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0 as aldeias de sendo, a canoa, do sul para 0 ter informacoes pocas passadas, ses importados ou ainda se 0s Nao hé divida, am manufaturar U1) e a magia a nente nesse dis- | nfo s6 0 uso, tuidos em favor 18 regives. CAPITULO VI Langamento de uma canoa e ceriménia de visita cerimonial Economia tribal nas ilhas Trobriand Pintada e ormamentada, # canoa esté agora pronta para o seu lancamento Saf {motive de orgulho para os seus proprietérios © construtores e objeto de Admiragio por parte dos demais espectadores. Uma nova embarcagdo nap cons, Gurus; gue std ligado a0 futuro, ao destino dos navegadores e do qual eles itas depender. Nao pode haver divida de que essa emogto é também sentida pelo thdos gn wéiae oberva su deeepsin e mosEA Dir Monin de ingemento no < una snl fonaina age mate da ee iran shia pope tn combate: spear | Gonunidnde eqns. Guan a care ajay ane Proce un ceiKesna ou Omarkan Olen Sta eg neat A exibigao piiblica ¢ festiva de uma canoa recém-construida, totalmente par om tna now eben, ma mn seem a enfin alguns dees de mod's podgeas Sates Se mes a fixa-se logo uma data para coctarmonia de lancamento ¢ para a viagem inaugural: a festa tasasoria, coeme Aaueles aun Chamada. Avisam-se os chefes ¢ lideres de aldeia da. vizishanga AAdueles que possuem canoas © pertencem @ mesma comunidade do Kule tan obrigados a comparecer com suas canoas e participar de uma espécle de regata fealizada ‘na ocasido. Como uma canoa nova é sempre construida em conens com uma expedicio kula, e visto que as demais canoas da mesma comunidade * CF capitulo TL, segdes III © 1V, e algumas das sep8es seguintes no presente capitulo, 122 MALINOWSKI kula precisam ser reformadas ou substituidas, a regra € que no dia do tasasoria relinase na praia uma frota completa de canoas novas ou reformadas, todas resplandescentes em suas cores recém-pintadas e em sua decoragio de conchas de cauri e galhrardetes de pandano alvejado. © Jangamento em si é inaugurado com um_ritual do mwasila (magia do Kula) chamado Kaytalula wadola waga (“tingir de Vermélho @ boca da canoa”). Depois que os nativos retiram a esteira de folhas de coqueiro que a protege contra © sol, 0 foliwaga pronuncia um encantamento sobre um pouco de ocre vermelho, com ele tinge tanto a proa quanto a popa da canoa, Uma concha cauri especial, colocada na tébua de proa (tabuyo) é também tingida cm suas extremidades Depois disso, a canoa é lancada: os nativos da aldeia empurram-na para dentro da agua, arrastando-a sobre pedagos de pau que, colocados transversalmente, servem de deslizadores (veja fig. 30). Isso se dé em meio a, gritos ¢ ululacdes, como sempre acontece toda vez que alguma atividade precisa ser Tealizada de mmaneita festiva ou cerimonial — quando, por exemplo, um nativo traz 0s pro- dutos de sua lavoura e os oferece cerimonialmente a seu cunhado, ou quando um presente em inhame ou taro é colocado em frente da casa de um pescador por algum lavrador do interior, ou, ainda, quando se oferece o contrapresente em peies. Assim, a canoa é finalmente lancada, depois da longa série entrelacada de trabalhos e ceriménias, de esforgos técnicos ¢ rituais mégicos, Feito 0 langamento, realiza-se entio uma festa ou, mais precisamente, uma distribuigio de alimentos (sagali), que obedece a varios tipos de formalidades e fituais, Essa distribuicio de alimentos sempre se realize quando a canoa nao foi construida pelo proprio foliwaga e quando este, por conseguinte, precisa remu- nerar o construtor da canoa e os seus ajudantes. Realiza-se também sempre que a canoa de um grande chefe é lancada, tanto para celebrar © acontecimento, quanto para exibir sua riqueza e generosidade e alimentar as muitas pessoas con- vocadas para ajudar no trabalho de construcio. Terminado o sagali (distribuigio cerimonial de alimentos), geralmente no periodo da tarde, a canoa € aprestada, o mastro erguido, a vela colocada no lugar — e junto com todas as outras, a canoa nova parte para a vigem inaugural Nao se trata propriamente de uma corrida de competisao, no sentido estrito da palavra. A canoa do chefe, geralmente a melhor e mais répida’de todas, de qual- quer forma sempre ganha’a corrida, Caso nfo fosse a mais répida, as demais canoas provavelmente seriam mantidas na retaguarda. A viagem inaugural real- mente se faz a fim de exibir a nova canoa, lado a lado com as demais Para fornecer uma ilustragao concreta das cerimdnias relativas & construcio « langamento de uma canoa, 0 melhor ¢ descrever um acontecimento real. Vou, portanto, descrever 0 tasasoria que observei na praia de Kaulukuba, em fevereiro de 1916, quando se langou a nova canoa de Kasana’i, Oito canoas participaram da viagem inaugural, ou seja, todas as canoas de Kiriwina que constitui 0 que chamei de “comunidade kula”, 0 grupo social que realiza suas expediges do Kula fem conjunto e que possui os ‘mesmos limites dentro dos quais efetua a troca de objetos preciosos. (© grande acontecimento que motivou a construgio ¢ reforma das canoas foi uma expedicio planejada por To'uluwa e sua comunidade Kula. Eles tencio- navam ir para o leste, a Kitava, Iwa ou Gawa, ¢ talvez mesmo a Murua (iha de Woodlark), embora os nativos néo realizem 0 Kula com essa itha diretamente. Como sempre acontece em tais casos, meses antes da data de partida, fizeram-se planos © previsoes, contaram-se as estorias de viagens anteriores, os velhos reme- moraram suas préprias aventuras e repetiram 0 que Ihes havia sido contado pelos seus antepassados sobre a época em que o ferro era desconhecido e todos tinham no dia do tasasoria 1 reformadas, todas coragio de couchas mwasila (magia do a boca da canoa”) que a protege contra 0 de ocre vermelho, mcha cauri especial, suas extremidades, am-na para dentro os transversalmente, 1 gritos © ululacoes, isa ser Fealizada de nativo traz os pro- ado, ou quando um Je um pescador por ) contrapresente em je entrelacada de ; precisamente, uma 308 de formalidades wando a canoa ndo