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Dirvotor SIU Setar Sancnes eet Aunts Pulbarera CcamieeSo do Redacea0 Srionio nba Naver ftocrauta ‘loge Manse Cora. corer {Joab Casta Nebel. Prot da Fae, Oro do Core “Tae deat ca Fa Enema de Coma luis & Olvera Prometoowsocccpes anus Fstas Peru Corte coral de Cotas ——— FAdPrio Duarte: frat caas Ge ds Une Nez ce Usboa-adhoged> Edicdo do Instituto Superior de Gestao Janeito 2001 Fiscalidade Reduces Bra ata Dorado FOX Pec Gore yaa Gans tbo Fo Gite Cao Fan jr0 Feranco Case se 50 Frenosco Sousa Crag Ltn, Gado Ts Assocs (GireToxere FOLP Cue" aM eles. Sowsin eco BP ISG ‘pagum Shere Matos ba tescuin Soro | ines: SEG (Guan, Proonaioro.cxCoceo inne Reyer PaceuctareassCoopers ‘eee rates GC ‘me foresees nop cre ‘st Abeg& Mens: SS ‘esta Paha UCP Co ‘powers: Sc Aveo ‘Femaness:aorod \eiera Mai eoiepeco SS. ‘ara alge SUTEIOF Mors: acrxodo UC | erie 3 | Seton occ. ‘ie le ates SCA ‘radu | Feet ene Propiedade | Bei"Slemnerom specs cn rmsonra 112716-1769-05 Usboa ‘atfons 2 Tor 0088: Fax 2} PSD TB Exeougso Grifica © Distibuggo Cats aor Riad Arad: Agra 101 -s001-95 Corba ‘etone 2 as 2800 Fax 290052651 Giree ochenc:sadebrat coimeroedtoa.pt | Fale susie doen rego 1 ERE ands. 760800-NA kilo esau aramaes Eiegud as00b0 waa Brera Taehase Fess Comuntarss 1662580 Revista de Direito e Gestao Fiscal 5 José Xavier de Basto 0 Principio da Tributagio do Rendimento Re: a Lel Geral Tributéria 23 Paula Rosado Pereira ‘O Novo Regime dos Pregos de Transferé 49 Pedro Patricio Amorim Reerbolso de Emolumentos 55 Maria Adelaide Alves Dias Ramalho Cro Capital, Contas e a Protecgao de Terveros 83 J. L. Saldanha Sanches IVA: Controlo Fiscal e Direito ao Reemiboso 107 Noticias Inforfisco O PRINC{PIO DA TRIBUTACAO DO RENDIMENTO REAL E A LEI GERAL TRIBUTARIA JOSE XAVIER DE BASTO Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra [este artigo, o Autor analisa 0 aleance do principio consttucional da tributaglo do rendimento real no sistema tributério portugués, passando em revista os métodos de determinagio na ‘matéria coleetavel previstos na Lei Geral Tributiria e alguns desvios existentes no sistema em relagio a regra geral de tributagio do rendimento real. Posto que esteja exclufda uma ‘tributagio do rendimento normal, desligada de todo da verdade material, aquele principio nao impede o recurso a métodos indirectos de avaliagio, através de presungdes e indicios, nem a correegdes aos elementos declarados pelos contribuintes que fagam apelo a consideragies de rnormalidade. A conclusio vai no sentido de que, ressalvada uma excepgio, o sistema de determinagio da matéria colectivel vigente é conforme ao referido prineipio constitucional. ‘The scope of this paper is to analyse the relevance of the principle of taxation of effective income, established in the Portuguese Constitution. ‘The Author reviews the methods of tax assessment according to the General Tax Law (Lei Geral Tributdria) and evaluates some ‘deviations, inthe income tax law, from the general principle of taxation of effective income. ‘Although this principle precludes the imposition of “normal income”, without any link to real ‘and effective Income, it doesn’t forbid the taxation of presumptive income or considerations of normality for tax assessment purposes. The Author's conclusion is that, with one exception, the current Portuguese system of tax assessment respects the above mentioned constitutional principle. 1. principio constitucional da tributagiio do rendimento real consta do artigo 104°, n° 2, da Constituigo da Reptblica ¢ reza assim: “A tributagao das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendi- ‘mento real.” O simples teor literal do preceito — que nao sofreu qualquer alteragéo nas suces- sivas revises constitucionais — faz destacar trés problemas de interpretagao. primeiro problema consiste em saber qual 0 alcance subjective do prinefpio no sistema fiscal portugués, ou seja, que deve entender-se por “tributaglo das empre~ sas”. O que est entio em causa € determinar a que rendimentos se aplica o princi- 6 José Xavier de Basto © Principio da pio: rendimentos individuais societérios — isto & de pessoas singulares e de pessoas colectivas — ou s6 destas tiltimas? No caso de se entender que também abrange os rendimentos de pessoas singulares, ha que apurar se se aplica s6 a rendimentos comer- ciais ¢ industriais ¢ agricolas (antigas categorias C e D do IRS) ou também se aplica aos rendimento do trabalho independente (antiga categoria B). segundo problema é o de determinar o alcance do “moderador de sentido” que € 0 advérbio “fundamentalmente”, A expressio adoptada quer implicar, por certo, que pode haver entorses ao prinefpio da tributagdo do rendimento real, desde que nao atinjam 0 fundamental, nfo impliquem pois a substituigdo do princfpio pelo seu con- tratio. terceiro problema é 0 do sentido exacto do prinefpio da tributagio do rendimento real: 0 que impde e 0 que impede tal principio em matéria de definigao e determina gto da matéria colectével, eis © que hé que esclarecer. 2, Néo parece suscitar diivida que a férmula “tributagdo das empresas” abrange tanto a tributagio das empresas individuais como a das empresas societérias (e outras pessoas colectivas que exercam actividade econdmica). © prinefpio, pois, nfo se aplica apenas s sociedades, ou seja, ndo vale apenas para o IRC. Aplica-se também a pessoas singulares, em sede de IRS. Se a intengio legislativa fosse a de restringir © alcance do princfpio da tributagao do rendimento real &s empresas societarias, a expressio a utilizar seria entio “tributagdo das sociedades” e nio tributagtio das empresas ("). Nao faria sentido, por outro lado, a restrigdo do principio as empresas societérias, com exclusio das empresas individuais, por elementares razdes de neutralidade da ibutacdo. Os regimes tributérios no deve depender das formas juridicas de orga- nizagio dos negécios, pelo que a interpretagio natural do preceito conduz. a conside- rar que ele quer abranger todo o universo das unidades de produgdo, independentemente da forma jurfdica escolhida, Até aqui tudo facil. De igualmente clara solugo ¢ 0 problema de saber que deve entender-se por ‘empresa, ou seja, 0 que sto as empresas individuais abrangidas pelo principio. Esta- ‘ro também abrangidos os rendimentos dos profissionais independentes, caso em que © principio rege a determinagdo da matéria colectével do IRC e do IRS, relativa- mente &s antigas categorias B, C ¢ D de rendimentos, definidas no artigo 1.° do () Por entendermos que tributagio das empresas ni se confunde com tributagio das sociedades, nfo podemos concordar com o nosso sauloso Mestre Teixeira Ribeiro quando fundamentow no n° 2 do artigo 105. da Constituigdo a existéncia de um imposto sobre as sociedades no modelo constitucional do sistema fiscal. Julgamos que este disposigo quer apenas impor o prinefpio da tibutago do rendimento real no tratamento fiscal dos rendirmentos empresriis, mas nao impse a existéncia de um imposto sobre 88 sociedaces, como, por exemplo, impunha, antes da mais recente revisio consttucional, que exisisse tum imposto sobre as sucessDes e doagdes,referido expressamente, pelo nome préprio, no entio n 4 do artigo 1072 calidad § Cédigo do 0 agricolas, ca em IRC, s6 Pronunci a abranger o: Na ver: principio gere ‘campo de ap tido lato, ou se apuram, p a subtracgio E nestes rene oposigo a0 1 tributagdo, qt des e nfo dis exploracgo, a generalidade Ora, par natureza prt turno, no qu prineipios vig tes serio até tes em nome xeira Ribeire elementos de vidade produ sas e produte e industrial e ou estidio di a pequena lo Ecerto« fissionais ind goria B—« que constitu Nestas ¢ dimentos em minagao dest base na cont: derado em 5 patrimonial, vidade, a que Xos © 05 cus produtora, co José Xavier de Basto 0 Principio da Triburago do Rendimento Real ¢ a Lei Geral Tributéria 1 ingulares de pessoas te também abrange os arendimentos comer- ou também se aplica soderador de sentido” ser implicar, por certo, to real, desde que no rinefpio pelo seu con- butagio do rendimento Jefinigo © determina- Jas empresas” abrange as societarias (e outras rincipio, pois, nfo se C. Aplica-se também a fosse a de restringir empresas societérias, € ndo tributagao das s empresas socictarias, es de neutralidade da mas juridicas de orga- sito conduz @ conside- o, independentemente deve entender-se por ‘pelo principio. Esta- endentes, caso em que Ce do IRS, relativa- lidas no artigo 1.° do 1 wibutagio das sociedades, » fundamentou no n° 2 do '© modelo constitucional do la tributagio do rendimento facia de um imposto sobre ‘onstitucional, que existisse proprio, no entdo n.