encaram como paradoxo). Parece que também em ciéncia é certo (como certa vex. disse Winston Chur que as guerras nunca so ganhas, mas sempre perdidas, Nunca podemos torar absolutamente certo que nossa teoria no esté perdida. Tudo quanto podemos fazer & procurar © conteddo de falsidade de nossa melhor teoria. Fazemo-lo ten- tando refutar nossa teori la severamente a luz de nosso conhecimento objetivo e de nosso engenho. Sempre € possivel, sem divida, que a teoria possa ser falsa, mesmo que passe por todos os teste: , uma concessio devida a nossa busca de verossimilitude. Mas, se ela passar por todos esses testes, entdo temos boa razdo para conjecturar que nossa teoria, que sabemos ter contetido de verdade maior do que sua predecessora, pode ndo ter maior contelido de falsidade. E se falharmos em refutar a nova teoria, especialmente em campos em que sua predecessora haja sido refutada, entZo po- demos alegar isto como uma das razies obj jectura de que a nova teoria é uma aproximacio da verdade ‘melhor do que a velha teoria, idade, Esta nossa pro- Critica, Preferéncia Racional e 0 Problema da idade de nossas Escolhas e Predicoes testar teorias cient s faz parte de sua di cussio , como podemos dizer, faz parte de sua di cussio ois neste contexto mo conhego imo melhor para “racional” do que “critico”. A discussio critica nunca pode firmar razo suficiente para alegar que uma teoria nunca pode “justificar” nossa alegagao de conhe- jonalmente uma prefe- réneia por uma teoria dé de teorias concorren- to 6, com respeito ao estado presente da dis- ‘aco, embora no alegue que a teoria € verdadeira, pode ser a alegacdo de haver todas as indicagdes de que, neste estigio da discusséo, a teoria € uma aproximacao melhor da verdade do que qualquer teoria concorrente até entao proposta. Consideremos agora duas hipsteses concorrentes, fn ¢ Abreviemos em d, uma descri¢a0 do estado da discussao dessas cussao. Enos notemos por a) ety, di) < oth, di) a asserefo de que 0 grau de corroboracao de ferior ao de hs. E indaguemos que 1) sera uma assergdo um tanto incert la razio de que c(h, d;) muda com 0 tempo f, e pode ‘pensamento, Em muitos ‘Admitamos, porém, circunstdncias “ Suponhamos que uma discussdo prolongeda levou a resultados estéveis, € mente a um acordo sobre todos os componentes de evi- € suponhamos que nfo hé mudanga de opinido em ¢ por certo periodo consideravel. ircunstincias, podemos ver que, sendo natural- ‘mente empiricos os elementos de evidéncia de assercdo (1) pode ser, desde que d seja suficie légica ou (a menos que nfo gosteis do termo} Isto € particularmente claro se c(hi,d)) fosse negat'vo, porque o acordo da discussio no tempo ¢ € que a evidéncia refuta hy, sendo Yh, ds) Po a evidéncia sustenta ho. ‘como sendo a teoria de Kepler e fis como in. Pode-se concordar em que a teoria .da no tempo t (em razio das perturbagdes as), € pode-se concordar em que a teoria de Einstein, sustentada pela evidéncia. Se d; for suficiente~ no tempo mente explicita para acarretar tudo isto, entéo 86 a ths, de) < els de) importa na assergo de que um nimero negativo nfo eg ficado é menor do que um néimero positivo nao especificado, e esta 6 a espécie de assereo que pode ser descrita como “I6gica” Sem divida, haverf outros casos; por exemplo, se “A” nome como “o estado da discuss paracdo de duas magni podemos dizer que ESrcborepfo, sf suficentemente ben soaherdosseré Somente, poré ido da comparago for suficien- temente bem conheci pode dizer ser ele a base de uma preferencia 1 to é, apenas se (1) se sustentar 6 ‘que podemos di racionalmente preferivel ah: Tudo isto me parece direito ¢ antes Mas tem sido ctiticado pelas razdes que se seguem. Se (1) for analitico, entdo a decisio de preferir hy a hy também é analitica e, portanto, nenhumas novas predigdes sin- téticas podem provir da preferéncia por hy sobre fy, Nao de todo certo, mas parece-me que o seguinte resume a critica que foi apresentada primeiro pelo Professor Salmon contra minha teoria da corroboracéo: ou todos os passos di si ticos — ndo podendo digdes ciemtificas si — nfo podendo e vendo ser genuinamente si jostrar que o argumento & invélido como erica es; h, 6, como geralmente se ad € todas as predipdes (no tautol6gicas) so derivadas de hy ¢ ‘io da desigualdade (1). Isto basta para responder a A questio do motivo de preferirmos hy a fy tem resposta na refe- . também & nflo- rincia a di, que, se suficientemente espe: ‘ig nunca tornam hy verdadeira, para nada dizer de “ana- sto, no méximo, razies logicamente inconclusivas para conjecturar que esta € a mais verossimil das hipéteses concor- rentes no tempo 1. 87 25 — Ciéncia: 0 Crescimento do Conhecimento através de Critica e Inventiva Vejo_na ciéncia uma das maiores criagdes da mente io da escrita ual nossos mitos éxplicativos ficam abertos & te € coerente € no qual somos desafiados a inve s. (E comparavel a0 passo conjectural nos_pri da génese da vi objeto de evolu Muito antes da cr — de conhecimento incorporado ao cédigo genético. A gem permite a criagdo e a mutacio de mitos ex , € que nos permite subs- idago (mundo 2) pelos argumentos impessoais do mundo 3. UMA REFLEXAO ULTERIOR SOBRE A INDUGAO 26 — Os Problemas de Causagdo e Indugdo, de Hume Até aqui(**) foi-me possivel dar um perfil da epistei € dos métodos usados em ciéncia para promover 0 crescimento do conhecimento sem sequer mencionar a indugio alavra, nem o alegado fendmeno. Penso que isto é significe- . A indugdo é uma trapalhada e como o problema da inducio pode ser resolvido, de maneira negativa mas ndo menos direta, vé-se que a indugo néo representa parte integral em epistemo- logia ou no método da cigncia e no crescimento do conheci- mento. Em meu seguindo Kar ro Logik der Forschung (1934) escrevi de Hume”: o préprio Kant néo 0 chamou assim, do que pareco dizer na passagem acabada de citar. © que aconteceu foi isto, Kant apresentou originaria © nome “problema de Hume” (“Das Hume'sche Problem’ para a questio da situacdo epistemolégica da causapdo; e de} 88 generalizou o nome para cobrir toda a questio de poderem set vilidas a priori proposigoes principio da causacio como 0 portante dos prinefpios Procedi diferentemente. Consider carar o problema da causacio como int modo de Hume en- ida no meio dessas poucas contribu trei uma que considerei como gema de valor a teoria do conhecimento objetivo: uma refutacéo simples, di- reta, I6gica a qualquer alegacdo de que a inducdo poderia ser uum argumento valido ou um mei Este argumento humeano di mesmo tempo, 0 mago de sua contestacao da elo causal. Mas como tal ndo o achei muito importante, nem valido. ‘Assim, para mim, o que Ki Hume”, o problema da ¢ causal (a respeito dog quanto de ito do qual concordei completamente com Hu (Havia também um aspe ;ol6gico do problema da indugto onde sem diivida discordei de Hume.) ‘Meu passo seguinte foi encarar mais de perto a situagao do problema de Kant; e aqui achei que 0 decisivo entre seus ptineipios sintéticos a priori nio era (como ele pensava) o prin- cipio de causagio, mas sim 0 modo por que ele 0 usava pois ele © usava como um principio de induciio. ‘A indugdo, mostrara Hume, era tum regresso infinito. Ora, & luz da wélida porque levava se de Kant (¢ de minha Esta foi a f6rmula com que iniciei o argumento de meu livro LF. E ela me levou a batizar 0 centro légico de toda a questo — 0 problema da indugdo — como “problema de Hume”, atribuindo este nome a Kant, que denominara “‘pro- blema de Hume” o problema da causacio (e sua generalizagéo). cho que deveria, pelo menos rapidamente, entrar em sugiro, é um homem de senso comum. Como indica ‘ado” (Treatise), € um convicto realista de senso 89 comum. Apenas sua pior metade, sua teoria de senso comum do ). Hume, talvez até mais do que Locke ¢ Berkeley, 6 0 paradigma do fildsofo que comega com um forte sofia idealista, que ele ue Ihe parta a mente a0 6 a esquizofrenia entre’ o realismo de conhecimento que dirige o e 30 absurdo, que apenas um fildsofo 5 ente um to razoavel como Hume. Essa esquizofrenia € exposta por Hume, mais claramente, no famoso trecho: “Como a diivida comum) de uma reflexio profunda ela sempre cresce quanto mai lex6es, em oposigo ou em conformidade com ferenga e a desatenco nos podem dar algum remédio. Por esta razio, confio in € tenho por certo, seja qual possa ser a opiniéo do l momento presente, que dagui de que ha tanto wm mundo tabelecido que sua teoria do conhecimento era a mais profunda verdadeira filosoficamente, Para mostrar que ele assim ito, dentre uma imensidade de trechos, o seg ', em que ele argumenta contra o “erro”(#) de nossa crenga num mundo externo “De tudo isto pode-se inferir que nenhuma outra faculdade cia externa ‘do corpo. Mas, ‘mos apenas levar em conta as trés seguintes consideragdes. Pri- ‘meira, que, adequadamente falando, no € 0 nosso corpo que percebemos quando olhamos nossos membros, mas certas im- presses que entram pelos sentidos; de modo que atribuir uma existéncia real e corporea a essas impressdes, ou a seus objetos, 6 um ato da mente tio dificil de explicar como aquele que exa- minamos presentemente. Segunda, sons, € sabores, € cheiros, embora comumente encarados pela mente como qualidades in- dependentes continuas, parecem nao ter qualquer existéncia em extenséo e conseqlientemente no podem aparecer aos sentidos como situados externamente ao corpo. A razio pela qual lhes atribuimos um lugar seré considerada mais adiante, Terceira, ‘mesmo nossa visio nfo nos informa da distancia ou externidade 90 (por assim dizer) imediatam rigncia, como é reconhecido pel Isto € com toda a pureza a teoria do bal cimento consiste de nossas percepgdes entram pelos sentidos”. E estes, devem estar em n6s ¢ no pode (Sem davida, esta esde que partamos da racionais”. : nosso conhe- imeira parte do senso comum, do tados de srg judam a decifrar os sinais do mundo ext 10 admiraveimente bem, com @ cooperacdo de, prati- todo o nosso corpo “externo”. Mas nfo € este 0 nosso problema aqui.) Esbocei em sintese a esqi papel desempenhado em sua opi Sobre frenia de Hume e 0 esmagador pela teoria do balde mental. ‘coria da causalidade, & complexa e longe de ser coerente, ¢ s6 acen- tuarei_um aspecto dela. ‘Hume considera a causagio como (a) wma relacéo ent (b) como uma “CONEXAO NECESSARIA” (as maifisculas so de Hume).(**) Mas (diz ele) quando aqui “torno a virar o objeto de ios os lados para descobrir a natureza desta conexdo necessé- encontro relacdes, contigiidade suces- nfo hd base de sensagao para a idéia de necessidade: a idéia 6 sem base. (© que mais se aproxima do que é observavel 6 a sucesso se a sucesso regul regular. Me cessiria", entio cla centre os exemplos ob: de dois eventos fosse ‘ne- ria de verificar-se com certeza, nao sb idos mas também entre os nao obser- vados. Este é, essencialmente, 0 mod qual 0 problema Geico da indugdo entra na discussao subjetivista que Hume faz da causa¢o, em sua procura com a teoria do balde da origem ‘ou da base da idéia de necessidade. ipo de indagacdo como completamente mal a formulagdo de Hume e seu tratamento do problema tégico da indugdo (ele nunca usa este termo) como uma gema sem jaca. Cito uma das passagens caracteristicas: “Sejam todos desde logo plenamente perstadidos destes dois principios, Que nada hd em qualquer objeto, considerado em si mesmo, que nos possa oferecer uma razdo para tirar uma conclusio além dele; e Que mesmo apés a observacdo da fre- aitente ou constante conjungdo de objetos, no temos razto para extrair qualauer inferéncia concernente a qualquer objeto atém daquetes com os quais temos tido experiéncia;..."