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Revista de Economia Politica, vol. 19, n° 2 (74), abril-junho/1999 Globalizagao e Reestruturacdo Produtiva: o Fordismo e/ou Japonismo* MARIA DA GRACA DRUCK** The paper analyses the process of the productive restructuring in course in the glo- balization context, giving priority to their social and political dimensions. It situ the transformations of the forms of work organization and management into history. It makes a reconstruction of the taylorism, the fordism and their crisis. It discusses di ferent approaches, present in the actual literature, about the “japanese model” (toyotism) and its application in Brazil. 1. INTRODUCAO O objetivo deste artigo é analisar o processo de reestruturagao produtiva, através das transformagées das politicas de gestio e de organizagao do trabalho, num con- texto de globalizagao, de crise global do fordismo e de generalizagio do “modelo japonés”. Neste final de século constata-se uma radicalizagao dos processos de concentra- ¢do e centralizagao de capitais, com o crescimento dos oligopélios; com a intensifi- cagio das fusées ¢ incorporagdes de empresas, assim como, simultaneamente, se di- fundem micro, pequenas e médias empresas, com a formagao de redes de subcon- tratagao — a terceirizacdo —, exemplos claros da dispersdo de capitais. Neste movimento mais geral, destaca-se, principalmente, a atuagao das empresas e bancos “transnacionais” que impdem uma nova dindmica aos mercados, onde as tran- sages de cariter financeiro assumem maior importncia, facilitadas, em grande medi- da, pelo fantastico desenvolvimento das telecomunicacdes, com base na microeletrénica Sao também indicadores deste novo momento do capitalismo, as mudangas nas formas de gestdo/organizagio do trabalho que permitem a constituigao de redes glo- bais informatizadas de gestéo, com a utilizagio de praticas de sourcing global (Cou- tinho, 1992), assim como a difusdo generalizada do “modelo japonés * Este artigo é uma versio modificada que foi retirada do primeiro capitulo da Tese de Doutoramento de minha autoria: Terceirizagdo: (des) fordizando a faébrica: um estudo do Complexo Petroquimico da Bahia, Campinas, UNICAMP, IFCH, 1995 **Professora da Faculdade de Filosofia e Ciéncias Humanas e pesquisadora do Centro de Recursos Hu manos da Universidade Federal da Bahia (UFBA). 31 Num outro plano, a discussio sobre 0 novo contetido ou, até mesmo, o questio- namento da permanéncia dos “Estados Nacionais” tem merecido um lugar de desta- que. Trata-se de buscar redefinir 0 papel do Estado neste novo contexto, marcado pela profunda internacionalizagao da economia, onde a interpenetragiio dos mercados e de empresas passa, muitas vezes, 4 margem do Estado-nagao. Ou seja, na visdo de alguns estudiosos, a intervengao ou regulamentacao do Estado ¢ dispensada, a medida que os capitais ditam os movimentos nos mercados, “protegidos pelas instituigdes finan- ceiras internacionais”. Trata-se, para os paises centrais, de equacionar e reordenar radicalmente, por exemplo, o Estado de Bem-Estar-Social, que parece nao mais cum- prir sua fungao politico-ideolégica neste novo contexto internacional. Um dos elementos fundamentais que caracteriza as politicas ditadas pelos pai- ses centrais é a aplicagiio do maior principio liberal: o livre mercado, com a progres- siva retirada da intervengao do Estado na economia. O que se observa é que, para 0 capital, o Estado se torna um entrave ao seu movimento de internacionalizagio, quando impée limites aos seus ganhos — através, por exemplo, da regulamentago do merca- do de trabalho, da politica tributaria, alfandegaria —; ou mesmo quando o Estado deixa de ser um parceiro para se tomar um forte concorrente, seja através de empresas esta- tais, ou através da representaco politica que domina o Estado naquele momento. A globalizagao, ao mesmo tempo que acelera os ganhos de grandes capitais, que concentra e centraliza capital, que diversifica e agiliza os investimentos, sobretudo no mercado financeiro global, deixa as economias nacionais, em especial as periféricas — que sio subordinadas s politicas das instituigdes financeiras internacionais —, a mercé da anarquia deste mercado, que é, por definicao, especulativo, instavel e capaz de por abaixo qualquer programa de estabilizagio econémica que esteja subordinado asta dindmica. Nesse sentido, so elucidativos os exemplos da profunda crise que se abateu sobre o México, da grande instabilidade da economia Argentina e da mudanga parcial do rumo no Plano Real no Brasil, a partir de margo de 1995 E possivel identificar que 0 concentrado poder que alimenta ¢ dirige a globalizagio reside num seleto grupo de empresas oligopélicas e nos maiores bancos globais, que tém a protegao e 0 aval das principais instituigdes financeiras internacionais, como €0 caso do FMI e do BIRD. Ao lado disso, trata-se de um grupo que conta com o efetivo respaldo dos governos nacionais das superpoténcias, conforme ficou evi denciado na atuagdo do governo norte-americano quando do desmoronamento do México, No plano das politicas econdmicas de conteiido neoliberal estabeleceu-se 0 “Wa- shington Consensus”, expressio criada pelo economista John Williamson, do Institute for International Economics (IIE), ¢ que se tornou mundialmente conhecida para ex- pressar a proposi¢iio da comunidade financeira internacional — em especial o FMI e BIRD — para ajustar as economias dos paises periféricos as novas exigéncias dos paises centrais, ao proceso de reestruturagio produtiva e de reordenamento dos mercados no plano internacional. O “Consenso de Washington”, na sua esséncia econémica, pode ser resumido em trés objetivos principais: i) estabilizacdo da economia (corte no déficit piblico, com- bate & inflaco), em geral, tendo por elemento central um processo, explicito ou nao, de dolarizagio da economia e sobrevalorizagao das moedas nacionais; ii) “reformas estruturais” com redug%o do Estado, através de um programa de privatizagdes, des- 32 regulagao dos mercados ¢ liberalizagao financeira e comercial; ¢ iii) abertura da eco- nomia para atrair investimentos internacionais ¢ retomada do crescimento econémico. Os planos de ajuste econémico, definidos pelo Consenso de Washington, ja fo- ram aplicados em mais de 60 paises. Em todos os casos, so monitorados pelo FMI e pelo BIRD, embora variando — de acordo com a realidade de cada pais — quanto aos agentes executores. Os resultados imediatos obtidos em grande parte destes paises, inclusive no México, se conseguiram estancar 0 processo inflacionario ¢ recuperar, aparentemente, o equilibrio fiscal, fizeram-no passando por intensas recessdes, com 0 crescimento assustador do desemprego, a destruigao de postos de trabalho e a que- da da massa salarial, implicando a maior deterioragiio das condigdes de vida. Em ou- tras palavras, em todos estes paises, intensifica-se ¢ muda qualitativamente o proces- so de exelusao social No que se refere ao contetido sociopolitico ¢ ideologico da globalizacao, dois grandes acontecimentos histéricos neste final de século devem ser destacados: 1) O esgotamento de um padrao de acumulagao ou de regulagao do sistema capitalista (hegemonizado pelo padrao fordista de desenvolvimento) ¢ 2) a crise dos regimes socialistas, que se torna mais