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ENRICO BERTI As razoes de Aristoteles Tradgo 2h ‘Tito rg Le agin Aisle {© 1960, Gis. Laterea & Fa ISBN RSA20.53588 Figo de texto Marsos Marionio ‘Consitore Carles Arthur Ribeiro do Nascimem hae Christina de Suc Preparacio Mauris Blac Leal Revisko Rents Racha Carlos Baigies Loyola Run 1822 n" 347 Ipiranga (4216-000 So Paulo, SP Cana Postal 42.335 ~ 04299.970 Sto Paul © orn 6914-1922 Fax (O11) 6163-4275 Home page: we ayols.com be ‘email loyoluaitm net Todos os dirios reservados, Nenhuma parte desta obra pode 10" reprducida ov tans por qualquer for a ow quainguer meios (eleénico, ew mecénico. Ineluind fovocopa e gras} ow arquivada em qu fuer sistema ow banc de dados sem permissdo esr de Eaitora, ISBN: 65:15.01676-1 © EDIGOES LOYOLA, Sto Paulo, Brasil, 1958, OB umario Premissa Capitulo 1° — Apodieticae diatética A cigncia apositica A cigncia nio-apodictca. ou ain Ab a8€8 een (Os diversos usos da dialética 1) 0 uso “em relagdo ao exereicio” 2) 0 uso “em relagdo 40s encontOs 3) O uso em rela as eigncias Filesoticas ‘Aanilisesemantica como insirumento da dialética Hiab Capitulo 2"— 0 método da fsiea (© "prima da fiscae sua “fraguera” A dialtieacomio método da fsiea [A determinagio dialétca dos principios e das ‘As demonsiragBes mais “cietificas Capitulo 3° — 0 método da metatisica © procedimentodiaporético A semantic ontoligic, vit 5 86 ‘A demonstragioelenkica ‘A twologia “diatica” Capitulo 4° — 0 método da flosofia pratiea A intengo tipogica (© procedimento diaporstico A phranesse 0 silogismo pritico Capitulo §°— A retérica ‘A racionalidade da “arte” Posticae retérica Relagio entre retrica,dialéticaefilosofia Relagio entre retérica,dialéticae politica, Indice de autores cy 104 us 128 ms 197 164 a0 m 189) ‘Reemisa D Fecsune. ou deveia ave a pubic um novo tio © autor procure justific-lo — 0 que pode ser oportuno especialmente hoje, quando os livros ndo constituem mis uma rmereadoria rara —'e tamhém dizer o que exatamente prope- se a fazer por meio dele, a fim de no suscitar expectativas que venham a Ser posteriormente frustrada Esta Ultima precaugao oportuna sobretudo da parte de quem, como o autor, publ- cou vérios livros sobre Aristotcles. Eu poderia defender-me rapidamente declarando que o livro contém,e € verdade, cinco aulas ministradas sobre o tema no Instituto Taliano de Estudos Filosoficos de Napoles em junho de 1988, o que ja seria, por si s6, uma otima jusifieago, mas com sso teria somente tans ferido 0 problema, visto que me restara explicar por que eso Thi para elas este tema, ‘Comegano,entdo, pelo ponto mais delicado tenho de dizer que este novo livzo, mesmo sendo, tamtém ele, inegavelmente sobre Aristéeles, ndo quer ser uma conttibuigto original ao conhecimento do fil6sofo antigo (ainda que nem todas aS coi ss que dite a propésito dele sejam de dominio comurm), por {que no se confronta continuameate, como seria exigido de um Inento similar, com a literatura citca precedente. Ele quer ‘enfatizar, a0 contrério — por mais esranho que isso possa vit As sie de Aviieer parecer a alguns —, a contribuiglo de Aristteles ao debate tual sobre a racionaidade, isto ¢, sobre a presumida crise da 2280, seu valor e seus limites, e sobretudo sobre a possiilida de de reconhecer diversas “formas” de racionalidade. Por este Ultimo temo entendo no tanto arazo com Faculdade quanto se uso seus produts. isto é, 0s discursos que se fazem ou (0 argumentos que se desenvolvem por meio dela, Nisso con- siste tambem a justiticagao do proprio livro, dado que indubitavelmente