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DIMENSOES DA MODERNIDADE* ANTHONY GIDDENS** As questées que me proponho tratar nesta conferéncia, e com as quais tenho lidado durante os tiltimos quatro ou cinco anos, tiveram origem na critica do materialismo histérico e, em geral, na critica das teorias evolu- cionistas nas Ciéncias Sociais. Em termos muito sintéticos, cheguei a conclusao de que, nas Ciéncias Sociais, as teorias evolucionistas nao tém pertinéncia, que nao hé qualquer possibilidade de defender uma abordagem evolucionista do desenvolvi- mento das sociedades modernas. Conclui também que o materialismo his- torico, pelo menos como é habitualmente entendido, isto é, como uma teo- ria da historia, segundo a qual as forgas de produgdo, em conjunto com as relagdes de producdo so, de alguma forma, os factores que governam os principais processos de mudanga social, nao constitui, igualmente, uma abordagem correcta da historia humana e da mudanga social. Estas duas perspectivas globalizantes da ciéncia social necessitam, em minha opiniao, de ser radicalmente modificadas ou abandonadas. ‘Uma interpretagao descontinuista da historia moderna Como alternativa ao pensamento evolucionista e a algumas versdes do materialismo histérico, quero propor-vos uma interpretago descontinuista da historia moderna. Com esta designacao nao pretendo referir-me, sim- plesmente, a velha ideia marxista de que a historia avanga através de trans formagdes revolucionarias sucessivas, mas sim a uma abordagem da hist6 ria moderna sustentando que os dois ou trés itltimos séculos sao tao dife- rentes da historia humana anterior que nos devemos concentrar sobre a na- tureza dessas diferencas. Por uma teoria descontinuista da historia moder na entendo o salientar que as mudancas ocorridas num periodo de duzen- tos ou trezentos anos so provavelmente (4 amplas quanto as mudan ocorridas durante os varios milhares de anos anteriores. * Transcriggo de uma conferéncia proferida no CIES/ISCTE, em 28 de Novembro de 1987. Traducdo ¢ subtitulos de Rui Pena Pires. ** King’s College, Universidade de Cambridge, 238 SOCIOLOGIA A era da modernidade ¢ tao diferente das eras anteriores que deveré ser abandonada qualquer abordagem considerando a sociedade ocidental, industrial ou capitalista, consoante a terminologia com que se opere, como 0 topo de um processo evolutivo — independentemente do esquema evolu- tivo que se tenha em mente. Em sua substituicdo devemos defender uma abordagem das origens e consequéncias da modernidade que, embora acei tando obviamente a existéncia de continuidades entre a era moderna e as eras precedentes, permita salientar quo radicais sao as descontinuidades que nos separam das épocas anteriores. E neste contexto que localizo a So- ciologia. A Sociologia é, em meu entender, 0 discurso da modernidade, 0 discurso da interpretacao reflexiva de nds proprios emergente do cisma ra- dical que separou as nossas vidas da vida das geracdes anteriores. Esta descontinuidade é intensiva e extensiva. £ intensiva porque a na- tureza da nossa vida do dia-a-dia é profundamente diferente da vida do dia- -a-dia da maioria das pessoas na historia humana anterior. E extensiva de- vido ao facto de sermos os primeiros seres humanos que vivem numa so- ciedade global, na qual existe um conjunto de interconexdes articulando as intimas texturas da vida do dia-a-dia com transformagdes operando a uma escala verdadeiramente mundial. Sao estes os motivos porque situo as minhas posigdes numa perspec tiva distinta quer da teoria evolucionista, em geral, quer de muitas das versdes do materialismo histérico, em particular. social O Estado-nagao e a violéncia na teor No contexto desta critica geral do pensamento evolucionista ¢ do ma- terialismo historico, conclui também que naquelas perspectivas sto inade- quadamente analisadas, ou foram mesmo completamente negligenciadas, caracteristicas fundamentais tanto do mundo tradicional como do mundo moderno. Nomeadamente, ha duas caracteristicas centrais da modernidade cuja andlise foi, em minha opiniao, negligenciada nao s6 pelo marxismo como também por grande parte da Sociologia e da Antropologia ortodoxa. Uma dessas caracteristicas 6 o desenvolvimento do Estado-naglo ¢ do sistema de Estados-nagao. Os socidlogos definem habitualmente como seu objecto 0 que designam por sociedade ou, no marxismo, por formagao so- cial. Que é porém uma sociedade, ou uma formacao social, no mundo mo- demo? Quando um socidlogo fala de uma sociedade pretende, normalmente, referir-se a um Estado-na¢ao, a uma organizagdo governamental, detendo © monopélio do poder politico e militar dentro de um territério deter- minado. Embora os socidlogos definam como seu objecto o estudo das so- ciedades, ou das formagaes sociais, nao ha qualquer teoria do Estado-na- a0 nas tradig6es ortodoxas da Sociologia, ndo ha qualquer teoria desen- volvida da territorialidade, do poder militar ou do sistema de relagdes entre Fstados-nacao enquanto caracteristicas distintivas dos tiltimos duzentos ou N.