visivel com a queda do muro de Berlim, em 1989. E nesta situagao de crise, constituida essencialmente por duas rupturas de cari- ter estrutural — o esgotamento do padrio fordista de regulagao dos estados capitalis- tas avangados e, mais recentemente, a queda do socialismo na Europa do Leste —-, que o principal representante do antigo “bloco capitalist” — os Estados Unidos — equaciona e sistematiza as politicas de cunho neoliberal que jé vinham sendo aplica- das até entio de forma muito pontual. O projeto neoliberal assume uma nova direcio € consegue articular os paises do centro redefinindo as suas relagdes com os paises periféricos. No caso desses iiltimos, os planos de estabilizagiio de contetido neoliberal sio, em geral, muito semelhantes em suas medidas, embora aplicados em tempos diferen- tes; em fungdo da capacidade de resisténcia interna em cada um dos paises, principal- mente os da América Latina. E no interior da globalizagao que se discutem os novos contetidos do trabalho, a redefinigao dos sujeitos sociais, a necessidade de se erguerem novas formas de organ sao social e politica e se debate sobre o futuro (ou o fim) da “sociedade do trabalho O debate que se trava entre os estudiosos dos paises desenvolvidos — cuja dete- rioragao das condigdes de trabalho e de vida vém sensibilizando muitos analistas tem posto um leque de questdes que é atual e proprio também dos paises periféricos. O desemprego estrutural ¢ a exclusdo social, por exemplo, so temas debatidos pela sociologia brasileira desde os primeiros estudos realizados sobre a industrializagao e © processo de urbanizagao no Brasil No entanto, hoje se constata a globalizagao da exclusio, a globalizagio da misé- ria e a globalizagao do desemprego. De acordo com 0 Relatério da OIT, “O Emprego no Mundo”, publicado em 1996, sao um bilhdo de pessoas que estdo sem emprego ou subempregados no mundo e isto representa 30% da forga de trabalho mundial. As questdes postas, portanto, mesmo considerando os diferentes processos historicos regionais ¢ nacionais, sdo hoje, mais do que nunca, as mesmas e, desta forma, as pos- siveis alternativas proposigdes de superagdo s6 podem ter um conteiido e carater internacionais. 33 2. AS TRANSFORMACOES NO MUNDO DO TRABALHO NO CONTEXTO DE GLOBALIZACAO ‘As transformacdes recentes no mundo do trabalho sé podem ser explicadas a luz de uma reconstituicao histérica dos padrdes que entraram em crise: 0 taylorismo € 0 fordismo, privilegiando-se 0 contetido sociopolitico destes fendmenos. Assim, parte- se da compreensio de que o taylorismo eo fordismo conformaram novas culturas do trabalho que tém, como ponto de partida, as relagdes estabelecidas no espago fabril, onde se impdem determinadas relagdes de poder, enquanto expressiio de um novo momento de reordenagiio das forcas sociais ¢ politicas na sociedade capitalista. Ins- crevem-se, portanto, na histéria das lutas entre patrdes e operarios, na necessidade do controle e da disciplina do trabalho, de estabelecer e consolidar a “direcao capitalis- ta” na gestio da fabrica e da sociedade. O taylorismo ou “administragdo cientifica do trabalho” surge como uma nova cultura do trabalho na passagem do século XIX para 0 XX. Epoca em que os homens que vivem do trabalho precisavam ser transformados “cientificamente”, a fim de que cumprissem um papel-chave na base técnica e mecdnica da produgao industrial. Para alguns estudiosos, 0 taylorismo representa um tipo de mecanizagao sem a introdugéo da maquinaria; ou seja, trata-se de “subsumir o trabalho ao capital”, através da expro- priagio do conhecimento dos trabalhadores, 0 que pode ser viabilizado através do controle efetivo do capital sobre o trabalho, realizado na forma da “geréncia cientifi- ca” e que tem como um dos fundamentos centrais a separacdo entre o trabalho manual € 0 trabalho intelectual.! Na verdade, o taylorismo — enquanto pratica gerencial do capital —é necessdrio para complementar, no plano da subjetividade, o papel desem- penhado pela maquinaria, isto é, torna-se fundamental para consolidar a subsungao real do trabalho ao capital. Nesta perspectiva é que se pode afirmar que o controle social comega na fabri- ca, Fabrica aqui, compreendida no sentido mais amplo, como local de realizagao do trabalho, onde se defrontam e confrontam diferentes visées de mundo, um espago politico por exceléncia, onde se estabelecem relagdes de poder e de dominagao numa luta incessante pela busca de hegemonia, ‘Assim, o surgimento do sistema de fabrica demonstrava que, para obter maior eficiéncia ¢ maior produtividade — elementos indispensdveis para a concorréncia capitalista —, era preciso o controle do trabalho, impondo uma divisio e organiza- cdo, uma hierarquia que garantisse a subordinacio dos trabalhadores ao capital. Nes- te processo, a introdugao da maquinaria cumpria um papel fundamental, pois ela in- corporava parte do saber operario, diminuindo, desta forma, a autonomia dos operd- rios e seu controle sobre 0 processo de trabalho. ‘A questo central, que esta na esséncia da proposicao de Taylor, ¢ acabar com a autonomia e a iniciativa operaria, o que, para ele, é condigao sine qua non para a efi- ciéncia do trabalho. Defende, assim, o fim desta autonomia, 0 rompimento com esta dependéncia por parte da administragao ¢ a transferéncia de todos os conhecimentos sobre o trabalho para a geréncia (separagdo entre concepgao e execugio). No entanto. éimportante deixar claro que, a0 mesmo tempo que se cria esta separagdo entre o tra- Ver discussii realizada por Moraes Neto, “Marx, Taylor, Ford: as forgas produtivas em discussio”. 34 balho prescrito e o trabalho real, este tiltimo exige uma constante mobilizagaio da in- teligéncia, do saber e da iniciativa do operario, contraditoriamente incentivados pelo capital, para que possam ser utilizados e apropriados pela geréncia, na prescrigao de trabalho. E evidente que Taylor sabia que, para que tal sistema funcionasse, muitas préti- cas sociais e culturais teriam que ser rompidas. Nao bastava mudar burocraticamente a gestio do trabalho. Era fundamental convencer a sociedade (que para ele, constituia- se de empregadores, de empregados e de consumidores) de que as novas formas de produgio exigiam o fim dos conflitos, das disputas, das guerras. A harmonia ea coo- peragdo deveriam nortear a todos, em especial, os patrées e empregados. Mas para alcangar esta “harmonia” e esta “cooperagio”, alguém precisaria ceder a sua iniciati- va, a sua vontade, o seu saber, enfim teria que ceder 0 controle sobre 0 seu modo de trabalho e de vida. Este processo, no entanto, nao se deu de forma pacifica. Houve resisténcia dos trabalhadores. Afinal, com o surgimento da fabrica, além de ser novo 0 tipo de traba- Iho, este impunha, para sua realizagio, a necessidade de romper com uma série de habitos, de “modos de vida”. A disciplina fabril exigia uma nova relagiio dos homens com o tempo, definindo um novo lugar para o trabalho, para a familia, para o lazer, questionando e transformando todas as “velhas” formas de sociabilidade, costumes tradigdes. De acordo com Montgomery (1985), desde as primeiras tentativas de implanta- gio do taylorismo houve resisténcias, mas ¢ principalmente nos anos 10 ¢ 20, quando ele se difunde por varias indistrias, que as mobilizagdes operdrias se intensificam. Na