a questio da racionalidade esta no centro do ‘debate filoséfico contemporineo, € Aristétees talvez seja 0 filésofo que mais ampla e sistematicamente contibuin para ‘explora 9s diversos sos possveis da razio. [Na discussio ocorrida bi uma década, especialmente na Ilia sobre a “crise da azo", sempre me impressionou 0 fato ide que se limitassem a contrapor, sob a denominagio “razio clissica" a filosofiae a ciéncia da idade moderna a reflexdo, racional unio, da idade contemporinea, alo se levando qua- se em conta o fato de que o exercicio sistematico e desenval- Vide da razdo iniciara-se, no Ocidente, havia dois mil © qui- hentos anos © que, a cada ve7 que se introduzia no quadco tuma forma diversa de racionalidade, por exemplo a assim chamada “razao dialética", pensava'se exclusivamente na acepyio que esta expressio assumira nos tltimos duzentos anos, Sem considerar minimamente a utilizagdo de um conceito de ‘origem essencialmente grega'. Devo dizer que, a0 mencs sob ‘© primeiro ponto. as cosas, sempre na Ilia, no parecem ter melhofado, visto que as tentativas, sempre mais frequentes, a «que assistimos de tomar a propor © valor da racionalidade. sobretudo na éica fazem a memria — sempre dil para sitar 1. Refrome, naturalmente, 20 volume de AAV. Crist dela rapione (org A. Garza. Torino, Bina, 1979), a0 debate ave Susltou, do qual me ccupet na volume Le vie delta ragioe, Boloen, IV Malin, 1987, 1 Premiva historicamente un proposta e conferir-the determinasio — recuar no méximo até 0 Huminismo do séeulo XVII, reduzin- do, com isso, de modo notivel © valor da propria proposte Diversa parece-me a situaso em outros pases, por exem- plo na Alemanha, onde nunca se falou de uma verdadeie dda razio", mas se discutiu muito sobre a “racionalidad’ redescobrindo.se a contrituigio que a filosofia ant aristotlica em particular, podia oferecer ao tema, especal- mente no que se refered eflexio ética e politi’: ou na egido anglo-saxdnica, onde nunca se discutiy sobre racionalidade, mas ao mesmo tempo nunca se interrompeu a continuidade da relagio com © pensamento aristotico (por isso jamais houve ali um verdadeiro “renascimento” de Aristoeles). Ao conte: rio, na Ilia € nos paises francéfonos,talvez gragas & persis téncia de uma wadigio de filosofiaescolistica Tigada & Tareja satolica, grande pare da cultura “Iaica” manteve em baixa ‘consideragio a raconalidade antiga, ou a consideroy irremedia- velmente datada, tvez pongue sempre a tenha vinculado & teadigo e propria cultura “catSlica” (mas como soam provine cianas estas etiquetas no panorama munial!). Quando fala de “razio, pensa Togo na relagdo com a fé e fora a propor 0 eterno problema de tal relagio, por vezes acusando de “racionalismo” quem defende 0 valor da razio, sem dar-se ‘minimamente conta do significado histoico desta expresso {que nio foi inventada por Popper, mas designa uma bem de- Terminada cortente filosétiea moderna, compreendida entre 2. Aqui aeferéacia éevidentemente aoa como S. Vera, Una Blosofia pba, Milano, Fell, 18. 3. Basta ius, ese propio o vlume de AAW, Ravonaitt (ore. H, Schnieltach, Frank a M,, Subrkamp. 1982. 