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"As expectativas em relação à aprendizagem e à capacidade de realização

de tarefas, por parte de alunos com deficiências severas, apontam para um


nível que se situa abaixo do que é atingido por, aproximadamente, 99% da
população dos alunos da mesma idade. Se as competências que estes alunos
conseguem adquirir são em número tão limitado, é aconselhável que um
número considerável de entre elas tenha um carácter funcional.

O principal objectivo deste artigo consiste em delinear o conceito de


"funcionalidade" e, em seguida, aplicar este conceito aos programas
educativos destinados a estes alunos. com deficiências severas. Mais
concretamente, as finalidades são:

• Delinear um conjunto de competências que possam ser


seleccionadas para o programa de ensino.
• Determinar se cada uma delas obedece à definição de
funcionalidade que foi estabelecida.
• Determinar se cada uma é ou não apropriada.
• Determinar se uma competência deve ser seleccionada com o fim
de ser ensinada, em determinada ocasião, e qual a razão desta
selecção.

Uma tarefa funcional, tal como aqui é referida, consiste numa acção que, se
não for realizada pelo aluno com deficiências severas, terá de ser realizada
por qualquer outra pessoa. Teresa tem 17 anos e foi incumbida de dar de
comer ao seu cão todas as manhãs. Uma vez que o cão tem de ser
alimentado por outra pessoa qualquer, se não o for pela Teresa, esta tarefa e
as competências necessárias para a realizar, de acordo com a definição
apresentada, são consideradas funcionais.

Definimos aqui uma tarefa não funcional, ou diferente de funcional, como


uma acção que não será realizada por mais ninguém, se não o for pelo aluno
com deficiências severas. O professor pede a Teresa para por 12 peças de
encaixe num tabuleiro com 12 buracos. Para sabermos se as competências
exigidas são não funcionais ou diferentes das funcionais, a questão que deve
ser colocada consiste em: "Se a Teresa não puser as peças de encaixe nos
buracos, alguém terá de as colocar?" Se a resposta for "NÃO", aquelas
competências são consideradas não funcionais ou diferentes das funcionais,
de acordo com a definição acima apresentada. Chama-se a atenção para o
facto destas competências poderem ser intituladas por outros como pré-
funcionais, simuladas, conceptuais e/ou de treino.

Considerando que a expectativa em relação à aprendizagem destes alunos


é inferior à que diz respeito a 99% de todos os outros das mesmas idades,
deverão ser seleccionadas para aprendizagem competências que não
obedecem ao critério de funcionalidade aqui apresentado? Certamente que
sim! É extremamente importante que todos os alunos adquiram e realizem
uma variedade de tarefas não funcionais ou diferentes das funcionais que
tenham significado para cada um desde que contribuam para melhorar a sua
qualidade de vida. Estão neste caso, por exemplo, as actividades recreativas
e de lazer. Luís tem 13 anos de idade. Se ele não for capaz de olhar para
uma revista sobre animais ao mesmo tempo que ouve as suas cassetes
preferidas, será que alguém terá de fazer isso por ele? Se a resposta for
"não", estas competências não são funcionais ou são diferentes das
funcionais. No entanto, é extremamente importante que elas constem do seu
reportório, pois, sem elas, a sua qualidade de vida diminuirá
consideravelmente. Mais especificamente, para o Luís estas competências
têm valor porque são apropriadas cronologicamente, podem ser utilizadas ao
longo da sua vida, podem ser realizadas em casa, na escola, na biblioteca,
no trabalho, no autocarro, etc., e porque pessoalmente lhe dão prazer.
Assim, em determinadas circunstâncias, é adequado seleccionar
competências que não obedecem ao critério de funcionalidade. Do mesmo
modo, em determinadas circunstâncias pode não ser adequado seleccionar
uma competência que obedece a este mesmo critério. Ou seja, mesmo que
uma competência obedeça ao critério de funcionalidade, deve ser avaliada
em relação a muitas outras dimensões antes de ser seleccionada para ser
incluída no programa educativo.

De entre centenas de competências possíveis de ser ensinadas a


determinado aluno, em determinada altura, terá de ser feita uma escolha de
um número limitado de entre elas. Por conseguinte, devem ser avaliadas as
razões que levam a essa escolha. Maria é uma estudante de 15 anos que
não anda e frequenta uma escola secundária regular. Em determinada
reunião sobre a elaboração do seu PEI, os pais, professores e terapeutas
tiveram que optar entre ensiná-la a comprar as suas roupas ou a comprar
comida. Ambas as competências eram funcionais, ou seja, se ela não fizesse
essas compras alguém teria de as fazer por ela. Depois de considerar vários
factores para além da funcionalidade, foi decidido ensiná-la a comprar
comida, pelas seguintes razões:

• comprar comida constitui um conjunto de competências que têm


de ser realizadas todos os dias;
• comprar comida consiste numa tarefa que ela pode fazer para os
outros membros da família, tal como eles fazem coisas para ela,
todos os dias;
• a mercearia fica no seu bairro e ela pode aprender a ir lá sozinha,
na cadeira de rodas;
• o merceeiro aceita que as compras fiquem numa conta, uma vez
que ela não é capaz de contar.

Um programa educativo dum alunos com deficiências severas,


minimamente aceitável, deve compreender o ensino de competências
funcionais e de competências não funcionais ou diferentes das funcionais.
Algumas das questões que devem ser levantadas quando se elabora um
destes programas são:

• de entre todas as competências funcionais que poderiam ser


ensinadas naquela altura, quais devem ser seleccionadas e
porquê?
• de entre todas as competências não funcionais ou diferentes
destas que poderiam ser ensinadas naquela altura, quais deveriam
ser escolhidas e porquê?
• no espaço duma semana, que proporção deve ser respeitada entre
estes diferentes tipos de competências e porquê?

Texto extraído do artigo do Prof. Lou Brown (1993), The Functional Skill in Programs for
Students with Severe Handicaps, in Lou Brown and al. (Eds) Educational Progress for Students
with Severe Handicaps, Vol. XIV. 55-59. Madison, WI: Madison Metropolitan School District.

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