* 4 do Cédigo do IRS (CIRS)? Ou ele refere-se s6 a empresas comerciais, industriais ¢ agricolas, caso em que, além dos rendimentos das pessoas colectivas, tributados em IRC, 86 esto em causa os rendimentos das antigas categorias Ce D do IRS? Pronuncio-me por uma interpretacio ampla do conceito de “empresas”, por forma a abranger os rendimentos dos profissionais independentes Na verdade, principio da tributago do rendimento real, embora constituindo um principio geral de definigo e determinagio do rendimento sujeito a imposto, tem 0 seu campo de aplicacdo privilegiado no dominio dos rendimentos das empresas em sen- tido lato, ou seja, aqueles que s4o constituidos por um resultado de exploragio, que se apuram, pois, numa conta de exploragio € que so afinal 0 residuo deixado apés ‘a subtracgio @ proveitos ou ganhos de custos ou perdas incorridos na actividade. E nestes rendimentos, com efeito, que o problema de tributar 0 rendimento real, por oposigéo ao rendimento normal, se pde com particular acuidade, jé que 0 objecto da tributagao, que tem de ser o rendimento liquido, nfo é determinado sem ambiguida- des e nao dispensa um complexo processo de determinagao desse resfduo da conta de exploragio, ao invés do que sucede com os rendimentos do trabalho dependente ou da generalidade dos rendimentos da propriedade e de capitais. Ora, para este efeito, julgamos que os rendimentos do trabalho independente tém natureza préxima dos rendimentos comerciais, industriais e agricolas, que, por seu tumo, no que respeita & determinagio da maiéria colectével seguem, entre nés, os principios vigentes para as pessoas colectivas. Alguns dos profissionais independen- tes sero até empresas no sentido econémico do termo, enquanto alguns comercian- tes em nome individual o nfo serfo. Se por empresa entendermos, como ensinava Tei- xeira Ribeiro, a unidade de produgio organizada por quem n&o € dono de todos os elementos de produgo — por oposigo a produtor auténomo que leva a cabo uma acti- vidade produtiva sem recorrer a meios de produgdo alheios — entio existirdo empre- sas e produtores auténomos tanto nas profissdes livres, como na actividade comercial ¢ industrial e agricola exercidas em nome individual. O grande esctitério de advogado ou estiidio de arquitecto &, em sentido econdmico, empresa, e porventura no 0 seré a pequena loja comercial ou oficina de reparagGes. E certo que, no sistema do IRS anterior & recente reforma, os rendimentos dos pro- fissionais independentes eram tratados em categoria de rendimentos aut6noma — cate- goria B — da das actividades industriais e comerciais ¢ das actividades agrfcolas, que constitufam, por sua vez, respectivamente, as categorias C ¢ D. Nestas duas tltimas categorias, era patente um tratamento fiscal pr6prio dos ren- dimentos empresariais. O rendimento tributével era o rendimento Ifquido e a deter- ‘minagio deste seguia os principios aplicéveis em sede de IRC, ou seja, apurava-se com base na contabilidade do sujeito passivo. O rendimento Ifquido da actividade, consi- derado em sentido lato, de acordo com o conceito de rendimento como acréscimo patrimonial, ou seja 0 lucro tributdvel, apurava-se numa conta de exploragio da acti- Vidade, a que se imputavam todos os proveitos derivados da actividade ou com ela cone- os € 0S custos indispensaveis para a sua obtengdo ¢ para a manuteng8o da fonte produtora, com as correctes previstas na lei (cfr. artigos 17, n.° 1, 20° € 23:° do Cédigo 8 José Xavier de Basto 0 Principio das do IRC). £ assim que a categoria C bem como a categoria D constitufam categorias dominantes, que integravam também tendimentos que, quando desligados de actividades industria, comerciais ou agricola, constitufam, pela sua natureza, rendimentos de outras categorias, Sucedia isto com as mais-valias realizadas em bens do activo imobilizado afectos aquelas actividades, como com os rendimentos prediais € os rendimentos de capitais a elas imputaveis (cht. artigo 20, n.