(48) Eaves “dois prinefpios” de que Hume nos tenta persuadir contém sua solugdo negativa do problema da inducdo. Eles (e muitos trechos 3) nao falam mais de causa ou efeito, ou de conexio So, a meu ver, as gemas I6gicas sepultadas no lodo psicolégico do balde. esta descoberta fundamer expresso de Kant, “problema de Hume”, para blema da inducdo e no ao problema da causagdo. Neste sentido, o problema I6gico da indugdo, de Hume, é © problema de estarmos ou no capacitados a inferir casos ndo ges “desconhecidas” (nfo aceitas) de asserebes “conhecidas” (aceitas), sejam quantas forem. A resposta de Hume a este problema claramente negativa; e, como ele aponta, perma- iva ainda que nossa inferéncia meramente se refica & navel em todos os baseia na presuncio de uma com os quais temos tido experi © argumento contra remos, puramente form: passagem do Abstrato de Hume que citei em meu livro L.Sc.D., 1959.(%) Isto é, Hume mostra que seu raciocinio contra a vali- ni, das conclusées, quer simples- “ne “p” seriam va- Tves que poem ser subsides feiprocamente no srgumento de Hume.) (*) “problema da indugao d de mostrar que infer pressupe, no cia de uma solugdo positiva do que chamei ; mas Hume provou qt ai pessoas perfeitamente racionais também, acreditam na validade 92 da inducdo? A resposta de Hume é aquela a que Russell alude, na epfgrafe de nosso primeiro capitulo: 0 mecanismo psico- légico da associacio forca tais pessoas a acreditarem, por tume ou habito, que aquilo que aconteceu no passado a cerd no futuro. Este é um mecanismo biologicamente it talvez. nfo pudéssemos viver sem ele — mas nio te base racional. Assim, 0 homem nao s6 € um anit és que julgamos racion: elusive o conhecimento pri Deste modo, 0 choque entre a solugio negativa dada por Hume ao problema légico da induco ¢ sua solugio positiva do problema psicolégico destruiu tanto o empirismo quanto 0 ra- cionalismo. 27 — Por que o Problema Légico da Indugdo de Hume é mais Profundo do que seu Problema da Causa¢do Poderia facilmente haver pequena disputa sobre a questio de qual & 0 problema mais profundo: o problema da causacao, de Hume, ou o que chamei seu problema da inducao, Poder-se-ia argumentar que, se o problema da causacio fosse resolvido positivamente — se pudéssemos mostrar a exis- téncia de um elo necessério entre causa e efeito —, o problema da inducdo também estaria resolvido, e positivamente. Assim, poder-se-ia dizer, 0 problema da causacéo € 0 mais profundo. Argumento eu inteiramente a0 contrério: 0 problema da indugdo esta resolvido negativamente; nunca podemos a verdade de uma erenga num’ re fe usamos regularidades, como conj szes temos boas razbes para preferir certas conjecturas ss de suas concorre como podemos mesmo dizer de que consiste o “elo causal ne- cessirio’ mos dizer que as condigdes sio a causa (conjecturada) ¢ que o evento predito ¢ o efeito (conjecturado). E a conjectura que os liga por necessidade Idgica é o longamente procurado elo necessario (conjectural) entre causa e efeito. (Tudo isto pode ser chamado uma “‘explicagdo causal”, como o chamei em La.F., secgdo 12.) 93 Isto i lucdo negat — posigao de irracionalismo de Hume. ica que vamos mi ‘a de Hume ao problema da indugfo do que por meio de sua solucao negativa ao problema da causaga que podemos descrever o prim: fundo”, aquele que esté “por 28 — Intervengao de Kant: Conhecimento Objetivo ica de Newton. Como todos os seus ci Hume mostrara que a indugio era ameagada por um re- to. Kant indicou que Hume, com seu dogmatismo 1a seco I de LF.) e que Bertrand : ambos tentaram salvar a racionalidade humana do todas as sentencas, de acordo com sua forma -ciso como verdadeiras ou falsas apenas com iu-as ainda ma ou a poster Divisko DE SENTENGAS is” do outro. ‘mais Jonge por meio da so- de modo problema como 0 “mais pro- verdade da ide de haver um prin- , de acordo com sua sua alegacdo de ver- fico (a priori), conforme a forma légica: entio a priori.) 94 (As setas significam “se. analitica [sin Contorme a J base de alegagto a priori + 2 a verdade ou falsidade: a posteriori be — * enta por exemplo, se analitica, ha ou nfo hé sentengas ser validas @ priori? Kant diz qui a geometria, 0 principio da fo resolveu o problema de Hume, Ma sustentivel? Como podia a verdade do idade (por exemplo) ser ii Kant entrou com sua “Revolugio de Copérnico”: 0 intelecto humano que inventou, e impés, suas leis sobre 0 pain- tano dos sentidos, criando assim a ordem da matureza, Era uma teoria ousada. Mas a dinamica de Newton nio era vi 10 de senso comum, um bom pedaco da idéia de Kant poderia reter-se. As leis da natureza sio invengio nossa, si de feitura animal e de feitura humana, eza. Muitas vezes falhamos e perecemos com as nossas conjecturas errOneas. Mas as vezes chegamos bas- tante perto da verdade para sobreviver com nossas conjecturas E no nivel hymano, quando esta ‘a e argumentativa, podemos turas. E este 0 método d: £ importante compreender a grande contrib Kant a esta solugo, embora Kant no ri mo na teoria do conhecimento. discussio constante de teo assergies, proposicées ios cientificas ¢ dos argumentos pré e contra eles, quando seus precursores ainda falavam principalmente de sensa- 6s, ou impressoes, ou erengas 29 — A Solucto do Paradoxo de Hume: Restauragao da Racionalidade(**) Desde os dias em que escrevi o trecho em que denominei “problema de Hume” o problema da inducfo, esta terminologia tem sido universalmente adotada, Em vio pesqusei a literatura na tentativa de verificar se alguém antes de mim chamara “pro blema de Hume” ao problema da indugio. Todos os exemplos que pude encontrar podiam ser rastreados até escritores que haviam ido meu livro mais ou menos cuidadosamente (tais como Russell ou Von Wright). Naturalmente posso ter passado 95 sobre algum autor antigo ¢ nada poderia ser menos importante do que alegar prioridade por apresentar 0 nome de um pro- blema. Menciono 0 assunto apenas porque tornou-se_moda também denominar “problema de Hume” um problema int mente diferente e porque alguns autores recentes tentaram dizer- -me que o “problema da indugio, de Hume” é de fato diferente daquele 2 que dei tal nome. Evidentemente hé varios problemas diferentes que pode- riam ser assim denominados e referir-me-ei a dois grupos:(*) Grupo A — Como podemos justificar a indugdo? Grupo B — £ a indugio justificével de algum modo? E ‘hd qualquer razio para que a julguemos justificavel? Ver-se~é desde logo que o Grupo B é a questo mais fun- damental: se for resolvido recebendo uma resposta claramente negativa, ento a questo do Grupo A nao pode surgir. ‘Alego ter resolvido a questio do Grupo B neste sentido, Em outras palavras alego ter resolvido 0 problema da indugao, de Hume, em sua mais profunda forma, Digo isto explicitamente porque varios filésofos tém chamado “problema da induc, de Hume” ao Grupo A e me tém atribuido erréneamente a ale- gacio de que o problema da indugio, de Hume, & insolivet, 20 ppasso que minha alegacdo foi a de que eu o hi completamente, embora negativamente. ‘0 problema da indugao, de Hume, consisfe de dois ele- mentos: (a) A questio da justificagio da validade da alegago de haver estabelecido com certeza, ou pelo menos com probabili- dade, a verdade de uma regra ou de uma generalizagdo, ou pelo menos sua provavel verdade, a partir de evidéncia singular; (b) A tese de que a indugio esta ligada & repeticao (¢ de que a repetigao se liga ao fortalecimento de associagdes). Pode-se, sem divida, dar o nome de “indugo” ao que se quiser. Pode'se dizer que minha teoria da critica e do cresci- mento do conhecimento & minha teoria da indugdo. Contudo, acho que isso contribuiria pouco para a clareza e muito para a confusio. Pois, dos dois clementos, a questo (a), se a in- dugdo é uma inferéncia valida — isto é, se produz alegagdes validas em apoio da verdade da proposicao induzida — parece- -me caracteristica do problema de Hume e de sua resposta nega- tiva (Iégica); € (b), 0 elemento da repeticao © da associ parece-me caracterfstico do problema de Hume € torna possivel parte positiva (psicolégica) de sua resposta 96 Hume, de fato, respondeu de dois modos essencialmente diferentes as questdes suscitadas por (a) e (b) (a) Disse cle que a indugdo ¢ completamente invélida como uma inferéncia. Nao ha sombra de argumento l6gico que sustente a inferéncia para uma generalizacao partida de asser- ses acerca do passado (tais como repetigdes passadas de al- guma “evidéncia”), (b) Disse ele que, apesar falta de validade 16- gica, a indugio désempenha papel indispensivel na. vida pré- tica. Vivemos confiando na repeticao. A associagdo fortale- la pela repetigio € o mecanismo principal de nosso intelecto, Jo qual vivemos ¢ agimos. Assim, existe aqui um paradoxo, Meso 0 nosso inte. lecto ndo funciona racionalmente. O habito, que € racional- mente indefensével é a forca principal que ‘guia nossos pen= samentos ¢ apdes. Isto levou Hume, um dos pensadores mais racionais de todos os tempos, a abandonar o racionalismo © a encarat 0 homem néo como dotado de razfio, mas como produto de ego habito De acordo com Russell, esse paradoxo de Hume é res- ponsivel pela esquizofrenia ‘do homem moderno, Tenha ou Go Russell razio nisso, alego que 0 resolv. A solugio do paradoxo é que no s6 raciocinamos racio- nalmente, e portanto contrariamente ao prinefpio da indugéo, estabelecido por Hume como invilido, mas também agimos racionalmente: de acordo com a razio'e nio com a indugio. Nao agimos baseados em rep. vibito”, mas. basea- dos nas mais bem testadas de nossas teorias, as’ quais, como i vimos, so aquelas para que temos boas razdes racionais; Go, sem diivida, boas razées para crer que sejam verdadeiras, mas para cret que sdo as de melhor aproveitamento do ponto de vista de uma busca da verdade ou da verossimilitude — as melhores entre as teorias concorrentes, as melhores aproxi- magées da verdade, Para Hume, a questi central era: agimos ‘ou no de’acordo com a razao? E minha resposta é: sim. Com isto esté recolvido 0 paradoxo de Hume. Estava ele certo em sua critica légica da possi indugio valida, Onde estava errado era em sua associacio psicol6gica, fem sua erenga de que agiamos com base no habito e de que © hébito era o resultado da pura repeticio. Esta solugdo do paradoxo de Hume, sem divida, nfo diz que somos criaturas completamente racionais. Diz somente que 7 nfo hé conflito entre a racionalidade ¢ a aco pritica em nossa constituigdo humana. Tem-se de acrescentar, naturalmente, que 0 padrao racio- nal de nossas ages priticas muitas vezes fica bem para trés, do padro aplicado as fronteiras do conhecimento: muitas vezes agimos baseados em teorias que desde muito foram superadas, fem parte porque muitos de nés no compreendemos o que acon- tece nas fronteiras do conhecimento. Nao creio, porém, que valha a pena prosseguir nestas observages. 