4, Pense-s er alors como G. E, M, Anscome, PF. Strwson G.E L. Owen, D. Wiggins, para a regito ingles, © J. Rawls, R Novik A. Melnyre. pant a not-ameria At rae: de Arist, Descartes ¢ Leibniz, a qual ndo tem nenhuma relagdo com 0 aval discurso sobre a racionalidade De resto, a tendéncia a associar a racionaldade filoséfica antiga e medieval & racionalidade cientifica madera © a racionalidade dialtica do séeulo XIX, confundindo tudo, ¢ 1 pica de certa mods nictschiano-heidepeeriana, disseminada sobretudo na Franga e na Hiia, que faz amplo uso de catego: rias“epocas",abragando em uma tnicaavaliago ndo somente Varios séculos, mas vatios milénios, ¢ nio contribuindo, certa- mente, para uma descrigao precisa e para uma consequente ccompreensto efetiva dos objetos considerades. Contra sem Thane tendéncia,julgo se stil considerar as maltiplas artic ‘8s que a raionalidade ocidental assumi no momento de seu Primeiro desenvolvimento completo e que foram transmitidas ‘208 séeulos postriores, continuando a ser aplicadas, se no na filosofiaestitamente entendida ou no saber de tipo especializa- do, certamente na linguagem comum e nos nada vulgare tipos de experigncia que slo 0 debate juiciério ou o politico. Isto poder servir ao menos para evi mudar, por novas descober- las, como ocoreu recentemente, procedimentos como a refuta- «80 do maior ndmera possivel de eonjeturase o assim chamado :nétodoindicidrio, que exatamente em Aristteles encontraram ‘ua primeira © quase defintiva teorizag. ‘Tudo somado, & necessiio reconhecer, por outro lado, aque uma cultura de origer fortemente historicista como a ita- Tiana (no sentido preciso do historicismo neo-idealista) encon- tra enormes dificukdades para tilizar toda a gama das formas de ravionadade deseritas por Arst6els, pelo fato de que nao pode mio ser condicionada pela imagem plurissecular que & filosofia moderna em geral, ¢ a hegeliana em particular, dew ddesse autor. A Unica forma de racionalidade atibuida a Avisteles pela cultura moderna, a partir de Francis Bacon, € x Premise de tipo silogistco-dedutivo, especificada em um Organon pratcamente reduzido s6 aos Anallicos qual opréprio Bacon contrapés,julgando-aestéil do ponto de vista da informaga0 cientiiea, 9 seu Novum Organum. E € necessirio econhecer também que Bacon ni estava completamente errado, visto que (0$ aistotlicos a ele contemporineos — o primeiro de todos 0 grande paduano Jacopo Zabarella, que influencion profunda- ‘mente a cultura logica europsia de seu tempo — a isto efetiva: mente reduziam,eles em primeiro ugar Iogica de Aristtles Mesmo quando se tinha presente que Aristételes admitra, 0 lado da deducdo, aimportancia da indugao, consderava-se esta ‘ltima um procedimenta privado de regras, incompleto € inconclusive, de modo & jusiticar a contraposigao a ele das “expergncias sensatas" isto &, dos experimentos, por parte de tum Galieu, ou de um *método” rigoroso, isto €, da andlise ‘matemétiea, por pare de um Descartes. ‘Mesmo Hegel, 0 Unico que na idade moderna compreen dew a fundo, © no por acaso, a grandeza do Aristételes metafsico, “fl6sofo da natureza” ¢ “filésofo do espirito” — sea © subjetivo, sea @ objetivo ou absolute —, de modo al ‘gum compreendeu a miltipla artculagdo que Aristoteles dera 4 racionalidade, tanto que relegou a exposicio da logica ‘aristoélica ao quarto parigrafo de um capitulo de suas Ligdes sobre a Histéria da Filosofia que deveria ser naturalmente tripartido, como se se tratasse de um apéndice supérfluo. sobre ‘0 qual teria sido melhor calat; Hegel jalgou, com efeto, a Topica aristotclica sobre a base dos manuais eseokisticos, como, de resto, ele explicitamente admitv, uma “cigneia do pensa- mento abstato", ito &, Jo “intelecto” (0 que, em sua Tingua gem, significa uma logicaracionalista, ainda que tena com preendido, € nio podia nio compreendé-1o, que esta ttima rio era a légica com a qual Arstéeles consrura sua filosofia, xt As rnsie de Ariitelee es pols, de outro modo, “no feria sido aquele ftdsofo