° 1, do Cédigo do IRC, antes da reforma fiscal de 2000). Esse cardcter dominante reflectia uma concepgio em que os rendi- mentos de pessoas singulares exercendo as referidas actividades sio olhados como ren- dimentos de empresas individuais, de unidades de produgdo que retinem activos e os destinam ou afectam, de modo duradouro, a0 exercicio de actividades industriais, comerciais ou agricolas. Como bem se sabe, a mesma solugdo nao valia, no sistema de IRS que acaba de ser reformado, para os rendimentos da categoria B — os rendimentos dos profissio- nais independentes. Aj, com efeito, no se concebia o rendimento como provindo, todo ele, de wma uni- dade produtiva auténoma e cujos activos se separam do patriménio do titular. Por ‘sso, as mais-valias de bens afectos a actividade de profissionais independentes niio eram tratadas como rendimento da actividade, sendo tributadas em categoria & parte — a cate- goria G. A categoria B nio era pois uma categoria dominante, como as categorias Ce D. ‘Como bem se sabe, esta diferenca tinha marcadas consequéncias sobre o regime fiscal dos rendimentos respectivos, que nao interessa explorar aqui. Relembro s6 os diferentes limites & dedutibilidade de certos custos e, novamente em matérias de mais-valias, o seu diferente regime de englobamento (apenas por metade, no caso das mais-valias de bens afectos & actividade de profissionais independentes, perante 0 englobamento pleno das mais-valias dos bens do activo imobilizado das empresas individuais) ¢ ainda a relevancia do reinvestimento dos valores de realizagio para 0 tratamento fiscal das mais-valias em actividades comerciais, industriais ¢ agricolas, em contraste com a irrelevancia do reinvestimento no caso das mais-valias de bens afec- tos & actividade de profissionais independentes. Apesar destas marcadas diferencas de regime, sempre deveria entender-se que 0 prinefpio da tributagdo do rendimento real vale também para os rendimentos do tra- balho independente ¢ orienta pois a determinagio da matéria colectével de toda a actividade empresarial, em sentido lato. Nao faria sentido restringi-lo aos rendimen- tos formaimente qualificados como rendimentos empresariais, quando afinal, em subs- tncia, ndo existem marcadas diferengas entre eles. A tendéncia para a equiparaco do regime fiscal dos rendimentos de profissdes independentes ¢ dos rendimentos comerciais e industriais é hoje bem nftida na evo- lugo das legislagdes. No plano internacional, um tratamento semelhante para os dois tipos de rendimentos é geralmente adoptado nas convengées de dupla tributagio internacional, onde lucros ¢ rendimentos de profissionais independentes s6 podem ser tributados no Estado da fonte quando af exista um estabelecimento estével, no caso dos lucros, ou uma instalagdo fixa, no caso do profissional independente, a que 0 renk ‘mento possa imputar-s. calidad § E foi nes rida Reforma categoria, abr assim as refer nada “rendim: mentos da act, ridos no exerc © os rendimer Jar originério Coneluirr butagdo do re! sentido lato, i 3. Passe afinal em sat Os impo: imento real 1 conceit com 0 conceit A opcio do rendiment dade constituc séeulo XX, ec Mesmo a sistem os dois dard a determ pio estabeleci 4, Tribu auferida pelo de forma efec e devidamente ser determinai nar a verdade estamos dentr de confianga ¢ rao, os seus ©) Para tn andes, A Reform O) Vejase VIL Jomadss de José Xavior de Basto 0 Principio da Tributagao do Rendimento Real ¢ a Lei Geral Tributéria 9 onstituiam categorias ligados de actividades rendimentos de outras 4o activo imobilizado © 05 rendimentos de RC, antes da reforma lo em que os rendi- 40 olhados como ren- reGinem activos e os lividades industriais, de IRS que acaba de ‘nentos dos profissio- too ele, de uma uni- rénio do titular. Por dependentes no eram oria & parte — a cate- as categorias Ce D. ‘ncias sobre 0 regime gui. Relembro 56 0s ente em matérias de por metade, no caso ependentes, perante 0 ilizado das empresas de realizacao para 0 striais e agricolas, em svalias de bens afec- sia entender-se que 0 srendimentos do ta- colectivel de toda a ingi-to aos rendimen- ando afinal, em subs- mentos de profissées e bem nitida na evo- > semelhante para os 's de dupla tributagio ndentes 86 podem ser o estdvel, no caso dos dente, a que 0 rend E foi nesse sentido de uniformizagio do regime fiscal que se orientou a jé refe- rida Reforma Fiscal de 2000, procedendo & fusfo das categorias B, Ce D numa nica categoria, abrangendo todos os rendimentos de actividades empresatiais, eliminando assim as referidas diferengas de regime. A nova categoria B de rendimentos, desig- nada “rendimentos empresatiais ¢ profissionais” passou a abranger nlo s6 0s rendi- ‘mentos da actividade comercial, industrial e agricola, mas ainda os rendimentos aufe- ridos no exercicio, por conta prépria, de qualquer actividade de prestagao de servicos € 0s rendimentos da propriedade intelectual e industrial, quando auferidos pelo titu- lar origindrio @). Concluimos assim que no hé razGes para limitar 0 aleance do principio da tri- bbutagiio do rendimento real e que ele deve valer para os rendimentos empresatiais em sentido lato, incluindo os dos profissionais livres. 