° 4.1988 239 trezentos anos. Tal € manifestamente inadequado, pois constitui debilidade central da Sociologia, que 0 seu proprio objecto, as sociedades humanas, permaneca por teorizar, pelo menos em termos da sua territorialidade. A minha primeira conclusdo desta analise foi, portanto, que o Estado-nacao devera constituir um dominio fundamental da teorizagao sociolégica e que o sistema de Estados-nacao deve ser considerado nao como um conjunto de fronteiras externas as sociedades que os socidlogos estudam mas como es- tando nelas constitutivamente implicado. Em segundo lugar, cheguei conclusao que observacdes semelhantes sto igualmente pertinentes a propésito do poder militar ¢ da violéncia. Tal como a analise do Estado-nagao e do sistema de Estados-nagao, também o estudo do poder militar, do papel que a guerra desempenhou na historia durante os séculos XIX e XX, do impacte da violéncia militar sobre a mu- danga social do século Xx, nao figurou como central no discurso da ciéncia social ortodoxa. A Sociologia parece ter-se desenvolvido ancorada no pano de fundo do pensamento social do século XIX, em particular na ideia de que viveriamos num mundo no qual a expansao das relacdes economicas de troca acabaria por, no essencial, conduzir & formagao de uma comuni- dade pacifica de produtores associados. E caracteristico da Sociologia e da Antropologia considerar que 0 mundo se esta a tornar globalizado, mas globalizado através da interdepen- déncia econémica. Mesmo em Max Weber, que mais do que outro socidlo- go classico estava consciente do significado da guerra e do poder militar, nao ha o que verdadeiramente se poderia esperar encontrar, ou seja, uma discuss’o do impacte do poder militar sobre a moderna mudanea social, uma discussao do que o historiador McNeill correctamente chamou de in- dustrializacao da guerra enquanto componente-chave do processo de in dustrializagao em geral. A ligagdo entre a produgiio industrial ¢ os meios de fazer a guerra, os meios de violéncia, é no entanto tao distintiva e caracte- ristica do periodo moderno como a expansdo do industrialismo ¢ do capi- talismo sobre a qual os socidlogos tém concentrado a sua atengao. Ha pois dois espagos em branco no discurso sociolégico ortodoxo, marxista ou nao marxista, resultantes da auséncia de uma teorizacao do Estado-nagio enquanto formaao politica com uma base territorial ¢ de uma teorizagao da guerra e da violéncia enquanto tragos fundamentais da nossa era e dos processos de mudanga social no mundo moderno. Por ou- tro lado, gostaria ainda de argumentar que as teorias sociologicas ortodoxas da modernidade sao unidimensionais. Isto é, marxistas e nao marxistas, em parte pelas razdes ja invocadas, concentraram-se em certas dimen- ses da mudanga no mundo moderno com a consequente exclusdo de ou- tras. Uma vez que tenhamos reconhecido que a modernidade € um conjun- to multidimensional, que so miltiplas as dimensOes essenciais da moder- nidade, poderemos comegar a repensar 4 teoria social ¢ a teoria politica nos finais do século Xx. E meu objectivo argumentar nao s6 que ha varias di mensdes fundamentais da modernidade, mas também que essas dimensdes 240 SOCIOLOGIA tém uma independéncia analitica. Reconhecer essa independéncia analitica possibilita-nos uma conceptualizagao mais poderosa para a interpretagdio da natureza descontinuista da historia moderna que a dos quadros tradicio- nais que nos foram facultados quer pela sociologia marxista, quer por perspectivas no marxistas sobre a moderna mudanga social. Sociedade capitalista «versus» sociedade industrial © pensamento sociolégico ortodoxo esteve concentrado num debate primordial respeitante as origens e natureza da modernidade, debate que, sendo tradicional, prossegue ainda nos tempos modernos entre as teorias da sociedade capitalista, por um lado, ¢ as teorias da sociedade industrial, por outro. Os autores marxistas consideram que a forga dinamica fundamental que tem vindo a moldar o mundo moderno, a produzir a modernidade, & 0 capitalismo. O capitalismo, como aqueles influenciados pelos escritos de Marx correctamente defendem, é um sistema de produgao baseado em rela- Ges de classe, no qual a propriedade privada do capital est indissociavel- mente ligada 4 mercantilizacao da forca de trabalho e onde h4, por conse- guinte, uma luta de classes endémica, € um sistema que contém mecanis- ‘mos conducentes ao seu desenvolvimento mundial com base nas tendéncias din&micas para a expansdo da producio capitalista. Para o pensamento marxista, como para muitos que ndo se considerando marxistas se supor- tam em contributos marxistas, 0 capitalismo e as dindmicas do capital mo, a propriedade