metalurgia, por exemplo, os trabalhadores realizaram varias greves contra a desqua- lificagdo, o controle do tempo pelo cronémetro e o sistema de pagamento por prémios. Alem disso, reivindicaram 0 reconhecimento, por parte dos patrdes, da representag: na fabrica, dos “comités de empresa”. Em geral, a mobilizagao partia dos operarios mais qualificados, cujos “oficios”, qualificago e autonomia de trabalho estavam sendo destruidos pelo “novo trabalhador”, pela “eficiéncia” através da maior parcelizagao e divisdo de tarefas e, principalmente, através de uma continua expropriacao de seu saber e da quebra de sua autonomia e iniciativa. Mas as lutas envolviam, também, os opera- rios especializados e de menor qualificagdo, cujas reivindicagdes se concentravam nas questdes salariais e contra a intensificagio do ritmo de trabalho O taylorismo vinha se constituindo, desde a virada do século, numa nova “cultu- a do trabalho” que, para ter sucesso enquanto uma “ciéncia do trabalho”, conforme propunha Taylor, exigia uma postura e priticas novas tanto de patrdes como de em- pregados; exigia também um “espirito” essencialmente cooperativo, sem conflitos e, principalmente, sem resisténcias 4 nova administragdo por parte dos trabalhadores € dos sindicatos. No entanto, os principios ¢ as novas formas de geréncia propostas por Taylor ti- nham um conteiido fortemente autoritario e, na sua esséncia, tinham um poder de aplicagio sustentado muito mais na forga e na coer¢ao e muito menos no convenci- mento € na busca da adesio dos trabalhadores. Somente quando os salarios comegam a ser transformados, efetivamente, num instrumento atrativo e de conquista do apoio dos trabalhadores, é que se pode afirmar sobre uma aceitacao maior do taylorismo por parte deles e de seus sindicatos. E com esta dimensdo que se deve compreender 0 fordismo. Ele nio apenas re- presenta a amplificacdo do taylorismo, sua difustio e consolidagdo. O fordismo con- segue realizar o que Taylor sabia, como fundamental, para garantir a hegemonia da geréncia cientifica sobre outras formas de administragao. Ou seja: “(...)a organizagao fordista do processo de trabalho transcende 0 cho da fabrica, constituindo um modo de vida marcado pela racionalidade atra- vés da capacidade de comando do capital, da imposigao de sua disciplina sobre o trabalho e sobre os trabalhadores. Trata-se de garantir formas de produgio e de reprodugao da forga de trabalho que viabilizem, através da racionalizagio ‘... um novo tipo humano conforme ao novo tipo de trabalho ¢ de produgo™ (Gramsci, apud Borges e Druck). “Nesta perspectiva, Gramsci enfatiza que os homens que vivem do trabalho nao podem ser ‘domesticados’ e ‘adestrados’ através exclusivamente da coergio. E indispensdvel ‘educd-los’ para persuadi-los e obter 0 seu consentimento para este novo modo de trabalho e de vida (...)” (Borges € Druck, 1993: 27). Assim, a clissica abordagem de Gramsci em “Americanismo ¢ Fordismo”, ex- plicita este novo modo de gerir a fabrica ¢ a sociedade, este novo modo de produzir, de trabalhar e de viver, como um processo todo articulado. Nas palavras dele: “(...) pois os novos métodos de trabalho sio indissoluvelmente ligados a um determinado modo de viver, de pensar e de sentir a vida; no é possivel obter éxito num campo sem obter resultados tangiveis no outro. Na América aracionalizagao do trabalho ¢ 0 proibicionismo estio indubitavelmente ligados: 605 inquéritos dos industriais sobre a vida intima dos operirios, os servigos de inspecdo criados por algumas empresas para controlar a ‘moralidade” dos operarios so necessidades do novo método de trabalho. Quem risse destas iniciativas (mesmo falidas) e visse nelas apenas uma manifestagao hipécrita de ‘puritanismo’, estaria desprezando qualquer possibilidade de compreender a importancia, 0 significado e 0 alcance objetivo do fendmeno americano, que & também o maior esforgo coletivo realizado até agora para criar, com rapi- dez incrivel ¢ com uma consciéncia jamais vista na Hist6rja, um tipo novo de trabathador e de homem” (Gramsci, 1984: 396) (grifos meus). Para Gramsci, a sociedade industrial — o industrialismo, que se torna hegem6- nico na América —, encontra um ambiente extremamente favoravel para seu desen- volvimento, dadas as condigées histéricas e culturais, onde 0 “racionalismo” conse- gue se difundir sem grandes obsticulos. No entanto, o “império Ford” para se estabe- lecer, precisou combinar o uso da tecnologia — a linha de montagem —, indisso- luvelmente ligada a geréncia racional do trabalho, que exigiu a destruigao do sindi- calismo, em especial daquele que representava os ‘proprietitios de oficios qualifica- dos’, com formas atrativas de compensagao aos trabalhadores, como os salarios mais altos do que a média paga no mercado e beneficios sociais até entio inexistentes, 36 Esta nova pritica de gestio do trabalho que propée a criago de “um novo tipo de trabalhador”, nfo apenas reforca os principios tayloristas e os amplifica para toda asociedade, mas reafirma o objetivo central para a aplicago da “geréncia cientifica”: “(...) romper o velho nexo psico-fisico do trabalho profissional quali- ficado, que exigia uma determinada participagdo ativa da inteligéncia, da fantasia, da iniciativa do trabalhador” (Gramsci, 1984: 397) (grifos meus). Assim, o fordismo — enquanto novo padrio de gestio do trabalho e da sociedade — sintetiza as novas condigdes histéricas, constituidas pelas mudangas tecnoldgica pelo novo modelo de industrializagao caracterizado pela produgdo em massa, pelo con- sumo de massa, (0 que coloca a necessidade de um novo padriio de renda para garantir aampliagao do mercado), pela “integraga0” e “incluso” dos trabalhadores. Tal inclu- sio, por sua vez, era obtida através da neutralizago das resisténcias (e até mesmo da eliminagio de uma parte da classe trabalhadora — os trabalhadores de oficio) e da “persuasio”, sustentada essencialmente na nova forma de remuneragaio e de beneficios Esta nova etapa de redefinicio do padrao de acumulagao capitalista, que se in- tensifica nas primeiras duas décadas deste século, quando a “era Ford” se estabelece, vai tomar alguns novos rumos no pés-Segunda Guerra Mundial. Sao rumos que nao contrariam a esséncia do fordismo, sendo que, pelo contrario, a reafirmam. Respon- dem a novas situagdes histéricas, cujos movimentos e, principalmente, cujas lutas sociais e politicas exigem intensificar 0 uso da persuasiio, da combinagao da forga com a “incluso” de segmentos da classe trabalhadora. Estes, em no tendo acesso ao em- prego fordista, precisam contar com outras modalidades de sobrevivéncia e de bene- ficios sociais, para serem preservados e se reproduzirem nas condigdes impostas por este padrio de acumulagao. Desta forma, no pés-II guerra, o modo americano de trabalhar e de viver precisa fazer frente ao novo modo socialista de trabalhar e de viver, em construcao a partir da Revolugio Russa. Mais do que nunca, portanto, é fundamental, para a América e para a Europa, a consolidagdo e a amplificagdo das praticas fordistas, agora também rear- ticuladas com as propostas de politicas de “pleno emprego” e de protegao social do Estado, a fim de garantir um determinado padrio e qualidade de vida exigidos pelos movimentos de trabalhadores contaminados pela vitéria socialista. O