inte, precisa remu- também sempre que Ar © acontecimento, muitas pessoas con: tos), geralmente no a velt coloeada no 1 a vigem inaugural o, sentido esto da a'de todas, de qual- s répida, as demais gem inaugural real- s demais, lativas A construcio ecimento real. Vou, ukuba, em fevereiro canoas participaram que constitui o que expedigdes do Kula is efetua a troca de reforma das canoas e kula, Eles tencio- 10 a Murua (ilha de ca ilha diretamente. » partida, fizeram-se res, os velhos reme- | sido contado pelos cido e todos tinham ARGONAUTAS DO PACIFICO OCIDENTAL 123, de navegar para o leste a fim de obter a pedra verde extraida em Suloga, na ilha de Woodlark. E desse modo, como sempre acontece nas ocasides em que se dis- cutem futuros acontecimentos ao redor das fogueiras da aldeia, a imaginacio ultrapassou a todos os limites da probabilidade, e as esperangas e antecipagoes foram-se tornando cada vez maiores. No fim, estavam todos certos de que a expedigio velejaria pelo menos até 0 extremo oriental das ilhas Marshall Bennett (Gawa), ao passo que, da maneira como os fatos se sucederam, 0 grupo ndo passou além de Kitava. Para essa ocasiio, uma nova canoa teve de ser construfda em Kasana’i, ¢ isso foi feito pelo.préprio Tbena, chefe daquela_aldela, euja posicao social era ‘idéntica 4 do mais alto chee, (aliés, seu parente), mas de menores poderes. Ibena € perito na construcéo de canoas, faz bons trabalhos de entalhe, e nao ha moda lidades de magia que néo afirme conhecer. A canoa foi consirufda, sob a sua orientagéo; ele mesmo entalhou tébuas, executou a magia e, 6 claro, era o follwaga, Em Omarakana, a canoa teve de passar por uma pequena ieforma em 8 construgao; teve de ser novamente amarrada e pintada. Para isso, To'uluwa, o chefe, mandara vir um mestre-construtor e entalhador da ilha de Kitava, o mesmo gue alguns anos antes havia construido a canoa. Uma nova vela teve também de ser feita para a canoa de Omarakana, visto que a antiga era pequena demais, Por justica, a ceriménia tasasoria (langamento e regata) deveria ter sido realizada na praia de Kasana’i; porém, visto que sua aldeia irma, Omarakana, é muito ‘mais importante, a ceriménia acabou sendo realizada em Kaulukuba, a praia de Omarakana. Ao aproximar-se o dia aprazado, 0 distrito inteiro estava em movimento com os preparativos, pois as aldeias da costa tiveram de colocar suas canoas em ordem, ¢ as comunidades do interior precisaram preparar alimentos ¢ confeecio- ‘nar roupas de festa. O alimento ndo era para ser comido, mas sim oferecido 20 chefe para o seu sagali (distribuicéo cerimonial). Apenas’ em Omarakana & que as mulheres tiveram de preparar comida para o grande banquete festivo a reali. zar-se no fim do tasasoria. Nas ilhas Trobriand, quando todas as mulheres vio & mata para buscar grande quantidade de lenha, € sinal de que uma grande festa para se realizar. Na manha seguinte, a lenha 6 utilizada para o kumkumuli, nento assado no forno subterraneo, que constituiu uma maneira de cozinhar propria de ocasides festivas. Na véspera da ceriménia tasasoria, os nativos de ‘Omarakana ¢ de Kasana’i estavam também ocupados em numerosos outros pre~ arativos, correndo entre a praia e a aldcia, enchendo cestas de inhame para o sagali, aprontando as roupas de festa e os ornamentos a serem usados na manhi seguinte. Roupa de festa significa, para as mulheres, uma nova saia de palha vivamente colorida, recém-tingida de vermelho, branco e pirpura; para os homens, uma nova folha pibica, imaculadamente branca, feita do talo alvejado das folhas da areca, De manh& cedo, no dia marcado, os alimentos foram acondicionados em cestas feitas de palha trangada, os trajes pessoais colocados em cima, tudo coberto, como sempre, com esteiras dobradas ¢ transportado para a praia. As mulheres carregavam sobre 2 cabeca grandes cestas em forma de sino invertido; os homens (ransportavam sobre os ombros varas com duas cestas em forma de saco em cada Ponta, Outros nativos levavam os remos, a cordoalha e as velas, pois todos esses objetos so sempre guardados na aldeia. De uma das aldeias, um dos grandes recepticulos prisméticos para alimento, feito de madeira, foi carregado por virios homens até 0 raybwag (recife de coral) a fim de ser oferecido ao chefe de Oma. rakana como contribuigdo a0 sagali. A aldeia inteira estava em movimento; nas suas imediagdes, por entre as drvores dos bosques circundantes, podiam-se en- 124 MALINOWSKT trever as comitivas vindas do interior dirigindo-se rapidamente & praia, Eu parti da aldeia com um grupo de pessoas importantes, aproximadamente As oito horas da maha. Depois de atravessarmos o pomar de palmeiras e arvores frutiferas que, ao redor da aldeia de Omarakana, € especialmente denso, caminhamos por entre as duas paredes verdes formadas pela vegetacio baixa, que definem as estra- das monétonas, tpicas das ilhas Trobriand. Em breve, chegando a clareira de um campo de cultivo, pudemos avistar, do outro lado de uma pequena escarpa, a encosta ingreme do raybwag, uma mistura de vegetagdo exuberante entremeada por afloramento de enormes rochedos de coral cinzento. A estrada atravessava tudo isso, seguindo um trajeto complicado, serpeando entre pequenos precipicios € altas rochas de coral, pasando sob imensas drvores de ficus que espalhavam fem seu redor uma verdadeira floresta de rafzes aéreas ¢ troncos secundarios. Ao mos o topo da elevacdo, avistamos subitamente o mar azul a brilhar em meio a folhagem, e ouvimos 0 estrondo das ondas a quebrar no recife, Em breve estavamos entre a multido de nativos reunidos na praia, préximos do enorme abrigo de barcos de Omarakana. As nove horas aproximadamente, todos estavam prontos. A praia estava totalmente exposta ao sol da manha, que ainda nao estava suficientemente alto para iluminar diretamente de cima e produzir o efeito cadavérico do meio-dia tropical, quando as sombras, em vez de acentuar detalhes, escurecem as super ficies verticais ¢ fazem com que tudo parega opaco e informe. A praia tinha uma