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Sérgio Baptista Zaccarelli Professor Titular do Departamento. de Administracao da FEA/USP e Diretor Executivo do JA/FUNAD. Adalberto Américo Fischmann Doutor em Administragao pela FEA/USP. Coordenador de Projetos do Instituto de Administragdo ECOLOGIA DE EMPRESAS (1) PORQUE ECOLOGIA DE EMPRESAS A Ecologia de Empresas é um as- sunto tao novo que vale a pena jus- tificar 0 porque de sua existéncia. Essencialmente ela vem preencher um vazio no campo da Administra- gao e contribuir para aumentar a lista de assuntos que o economista deve dominar. Além desses profis- sionais, a contribuig#o que a Ecolo- gia de Empresas pode dar ao enten- dimento do ambiente empresarial estende o interesse deste assunto a mulitas pessoas. Especificamente, para a Teoria de Administragdo, 0 limite de campo de conhecimentos chega até a em- presa como um todo, depois de es- miugar os aspectos internos a ela. O exterior da empresa n&o tem sido estudado a -ndo ser em outras ciéncias como microeconomia, mas sempre com o aspecto altamente insatisfatério para.o administrador de nao ter partido das mesmas pre- missas e de nao ter os mesmos obje- tivos de estudo. O conhecimento cientifico no pode ter barreiras, limite definido, A Teoria de Admi- nistragdo necessita estender-se além da empresa, alargar sua fronteira de conhecimentos e com esse alarga- mento solidificar mais os conheci- Mentos nas areas tradicionais. Para a Administragao, a Ecologia de Empresas chega no momento ade- quado, pois a necessidade de esten- (1) O presente artigo se baseia no tema do livro “Ecologia de Empresas” a ser publicado proximamente. Rev.deAdministragto | Volaz | N91 | Pag. 45-60 ‘Abr/Jul 1977 & i Ecologia dé empresas ———___ der seus limites é evidente. Para mostrar isso tomemos a evolucao da definigao de organizacdo que, inici- almente, salientava apenas aspectos internos, e que passa agora, segundo Lawrence e Lorsch, a ser “‘a coorde- nagdo de diferentes atividades de contribuigdes individuais com a fi- nalidade de efetuar transagdes pla- nejadas com 0 ambiente”. Assim, a palavra ambiente passa a figurar na propria definicao. Por outro lado, novos assuntos como Planejamento Estratégico vém se desenvolvendo rapidamente, dando uma ‘énfase permanente & adaptagdo da empresa ao ambiente em constante mu- danga. A Teoria Econdmica, mais especifi- camente a microeconomia, recebe da Ecologia de Empresas uma im- portante contribui¢ao, pois repre- senta um progresso para o entendi- mento das atividades econdmicas. Alias a Ecologia de Empresas néo devera ser surpresa para os econo- mistas, pois Boulding em 1958, no livro Principios de Politica Econd- mica, langando as bases do que ele provavelmente chamaria de ecologia dos organismos econémicos, diz “Pode-se tornar mais claro o pro- blema do significado da Pol{tica Econémica se olharmos a sociedade humana algo assim como os bidlo- gos, olham a sociedade dos seres vivos. Isto se conhece como aproxi- Revista de Administragso magio ecoldgica. E uma das idéias fundamentais de quase toda ciéncia. Numa comunidade de seres vivos, como um tanque, uma campina, ou uma floresta, encontramos grandes quantidades de diferentes espécies, em numeros varidveis, todas agindo e interagindo umas sobre as outras. Algumas espécies entram em com- peti¢ao com outras, de modo que o aumento de uma leva a diminuicdo de outra. Algumas espécies sao reci- procamente cormplementares, de forma que o aumento de uma leva ao aumento da outra. Algumas exis- tem numa relagao predatoria ou pa- rasitaria, determinando que quanto mais hospedeiros tanto mais parasi- tas, mas quanto mais parasitas menos hospedeiros. H4 complexas. cadeias alimentares, onde A é comi- do por B, que por sua vez é comido por C, e assim por diante. Ha ciclos nutritivos em que os elementos es- senciais da alimenta¢do passam con- tinuamente por outros corpos de di- ferentes espécies num sistema de comércio; assim, os _ animais absorvem (importam) oxigénio e desprendem (exportam) diéxido de carbono; as plantas absorvem didxi- do de carbono e desprendem oxigénio”. Todas essas compiexas relacgdes, contudo,. resultam geralmente em algo semelhante a um equilfbrio. Prosseguindo, diz Boulding: “‘popu- laces de espécies sociais agem e in- teragem umas sobre as outras numa grande variedade de modos. Algu- mas s&o reciprocamente competiti- vas, como mais aparelhosde televi- s80, menos casas de cinema, ambas competindo por nutri¢do em forma de curzeiros