privada do capital, a mercantilizagao da forga de traba- lho, constituem os principais impulsos din&micos em relagfo aos quais muitas das restantes mudangas fundamentais do mundo moderno podem ser referenciadas. Nesta perspectiva, o industrialismo, pelo qual entendo a produgdo com base em maquinas envolvendo 0 uso de energia inanimada, a transfor- macao do ambiente natural através do uso de tecnologia industrial, os mo- dernos métodos de producaio material, o industrialismo, dizia, € secunda- rio em relacao ao capitalismo, O proprio Marx colocou esta questao de forma muito clara. Para Marx, a producao industrial tinha origem em pressdes econémicas, era gerada pela natureza expansiva da produgao ca- pitalista. A produgao industrial seria portanto, se nao um epifendmeno, pelo menos secundaria, visto constituir uma derivacdo da natureza expan- siva dos mecanismos da produgao capitalista. A posigao de muitos socidlogos ortodoxos ndo marxistas assumiu o que parece ser uma visdo oposta. Nos escritos da Sociologia ortodoxa ¢ 0 industrialismo e n&o o capitalismo que tem transformado 0 mundo moder- no, € 0 industrialismo ¢ nao o capitalismo que constitui a base das socieda- des ocidentais em que vivemos. Para esses escritores, entre 0s quais estao incluidos autores como C. Kerr, R. Aron, R. Dahrendorf ou, mais recente- N° 421988 241 mente, J. Goldthorphe, na Grd-Bretanha, as sociedades modernas so, fundamentalmente, sociedades industriais. Enquanto que para Marx o industrialismo era um subtipo do capitalis- mo, para estes socidlogos nao marxistas o capitalismo é um subtipo do in- dustrialismo. Dahrendorf clarificou esta posigao nos seus escritos dos anos 50, em particular no célebre livro Class and Class Conflit in Industrial So- ciety. Defende Dahrendorf que 0 capitalismo foi um periodo particular na evolugao da sociedade moderna, proeminente no século XIX, quando os empresarios eram de tipo individual, quando a luta de classes era aberta, quando nao existia negociagdo econémica institucionalizada no mundo in- dustrial. Este foi um periodo de dominancia do capitalismo, mas Marx te- ria erradamente assumido que o capitalismo constituia a forga dinamica da nossa época. No entanto, Marx e todos os que o seguiram estariam erra- dos, pois, segundo Dahrendorf, o capitalismo nao foi sendo uma fase na expansao do moderno industrialismo, dado que os principais mecanismos da producdo industrial no século XIX teriam ja praticamente desaparecido. O industrialismo seria pois a forga decisiva da modernidade uma vez que a sociedade industrial constitui um fenmeno de muito maior duragao que o capitalismo. Para Dahrendorf, como para Kerr, a centralidade do indus- trialismo na era moderna seria visivel no facto de a Unio Soviética ¢ os EUA terem muito de comum no que se refere aos fundamentos das suas formas de produco, pois ambas sao sociedades industriais, em ambas as pessoas vivem sob circunstdncias do mesmo tipo e trabalham de forma se- melhante. Deveriamos pois localizar a dinamica da modernidade no indus- trialismo. Posiedo idéntica é sustentada pelas teorias do pés-industria- lismo. A abordagem da sociedade pés-industrial por D. Bell segue, de fac- to, a mesma logica. O pés-industrialismo suposto ser um sistema para la do industrialismo, mas a nocdo de sociedade pés-industrial da continuida- de ao determinismo tecnolégico subjacente & teoria da sociedade indus- trial. Em minha opiniao, ambos os oponentes neste debate estao equivoca- dos. O industrialismo nao é um fenémeno secundario em relago ao cay talismo, nem o capitalismo € um fendmeno secundario em relacdo ao in- dustrialismo. Em lugar de se considerar capitalismo ¢ industrialismo como alternativas, deveriamos antes reconhecer que estas sto duas dimensdes analiticamente independentes da modernidade, que capitalismo e industria- lismo so duas dimensdes que moldaram a emergéncia do mundo moder- no. No século XIX tal nao era muito claro, em parte devido ao fenémeno analisado por Marx, ou seja, devido ao facto de a producdo industrial ter sido estimulada pela expansao da empresa capitalista. Nos finais do sé- culo Xx no entanto possivel verificar que as dindmicas da produgdo capi- talista, enquanto modelo de organizagdo econdmica da actividade produti- va, sto, pelo menos em parte, separaveis das do industrialismo. Assim, a minha primeira tese € que estas duas dimensdes da modernidade, capitalis- mo e industrialismo, sao analiticamente independentes. ast 242 SOCIOLOGIA Concluir 0 debate com estas consideragdes seria contudo permanecer ainda no Ambito do discurso sociolégico ortodoxo que procurei criticar de inicio. Ou seja, seria manter ainda aqueles pardmetros do discurso que, identificando a sociedade moderna como industrial ou capitalista, delimi tam a transformagao econémica como a chave das mudangas que conduzi- ram 4 modernidade. Em