30 — Confusdes Ligadas ao Problema da Inducdo © proprio Hume confundiu 0 problema da indugio com 0 problema da conexio necesséria entre causa ¢ efeito; ¢ Kant viu no problema da validade @ priori da lei causal um dos mais, fundamentais problemas de metafisica. Mas Hume deve ter a seu crédito a formulagao do puro problema I6gico da indugtio e de suas solugées (e ufana-me ter sido eu o primeiro, até onde sei, a creditar-he isto). Escreve ele, por exemplo, que nio temos razdo para acreditar que “aqueles exemplos de que ndo tivemos qualquer experiéncia (tenham probabilidade de) assemelhar-se Aqueles de que tivemos experiéncia.” (*) ‘A formulagio nfo podia ser separada mais claramente do problema da necessidade causal, que tantas vezes atormenta a clareza do pensamento de Hume. Também esta a formulacdo in- teiramente livre do elemento confundidor da inferéncia do pas- sado para o futuro, Tudo quanto esté admitido € que temos evidéncia empirica da verdade de certos exemplos, € asseve- rado que isto néo nos capacita a concluir ou a extrapolar para experiéncias anélogas em outros exemplos (seja no passado ou no futuro). Tsto, pois, em toda a sua pureza, é o que batizei como “pro- blema (I6gico) da indugio, de Hum ‘A resposta de Hume & a mais clara possivel: nfo hé argu- mento de razio que permita uma inferéncia de um caso para outro, por mais similares que possam ser as condigdes; e con- cordo plenamente com ele a este respeito. Creio, porém, que Hume esta errado quando pensa que, na pritica, fazemios tais inferéncias, com base na repetigio’ ou habito, Assevero que sua psicologia é primitiva.(%) © que fa- zemos na pritica é saltar para uma concluséo (muitas vezes na forma de uma “gravura” Lorenziana); isto é para hipdteses inteiramente inconclusivas a que muitas vezes nos aferramos ¢ com as quais poderemos perecer, a menos que sejamos capazes 98 de corrigélas, 0 que € possivel especialmente se, no nivel humano, forem formuladas extrassomaticamente em’ forma es- crita ¢ submetidas a critica A assergdo de que temos uma inclinagdo irracional para impressionar-nos com o habito ¢ a repeticao € algo inteiramente iferente da assergo de que temos tendéncia para experimentar ipéteses ousadas que poderemos ter de corrigir se nfo qui mos perecer. A primeira descreve um processo de instrusio tipicamente lamarckiano; a segunda, um processo de selegdo darwiniano. A primeira é irracional, como observou Hume, en- quanto a segunda no parece ter em si nada de irracional. 31 — Que Resta do Erréneo Problema de Justificar a Inducao? © errdneo problema do Grupo A — o problema de justi- ficar a induedo — é suscitado por pessoas impressionadas com a “Uniformidade da Natureza”; com 0 fato de que o sol surge todos os dias (uma vez em vinte e quatro horas, ou uma vez em cerca de 90,000 pulsacdes); de que todos os homens ¢ todos os animais esto fadados a morrer;(°7) ¢ com o famoso exemplo de Hume de que o pio alimenta. Mas todos os trés los so refutados na forma em que foram originaiamente os, ‘O sol surge todos os dias” queria dizer “para onde quer que fores 0 sol surge todos os dias. Que este era seu cado de origem, mostra-o o fato de que Pitéias de Mars primeiro viajante que se sabe ter atravessado 0 citculo polar € descrito “o mar gelado ¢ 0 sol da meia-noite”, foi tido durante séculos como o paradigma do mentiroso, derivando-se dele a expressdo, “historia de viajantes”. O destino de todos os homens ‘morrerem inevitavelmente foi derivado por Aristételes do fato de que tudo quanto é gerado, e especialmente todas as eriaturas vivas, devem decait — tese que de modo algum j4 nao é mais aceita geralmente pelos bidlogos (que até agora tém conservado um coracao de galinha in vitro a bater por mais de meio século) E o exemplo de Hume de que o pao alimenta foi tragicamente refutado quando pio saido do forno do modo costumeiro pra- ticamente exterminou uma aldeia francesa em vista de uma de- flagragdo de ergotismo. . Isto 6 tudo, porém? £, £ simplesmente 0 fato (seja 0 que for que possam dizer os fil6sofos) de estarmos certos, por senso comum, de que o sol surgiré sobre Londres amanha. Contudo, 1&0 0 Sabemos com certeza. Ha milhdes de possibilidades ca- pazes de impedi-lo, Quem quer que tente dar-nos razdes posit 99 vas para crer nisso ndo apreendeu 0 problema. Todos admit damente, humanos ou no, esperamos que o sol continuaré a surgit, Admitidamente, esta esperanga é uma esperanga necessé- tia — necesséria para a ago, pa esperanca necesséria no é conbecimento objetivo, embora nos possa dispor a crer. Em outras palavras, as regras que ainda so usadas por fil6sofos como exemplos padres de regras indutivas © de sua fidedignidade sio todas falsas, mesmo quando sio muito boas aproximagées da verdade, parece. Mas isto é s6 para mostrar a inafiancabilidade da suposta indugdo, Indugao gem fe. O que pa- rece indugdo € raciocinio hipotético, bem testado e bem corro- borado e de acordo com a razfo eo senso comum. Pois hi um método de corroboragio — a tentativa séria de refutar uma teoria quando uma refutaco parece provivel. Se essa tenta- tiva falhar pode-se conjecturar, em terreno racional, que a teoria € uma boa aproximacdo da verdade — melhor, de qualquer forma, do que sua predecessora. Mas néo podemos chegar a algo como a seguranca? Nao podemos chegar.a seguranca na indugdo em casos incontaveis de repetigao? A ta 6 nfo, (Foi isto o que Hume disse.) Podemos ilmente & seguranga de senso comum — nio tanto pela repetico como por testes severos. Tanto quanto qualquer outro, sinto conflanga em que o sol surgiré sobre Londres amanhé, ou em que terei de morrer embora o pio continue a alimentar-me. Mas sei, como tedrico, que outras coisas podem acontecer. Sei mesmo que o sol no surge diariamente em todas s da Europa, que bactérias nem sempre morrem, mas jem, e que o pfo, a Agua, o ar e nossas circunvizinhancas, mais comuns ¢ fianga contém (e teme-se is. Pode-se também perguntar: por que temos éxito com a nossa feitura de teorias? Resposta: temos tido éxito até aqui, ‘mas podemos fracassar amanha. Qualquer argumento mostrando que devemos ter éxi Jonge demais, Tudo quanto po- demos fazer € conjecturar que vivemos numa parte do cosmos ‘onde as condigdes de viver e de ter éxito em nosso empreendi- mento de conhecimento parecem ser favordveis no momento. Mas, se sabemos alguma coisa, entio sabemos que em quase todas as demais partes deste cosmos as condigdes de vida e de conhecimento s4o altamente “desfavoriveis, pois nossa cosmo- logia nos diz que 0 mundo em quase toda parte é completa~ 100 mento vazio e, onde nao é vazio, & quase em toda parte quente demais. E 0 fato de que veiculos puxados a cavalo puderam ser vistos em Londres todos os dias durante muitos séculos néo impediu seu desapar embora possamos dizer que as leis da isto se acha perigosamente perto de dizer ido algumas conexdes abstratas que no se admitirmos que no sabemos, , © que sejam essas conexdes) ¢ 32 — Ceticismo Dinémico: Confrontagao com Hume A posigtio aqui def que se tem chamado mente diferente daquilo “mn tempos modernos, pelo ‘nos tempos modernos, 0 que € pessimista com res- como eético quem do conhecimento. is como Cicero ¢ tados da posigdo aqui ‘bem se poderia traduzir (embora rar iramente racional. Isto © desejo de conhecer a propria esperanca tenha certamente muito pouco tem a ver onde nada pode ser conhecido. Nesta conexio, parece-me de certa importincia voltar a ‘nosso ponto de partida — senso comum mais argumentagio cri- tica — ¢ lembrar-nos do resultado de que 0 senso comum en- volve realismo — talvez algo ndo muito distante de “‘realismo cientifico” — e que todos os argumentos conhecidos contra 0 realismo(*) se mostram criticamente insustentaveis — ou, mais precisamente, disparates insustentdveis da. parte mais fraca do BLOT 101 Ge kSG significa uma al na situago de smo esperancoso”, especialmente quando compa- rado com o de David Hume, Hume argumenta: (1) A indugdo (isto é, a indugdo pela repeticéo) é, racio- nalmente, de todo invélida. em nossas agdes (e assim em nossa Esta nossa confianga, em vista de (1), é irrepara- irracional. (4) ‘Assim, a natureza humana é essencialmente irracional. Aceito plenament (2) de Hume. Mas rejeito ese (3), a tese di nfo tento basear (2) em (1 parte de tal modo intocada do senso comum que néo temos Tazo para render-nos, Hume acreditava — por causa de sua errénea teoria de senso comum do conhecimento — que s6 pode ser razofvel aceitar (2) quando 0 “ i & quando temos raza que tal crenca se baseia de fato na indugdio (que ele acertada- wa como irracional). Mas no existe apenas 0 co- jumano de razéo suficiente; existe também 0 conhe- tido atrés, na secoio 20). A posicdo de nossa comum da realidade nfo difere essencialmente daquela das per- cepedes ou impressdes fas que Hume accitava; trata-se de conhecimento conj toma-se parte de nosso equi- lo de experimentacdo € de ertos. As ou para vé do da auséac Em suma, no precisamos argumentar, partindo da inducéo para o realismo; nada hé de irracional na conjectura do realismo; e os argumentos gerais contrérios, em idez Hume acreditava, fazem parte de sua errOnea epis- temologia de senso comum. Temos, assim, perfeita liberdade para rejeitar as teses (3) ¢ (4) de Hume, 102 Mais um ponto pode ser assentado acerca de (3) e (4). Cremos esperangosamente no realismo ¢ esta esperanga no & por haver pelo menos alguns argumentos de “realismo J" que nos fazem predizer a destruigdo final de toda Mas mesmo isto nflo apoia as teses (3) e (4) de Hume. Pois nao é irracional ter esperanga enquanto vivermos — ¢ agdes e decisdes nos so constantemente impostas. 