aparéncia brilhante e colorida, onde 0 corpo marrom e gil dos nativos fazia um contraste bonito com a folhagem verde e a areia branca, Os nativos haviam tuntado © corpo com éleo de coco ¢ se enfeitado com flores e pintura facial Traziam, espetadas no cabelo, as flores grandes do hibisco vermelho, ¢ grinaldas feitas das flores brancas e perfumadas de butia coroavam as carapinhas negras. Via-se uma boa mostra de entalhe de ébano, espatulas e colheres para cal. Viam-se também potes decorados para cal; € ornamentos pessoais, tais como cintos de discos de conchas vermetas ou de pequenas conchas de cauri, enfeites de nariz (raramente usados hoje em dia) e outros abjetos, tio conhecidos de todos através das colegées etnolégicas existentes em museus e geralmente denominados “ceri- moniais”, muito embora, como jé dissemos (capitulo If, secao 111), 0 termo “obje~ tos de parada” forneca uma descri¢ao mais adequada do seu significado. Festejos populares como 0 que ora estamos descrevendo sio ocasides em que esses “objetos de parada”, alguns dos quais nos surpreendem por sua per- feicdo artistica, aparecem na vida nativa. Antes de ter oportunidade de ver a arte selvagem numa exibiggo real, no seu cenério natural ¢ vivo, sempre me pareceu existir uma certa incongruéncia entre o acabamento artistico desses fobjetos e a crueza geral da vida selvagem, crueza essa que se faz notar preci samente no campo da estética. Imaginamos corpos ensebados, sujos, nus, cabelos encarapinhados e piolhentos, e outros tragos realisticos que completam a nocao que se faz do “selvagem”; em alguns aspectos, a realidade confirma a imaginagio. Na verdade, porém, nfo existe incongruéncia nenhuma quando se observa a arte nativa tal qual é exibida em seu cenério natural. Numa multidao de nativos em festa, onde 0 marrom-dourado da pele lavada ¢ untada é realgado pelo brilho do vermelho, do branco ¢ do preto da pintura facial, onde as penas e os enfeites, ‘08 objetos de ébano maravilhosamente entalhados e polidos, os potes para cal decorados contribuem para imprimir uma elegincia propria e marcante, nenhum dos detalhes estéticos nos impressiona como grotesco ou incongruente. Ha uma 1 harmonia evidente entre a alegria festiva, a exibicao de cores ¢ formas © a ma- neira de ostentar os ornamentos. a praia, Eu parti te As oito horas frvores frutiferas caminhamos por definem as estra- ido a clareira de pequena escarpa, ante entremeada trada atravessava juenos precipicios $ que espalhavam s secundarios. Ao azul a brilhar em recife. Em breve ximos do enorme s. A praia estava ficientemente alto ‘rico do meio-dia surecem as super~ A praia tinha uma dos nativos fazia Ds nativos haviam , e pintura facial melho, ¢ grinaldas carapinhas negras. para cal. Viam-se is como cintos de , enfeites de nariz, 8 de todos através enominados “ceri 11), 0 termo “obje- nificado. ydem por sua per- wnidade de ver a fo, sempre me to artistico desses se faz notar preci- sujos, nus, cabelos ompletam a nocdo irma a imaginagao. » se observa a arte dio de nativos em algado pelo britho penas e os enfeites, ‘os potes para cal marcante, nenhum yngruente. Ha uma Ye formas © a ma- ARGONAUTAS DO PACIFICO OCIDENTAL nativos vindos de lugares distantes, € que estragariam a pintura com a longa caminhada, lavam-se e untam-se com éleo de coco pouco antes de che- garem ao local dos festejos. Em geral, a pintura mais elaborada & feita mais tarde, a0 aproximar-se 0 ponto culminante da festa. Nos festejos que estamos deserevendo, depois de terminadas as ceriménias preliminares (distribuicdo de ‘alimentos, chegada de outras canoas), ¢ quando as corridas estavam para come Gar, os aristocratas de Omarakana —- To'uluwa, suas esposas, filhos e parentes © para trés dos anteparos cosstruides perto do abrigo de barcos a fim de aplicar no rosto a pintura completa, de vermelho, branco ¢ preto, Esmagaram hozes freseas de bétel, misturaram-nas. com argila calcéria © as aplicaram no fosto, usando para sso 0s pequenos bastonetes dos pildes de bétel; a seguir, Usaram uma pequena porcao de sayaku -resina aromtica de cor preta) ¢ cal branea, Visto que 0 uso de espelhos ainda néo esta generalizado nas ilhas Tro- briand, ama pessoa pinta 0 rosto da outra, ambas demonstrando grande cuidado paciéncia. ‘A grande multiddo de nativos passou o dia quase sem comer — caracte- ristica que distingue nitidamente as festas de Kiriwina da nossa idéia de festa ow piquenigue. Nao. se cozinhou nenhum alimento; os nativos comeram apenas Figumas bananas ¢ cocos verdes ¢ tomaram agua de coco. Mas mesmo isso foi feito com grande frugalidade. Como sempre acontece em ocasides como essa, o$ nativos reuniram-se em grupos, formando os visitantes de cada aldeia um grupo a parte, Os nativos de Omarakana e Kurokawa, que utilizam normalmente a praia de Kaulukuba, per- naneceram junto aos abrigos de suas canoas. Os outros visitantes também se mantiveram em seus proprios grupos de acordo com sua distribuicéo territorial, de tal forma que os nativos vindos das aldeias do norte ficaram na faixa norte dda praia e os nativos vindos do sul, na faixa sul; assim, aldeias vizinhas encon- traram-se também lado a lado na praia. Nao havia qualquer mistura nos grupos 08 nativos néo passavam de um grupo para outro, Cada um permanecia em seus devidos lugares, 05 aristocratas juntos, por dignidade pessoal, os mais hu- mnildes, por causa da modéstia imposta pelo costume. ‘To'vluwa permancceu sentado praticamente durante toda a cerimOnia, numa plataforma construida para esse fim, 86 se levantando para ir até sua canoa e prepard-la para a corrida, O abrigo de canoas de Omarakana, 20 redor da qual estavam agrupados 0 chefe, sua familia e 0s demais habitantes da aldeia, era o centro de todas as atividades. Sob uma das palmeiras foi construida uma plataforma bastante alta especial para acomodar To'uluwa. Numa fileira em frente aos barracdes © abri- gos, estavam 08 receptéculos de alimentos (pwata'i), de forma prismatica. Esses ecepticulos tinham sido