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“Eu recomendo.. e etiqueto”:


práticas de folksonomia dos usuários no Last.fm*

Adriana Amaral
Doutora em Comunicação Social (PUCRS)
Professora do Mestrado em Comunicação
e Linguagens da UTP-PR
E-mail: adriamaral@yahoo.com

Maria Clara Aquino


Resumo: Neste trabalho, apresentamos uma breve descrição e
Doutoranda em Comunicação e Informação (UFRGS)
problematização de algumas práticas de folksonomia no con-
texto das plataformas sociais de música, tomando como obje-
Professora do curso de Comunicação Social da ULBRA-RS
to de análise o site de rede social de música Last.fm. A partir E-mail: mcjobst@uol.com.br
de uma exploração inicial, observou-se alguns usos do social
­tagging como ferramenta de construção de identidade nos
gêneros musicais, seja por meio da negociação das etiquetas 1. Rastreando a plataforma
(tags) entre determinados grupos de usuários, ou mesmo por
meio de práticas que complexificam o sistema como tags sub-
jetivas e/ou mascaradas.
O presente artigo, de cunho exploratório,
Palavras-chave: folksonomia, social tagging, sites de redes so- apresenta a temática da folksonomia e do
ciais de música online. social tagging no contexto da plataforma de
Prácticas de tagging social y de folksonomía en el Last.fm compartilhamento de música on-line Last.
Resumen: Este artículo presenta una breve descripción y dis- fm. A folksonomia como termo surge em
cusión de algunas de las prácticas de folksonomía en el rango 2006, e foi cunhado por Vander Wal (2006)
de las plataformas sociales para música. Con esta intención, se
hizo el análisis de la red social de música Last.fm. En un primer para definir um processo livre de etiquetação
momento, experimentalmente, se observó algunos usos de las de arquivos on-line. As etiquetas são hoje co-
etiquetas sociales como herramienta para la construcción de la
identidad en los géneros musicales, sea por medio de la nego-
mumente chamadas de tags e podem ser cria-
ciación de las (tags) entre determinados grupos de usuarios o das por qualquer usuário de um sistema que
por prácticas (como etiquetas subjetiva o enmascaradas) que adote a folksonomia para organizar o conte-
hacen más complejos los sistemas
Palabras clave: folksonomía, social tagging, plataformas socia- údo disponível no sistema. Dessa forma, ela
les para música. surge como um novo processo de representa-
Practices of social tagging and folksonomy in Last.fm
ção e recuperação de conteúdo on-line feito
Abstract: In this paper we present a brief description and pelos próprios internautas. Estes etiquetam
problematization of some folksonomy practices inside the informações com tags que depois servem
context of social plataforms of music. Our object of analysis
is the social network site Last.fm. From an initial exploration, para a recuperação do arquivo etiquetado.
we´ve watched some uses of social taggin as a tool for iden-
tity construction inside musical genres through the symbolic
negotiation of tags between groups of users or even through *
Uma versão reduzida desse artigo (em formato shortpaper), com
practices that make the system more complex such as subjec- o título “Práticas de social tagging e folksonomia no Last.fm”, foi
tive or masked tags. apresentada na Workshop Web Social do IHC´08 – VIII Simpósio
Key words: folksonomy, social tagging, social plataforms of Brasileiro sobre Fatores Humanos em Sistemas Computacionais
online music. –, realizado em outubro de 2008 na PUCRS em Porto Alegre.

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O processo de folksonomia nos conduz a os usuários possuem a liberdade de negociar