do consumidor. Algumas séo mutuamente coopera- tivas ou complementares, como au- toméveis e postos de gasolina. Algumas vivem em relacdo parasita-° ria, como quanto mais policiais, tanto menos ladrées, mas quanto mais ladrdes, mais policiais. Da-se © nome de sucessdo ecolégica ao Processo pelo qual as alteracdes acumulativas de um sistema revolu- cionaram gradualmente seu carater, E conveniente pensar neste proces- sO como sucessdo de posigées de equilibrio a curto prazo, cada uma das quais passando & seguinte, ainda que, de fato, a mudanca seja conti- nua e nenhum equilfbrio jamais tenha longa duracdo”. Boulding espera muito da contribui- Gao da ecologia e acreditamos que a Ecologia de Empresas venha a su- plantar as suas expectativas pois ela traz abordagens novas a muitos pro- blemas econémicos, como, por exemplo, a evolucao da ambiente empresarial e as conseqiléncias cor- relatas no desenvolvimento econd- mico. Se Rita ea Sine 2 Revista de Administraggo O QUE A ECOLOGIA DE EMPRESAS NAO E A palavra ecologia tem sido men- cionada diariamente nos jornais, quase sempre associada 4 protegao de recursos naturais e combate 4 ’ poluigaéo. Tem havido uma crescen- te constatacdo de que ecologia seja sindnimo de protegdo aos ambien- tes naturais e tememos que o leitor, menos avisado, entenda que a Eco- logia de Empresas objetiva coisas similares ou correlatas, devendo abordar assuntos como restrig¢des ao crescimento industrial, beneficios da industrializagao versus malefi- cios da poluigao etc. A Ecologia de Empresas, contrariamente, tem sua maior utilidade no entendimento do processo de desenvolvimento e, por isso, nao é contra o desenvolvi- mento. Sera uma ferramenta a mais para Os economistas e administrado- res planejarem o desenvolvimento empresarial. DEFINIGAO Ecologia é palavra derivada da raiz grega “oikos que significa “casa’’. Assim, literalmente, Ecolo- gia é 0 estudo de casas, ou por extensdo, estudo de ‘‘ambientes”’. Ecologia de empresas 6, pois, o es- tudo do ambiente empresarial. Ecologia de empresas 47 48 Ecologia de empresas Ha quem pretenda definir Ecologia de Empresas como o relacionamen- to de uma determinada empresa com o seu ambiente, 0 que consti- tui uma restrigfo desnecesséria, pois a empresa enfatizada é também parte do ‘‘ambiente’”. Além disso, ao salientar relacionamento de “uma determinada empresa’, pode parecer que a Ecologia de Empresas esteja_interessada nos individuos, 0 que ndo é verdade. O interesse ndo € por determinados individuos, mas sim por um tipo de individuo. Para usar 0 exemplo no campo biolé- gico, para o ecdlogo nao ha interes- se no estudo do relacionamento com o ambiente do canario que canta na frente da casa, mas interes- sa estudar o relacionamento da es- pécie canaério com o ambiente, certo de que se aquele individuo morrer, outro candrio da mesma espécie vird ocupar o seu territério e manter as mesmas condi¢des am- bientais. Da mesma forma, a Ecolo- gia de Empresas nao ira estudar o que a empresa X devera fazer para sobreviver em seu ambiente, mas somente o que empresas do tipo da empresa X deverdo fazer para essa sobrevivéncia. Muitas vezes 0 ecdlo- go fala no individuo, mas 6 sémpre por facilidade de expresso: o inte- resse 6 sempre concentrado na espé- cie. Um ecdlogo de empresas como tal no seria membro de uma socie- dade protetora das empresas ora existentes, da mesma forma que um ecdlogo. bidlogo nao seria mem- bro ativo de uma sociedade prote- tora de animais e sim um adepto de medidas de protecio a espécies animais e vegetais no seu ambiente natural. COMO DESENVOLVER A ECOLOGIA DE EMPRESAS Para o desenvolvimento da Ecologia de Empresas, a primeira alternativa seria comegar da definigao e desen- volver conceitos préprios um a um, sempre com o cuidado de, a cada conceito acrescentado, manter a coeréncia com os outros ja enuncia- dos. O trabalho nessa linha seria di- ficil e longo. Antes dos conceitos somarem uma complexidade que merecesse um livro completo, mui- tos artigos isolados seriam escritos e mencgdes em capitulos seriam feitas em livros sobre assuntos mais gerais. Isto vem sendo feito, embora ainda hoje o numero de ar- tigos e referéncias nao seja muito significativo. Num dos livros mais vendidos nos ultimos anos sobre marketing (2), existe um capitulo completo sobre o ambiente de marketing, com uma terminologia caracterfstica da ecologia, mas pro- curando uma organizac&o prépria (2) KOTLER, Rovista de Administrag60 , Administrago de Marketing - Editora