33 — Andlise de um Argumento Provindo da Improbabilidade de Acidentes idamente (na sec¢do 22), a probabili- ia de “crenca racional” patece-me um engano que nada tem de bom a oferecer a teoria do conhe- cimento. Visto que, porém, nada depende de palavras, nfo faco a que se chame o que aqui chamei de conjectura. Uma conjectura “provavel” nfo for interpretada no sentido do jade, Pois a probabilidade no sentido do céleulo de probabilidade nada tem a ver, em minha opinio, com a bondade de uma hipétese. (S6 sua improbabilidade, como jé foi explicado, pode ser usada como medida de seu contetido e, assim, de um aspecto de sua bondade.) contudo, um velho argumento com um nicleo fraca- mente plausivel que pode ser ligado ao célculo de probabili- dade, como se segue. ‘Admitamos que temos uma hipétese He que essa hipétese seja logicamente muito improvével, isto &, que tenha contetido ‘muito grande e faga assergdes num nimero de campos até entio completamente desligados. (Exemplo: a teoria gravitacional de Einstein predisse nfo s6 os movimentos planetérios de Newton, mas também um pequeno desvio na Srbita de Mercério, um efeito no caminho dos raios de luz quando rogam um corpo pesado ¢ um desvio vermelho das linhas espectrais emitidas em campos gravitacionais fortes.) Se todas essas predigdes forem testadas com éxito, entio parece intuitivamente bom ¢ razodvel © argumento que se segue. Imente poderd ser um acidente que a teoria pre- diga essas predigdes extremamente improvaveis se nfo for ver- 103 dadeira. Dai, argumenta-se que hé uma probabilidade to grande de sua verdade quanto hé uma improbabilidade de que esses sucessos sejam devidos a uma acumulacio de acide nele alguma coisa. Vejamo-lo mais de perto Admitamos que o argumento (1) seja entio caleular a probabilidade de ser verdadeira a teorla com: 1 menos a probabilidade de se ter verificado apenas aciden mente; e se 0s efeitos preditos forem logicamente m vaveis — por exemplo, em vista de seu montante predito muito precisa’ e corretamente — entio os produtos lade. Em outras palavras, ob todo de eélculo, para uma boa con} muito préxima da unidad © argumento a principio parece convincente, mas & obvia~ mente invélido. Tomemos a teoria de Newton (N). predigdes precisas que de acordo com o argument deveria alcangar uma probabilidade muito pr6 A teoria de Einstein (E) alcangaria uma probat maior. Mas, pelo eéleulo de probabilidade, temos (escrevendo “v" para significar “ou”): BIN v E) = P(N) + WE) — WINE): © como as teorias so incompativeis, de modo que p(NE) = 0, obtemos PIN v E) = P(N) + plE) = 2 isto & muito préximo de 2), 0 que é absurdo. ‘A solugdo do problema € que esse argumento (1) € racio- cinio especioso. Pois € possivel o seguinte: (2) © bom acordo com o resultado improvavel observado nfo resulta de um acidente nem se deve a verdade da teoria, mas simplesmente & sua verossimithanca, Este argumento (2) explicaria por que razo muitas teorias veis podem concordar em muitos pontos delicados em amente, seria altamente improvavel que concordas- sem por mero acidente. ‘Assim, 9 argumento (1) pode ser exposto um pouco mais, corretamente deste modo: (1°) Ai ha algo de verossimilitude e um acordo aciden- talmente muito improvavel entre uma teoria © um fato pode 104 ser interpretado como indicador de que a teoria tem uma ve- rossimilitude (relativamente) alta. Falando de modo geral, um acordo melhor em pontos impr terpretado como indicagio de maior vero: Néo penso que se possa dizer muita coisa contra este ar- ‘gumento, mesmo que néo me agrade seu desenvolvimento em ainda outra teoria de inducdo. Mas quero to! iramente claro que o grau de corroboragio de uma teoria (que é algo com a medida da severidade dos testes pelos qu niio pode erpretado simplesmente como medida de sua No méximo, 6 apenas um indicador (como ex- pags. 234 segs.) de vero: esta aparece no tempo t. Para o grau a foi severamente testada apresentei 0 termo ¢do”. Deve ele ser usado principalmente para fins de compara- do: por exemplo, E ¢ testada mais severamente do que N. O grau de corroboragéo de uma teoria tem sempre um indice temporal: é 0 grau no qual uma teoria parece bem testada no tempo 1. Isto nfo pode ser uma medida de sua verossimilitude, como indicagio de como suas verossimilitudes ‘aparece no tempo , em comparago com outra teoria, Assim, © grau de corroboragao é um guia para a preferéncia entre duas teorias em certa etapa da discussio com respeito & sua ento aparente aproximagio da verdade. Mas 36 nos diz que uma das teorias oferecidas parece — a luz da discusséo — a mais pré- xima da verdade. 34 — Sumério: Uma Filosofia Critica de Senso Comum Desde que tenhamos visto a necessidade de uma filosofia critica, surge o problema de um ponto de partida. De onde co- megaremos? A questéo parece importante, pois hé um perigo aparente de que um engano inicial possa ter as mais graves eon- seqiigncias. ‘Com referéncia a esse ponto de partida, as opinides man- tidas por muitos fil6sofos cléssicos e contempordneos ¢ as con- ccepgées que aqui tenho mantido, como uma filosofia semi-aca~ rinhada de senso comum diferem radicalmente umas das outras. Tentarei agora sintetizar as principais diferencas em forma tabular. 105 Fildsofos Anteriores (1) A escolha de nosso pon- to de partida 6 decisivamente importante: devemos. cuidar de nfo cair em erro logo no inicio, (2) Nosso ponto de partida deve, se possivel, ser verda- deito e certo, (3) Ele pode ser encontrado na experiéacia pessoal do ser (subjetivismo) ou na pura descrigéo do comportamento (objetivismo).(%) (A) Acei subjetivismo uma forma da teorla de senso comum do conhecimenio — teoria que se pode dizer que forma 0 ponto mais fraco do senso comum. (5) A teotia que os subje- tivistas aceitaram € que o conhecimento mais certo que podemos ter & acerca de nds mesmos ¢ de nossas experién- cias observacionais ou per- ceptuais. (Na énfase sobre a certeza de experitncias pre- ceptuais coincidem subjeti vistas e objetivistas.) fas, ou dados dos sen- cperiéncias diretas ou Minha Opinio Critica (1') A. escolha de nosso Ponto de partida nfo 6 deci- iportante porque pode ser criticada © corrigi- da, como tudo. (2') Nio hé meio de encon- trar um ponto de partida tal como este. (3') Como néo pode ser en- contrado no subjetivismo nem ‘no objetivismo, pode ser me- Ihor comegar com ambos ¢ ctiticar ambos, (4) B aconselhavel comecar partindo do senso comum, Por mais vagas que possam Ges por ele com- preendidas, mas sendo de tudo que possa ser alega- do em nome do senso co- mum, (5°) Pequena reflexao critica nos convence de que todo 0 ‘n0ss0 conhecimento € im- pregnado de teoria, e (qua- se) todo de cardtér conjec- tural. (61) Visto ser todo conheci- mento impregnado de teoria, ele se edifica sobre mas pode ‘cavando-se ci fundo e no como certos quaisquer dos” alegados. (7) sto € um resultado (7") Aqui é que a teoria Glaro da teoria de senso de senso comum do conheci- comum do conhecimento. nossos rgios de conheci- ‘mento (para ndo falar da in- terpretago de suas transmis- ses) so impregnados de teoria e abertos ao erro, ainda que s6 ocasionalmente em organismos sadios. (8) Mas a teoria de senso (8) Reconhecemos que comum do conhecimento, mesmo o realismo € sua teo- que sempre comeca como tia (biolégica) do conheci- uma forma de real mento sfo duas conjecture mina sempre no at © argumentamos que o pi idealismo epistemolégico ou _meiro € conjectura muito me- do operacionalismo, Ihor do que (9°) A teoria de senso co- mum do conhecimento ¢ re- provada como autocontradi- ‘éria; mas isto néo afeta a teoria de senso comum do nifo de Kant.) mundo, isto é, 0 realismo. ‘Uma tentativa de manter a teoria de senso comum um todo integral, — realismo mais epistemologia de senso comum — tende a ruir. Assim, pelo método de ser cético acerca do ponto de partida que se adota, a teoria de senso comum se aries — realismo e epistemologia itada ¢ substituida por uma teoria fe longo ensaio, até agora nfo publicado, € uma verso am- pliada ¢ revista de uma palestra que fiz em meu antigo Semi- nério em 1970, Pretende ser uma resposta bem completa as criticas de minhas opinides sobre cigncia. Muito devo a John Watkins, que leu uma versio primitiva do ensaio e me apontou sério erro que, felizmente, nfo se mostrou importante para meu argumento principal. David Miller, muito generosamente, deu- -me seu tempo para ler completa e'repetidamente o ensé nomizando-me nfo s6 trés erros similares pelo met também incontéveis deslizes menores de assunto ¢ estilo. Por isto, sou-the imensamente devedor.) 107 3 — EPISTEMOLOGIA SEM UM SUJEITO CONHECEDOR Seja-me permitido comecar com uma confissdo. Embora eu ira , ilusSes a respeito do que posso transmitir numa palestra. Por esta razio, nfo tentarei convencer-vos nesta pa- lestra. Em vez disso, tentarei desafiar-vos e, se possivel, pro- vocar-vos. 1 — Trés testes sobre Epistemologia e 0 Terceiro Mundo Eu poderia ter desafiado os que ouviram falar de minha atitude adversa para com Plato e Hegel denominando minha podemos distinguir rimeiro, 0 mundo de objetos fisicos ou de estados materiais; segundo, o mundo de s de consciéncia ou de estados mentais, ow talvez de dis- is para agit; e, terceiro, o mundo de bietivos de pensamento, especialmente de pensamen- 08 € potticos e de obras de arte. © que chamo “terceiro mundo” tem, admitidamente, muito em comum com a teoria de Formas ou Idéias de Platio , portanto, também com o espirito objetivo de Hegel, embora minha teoria ddicalmente das de Plato e de Hegel em alguns sentidos decisivos, Tem ela ainda mais em comum com a teoria de Bolzano de um universo de proposicdes em si mesmas © de verdades em si mesmas, embora difira também da de Bolzano. Meu terceiro mundo se assemelha mais de perto a0 universo de contetidos objetivos de pensamento de Frege. 108 De minha opinio ou de meu argumento nfo faz parte que possamos nio enumerar nossos mundos de modos diferentes, ou nfo enumeré-los em absoluto, Poderiamos, especialmente, dis- tinguir mais de trés mundos. Minha expressao “terceiro mundo” vo, espero provocar que, como Des- cartes, Locke, Berkeley, Hume, Kant ou Russell estdo interessa- 5 ¢ em sua base de origem. Contra esses fildsofos de crenga insisto em que 0 nosso pro- blema é encontrar teorias melhores e mais ousadas; ¢ tem im- portincia a preferéncia critica, mas ndo a crenca. Quero confessar, porém, logo de que sou um rea giro, um tanto como um realista ingénuo, que ha mundos eum mundo de ragem. E creio que hé um terceiro mundo, num sentido rei mais amplamente. sio problemas © situacdes de problema. E_argu- ve 0s moradores mais importantes desse mundo sé criticos e 0 que pode ser chamado — em analogia com um estado material ou um estado de consciéncia — o es- tado de uma discussio ou 0 estado de um argumento critico; €, naturalmente, os contetidos de revistas, livros e bibliotecas. es comportamentais para agir; mais ai jos de comunicagio — quer 20s de evocar, em outros, est tenho argumentado muitas vezes que nfo se jas essas entidades e seu conteddo ao segundo me repetir um de meus argumentos padroes(*) acerca da existéncia (mais ou menos) independente do terceiro mundo. Considero duas experiéncias de pensamento: Experiéncia (1): Todas as nossas méquinas ¢ equipamen- tos slo destruidos, bem como todo o nosso aprendizado subje- tivo, incluindo nosso conhecimento subjetivo de méquinas e equi- pamentos e de como usé-los. Mas sobrevivem bibliotecas e nossa 109 capacidade de aprender com elas. Claramente, depois de muito sofrimento, nosso mundo pode continuar a andar. méguinas ¢ nosso conhecimento subjetivo de méquinas e equipamentos ¢ de los. Mas, desta vez, todas as bibliotecas também foram je modo que nossa capacidade para aprender com 6s livros tornou-se indtil Se pensardes nessas duas experiéncias, # realidade, a signi- ficago ¢ 0 grau de autonomia do terceiro mundo (bem como seus efeitos sobre o segundo ¢ o primeiro mundos) talvez possam tornar-se um pouco mais claros para vés, Pois, no segundo aso, no haverd reaparecimento de nossa civilizagio por muitos milénios, Quero defender palestra trés teses prin é esta: A epi lado 0 conhecimento ou o pensamer 10, tem levado estudiosos de epistemolo- pretendiam estudar 0 conhecimento estudavam de fato algo que néo tem significagao para © conhecimento cientifico. Pois 0 conhecimento cientifico sim- plesmente nfo conhecimento no sentido do uso comum da portincia num belo senso estrito da expresso. Cor tese € que grande parte da epistemologia contemporinea é sem importincia também. Isto inclui a moderna légica epistémica, se admitirmos que ela visa a uma teoria de conhecimento cien- de conhecimentos pensamento no se espirito ou de cot sposigdo para reagir; © (2) conhecimento ou pensamento num sentido objetivo, consti tuido de problemas, teorias ¢ argumentos como tais. Neste sen- 110 tido objetivo, 0 conhecimento é jente independente de qualquer alegagao de conhecer que alguém faca; é também inde- fe da crenca ou disposicdo de qualquer pessoa para con- para afirmar, ou para agir. O conhecimento no sen- tivo & conhecimento sem conhecedor: & conhecimento to do pensamento no sentido obje- : “Por pensamento entendo nio 0 ato subjetivo de pensar, mas o seu contetido objetivo. .."