uma série de práticas, como o social tagging, entre si para criar e modificar as tags dos ar-
definido por Marlow et al. como “sistemas quivos disponíveis na plataforma, facilitando
de etiquetagem social, como nós nos referi- assim a recuperação dos dados.
mos a eles, [que] permitem que os usuários Partimos de um breve resgate histórico a
compartilhem suas tags como recursos parti- respeito da representação, busca e recupera-
culares. Além disso, cada tag serve como um ção de informações na web para o surgimen-
link para recursos adicionais etiquetados da to da folksonomia, analisando as práticas de
mesma forma pelos outros” (2006:on-line). social tagging no contexto da plataforma de
Muitos autores têm investigado questões compartilhamento e recomendação musical
relacionadas à folksonomia sob vários as- Last.fm. Observamos a dinâmica de algumas
pectos, como a sociabilidade em torno da negociações para o etiquetamento de conte-
prática e questões de sinonímia e conceitu- údos musicais nesse site a partir de observa-
ação dos termos utilizados – Mathes (2004), ções do material, dos rastros observáveis no
Quintarelli (2005), Udell (2008) e Xu et al. on-line, de alguns dados empíricos obtidos
(2006). Como forma de exemplificarmos tais no contato informal com usuários da plata-
práticas – que estão intrinsecamente relacio- forma, bem como da aplicação de um ques-
nadas a processos de sociabilidade, colabo- tionário com esses mesmos usuários, o que
ração e conflito –, optamos por analisar a nos forneceu dados empíricos acerca dessas
plataforma Last.fm. práticas comunicacionais.
O Last.fm1 é uma plataforma baseada no A particularidade do Last.fm ao lidar com
compartilhamento e recomendação musical a classificação de gêneros musicais,2 ao mes-
que funciona com estações de radio, fóruns mo tempo que restringe os vocabulários e
e sistema de etiquetamento e indexação dos classificações de conteúdo, complexifica as
arquivos de música feito pelos próprios usu- relações coletivas e individuais de classifica-
ários, construindo assim uma vasta base de ção e recomendação, algo já apontado por
dados sobre artistas dos mais diferentes gê- Amaral (2007), permitindo apropriações
neros musicais – que são analisados a partir e usos que tanto colaboram com o sistema
do download do plugin audioscrobbler, cuja quanto intensificam as disputas entre os usu-
função é fazer a leitura desses arquivos no ários, possibilitando tanto rupturas quanto
computador e/ou Ipod pessoal e publicá-las permanências no que diz respeito às classifi-
no perfil do usuário. cações consensuais das tags (seja em relação
Diante do funcionamento da plataforma às canções ou aos artistas).
de compartilhamento e recomendação mu- Sendo assim, é a partir dessas relações
sical Last.fm, a folksonomia se encaixa ade- coletivas e individuais de classificação e re-
quadamente em seu funcionamento, pois comendação baseadas na folksonomia que
condiz com os processos de recomendação pretendemos conduzir a análise quanto à
e linkagem interna do sistema ao oferecer a construção de identidade nos gêneros mu-
possibildade de mapeamento do conteúdo sicais dentro da plataforma Last.fm. e, dessa
da plataforma por meio das tags. A folkso- forma, contribuir não apenas para as ques-
nomia no Last.fm se concretiza a partir da tões do campo comunicacional, mas tam-
prática do social tagging, por meio do qual
2
Não nos ateremos aqui às diferentes definições sobre gêneros
1
“O Last.fm foi fundado em 2002 na Inglaterra, embora seu e subgêneros musicais, uma vez que tais questionamentos es-
lançamento oficial tenha acontecido em 2003. Está disponível capariam dos limites do texto. Para fins metodológicos nossa
em 12 idiomas, com mais de 65 milhões de músicas em seu ca- definição de gênero aqui é ampla similar a estilo, um enten-
tálogo e 21 milhões de usuários mensais (Schäefer, 2008:278). dimento mais próximo das definições cotidianas e até mes-
Em 30 de maio de 2007, ele foi adquirido pela CBS Interactive mo jornalísticas. Para definições mais apuradas ver Bourdieu
pelo valor de 280 milhões de dólares” (Amaral, 2009:04). (2007), Janotti Jr (2007) e Frith (1998).

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bém para o avanço da bibliografia em torno d) Diferenças nos critérios de ordenação


do tema da folksonomia, bibliografia esta dos resultados;
ainda escassa no Brasil. e) Diferenças de limites de tamanho das
páginas indexadas, de tempo de proces-
2. A busca pela informação na web e o samento da pesquisa e restrições de pala-
surgimento da folksonomia vras, que mostram que apenas comparar o
tamanho das base de dados de cada busca-
No fim dos anos 1990, a popularização da dor pode levar a resultados enganadores;
web potencializou o modelo de comunica-
ção muitos-muitos e, com o passar dos anos,
o aumento da diversidade de ferramentas de
A folksonomia repre-
publicação e edição de conteúdo on-line de
fácil manuseio foi um dos contribuintes para senta uma mudança
o aumento da quantidade de informações fundamental ao con-
na web. Em 2005, Gülli e Signorini (2005) figurar processos que
apontaram a existência de 11,5 bilhões de não derivam de profis-
páginas na web e Fragoso (2007:185) ressalta sionais, mas de usuá-
que “não bastasse a grandeza desses núme-
rios de informações
ros, é preciso lembrar que a web é essencial-
mente dinâmica e auto-organizada”, além de
empregar várias linguagens nas páginas.
Para guiar os internautas, surgem os me- Além desses problemas, ainda há a crítica
canismos de varredura e indexação on-line. de Dreyfus (2001) que, comparando sistemas
O World wide web wanderer, de 1993, foi o de vocabulários controlados com os links da
primeiro webrobot, um robô que varria as web, diz que em vez de ser uma organização
páginas web por meio dos links, como men- baseada em relações de classe, a organização
ciona Fragoso (2007) em artigo que aborda da web é baseada na interconexão generaliza-
a diversidade e a história dos buscadores. da, sem hierarquia e num único nível. Se tudo
Hoje, os mais conhecidos Google, Yahoo! e pode ser linkado a tudo, Dreyfus (2001) acre-
MSN Live Search demonstram a importância dita que o usuário não pode utilizar o signi-
desse tipo de ferramenta, mas Aquino (2007) ficado dos links para encontrar informações.
resgata a história dos buscadores e recorre à A ausência de hierarquia se torna um proble-
Ciência da Informação para mostrar que a ma, já que a quantidade tem importado mais
proliferação desses mecanismos não signifi- do que a qualidade de conexões. O autor ar-
ca a solução dos problemas de representação gumenta que, sem restringir o que pode ser
e recuperação de informação on-line e ainda linkado a que, os links proliferam de maneira
é capaz de apresentar outras dificuldades. descontrolada, dificultando a recuperação dos
Segundo autores como Feitosa (2006), dados. Por fim, afirma ainda que os buscado-
Céndon (2001), Lawrence e Giles (2003), res são ineficientes por não considerarem o
Antoniou &Van Harmelen (2004) e Gulli & significado das palavras contidas nos docu-
Signorini (2005), os principais problemas mentos, já que máquinas e robôs de indexação
dos buscadores atuais são: não são capazes de entender o senso comum.
a) Insuficiência de resultados relevantes de-
vido à ausência de termos de busca; 2.1 Folksonomia, vocabulários, repre-
sentação e recuperação de informações
b) Falta de atualização dos bancos de dados;
c) Diferenças nos critérios de indexação e Com o surgimento da folksonomia (Van-
varredura; der Wal, 2006), os problemas de representa-