minha opinido esta posigdo ¢ também incorrecta. £ errado subsumir 0 capitalismo no industrialismo mas ¢ também errado supor que estas sdo as inicas dimensGes-chave da modernidade, as dnicas dimensées que deram forma ao mundo moderno. Ha duas outras dimen- ses que existem numa relagao complexa com estas duas primeiras, exis- tem, a meu ver, quatro dimensdes institucionais da modernidade analitica- mente independentes (ver fig. 1). FIGURA 1 Vigilancia (Poliarquia) Violéncia militar Propriedade privada (Poder militar no contexto (Classe) da industrializagao da guerra) ‘Transformagao da natureza (Ambiente criado) Poder militar e vigilancia Se considerarmos, em primeiro lugar, a dimens&io do poder militar, fa- cilmente se verificara que, embora o controlo dos meios de violéncia esteja relacionado tanto com o industrialismo como com 0 capitalismo, nao é re- dutivel a estas dimensdes. No mundo moderno, um pais com uma econo- mia desenvolvida complexa é mais capaz de desenvolver a sua forca mili tar, havendo pois uma relacao entre prosperidade econémica e poder militar. Mas esta relacao nao é directa, da mesma forma que o sucesso na guer- ra ndo é um resultado directo da prosperidade econémica, independente- mente dos critérios de desenvolvimento econémico que utilizarmos. Consi deremos, por exemplo, os paises do Terceiro Mundo na era moderna, os ° 4-1988 243 quais, por definigao, se caracterizam por um baixo nivel de desenvolvimen- to da sua infraestrutura econdmica. Contudo, no que respeita ao poder mi- tar a maioria das sociedades do Terceiro Mundo sao sociedades do Pri- meiro Mundo visto ter sido possivel construirem a sua forga militar com base na importagao de armamento e de métodos de treino dos paises oci- dentais. O controlo dos meios de violéncia nao é, pois, simplesmente, um epifendmeno do industrialismo ou do capitalismo. A guerra nao € simples- mente uma expresso directa da expansdo do capitalismo ou do industria- lismo, é uma dimensao parcialmente independente da histéria do século Xx cujo impacte tem de ser analisado sociologicamente e cujas consequéncias devem ser pensadas politicamente. O mesmo se passa, como gostaria de argumentar, no que repeita & quarta dimensao contida no diagrama da fig. 1 — a vigiléncia. Julgo que, como Focault 0 demonstrou, a Sociologia, na sua vertente tradicional, con- centrou-se demasiado sobre a questo do controlo dos recursos materiais enquanto mecanismos da dominacdo. Tanto para os socidlogos marxistas como para os nao marxistas 0 controlo da propriedade e 0 controlo dos meios de produco so supostos ser 0s eixos do poder. Contudo, na produ- ‘sao dos sistemas de dominagao 0 controlo da informagao é, pelo menos, tao importante como 0 controlo dos meios de producdo e analiticamente separavel do controlo dos recursos materiais. No mundo moderno, a vigilancia integra, em minha opinido, duas componentes ja referidas por Foucault, embora este nao as tenha clara- mente distinguido. Uma primeira componente ¢ a produgdo de informa- Go, de informacao codificada, possibilitando a coordenacao no tempo ¢ no espago, das actividades dos actores. Uma segunda componente € a su- pervisao directa das actividades dos actores em situagdes de concentragao do poder. Esta segunda componente parece-me ter sido particularmente enfatizada por Foucault na sua discussao sobre as prisdes, escolas ¢ empre- sas, locais onde tempo e espago esto directamente implicados na supervi- Sio directa da actividade de alguns actores por outros. Ambos os aspectos da vigilancia s4o, no entanto, mecanismos-chave na produgao do poder. Esta nao &, evidentemente, uma dimensio especifica da modernidade. Como ja referi noutras ocasides, a origem dos Estados tradicionais, dos Es- tados agrarios, esta associada 4 escrita. Nos Estados tradicionais a escrita nao era simplesmente um meio para contar historias ou para descrever 0 mundo. A escrita era, acima de tudo, um instrumento de armazenagem da informagao que permitia gerar poder administrativo. Se tal era verdadeiro nos Estados tradicionais, muito mais verdadeiro 0 é no periodo da moder- nidade. Nas sociedades modernas o inicio da acumulacao das estatisticas, 0 inicio do proprio estudo sociolégico e da expansio das Ciéncias Sociais em geral, constitui parte integrante da diversificagao do controlo da informa- so ¢ do poder administrativo. Este processo conheceu uma aceleracao tre- menda devido em grande parte ao impacte na cultura moderna dos media impressos e, posteriormente, os media electronicos. O papel dos meios de 244 SOCIOLOGIA comunicagao enquanto instrumentos facultando a expansio do poder ad- ministrativo é uma outra caracteristica-chave da cultura moderna que nado me parece ter sido suficientemente analisada pelos socidlogos. S6 em anos mais recentes comegou esta questo a ser objecto de estudo por parte de so- cidlogos operando