contexto histérico em que 0 fordismo se desenvolve, nos EUA, é marcado por um crescimento econémico e por uma prosperidade jamais vistos — a chamada “era do ouro”, Neste contexto, as lutas dos sindicatos se concentram em ampliar os ganhos de produtividade, incorporados em seus salirios, como forma de distribuigao dos re- sultados positivos alcangados pela economia na época. Como resultado das nego: ‘Ges entre patroes e empregados, era aceita, pelo lado dos patrdes, a incorporacao destes ganhos ¢, pelo lado dos sindicatos, se reconhecia a diregao do processo de trabalho ¢ se submetia 4 iniciativa do capital sobre a organizagao do trabalho, sobre as estratégi- as de investimentos ¢ de mercados (Ferreira, 1993). No que se refere ao desenvolvimento do fordismo além das fronteiras da Améri- ca, sabe-se que nao existe um tinico “modelo de fordismo” que possa ser aplicado em qualquer pais ou regio. As diferengas societais, as relagdes de forgas politicas em cada nagdo, bem como o nivel de desenvolvimento econémico, foram determinantes para 37 constituir “formas nacionais” de fordismo. Assim, a sua difusio para os paises euro- peus ocidentais e para o Japaio no pés-guerra se da de forma diferenciada ¢ assume conotagdes proprias em cada um destes paises. 3. A CRISE DO FORDISMO E O MODELO JAPONES Os primeiros sinais da crise ou sua primeira visualizacao ocorrem, como nao poderia deixar de ser, nos EUA. E 0 indicador que da maior visibilidade a crise, tor- nando-se 0 eixo em torno do qual se discute o seu cariter, & queda de produtividade no trabalho, o que vinha implicando na erescente perda de competitividade da econo- mia norte-americana no mercado internacional. No ambito do processo de trabalho, constata-se um movimento generalizado de lutas e resisténcias nos locais de trabalho, expressas nos indices de absenteismo, de turnover, nos defeitos de fabricagao e na quebra de ritmo na produgao. Ao mesmo tempo, avanga o poder dos sindicatos, que exigem a continua dutividade incorporados aos salarios. As praticas sindicais ¢ nos locais de trabalho recusavam continuar contribuindo com a gestio taylorista/fordista, que impunha um trabalho parcelizado, repetitivo, frag- mentado, rotinizado e que havia desqualificado e mesmo destruido o saber daqueles trabalhadores de oficio, que tinhham um determinado controle e autonomia no seu tra~ balho. Tratava-se, na realidade, de uma resisténcia, cujo contetido politico era mani- festo num certo esgotamento desta forma de controle do capital sobre o trabalho. Nesta medida, as manifestagdes nao se limitam aos locais de trabalho, mas se generalizam para os varios setores da sociedade, em particular, entre os jovens e estu- dantes, que questionam este “modo americano de viver”, questionam as formas de uso social de seu saber, de suas qualificagdes e da rigidez dos padrées racionais que do- minavam nao somente o trabalho, mas também o ndo-trabalho. Ha uma onda de pro- testos, que nao se limita a sociedade americana, mas que ali, toma a forma de movi- mentos de “indisciplina social”, de propostas de sociedades ou comunidades alterna- tivas, sustentadas numa volta a vida primitiva ¢ sem controle social, sustentada muito mais na emogao, no “amor” ¢ nao na “guerra”. O ano de 1968 foi muito especial no mundo intciro, marcado por uma mobilizagdo intensa, com greves, manifestagdes de ruas, ocupagdes de fabricas ete. Tal mobilizagao, embora muito diferenciada em cada pais, como o “maio francés” ou a “primavera de Praga” ou a “luta contra a guerra no Victna”, indicava uma recusa aos padrées vigen- tes de organizagao econémica e sociopolitica. Tratava-se de uma luta contra formas institucionalizadas de poder e, centralmente, contra 0 autoritarismo presente nestas instituigdes, bem como as formas de controle social predominantes, Para os autores da “Escola da Regulacdo” e seus seguidores, o “fordismo se tor- na improdutivo” a partir do movimento social, das mobilizagdes nas fabricas e nas ruas e, nesta medida, desencadeia-se uma crise do “modo de regulagao”. A crise que se visualiza tem um cardter estrutural, 4 medida que o acirramento das lutas de classes ¢, sobretudo, a recusa dos trabalhadores em se submeter a gestio fordista, implicam uma crise do “regime de acumulago intensiva”, minando a elevago das taxas de mais valia relativa (Aglietta, 1979), dos ganhos de pro- 38 No caso particular dos EUA, esta crise comega a sinalizar uma reordenagdo nos mercados, ameagando a perda de hegemonia americana no plano econémico. Isto porque a perda de competitividade americana significava a perda de seus mercados para outros paises produtores. Neste periodo, a economia japonesa ja comegava a despontar com um crescimento fabuloso, sustentada em altos indices de produtivida- de do trabalho. Nesta medida, os desdobramentos da crise na década de 70 englobam mudangas fundamentais, que se dio no bojo deste processo de esgotamento do fordismo, a0 mesmo tempo que anunciam possiveis alternativas de saida desta crise: i) 0 acontecer da chamada ““Terceira Revoluco Industrial”; ii) as mudangas nas politicas de gestio e organizagdo do trabalho e iii) as mudangas nos mereados de produtos, determin das pela transformagao das formas de concorréncia intercapitalista, onde a qualidade ea diferenciago dos produtos torna-se mais do que nunca determinante das novas bases de competitividade. Estas mudangas tendem a questionar os sistemas rigidos de pro- dugio tipicamente fordista, procurando substitui-los por esquemas mais flexiveis de produgdo (Coriat, 1991) Conforme Harvey (1992), jé no perfodo inicial da crise (1965-73), 0 fordismo e © keynesianismo demonstravam a sua incapacidade de dar conta das contradigées inerentes do capitalismo. Esta incapacidade estava dada pela rigidez na totalidade do padrao de acumulagio vigente: nos investimentos, no sistema de produgaio em massa, nos mercados de consumo e de trabalho e no Estado de bem-estar — que exigia uma forte arrecadago para garantir as politicas sociais. No caso particular da rigidez no trabalho (gestao e organizagao), havia uma resisténcia e um poder sindical extremamente fortes que impediam mudangas ou qualquer flexibilizacdo, principal- mente até 1973. Em linhas gerais, nos anos 70 se evidenciou a crise do fordismo norte-america- no. E as mobilizagdes que haviam balancado as instituigdes de poder desde o final da década de 60, rebelando-se contra aquele padrio de trabalho e de vida, nao consegui- ram impor uma outra alternativa. Nesta medida, o enfraquecimento das resisténcias dos trabalhadores foi um elemento importante para abrir caminho a um movimento do capital que, na busca por solugdes para resolver a crise, iniciou um processo de reestruturagio produtiva, sustentado na crescente adogdo da base tecnolégica mi- croeletrénica, nas novas politicas de gestdo/organizago do trabalho fundadas na “cul- tura da qualidade” e numa estratégia patronal que visa a cooptar e neutralizar todas a formas de organizagio e resistencia dos trabalhadores. Sao politicas que, por um lado, “incluem” uma elite neste novo padrio que esta sendo gestado e, por outro, “excluem” — através do desemprego e das formas precérias de contratagiio/subcontratacao. Para responder 4 crise do fordismo, a difusio do modelo japonés no ocidente assume um lugar