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ção e recuperação de informação na web e a ginas e objetos, realizados em um ambiente


crítica de Dreyfus (2001) podem ser reavalia- social, por pessoas que consomem as infor-
dos. A prática das tags surge como uma alter- mações, objetivando posterior recuperação.
nativa de gerenciamento de informação no Assim, a folksonomia instaura um novo tipo
momento em que permite a qualquer usuá- de hipertexto, cujos links são constituídos
rio representar e recuperar informações por pelas tags: o hipertexto 2.0 (Aquino, 2007).
meio de etiquetas criadas livremente e com O que caracteriza os links desse novo tipo
base nos significados dos dados etiquetados. de hipertexto é o fato de que são criados por
qualquer usuário – ao contrário do que ocor-
ria no início da web, quando apenas progra-
Frente aos problemas de- madores e conhecedores de linguagens de
correntes de uma prática programação editavam hipertextos – e o de
coletiva, as soluções tam- que são criados com base no significado das
informações etiquetadas. Como aponta Ma-
bém podem ser elabo-
thes (2004), a folksonomia representa uma
radas de forma coletiva mudança fundamental ao configurar pro-
dentro dos ambientes cessos que não derivam de profissionais, mas
de compartilhamento de usuários de informações, permitindo que
suas escolhas em dicção, terminologia e pre-
cisão se evidenciem.
Quintarelli (2005) distingue folksono-
Aquino (2007) questiona se seria possível mias largas de folksonomias estreitas. As
considerar a folksonomia como um vocabu- primeiras têm como exemplo o Del.icio.us e
lário descontrolado, o que não significa uma mostram que várias pessoas concordam em
desordem total, mas um processo aberto, co- utilizar um pequeno conjunto, porem po-
letivo e feito com base nas significações apre- pular, de tags, ainda que pequenos grupos
endidas pelos usuários das informações que optem por termos menos conhecidos para
etiquetam, seja com intuito estritamente in- descrever seus itens. Assim, uma folksono-
dividual ou de colaboração. A autora defen- mia larga seria útil para investigar os termos
de sua argumentação considerando a folkso- mais usados por grandes grupos de pessoas
nomia como produto da web, que é formada que descrevem itens ou para extração de vo-
por informações inseridas por internautas cabulários controlados.
e agora por estes gerenciada e recuperada, Já as folksonomias estreitas têm o Flickr
abrindo, assim, novas opções para a busca de como exemplo e resultam de um pequeno
informações. número de pessoas etiquetando, com uma ou
Segundo Lemos (2007), as tags existem mais tags, itens para posterior recuparação.
para descrever e permitir a classificação, que Folksonomias estreitas perdem a riqueza de
se baseia em palavras-chave a respeito da in- massa, mas beneficiam o etiquetamento de
formação a ser etiquetada. Para ele, o uso da objetos que não são facilmente encontrados
folksonomia não é como uma categorização com ferramentas tradicionais e fornecem
de conteúdo, pois, enquanto uma informa- alvos de audiências – ou seja, pessoas que
ção dentro de um esquema de categorias compartilham vocabulários próprios e que
pertence a uma categoria ou subcategoria, na assim podem recuperar os itens de forma
folksonomia, essa mesma informação pode mais simples e eficiente.
ser uma ou várias tags associadas. Outra característica da folksonomia,
O criador do termo “folksonomia”, Van- apontada por Quintarelli (2005), Udell
der Wal, define a prática como o resultado (2004) e Mathes (2004) é o feedback imedia-
de processos livres de “etiquetamento” de pá- to, ou seja, a dinamização intrínseca que pos-