especulaivo ‘que reconhecemos”. Hoje 0 juizo dos estudiosos esté profundamente mudado, seja entre 0s especialistas no pensamento aristottico, o que & bastante natural, sea entre os flisofos miltantes, 0 que € menos naturale por isso mais significative. No que se reere 40s pri rmeitos, 2 mudanga toenou-se nitidamente perceptvel 2 partir do inicio dos anos 60, no momento em que se veriico um fendmeno que teria sido de todo inconcebivelalgumas décadas antes sto @percepedo de que Avistoeles teorizara e também praticara toda uma série de provedimentos raconais, ou se, de “formas de racionalidade”, nfo-redutiveis a logica dedutiva, e que aqueles, no esta, costituiam seu verdadero "metodo 444 em 1939 Jean Marie Le Blond sustentara a existenca, fem Aristteles, de uma profunda diferenga ene Logica e mé- ‘todo, mas fi Bruscamente levado a ealar-e por dom Augustin Mansion, da Universidade Catéica de Louvain, considerado centdo uma das auoridades méximas no campo dos estudos aristotslicos’. Em 1960, ao contririo, no segundo encontro da prestigiosa séric dos Symposia Aristtcica organizados por Ingemar Daring e inaugurada trés anos antes em Oxford com 2 partcipagio do proprio Augustin Mansion, além de Werner Jaeger e de sir David Ross (0s maiores aristaélicos do século XX), enfrentou-se,exatamente em Louvain, o tema “Aristteles € 0s problemas de método”, com exposigies tomadas célebres como a de Pierre Aubengue sobre a nogo de aporia e a de G. 5.6, W.F, Hegel Leion sla storia dela flosfi, a iE CCodignolae G. Sanna, Firenze La Nuova Italia, 196, vol. pp. 373 3. 6. CEJ. M.Le Blond, Logiqu et mihode ches Arse. Pais 4. Vin, 1939, © jlo dado deste veo em A. Mansion, Inrdutin 4 la phovigne aritolicienne, Louvain, Institute Supérieur de Pritsophi, 1945, xt E. L. Owen sobre o significado da expressia “estabelecer o§ fendmenos” (ténai ta phaindmena). Ali praticamente reabil fourse a tese de Le Blond e descobriu-se a quantidade inume- rivel de métodos teorizados e praticados por Anstételes em suas diversas investigagoes’ ‘A importancia do fendmeno foi confirmada e acrescda ‘ela publica, nos anos imediatamente posteriors, de alguns randesliveos sobre Aristteles, que contribuiram para desfazer| uase totalmente 0 estere6tipo consagrado pela tradigdo escolstiea (@ moderna). redescobrindo nele um pensador es- ‘encialmente problemsitico, dedicado 20 emprego de instrumen- tos de investigacdo consideraos descobertas recentes, como a analie da linguagem ou a dialtica entendida no antigo seatido {do termo, ¢ por isso sem dvida mais atual — exatamente pelos _métodos por ele praticados — do que nunca. Refiro-me sobre: tudo ao Tivto de Wolfgang Wieland, estuioso pr6ximo a filo sofia analitica, sobre a fisica aristotélica, © a0 de Pierre ‘Aubengue, estudioso de tendéncias heideggerianas, sobre a metafisica Pareceu, por isso, quase Gbvio que o Symposium Aristteicum intemacional posterior, que teve lugar em Oxford fem 1963 por iniciativa de G. E. L. Owen, tivesse por tema “a dialtica de Aristételes”, ito &, os Tépica’, finalmente revs lorizados apés décadas de desprezo (pelo que fora em grande parte responsivel, exatamente na Inglaterra, sir David Ross, D. AAV. Aritote et te problmes de méthode (one, Suranne “Mansion — sobrina de Augustin —, Login Insian Superier Je Philosophie, 1961. 8. W. Wieland, Die aritoeische Physik, Gtingen, Vandenhock & Ruprecht, 1961, © .Aubengue, Le probleme de ane che: Aviso ars, PUF 1962. A estes amém poleia ser seescetadoo iva de Lagann, Aritelee Pde della loro, Firenze, La Nuova Talia, 1961, que, no emt, weve menos sucesso, como freqlememente zene co oes Halanos 9.G.E. L. Owen (or), Avisttle on Dialectic. The “Topics (Oxford, Clarendon Press. 