3. Passemos agora aos dois outros problemas que atrés referi e que se resumem afinal em saber qual 0 contetido daquele principio da Constituigio da Repiblica Os impostos sobre aquelas actividades incidem fundamentalmente sobre 0 ren- dimento real delas — que quer isto dizer? conceito de tributagao do rendimento real s6 se alcanga bem quando confrontado com 0 conceito e o principio que Ihe € oposto, o da tributagao do rendimento normal. A opedo entre os dois sistemas ou princfpios € querela do passado. A tributagdo do rendimento real que os constituintes de 76 arvoraram em principio com digni- dade constitucional parece ser uma conquista definitiva da economia empresarial do século XX, como bem observou Saldanha Sanches @). ‘Mesmo assim, vale a pena relembrar, tio-s6 nas suas linhas gerais, em que con- sistem os dois principios e quais as suas diferentes filosofias de base. Isso nos aju- ard 2 determinar, com mais rigor, assim o espero, o alcance e os limites do princ!- pio estabelecido no n.° 2 do artigo 104.° da Constituiga0. 4. Tributar o rendimento real significa atingir a matéria colectavel realmente auferida pelo sujeito passivo. Todavia, o rendimento real tanto pode ser determinado de forma efectiva — declaracao do contribuinte, baseada em registos contabilisticos € devidamente controlada para assegurar a sti aproximagao & verdade — como pode ser determinado de forma presumida, quando seja de todo inadequado para determi- nar a verdade 0 material fornecido pelo contribuinte. ‘Tanto num caso como noutro, estamos dentro do princfpio da tributago do rendimento real. O que varia é 0 grau de confianga que merecem os elementos fornecidos pelo contribuinte — a sua decla- ago, 0s seus tegistos contabilisticos ©) Para uma fundamentagio da fuso das categorias, ef. Joaquim Pina Moura; Ricardo Sé Fer- andes, A Reforma Fiscal Inadidvel, Forum Celta, Oeiras, 000, p. 13-16. ©) Veja-se J. L. Saldana Sanches, Sistema e Reforma Fiscal, Que evolugo? Comunicaglo 8 ‘VII Fomades de Contabilidade, publieado em Fisco, n* 82-83, p. 108. lcaldade § 10 José Xavier de Basto Diferente & a opcao pela tributago do rendimento normal. O objectivo af ndo tributar 0 rendimento efectivamente percebido pelo contribuinte — € antes tributar 0 rendimento que podia ter obtido, em condigdes normais de exploragio, independen- temente, pois, das condigées concretas em que desenvolveu a sua actividade. Neste fema, nao tem relevo o tendimento que foi efectivamente obtido, ou as condigées concretas do perfodo, de carfcter mais ou menos excepcional. O que conta ¢ 0 ren- dimento normal, que nao é visto como uma aproximago, mesmo que grosseira, a0 ren- dimento de facto percebido, mas como uma varidvel auténoma, O que se pretende tri- butar é 0 rendimento atributvel a condigGes de normalidade no funcionamento geral da economia e da unidade de produgio em questio. No dizer de Oliveira Salazar, 0 Estado busca um imposto no um lucro, pelo que as condigées concretas da explo- ragdio, as suas vicissitudes, os seus altos © baixos vio desprezados. Quando se defendia a opedo pela tributagio do rendimento normal, acreditava-se aque uma tributacio pelo rendimento normal constitufa uma oped justa, eficiente e sim- piles, Justa, porque os erros que se cometeriam na busca da determinagio do rendi mento efectivo seriam de tal monta e introduziriam tal incerteza que uma tributagio certa e previstvel, como € a do lucro normal, acabatia por se apresentar como alter- nativa superior. Eficiente, porque a imposi¢ao do lucto normal constitui um esti- mulo & produtividade da empresa, que teria interesse em aproximar 0 mais possivel 6 seu rendimento do rendimento normal, j4 que sabe que € de acordo com este diltimo que seré tributada. Simples, porque nao é preciso controlar a veracidade de dados con- tabilisticos, de verificagao incerta e poiémica, poupando em trabalho administrativo € contenciosos. (Ora esta crenga nas vantagens da tributagdo do rendimento