Atlas. Sao Paulo. Revista de Administragdo dos conceitos. Por exemplo, o cita- do autor divide o ambiente em qua- tro estratos: ambiente organizacio- nal, ambiente de mercado, macro- ambiente e ambiente externo. A utilidade dessa divisio pode ser grande, mas a sua consisténcia com os demais conceitos esté por ser feita. Ainda na érea de marketing, 0 dese- jo do desenvolvimento da aborda- gem ecolégica é relativamente an- tigo. A evidéncia disso pode ser dada citando-se um autor da auto- ridade de Alderson que, ja em 1957, escrevia: “Espera-se que ele (Boulding) obtenha progressos no desenvolvimento de ‘dicas’ retira: das da ecologia animal na qual a competi¢ao nao é mais atomistica, mas representa a luta entre a popu- lagéo de firmas para sobreviver e predominar’. A necessidade do desenvolvimento de uma abordagem ecoldgica ao problema. empresarial 6, pois, evi- dente. Resta estabelecer a forma. O desenvolvimento de uma Ecologia de Empresas com personalidade ptépria, na linha de Kotler, sera, sem duvida, extremamente lento, arrtiscado e dificil. HA uma outra alternativa, menos personalizada, mas muito rapida: fazer a Ecologia de Empresas como uma pardfrase da Ecologia Bioldgica, isto é, adotar 0s mesmos conceitos, fazendo al- guma adaptacdo no seu enunciado e dando exemplos préprios do cam- po empresarial. Se for possivel fazer esta pardfrase completa, as vanta- gens serdo tao grandes, que serd d| ficil enatecé-las propriamente. Te- riamos, j4 no inicio, uma Ecologia de Empresas tao madura e tao rica como a Ecologia Biolégica. Para fazer esta pardfrase da Ecolo- gia Biolégica para a Ecologia de Empresas é necessdrio primeiramen- te responder a trés perguntas funda- mentais: E possfvel fazé-la? E con- veniente? Até que ponto devemos parafrasear? E possivel. Um conjunto de simila- ridades em aspectos fundamentais nos indica que é possfvel fazer toda a parafrase da Ecologia Bioldgica para a Ecologia de Empresas. Estas similaridades so as seguintes: 1) Tanto-os organismos como as empresas apresentam caracter/sticas de nascer, viver e morrer ou, em ter- mos mais empresariais, 6 fundada, opera e fecha, embora o tempo de vida das empresas seja extremamen- te varidvel, o que ndo tem a menor importancia. 2) Existéncia da cadeia alimentar ou cadeia de fornecimento de ma- teriais de um individuo ou empresa para outro, tanto no campo biolé- gico quanto no campo econdmico. Toda a Ecologia Biolégica esta as- 7 Ecologia de empresas 49 horcsysene cma TInc MERION P Ecologia de empresas sentada sobre o fluxo de energia entre seres vivos: indicando a cadeia alimentar com a capta¢do da ener- gia solar, ha a transformacdo dessa energia radiante em energia quimica que passa pelos alimentos de um ser para outro. A Ecologia de Empresas apresenta Os mesmos aspectos de transferén- cia de materiais desde as minas e da agricultura para as empresas até o consumo final. 3) Existéncia do mesmo tipo de re- lacionamento sistémico entre seres vivos e entre empresas. Podemos classificar, de acordo com Ashby (Design for a Brain), os sistemas em trés tipos: atom{sticos, mecanicos e ecolégicos. Nos sistemas atomisti- cos 9 relacionamento entre as par- tes do sistema é completamente ca- sual e, portanto, probabilistico, como, por exemplo, 0 comporta- mento das moléculas de um gés em um recipiente. Nos sistemas mecani- cos © relacionamento entre as par- tes é r(gido e determin(stico, como, por exemplo, um reldgio. Os siste- mas do tipo ecolégico apresentam- se como intermediarios entre os dois primeiros tipos: nem so com- pletamente casuais, nem sdo rigi- dos. Tanto q relacionamento entre os seres vivos como o relacionamen- to entre as empresas, apresentam as caracter(sticas do sistema ecolégico. Ha um fator que, a primeira vista, Revista de Administragfo implica no impedimento da parafra- se da Ecologia Biolégica para a Eco- logia de Empresas: 0 processo de crescimento. As empresas, ao cres- cerem, podem mudar completamen- te de configuragdo. Por exemplo, nada ha em comum entre uma em- presa que, no inicio de operacdo, estava no fundo do quintal do pro- prietdrio e que hoje ocupa um ter- reno proprio com centenas de em- pregados. No campo _bioldgico, © individuo que nasceu coelho sera sempre coelho, n&o havendo mu- danga de estrutura organica’e de caracteristicas de comportamento. W.Buckley em “A Sociologia e a Moderna Teoria dos Sistemas” deu nome a estas caracteristicas de mor- fogénese e de morfostase. Os orga- nismos sociais apresentam a caracte- ristica