(2) Os dois sentidos do pensamento e suas interessantes inter- relagoes podem ser ilustradas pela seguinte citacdo altamente convincente de Heyting (1962, p. 195), que diz a respeito do “Se antes houvessem sido inventadas fungBes recursivas, ele (Brouwer) talvez no tivesse formado a nogio de uma se- scolha, 0 que, penso, teria sido infeliz”. acio refere-se de um lado a alguns processos de pensamento subletivo de Brouwer e diz que eles poderiam nfo ter ocorrido (0 que seria infeliz) se houvesse sido diferente a situacao de problema objetiva. Assim Heyting menciona certas ifluéncias possiveis sobre 0s processos de pensamento subje- tivo de Brouwer e também manifesta sua opinido sobre 0 valor desses processos de pensamento subjetivo. Ora, & interessante a dos processos cerebrais de Brouwer, mas tuagdo de problema objetivo em matemética e suas Iuéncias sobre os atos de pensamento subjetivos de Brouwer que se empenhavam em resolver esses problemas obje~ tivos. Eu descreveria isto dizendo que a observagto do Heyting to da ldgica situactonal objetiva ou de terceiro mun da invengo de Brouwer, ¢ que a observacio de Heyting implica que a situaco de terceiro mundo pode afetar o segundo mundo. De igual modo, a sugestio de Heyting de que teria sido infeliz se Brouwer néo tivesse inves eqiléncias de escolha é um modo de dizer que 0 contetido objetivo do pensamento de Brou- wer era valioso e interessante; isto 6, valioso e interessante no modo por que mudava a situagdo de problema terceiro mundo. Para colocar simplesmente o assunto, se eu disser que “o pensamento de Brouwer foi influenciado por Kant” ou mesmo ut tou a teoria do espago de Kant”, entio ‘menos em parte, de atos de pensamento no sentido subjetivo: a palavra “influéncia” indica um contexto de processos de pensamentos ou atos de pensar. Se eu disser, snto de Brouwer difere vastamente do , entio € clarissimo que falo valmente a respeito por final, se eu disser que “os Brouwer sio incompativeis com os de usar um fermo Idgico peito do contetdo obj Assim como a termos separad mundo € no se separados para os dois sentidos correspondentes de “eu sei” € de “conhecimento’ A fim de mostrar que ambos os sentidos existem, menci narei primeiro trés exemplos subjetivos ou do segundo mundo: (1) Sei que voc’ esté tentando provocar-me, mas no serei provocado, (2) Sei que o titimo teorema de Fermat nio foi que seré provado um dia. “The Oxford English Dictionary” sobre 0 verbete conhecimento & um “estado de estar ciente rovado, ou informado Mencionarei agora trés exemplos objetivos, ou do terceiro mundo: (1) De The Oxford Engli conhecimento & um mary sobre 0 verbete ‘amo de aprendizado; 2) Levando em conta 0 estado atual do conhecimento ma- teméii Sf timo teorema de Fermat possa Estes exemplos bem triviais tém apenas a funcio de a esclarecer 0 que quero dizer quando falo de ‘‘conhecime sentido objetivo”. Minha citagao do Oxford English Dictionary 1nGo se deve interpretar como uma concessio & andlise de lin- guagem ou uma tentativa de apaziguar seus adeptos. Nao é 2 Oxjord English Dictio- ry exemplos de usos objetivos de “conhecimento”. (Surpre- mans usos pelo menos par- ser conhecedor compreender”. 0 de (uma coisa, um lugar, fato de poderem ser parcialmente objetivos esses usos emer- gird do que se seguiré.)(*) De qualquer forma, meus exemplos iio pretendem ser argumentos. Pretendem apenas set ilus- Minha primeira tese, até aqui nfo discutida mas s6 ilus- trada, era a de que a epistemologia tradicional, com sua con fio no segundo mundo, ou no conhecimento no sentido /o, & irrelevante para o estudo do conhecimento cien- levante para a epistemologia 108 € situagdes de problema, simplesmente outra eas (que io para hipéteses ou €, portar de experiéncias © sua avaliacdo em argumentos em suma, que o estudo de um terceiro mundo de amplamente auténomo & de importéncia ara a epistemol Im estudo epistemol gunda tese mostra gam que suas. conj delas no sentido subjetivo de “saber”, ou que acre Embora em geral no aleguem saber, no desenvolvimento de seus programas de pesquisas agem com base em si acerca do que é ¢ do que nao é frutifero ¢ de que linha de esq mais resultados no terceiro mundo do conhe- Em outras palavras, os cientistas agem com base numa suposicao ou, se preferirdes, numa crenca subjetiva (pois assim podemos chamar a base sul referente ao que € promissor de cresc ceiro mundo do conhecimento objetivo. Isto, sugiro, fornece um argumento em favor de minha ¢ também de minha segunda tese (da relevincia de uma episte- mologia objetivista). Mas tenho uma terceira tese, & esta, Uma epistemologia objetivista que estuda o terceiro mundo pode ajudar a langar 13 imensa soma de luz sobre 0 segundo mundo de consciéncia sub- jetiva, especialmente sobre os processos subjetivos de pensa- verso ndo é verdadeiro, es princi ‘Além de minhas trés teses principais, ofereco trés teses de apoio, Penk primeira delas & que o terceiro mundo & um produto ‘A segunda tese de a penso, uma tese quase crucial € que o terceiro mundo € amplamente auténomo, mesmo embora constantemente atuemos sobre ele ¢ sejamos atuados por ele € auténomo apesar do fato de ser produto nosso e de ter um forte efeito de retrocarga sobre nds; isto & sobre nés como habitantes do segundo mundo e mesmo do primeito. eo crescimento biol6gico, isto é, a evolugdo de plantas e animais, 2 — Uma Abordagem Biolégica do Terceiro Mundo Na presente secctio de minha palestra tentarei defender a existéncia de um terceiro mundo auténomo por meio de uma espécie de argumento biol6gico ou evoluciondrio. ‘Um bidlogo pode estar interessado no comportamento de mas pode também estar interessado em algumas das cestruturas ndo-vivas que ahimais produzem, tais como teias de aranha, ninhos construfdos por vespas ou formigas, tocas de texugos, barragens feitas por castores, ou caminhos abertos por fe duas categorias principais de problemas surgidos do estudo dessas estruturas. A primeira categoria con- siste de problemas concernentes aos méfodas usados pelos ani- mais ou aos modas de se comportarem os animais quando cons- troem essas estruturas. A primeira categoria, assim, consiste de problemas referentes aos atos de produciio; as disposigées ‘A segunda categoria de problemas ocupa-se das pré- ruturas. Ocupa-se da quimica dos materiais usados na estrutura; de suas propriedades geométricas e fisicas; de suas identes de condigdes am justamentos a elas. Muito importante € a relagdo de retrocarga das propriedades da estrutura com 0 comportamento dos animais. Lidando com esta segunda categoria de problema 114 — isto 6, com as préprias estruturas — teremos também de encarar as estruturas do ponto de vista de suas fur ssicas. Assim, alguns problemas da primeira categor de um problema mostra pro- blemas da primeira categoria & problemas concernentes & produgao da estrutura — sero As vezes sugeridos por pro- blemas da segunda categoria. Assim deve ser, pois ambas as categorias de problemas dependem do fato de que existem tais cestruturas, fato goria, Assim, a existéncia das préprias estruturas pode ser como criadora de ambas as categorias de problemas. Podemos dizer que a segunda categoria de problemas — problemas li- gados as prépris esrutras — 6 mais fundamental, tudo que ressupée da primeira categoria ¢ 0 mero f: statutes ato de algun modo producer por a ra, estas simples consideracdes podem 5 também aplicadas a produtos da atividade humana, t casas ou ferramentas, e também a obras de arte. Especial- mente importante para nés é que se aplicam ao que chamamos “inguagem” a0 que chamamos “ciénci ‘A conexdo entre estas consideracées bi de minha presente pode tornar-se mulagio de minhas trés teses prin produgéo de um lado e problemas ligados as proprias estruturas produzidas, do outro. Minha segunda tese é que deveriamos compreender que a segunda categoria de pro- blemas, aqueles concernentes 20s produtos em si mesmos, 6 quase a todos os respeitos, mais importantes do que a primeira categoria, os problemas de producio, Minha terceira tese 6 a de que os problemas da segunda categoria so bésicos para com- preender os problemas de produgio: contrariamente as pri- meiras impresses, podemos aprender mais a respeito do com- portamento de produgdo estudando os préprios produtos do que podemos aprender a respeito dos produtos estudando o comportamento de producto. Esta terceira tese poderd ser des- rita como ai Em sua minhas trés tes icagdo ao que se pode chamar “conhecimento” podem ser formuladas de modo seguint us (1) Devemos constantemente ter conscigncia da distingio entre problemas ligados @ nossas contribuigdes pessoais & pro- duo de conhecimento cientifico de um lado ¢ problemas liga- dos 2 estrutura dos varios produtos, ‘ou argumentos cientificos, do outro lado. (2) Devemos verificar que o estudo dos produtos é vasta- mente mais importante do que 0 estudo da produgio, mesmo para uma compreensdo da produgfo e de seus métodos. (3) Podemos aprender, acerca da heuristica ¢ da meto- dologia ¢ até a respeito da psicologia de pesquisa, estudando teorias apresentadas pr6 e contra elas, mai podemos aprender muito a respeito do comportamento e da psicologia partindo do estudo dos produtos. No que se segue, chamarei a abordagem partida do lado rodutos — as teorias e os argumentos — a abordagem iva” ou a abordagem do “‘terceiro mundo” E chamarei a abordagem behaviorista, a psicol6gica e a sociolégica do conhe- 0, @ abordagem abordagem do assim dizer parte de fe Embora eu admita que as estruturas objetivas sfo_pro- dutos de comportamento, sustento que o argumento é erréneo. jas a abordagem comum vem dos efeitos para suscita 0 problema — o problema a ser ex- 3 — A Objetividade e a Autonomia do Terceiro Mundo Uma das principais raz6es para a errOnea abordagem sub- jetiva do conhecimento € 0 sentimento de que um livro nada & sem um leitor: 96 se torna um livro se for realmente enten- dido; sem isto, & apenas papel com sinais pretos. Esta concepcéo € errada em muitos modos. Um ninho de vespa é um ninho de vespa mesmo depois de ter sido abandona- 116 do; até mesmo que nunca mais volte a ser usado por vespas como ninho. Um ninho de passarinho & um ninho de passarinho, mes- mo que nunca se }9 mesmo modo, um livro continua a ipo de produ que nunca 10 hoje facilmente pode acontecer) Além ou até uma biblioteca, néo pre- escrito por qualquer pessoa: uma série ros de logaritmos, por exemplo, pode ser produzida por uum computador. Pode ser a melhor série de livro de loga- conter, digamos, logaritmos até cingiienta lu- Pode ser enviada a bibl mas pode ser incémoda para 0 uso; st mod que alguém a use; e muitos nimeros dela (que teoremas mateméticos) podem nunca ser olhados .. Contudo, cada desses livros de logaritmos pode parecer for- ado. Mas no é. Eu diria que quase todo livro