no amago da disciplina. Todos estes factores de expansao da vigiléncia nas sociedades moder- nas, de expansio da capacidade de vigilancia dos Estados modernos, so cruciais para explicar porque os Estados-nacao sao 0 que sao. Uma das ra- 26es fundamentais porque os Estados-nacao sao muito diferentes dos Esta- dos tradicionais, prende-se com o facto de a sua capacidade de vigilincia ser muito mais vasta e intensa do que alguma vez foi possivel nos estados tradicionais, cuja organizagdo tinha um caracter bem mais segmentado. Os Estados-nacao sao, em minha opiniao, os primeiros Estados na historia da humanidade que monopolizam efectivamente 0 controlo da administra- Gio no interior de fronteiras delimitadas, e também os primeiros Estados que monopolizam efectivamente 0 controlo da violéncia militar. Neste sen- tido ha ligacdes directas, julgo, entre estas duas dimensdes € a analise do Estado-nagao enquanto categoria que esta latente no conceito sociolégico de sociedade no mundo moderno Em suma, entendo que ha quatro dimensdes da modernidade que esti veram interrelacionadas de modo complexo no desenvolvimento da socie- dade moderna durante os dois altimos séculos, dimensdes que é essencial considerar como analiticamente independentes se, enquanto socidlogos, pretendemos discernir 0 sentido das transformag6es ocorridas nos tltimos séculos. Movimentos sociais e modernidade Vejamos agora as relagdes entre o diagrama da fig. 1 ¢ os dois diagra- mas da fig. 2. E conveniente olhar para estes trés diagramas como sobre- postos. Em cada um deles sao destacadas quatro dimensées distintas mas interrelacionadas: as caracteristicas gerais da modernidade (fig. 1), bem co- mo os principais tipos de movimentos sociais especificos da sociedade mo- derna ¢ os mais importantes focos de tensdo e crise inscritos nos quadros institucionais do poder social e politico no moderno mundo social (fig. 2). ‘Ao salientar a existéncia de quatro movimentos sociais fundamentais no mundo moderno, ndo pretendo negar que a sociedade capitalista con- serva um caracter classista € que 0 movimento operdrio retém, por isso, uma importancia focal na era da modernidade. Isso nado significa porém que o movimento operario seja de alguma forma o eixo de todos os outros movimentos operando nas sociedades modernas, no que concerne a contes- tacao dos principais sistemas de poder. Os movimentos ecoldgicos, por exemplo, sao uma resposta aos efeitos dramaticos do impacte do industria- lismo sobre o ambiente endo simples epifenémenos do movimento opera V.° 4-1988 245 FIGURA 2 Movimentos democraticos ) Movimentos Movimentos operarios pacifistas Movimentos ecoldgicos: a Governabilidade ‘Compromisso Critério da forga de classe Anomia rio. Os movimentos operdrios, por seu lado, so uma resposta ao caracter dassista do capitalismo. © mesmo se passa, penso, com os dois outros ti- pos de movimentos sociais que identifiquei no diagrama. Por movimentos democraticos entendo os movimentos implicados na obtencao dos direitos civis ¢ da participagao democratica nos sistemas so- Giais modernos. Uma vez mais, muitos autores marxistas, ¢ também nao marxistas, consideraram estes movimentos como emanagdes dos movimen- tos operarios. Ha uma razdo historica para esta posigdo que deriva do facto de os movimentos operarios, os sindicatos, terem frequentemente li- derado processos de luta pelos direitos civis ¢ pela expansao da participa- 40 politica. No mundo moderno, porém, estes movimentos tendem cada vez mais a separar-se, por muito fortes que possam ser as ligagdes entre eles. 246 SOCIOLOGIA Os movimentos de mulheres, naqueles periodos da sua existéncia em que lutaram fundamentalmente pela participagio democratica, pelo sufra. gio universal, pela expansdo da participagdo das mulheres na moderna vida ‘econémica ¢ politica, devem ser primordialmente localizados neste eixo das. quatro dimensdes referidas. Estes movimentos nao podem igualmente ser subsumidos nas tradicionais Iutas operdrias, tal como o feminismo nao po- de ser subsumido no marxismo apesar das relacdes interessantes que pos- sam eventualmente existir entre ambos. O mesmo se passa com a quarta dimensao referenciada, 0s movimen- tos pacifistas. Estes movimentos conheceram um importante impulso com © impacte do industrialismo sobre a guerra no século XIX. Penso no en- tanto que o impacte dos movimentos pacifistas ndo pode também ser sub- sumido nas dimensdes do capitalismo ou industrialismo. Os ideais de re- nincia a violéncia enquanto modo de regulacao dos assuntos humanos do, provavelmente, to antigos como os exércitos permanentes, antecedendo em varios milhares de anos a época moderna. Numa era nuclear, porém, os movimentos pacifistas tém objectivos mais prementes que os prosseguidos no passado por movimentos semelhantes, apresentando por isso uma forte € especifica componente «tactican