construidos pelos habitantes de Omarakana ¢ Kasana’ no dia anterior, e parcialmente enchidos com inhame, © restante foi comple tado pelos nativos das outras aldeias, no dia da festa. Ao chegarem & praia nesse dia, os natives de cada uma das aldeias, uns apés outros, traziam sua contribui- ga0 e, antes de se instalarem em seu lugar especifico na praia, faziam uma Visita ‘ao chefe ¢ Ihe ofereciam seus tributos, 0s quais entio eram colocados num dos pwata'i. Nem todas as aldeias contribuiram, mas a maioria 0 fez, muito embora algumas delas tenham trazido apenas algumas cestas. Uma das aldeias entretanto trouxe um pwata'i completo, cheio de inhame, e 0 ofereceu todo ao chete. Nesse {nterim chegaram as oito canoas, inclusive a de Kasana‘i, que fora lancada cerimonialmente naquela mesma manhé, com o ritual magico corres- pondente, em sua propria praia, a cerea de meia milha de distancia. A canoa de Omarakana também fora langada nessa manha (fig. 30), com o mesmo ritual. O ritual deveria ter sido executado pelo chefe, To'uluwa. Ele, no entanto, € inca~ 26 MALINOWSKI paz_de memorizar as {Srmulas magicas — na verdade, To'uluwa jamais executa quaisquer dos rituais mégicos impostos pela sua posigao social € condigho de chefe — ¢, portanto, nessa ocasido, o ritual teve de ser executado por um de seus parentes. Esse € um caso tipico de regras que, na formulagao de todos 0s informantes, tém de ser rigorosamente obedecidas, mas que, na prética, S80 fregiientemente adaptadas as circunstincias. Se perguntarmos ditetamente, todos iro dizer que esse ritual, assim como os demais rituais do mwasila (magia do Kula), tem de ser exccutado pelo toliwaga, Toda vez, porém, que ‘Touluwa precisava executi-lo, ele apresentava alguma excusa eo delegava a alguma outra Quando todas as canoas estavam presentes © os representantes de todas as aldeias importantes ja tinham chegado, realizou-se, por volta das onze horas da manha, 0 sagali (distribuicao cerimonial de alimentos). Os alimentos foram dis- Uribuidos entre os nativos das vérias aldeias, a maior parte aos que itiam parti ar da regata ¢ aqueles que haviam colaborado na construgio da nova anc Vemos, portanto, que © alimento fornecido pelas aldeias antes da realizag do sagali foi meramente redistribuido entre elas, depois de o chefe ter cont buido com uma considerdvel porcdo; esse é na verdade, 0 procedimento costu meiro nos sagali. Na presente ocasido, a maior parte coube obviamente aos h bitantes de Kitava, que haviam ajudado nos trabalhos de construgao da canoa Terminado o sagali, as canoas foram todas trazidas para um mesmo local, 0 nativos comecaram a prepari-las para a corrida. Colocaram-se os masttos, apararam-se as amarras, aprontaram-se as velas (veja fig. 31). Depois disso, todas aS canoas foram postas em movimento, reunindo-se a cerca de meia milha da praia, além da orla de recifes; dado 0 sinal por um dos natives, teve inicio a Fegata. Como ji dissemos antes, ndo se trata propriamente de uma corrida, na qual todas as canoas devessem 'sair escrupulosamente no mesmo instante, per. correr todas a mesma distancia, para no fim decidir-se qual € a mais veloz. Neste caso trata-se mais de uma exibi¢io simultanea das canoas, na qual cada uma delas procura causar a melhor impressio na qual todas comegam move mais ou menos ao mesmo. temp 1 pr ticamente a mesma distancia, Quanto ao hordrio dos acontecimentos, © sagali terminow antes do meio- dia. Houve um intervalo e, depois, por volta de uma hora da tarde, os nativa comecaram a aprestar suas canoas. A seguir, descansavam mais um pouco corrida $6 teve inicio depois das trés horas da tarde. As quatro horas, aproxima: damente, tudo estava terminado © uma meia hora depois as canoas das outras aldeias iniciaram sua viagem de volta. Os natives que haviam permanecido na Praia comecaram a dispersar-se, de modo que, ao por do sol, ou seja, as seis horas, aproximadamente, a praia jé estava quase totalmente deserta, Essa foi a ceriménia rasasoria a que assisti em fevereiro de 1916. Como espetdculo, foi muito interessante. Um espectador menos avisado mal. poderia Pereeber qualquer vestigio de influéncia ou interferéneia do homem civilizado, Eu era o tinico branco ali presente; além de mim, apenas uns dois ou trés pro- fessores-missiondrios nativos vestiam roupas brancas de algodao. Entre os ov. os, 0 que se podia ver era, quando muito, um pedaco de trapo colorido, amat rado a volta do pescogo ou da testa. De testo, o que havia era uma multidéo de corpos escuros, nus, brilhantes por causa do dleo de coco, enfeitados com novas vestimentas de festa e, aqui e acold, as saias tricolores das mulheres (veja fig. 30 e 31), Mas, infelizmente, para aqueles que enxergam as coisas ¢ so capazes de interpretar os diversos sintomas da decadéncia, era visivel que mudancas pro- . Seguem a mesma direcio percor 1wa jamais executa ial & condigao de cutado por um de llagio de todos os e, na pritica, so diretamente, todos mwasila (magia do ém, que To'uluwa wa a alguma outra tantes de todas as das onze horas da mentos. foram dis- 9s que iriam parti- jo da nova canoa, ntes da realizacdo ) chefe ter contri- ocedimento costu- bviamente aos ha- strucio da canoa 1m mesmo local, € am-se os mastros, Depois disso, todas de meia milha da vos, teve inicio a uma corrida, na smo instante, per- ‘mais veloz. Neste a qual cada uma negam a mover-se © percorrem pra- u antes do meio- tarde, os nativos sis um pouco ¢ a horas, aproxima canoas’ das outras 1 permanecido na , OU seja, as seis jeserta ) de 1916, Como sado_mal_poderia romem civilizado. dois ou trés pro- io. Entre 0s ou- o colorido, amai uma multid , enfeitados com as mulheres (veja e so capazes de e mudancas pro- ARGONAUTAS DO PACIFICO OCIDENTAL 127 fundas haviam sido introduzidas nas condigdes nativas originais desse tipo de reunido. De fato, ha cerca de trés geracdes, a aparéncia teria sido muito diferente. Os nativos de entio estariam armados de escudo ¢ lanca; alguns estariam cai regando armas decorativas, tais