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suem, pois, cada vez que se sente a necessida- Porém, a folksonomia, como qualquer
de de criação de uma nova tag ou da troca outra prática, não apresenta apenas vanta-
de uma não muito utilizada por outra mais gens. Existem problemas como o tagspace
adequada, qualquer usuário pode fazê-lo, ao (Xu et al., 2006), no qual os usuários adicio-
contrário de sistemas de gerenciamento de nam a mesma tag para dados diferentes; a
conteúdo controlados automaticamente ou polissemia, quando uma única palavra tem
por profissionais, que dependem de regras e múltiplos significados relacionados; e a si-
procedimentos específicos para a atualização nonímia, quando palavras diferentes têm o
de suas bases de dados. mesmo significado (Golder & Huberman
Para Mathes (2004), isso demonstra a apud Marlow, 2006:on-line). A utilização
comunicação assimétrica existente entre de tags mascaradas também dificulta a bus-
usuários de folksonomias, que negociam os ca pela informação e, além disso, é possível
significados com outros usuários a partir da que um internauta se sinta desorientado em
criação individual de tags. É um processo uma busca por dados por meio da folkso-
coletivo, ainda que muitas vezes sem conta- nomia, já que as pessoas pensam de modo
to dialógico entre os participantes, mas que, diferente e criam tags diferentes para infor-
ainda assim, se baseia num processo interati- mações semelhantes.
vo por meio das tags. Ainda não foram encontradas soluções
A causalidade é outra característica da para tais problemas, mas Marlow et. al.
folksonomia apontada por Mathes (2004) e (2006) acreditam que o que poderia auxi-
Quintarelli (2005) e que se relaciona com a liar na resolução do impasse seria o uso de
dinâmica de atualização da prática. Mathes um sistema de sugestão de tags, no qual, no
(2004) explica que navegar em folksonomias momento em que o usuário fosse adicionar a
e conexões de tags estabelecidas pelos usu- tag, seria disponibilizada uma listagem com
ários é mais vantajoso por conta do mate- as tags mais comuns já relacionadas com
rial inseperado que se encontra. Quintarelli aquele dado. Outra opção é o debate entre
(2005) aponta que a natureza desprovida de os usuários acerca da elaboração das tags.
controle e o crescimento orgânico de folk- Percebe-se, então, que, frente aos problemas
sonomias agregam a capacidade desses sis- decorrentes de uma prática coletiva, as solu-
temas de rápida adaptação a mudanças de ções também podem ser elaboradas de for-
vocabulários e necessidades dos usuários. ma coletiva dentro dos próprios ambientes
Para Quintarelli (Idem:on-line), a folkso- de compartilhamento de arquivos.
nomia não é apenas a criação de tags para uso
individual, pois os usuários, assim como as 3. Práticas de etiquetamento social
informações, também são objetos de agrega- (social tagging) no Last.fm
ção. “O poder da folksonomia está ligado ao
ato de agregação de tags, e não simplesmente As práticas de social tagging (etiqueta-
ao de sua criação”,3 afirma o autor, justifican- mento social), que acontecem no âmbito
do que, sem um ambiente social que sugira da folksonomia, podem ser compreendidas
agregação, as tags não passam de palavras- enquanto “sistemas de etiquetagem social
chaves soltas com significado apenas para que permitem que os usuários comparti-
quem as criou. O poder da folksonomia, para lhem suas tags como recursos particulares”
o autor, são as pessoas e a relação termo-sig- (Marlow et al., 2006:on-line). Nesse senti-
nificado emergente de um contrato implícito do, cada tag serve como um link para recur-
entre usuários. sos adicionais etiquetados da mesma forma
pelos outros.
3
Tradução das autoras: “The power of folksonomy is connec- A partir desse breve entendimento das
ted to the act of aggregating, not simply to the creation of tags”. práticas coletivas de etiquetamento, pas-