de morfogénese, ou seja, re- ferem-se aos processos que tendem a elaborar ou mudar a forma, a es- trutura ou o estudo de um sistema, enquanto que os organismos vivos so caracteristicamente morfostati- cos nao alterando sua forma. Lawrence e Lorsch consideraram que 0 aspecto morfogenético era su- ficientemente importante para im- pedir quaisquer comparacées entre © universo empresarial e 0 universo. bioldgico. A dificuldade é s6 aparente. Nada impede admitirmos que, a cada mudanga_ substancial ocorrida na empresa, haja a morte de uma em- presa do tipo antigo e 0. nascimento simultaneo de uma outra-empresa de um outro tipo. Por exemplo, se a empresa do fundo do quintal cresceu e alterou sua estrutura administrativa quando mudou para © terreno préprio, dizemos que morreu uma empresa de fundo de quintal e masceu outra empresa, de outro tipo, embora o proprieta- rio, © nome da empresa e o produto fabricado Permanecessem os mesmos Estas considerag6es j4 de inicio nos autorizam a acreditar na completa Possibilidade de fazer a parafrase da Ecologia Biolégica. Posteriormente vamos verificar que o numero de conceitos que conseguimos trans- por, inclusive principios ecoldgicos, permite-nos reforcar nossa crenca de que ha possibilidade de fazer parafrase total. E conveniente. A conveniéncia da transposigaéo dos conceitos parece Obvia. Entretanto, 6 oportuno fazer algumas consideragdes. A estrutura de conceitos de uma ciéncia, assim como os bons vinhos, melhora com 9 tempo. A coeréncia e a interliga- ¢8o entre os diversos conceitos de um campo cientifico qualquer fica aprimorado no decorrer do tempo & medida que novas descobertas vém sendo feitas ou novos fenéme- nos venham a ser cientificamente explicados. A Ecologia Biolégica j4 Revista de Administragfo passau por um longo perfodo de maturacdo: em 1905 ja existiam livros com a palavra ecologia no titulo. Logo mais houve a fusdo da ecologia animal com a ecologia ve- getal dando uma indicagdo de co- meg¢o de maturidade. Hoje, a Ecolo- gia Biolégica é uma ciéncia razoa- velmente bem estruturada, que re- cebe contribui¢éo continua de um grande numero de pesquisadores e, portanto, com significativo n{vel de progresso. Se a Ecologia de Empresas copiar estes conceitos j4 organizados che- garé imediatamente a um nivel de riqueza e estruturagdo de conceitos que s6 seriam atingidos apés varios decénios de trabalho, erros e discus- sdes inuteis. Até que ponto. A transposigao dos conceitos encontraré maiores li tagdes em nossa capacidade de fazé- los e na obtenc&o de exemplos e dados numéricos na forma correta para ilustré-los, do que no proprio paralelismo de conceitos. Entretan- to, apds a transposi¢ao dos concei- tos, a Ecologia de Empresas tomou um caminho préprio. O interesse em problemas que ndo tém parale- los na Ecologia Biolégica, como a estratégia de empresas por parte dos empresdrios, o desenvolvimen- to econdmico, a polftica de fomen- tar a absorc&o da tecnologia etc., pelos homens publicos, fara com Ecologia de empresas 51 Ecologia de empresas que a Ecologia de Empresas apre- sente caracteristicas diferentes da Ecologia Biolégica. Neste trabalho sublinharemos os principios basicos de Ecologia de Empresas ilustrados com exem- plos suficientes para demonstrar a sua extraordinéria importancia para administradores ou estudantes de administragdo e para o tragado de uma pol(tica de desenvolvimento econdmico através do desenvolvi- mento de ambiente empresarial. Em um outro ponto, nao resistiremos & tentagdo de associar um aspecto de Ecologia de Empresas com a Ecolo- gia Biolégica, apenas para deixé-lo claro. Evidentemente, neste traba- lho, néo poderemos mostrar sendo os principios basicos que satisfagam aos leitores menos exigentes e seja um convite para a entrada no assun- to de leitores mais exigentes. O estudo da Ecologia de Empresas seria fascinante, mesmo que nao fosse de grande importancia prati- ca para o administrador. Todos nés, como cidadaos, temos um interesse natural pelo desenvolvimento eco- némico e social do pafs. Nao seréo apenas os administradores que de- verao conhecer Ecologia de Empre- sas: os economistas verdo nela mais complementagao da teoria micro- ecénomica e os socidlogos, particu- larmente de ramos de sociologia po- litica, n@o podero deixar de ter Revista de Administraco s6lidos conhecimentos dos funda- mentos da Ecologia de Empresas. O CAMPO DA ECOLOGIA DE EMPRESAS Para bem fixar 0 campo da Ecolo- gia de Empresas, convém apresen- tar seu relacionamento