é assi conhecimento objetivo, verdadeiro ou falso, alguém chegar a lé-lo'e 2 aprender seu cont um livro com entendimento é uma cr 3, mesmo se fosse um ser mais comum, sempre haveria, ido de incompreensdes e de mas interpretacdes; ¢ nio é 0 disso, € algo mais abst dade de ser entendid endido ow que faz de uma coisa um sigdo pode exist se ou realizada. Para ver isto mais claramente, podemos imaginar, que depois de haver perecido a raga humana, alguns livros ou bi- biiteeas possam ser encontrados por alguns socestores nosos dos ndo importa que sejam animais terrestres. que se hajam civilizado ou alguns visitantes do espaco exterior). Eases ‘0s podem ser decifrados, Podem ser aquelas tébuas de loga- 108 nunca antes lidas, s6 para argumentar. Isto torna inteira- ‘mente claro que nem sua composiefo por animais pensantes nem 0 fato de no haverem sido realmente lidos ou entendidos € coisa essencial para fazer de algo um livro, sendo suficiente que possa ser decifrado. Assim, admito que a fim de pertencer ao terceiro mundo do conhecimento objetivo, um livro — em principio ou virtual- u7 entendido, ou “sabido”) por alguém. Mas nfo admi Podemos dizer assim que hé um tipo de terceiro mundo ico (ou bolzanoesco) de livros em si, mesmos, teorias em iesmas, problemas em si mesmos, situagdes de problemas em si mesmas, argumentos em si mesmos ¢ assim por diante. E assevero que, mesmo embora este terceiro mundo seja um pro- duto humano, hé muitas teorias em si mesmas, e argumentos fem si mesmos, ¢ situagdes de problema em si mesmas que nunca foram produzidos ou entendidos e podem nunca ser produzidos ou entendidos por homens. A tese da existéncia desse terceiro mundo de situagdes de problema impressionaré a muitos como extremamente metafi- sica ou dibia. Mas pode ser defendida apontando-se sua ana~ logia biol6gica. Por exemplo, tem ela plena analogia no reino dos ninhos de passarinhos. Ha uns anos, ganhei um presente para meu jardim — uma caixa de ninhos para pissaros. Era ‘um produto humano, sem divida, nfo um produto de péssaros tal como nossa tébua de logaritmos era um produto de com- putador em vez de um produto mundo dos pissaros, era parte de uma situacfo de problema objetivo mais do que de uma oportunida anos os pdssaros nem mesmo pareceram notar a Mas apés alguns anos, cla fol euldadosumentsinspectonada pot algumas cotovias azuis que mesmo comegaram a aninhar-se nela, ‘mas muito depressa a abandonaram, Obviamente havia oportunidade aproveitavel, ainda que nfo fosse, parece, parti- a. De qualquer modo, estava af uma situaco de problema. E 0 problema pode ser resolvido em outros anos por outros péssaros. Se ndo for, outra caixa pode mostrar-se mais adequada. Por outro lado, um: ais adequada pode ser removida antes de ser usada qualquer vez. A questo da questo de serem essas potencialidades al cteriélogo sabe como pre- bolores. Pode ele ser perf alguma vez sera usado ou habitado é outra questio. Grande parte do terceiro mundo objetivo de teorias efe- tivas e em potencial ¢ de livros e argumentos surge como um subproduto ‘nfo pretendido dos livros e argumentos efetiva- mente produzidos. Podemos dizer também que ¢ um subpro- duto da linguagem humana. A propria linguagem, como um 118 rninho de ave, € um subproduto no pretendido de agdes que se ditigiam a outros al ‘Como surge uma de animal na selva? Algum animal angar um lugar usar a mesma trilha, Assim ela pode ser alargada e melhorada pelo uso. Nao é pla- nejada — 6 uma conseqiiéncia ndo pretendida da necessidade de movimento fécil ou répido. & assim que o faz um caminho — talvez mesmo por homens surgir a linguagem e quaisquer outras instituigdes que sio tteis; e eis como podem dever sua existéncia ¢ desenvolvimento & sua utilidade. Nao so planejadas ou pretendidas ¢ talvez nao hou- vesse necessidade delas antes de comecarem a existir. Mas lade, ou um novo conjunto de ‘ou homens nfo € retrocarge, safdo de alvos antigos e de resultados que eram visados ou néo.(*) le surgir todo um novo universo de poten- jade: um mundo que € auténomo em larga parte de modos inesperados. Mas mesmo que sai planejado, algumas relagGes inesperadas entre os objetos plane- jados podem dar origem a um universo inteiro de possibilidades, de novos alvos possiveis e de novos problemas. © mundo da linguagem, das conjecturas, teorias, argu- mentos — em suma o universo do conh uum dos mais importantes desses universos criados pelo homem, mas ao mesmo tempo amplamente auténomos. A idéia de auionomia & central em minha teoria do ter- Ha exemplos incontaveis. Talvez os mais impressionantes, e de qualquer modo os que deveriamos conservar em mente como os nosso padrées de exemplos, podem ser encontrados na teoria dos miimeros naturais Diversamente de Kronecker, concordo com Brouwer em que a seqiigncia dos mimeros naturais € uma construgio humana, Mas, embora criemos essa seqléncia, ela por sua vez cria seus préprios problemas autonomos. A distingio entre nGmeros fm- pares ¢ pares no é criada por nés: € uma conseqiéncia nfo pretendida e inevitivel de nossa criagdo. Os némeros primos, 9 so fatos auténomos ¢ objetivos similarmente néo tendidos; e em seu caso é Sbvio que hé af, para nds, muitos Gao nossa, referem-se diretamente a problemas e fatos que de algum modo emergiram de nossa criagdo e que nfo podemos controlar ou influenciar: slo fatos érduos e a verdade a seu Fespeito & muitas vezes de irduo descobrimento Isto exemplifica 0 que entendo quando digo que o terceiro mundo é amplamente autOnomo, embora criado por nés. Mas a autonomia € apenas parcial: 0s novos problemas evam a novas criagdes ou construgées — tais como as fungdes tecursivas, ou as seqliéncias de livre escolha de Brouwer —-e poxem assim acrescentar novos objetos ao terceiro mundo, E cada um de tais fatos eriaré novos fatos ndo pretendidos, novos problemas inesperados © muitas vezes também novas refu. tacées.(*) Ha também um efeito de retrocarga muito importante de nossas criagées sobre nés mesmos; do terceiro mundo sobre 0 segundo mundo. Pois os novos problemas emergentes nos esti mulam a novas criagbes. © processo pode ser descrito pelo esquema seguinte, um tanto supersimplificado (ver 0 Cap. 6 adiante, especialmente a seegiio XVIII): P, > TT > EE > P, Partindo de algum problema P, passamos a uma ental ou uma solugao experimental TT, que pode ser errénea (parcial ou totalmente); em qualquer caso, serd submetida a eliminago de ertos El 2 ou de testes. exp + de qualquer forma, novos problemas P, brotario de nossa propria atividade dora; e esses novos problemas nao séo em geral criados inten- cionalmente por nés, mas emergem autonomamente do campo de novas relagdes que no podemos deixar de trazer d exis- téncia com cada ago, por pouco que o pretendamos fazer. A autonomia do terceiro mundo e a retrocarga do terceiro mundo sobre 0 segundo © mesmo o primeiro esto entre os fatos mais Acompanhando nossas consideragdes biol6gicas, & fécil ver que elas so de importéncia geral para a teoria darwiniana da evolugao: explicam como podemos elevar-nos por nosso proprio esforgo. Ou, em terminologia mais requinteda, ajudam a expli- car a “emersio’ 120 4 — Linguagem, Critica ¢ 0 Terceiro Mundo As mais importantes criagdes humanas, com os mais impor- tantes efeitos de retrocarga sobre nés mesmos e especialmente sobre nossos eérebros, so as fungSes mais altas da linguagem humana; mais especialmente, a funcdo descritiva e a funcdo ar- gumentativa As linguagens humanas compartilham com as animais as duas fungdes inferiores da linguagem: ( expressio e| izagio. A funcdo aut ele pode liberar uma resposta em outro organismo. Todas as linguagens animais e todos os fendmenos lingifs- guagem humana tem muitas outras fungdes.(") Bastante estra- nhamente, a mais importante das fungGes superiores tem sido negligenciada por quase todos os fil6sofos. A explicagdo desse fato estranho € que as duas funges inferiores sempre esto pre- semtes quando as superiores esto presentes, de modo que é sempre possivel “explicar” qualquer fendmeno ling! termos das fungbes inferiores, como uma “expressii “comunicacao”. ‘As duas fungdes superiores mais importantes das lingua- gens humanas so (3) a funcdo descritiva e (4) a fungao argu- ‘mentativa.(* “Com 4 fang deseiva da nguagem humans, emerge a ia reguladora de verdade, isto é, de uma descricéo que se ajusta_aos fatos.(°) Outras idéias reguladoras ou avaliadoras so as de con- terido, ido de verdade ¢ veros ‘A fungdo argumentativa da a fungdo dese acerca de descrigées; idéias reguladoras de ve Agora, dois pontos sto aqui de toda importincia imento de uma linguagem descrit — uma linguagem que, como uma ferramenta, se desenvolve fora do corpo — nenhum objeto pode haver para nossa discussio critica. Mas com o desenvolvimento de uma linguagem descritiva (e mais, de uma linguagem escrita) pode emergir um terceiro mundo lingiistico; e € 36 deste modo, € 36 121 neste terceiro mundo, que se podem desenvolver os problemas © os padrées da critica racional. (2) A este desenvolvimento das fungdes superiores da lin- guagem € que devemos nossa humanidade, nossa razio. Pois fiossos poderes de raciocinar nada mais sfo que poderes de argumentacio critica Este segundo ponto mostra a futilidade de todas as teorias de linguagem humana que se focalizam em expressdio e comu- nicagdo. Como veremos, 0 organismo humano, que muita vezes itado para expressar-se, depende em sua estrutura, ente, da emersio das duas fungGes mais altas da evolugfo da fungéo argumentativa da linguagem, tomna-se a critica o instrumento principal de maior crescimento (A légica pode ser considerada como o sistema de invest cientifica, ou Organon, da critica; ver, atrés, a pégina Cap. 1.) © mundo auténomo das fungées superiores da lingua- gem torna-se o mundo da ciéncia. E o esquema, originariamente vélido para 0 mundo animal assim como para o homem pri- P, > TT > EE > Ps, torna-se 0 esquema do crescimento do conhecimento através da eliminagio de erros por meio da critica racional sistematica. Tora-se o esquema da procura da verdade e do contesdo por meio da discussto racional. Descreve 0 modo de nos elevarmos forca. Dé uma descrigéo racional da emer- € de nossa autotranscendéncia por meio da selegio e da critica racional Para resumit, embora o significado de “conhecimento”, todas as palavras, nfo tenha importancia, € impor inguir entre diversos sentidos da palavra, Conhecimento subjetivo, que consiste de c sig6es inatas para agir e de suas’ modificagdes adqi (2) Conhecimento objetivo, por exemplo, conhecimento 0, que consiste de teorias conjecturais, problemas aber- ruagdes de problemas, e argumentos. trabalham numa catedral, 6 falivel, como todo trabalho humano, Constantemente cometemos erros e hé padrées objetivos que po- 122 demos no atingir — padres de verdade, contetdo, validez € outros. ‘A linguagem, a formulagio de problemas, a emersio de 0. As fungdes ou dimensies mais importantes da linguagem humana (que as linguagens ani- mais nfo possuem) sfo a funcSo descritiva e a argumenta © crescimento dessas fungdes é naturalmente, obra nossa, em- bora elas sejam conseqiléncias nfo pretendidas de nossas agoes. $6 dentro de uma linguagem assim enriquecida é que a argumen- tagio critica e © conhecimento no sentido objetivo se tornam possivei ‘AS repercuss6es, ou os efeitos de retrocarga, da evolucio iro mundo sobre nés mesmos — nossos cérebros, nossas (se alguém fosse comegar onde Adio comecou, néo jis Ionge do que chegou Adio), nossas disposigdes isto é nossas crengas),("*) e nossas ages — difi- poderiam ser superestimadas. Em oposi¢do a tudo isto a epistemologia tradicional se in- teressa pelo segundo mundo: pelo conhecimento como uma certa espécie de crenga — erenga como a crenca ba- seada em percepo. Em cons ste tipo de filosofia da crenga nio pode explicar (e nem mesmo tenta explicar) 0 fend- meno decisivo de que os cientistas c1 i as matam. Os ci ‘ar suas teorias falsas, tentam deixar que elas morram em lugar deles. O crente — seja animal ou homem — perece com suas crencas falsas. 