até entio pouco desenvolvida. Entre estes quatro movimentos ha ndo s6 independéncia mas também relagdes, ha conflitos entre objectives bem como confluéncias diversas. Por exemplo, dados os efeitos da industrializagao da guerra e as intimas re- laces entre a tecnologia da energia nuclear ¢ a tecnologia do armamento nuclear, ndo constitui surpresa a sobreposicdo entre movimentos ecoldgi- cos € pacifistas, no que concerne tanto aos objectivos prosseguidos como aos participantes envolvidos. Inversamente, 0 movimento operdrio, a0 procurar melhorar as condigées de vida dos trabalhadores, em certos secto- res da indistria, pode ser conduzido a apoiar politicas adversas ao que ou- tros entenderdo como necessario para proteger o ambiente natural. Da mesma forma, s6 poderao ser realizados certos propésitos ecologistas se forem inflectidos ou bloqueados interesses centrais do movimento operé- rio. Por outro lado, 0s movimentos ecoldgicos tendem a desenvolver uma «contracultura», no sentido em que questionam algumas das principais ba- ses organizativas e tecnolégicas da sociedade moderna. Uma tal orientagao pode, em certas circunstancias, coloca-los contra os movimentos democra- ticos, sempre que estes tiltimos estiverem envolvidos na expansao de proce- dimentos organizativos da participagao no sistema politico. Ha portanto tensées, confluéncias e conflitos entre os diferentes tipos de movimentos sociais 0 que, em minha opiniao, radica no facto de estes estarem incorpo rados em dimens6es parcialmente diferentes dos factores estruturantes que criaram a modernidade. © 4-1988 247 Principais focos de tensio na sociedade moderna Questdes semelhantes colocam-se ainda na analise dos principais focos de tensao e crise inscritos nos quadros institucionais da modernidade. Julgo ser correcto afirmar que nas sociedades modernas, nas socieda- des ocidentais, existe hoje um compromisso de classe no que respeita a forma da sua organizagao econdmica. Isto é, vivemos num sistema de capi- talismo de bem-estar no qual houve uma aceitagdo do direito dos trabalha- dores desenvolverem as suas reivindicacdes econémicas e, simultaneamen- te, uma aceitagtio por parte dos trabalhadores da legitimidade do Estado democratico ancorado na competicdo das organizacdes partidarias. No en- tanto, visto que as sociedades capitalistas sdo sociedades de classes, as ten- sOes entre classes permanecem potencialmente disruptivas para 0 conjunto do sistema social. ‘As tensdes existentes nas sociedades modernas nao se esgotam porém com as questdes relativas ao compromisso de classe. Certamente ndo fica assim esgotada a questao que designei por anomia (mas para a qual pode- riamos escolher um termo melhor), a qual diz respeito & nossa relagao com © mundo material, a0 problema do despojamento do «significado moral» da vida num mundo que se apresenta como desprovido de seguranga exis tencial. Este tipo de problemas nao pode ser subsumido nas questées res- peitantes & caracterizaco do Estado moderno em termos de compromisso de classe. Nao faz qualquer sentido pensar que se trata simplesmente de dois aspectos de uma mesma questao. O mesmo se pode dizer a propésito do problema da governabilidade. Por governabilidade, na sociedade moderna, entendeu o grau de manuten- cdo de condigdes estaveis de dominio pelas autoridades estatais. Governar nao significa simplesmente «ter poder», mas antes ser capaz de mobilizar recursos por via do exercicio de uma influéncia sistematica sobre extensas areas da vida da populagao dominada. Na sociedade moderna a governabi- lidade depende primordialmente do grau de «integracao organizativay al- cancado. Os problemas da governabilidade nao podem também, insisto, ser subsumidos nos problemas relativos ao caracter classista dos Estados ocidentais. Claro que o caracter de classe dos Estados ocidentais afecta a sua governabilidade, mas a governabilidade também depende das relagoes do Estado com os meios de informagao que sao as bases do sistema de au- toridade. Os problemas da governabilidade devem pois ser analisados, até certo grau, independentemente das dindmicas de classe do moderno capita- lismo de bem-estar. Por fim, todos estes problemas devem ser separados daqueles que tém a ver com 0 critério da forga nas sociedades modernas. O problema do cri- tério da forga refere-se ao alcance do papel directo dos corpos policiais ¢ militares na contencao da dissidéncia. Nos regimes totalitarios 0 critério da forga esta intimamente relacionado com o controlo da informagao. Mas esta relagio é varidvel. Sao conhecidos Estados nos quais os militares tm 248 SOCIOLOGIA um poder consideravel e onde a actividade policial é bastante brutal. Estes estados nao sao no entanto, necessariamente, Estados fortes no que respei- ta ao controlo dos mecanismos de informagao. Por outro lado, ha ainda Estados que quanto ao controlo