com os demais campos de administra¢do e da economia. Veremos, inicial- mente, estrutura¢éo dos conheci- mentos da forma mais geral poss{- vel e depois fixaremos 0 campo da Ecologia de Empresas. Ha muitas formas vidveis para estru- turar os conhecimentos de um cam- po qualquer de conhecimento. A mais simples e intituitiva é conside- rar a hierarquizagéo de sistemas adotando uma base fisiéa. Assim, consideramos que uma parte pode integrar-se com outras partes congé- neres para formar um determinado todo individualizado. Por sua vez, esse todo serd uma das partes que formara um outro todo mais com- plexo e também individualizado. E assim sucessivamente, formando uma estrutura ordenada. Por exem- plo, no campo bioldgico, varias células, ordenadamente reunidas, podero formar um determinado tecido. Um conjunto de tecidos pode interrelacionar-se, formando um 6rgao. Varios érgdos formam os aparelhos, e estes formam o ser, que, reunido a seus semelhantes forma uma comunidade. Assim, uma estruturacdo sistémica em bio- logia pode ser a seguinte: Célula Tecido Orgao Aparelho Ser Comunidade Nessa hierarquia, podemos dizer ‘que a célula esté no primeiro nivel de sistema, visto que ela 6 formada por partes (moléculas) fora do do- minio biolégico, mais atinente a quimica. Por sua vez, os tecidos for- mam um segundo nivel de sistema, visto que suas partes, as células, sio do primeiro nivel. Os érgdos sio do terceiro nivel, por serem formados de partes do segundo nivel que sio ‘os tecidos. Da mesma forma 0$ apa- telhos, seres e comunidade sdo res- pectivamente do quarto, quinto e sexto niveis de sistemas. Pela mesmo raciocinio, pode-se es- truturar em bases diferentes das fisicas, como, por exemplo, nomi- “Nar a estrutura em termos de fun- gdes, fluxos, conceitos, etc. No caso especifico da administra- 0, a estruturagdo que nos parece mais conveniente é a seguinte: Revista de Administractio um trabathador um grupo de trabalhadores uma érea funcional de empresa uma empresa determinada ‘as empretas de uma regio es empresas de um pals ‘as empresas de todos os pafses Podemos notar na_classificagdo apresentada que cada nivel repre- senta um sistema cujas partes cons- tituintes estdo no nivel inferior.As- sim, uma 4rea funcional da empresa (39 Nfvel) é uma reuniao de varios grupos de homens com suas res- pectivas tarefas (29 Nivel), as varias unidades administrativas da empre- sa consideradas em conjunto for- mam o 49 Nivel —a empresa, e assim por diante. O estudo de cada um dos niveis compreende formas préprias que ndo invadem os niveis vizinhos. Por exemplo, o estudo da estrutura or- ganizacional da empresa é tipico do 49 Nivel - a empresa. A Ecologia de Empresas tem o seu campo caracter/stico no 59 Nivel, ou seja, o estudo das empresas de uma regido, e, por isso, ndo inter- fere com os assuntos ja t{picos da administragdo de empresas nos niveis inferiores. A macroecono- mia tem o seu campo caracteristi- camente no 69 Nivel - empresas do pee Tae a 53 + Ecologia de empresas pais, exceto o estudo do Comércio Internacional, que é t{pico do 79 Nivel - empresas de todos os paises. Assim, a Ecologia de Empresas tem o seu campo bem distinto da 4rea tradicional de estudo de Admi- nistragdo e de Macroeconomia. Quanto a Microeconomia, o relacio- namento com a Ecologia de Empre- sas 6 mais complexo, como veremos posteriormente. FINALIDADES DA ECOLOGIA DE EMPRESAS O desejo de entender o ambiente em todos os seus aspectos tem crescido consideravelmente nos Gltimos anos. A prépria rapidez com que-a sociedade vem se trans- formando é 0 fator mais importan- te desse interesse crescente. Além da satisfagao intelectual do enten- dimento, hd varios outros motivos como a projecdo das transforma- g6es no futuro para prever o senti- do da evolugao da sociedade. Parti- cularmente, no caso do ambiente empresarial, o interesse pelo enten- dimento ainda é mais significativo, porque podemos considerar que ele foi criado, em boa parte, consciente @ propositadamente pelo homem. Ainda mais, sentimos que © poder dos homens de alterar o ambiente econémico deve ter uma contrapar- tida_na compreensdo desse mesmo ambiente. Revit A kt nt 9 Essas considerages nos levam & natural conclusdo de que a Ecologia de Empresas interessaré a um publi- co bastante variado pelas mais diversas razSes que ndo temos a pretensdo de prever. Particularmen- te para administradores e economis- tas cabe salientar cinco finalidades bastante claras: 1) Melhor conhecimento da empre- sa. ede