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samos, então, à análise e à aplicação de al- boradores e colegas. O detalhe era que, além
guns usos no contexto da plataforma social do currículo, era exigido que o candidato à
de música online Last.fm. Esse híbrido de vaga enviasse também o link do seu Last.fm
webrádio (Leão & Prado, 2007), banco de para que fosse avaliado se os estilos por ele
dados, sistema de recomendação musical “ouvidos” (ou pelo menos exibidos no perfil)
(Acoutorier & Pachet, 2007) e plataformas se enquadravam no perfil editorial do portal
de música (Baym & Ledbetter, 2008; Schäe- em questão. Essa informação já é um índice
fer, 2008) foi fundado em 2002 e está dispo- das estratégias de visibilidade e divulgação e
nível em 12 idiomas, com mais de 65 milhões do uso desses perfis como parâmetro de gos-
de músicas em seu catálogo e 37,3 milhões de to, por exemplo.
visitantes únicos por mês.4 Cabe-nos tecer algumas considerações
Nossa primeira observação é de que o acerca do desenho metodológico do presente
Last.fm pode ser categorizado como uma artigo, organizado em três etapas. Primeira-
plataforma de folksonomia estreita, uma mente, a análise toma como ponto de partida
vez que seu contexto é segmentado a partir as discussões teóricas dos estudos acerca de
de gêneros e subgêneros musicais. Após o sistemas de recomendação (Sá, 2009) e redes
download e instalação do plugin de scrob- sociais voltadas para a música e dos sistemas
bling5 do site, ele começa a automaticamen- de recomendação, fortemente caracterizados
te rastrear todos os arquivos de áudio no pela questão da categorização dos gêneros
momento em que eles estão sendo executa- musicais a partir da folksonomia e das prá-
dos – o que requer um domínio específico ticas de livre etiquetamento dos arquivos e
dos usuários. informações a partir dos usuários.
Num segundo momento, articulamos
3.1 Monitorando o perfil dos usuários e as descrições das práticas com a análise da
as classificações musicais materialidade da própria plataforma (seja
O Last.fm é um site utilizado por heavy pelas suas funcionalidades ou aplicativos)
users (usuários que passam muito tempo on- a partir de observações e incursões netno-
line interagindo com as ferramentas) e early gráficas previamente discutidas por Amaral
adopters (usuários que adotam a ferramenta (2007). Por fim, foi elaborado um questio-
antes da maioria) e ainda, mais notadamen- nário como instrumento de pesquisa (Tabela
te, usuários explicitamente interessados em 1) que visava mapear o perfil dos usuários
música, sejam eles fãs, produtores, músicos, da plataforma no Brasil6 – uma vez que o
jornalistas da área, DJs etc. Um dado em- questionário estava em português – e tam-
pírico que complementa essa faceta do site bém compreender a forma como as tags são
está em um e-mail recebido durante esta percebidas e utilizadas no contexto da cate-
pesquisa, em maio de 2008. Um determina- gorização dos gêneros musicais.
do portal, especializado em gêneros musicais O questionário, produzido via Google
bastante específicos, estava contratando jor- Docs7 pelas autoras, foi disponibilizado
nalistas especializados em música e o editor on-line durante o período de 19/01/2009
enviou um email para vários contatos, cola- a 05/02/2009 e distribuído por meio dos
próprios perfis dos usuários no Last.fm (via
4
Dado obtido no blog oficial do site. Disponível em: http://
blog.last.fm/2009/06/10/message-from-the-lastfm-founders- 6
Um mapeamento posterior a este, realizado por Oliveira
felix-rj-and-martin Acesso em: 11/12/2009. Para maiores da- (2009), amplificou esse perfil dos usuários no Brasil, uma vez
dos sobre histórico e descrição do funcionamento do Last.fm, que não enfocava fortemente suas questões acerca das tags e
ver Amaral (2007). de suas classificações, mas concentrava-se em compreender a
5
O scrobbling é o rastreamento dos arquivos de música feito construção do conhecimento na plataforma como um todo.
pelo plugin do Last.fm quando este é baixado para o compu- 7
Disponível em: http://spreadsheets.google.com/viewform?ke
tador do usuário. y=pH1GnL4IJw6vIsgS5aMtpcg. Acesso em: 10/02/2009.

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Tabela 1 – Instrumento de pesquisa sobre as práticas de tagging


dos usuários brasileiros do Last.fm:

Perfil do usuário
( ) feminino
Sexo
( ) masculino
Qual sua cidade/estado?
( ) campo de busca
( ) faixas da semana
( ) tags
( ) rádios
Como você pesquisa no Last.fm? (possibilidades na
( ) usuários
página de abertura do site)
( ) eventos
( ) principais artistas
( ) artistas do momento
( ) outros
Você utiliza as tags recomendadas pelo sistema ou ( ) sim – Explique por quê
prefere criar tags próprias? ( ) não – Explique por quê
Você procura utilizar sempre as mesmas tags para ( ) sim – Explique por quê
determinado gênero/artista? ( ) não – Explique por quê
Ao etiquetar um arquivo no Last.fm, você cria as tags
pensando em colaborar com a organização do sistema
ou somente pensando que essas tags serão úteis para que
você recupere a informação?
( )1
Quantas tags você costuma utilizar para etiquetar ( ) 1 ou 2
um arquivo? ( ) 2 ou 3
( ) 3 ou mais
Você utiliza sinônimos (Ex: Queens Of The Stone ( ) sim
Age/QOTSA)? ( ) não
Você faz uso de tags mascaradas? (Tags que escondem
o verdadeiro significado do arquivo etiquetado)
Você cria as tags de acordo com as diferentes
culturas/gêneros musicais?
Você cria tags com qualificativos, por exemplo
“música que mais amo”?
Você etiqueta músicas com tags baseadas em
classificações de críticos ou jornalistas de música?
Você desliga o scrobbling (rastreador) quando ouve uma mú- ( ) sim – Explique por quê
sica que você acha que não combina com seu perfil musical? ( ) não – Explique por quê