normal € coisa do pas- sado. Nos planos da equidade ¢ da eficiéncia ndo corresponde minimamente aos padres exigiveis de uma fiscalidade moderna. O Doutor Teixeira Ribeiro, 0 sau- doso Mestre de todos os que nos ocupamos destas questées, demonstrou-o de forma definitiva (4). Os inconvenientes da tributag2o do rendimento normal sfo sintetizados assim — no seu inconfundivel estilo — pelo Doutor Teixeira Ribeiro: € arbitréria, obsta & personalizagio do sistema, abstrai da conjuntura. Como inica vantagem, milita a seu favor a simplicidade, j4 que 0 alegado argumento do incentivo & produgtio — teo- rizado, entre outros, por Einaudi e expressamente invocado pelo relatério do Decreto n° 16731 (0 texto normativo base da reforma fiscal de 1929, da autoria de Oliveira Salazar) — foi rebatido, em termos definitivos, pelo nosso Mestre, ao chamar a aten- Gio para 0 contraponto do aumento do risco que a tributacao do rendimento normal representa para as empresas, levando muitas a desistir de “melhorias e ampliagées”. tema foi tratado pela primeira vez. por Teixeira Ribeiro em 1957 (5) e depois reto- (0) Cli Teixeira Ribeiro, "A Reforma Fiscal” (Orapio de sapincia proferida na abertura solene da Universidade em 20 de Outubro de 1965), em A Reforma Fiscal, Coimbra, 1989. (©) “Industralizagio e politica fiscal” (Revista do Centro de Estudos Econdmicos, n° 18, 1957). Picadade 5 0 Principio da mado, em 19 mente na citi tituindo a tid a0 aumento ¢ Jamento sobr 5. Foi constituintes, A Const dimentos em do sujeito pa do da matér do prinefpio ‘A Const forma indire: umn rendimer rendimento mentos objec demais supo: E este 1 rendimentos real © cair ¢ desde que a: apelo a reali lidade, 0 Tribu dispositive ¢ mente obtide 6. Qua vigente actu. Rege, nm mentos de At sisten determinacax ‘mente contre (9) Ligoe ©) Acére © Sobre Cardoso da Cos do Tribunal Co, volume If, Coir José Xavier de Basto 0 odjectivo af nao é —é antes tributar 0 slorago, independen- nua actividade, Neste ido, ou as condigdes, O que conta é 0 ren- que grosseira, ao ren- O que se pretende tri- “funcionamento geral de Oliveira Salazar, 0 ss concretas da explo- ths... normal, acreditava-se justa, eficiente © sim- terminagao do rendi ‘a que uma tributacao ipresentar como alter- aal constitu um esti- dimar © mais posstvel sordo com este tiltimo ‘acidade de dados con- balho administrativo e aormal € coisa do pas- de minimamente aos ixeira Ribeiro, 0 sau- emonstrou-o de forma fo sintetizados assim x: 6 arbitraria, obsta & va vantagem, milita a \vo a produgio — teo- orelatério do Decreto éa autoria de Oliveira itre, ao chamar a aten- do rendimento normal Ihorias e ampliag&es". 1957 (5) e depois reto- ferda na abertura solene da to, Econdmicos, n® 18, 1957). 0 Principio da Tributagdo do Rendlimento Real ¢ a Lei Geral Tributdria u ‘mado, em. 1965, em Orago de Sapiéneia, na abertura solene da Universidade. final- ‘mente na tltima edigao das Licdes de Finangas Paiblicas (®), onde conclui que, cons- tituindo a tributagio do rendimento normal, ao mesmo tempo, “um incentivo ¢ um freio” a0 aumento da capacidade produtiva, o mais provavel é que os efeitos de desencora- jamento sobrelevem os de incentivo”. 5. Foi este avango da ciéneia fiscal, que j4 vinha portanto de longe, que os constituintes de 76 quiseram consagrar como principio constitucional ‘A Constituigdo proibe, pois, que a determinagio da matéria colectével, nos ren- dimentos empresariais assente no rendimento normal, desligado da realidade conereta do sujeito passivo. Se a lei ordindria impuser como método principal de determina- lo da matéria colectivel o apuramento de um rendimento normal, haverd pois ofensa do principio estabelecido no artigo 104.9, n.* 2, da Constituigao. ‘A Constituigao no profbe, porém, que 0 rendimento real seje determinado por forma indirecta, quer dizer, que se apure um rendimento real presumido, em vez de um rendimento real efectivo. Tanto um como outro, como dissemos atrés, so ainda rendimento real, apenas se diferenciando pela intensidade do apelo que fazem a ele- mentos objectivos ou objectivados pela declaracdo e registos dos sujeitos passivos e demais suportes dispontveis. E este um ponto que, por vezes, é mal entendido, julgando-se que tributar rendimentos presumidos implica sempre afaster-nos da tributagao do rendimento real e cair automaticamente na tributacdo do rendimento normal. Nao € assim, desde que as presungdes ou indicios ndo deixem, como adiante veremos, de fazer apelo & realidade concreta do sujeito passivo e passem a ser indicadores de norma- lidade. O Tribunal Constitucional, num acérdao de 1992 (7), considerou nao violar 0 ispositivo constitucional em causa a tributago com base em “Iucros presumivel- mente obtidos” (6). 