central. No entanto, este é adaptado as realidades locais ¢ nacionais, levando em conta os fatores econdmicos, culturais e politicos. O genuino modelo japonés é composto por quatro grandes dimensdes: i. o sistema de emprego adotado pelas grandes empresas constituido por: a) 0 chamado “emprego vitalicio”, Na realidade, nao existe nenhum “contrato formal” sobre uma estabilidade permanente no emprego, mas cla existe de fato, até a aposentadoria aos 55 anos de idade; b) a promogao por tempo de servigo, onde o critério da antigiii- dade é central na remuneragao dos trabalhadores; c) a admissio do trabalhador nao & 39 realizada para um posto de trabalho, mas para a empresa, num determinado cargo, ao qual corresponde um salario; ii. sistema de organizagio gestio do trabalho: “just- in-time” — produzir no tempo certo, na quantidade exata, com uma quantidade de trabalho certa; “kanban” — sistema de informagées dos varios estagios de produgao e de estoques; “qualidade total” — envolvimento dos trabalhadores para a melhoria da producdo, inclusive participando com propostas de mudangas no processo de fa- bricagao, a fim de obter melhor produtividade, redugdo de custos ¢ melhor qualidade durante todos os momentos da produgao; “trabalho em equipe” — a organizagio do trabalho esta baseada em grupos de trabalhadores polivalentes que desempenham multiplas funcées, inclusive adotando como um dos critérios de avaliagio para pro- mogées e/ou aumentos salariais o rendimento da equipe a que pertence o trabalhador avaliado; iii. o sistema de representacao sindical: os sindicatos por empresa sio inte- grados a politica de gestio do trabalho. Confundem-se com a propria estrutura hie- rarquica da empresa. Os cargos assumidos na empresa coincidem com os do sindica- to. Desta forma, nao sio exatamente sindicatos de trabalhadores, mas sindicatos da empresa ¢, portanto, nao existem enquanto forma de organizagio e resisténcia ou oposigao dos trabalhadores as praticas gerenciais. No existem sindicatos por catego- rias profissionais; iv. sistema de relagées inter-empresas: so relagdes muito hierar- quizadas entre as grandes empresas e as pequenas ¢ médias. HA uma posigo de su- bordinagio destas tltimas que ¢ institucionalizada por um “estatuto de dependéncia e fidelidade”, por niveis salariais diferentes (Ferreira at alii, 1991) e, também, por for- mas de contratagdo e qualificacaio de mao-de-obra diferentes e, muitas vezes, precd- rias. As grandes empresas buscam estender as praticas de just-in-time e qualidade to- tal a parte de sua rede de fornecedores ¢ de subcontratadas, a fim de garantir um for- necimento satisfatério de produtos ¢ servigos. Ha o estabelecimento de relagdes de parcerias mais estaveis, inclusive em programas de formagiio tecnoldgica e de treina- mento; assim como também ocorre outro tipo de subcontratacdo de pequenas e micro empresas extremamente precarias ¢ instaveis. H4, portanto, uma rede de subcontratagio diferenciada e que é um elemento fundamental da estrutura produtiva japonesa. Considerado como o maior exemplo de “pés-fordismo” (Piore e Sabel, 1984; Coriat, 1991), ou como um “fordismo hibrido” (Boyer, 1990; Wood, 1993; Lipietz, 1991), as abordagens relativas a0 modelo japonés so extremamente variadas. No in- terior da sociologia do trabalho, desde os anos 70, discute-se muito sobre as novas formas de organizagao ¢ gest do trabalho. Isto porque estas praticas japonesas siio as que mais tém se difundido no mundo ocidental. Mais recentemente, tem-se discu- tido sobre o sistema de relagdes inter-empresas, em particular, as redes de subcon- tratagdo que tém se ampliado, significativamente, através do crescente process de terceirizagaio nos paises ocidentais, com destaque, inclusive, para 0 caso do Brasil. Entretanto, debate-se muito pouco acerca do sistema de emprego e do sistema de re- presentacdo sindical, dimens6es genuinamente japonesas que nao tém sido transferi- das para 0 ocidente. A discussio do modelo japonés, na sua forma mais global, deve retomar a mes- ma linha de anilise utilizada para o fordismo. Ou seja, partindo da abordagem cla: ca de Gramsci, em “Americanismo e¢ Fordismo”, onde 0 autor discute 0 “novo modo de produzir e de trabalhar” — no ambito fabril —, articulado a um “novo modo social de viver”. 40 Nesta perspectiva, 0 fordismo inaugurou uma nova racionalidade econdmica, social e politica, que se difundiu internacionalmente, tornando-se hegemdnico, mes ‘mo que assumindo formas nacionais — inclusive no Japao. A referéncia central, em cada um dos paises desenvolvidos e em desenvolvimento, era a adaptagio ao “jeito americano de viver”. Assim, a adogio dos métodos de gestio e organizagio do traba- Iho tipicos da industria americana — a produgdio em série —, como forma de partici- par e competir no mercado, se dava sob a influéncia norte-americana no terreno social e politico, que impunha, aos demais paises capitalistas, também uma forma mais “pa- dronizada” de viver. : Mesmo num pais oriental como o Japiio, com um legado cultural extremamente forte e muito singular, as possibilidades de reconstrugo do pais no pés-guerra passa- ram por uma relagio de subordinagio a essa hegemonia dos Estados Unidos. No en- tanto, as condigées historicas ¢ culturais do Japao foram também decisivas para de nir uma estrutura produtiva, um sistema de emprego, um sistema de relagdes indus- triais e um conjunto de priticas de gestao e organizagao do trabalho que, a0 amadure- cerem, apresentaram resultados surpreendentes. Conquistando mercados em nivel mundial ¢ impondo novas bases de produtividade e competitividade, o desempenho japonés chegou ao ponto de ameacar a hegemonia econdmica norte-americana. Desta forma, ao mesmo tempo que se identifica, no final dos anos 60, o inicio da crise do fordismo nos Estado Unidos, o Japao (juntamente com a Alemanha Oci- dental) ja desponta como grande poténcia mundial. A maior parte dos estudos sobre a crise, na década de 70, jé apontava o Japo como uma referéncia, principalmente em termos de gestdo e organizacdo da produgio e do trabalho. No debate sobre a transferibilidade do modelo japonés, ha uma diversidade mui- to grande de estudos de casos, pesquisas empiricas nas mais diferentes regides do mundo (inclusive nos Estados Unidos), a partir das quais se problematiza o surgimento ou ndo de um novo paradigma que rompe com os principios fundamentais do fordismo. Na imensa maioria destes estudos, toma-se como referéncia o sistema de gestio e organizacio da produgao ¢ do trabalho, criado pela Toyota, dai a denominagio de “toyotismo”, também denominado de “ohnismo” Pode-se entio raciocinar da seguinte forma: assim como existiu o fordismo, ctiado por Ford, compreendido como uma forma de gestdo e organizagio do trabalho basea- da nos principios tayloristas e na linha de montagem (esteira rolante), surge agora 0 toyotismo, criado pela Toyota. Mas o fordismo sé se legitima e se consolida nos EUA, tornando-se referéncia, para os demais paises, porque existe um “americanismo”, um jeito americano de viver. A questio que deve ser posta, portanto, é: assim como ao fordismo corresponde o americanismo, pode se afirmar que ao toyotismo correspon- de um japonismo? Ou seja, até que ponto é possivel afirmar que o toyotismo, como um novo modo de trabalhar e de produzir, é articulado a um jeito japonés de viver? E, assim como 0 americanismo se tornou referéncia para a maior parte dos paises onde se implementou 0 fordismo — até mesmo no Japao —, estaria o japonismo se constituindo num novo modo de vida que esta influenciando o mundo ocidental, inclusive a sociedade norte~ americana? 