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perfis das autoras), do Twitter, de blogs, de Quanto ao número total de usuários bra-
listas de discussão de música e de pesqui- sileiros, na época de realização da pesquisa
sa em cibercultura, bem como de e-mails (entre janeiro e fevereiro de 2009), estimava-
dos mailing lists particulares das autoras. se que o Brasil possuía aproximadamente
O questionário foi respondido por 71 usu- 1.600 usuários cadastrados como tais (não
ários, embora apenas 68 tenham sido le- estão contabilizados aqui brasileiros que não
vados em consideração, correspondendo a marcam a opção do país e/ou moram fora),
4,2% do total. Apesar de ser uma amostra correspondendo a 0,8% dos usuários da pla-
relativamente pequena, considerando a taforma – sendo o 22º país no ranking de
especificidade temática do site e a questão quem mais utiliza o sistema9.
relativa ao uso das tags, acreditamos que Um dado relevante que foi indicado na
ela seja suficiente para dar conta de parte pesquisa é o fato de que muitos usuários
de nossa problemática inicial, em que o comentaram a utilização das tags no pró-
interesse era mais de uma primeira imer- prio idioma inglês, mostrando que os flu-
são nesse contexto do que de efetivamen- xos comunicacionais e inclusive lingüísti-
te realizar um estudo quantitativo. Neste, cos também perpassam questões relativas à
artigo estão sendo discutidos os primeiros procedência geográfica off-line dos gêneros,
resultados qualitativos desse levantamen- como, por exemplo, no caso do britpop10 ou
to. Outra parte dos dados será debatida em new wave of british heavy metal.11
artigos subseqüentes. Devido a questões
relacionadas à ética de pesquisa e ao anoni- 3.2 “Como eu etiqueto me define”
mato dos informantes (Markham & Baym, Gouvêa, Loh & Garcia (2008) compreen-
2009), não divulgamos o nome dos usuá- dem os tipos de classificação a partir das tags
rios e tampouco o portal informativo cita- relacionadas aos conteúdos de duas formas:
do no exemplo acima, aqui tratado apenas com intenção pessoal ou coletiva. A intenção
como Portal de Música. coletiva é gerada a partir de um “consenso”
A partir dessa breve descrição dos proce- no uso de um vocábulo; já a intenção pessoal
dimentos metodológicos, podemos inferir funciona como um marcador de ordem sub-
algumas observações acerca do próprio deli- jetiva para a representação, busca e recupe-
neamento do artigo. O primeiro fato que nos ração de uma informação e/ou conteúdo im-
chamou atenção diz respeito às dificuldades portante apenas para o indivíduo que criou
de se conseguir dados sobre essa plataforma, tal categoria. No Last.fm, observam-se am-
principalmente em termos numéricos. Ape- bas as intencionalidades, gerando, inclusive,
sar de ser uma plataforma relativamente po- dentro da plataforma, problemas e conflitos
pular em seu nicho, seu efetivo uso ainda é que alteram a questão da recomendação. Na
bastante pequeno se comparado com sites de seqüência, tais dificuldades e problemáticas
redes sociais maiores, como Facebook, MyS- serão abordadas.
pace etc. Outra dificuldade que encontramos Gêneros, subgêneros e estilos musicais
é que nem todos os usuários efetivamente constituem a maior parte do vocabulário e
utilizam o sistema de taggeamento, apenas da construção de conhecimento na plata-
observando as visualizações do scrobbling
como a característica mais marcante da pla- 9
Informações coletadas por meio d o site Alexa.com (http://
taforma. E isso nos foi apontado de modo www.alexa.com) em 15/01/2009.
10
Gênero de rock que pulou do indie (alternativo) ao mains-
independente do questionário, por meio de tream surgido na Inglaterra entre o final dos anos 1980 e início
mensagens na própria shoutbox8 do site ou dos anos 1990. Blur e Oasis são algumas das bandas que figu-
ram como britpop.
via e-mails, MSN etc. 11
“Nova Onda do Heavy Metal Inglês” – marca uma leva de
bandas de metal dos anos 1980, como, por exemplo. Iron Mai-
8
Caixa de mensagens do Last.fm. den. É uma marcação tanto geográfica quanto temporal.

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forma devido a sua vocação extremamente organização da web e é vista positivamente


segmentada (um site de rede social voltado pela comunidade e pelo próprio Last.fm, que
para o compartilhamento de música), assim apóia o etiquetamento (de acordo com as in-
como o Flickr é para a fotografia, possibili- formações que constam nas FAQ – frequently
tando uma forma de organização coletiva, asked questions – do site).
agregação social e negociação de participa- Esse apoio é tão necessário e fundamen-
ção, uso, busca e apropriação de conteúdo tal – tanto em termos de configuração de
gerado pelo consumidor a partir da determi- um banco de dados de informações musicais
nação coletiva e opção por uma determinada como da própria dinâmica simbólica e eco-
tag para categorizar um determinado conte- nômica do Last.fm –, que precisa da produ-
údo – conforme afirma Shirky (2008:33).
Assim, as possibilidades de relações se-
mânticas entre um arquivo musical e a tag A determinação de
escolhida encontram-se geralmente no âm- uma tag escolhida por
bito dos gêneros musicais – também os com-
meio da negociação
preendendo como modulações relacionadas
a subseqüentes estilos de vida e/ou subcul- coletiva em torno de
turas. A determinação de uma tag escolhida um gênero/subgênero
por meio da negociação coletiva em torno de musical é uma forma
um gênero/subgênero musical é uma forma de co-produção
de co-produção (Forte, 2005) – por exemplo,
a tag “electronic” ou “eletrônica” (em portu-
guês) para a dupla norueguesa Röyksopp12 é
indicada por meio da coluna “tags mais po- ção de conteúdo de seus usuários para agre-
pulares para a faixa”, que aparece na tela do gar juízo ao conteúdo, como indica Shirky
usuário no momento em que ele classifica a (2008:311): “A surpresa com o etiquetamen-
canção (Figura 1). to é que o julgamento agregado dos usuários
fornece uma categorização útil das páginas
As tags permitem a criação e a co-produ-
da web sem requerer a catalogação de ne-
ção de um imenso banco de dados sobre
os artistas, gêneros, subgêneros. (…) A nhum profissional”.13
co-produção é entendida aqui no sentido Lembramos que a dimensão econômica
da inspiração dos escritos antropológicos torna-se uma reflexão necessária para futu-
sobre etnografia em múltiplos lugares, um ras pesquisas, uma vez que o faturamento
processo de produção em conjunto dis- do site está relacionado tanto com a publici-
parado por vários atores sociais que pode
dade quanto com os acordos com as majors
abranger tanto os hyperlinks como suas
expressões (Amaral, 2007:236). (gravadoras). Além disso, o Last.fm propõe
parceria e divisão de lucros com artistas in-
Para Forte (2005:97), “esse conceito de dependentes inscritos na plataforma. Após
co-produção ecoa o trabalho de natureza protestos, a partir de maio de 2009, a we-
distribuída da cognição. (...) Co-produção brádio personalizada gerada a partir das tags
enquanto um processo de múltiplos atores também passou a ser cobrada dos usuários
criando um repertório cultural que pode ser fora dos EUA, Alemanha e Inglaterra.
baseado nos atores singulares”. Essa possibili- Destarte, é importante observarmos que
dade altera a indexação, as buscas e a própria nem todos os usuários do Last.fm utilizam a