1968 ‘As vaste de Avisoles ‘com 0 juizo que deles dera em seu Avistole de 1923), Desde centdo a publicagdes sobre © método, ou melhor, sobre os ‘métodos de Aristételes, multiplcaram-se'. [Nos mesmos anos, ocorsia a redescoberta das diversas formas de racionaldade praticadas por Arstteles por parte de slguns grandes fldsofos contempordneos. O primeito foi Chaim Perelman, que, da insatisfagio com 0 formalism 1gico, por ele antes cultivado, foi levado a entrever na retorica de ‘Aristoeles a légica do discurso nlo-formalizavel, isto ico, politico ejurdico, que vir a ser o discurso concermente 8 vida ‘dos homens; e que formulou, em 1958, sua “Yeora da argu tagdo", conhecida também como “nova retrica", que é apenas ‘uma retomada, mais que da retérica, da dialtica de Aristteles" {A dois anos de distincia, Hans Georg Gadamer, 0 maior expo- tente da nova flosofiahermenéutica, na primeira edigao do seu Verdade e método,indicou a phrdnessteorizada por Arist, por ele interpretada como a forma mais elevada de saber pr tico, o modelo epistemoldgico da hermenéutica, ito & de sua propria filosfia” Desde entio, houve uma série inumerivel de Fetomadas, renascimentos ou “reabilitagdes” de Aristteles,quase toxos voltados sobretudo a sua metodologia, ito ¢, as diversas formas de racionalidade por ele teorizadas. Penso, por exem- plo, na “reabilitagdo da filosoia prtica” aristotlica ocorrida na Alemanha nos anos 60 e 70 por obra de autores como 0 10, Linito-e a mencionar, por sua pancular riqueza, 0 nimero cxpecial — organiza por L_ Coulobarisis — dadicado a "La Incthaoloped Arsowe”pla Re Interasonle de Phlsopie gio (81 Univensade Livre de Bruel, em 1980, vol 34, no 133-134 11. Ch Pereimane L.Olloechs Tyeka, Tri de Fargumentation, aris, PUR 1958. Thad. it org por N. Bobbio. Torin, inauli 1966 Uratado da argumentapdo: a nova retrco, Tro, Marin Exmantina Galvio G. Pereis, Sto Paulo, Marins Fontes, 1996, N. do T.) 12, HG, Gadamer Wart and Methade, Tubingen, Mohr (ra ‘one. por G, Vim, Milano, Fai, 1972. xiv Premios proprio Gadamere seu diseipulo Rudiger Bubner plo hegeiano Joachim Ritter ¢ seu discipulo Gunther Bien, ov enfim pelo aristotlico Wilhelm Hennis. Penso em seguida na “nova epistemologia de Paul Feyerabend, que se serve de Aristteles certamente para além das intengdes deste vItimo, em sua inces- sante polémica contra Gaile": no grupo de nore-americanos {que Se autodenominam “neo-arstoélicos", 0s quais sustetam A necessidade de aplicar as investigagées métodos exticos di- versos (R. S. Crane, Richard P. McKeon, Elder Olson, da Universidade de Chicago); no witgensteiniano G. H. von Weigh, ‘© qual. contrapondo & “explicaglo” mecanicista & “compreen- slo” teleol6gica, se reporta também ele a fisica,além de a fica, de Aristoteles®. Enfim, vale a pena notar que até na Fran, pals em que principalmente prosperou a nova mala de Niewsche e Heidegger, caracterizada pela recusa de qualquer forma de raconalidade,fldsofos como Jacques Derrida e Jean Frangois Lyotard, os maiores porta-vozes do “pés-moderno", ro desdenham de reportarse a Aristételes,justamente pelo ‘motivo da “polissemia do ser” que esté na base do pluraismo rmetodologico € epistemol6gico do filésofo grego'. Por todos esses motives creio que valha a pena reexaminar ‘apidamente, mas em continua referéncia 40s textos originas, 8s principis formas de racionalidade analisadas e postas em 13, Vesa proto, fmoso volume A.V, Rehabileung der pratuscgen Philosophie (rg. M. Rodel, rebut, B. Rombech i994. 