como as espadas-porrete, feitas de madeira dura, os cacetes de ébano macico ow os pequenos langa-dardos. Um exame mais mic nnucioso revelaria entio muitos outros adornos e ‘enfeites, tais como adornos de aariz, espatulas para cal finamente entalhadas, cabacas pitogravadas. Alguns des- ses objetos esto fora de uso atualmente; os que ainda séo usados so de qual dade inferior e muitos nfo apresentam qualquer enfeite. Mas outras mudangas ainda ¢ mudancas mais profundas, operaram-se na condigio social desses nativos. Como ja dissemos acima, nos tempos de outrora havia ‘em Kiriwina umas vinte canoas, em contraste as oito atualmente existen- tes, Além disso, 0 fato de que antigamente os chefes possufam muito maior influéncia e 0s acontecimentos deste tipo gozavam de importincia relativa muito maior era suficiente para atrair uma proporgio mais clevada de nativos das di versas comunidades, que também eram, entio, mais populosas, Atualmente, ou- tros interesses — como por exemplo, mergulhar & busca de pérolas, trabalhar nos campos de cultivo pertencentes a0 homem branco — ocupam a atencdo do nat vo, € muitos acontecimentos referentes s missGes, a0 governo e ao comércio vem eclipsando a importancia dos antigos costumes. Além disso, antigamente, os nativos reunidos na praia tinham de obser- var muito mais tigidamente a’ distribuigdo territorial; as pessoas de uma mesma aldeia permaneciam mais estritamente separadas das demais, dirigindo olhares de desconfianga e até mesmo de hostilidade aos nativos dos outros grupos, especialmente aqueles com os quais mantinham disputas hereditérias, A ‘tensio geral era freqiientemente aliviada através de brigas e até mesmo lutas local zadas, especialmente no momento em que os nativos se dispersavam para voltar Um dos pontos importantes da ceriménia — talver o mais importante no ver dos nativos — a exibicao dos alimentos — também era bastante diferente ‘nos tempos de outrora. O chefe que vi sentado na plataforma e rodeado de apenas algumas esposas e uns poucos subordinados tinha, antigamente, trés ve- 2es mais esposas e, conseqiientemente, um maior nimero de parentes por afini- dade; visto ser dos parentes de suas esposas que o chefe recebe a maior parte de suas rendas, ele podia entio oferecer um sagali muito maior que 0 dos chefes atuais, Ha trés_geracdes, a cerimOnia inteira era muito mais solene e dramatica para os nativos. A prépria disténcia a Kitava, ilha vizinha, encontra-se hoje em dia diminufda. No passado, essa distancia néo era obliterada, como hoje, pela rapidez com que é percorrida pela lancha a vapor do homem branco. As canoas constituiam 0 nico meio de se chegar até 14, ¢ seu valor deve, portanto, ter Sido ainda maior aos olhos dos nativos, embora atualmente eles ainda as valo- Hzem muito. Os contornos da ilha distante e a pequena frota de canoas atracadas ha praia constitufam primeiro ato de uma grande expedi¢io maritima, aconte~ Cimento de signiticacio mais profunda para eles do que atualmente. Os grandes amentos de braceletes, a chegada de muitos artigos extremamente cobicados, da de noticias sobre terras distantes — tudo isso possuia outrora uma Significacdo muito mais profunda do que hoje em dia. A guerra, as dancas e 0 Kula forne vida tribal seu elemento de romantismo e heroismo. Nos dias atuais, em que a guerra esta proibida pelo governo e as dancas, por influéncia clos missionarios, vém sendo desacreditadas, sobra apenas 0 Kula — e até mesmo este se encontra despojado de seu antigo encanto, 128 MALINOWSKI u Antes de passarmos a0 préximo estégi er uma pausa no estudo dos acontecimentos referentes a expedi¢do kula ¢ considerar uma ow ‘duas questdes de importincia mais geral. No decurso de minha narrativa, levan- tei alguns problemas relativos & sociologia do trabalho, mas nao me detive na sua anélise. No comeso do capitulo anterior, mencionei o faio de que o pro- cesso de construcio de canoas exige uma organizagao especitica dos trabalhos e, com efeito, vimos que diversos tipos de trabalhos foram usados no processo dé construcao’e que, particularmente nos estigios finais, utilizou-se muito o traba- Tho comunitério, Vimos, além disso, que durante a ceriménia de laneamento 0 proprietario da canoa remunerou © construtor ¢ seus auxiliares. Estas duas ques- tes, portanto — a organizacio do trabalho, particularmente a do trabalho co- munitério, € 0 sistema de remuneragdo dos servicos. prestados pelos construto- res — devem agora ser elaboradas. Organizacdo do trabalho — Antes de mais nada, é importante compreender que 0 nativo de Kiriwina € capaz de trabalhar bem, eficientemente e de maneira continua, Para trabalhar, ele precisa, no entanto, de uma motivacio eficaz: pre- cisa ser motivado por deveres impostos pelos padrdes de tribo, ou sentir-se atra do. pelas ambigdes e valores também ditados pela tradicHo e pelos costumes, O ganho, que é freqiientemente o estimulo ao trabalho nas comunidades mais civi- Iizadas, jamais funciona como incentivo para o trabalho sob as condigées tipica- mente nativas. Surte, portanto, péssimos efeitos quando o homem branco tenta usar esse tipo de incentivo no afi de fazer com que o nativo trabalhe para ele Eis 0 motivo por que a idéia que tradicionalmente faz do nativo individuo preguicoso ¢ indolente nao s6 constitui uma constante na opiniao do colonizador branco comum, mas também encontra guatida nos bons livros de viagens e até mesmo nos mais sérios registros etnogrificos. © trabalho constitui, ou até hd pouco tempo constituia, uma mercadoria vendida, como qualquer outra no mercado aberto. © homem que esta habituado a raciocinar nos termos da atual teotia econdmica, aplica ao trabalho as nogdes de oferta e de procura e, em con- seqiiéncia, aplica-as também ao trabalho nativo. As pessoas menos esclarecidas fazem 0 mesmo, embora em termos menos sofisticados; ao notarem que 0 nativo recusa-se a trabalhar para o homem branco, mesmo que este Ihe ofere- a boa renumeracio e 0 trate razoavelmente, concluem que o nativo tem