12
O exemplo foi escolhido aleatoriamente a partir do próprio 13
Tradução das autoras: “The surprise with tagging is that the
banco de arquivos de MP3 rastreados por meio do computa- aggregate judgement of the users provides a useful categoriza-
dor de uma das autoras. tion of webpages without requering any professional catalogers”.

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Figura 1 – “Taggeando” Röyksopp a partir do Last.fm

Fonte: Printscreen feito a partir do usuário adriamaral (13/06/2009)

função de etiquetamento. Muitos utilizam que nos ajuda a compreender a importância


apenas a função de webrádio personaliza- e a ampliação das práticas de tagging advém
da ou de visualização dos dados nos perfis justamente da análise do questionário que
a partir do rastreamento. A não-utilização realizamos com alguns usuários da plata-
do sistema de social tagging nos foi indicada forma no contexto nacional, indicando que
a partir de conversas informais com alguns a busca por tags aparece em segundo lugar
usuários (dentro da plataforma e via outras nas suas preferências – correspondendo a
formas de comunicação mediada por com- 26% dos usuários entrevistados –, índice
putador) quando foi distribuído o questio- bem superior à pesquisa por artistas e mes-
nário para análise dos usos e apropriações de mo por rádios.
etiquetamento pelos brasileiros do Last.fm. Todavia, também é preciso observar as
No caso específico do Brasil, a partir de tags de cunho subjetivo, que podem expri-
uma pesquisa feita pelo Ibope com heavy mir relações com o humor ou experiências
users durante a Campus Party Brasil, evento emocionais dos usuários, criando outros
ocorrido em São Paulo em janeiro de 2009 tipos de variações e ampliação no vocabu-
(um dos maiores eventos de tecnologia e lário utilizado dentro da plataforma, como
entretenimento digital do país), constatou- descreveremos a partir de alguns exemplos
se que 50% dos entrevistados já fizeram tags a seguir. O social tagging no site já gerou
para outras páginas da web.14 Outro dado algumas polêmicas, como, por exemplo, as
“tags mascaradas”. É o caso do álbum da
14
Dado disponível em: http://www.ibope.com.br/calandra- modelo e cantora pop Paris Hilton, que foi
Web/servlet/CalandraRedirect?temp=6&proj=PortalIBOPE&
pub=T&nome=home_materia&db=caldb&docid=17FFBC82
classificada ironicamente por alguns usuá-
352731D38325754A005F0EB9. Acesso em: 27/01/2009. rios como “death metal brutal” (um gênero