da informacao apresentam semelhancas ‘com os Estados totalitérios, mas onde o emprego de meios de forga contra (0s seus cidadaos, com vista a sancionar 0 controlo governamental, € menos severo que naqueles. Esta é, pois, mais uma dimensao autonoma da organi- zagao sociopolitica que nao pode ser subsumida noutras dimensdes. ‘Ao defender a existéncia de quatro dimensdes da modernidade, pro- duzindo problemas e tensdes que se sobrepdem, nao pretendo alegar, ob- viamente, que ndo é possivel encontrar situagdes em que é essencial relacio- nar essas dimensdes entre si. Pelo contrério, normalmente € essencial relacioné-las umas com as outras. Mas sera futil supor que existe uma di mensdo central que esta, de alguma forma, subjacente a todas as outras. E por exemplo futil supor que o capitalismo ¢ a dimens&o que constitui a chave-mestre para todas as outras quando se analisa por que € que moder- nidade é 0 que é, ou por que é que as suas consequéncias foram o que fo- ram. Penso que a modernidade deve ser entendida como um fenémeno bem mais complexo do que € habitualmente considerado pela Sociologia ortodoxa. ‘A necessidade de uma teoria politica normativa da violéncia A redugtio da modernidade as dimensdes do industrialismo ou do ca- pitalismo, nas andlises sociolégicas tradicionais, tem implicagées politicas ¢ sociologicas. Em minha opiniao, as implicagdes politicas sto particular- mente criticas quando se consideram as questdes relativas ao poder militar, ao critério da fora e aos movimentos pacifistas. Vivemos num mundo em que a industrializagao da guerra se tornou um fenémeno temivel, evidenciado pela militarizagdo do mundo e, em par- ticular, pela expanséo do armamento nuclear. Vivemos num mundo sem precedente no que respeita ao impacte sobre todos nés da expansao da in- dustrializagdo da guerra. Somos a primeira geracdo cujas vidas podem ter- minar com o fim da vida da propria humanidade, Nenhuma outra geracao teve de viver com este fenémeno, nenhuma outra geracdo teve de se con- frontar com a possibilidade da destruigao global. Nao podemos enfrentar esta questéo com base nas dimensdes que, como sugeri, caracterizam 0 discurso sociologico tradicional. O mesmo & dizer que nao dispomos de uma interpretagao analitica adequada do modo como, neste mundo do illtimo periodo do século XX, aconteceu ficarmos suspensos na idade da destruigao global potencial. Nao dispomos dessa in- terpretagdo analitica porque a Sociologia nao produziu uma abordagem siste- mitica e adequada do Estado-nacio ou da violéncia militar. Mas nao dis- pomos, igualmente, de uma interpretacdo politica normativa adequada do N° 4-1988 249 que os movimentos pacifistas deveriam realcar e daquilo que, se posso usar esta expressio, poderia ser a estrutura profunda de uma sociedade paciti- ca. E facil presumir que a paz pode ser identificada com a nao ocorréncia de uma guerra nuclear nos préximos dez ou vinte anos. Seria o que eu qua- lificaria como uma teoria de superficie dos movimentos pacifistas, dificil- mente capaz de lidar com a questo de saber 0 que poderia ser um mundo globalmente pacificado no que respeita ao controlo dos meios de violéncia. Para se compreender as dificuldades com que nos defrontamos neste campo, podemos regressar uma vez mais a Marx ¢ localizar esta questéo no Ambito da critica ao materialismo historico que referi de inicio. Para Marx, © capitalismo é um fendmeno que, simultaneamente, transforma 0 mundo moderno e degrada a vida humana. Mas, acrescentou Marx, a historia proporciona-nos a resolucao deste problema, pois 0 capitalismo gera a sua propria transforma¢ao em socialismo e o socialismo torna possivel uma nova sociedade sem classes na qual € possivel a transformacao da esfera do trabalho. Penso que este raciocinio, apesar de todas as limitagdes que nele posso discernir, ainda faz algum sentido. Faz algum sentido, na esfera do trabalho, procurar democratizar a produgdo industrial e desenvolver um qualquer tipo de sistema de envolvimento dos trabalhadores na industria em que os meios de producdo sejam restituidos aos trabalhadores. Nao faz qualquer sentido no caso do armamento. Nao faz qualquer sentido no caso da difusdo dos meios de violéncia no mundo moderno. E 0 facto de nao fa- zer qualquer sentido revela quo desguarnecidos estamos, sociolgica ¢ po- liticamente, ao confrontarmos esta dimensao da modernidade. Marx, pela sua parte, parecia acreditar, no século XIX, que o problema da violéncia, 0 problema que designei por critério da forga, 0 problema do controlo dos meios de violéncia, podia ser tratado de forma idéntica aquela com que pensava lidar com os problemas da produgao industrial e da democracia politica, Isto é, parecia acreditar que, através de uma distribuicao dos meios de violéncia aos trabalhadores, seria possivel democratizar os meios de violencia e portanto limitar 0 