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A arrogancia segundo os medfocres Por Carmen Guerreiro “adorei a seu sapato", disse uma amiga para mim certa vez. “Legal, né? Eu comprei em uma feir artesanato na Colémbia, achei super legal também’, eu respondi, de fato empolgada porquc também adorava o sapato. Foi o suficiente para causar reticéncias quase visiveis nela ¢ namorado e, se ndo fosse chato demais, eles teriam dado uma risadinha e rolariam os olhos um © outro, como quem dic “que metida”. Mas para meia-entendedora que sou, o “ah...” que respondeu bastou. Incrivel é que posso afimar com toda convicgo que, se tivesse comprado aquele sapato er camelé da 25 de marco, eu responderia com a mesma empolgacSo “Legal, né? Achei ld na 25!” que af sim eu teria uma reac3o positiva, porque comprar na 25 “pode”, Experiéncias como essa fazem com que eu mantenha minhas viagens em 13 paises, minha flué em francés e meus conhecimentos sobre temas do mau interesse (linguistica, mitologia, gastron etc) praticamente para mim mesma e, em doses homeopaticas, comente entre meu restrito cit familiar @ de amigos (aquole que a gente conta nos dedos das mios). Essa censura intelectual me deixa irritada. Isso porque a medioctidade faz com que muitos tors: nariz pera tudo aquilo que ndo conhecem, mas que socialmente € considerado algo de um nive cultura e poder aquisitivo superior. & assim vocé vira um arrogante. Te repudiam pelo simples de vocé mencionar algo que tem uma tarja invisivel de “coisa de gente fresca”” Nao importa que ele pague R$ 30 mil em um carro zero, enquanto vocé dinge um carro de mai anos ¢ viaja durante um més 2 cada dois anos para 0 exterior gastando R$ 5 mil (dinheiro que v que no quer um carro zero, juntou com 0 seu trabalho enquanto ele pagava parcelas de mill 1 a0 més). N3o importa que voc conheca uma palavra em outra lingua que expressa muito math que vocé quer falar. Vocé no pode menciond-la de jeito nenhum! Mas ele escreve errac portugués, troca “c” por “g”, "s” por “2” @ tudo bem. Nao pode falar que n&o goste de novela ou de Big Brother, sen8o vocé € chato. N&o pode f referéncia a lvro nenhum, ou falar que foi em um concerto de misica cléssica, ou vocé € esn Nao 9uico seauer mencionar mets aminos, estranaeiros. correndo o.tisco de anedreiamento. agar R$200 em uma aula de francés ndo pode. Mas pagar mais em uma academia, sem probler 2 eu Como aspargos e queijo brie, sou “chique”. Mas se gasto os mesmos R$ 20 (que compr: ois ingredientes citados) em um lanche do Mc Donald's, ai tudo bem. Se desembolso R$100 em oupa Ou acessério que gosto muito, sou uma riquinha consumista. Mas gastar R$100 no salac abeleireiro do bairro pra ter alguém refazendo sua chapinha é considerado normal. Gastar de R$. $50 em vinho (seco, ainda por cima) é um absurdo. Mas R$80 em um abad, ou em cerveja ruir alada, ou em uma festa open bar... Tranquilo! leu ponto € que as pessoas que mais exercem essa censuta intelectual tém acesso as mes oisas que eu, mas escolhem outro estilo de vida. Que pode ser até mais caro do que o meu, ue n3o tem a pecha de coisa de gente arrogante. 'diciondrio Aulete define a palavra “arrogancia” da seguinte forma: - Ac3o ou resultado de atribui a si mesmo prerrogativa(s), direito(s}, qualidade(s) ete - Qualidade de arrogante, de quem se pretende superior ou melhor e 0 manifesta em atitude: esprezo aos outros, de empafia, de insoléncia etc. - Atitude, comportamento prepotente de quem se considera superior em relac3o aos out NSOLENCIA: *...2 atirou-Ihe com arrogancia 0 troco sobre o balc3o.” (José de Alencar, A viuvinh. - AcSo desrespeitosa, que revela empafia, insoléncia, desrespeito: Suas arrogancias ultrapas ado limite: ois bem. Ser arrogante é, entSo, atribuir-se qualidades que fazem com que vocé se ache sup: 0s outros. Mas a grande questSo é que em nenhum momento coloco que meus interesses aguas estrangeiras, viagens, design, gastronomia e cultura alternativa so mais relevantes do utros. Ou pior: qué me fazem alguém melhor que os outros. SSo os outros que se colocam ab mim por ndo ter os mesmos interesses, taxar esses interesses de “coisa de grS-fino” (sim, 2 sam esse termo) e achar que vivem em um universo dos “pobres legais”, ainda que tenha 1esmo salario que eu. E 0 pior é que vivem, mesmo: no universo da pobreza de espirito.

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