macroeconomia Podemos dizer que, para conhecer bem uma 4rvore, no 6 suficiente estudé-la isoladamente. Em um cer- to ponto, 0 progresso de nossos co- nhecimentos entraré em rendimen- to decrescente. O prosseguimento acelerado depende de estudarmos também o bosque de que a arvore. faz parte e os tecidos organicos que a. compéem. Generalizando esse ra- cfocinio e transpondo-o para o mundo econémico, podemos dizer que as descobertas cient{ficas em um dado nivel da hierarquia de sis- temas, apresentada no pardgrafo anterior, auxiliam o desenvolvimen- to cientifico dos nfveis adjacentes. Assim, o desenvolvimento da Eco- logia de Empresas, que estuda o quinto nivel - as empresas de uma regido - iré contribuir pata o pro- gresso das teorizages sobre a admi- nistrag3o da empresa (49 n{vel) e da macroeconomia (69 nivel). Por exemplo, 0 estudo da estrutura organizacional, tipico do 49 nivel - a empresa - nfo poderd ser feito adequadamente sem considerarmos aspectos relevantes do 5° ni{vel, isto 6, a Ecologia de Empresas é do 39 nivel pela consideragao das diversas reas funcionais da empresa. 2) Consaqiiéncias da introdugfo de um novo tipo de empresa Quando um novo tipo de empresa passa a existir em uma regido, seja por inova¢do criadora de um empre- sério ou por cépia de empresa exis- tente em outra regio ou pais, o ambiente empresarial inicia um pro- cesso de transformagdo em busca de um novo estado de equilfbrio. O fendmeno 6 similar a introdu¢gdo de uma nova espécie de animal, de conseqiiéncia as vezes imprevisiveis, como ocorreu com a introdugao do coelho na Australia. Talvez 0 exemplo mais significativo de alterac%o0 do ambiente empresa- rial seja o da introdug&o do super- mercado em uma regio em répido Processo de desenvolvimento. As transformagSes que provoca assu- mem muitas formas, sendo a mais perceptivel o fechamento do peque- no comércio vizinho do tipo tradi- cional que vende os mesmos artigos. Entretanto as outras conseqiiéncias menos perceptiveis sio muito im- portantes, pois 0 supegmercado Revista de Administraclo obriga a transformagao dos seus for- necedores. Considerando que cada cadeia. de supermercado s6 pode apresentar uma variedade reduzida de marcas de um mesmo produto, que o numero de cadeias de super- mercados que se mantém competi- tivamente 6 também reduzido e que a maior parte das marcas é repetida em todas as cadeias de supermerca- dos, resulta como certa a redu¢io do numero de fabricantes desses produtos e o crescimento do'tama- nho médio dos remanescentes. Por exemplo, houve numa regido da Grande So Paulo uma reduco do numero de fabricantes de macarrao e de carnes industrializadas (salsi- cha, etc), sem uma justificativa de inovagdes tecnolégicas, e aparente- mente como uma consqiiéncia do crescimento do nimero de lojas de supermercados. Outro exemplo bem caracterfstico foi a publicago ha pouco tempo atrés de um antn- cio em todos os jornais de um su- permercado informando o desejo de ter:um Gnico fornecedor de frangos, com garantia contratual de fornecer uma quantidade que na época nenhum produtor, ou cooperativa de produtores tinha capacidade de fornecer. Isto mostra como os supermerca- dos, como’ novo tipo de empresa, vém forgando a transformacdo do ambiente empresarial. Outras trans- formag&es ainda nfo comecaram a rT Bcolopia ce emnireens sai sical: abc 5 i i Ecofogia de empresas, ocorrer, aguardando a lenta trans- formagdo nos habitos da populagdo como, por exemplo, a transforma- go nas padarias, que certamente, quando um numero suficientemen- te grande de pessoas aceitarem o pao de maior durac&o, macio, em embalagem impermeavel, iré pro- vocar o fechamento de grande maioria das milhares de atuais pa- darias que vendem pao feito “na hora’’, Talvez um dos processos mais surpreendentes da pardfrase entre Ecologia Biolégica e Ecologia de Empresas seja o efeito a curto-prazo da introdu¢&o de uma nova espé- cie {tipo}. Em determinadas condi- ges, como facilidade de reprodu- do, existéncia de alimentos acumu- lados e falta de numero de indivi- duos de outras espécies, quando se introduz uma nova espécie hd um crescimento extraordinério da po- pulagdo atingindo um nivel muito acima do normal e depois uma queda répida a nivel geralmente abaixo do normal. Em empresas o mesmo fendmeno se verifica. Por exemplo, o boliche foi introduzido nas cidades do su! do Brasil de forma que surpreendeu a todos pelo numero de casas. Parecia que se tornaria o esporte favorito, mas © processo inverteu a tendéncia e, dois anos apds o inicio da moda, o numero de casas de boliche rema- nescentes era certamente muito in- Revista de Admintstrag§0. 