2 Ohno, engenheiro chefe da Toyota e criador do “Kanban” 41 Além desta questo de fundo, ha algumas afirmagdes que aparecem em varios autores (Hirata, Ferreira, Salerno, Marx (1991), Wood (1993), Coriat (1991/93) so- bre 0 “modelo japonés” e suas formas diferenciadas de aplicagao, sejam nacionais, regionais ¢ ou setoriais, que precisam ser problematizadas. E verdade que o toyotismo assume formas nacionais e regionais, assim como 0 fordismo. E verdade também que é na industria automobilistica, em particular, que se torna mais visivel a aplicagao do toyotismo, assim como nos ramos industriais de pro- dugdo discreta — quando compreendido como um modo de gestio e organizagao do trabalho. No entanto, essas consideragdes nio podem sustentar a afirmagao de que 0 “modelo japonés” nao se estende a todos os setores e categorias de trabalhadores. Ou seja, esta implicito, nesta concepgdo, que © modelo sé é aplicado nas grandes cor- poragdes, onde as relagées de trabalho sio as mais organizadas. Na minha compreensio, é parte integrante do modelo japonés esta diferenciacao interna que se visualiza nas grandes corporagdes em relagao as pequenas e médias em- presas. No caso das grandes empresas: o emprego vitalicio; mio-de-obra mais qualifi- cada; uma organizagao do trabalho baseada na gestio da qualidade total e participativa no sentido de envolver o trabalhador na busca por produtividade, redugao de custos ¢ qualidade a fim de obter produtos diferenciados; niveis salariais mais condizentes com as fungGes assumidas; ¢ um sindicalismo de empresa como elemento-chave de colabo- ragdo para neutralizar qualquer reagao e oposigao mais organizada dos trabalhadores. No caso das pequenas e médias empresas, que formam a rede de subcontratacio, encontram-se todos os tipos de trabalho. Marcadas, em geral, por uma instabilidade muito grande. Nestas empresas nao existe emprego vitalicio; ha menor qualificagao da mao-de-obra, condiges precarias de trabalho assim como contratos irregulares € de trabalho ocasional e ou parcial — em geral realizado pelas mulheres —', com pa- drdes salariais muito mais baixos que os vigentes nas grandes corporagées. Estas pe- ‘quenas e médias empresas sao duramente subordinadas a gestio e organizagao do tra balho de tipo toyotista, tém que empreender enorme esforgo para dar conta dos pa- drdes de qualidade ¢ produtividade exigidos. A rede de subcontratagao, também chamada de terceirizagao, nao esta “fora” do modelo japonés. Assim como as mulheres nao estdo “excluidas” do modelo. Trata-se de parte integrante e indispensavel do modelo, que precisa preservar este “trabalho sujo”, ‘como componente da estrutura produtiva da economia japonesa. E uma das formas de sustentagdo do “trabalho limpo”, “participativo”, “qualificado” e “estavel” das gran- des corporagdes. A subcontratagao aparece nao s6 no plano econémico como forma de redugao de custos, mas também como estratégia politica, a medida que institui um amplo segmento de trabalhadores de “segunda categoria”, que se distanciam dos de “primei- racategoria”. Desta forma, contribui, decisivamente, para dissolver qualquer identid: de de classe, identidade esta, diga-se de passagem, muito fraca na sociedade japonesa, mareada por uma identidade muito mais corporativa dos trabalhadores, integrados as grandes empresas e que correspondem a 30% da forga de trabalho no Japiio! Neste sentido, apresentar 0 modelo japonés recortando aqueles elementos que Ihe dio um contetido de novidade ou de um “novo paradigma de gestiio/organizagao” do Para uma discussio mais esclarecedora sobre as redes de subcontratago no Japao, ver Hirata, que trata principalmente da “exclusdo” das mulheres do modelo japoné a2 trabalho — que alguns estudiosos classificam como pos-fordista —, sem reconhecer 0 “outro lado do modelo”, que o complementa e que é indispensavel para fazé-lo fun- cionar, sem compreendé-lo, portanto, na sua plenitude, pode levar a uma certa misti- ficag’o do préprio modelo japonés. Esta aparece, na sua forma mais grotesca, nos indmeros manuais publicados por consultores de empresa, para os quais 0 TQC, 0 just- in-time, a terceitizagao ¢ a flexibilizagao da produgio sao os responsaveis por verda- deiros milagres econémicos, a exemplo do “milagre japonés”. Por tiltimo, cabe pontuar as principais mudangas que vém ocorrendo internacio- nalmente, desencadeadas pela crise do fordismo e pela transferibilidade do modelo ja- ponés — ou japonizacdo (Wood, 1993). Com isto, objetiva-se delinear o ambiente sécio- econémico ¢ politico mais geral no qual esta inserido o Brasil e, para o qual, o pais também tem contribuido, através das formas nacionais aqui assumidas por estes processos. Estes pontos sao relativos, principalmente, as radicais transformagdes no campo do trabalho, com destaque para as suas dimensées politicas e, portanto, para as prin- cipais tendéncias apontadas no plano das identidades coletivas dos trabalhadores, bem como da representagio ¢ organizagdo sindical.* Constata-se um processo de reestruturagdo produtiva, em que se observa um decréscimo relativo de determinados setores produtivos (siderurgia, téxteis etc.); a reconversio de outros (automobilistico, maquinas e equipamentos etc) através da implementagao de novas tecnologias ¢ novas politicas de gestiio do trabalho; ea expansdo e crescimento de novos setores (informatica, quimica fina, novos materiais, biotecnologia, etc). Um dos resultados mais preocupantes e debatidos desta reestru- turagao é 0 “desemprego estrutural” nos paises capitalistas centrais (que chega a ser, nos anos 80, duas ou trés vezes maior do que na década de 70). Esta situagdo de desemprego é vivida, sobretudo, pelos jovens que esto ingressando no mercado de trabalho, pelos idosos de baixa qualificagio e pelos imigrantes. O crescente processo de automagao, de base microeletrdnica, acompanhado das praticas de organizagio flexivel do trabalho, tem redefinido os locais de trabalho cons- tituidos, por um lado, por trabalhadores qualificados, valorizados pelo seu “saber téc- nico individual” e, por outro, por trabalhadores sem qualificagao, subcontratados com baixos niveis salariais. A intensificagao e a generalizagao destas priticas de gestdo do trabalho, desen- cadearam um rapido processo de terceirizagao, levando a uma proliferacaio acentuada de micro e pequenas empresas que mantém, na sua maioria, contratos precérios de trabalho, contribuindo para reforgar 0 chamado “mercado informal” de trabalho. Constata-se um movimento que vem de longo tempo, mas que se intensifica como parte desta reestruturagdo produtiva, a diminuigdo crescente do emprego industrial e a expansio do setor de servigos — a terceirizagio —, contribuindo para uma disper- sao cada vez maior dos trabalhadores. Estes, muitas vezes, sao transferidos para o setor de servigos, na falta de emprego na sua rea profissional, passando a ser enquadrados nas mais diferentes e frageis categorias de trabalhadores. Esta situag’o tem sido deci- siva