6. Qual € 0 regime juridico da determinago ou avaliagio da matéria colectével vigente actualmente entre n6s? Rege, nesta matéria, a Lei Geral Tributéria (GT), cujo Capitulo V— Procedi- ‘mentos de Avaliagdo contém as regeas para a avaliacio da matéria tributdvel. sistema actualmente vigente em Portugal pode sintetizar-se como sendo o da determinag2o da matéria colectivel através da declarago do contribuinte, devida- mente controlada pela administracao. () Ligaes de Financas Piblicas, $+ edigao, Coimbra Editora, 1995, p. 306-309. () Acérdto 26/92, publicado em Acérdaos do Tribunal Consttuctonal, 21.° volume. (Sobre o sentido da jurisprudéncia do Tribunal Constitucional nesta matéria, ver José Manuel Cardoso da Costa, "O enquadramento constitueional do direito dos impostos em Portugal, na jurisprudéacia do Tribunal Consttucional”, em Perspectivas consttucionais. Nos vine anos da Constitwigdo de 1976, volume Il, Coimbra Edivora, 1997, p. 425 e nota 19, icatdade § 2 José Xavier de Basio 0 Principio da: Na verdade, a LGT distingue duas formas de avaliagio da matéria tributével: a avaliaglo directa e a avaliago indirecta. A avaliagao directa constitui 0 regime-regra de avaliaglo, ¢ 0s seus critérios variam de tributo para tributo, sendo a avaliago indirecta excepcional. A administragio 86 pode a ela recorrer nos casos previstos na lei. E o que resulta do artigo 81.", n? 1, da LGT. Ora, a avaliagdo directa, segundo o artigo 83.°, n.° 1, da mesma lei, visa “a deter minag2o do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributacao". Tributagio do rendimento real, pois, eis a que conduz a avaliagio directa que é a regra no nosso direito fiscal. O procedimento de avaliagao varia de tributo para tributo e existem, na disciplina da determinagao da matéria tributével de alguns deles, desvios & estrita tributagéo do rendimento real, introduzindo consideragdes de normalidade nessa disciplina. ‘Algum desses desvios & tributago do rendimento real merece censura? Algum deles significa que o legislador ordindrio incumpriu 0 mandato constitucional que 0 manda tributar, fundamentalmente, o rendimento real? A minha resposta é em prinefpio, negativa, Nao vou tentar fazer um elenco exaustivo destes desvios no censurdveis, cober- tos afinal pelo moderador de sentido que ¢ 0 advérbio “fundamentalmente”. ‘Tenta- rei, sem pretensdes de ser exaustivo, chamar a aten¢Zo para os que juulgo mais cons- pfcuos. 7. A tributagao do rendimento real € compativel, a meu ver, com alguma “nor ‘malizagZo” do apuramento da matéria colectével. Na verdade, posto que assentando, em regra geral, na declaragio e registos dos contribuintes, 0 rendimento real que se visa a apurar é um rendimento real “norma- lizado”, como tem, desde ha muito, chamado a atengao Rogério Fernandes Ferreira (°). No IRC, partindo do lucro tributével apurado na contabilidade, opera-se um con- junto de correcgées fiscais que conduzem a que o lucro tributével divirja do Iucto con- tabilistico. Algumas dessas correcgdes representam, sem dtivida, afastamento da rea- lidade econémico-financeira concreta dos contribuintes, Trata-se de normalizagées destinadas a uniformizar os procedimentos de apuramento e a prevenir evasbes, sobre- tudo se se atender ao cardcter sempre ambiguo de toda a determinagao periddica do rendimento empresarial. Os regimes das provisdes (artigo 33.° do Cédigo do IRC) e das amortizagbes (artigos 27.° e seguintes do mesmo Cédigo) constituem bons exemplos dessas nor- malizagdes. Quando a lei estabelece 0 elenco fechado das provisdes que sto admiti- das para efeitos fiscais, isto €, que se admite possam valer como custos ou perdas, esti ou pode estar a afastar-se da realidade. A empresa em concreto, por motivos de ges- 0) Nejam-se as titimas reflextes do Autor sobre a problemtica da tributago do luero em Ges- 140, Contabilidade e Fiscatidade, 1 volume, 2. edge, Editorial Novcias, Lisboa. Fala 5 to e de pruck cos ni cobet as amortizagé ‘metros fixados na realidade, ¢ a0 desgaste € Tanto nut de se abrir ap apurado a car pra o desider: talmente sobs O mesme cem outras oc ‘Tome-se rizada a fazer de transferén bom rigor, ext ticados entre a realidade, é © condigoes f em condigées tituir valores ¢ tes at arm's l quis utilizer. © mesmi artigo 57.