7. ferior aquele que tem condi¢édes de. mercado para se manter com estabilidade. Nos pafses desenvoividos a oportu- nidade de observar transforma¢des no ambiente empresarial é relati- vamente pequena, pois a estabilida- de do ambiente fornece um menor numero de transformagdes no pe- riodo que nossa memoria possa re- gistrar. Os pafses em rapido proces- so de desenvolvimento tém um ver- dadeiro cendrio de transformagdes ambientais faceis de registrar e, por isso, constituem um campo fér- til de observagdes para o ecdlogo de empresas. A freqliéncia de surgi- mento de novos tipos de empresas e de outros tipos que vao desapare- cendo surpreende a todos, embora seja um processo natural do desen- volvimento. 3) Consequéncias de alteragdes nas bases legais e estruturais para as empresas Quando ocorrem alteragGes em cer- tas leis, ou na infra-estrutura da atividade econémica, como a inau- guragdo de uma estrada ou de um porto, haveré conseqiiéncias no ambiente empresarial. Essas con- seqiiéncias séo mais complexas e dificeis de prever do que as decor- rentes da introdugdo de um novo tipo de empresa, pois o seu efeito é disseminado por todas as empre- sas. Por exempio, a alteragio da legislagéo trabalhista ocorrida no Brasil, em 1966, melhorou consi- deravelmente as condicdes para o crescimento e estabilidade das empresas, embora seu objetivo basico tenha sido outro. 4) Andlise de viabilidade de uma empresa de um novo tipo A anilise da viabilidade econdmi- co-financeira de uma empresa de tipo jd existente pode ser feita pelos métodos tradicionais j4 bem conhecidos. Entretanto, se a em- presa for de um novo tipo nao é suficiente a anélise tradicional. Além das projecdes de vendas e de custos ficarem menos seguras é necessdrio analisar como o ambi- ente reagirad a existéncia desse novo tipo de empresa. E muito freqiiente ter-se uma_transforma- gio do ambiente que facilita a atividade da empresa nova, mas pode ocorrer que a transforma- gio do ambiente inviabilize a existéncia da empresa. Como exemplo, apenas parcialmente real, podemos citar a instalago de um complexo de industrializagio de pescado em uma pequena cidade de pescadores, atrafda pela maté- ria-prima barata. A existéncia des- sa industria ira mudar as condi GGes sociais da cidade, dificultando a vida dos pescadores que se ausen- tam de casa por dias ou até sema- Nas consecutivas e, por isso, neces- sitam de um ambiente social espe- Revista de Administragso cffico. Enfim, a industria atraida pelos pescadores tenderd a elimi- nar esses mesmos pescadores. Esta- belece-se um conflito que poderd inviabilizar a existéncia de pescado- res e, por isso, a prépria industria de pescado. 5) Dar base tedrica a novos tépicos de administragao de empresas Um assunto de desenvolvimento recente na literatura de Adminis- trago tem sido o Planejamento Estratégico da Empresa ou Estra- tégia de Empresa. Todo assunto novo comega com pouca estrutura- cdo de conceitos e, neste caso espe- cifico, a Ecologia de Empresas deve dar o grande embasamento concei- tual. Outros assuntos, controverti- dos até o presente, como fixacdo de objetivos, deverao receber con- tribuigées da Ecologia de Empresas. Em conjunto, estas cinco finalida- des somadas 4 utilizade que terd para ndo-profissionais interessados no entendimento dé ambiente em- presarial, certamente faréo da Eco- logia de Empresas um assunto de destaque na nossa sociedade. APLICAGOES DE ECOLOGIA DE EMPRESAS O porque da Ecologia de Empre- sas e suas finalidades foram exami- nados em secdes anteriores, onde vimos que a Ecologia de Empresas Ecologia de empresas: 57 ese oe emyaonensre Ecologia de empresas n&o colide com a ciéncia da admi- nistragdo; pelo contrario, ela com- plementa e amplia o alcance de seu enfoque, oferecendo-nos caminhos que nos permitiraéo entender, de forma mais estruturada, as intera- gées entre as empresas e o seu ecossistema. Existe uma grande variedade de aplicagSes onde o conhecimento de Ecologia de Empresas torna-se util como ferramenta de analise e integragao. Assim, a titulo de exem- plificago, descrevemos aigumas si- tuagées em que a aplicacdo da Ecologia de Empresas esclarece e alarga as fronteiras da adminis- tragdo: 1)O emprego do ferramental ecolé- gico para o estudo do inter-relacio- Namento empresarial apresenta-nos uma realidade que evidencia e dis- tingue as interacées de