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Ser mãe

Anônimo, mas escrito em março de 2010, por uma mãe

Entrei no quiosque e vi aquele menino pelado, comendo uma comida dura - arroz e
feijão - com uma colher gigante.

Ele estava sozinho. Sujinho.

Olhou para mim.

Seu olhar foi pousar em algum lugar lá dentro de mim que eu mesma nunca havia
acessado.

Perguntei bem alto: de quem é esse menino?

E uma mocinha lá dentro respondeu: É meu....

Então eu disse: Menina! Dê esse menino pra mim.

Ela riu. Uma hora depois ele estava no meu colo.

Eles ficaram espantados porque ele não ia com ninguém.

Dali pra frente eu sempre ia lá.

A dona do quiosque era tia dele e quando ele chegava, ela me ligava e dizia: ele
está aqui.

Um dia ela foi lá em casa e me pediu para cuidar dele por 15 dias, pois um parente
havia sofrido um acidente.

Eu disse: sem problemas.

Ele ficou místicos 7 anos comigo; até seus 8 anos de idade.

Minha vida mudou completamente. Comecei a comprar fraldas, mamadeiras,


roupinhas, pijamas, brinquedos.

Foi muito bom.

Onde eu ia, ele também estava; se ele não podia ir, normalmente eu também não ia.
Ele aprendeu a dormir quando dava sono nele.

Ele era uma parte de mim mesma. Que dormia, diga-se, de passagem.

Eu sentia falta do cheiro dele, da respiração, da fala, da mãozoinha dele no meu


rosto ou no meu corpo.

Eu gostava de olhar ele dormir, de tomar banho com ele, eu percebia cada coisinha
nele que mudava, sabia onde estavam todas as dobrinhas do seu corpinho, sabia
das coisas que ele não gostava, sabia dos seus gostos, sua simplicidade infantil, sua
honestidade de criança, seus medos.

Escutar ele rir ainda é um grande prazer, de cantar pra ele, de ver filmes infantis
comendo pipocas, eu não conseguia pensar minha vida sem ele.

Quando ele dizia bom dia, assim que acordava, eu podia saber se ele estava bem
ou não.

Éramos cúmplices da vida.. Ele sabia também quando eu não estava bem e ficava
perto de mim me alisando.,

Quando estava cansada, ele era incapaz de me acordar de manhã.

Ele acordava, tomava café e ia ver televisão..

Às vezes ficava do meu lado me olhando até eu acordar - como eu fazia com ele.

Lembro do dia que trocamos a mamadeira por uma xícara e um brinquedo e demos
a mamadeira pra filha de um amigo.

Ele sentiu muita falta da mamadeira. Eu lhe comprava um todynho de caixinha para
amenizar seu sofrimento.

Risos.

O dia em que ele foi embora pensei que não ia conseguir levantar mais, tamanha
era a vontade de ficar deitada no chão chorando.

Achei que junto com ele iam todas as minhas forças.

Queria que o mundo abrisse pra eu entrar dentro.


Se enganam as mães que acham que somente parindo podemos nos apegar a uma
criança; Somente parindo somos levados a amar um ser pequenino daquele.

Não é verdade.

Nós dois sentimos muito e nós dois nos recuperamos daquele momento ruim.

Cada dia que passa tenho mais certeza de que fiz aquilo que era pra eu fazer e que
compartilhei momentos incríveis da minha vida com ele.

Tenho certeza de que ele foi enviado para cuidar de mim.

Me ensinou a maior parte das coisas que valorizo hoje na minha vida.

Ele cuidou de mim até que pude andar sozinha de novo; então, ele foi resolver
outras coisas da vida dele, como espírito eterno e livre.

Foi a experiência mais incrível que tive na minha vida.

Compartilhar todo tipo de momentos com ele... com esse espírito.

Não tenho idéia de por que isso aconteceu comigo, mas nenhum arrependimento
passou em nenhum momento em minha cabeça, somente vida - indo e vindo.

Hoje eu vejo a vida agindo em mim e me ensinando coisas que talvez eu não fosse
aprender de outra maneira.

Desapego, adaptação, experiências.

Continuo com uma enorme vontade de viver e de ter experiências.

Isso não é uma coisa ruim. É apenas mais uma coisa da vida dos seres humanos.

Esta parece uma história triste, mas foi maravilhoso dividir meus alguns dias da
minha vida com ele.

Não estamos sofrendo agora. Estamos felizes.

Ele está bem e eu também.

E do futuro, quem é que sabe, né?

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