5 — Observacoes Histéricas 5.1 — Platdo e Neoplatonismo Pelo que sabemos, Platéo foi o descobridor do terceiro mundo. Como observou Whitehead, toda a filosofia ocidental consiste de anotagdes a Plato. Farei apenas trés breves observagdes a respeito de Plato, duas das quais eriticas. (1) Plato descobriu nfo 6 0 terceiro mundo, mas parte da influzncia ou retrocarga do terceiro mundo sobre n6s mesmos; ‘compreendeu que tentamos apreender as idéias de seu terceito mundo; ¢ também que as usamos como explicagoes. (2) 0 terceito mundo de Plato era divino; era imutével «, sem diivida, verdadeiro, Assim, ha um grande vacuo entre seu 123, terceiro mundo ¢ o meu; meu terceiro mundo ¢ feito pelo homem © mutavel. Contém nao s6 teorias verdadeiras, mas também s, € especialmente problemas abertos, conjecturas e refu- tagGes. (3) Platio acreditava que o terceito mundo de Formas ‘nos forneceria explicagdes fit to € explicagies por esséncia, ver Cap. 3 e Cap. 5). Assim, por exemplo, ele es- aso gue se qualquer ours cols fora da idéin da é uma teoria de explicardo por esséncias; isto 6, por palavras hipostizadas Em conseqiiéncia, Platio abrangeu os objetos do terceiro mundo como algo s a coisas no materiais ou, talvez, como estrelas ou constelagées — para serem fi das, embora nao susceptiveis de ser tocadas por nossas mentes. Pot isto € que os hat palavras do que na verdade e falsidade de teorias Muitas vezes apresento o problema em forma de uma ta- bela (ver adiante). Minha tese € que 0 lado exquerdo desta tabela néio tem importincia, em comparagio com 0 lado direito: o que nos deve interessar so teorias, verdade, argumento, Se tantos fil6sofos € cientistas ainda pensam que conceitos e sistemas conceituais (¢ problemas de sua significago ou o significado de palavras) IDEIAS isto é DESIGNAGOES ou TERMOS ASSERGOES ov PROPOSI- ‘ou CONCEITOS GOES ou TEORIAS podem ser formuladas em PALAVRAS AFIRMACOES, que podem ser SIGNIFICATIVAS VERDADEIRAS e seu SIGNIFICADO VERDADE pode ser reduzido por meio de DEFINICOES DERIVAGOES ao de CONCEITOS INDEFINIDOS PROPOSICOES PRIMITIVAS A tentativa de estabelecer (em vez de reduzir) por esses meios SIGNIFICADO VERDADE leva a um regresso infinito }» acompanhou Ari r 0s atos de pensamento de Deus com seus pi ‘ou objetos; e elaborou esta concepedo tomando as Formas ou Tdias do mundo inteligivel de Platao para serem os estados ima- nentes de consciéncia da inteligéncia divina.(*®) 1s 5.2 — Hegel Hegel era um plat6nico (ou antes, um neoplat6nico) me- diocre ¢, como Platdo, um heracliteano mediocre. Era um pla- tonico cujo mundo de idéias estava mudando, envolvendo. AS “Formas” ou “Idéias” de Plato eram objetivas e nada tinham a ver com idéias conscientes numa mente subjetiva; hat ‘tino, eram fenémenos conscientes: pensamentos que pensavam certa espécie de consciéncia, certa de mente ou “Espfrito”; e juntamente com esse “Es- 0 ponto em que seus Espiritos sfio mais semelhantes a rceiro mundo” do que 0 mundo de Idéias de Plato (ou 0 mundo de “sentengas em si mesmas” de Bolzano). As diferencas mais importantes entre 0 i 0 “Espirito Absoluto” de Hegel e 0 meu “terceiro mundo” sfo estas: (1) De acordo com Hegel, embora 0 Espitito Objetivo (compreendendo a criagdo artistica) © o Espirito Absoluto (compreendendo a filosofia) consistam ambos de producdes hhumanas, o homem nfo é criador, £ 0 Espirito Objetivo hiposta- tizado, € a divina autoconsciéncia do Universo 0 que move 0 homem: “os individuos. .. sio instrum: instrumentos do Espirito da época e seu trabalho, seu “oficio substancial”, é “preparado e determinado independentemente deles”. (Comp. Hegel, 1830, pardgrafo 551). Assim, o que chamei autonomia do terceiro mundo € seu efeito de retrocarga tornam-se onipo- tentes com Hegel: € somente um dos aspectos de seu sistema em que sua formacdo tet sta. Contra isto, afirmo que 0 elemento criativo individual, a relagio de dar-e-tomar entre um homem e sua obra, é da maior importancia, Em Hegel isto degenera na doutrina de que o grande homem é algo como um agente em que se expressa o Espirito da Epoca. (2) Apesar de certa similaridade superticial entre a dia- lética de Hegel ¢ meu esquema evolucionério, P, > TT > EE > Py ‘4 uma diferenga fundamental, Meu esquema funciona através da eliminago de erros, ¢ no nivel cientifico através da critica consciente sob a idéia reguladora da procura da verdade, ‘A critica, sem divida, consiste na procura de contradigées © em sua eliminagdo: a dificuldade criada pela demanda de sua 126 climinagao constitui © novo ‘problema (P.). Assim, a eliminagio do erro leva ao crescimento objetivo de nosso conhecimento — de conhecimento no sentido objetivo. Leva ao crescimento de verossimilitude objetiva: torna possivel a aproximagéo da ver- dade (absoluta). Hegel, por outro lado, € um relativista.(*) Nao vé nossa tarefa como uma procura de contradigdes com o fito de elimi- s, pois pensa que as contradigGes sio tio boas como (ou melhores do que) os sistemas te6ricos nio-contraditérios: pro- (3) Enguanto Platio deixa suas tarem em algum céu divino, Hegel. persona ‘numa consciéncia divina; nela'as idéias habitam, como as idéias hrumanas habitam numa consciéncia humana. Sua doutrina 6, inteiramente, a de que o Espirito nfo s6 consciente, mas um ser. Contrariamente a isto, meu terceiro mundo nfo fem qual- quer similaridade com a consciéncia humana; ¢ embora seus primeiros habitantes sejam produtos da conseigncia humana, so totalmente diferentes de idéias conscientes ou de pensamentos no sentido subjetivo. 53 — Bolzano e Frege As sentengas em si mesmas e as verdades em si mesmas de Bolzano so, claramente, habitantes de meu terceiro mundo. Mas ele estava longe de ser claro a respeito de sua relagio com 0 resto do mundo.(#) ‘A dificuldade central de Bolzano é, de certo modo, 0 que tentei solucionar, comparando a situagao ¢ a autonomia do ter- ceiro mundo com as de produtos animais ¢ apontando como ele tem origem nas fungoes superiores da linguagem humana Quanto a Frege, nfo pode haver davida a respeito de sua clara distingdo entre os atos subjetivos de pensamentos, ou pen samento no sentido subjetivo, e pensamento objetivo, ou con- tefido de pensamento.(2*) ‘Admitidamente, seu interesse pelas cldusulas subordinadas de uma sentenga ¢ pela fala indireta fazem dele 0 pai da mo- derma logica epistémica. (2°) Mas creio que ele nao é de modo algum afetado pela critica da légica epistémica que vou apre- sentar (ver seccio 7, adiante): até onde posso ver, ele nfo estava pensando nesses contextos de epistemologia no sentido de uma teoria de conhecimento cientifico. 127 5.4 — Empirismo © empirismo — digamos, de Locke, Berkeley e Hume — recisamente, a justificagdo racional, ou a ju randade em comparacio com 0 conhecimento ciet Embora suas posigdes com respeito a relaglo de cigncia ¢ religiéo difiram amplamente, Locke, Berkeley(®) © Hume concordam essencialmente na demanda (que Hume as vezes julga um ideal inatingfvel) de que rejeitemos todas as pro- Posigdes — © especialmente as. proposigSes com existencial — para as quais a evidén tando aquelas proposigdes para as q ciente: as que podem ser provadas, ou v cia de nossos_sentidos. Esta posigéo pode ser analisada de virios modos. Anilise uum tanto abrangente seria a seguinte cadeia de equagdes ov equivaléneias, muitas das quais podem ser apoiadas por textos dos empiricos ingleses © mesmo de Bertrand Russell.(#2) P € verificado ou demonstrado por experiéneia dos sen- tidos = h4 razdo suficiente ou justificagio para crermos em P = cremos ou julgamos ou asseveramos ou assentimos ou sa- bbemos que p é verdadeiro = p é verdadeiro = p. Coisa notével a respeito desta posicio, que junta a evi- déncia, ou prova, e a assercio a ser provada, é que quem quet gue a sustente deveria rejeitar a lei do centro excluido. Pois & Sbvio que pode surgir a situagao (de fato, seria praticamente situagio normal) de que nem p nem néo-p possam ser ple- jente sustentados, ou demonstrados, pela evidéncia dispo- Contudo, parece que isto no foi notado por ninguém s de Brouwer. Esta falha em rejeitar a lei do centro excluido é particular- ‘mente impressionante em Berkeley; pois se esse = percipi entio a verdade de qualquer sentenga a respeito da realidade 6 pode ser estabelecida por sentencas de percepcio. Contudo, Berkeley, muitissimo como Descartes, sugere em seus Dislo- ) que devemos rejeitar p se “néo houver razio para crer A auséncia de tais razdes pode, entretanto, ser compa- ivel com a auséncia de razdes para crer em nio-p. 28 6 — Apreciagiio e Critica da Epistemologia de Brouwer Na presente secgdo, desejo render a jomenagem a L.E.J. fa. Se ouso fazé-lo, é com a espe- a de dar uma contribuigdo, ainda que escassa, ao esclare- (1912) Brouwer parte de tuicionista da geometria de Ki spaco — tem de ser aban no precisamos disso, pois podemos podemos ficar francamente a favor d Kant e de sua doutrina de que a a idade (absoluta) & deci — em linhas um ima e imediata. (Ver Brouwer, 1949). E isto de modo algum seria afetado pela rela- idade, ainda que a teoria de Kant fosse afetada Assim, no precisamos tratar Brouwer como um ki Mas no podemos desprendé-lo de Kant muito faci a idéia de intuicio de Brouwer e seu uso do termo “intuigo” no poem ser compreendidos plenamente sem analisar sua for- ‘macao Kantiana. uma fonte de conhecimento; ¢ @ igo de espaco e tempo”) & uma 129 vel de conhecimento: dela brota certeza absolut, iportante para a compreenso de Brouwer, que de Kant esta doutrina epis E uma doutrina que tem uma histéria. K: dirigimos a vista para algum objeto. s de Plotino em diante, desenvolveu-se um con ‘do, de um lado, e pensamento discursivo, do outro. Intuigo é 0 modo de Deus conhecer tudo de um relance, num relimpag, inf iscursivo o modo wumano: como num discurso, argumentamos past human: como a a asso a passo, 0 Ora, Kant sustentava (contra Descartes) a doutrina de que tigio de espaco e tempo” (2 ‘modo podemos obter conhecimento si rior soso in telecto é essencialmente discursivo; é forcado a proceder por Tgica, que € vazia — “analitica”. De acordo com Kant, a intuigdo dos sentidos press intigo pon: nso sentido nfo podem faze seu trabuno sem ordenar suas percepgdes na estrutura de espaco e tempo. Assim, © espaco € 0 tempo so anteriores a todas as intuigdes dos sen- tidos; € as teorias de espaco e tempo — geometria e aritmética — so vilidas a priori. A fonte de sua validade @ priori & a faculdade humana de intuigdo pura, que se este campo e que ¢ estritamente discursivo de pensar. Kant sustentava a doutrina de que os axiomas de matemé- tia eram baseados em intuigio pura (Kant, 1778, pgs. 760 s.) tuigéo pura estava envolvida em cada passo de cada m geometria (e na matemética em geral): (2 nao € intuiglo dos sentidos, mas intuigéo pura, como o mostra 0 fato de que a figura poderia muitas vezes ser convincente ainda que tragada de maneita muito tosca ¢ 0 fato de que o desenho de um triangulo poderia representar para nés, em um desenho, uma infinidade de variantes possiveis — tridngulos de todas as formas ¢ temanhos. 