natureza simbidtica das antagonicas. Conse- quentemente, a partir deste quadro, a administragéo da empresa podera tragar diretrizes concernentes a cada tipo de interacdo; 2)A Ecologia de Empresas abre novos campos na administragao, como a possibilidade de analisar futurologias feitas por outros e invalidar futurologias mal feitas. Ista 6 conseguido ao se submeter a futurologia em questo as anali- ses da intera¢éo empresarial, dos Revitta de Administragso pontos fortes e da sucesso ecolé- gica. 3) Na formulagdo de estratégias em- presariais, indispensdveis para o planejamento a longo prazo, a Eco- logia de Empresas dé grandes subs/- dios ao estrategista, simplificando a definigdo de objetivos empresariais e@ aumentando o poder explicativo. das decisdes tomadas; 4) A Ecologia de Empresas permite novas abordagens a problemas cor- rentemente estudados como, por exemplo, as fusSes de empresas e 0 tratamento dispensado as pequenas e médias empresas; 5) Com base no padrdo de interagdo entre um determinado tipo de em- presa e as demais empresas do seu ecossistema, a alta administracdo poder julgar conveniente a realiza- gao de uma fusdo entre empresas, sejam das de categoria simbidtica ou antagdnica. Por outro lado, a realizagéo de continuas anilises, estratégicas poderé resultar na for- mutagdo de planos de longo prazo em que a administracdo da empresa, com a finalidade de alcangar mais rapidamente ou com maior segu- ranga os objetivos propostos, pode- ra inclinar-se ao estudo de poten- ciais fusdes; 6) A formulacao de politicas gover- namentais relacionadas com as pe- quenas e médias empresas encontra na Ecologia de Empresas poderoso suporte explicativo totalmente di- ferente das tradicionais politicas paternalistas e de ajuda econémico- financeira, A Ecologia de Empresas, por exemplo, comprova o principio da vantagem da diversidade de espé- cies como fator fundamental de so- brevivéncia e estabilidade da comu- nidade empresarial. Do ponto de vista ecolégico, néo tem muito pro- Revista de Administrago, pdsito pensar-se em programas de auxilio técnico ou financeiro ou em programas de desenvolvimento de executivos como instrumentos de apoio ao funcionamento de pequenas e médias empresas. Have- ria muito mais logica em desenvol- ver-se empresas que tenham intera- ges simbidticas com as pequenas empresas para criar-se um equili- brio mais duradouro e menos in- BIBLIOGRAFIA ALDERSON, Wroe, Dynamic Marketing Behavior, Homewood, (ilinois, Richard Irwin, Inc., 1957. ASHBY, W. Ross, Design for a Brain. London, Chapman & Hall Ltd., 1960. BOULDING, Kenneth, Princ/pios de Politica Econémica, Séo Pauio, Editora Mestre Jou, 1956. BUCKLEY, Walter, A Sociologia e a Moderna Teoria dos Sistemas, Sd0 Paulo, Ed. Cultrix/EDUSP, 1971. FISCHMANN, Adalberto, A., A/gumas aplicapdes de Ecologia de Empresas, Sao Paulo, FEA/USP, 1972, Tese de Doutoramento, KOTLER, Philip, Administragao de Marketing, So Paulo, Editora Atlas S/A, 1975. LAWRENCE, Paul e LORSCH, Jay, As Empresas e 0 Ambiente. Petropolis, Editora Vozes, 1973. ZACCARELLI, Sérgio B., Ecologia de Empresa, em Cadernos de Administracao n? 2, Sfo Paulo, FEA/USP, 1971. Ecologia de empresas 59 Ecologia de empresas ABSTRACT Business Ecology fills a vacuum in the field of Administration and enlasges the list of issues to be mastered by the econo- mist. More specifically for management theory, the boundaries of knowledge cov- er the firm ‘as a whole, following a de- tailed seview of all its internal aspects. The firm’s external side has not been studied at all except by other areas, such as microeconomics, but always in a very unsatisfactory manner for the business manager, this being due to the fact that it has not been based on the same as- sumptions and has not had identical purposes. Scientific knowledge can not Revista de Administragtio be bounded or limited. Management theory must reach beyond the fim, enlarge the boundaries of this knowledge and consolidate the existing knowledge in the more traditional areas. Economic theory, especially microeco- nomics, receives an important contri- bution from Business Ecology, and this is a step forward in the understand- ing of econimic activities. The au- thors believe that Business Ecology may exceed expectations because it offers new approaches to severa) eco- nomic problems, such as, for exam- ple, the evolution of the business en- vironment and its related _conse- quences for economic development.

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