14 P Feyerabend. “Bine Lance fr Aristoteles, in G, Raita, G. Anderson (orgs), Forshrit und Raionaita der Wissenscha ‘Tubingen, Mor, 1980 (rad. it F. Votaggio, Roma, Armando, 198). 1S. G. H. von Weight, Slegasone e comprensone. Trad. it i Bemardo, Bologna, I! Mulino, 1977 16. CE, W. Welsh. "Postmademe und Posimctaphysik. Bie Konfroration von Lyotard und Heidegger", io Philosophisches Jahrbuch, 92° 6122, 1985. xv As sive de. Arititles ‘obra por Arstteles, Tal reexame, ainda que no acresca nada ‘de novo a quanto ja se sabe arespeito do fldsof0, pode ser dil para esclarecer o8 termos do debate hodierna, mostrando, por cexemplo, que hi muitos modes racionais de ser. ou de fazer discursos racionas, nem todos redutiveis a0 “ealeulo ligico” ‘8 aos métodos das ciéncias, exatas, natrais ou “humana” rem todos dtados do mesmo grau de rigor. isto €, de concisio, conclusividade, Nao obstante, eles si todos igualmente vil ‘dos, ito €, universalizdveis, comunicives, controkiveis: mo- dos que S€ aproximam, em diversas medidas, do imbito do ‘o-racionalizével,seja para "cima" (isto é, para o Abita da ane, da religito, da mistica), sea para “baixo” (isto é, para o ‘campo do instinto, da paixdo, da animalidade), ainda que pet- wanecend na esfera da racionalidade; modos que atingem até ‘mesmo o nivel de uma racionalidade intuitiva, ou, de qualquer modo, nao mais discursiva (como a intwigao intelectual, ou a imewigdo pratica, on a critiva), ou que se elevam um pouco Sobre o nivel da conversagio cotidiana, ou até da tagarclie. Xv As razoes de Aristételes none ee AR podictica e dialética A citncia apodictica forma de racionalidade da qual Arstoteles & tradicional: mente considerado o primeiro teéico, aids aquela que ‘muitos, de Zabarella e Bacon em diane, consideram a tnica, ‘ou.atinica verdadeira, forma de racionalidade por ele teorizada, € indubitavelmente ciéncia apodictica, isto ¢, demonstrativa Esta expressio poderia parecer pleondsticn — dado que Aristételes define, sem david, a ciencia (episéme) como “hi- bito demonstrativo” (hexis apodeitité) (Etica a Nicéimaco® V1 3, 1139 b 31-32) — se ele mesmo nio acenasse taylbém para ‘uma “ciéncia ndo-demonsraiva” (epistéme anapédetktos) (Se- ‘sundos analitcos 1 3,72 18-20), da qual nos ocuparemos em sepuida. A wworizagdo da cigncia apoditica ¢ dedicado todo um ttatado celebérrimo, os Segundos anaiticos, em que Aristteles oferece-nos, antes de tudo, a definigao de citncia: “Pensamos ter cigncia de qualquer coisa em sentido proprio — vale dizer, 1. foe @ Nicdmaco, ta Leone! Vallandro © Gerd Boral. ‘to Plo, Abril Cultura, 1984 (Os Pensadores).[N. 607] rio de modo sofistico, isto €, por avidente — no caso de pen= sarmos conhecer a causa pela qual a coisa ¢ faquilo que 6], que cla € causa daguela coisa e que nlo € possivel que esta seja diversamente” (12, 71b 9-12). Dua, portanto,sI0 as caracte risticas da cigncia que resltam de tal definigio: 1) 0 conheci- ‘mento da causa, que deve ser entendida em sentido lato, isto €, ‘como a razdo, a explicagio de um fato, de um comportamento ‘4 de uma propriedade (para Aristétles, como € conhecido, hi ‘quatro tipos de causa — material, formal, motora ¢ final — todas suscetiveis de ser abjeto de ciéncia): 2) a necessidade de suas conclusoes, isto é, a impossbilidade de que, quando se tem cigncia de um certo estado de coisas, as coisas sejam di- versamente de como se sabe que “Ter cinta, isto 6 saber, significa, em suma, conhecer no somente o "qué", mas também “porque de certo estado