para enfraquecer 0 poder sindical, enfraquecimento este expresso ndo somente nas decrescentes taxas de sindicaliza¢do, mas na falta de mobilizagao e de iniciativas das diregdes sindicais para responder a estas transformacdes. + A apresentagio destes pontos esta baseada na sistematizacao feta por Mattoso (1994). B No plano mais geral, estas mudangas tém sido acompanhadas por um processo de concentragdo de renda e, com a aplicagao de politicas neoliberais, tem se reduzido dras- ticamente os gastos sociais, fazendo definhar, cada vez mais, no caso dos paises centrais, 0“Estado-de-bem-estar”, Tal processo vem acarretando, além do desemprego, a exclustio crescente de amplos segmentos de trabalhadores que ja nfio cumprem as novas exigén- cias para obter o seguro-desemprego, ou cujos valores recebidos tém sido insuficien- tes para a sobrevivéncia, engrossando o contingente dos excluidos (Mattoso, 1995). No caso de paises como 0 Brasil — de fordismo periférico —, estas transforma- Ges vém desencadeando um intenso debate, sobretudo com os estudos sobre o “mo- delo japonés”. Partindo destas contribuigdes € que se pretende discutir 0 modelo na sua plenitude, mas destacando o que considero de mais recente na forma nacional assumida pela crise do fordismo, bem como na forma nacional pela qual vem se dan- do a aplicagao das praticas japonesas de gestdo do trabalho: 0 processo de subcon- tratagdo ou terceirizagao, em suas diferentes modalidades. 4, REFLEXOES PONTUAIS SOBRE AS DIFERENTES ABORDAGENS, Mesmo quando diferentes abordagens so agrupadas em duas grandes linhas de andllise, reunindo, por um lado, trabalhos mais identificados com a afirmagao do novo paradigma de gestao/organizacao do trabalho, de contetdo pés-fordista e, por outro, estudos que concluem sobre a continuidade do taylorismo-fordismo no Brasil, alguns pontos em comum merecem ser destacados. Em primeiro lugar, constata-se que existe um certo consenso, quando da aniilise dos principais motivos impulsionadores das mudangas nos padrdes de gestio/organi- zagao do trabalho nos anos 90: i) a necessidade de responder As novas bases de com- petitividade, determinada pelo reordenamento do mercado internacional, sobretudo a partir da abertura da economia, quando varios setores da industria sdo expostos & con- corréncia no plano nacional e internacional, exigindo um conjunto de medidas para obter redugdo de custos, maior produtividade e qualidade na produgio; ii) no plano nacional, o esforgo para sobreviver a crise ¢ A situagdo de instabilidade econdmica, determinadas, essencialmente, por um processo inflacionario crénico, Concordo que estes dois fatores stio centrais para explicar as iniciativas empresa- riais na busca por flexibilizar a producio e o trabalho. Existe uma determinagao exter- na — a reestruturagio produtiva internacional — extremamente forte, que adquire maior peso ainda, quando € colocada em pritica uma politica de abertura econémica, forgan- do redefinigdes ao nivel das unidades produtivas. E hd uma determinagao interna mais geral, que diz respeito a crise do “modelo de substituigo de importagdes”, crise de um determinado padrao de desenvolvimento econémico, cuja principal fonte de financia- mento foi o Estado, Este Estado esgotou a sua capacidade de financiamento, que tinha nas politicas de subsidio ao setor privado um elemento central para garantir compe- titividade — a chamada competitividade “esptiria”, de acordo com Fanzylber.‘ * Competitividade espiiria ¢ aquela que ndo é baseada no aumento da produtividade, mas sim, em baixos salirios, cdmbio subvalorizado e politicas de subsidios (Fanzylber, 1988), 44 Entretanto, é importante chamar a atengiio para um aspecto que tem sido des- considerado ou mal considerado nesta discussao. Para alguns autores, como é 0 caso de Humphrey, as empresas brasileiras nao chegaram a viver uma clara “crise do for- dismo”, no que concerne as praticas de resisténcia operaria ¢ sindical. Dai que a im- plantagao do “modelo japonés” se da basicamente por pressio da concorréncia, das novas bases de competitividade. E nesta mesma diregao que todos os estudos apon- tam, mesmo aqueles que ressaltam o processo de democratizagio das relagdes de tra- balho, o surgimento das comissées de fabrica ¢ a resisténcia dos sindicatos 4 aplica- Gao dos CCQs ¢ JITs, na década de 80 (Silva, Castro, Leite). O que estou querendo sugerir & que as mobilizagdes operarias em curso desde 0 final dos anos 70, o avango da organizagao sindical nos anos 80 — com a formagao de centrais sindicais ¢ a conquista de varias comissdes de fabrica nos setores mais avan- gados da industria —, juntamente com formas de resisténcia menos visiveis— porque, em geral até mesmo espontaneas — no interior das fabricas, como as “operagdes-pa- drio”, operagdes-tartaruga”, absenteismo, foram praticas que também expressaram insatisfagiio, cansao e revolta frente as condigdes impostas pelo “fordismo periférico”. Desta forma, ha que se levar em conta este fator essencialmente politico, a de- terminar também novas estratégias empresariais. As politicas de gestio baseadas na Qualidade Total e na Terceirizagao procuraram, sem nenhuma duvida, romper com este quadro, desestruturando os coletivos de trabalho, estimulando a concorréncia entre trabalhadores, ao mesmo tempo que buscaram o envolvimento ¢ a cooperagao (mes- mo que forgada) dos empregados. Foi um combate também definido contra os sindi catos, contra a organizagao nos locais de trabalho, contra qualquer foco'de oposigao ‘empresa, O forte contetido ideoldgico destas politicas, expresso nas priticas gerenciais, esta ai para comprovar que a “flexibilizago” também é¢ uma resposta as resisténcias e lutas dos trabalhadores. Em segundo lugar, dois fatores so apontados, de forma consensual, para expli- car as dificuldades na aplicagao do modelo japonés no Brasil: a estrutura muito ver- ticalizada c rigida da industria e a existéncia de uma forte cultura empresarial/gerencial autoritéria, Este Ultimo aspecto tem sido bastante destacado em quase todos os estu- dos sobre o tema, além de considerado como o principal obstaculo para a aplicagao e difusfio do modelo japonés, de forma mais completa e proxima ao que predomina no Japaio e em outros paises centrais. Mesmo os trabalhos que se enquadram na defesa de um processo de gestagao de um padrao pés-fordista ¢ que ressaltam, inclusive, a democratizagao das relagGes de trabalho (Silva, Castro), avaliam que o atraso destas mudancas, a sua lentidao e suas especificidades estdo determinadas, fundamentalmente, pela predominancia de uma cultura empresarial autoritaria. E também este fator, juntamente com a auséncia de uma resisténcia operdria mais presente ¢ organizada (j4 que os sindicatos brasileiros nao tém tradigao de intervir ¢ atuar sobre as condigdes de trabalho, priorizando a luta por salarios), que tem sido utilizado como argumento principal, seja para as formulagées que ressaltam a confi- guragio nacional do modelo japonés — como é 0 caso do JIT taylorizado de Hum- phrey, ¢ 0 modelo nissei de Salerno —, seja para 0 reconhecimento que outros auto- tes fazem da convivéncia do “novo paradigma” com velhas praticas de gestdo do tra- balho, constituindo sistemas mistos até mesmo no interior de uma mesma planta (Gi- tahy, Castro). 