impacte do critério da forga. Esta solucao parece comica ou ingénua vista da perspectiva dos finais do século xx. Nao faz qualquer sentido, em minha opinido, considerar a distribuigao dos meios de violencia & populagdo em geral como um meio de lidar com 0 problema de saber o que poderiam ser os objectivos fundamentais do mo- vimento pacifista. Nao faz qualquer sentido falar de uma «devolugdo» do armamento nuclear & populagaio em geral, para além de um cenario deste tipo estar muito longe do possivel ou desejavel. Mas tal nao faz também qualquer sentido mesmo no caso das armas ligeiras. Quem quer que tenha estado nos EUA sabe que o facto de 0 controlo do armamento ligeiro estar democratizado nao conduz a uma sociedade pacifica. Colocando a questio em termos de actores histéricos da mudanga, nao hé qualquer agente na es- fera do armamento paralelo ao proletariado no campo do trabalho indus- trial. Nao parece existir qualquer «contra-agente dialético» plausivel & pro- gressiva acumulagao do poder militar. 250 SOCIOLOGIA Como devemos entao enfrentar a questao de saber 0 que poderia ser, nos finais do séeulo XX, uma teoria politica da violéncia? Esta é uma ques- {Go sobre a qual é extremamente dificil pensar, e, em minha opiniao, uma das raz6es porque tal acontece tem a ver precisamente com o niicleo funda- mental de toda a minha exposicdo anterior. Ou seja, as tradi¢des do pensa- mento em que nds socidlogos estudamos, sejam elas liberais ou socialistas, enfatizam vigorosamente 0 controlo do bem-estar material ¢ da divisao de classes como principais meios de despojamento do poder e de transforma- cdo social. E se no que se refere ao tratamento de questdes sobre o poder militar as lacunas deste tipo de abordagem sao fundamentais, 0 mesmo acontece quando se consideram outras dimensOes j& aqui referidas. Tanto a Sociologia marxista como a nao marxista dificilmente podem confrontar adequadamente os movimentos de mulheres, a opressdo racial, a violéncia militar e muitas outras fontes fundamentais de oposigao potencial e de transformag4o no mundo moderno, incluindo 0 movimento ecoldgico. Os modernos movimentos sociais colocam portanto 4 Sociologia um duplo desafio. Uma das dimensées desse desafio, na qual me concentrei, € analitica, ou seja, € a analise das razoes da diversidade de movimentos de oposigdo na sociedade moderna. Mas a segunda dimensao do desafio que estes movimentos colocam é dirigida ao proprio discurso da Sociologia, ja que contribuem com novos conceitos e ideias para a andlise de questdes que a Sociologia tem por objecto ao estudar esses mesmos movimentos. Posse detectar muito facilmente esses contributos no que se refere ao im- pacte do feminismo, o qual alterou radicalmente nao s6 o facto de os so- cidlogos terem durante muito tempo negligenciado a abordagem do géne- ro, mas também a forma como este é actualmente analisado. O mesmo é hoje verdade, julgo, acerca dos movimentos ecoldgicos e pacifistas, como © foi sobre 0 marxismo no seu tempo. Somos assim contemplados com desafios conceptuais e, simultaneamente, com um repto a nossa capaci- dade de observagao ¢ andlise enquanto socidlogos. E este é, penso, um dos desafios com que os socidlogos tm de se defrontar nos finais do sé- culo Xx. Nao ha davida que o impacte do feminismo foi bastante fundamental, como o tem sido 0 do movimento ecolégico, mas em minha opinido, a questo crucial a que os socidlogos devem dar muito mais atengao do que o fizeram até ao momento, é a anélise das origens do poder militar. Temos de enfrentar claramente a questao de saber se vivemos numa sociedade in- dustrial ou militar-industrial, temos de encarar seriamente a andlise do pro- cesso de industrializacao da guerra e contribuir para, pelo menos, produzir uma teoria da estrutura profunda duma sociedade pacifica. E nossa obri- gasdo contribuir para, pelo menos, comegar a equacionar as premissas de uma resposta a questdo de saber 0 que podera ser uma teoria normativa da violéncia, o que podera ser uma sociedade na qual o controlo dos meios da violéncia seja de algum modo um controlo democratico, néo s6 no plano nacional como também a escala mundial. Esta € uma questao central num N° 41988 251 mundo marcado, como nenhum outro no passado, pela dependéncia do desenvolvimento do poder militar, enquanto aspecto do processo de indus- trializagtio em cujo estudo os socidlogos tém estado habitualmente concen- trados. E uma questo que nos introduz num novo campo, pois, em meu entender, nem mesmo os membros mais empenhados nos movimentos pa- cifistas elaboraram uma proposta efectiva e realista do que poderia ser a estrutura profunda duma sociedade pacitica. Penso que este problema constitui um dos desafios centrais enfrentados, nos ailtimos anos do século XX, pelos socidlogos e cientistas politicos.

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