muito pouca eapacidade de trabalho. Este erro se deve aos mesmos motivos que ser~ vem de fundamento a todas as nossas falsas concepcdes sobre 0s povos de dife- rentes culturas. Se retirarmos um homem de seu proprio meio social, estaremos eo ipso privando-o de quase todos os seus estimulos a estabilidade moral ¢ efi ciéncia econdmica, € até mesmo de seu interesse pela vida. Se entio o analisarmos através de padres morais, legais e econémicos, também essencialmente hos a ele, o resultado de nossa andlise no passara de um caricatura da realidade. Mas 0s nativos nao s6 tém capacidade para um trabalho ativo, continuo e bem feito, mas também condigdes sociais que Ihes possibilitam utilizar um sistema de trabalho organizado, No comeco do capitulo IV, fizemos um esboco da sociolo- gia inerente ao trabalho de construco de canoas e, agora, fornecidos os deta- Ihes de seus estigios sucessivos, é-nos possivel confirmar 0 que afirmamos entio ¢ tirar algumas conclusdes quanto a essa organizacéo do trabalho. Em primeiro lugar, j4 que estamos usando esta expresso com tanta freqiigncia, quero nova- mente asseverar que os nativos so capazes deste tipo de trabalho ¢ que esta assergdo nao constitui um mero truismo, como seré mostrado nas consideragdes ‘que faco a seguir. Ha pouco mencionamos a nocdo que tradicionalmente se faz do nativo como individuo preguicoso, individualista e egoista que se beneticia uma pausa no siderar uma ou narrativa, levan- jo me detive na y de que 0 pro- dos trabalhos e, no proceso de muito 0 traba- langamento 0 Estas duas ques- do trabalho co- pelos construto- nte compreender nte e de maneira acio eficaz: pre~ 1 sentir-se atrat- os costumes. O idades mais civi condigdes tipica- em branco tenta rabalhe para ele. nativo individuo do colonizador de viagens © até alho constitui, ou ) qualquer outra, s termos da atual ocura e, em con- enos esclarecidas notarem que 0 e este Ihe ofere- nativo tem muito motivos que os povos de dife- social, estaremos Jade moral ¢ efi- tio o analisarmos neiaimente estra- tura da realidade o, continuo e bem ar um sistema de sbogo da sociolo- rnecidos os deta- afirmamos entao Iho. Em primeiro ncia, quero nova- balho e que esta nas consideracoes ionalmente se faz que se beneficia ARGONAUTAS DO PACIFICO OCIDENTAL, 129 dda abundancia da natureza, cujos frutos thes caem 3s mios, maduros e prontos da abundigeridos. Essa no¢to implicitamente exclul a possiblidade de cxecutar pa se It ePsita fla tlesado men forgo orgriendo reves de fryer cle avaldém isso, a teoria quase universalmente aceita pelos especialistas € a sociais ‘gelvagens mais primitivos se encontram no estagio pré-econémico da de ae, Gnaividal do alimento, enguanto. que os que se acham em gral, mais Peete aa cacala do Givilzagho, GG, per cxemplo, os trobtiandcrss,vivem io econémico da economia doméstica sutaoma, Essa teora ignore, quan ao expliclamente nao noge, a possibilidade de trabalho socialmente organtzado, ‘A teoria geralmente aceita é a de que, nas comunidades nativas, cada indivi- duo tabalte bor sou 05 membros Je cada famuila tabalham do. mancira 4 cecseguir seus préprios melos de sobrevivencia, E claro que uma canoe, ou ale easre ima masata, poderia set consruida pelos membros de uma familia, em- aaa rie or eliifocia © amt maior expare de tempo, Asim eeado, a prior pore onte Potsiiliade de se prever quando uma determinada tarefa'€ exec tra ctavéd de trabalho organizado e quando o € através do esforco de um ind duo ow de tm pequeno grupo de natives, Com efelto, no processo de construcdo de'canoas, vimos fiversos naivos, eda um dels ocupado numa tareta especica edie e todos eles unidos nm s6 propésito. As tarefas eram dlferenciadas de Scondo com eondigics gocoloaices, alguns dos trabalhadores jam_realments, por suir'a canoas outros, vindos de uiia.communidade diferente, ajudaram na cons- ‘iuglo, mas o fizrana apenas como.prestacio.de-servicos-0o-chefe.-Alguns tea- talkaranra fina de tirar provsito.diretodo-uso-da-canca, outros pafa-serem fo tmunerados. Vimos também que os trabalhos de derrubar 1 drvore, escavaro tron Go © fazer 0s enfeites foram, em alguns casos, executados por vérios natives em outros, por uma tnica pessoa. Cerlamente, as pequenas tarefas de amarrapso, calafetager pintura e confeceso das velas foram executadas como trabalho co: munitano © nao individeal, Todas essas tates tinham uma nica finalidade dar a um chefe ou a.um lider -da_aldeia o titulo. de. proprietirio-da.canoa-e, iC obgguaRade-Inicieondiretio-b-raa-atieapoo evidente que essa diferenciagdo de tarefas, coordenadas de mancira, a atinglr um objetivo gera, requer um mecanitme social bem deseavolido que Ihe Siva de apoio; por outto lado, € também evidente que esse mecanismo. social deve estar assoclado e mesclado a elementos econdmicos. © preciso haver win cliefe, considerado como representante de umn grupo; sce chee precisa ter cer- tos direitos formais e-priviegios, uma corta autoridade e. deve’ também ter 2 seu dispor parte da riqueza da comunidade. B preciso também haver uma pessoa Ou pestoas com coahecimentoe suficenfos pare orieatar © coordenar © tabalho tectteo, Tudo iso ¢ muito Gbvio} mas 6 preciso lembrarse que a forga que real mente une Os fativos € 08 faz ater-se a suas tarefas é a obediéncia A tradigio Todo nati sube © que dele te espera, cm virtude de sua posiedo socal © 0 faz — represente sso a obtengéo de im privigglo, a execugio. de uma tarefa ou a aquiescéncia a um status quo. Ele sabe que sempre fol assim, que ainda € assim'e que deve permanecer assim. A autoridade do chefe, seus priv iégios,o costumelro dar e receber que existe entre ele ¢ a comunidade — tudo isso, por assim dizer, € meramente © mecanismo através do qual atvam as for gas da tradigao. Nao hé-quaisquer.meios-organizadon de costeao isca através dos quais uma autoridade pudesse fazer cumpri suas ordens. num caso. como esse. A ordem & mantida através da forca direta de adesto. aos costumes, re frat leis, através das mesmas influéncias