130 Consideragdes andlogas servem para a aritmética, que, de , 6 baseada na contagem; pr que por sua jalmente na intuigao”pura do tempo. ‘Ora, esta teoria das fontes de conhecimento matemético em sua forma Kantiana, de severa dificuldade. Ainda que itamos tudo quant diz, permanecemos intrigados. ‘a geometria de Euclides, quer use ow no intuicéo pura, ymente faz uso de argumentagdo intelectual, de dedugdo fea. E impossivel negar que a matemética use 0 pensamento feursivo. © discurso de Euclides move-se através de propo- sigdes e de livros inteiros, passo a passo. E ainda que admita- mos, para fins de argumentagio, a necessidade de intuigio pura em cada um dos passos sem excegdo (© & para nés, mo- demos, fazer tal admissi0), 0 processo paso & passo, sivo e légico das derivacdes de Euclides € 180 inconfun @ era tio geralmente conhecido ¢ imitado (Spinoza, Newton), cerer que Kant pudesse ignori-lo, Mas sua posiclo posta (1) pela estrutura da Critica na qual a Transcendental” precede a “‘Légica Transcendental”, ¢ sua distingdo nitida (eu sugeriria distingao insustemavelmente fa) entre pesamento intuitivo e pensamento discursive. Desse modo, fica-se quase inclinado a dizer que nio hé- plesmente uma lacuna aqui onde Kant excloi da geometria ¢ Sa eritmética os argumentos discursivos, mas uma contradicio, ‘Que assim nio € foi mostrado por Brouwer, que preencheu a lacuna, Estou aludindo de Brouwer da relacdo entre @ matemética de um lado e a linguagem ¢ a . Brouwer resolveu o problema fazendo a matemdtica como tal ¢ sua expresso © comunicagio lingilis- ‘Via cle a matemética em si mesma como uma atividade extr ica, essencialmente uma atividade de ‘construgio mental com base em nossa intuiggo pura do tempo. Por meio dessa construgdo criamos em nossa intuigo, em nossa mente, fos objetos de matemética que mais tarde — apés sua cria¢io SF Spodemos tentar descrever ¢ transmitir a outros. Assim, a Séscrigdo linglistica e 0 argumento discursive i ‘vem depois da atividade essencialm Uepois de ter sido construido um objeto de matemética — tal como uma prova. ‘sto resolve 0 problema que descobrimos na Critica de rece set uma contradigio em somente. 131 Como toda grande teoria, esta teoria de Brouwer mostra seu valor por sua fertilidade. Resolveu, na filosofia da mate- ‘mitica, trés grandes conjuntos de problemas de um s6 golpe: (1) Problemas epistemolégicos concernentes & fonte de certeza matemética; a natureza da evidéncia matemética; ¢ & na~ tureza da prova matemética, Esses problemas foram resolvidos, mente, pela doutrina da intuigio como fonte de co- jento; pela doutrina de que podemos ver intuitivamente ‘0s objetos mateméticos que construimos; e pela doutrina de que uma prova matemética 6 uma construgio sequencial, uma construgio de construgdes. (2) Problemas ontolégicos concernentes & natureza dos objetos mateméticos ¢ & natureza de seu modo de existéncia. Esses problemas foram resolvidos por uma doutrina que tinha dois lados: de um lado havia construtivismo ¢ do outro havia lum mentalismo que situava todos os objetos matemticos na- quilo que chamo “segundo mundo”. Os objetos mateméticos eram construgSes da mente humana e existiam exclusivamente como construgdes na mente humana. Sua objetividade — seu carter como objetos ea objetividade de sua existéncia — re pousava inteiramente na possibilidade de repetir & vontade sua construcio. ssim Brouwer, em sua prelecio inaugural, pdde tomar implicito que, para o intuicionista, os objetos matemi tiam ma mente humana, ao paso que, para o formalista, exis- tiam “no papel”.() (3) Problemas metodolégicos concernentes a provas ma- teméticas. Podemos bem ingenuamente distinguir dois meios princ pais de ter interesse pela matemética, Um matemético pode estar interessado principalmente em teoremas — na verdade ou falsi- dade de proposigdes matemiticas. Outro matemstico pode estar interessado em provas, principaimente: em quest6es de exis- téncias de provas de um ou Outro teorema, € no cardter das provas. Se o primeiro interesse for preponderante (o que parece set, por exemplo, o caso de Polya), entio ele se liga habitual mente com um interesse pela descoberta de “fatos” matemé ticos e, assim, com uma heuristica matemética platonizante. Se prepondera o segundo tipo de interesse, entdo as provas nfo so meramente meios de ter seguranca de teoremas acerca de ‘objetos mateméticos, mas so, elas préprias, objetos matem: ticos. Este, parece-me, foi o caso de Brouwer: aquelas cons- trugdes que eram provas nio s6 estavam criando ¢ estabelecendo objetos matematicos; eram elas proprias, ao mesmo tempo, obje- 132 tos mateméticos — talvez mesmo os mais importantes. Assim, afirmar um teorema era afirmar a existéncia de uma prova para ele, € negé-lo era afirmar a existéncia de uma refutacao, isto & uma prova de seu absurdo. Isto leva imediatamente & rejeig&o por Brouwer, da lei do centro exclufdo, & sua rejeigio de provas indiretas ¢ &’demanda de que a existéncia s6 pode ser provada pela construcdo efetiva — a feitura visivel, por assim dizer, do ‘objeto matematico em questio. Leva também & rejeicio, por Brouwer, do “platonismo”, que podemos entender como a doutrina de que os objetos ma- teméticos tém o que chamo um modo “auténomo” de exis- téncia: podem existir sem ter sido construidos por nés e, assim, sem ter sido provado que existe, Até aqui tentei compreender a epistemologia de Brouwer, principalmente conjecturando que ela brota de uma tentativa para resolver uma dificuldade na filosofie da matemética de Kant. Passo agora ao que anunciei no titulo desta seocaio — a uma apreciagao ¢ critica da epistemologia de Brouwer. Do ponto de vista do presente trabalho, uma das grandes realizagbes de Brouwer € ter visto que a matemética — e talvez, posso aduzir, o terceiro mundo — € criagdo do homem, Esta idéia € to radicalmente antiplatdnica que se com- preende nfo ter Brouwer visto que ela pode ser combinada com uma espécie de platonismo. Refiro-me & doutrina da autonomia (parcial) da matemitica, € do terceiro mundo, como foi esbo- ado na secgio 3, atrés. Outra grande realizagio de Brouwer, de um ponto de vista filoséfico, foi seu antiformalismo: seu reconhecimento de que objetos matematicos devem existir antes que possamos falar a respeito deles. Permita-se-me, porém, passar a uma critica da solugdo dada por Brouwer aos trés conjuntos principais de problemas da filosofia da matematica 4 discutidos na presente seccao. (1°) Problemas epistemolégicos: Intuigdo em geral © a teoria do tempo em particular. N&o proponho mudar 0 nome “Intuicionismo”. Como 0 nome sem diivida seré mantido, o mais importante é abandonar a filosofia errdnea da intuigéo como fonte infalivel de conhe- cimento. Nao hd fontes autorizadas de conhecimento ¢ nenhuma “fonte” & particularmente digna de {6.() Tudo € bem-vindo como fonte de inspiracdo, inclusive a “intuicdo”; especialmente se nos sugerir problemas novos. Mas nada € seguro e somos todos 133 Além disso, a nitida distingdo de Kant entre pensamento discursivo no pode ser sust cursivo, compart de um equipement pereepal accita, Posy apos nos havermos adestrado em pensamento dis jo nots apreesioinulvatomase exemamente rente do que era antes, ‘Tudo isto se aplica & nossa sto intuitiva do tempo — 0 modo pelo qual temporais — dependeria parcialmente de nossa tos nela incorporados: nossa intui tempo deveria muito as origens gregas de nossa sua énfase sobre o pensamento discursivo, De qualquer modo, nossa intuicdo do tempo pode mudar com nossas teorias mutiveis. As intuigdes de Newton, Kant © papel do tempo na fisica de particulas difere do papel na fisica de massa continua, espe- mente a dptica. Enquanto a fisica de particulas su instante inestendido, como uma navalha, um “punctum tempo- que separa o pasado do futuro, e assim de tempo que consiste de (uma série continua de) instantes inestendidos, e um mundo cujo “estado” pode ser dado para ‘qualquer desses instantes inestendidos, a situacéo em dptica muito diferente. Assim como hé em Sptica grades especialmente estendidas cujas partes cooperam sobre considerdvel distancia i de espaco, assim ha eventos temporalmente estendidos (ondas possuidoras de freqiiéncias) cujas partes cooperam sobre consi- derdvel distancia de tempo. Portanto, devido a dptica, nao pode haver em fisica um estado do mundo num instante de tempo. Este argumento deveria fazer, ¢ faz, grande diferenga para nossa tuigdo: 0 que se tem chamado o presente especioso da psico- ia no € especioso nem confinado & psicologia, mas € ge corre na fisica.(#2) ina geral da intuigo como fonte livel de conhecimento é um mito, como nossa intuigao do tempo, mais especialmente, é tho sujeita a critica e correcao ‘com 0 é, de acordo com a propria admissio de Brouwer, nossa intuigao do espago. 134 3. © principal ponto aq de Lakato. Ea de que a io $6 as ciacias turais) cresce através da critica de suposigoes e de provas e a formulagao lingiiistica dessas ., sua posi¢ao no terceiro mundo, A jo mero meio de comunicar descrigées de tomma-se por isso uma parte essencial do ico, mesmo em matemética, 0 qual por Sua vez. se tora parte do terceiro mundo. E ha camadas, ou ‘na linguagem (sejam ou no formalizados numa hierar- je metalinguagens). Fosse correta a epistemologia intuicionista, a competéncia matemitica nfo seria problema. (Fosse correta a teoria de Kant, nao seria cla compreensivel, porque tivemos — ou mais precisamente tiveram Platio ¢ sua escola — de esperar tanto tempo por Euclides.(*%)) Contudo, € um problema, vi jonistas altamente competentes podem dar sobre alguns pontos dificeis, (#4) Nao é necessério inda- igarmos que lado esta certo no desacordo. & suficiente indicar ue, desde que uma construgo intuicionista pode ser eriticada, 6 problema suscitado s6 pode ser resolvido pelo uso de lingua- ‘gem argumentativa num modo essencial. Sem divida, 0 uso tritico essencial da linguagem no nos obriga ao uso de argu- mentos banidos por mateméticos intuicionistas (embora aqui hhaja um problema, como sera mostrado). Meu pomto, no mo- mento, € apenas este: desde que possa ser questionada a ad fade de uma construgo matematica — e sem divida pode ser qu mais que um mero meio de comunicaclo que poderia dispensar: torna-se, em vez disso, 0 m ao critica, Assim, nfo € mais somei jue & obi lade de seus argumentos. Mas isto si fica que a linguagem si spensavel como o meio de ar de discussio critica. (#) Estou, porém, dis errénea da posicio mitica, esteja inseparavelmente @ portanto & sua formulacdo linglistica, Brouwer est

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