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extremo de heavy metal), subindo para o dos entrevistados, que declarou que uti-
topo das classificações.15 lizava esse recurso (tags mascaradas) “em
As práticas de indexação por meio de tags artistas de pagode, funk, forró etc. Tags
mascaradas no Last.fm podem afastar al- demonstrando como é ruim16 rs [risos].
guns usuários do site, pois são tags que não Mas parei com isso, pois os artistas ficam
remetem diretamente ao artista ou música, na sua biblioteca, e não quero eles lá” (In-
devido ao fato de que seu significado não se formante n. 67).
relaciona e com o nome da banda ou gênero As tags não precisam necessariamente es-
musical do artista. Elas dificultam a busca e tar vinculadas ao gênero/estilo musical em
a recuperação de dados dentro do site. Essa si, e podem agregar valores subjetivos, como
prática de esconder informação por meio “breakfast radio” (rádio do café da manhã),
das tags mascaradas faz com que diversos “músicas que eu amo”, “música mais gay de
conteúdos não sejam encontrados no site todos os tempos” (essa foi uma das tags en-
por aqueles que desconhecem tais tags, o que contradas para as canções da cantora Ma-
inibe a participação na plataforma. donna) etc. No caso de cenas e subculturas
Nesse sentido, a partir da pesquisa feita musicais específicas, há também as junções
com os usuários, observamos comporta- de um ou mais gêneros – como exemplo, a
mentos bastante fluidos e, por vezes, dicotô- tag hellektro,17 que é uma derivação de dois
micos em relação às práticas de classificação subgêneros da música eletrônica.
por meio das tags: Nessa apropriação, os críticos e jornalis-
1)Quando questionados sobre suas prefe- tas de música acabam perdendo o poder do
rências entre usar as tags recomendadas seu lugar de fala, no sentido de que, ante-
pelo sistema ou criar as próprias, 71% riormente, eram apenas eles que criavam tais
disseram preferir as tags que já constam categorizações. Assim, as discussões sobre
no Last.fm (encontradas nas tags mais po- a natureza e autenticidade dos subgêneros
pulares), ao passo que apenas 29% prefe- musicais são feitas em múltiplas plataformas
rem criar as próprias; e fóruns, apontando a capacidade de um de-
terminado grupo de desdobrar-se e negociar
2)Pela própria dificuldade em categorizar
suas identidades em distintos locais e redes.
os gêneros, a maioria dos usuários opta
As falas dos informantes nos dão algu-
por um número mais amplo de tags: 39%
mas pistas importantes para pensarmos so-
dos usuários optam por utilizar 2 ou 3
bre as escolhas de classificação: “Cada música
tags; 26% utilizam 1 ou 2 tags; 24%, 3 ou
têm o porquê de sua tag. Prefiro utilizar tags
mais tags; enquanto apenas 11% classifi-
aleatórias, conforme meu humor. Tem artis-
cam com apenas uma tag.
ta que tem uma carreira longa e passou por
3)Em relação ao uso de tags mascaradas, vários tipos de som, como o Bowie, que me-
apesar de a maioria (57%) ser contrária rece transitar por várias tags” (Informante n.
a esse tipo de apropriação e afirmar que 3). Outro ponto que apareceu com certa ve-
elas “poluem ou confundem o sistema”, emência é a crítica e a contestação às classi-
observa-se que muitos acreditam que ficações dos “críticos e jornalistas de música”.
a prática possui um determinado valor Um informante, por exemplo, diz que não
simbólico que ajuda nas classificações
da memória musical particular de cada
um, ou mesmo que ela ajuda na disputa 16
Grifo das autoras.
17
Fusão do electro com os novos estilos de EBM (electronic
entre os diferentes fandoms de distintos body music). Esse termo controverso surgiu de forma espontâ-
gêneros musicais – como afirmou um nea, primeiramente nas discussões em fóruns de fãs, em seus
taggings, e apenas posteriormente foi adotada pelos jornalistas,
como podemos ver em http://rraurl.uol.com.br/cena/5551/
15
Informações obtidas no FAQ do site Last.fm. Electro_dos_infernos_. Acesso em: 27/01/2009.

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Figura 2 – “Taggeando” vogue de madonna de forma subjetiva

Fonte: Printscreen feito a partir do usuário adriamaral (13/06/2009)

utiliza as classificações de gêneros musicais da cuperação de informação na web por meio de


imprensa por irem contra suas próprias no- suas múltiplas práticas e apropriações de tags,
ções de gênero: “Nem leio críticos ou algo que outorgando poderes de co-produção e de ge-
o valha. Um dos CDs que mais amo é o Adore renciamento de informação alternativos aos
do Smashing Pumpkins, que todo mundo diz dados de provedores, sites, buscadores etc. No
que é uma m#@” (Informante n. 19). caso brevemente analisado, do social tagging
Nesse caso, as tags funcionam como na plataforma de música on-line ­Last.fm, tais
marcadores didáticos (como electro, break- práticas apresentam-se como formadoras de
beat, psy-trance, space-disco, por exemplo) e identidades musicais e culturais dos usuários,
atuam como codificadores sintéticos de um além de construir um banco de dados infor-
gênero ou subgênero que nos remetem a de- mativo que rompe com alguns padrões tradi-
terminadas sonoridades caracteristicamente cionais da crítica e do jornalismo musical (e
definidas. Devidamente contextualizados ao mesmo tempo ainda os mantém) em sua
culturalmente, englobam códigos, compor- categorização de gêneros pelos usuários. Nas
tamentos, rituais, roupas, gestos, gírias etc., práticas semânticas de classificação de gêne-
o que indica sua força para a construção e ros e subgêneros musicais por meio das tags,
desconstrução de identidades e subjetivida- percebe-se também o que Jennings (2007)
des, seja na vida off-line ou na vida on-line. apontou como curadoria e colecionismo na
economia dos fãs de música, equilibrando-se
Considerações finais entre a memória coletiva e a memória indivi-
dual em suas categorizações.
A folksonomia pode apresentar uma rea- Assim, a partir dos apontamentos teóri-
valiação dos problemas de representação e re- cos e dos dados empíricos aqui discutidos,

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esperamos ampliar o debate acadêmico so- ções para pesquisas futuras, uma vez que a
bre a relação entre a categorização de gêne- web semântica e o social tagging são temas
ros musicais e a folksonomia em platafor- cuja repercussão está sendo ampliada a cada
mas de recomendação e compartilhamento dia no âmbito dos estudos em comunicação
de música on-line a partir de problematiza- e cibercultura.

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