psicolopicas que em nossa sociedade impedem im homem equcado de fazer algo que nao seja "a coisa certs”. A expressto “o poder & o direito” cerlamente néo se aplica & sociedade trobrian 130 MALINOWSKI desa, “A tradigio esté certa, e 0 que esté certo tem poder” & esta, realmente, a lei que governa as forcas sociais de Boyowa e, ouso dizer, de todas as comu- nnidades nativas que se encontram nesse mesmo estigio de civilizacao, Todos os detalhes dos costumes, todas as f6rmulas mégicas, toda a série de ritos e ceriménias que acompanham 0 processo de construcio das canoas tudo isso da um peso adicional ao esquema social de deveres. A impor- Uincia das idéias magicas e dos rituais como forgas de integragao jé foi ressaltada no infcio desta narrativa. E facil verificar que todos os acess6rios das cerimé- nias — ou seja, a magia, os adomnos ¢ as reuniées piblicas, amalgamados com © trabalho, num ‘nico todo, servem para ordenar e organizar esse trabalho. Ha uma questio a ser elaborada com maiores detalhes. Falei de trabalho or- ganizado ¢ trabalho comunitdrio. Bssas duas nogdes nfo séo sinénimas © deve~ ‘mos, portanto, fazer bem a distingao entre elas. Como ja dissemos na definicio, © trabalho organizado implica na coordenagio de diversos elementos social € economicamente.diferenciados, Trata-se de asstinto bem diferente, entretanto, quando diversas pessoas_se_ocupam, lado a lado, da execugio de um mesmo trabalho, sem qualquer divisio- técnica do trabalho ou diferenciacao social das fungées. Assim sendo, o-processo inteiro de-construcio de canoa é, em Kiriwina, © resultado de-um-trabalho-organizado, Mas o trabalho de vinte ou trinta nat Vos, que lado a lado.fazem-amarracdo-ou calafetagem de uma canoa, constitu trabaliio camunitério. Esse ltimo. tipo de trabalho tem uma grande vantagem psicolégica. Estimula mais, ¢ mais interessante ¢ cria um maior espitito compe- titivo e, portanto, melhor qualidade de trabalho, Para um ou dois nativos, leva- ria aproximadamente um més para executar a tarefa que vinte ou trinta na vos podem executar em apenas um dia. Em certos casos, por exemplo, no tri balho de arrastar 0 pesado tronco de érvore da selva para a aldeia, a uniao de forcas é quase indispensivel. Com efeito, 0 tronco poderia ser escavado no pré- prio raybwag e, entdo, seriam precisos apenas uns poucos homens para arrasté- Jo, desde que usassem de certa pericia. Mas isso implicaria em muitas dificu dades. Assim, em alguns casos, 0 trabalho comunitirio é de extrema importan- cia e, em todos eles, facilita consideravelmente a execugio do trabalho. Do pon- to de vista sociol6gico, 0 trabalho -comunitario € muito importante, pois implica em auxilio miituo, em troca de servigos e em solidariedade no’ trabalho em grande escala, © trabalho comunitério constitui um fator importante na economia tribal dos nativos de ‘Trobriand. Eles recorrem a essa modalidade de trabalho na cons. trugio de suas habitagdes e dos celeitos, em certas formas de artesanato © no transporte de produtos, especialmente na época da colheita, quando grandes quan- tidades de provisées tém de ser levadas de uma aldeia para a ouira, freqiiente- mente a grandes distancias. Nas pescarias, quando varias canoas vio juntas © uma delas pesca independentemente, no podemos falar de trabalho comu- nitério. Quando, porém, todas pescam em conjunto, cada uma com uma tarefa especifica, como costuma acontecer, trata-se, entdo, de trabalho organizado. O trabalho comunitério também esta baseado nos deveres do urjgubu. ou dos pa- rentes da esposa. Em outras palavras, os parentes da esposa ‘de um nativo tem de ajudé-lo sempre que ele precisa de sua cooperagiio. No caso do chefe, ha assisténcia em grande escala; aldeias inteiras se apresentam para ajudé-lo. No caso de plebeu, apenas algumas pessoas prestam auxilio. Terminado o trabalho, ha sempre uma distribuicdo de alimentos — mas isso néo pode ser considerado como pagamento propriamente, pois ndo € proporcional ao trabalho realizado por eada individuo, ‘A aplicacao mais importante do trabalho comunititio € a que _ °. ”§ ARGONAUTAS DO PACIFICO OCIDENTAL 131 esta, realmente, r nna lavoura. Hé pelo menos cinco modalidades diferentes de trabalho comunitério todas as comu- ‘agricola, cada uma delas com um nome diferente, cada uma delas com uma zacio. natureza sociol6gica propria e distinta, Quando o chefe ou lider convoca os mem- bros da comunidade de sua prépria aldeia, e estes concordam em fazer as rocas coletivamente, 0 trabalho recebe 0 nome de tamgogula. Quando se decide por esta modalidade de trabalho e a época de cortar 0 mato e preparar o campo para a lavoura se aproxima, realiza-se, na praca central da aldeia, um banquete fes- tivo; a seguir, os natives partem para o campo e takaywa (cortam) 0 mato do terreno do chefe. Feito isso, eles cortam também o mato de todos 0s outros ter- toda a série igo das canoas veres. A impor- 6 foi ressaltada rios das. cerimd- nalgamados com ren0s, trabalhando cada dia mum inico terreno e sendo alimentados, nesse dia, se trabalho. pelo proprietitio. Esse processo repete-se a cada estégio sucessivo do trabalho i de trabalho or- agricola: na construcao das cercas, no plantio do inhame, no levantamento de nonimas ¢ deve- > estacas para as plantas ¢, finalmente, no trabalho de extirpar as ervas daninhas, 10s na definigéo, feito pelas mulheres. Em’ certos estigios, o trabalho é realizado individualmente, entos_ social € a saber: na limpeza dos campos depois da queimada, no desbaste das raizes do ente, efitretanto inhame quando estio comecando a produzir tubérculos, e na colheita. »_de uum mesmo Geralmente realizam-se diversas festas comunitérias no decorrer dos traba- iagdo social das thos, e uma especial no fim do perfodo tamgogula. Os campos em geral sio la- é, em Kiriwina, vrados dessa maneira nos anos em que se realizam grandes dangas ccrimoniais ow e ou trinta nati- alguma outra festividade. Isso costuma atrasar muito o trabalho, que entdo pre- ‘canoa, constitul cisa ser feito com