45 Ao se discutir a adaptago do modelo japonés no Brasil, é preciso registrar duas preocupagées. A primeira se refere ao problema do “autoritarismo” da cultura empre- sarial brasileira, Se a referéncia para discutir este padrao é o Japao, até que ponto ¢ possivel afirmar que, neste pais, a implantagao destas praticas de gestio e organiza- cao do trabalho se fez através de um processo democratico, quando se sabe que um dos elementos centrais foi a destruigao dos sindicatos de trabalhadores ¢ a formagio dos sindicatos de empresa? Quando se sabe que existe uma cultura do trabalho no Japio que se estende pela familia, que no separa os espacos publicos dos espagos privados € que impée uma hierarquia e uma relagdo de subordinagao entre homens e mulheres, velhos e jovens que, “por principio”, tem que ser respeitadas? Serd que o envolvimento € a participacao dos trabalhadores através dos programas de qualidade nio so obti- dos de forma autoritaria? Até onde ou quais sdo os limites da participagao e da capa- cidade de decisio dos trabalhadores no processo de trabalho? A segunda preocupacao, de carter mais geral, é que estas formulagdes me le- vam a pensar sobre um certo “abuso” na elaboragao das formas nacionais que 0 mo- delo japonés assume. E como se 0 que ha de negative no modelo fosse criado aqui — produgao nacional — eo que ha de positive correspondesse a0 modelo genuino, feito no Japio. Como se li, também, nao houvesse exclusio, a exemplo das redes de sub- contratacao, que utilizam trabalho precario, temporario, na sua maioria constituido pela mao-de-obra feminina. Exponho estas duas preocupacdes muito no sentido de alertar para uma tendéncia que todos temos de, ao discutir 0 modelo japonés e sua adaptaco ao Brasil, tendo por objetivo fazer a critica 4 cultura empresarial dominante e as formas mais perversas de gesto © organizacao do trabalho no pais, acabarmos mistificando 0 modelo japonés. Isto nao significa — evidentemente — que esteja propondo uma andlise super- ficial e genérica, sem levar em conta as reais e profundas diferencas existentes entre 08 dois paises ¢ entre os dois “modelos”. Acredito que, quando se discute 0 modelo Japonés, centrado na dimenso da organizagao e gestio do trabalho, corre-se este risco. Principalmente porque a tendéncia mais usual é a de nao confrontar outras dimensdes do modelo japonés que, a meu ver, so fundamentais, como é 0 caso, por exemplo, da estabilidade de emprego existente nas grandes empresas — o emprego vitalicio ¢ os aumentos salariais por antigitidade —, que sao essenciais para estabelecer uma rela- io de confianga e parceria entre patrdes ¢ empregados, Embora hoje estejam sendo cada vez mais questionadas no Japio. Sio modalidades que sempre estiveram total- mente ausentes — enquanto praticas regulares — nos mais modernos setores da ati- vidade econémica em nosso pais. Assim como nao se tem discutido, por exemplo, algumas graves implicages do “toyotismo” sobre a satide e a vida dos trabalhadores, ‘como € 0 caso do crescente mimero de “karochi” — morte sibita no trabalho por es- gotamento fisico e/ou psicolégico, resultante de um processo intenso ¢ exaustivo de trabalho. Nesta linha de anilise, sao extremamente interessantes as conclusdes de Ruas et alii (1993), a partir de estudos de casos, demonstrando que, nas empresas em que se obteve o envolvimento dos trabalhadores, pela motivagio e valorizagao do seu traba- Iho, houve uma politica de beneficios, de prémios, ou seja, de compensagdes, onde se realizou uma certa troca entre patrdes e empregados. Ao mesmo tempo, a “precarie- dade” (subcontratagao, trabalho a domicilio, tempo parcial etc) foi utilizada como uma 46 ameaga. Assim, para os que se envolvem e cooperam, atraidos por alguns ganhos imediatos e por uma relativa estabilidade de emprego, as propostas de luta e resistén- cia dos sindicatos nao tém eco. E, apesar do envolvimento dos trabalhadores, com a implantagdo do JIT e do TQC, Ruas demonstra que 0 controle sobre a produgio ¢ 0 trabalho até aumenta, reafirmando, inclusive, as praticas tayloristas. Em terceiro e iltimo lugar, vale destacar a questo muito enfatizada por Silva ¢ Castro da democratizago das relagdes industriais nos anos 80 ¢ inicio dos anos 90. Particularmente, a instalagdo das cémaras setoriais, também apontado por Leite (1994), como uma alternativa de superagdo do autoritarismo das praticas empresariais ¢ do reconhecimento da representagio sindical como interlocutor legitimo do patronato, para a busca de saidas negociadas. A camara setorial de que mais se tem noticia, pela repercussio causada, ¢ a do setor automotivo — na qual ja foram realizados varios acordos, e em cuja pauta os sindicatos conseguiram incluir a negociagao sobre a reestruturagaio produtiva. No entanto, no ambito dos locais de trabalho, as praticas gerenciais mais recorrentes ain- da procuram limitar a organizagao e representagao na fabrica ¢ desrespeitar cléusulas acordadas acerca das mudangas na gestdo/organizagio do trabalho (caso da tercei- rizagdo, por exemplo). Além disso, verifica-se que a aplicagdo das praticas japonesas tem, como um dos objetivos centrais, a “incorporagao individual” do trabalhador, como forma de esvaziar as iniciativas de organizagio e agao coletivas. Desse modo, é importante registrar esta aparente contradigdo na forma autorit ria em que os programas participativos vém sendo aplicados, o que tem sido sistema- ticamente denunciado pelos sindicatos. Pois estes, ao mesmo tempo que pedem a coo- peracdo co envolvimento dos trabalhadores, negam-lhes a negociagao, de fato, sobre a introdugao de mudangas organizacionais ¢ na gestio do trabalho (Leite, 1994), Pode- se acrescentar ainda que, apesar de acordos firmados, como € 0 caso de Convengées Coletivas de Trabalho do Sindicato dos Metalirgicos do ABC, onde se estabeleceu a proibigdo de terccirizagaio (mio-de-obra temporaria) nas dreas da produgdo, as em- presas vém descumprindo sistematicamente esta clausula E exatamente sob estas condigdes “nacionais” que se difunde o modelo japonés nos anos 90, centrado na crescente adogio de duas praticas de gestio: os programas de qualidade total ea terceirizagao. Suas implicagées, para os trabalhadores ¢ para o movimento sindical, tém sido extremamente desastrosas. Reestruturando e reduzindo drasticamente os coletivos de trabalho, colocam, na ordem do dia, uma discussio sobre a necessidade de criagdo de novas praticas sindicais e de ago coletiva que, para além da negociagdo — palavra-chave hoje para o movimento sindical brasileiro —, busque redefinir os referenciais para a reconstrugao de identidades sociais, assim como para uma atuagio politica propositiva que supere toda a forma de corporativismo fortemente presente no sindicalismo brasileiro, agora reforcado pelas praticas do modelo japo- nés, ¢ que tem sido uma das causas principais da crise dos sindicatos em nosso pai REFERENCIAS AGLIETTA, M. (1979). Regulacion y crisis del capitalismo: la experiencia de los stados Unidos, Madrid: Siglo XXI ed. 47 BORGES, A. & DRUCK, M.G. (1993). “Crise global, terceirizaco e exclustio no mun- do do trabalho”, Caderno CRH, Salvador, n° 19, pp. 22-43, jul /dez. BOYER, R. (1990). 4 teoria da regulagiio: uma anilise critica. Tradugao de Renée Barata Zicman. 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