de coisas, e saber que mio é um simples estado de fato, mas uma verdadeita necessdade. Naturalmenteessas duas caracteristicas estio vinculadas ente si, pois a necessidade do efeito € depen- dente da existéncia da causa, pela qual o estado de coisas do ‘qual se tem cigncia ndo € necessério por si mesmo, mas se e somente se subsiste uma causa suficieme sua, precisamente ‘aquela cujo conhecimento consiui sua ciéncia. Como se vé, estamos diante de um conceito de eiéncia profundamentedife- rente do hogiemo, caraterizado principalmente por seu caréter hipotético e pela probabilidade, (0 cariter de necessdade, exatamente da cigncia entendida ‘em sentido aristoelico, é frequentementeindicado por Aristseles mediante a afirmaco de que a cigncia € conhecimento de coir sas que existem “sempre” isso no significa que todos os objetos da cienca sejam substincias etemas, como eram para Plato os ‘objetos da matemitica e para Arst6eles os asttos € seus mo- tores, mas que So eternos os nexos entre certos objetose certas propriedades suas, das quais se tem cigncia. Por exemplo, 0 ‘ ‘exo entre otringulo e a propriedade de tera soma dos Sngu- los intemos igual a dois angulos retos & ctema, enquanto 0 ‘widngulo tem “sempre” essa propriedade, isto €, qualquer tridn- _Bulo em qualquer condigdo a tem. Arist6teles admite, no entan- to, também uma atenuagdo desse carter de necessidade, que ro prejudica a natureza da ciénca, tenuagdo por ele expressa ‘mediante a afirmagio de que € possivel ter ciéncia nao $6 das coisas que existem sempre, mas também daquelas que enisem “quase sempre” (hos ept 10 poly) (I 30, 87 b 19-22). Veremos posteriormente 0 que isso significa, NNo caso da cigncia apodictica, as duas caracteristicas hi ;pouco mencionadas, iso 6, 0 comhecimento da causa e a neces Sidade, sio asseguradas pela “demonstraeo" (apddeixis), por isso chamada por Aristételes de “silogismo cientifco” Ao “silogismo”, literalmente conjunto de discursos. isto é, concatenacio, sequéncia e, portant, raciocinio,argumentaga0 ‘ou, mais propriamente, dedugdo, Arist6teles dedicou o tatado (que precede os Segundos analitics, isto 6, 0s Primiros ana: Iticos: estes tratam, com feito, do silogismo em geral, aqucles ‘de um silogismo particular exatamenteo cientifico ou demons: tratvo. O silogismo em geral € definido por Aristteles como tum diseurso, isto 6, um raciociio, uma argumentacéo na qual, postas algumas “premissas” (ao menos duas, denominadas res: pectivamente “maior” “menor, alguma cosa de diversodelas (enominada “concluséo” resulta necessariamente,somente pelo fato de existrem (Segundos analticas U1, 24°» 18-20). As premissas, portato, sio a causa necesséria ¢ ao mesmo tempo safciente da conclusdo, por isso a conclusto resulta necessaria- mente delas. ‘A demonstragao, isto é, 0 silogismo cientfic, tem lugar quando as premissas so “verdadeias,primeiras,imediatas, mais conhecidas, anteriores e causas da conclusto”. Ela devem ser verdadeiras, isto €, exprimie como efetivamente so as coisas, lo sendo possivel haver cigncia de um estado de coisas que 5 Ax asics de Aviseles ‘io existe; dovem ser primeiras ¢ imediatas, isto €, indemons- trdveis, ow devem derivar de premissas por sua vez inde ‘monstraveis, na medida em que, seas premissas devessem ser sempre demonstradas, isto 6, se derivassem sempre de ouras, a0 infinito, no se teria nunca cigncia; devem ser causas da ‘oncluséo, porque ter cigncia significa, como vimos, conhecer ‘causa; devem ser anteriores, para poder ser causa da conclusdo;

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