°-C De novo em relagio & real e certame cével apenas gio visa a nd 05 financeiro: do valor da ¢ causa). Estar cios sobre ar Ainda do que considera (8) Acom tuada se 0 sujete damento © em cc smite, pois, & adh José Xavier de Basto matéria tributavel: a + @ 0s seus critérios mal. A administragéio ssulta do artigo 81.°, sma lei, visa “a deter- gio”, Tributagao do regra no nosso direito axistem, na disciplina Lestrita tributagao do ssa disciplina, censura? Algum deles acional que 0 manda asta é, em principio, fo censuraveis, cober- ventalmente”. Tenta- que julgo mais cons- x, com alguma “nor- arago e registos dos dimento real “norma- Femandes Ferreira (°). ide, opera-se um con- I divirja do Iucro con- 1, afastamento da rea- -se de normalizacées evenir evasbes, sobre- minagao periédica do ) e das amortizagdes exemplos dessas nor- ‘isGes que so admiti- cstos ou perdas, esta ., por motivos de ges- do lero em Ges- 0 Principio da Triburagao do Rendimento Real e a Lei Geral Tributdria B tdo e de prudéncia, poderia e deveria quigé ter feito outras provisdes para outros ri cos no cobertos pela norma fiscal. Do mesmo modo, a lei regula minuciosamente as amortizagées, 86 as admitindo como valendo por custos ou perdas dentro dos para ‘metros fixados. Taxas méximas ¢ taxas minimas sfo estabelecidas, quando & certo que, na tealidade, quotas de amortizagdo diferentes dessas se podem bem justificar atendendo a0 desgaste efectivo sofrido pelos equipamentos. ‘Tanto num caso como noutro, todavia, a diversidade das situagies obriga, sob pena de se abrir a porta a evasdo, a uma normalizaglo, que, todavia, no retira a0 rendimento apurado a caracteristica de rendimento real. A normalizagdo niio impede que se cum- pra o desiderato constitucional de que a tributagdo das empresas se faga fundamen- talmente sobre 0 seu rendimento real. © mesmo juizo de compatibilidade com a tributagio do rendimento real me mere- cem outras correcgGes, onde o apelo A normalidade ainda é porventura mais nitido, ‘Tome-se a correcefio da matéria colectavel que a administragao fiscal esta auto- tizada a fazer, de acordo com o artigo 57.° do CIRC, no caso dos chamados precos de transferéncia. Quando utiliza essa faculdade, a administragao fiscal nfo poe, em ‘bom rigor, em causa que tais pregos e condigdes nao tenham sido efectivamente pra- ticados entre as sociedades ligadas por relagdes especiais. O que af se discute nao é a realidade, é a normalidade do comportamento. O que af se discute € se tais pregos € condigdes foram os que seriam adoptados em condigdes normais de concorréncia, em condigies em que aquelas relagdes especiais nao existissem. Quer-se pois subs- tituir valores que bem poderdo ter sido os valores reais por valores normais, por valo- res at arm's length, valores que estavam af ao alcance da empresa, mas que ela ndo duis utilizar. © mesmo sucede ainda na correcgio em caso de subcapitalizagao, prevista no artigo 57.-C do CIRC. De novo, no se discute af se a sociedade se endividou ou nfo efectivamente em relacdo & sua sociedade-mae ou dominante. O endividamento bem pode ter sido real e certamente 0 seré. Apenas surge como excessivo, como anormal, como expli- cdvel apenas pelas particulares relagdes existentes entre essas sociedades. A correc- ‘edo visa a no aceitar esse endividamento excessivo, limitando os custos aos encar- 0s financeiros julgados normais (que a lei define como nao devendo ultrapassar 0 dobro do valor da correspondente participagiio no capital proprio do sujeito passivo em causa), Estamos de novo a aplicar jufzos de normalidade e nao presungbes ou indi cios sobre a realidade concreta da empresa ('°) ‘Ainda do mesmo tipo € a cotrecedo constante do artigo 57.°-A, sempre do CIRC, ‘que considera niio dedutfveis as importincias pagas ou devidas, a qualquer titulo, a pes- (9) A correocto & determinagdo da matéria colectavel prevsta neste artigo, todavia, nko serd efee- luada s© 0 sujeito passivo conseguir provar que afinal poderia ter conseguido o mesmo nivel de endivi-

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