rapidez ¢ energia; o trabalho comunitério, evidentemente, é srande ‘vantage considerado adequado a essa finalidade. espirito compe- Quando diversas aldeias concordam em realizar comunitariamente o traba- nis nativos, leva- Iho agricola, este recebe 0 nome de lubalabisa, As duas modalidades de trabalho = ou trinta nati- — tamgoguia e lubalabisa — pouco diferem entre si, a nio set pelo nome e pelo exemplo, no tra- fato de que, nesta ciltima, ha necessidade de mais de um chefe ou lider para deia, a unio de conduzir os trabalhos. O lubalabisa s6 & realizado quando hé varias pequenas cavado no pro: aldeias, proximas uma das outras, como acontece nas aldeias compostas como ons para arrasti Sinaketa, Kavataria, Kabwaku ou Yalaka n muitas dificul- Quando um chefe ou um Ifder de aldeia, ou ainda um nativo rico ¢ influ: tema importin- ente, convoca seus dependentes e os parentes’ de suas esposas para trabalharem abalho. Do pon- para ele, di-se a este procedimento 0 nome de kabutu. O proprietirio. precisa nte, pois implica fornecer alimentos a todos os seus auxiliares. Um kabuiu pode ser estabelecido no’ trabalho em para uma determinada tarefa agricola como, por exemplo, quando o lider de uma aldeia convida os membros de sua comunidade para cortar o mato de seu terre- economia tribal ‘no, para fazer 0 plantio, ou para construir cercas, E evidente que, sempre que rabalho na cons um nativo solicita trabalho comunitério para a construcio de sua casa ou de artesanato no seu celeiro, o trabalho € do tipo kabutu e é assim denominado pelos nativos. do grandes quan- | ‘A quarta modalidade de trabalho comunitério é a que se chama ta'ula; outra, freqllente- realiza-se toda vez que um grupo de aldeias decide fazer um dos estagios agri Das Véo juntas | colas em comum, em termos de reciprocidade. Num caso como esse, no hé um trabalho comu- Pagamento muito grande ou especial. A mesma modalidade de trabalho comu- ‘com uma tarefa nitario, mas abrangendo todos os estdgios da Javoura é chamada kari’ula e pode 0 organizado. O ser classficada como a quinta modalidade de trabalho comunitétio agricola, Fi- ubu..o1 dos pa nalmente, um termo especial — tavile'i — & usado quando os nativos querem = um nativo tém dizer que 0s campos séo lavrados através de trabalho individual, cada native s0 do chefe, hi trabalhando em seu préprio terreno. E costume, entretanto, que os terrenos do ara ajudé-lo. No cchefe — especialmente os de um chefe influente e de alla posigio social nado o trabalho, sempre sejam layrados através de trabalho comunitério. O trabalho comunitério set considerado € também utilizdo em certos terrenos especiais, nos quais, num dado ano, a abalho realizado magia agricola é realizada em primeiro lugar ¢ de forma mais completa. Hi, portanto, diferentes modalidades de trabalho comunitario, com muitas par 1 que se verifica ~ ticularidades interessantes, nas qiiais,infelizmente, néo nos podemos deter neste es- MALINOWSKI ogo tAo curto. O trabalho comunitério empregado na construgio de canoa é ob- viamente do tipo kabutu. Ao construir uma canoa, um ehefe é capaz de convocar grande mimero de pessoas de todo um distrito; um lider de aldeia importante pode contar com 0 auxilio de toda a sua comunidade, a0 passo que os natives pouco importantes, tais como os lideres menos influentes de Sinai dependem de vizinhos ¢ dos parentes de suas esposas. Em todos esses a obediéneia ao d posta pelos costumes, que os faz trabathar. O mento de importa sundaria, embora em certas circunstancias chegue @ set onsiderivel. A distribuigio de alimentos durante a ceriménia de lancamento da canoa constitu uma das formas de pagamento, como segio I deste capitulo, Nos tempos de outrora, uma refeigio de carne de poreo, com muita de-agiicar constituia verdadeira festa para os nat inte do ponto de vista econémico € 0 pagamento feito pelo dhefe ao constrator da eanoa, Como vimos, a canoa de Omerakana foi constraida para To'uluwa por um especialista vindo de Kitava, 0 qual foi muito bem pago, tendo recebido uma grande quantidade de alimentos, porcos ¢ vay v’a (objetos de valor). Nos dias de hoje, quando o poder dos’ chefes se acha muito reduzido, quando eles tém muito menor riqueza para garantir sua posicao, nem mesmo podem usar da pouca coergdo que utlizavam antigamente e quando © enfraquecimento dos costumes vem destruindo o respeito e a lealdade tradi- ionais de seus siditos, a producao por especialistas de canoas e de outras mo- rnoz de bétel, coco e cana Outra questio impor dalidades de riqueza para o chefe € um mero vestigio do que era antes. Nos tempos de outrora, esse era, do ponto de vista econdmico, um dos tragos mais importantes de vida tribal nas ilhas Trobriand, No processo de consirucao da canoa — a qual antigamente jamais era construida pessoalmente pelo chefe encontramos um timo exemplo desse tipo de producéo, Ser suficiente dizer aqui que toda vez que uma canoa é construida para ‘om chefe ou lider de aldeia pelo construtor, este iiltimo tem de ser pago ini cialmente com um presente em alimento. Depois, durante todo o tempo em que esteja_perfazendo seu trabalho, outros presentes em alimentos he séo dadas periodicamente. Se ele esta fora de sua terra natal, como o construtor que veio de Kitava para trabalhar na praia de Omarakana, é alimentado pelo toliwaga que Ihe fornece também, regularmente, guloseimas tais como c bétel, carne de porco, peixes € frutas. Quando o construtor trabalha em sua pro- pria aldeia, o soliwaga the traz alimentos especiais, em intervalos freqiientes, aproveitando disso para inspecionar o andamento dos trabalhos. Esta alimenta- jo do trabalhador ea oferta de alimentos especiais denominam-se vakapula. Terminada a construgao da canoa, 0 construtor-mestre recebe um presente subs- tancial durante a ceriménia de distribuiglio de alimentos. A quantidade apro- priada de algumas centenas de cestas de inhame, um ou dois porcos, varios ichos de nozes de bétel © um grande numero de cocos; além disso, fazem parte do presente: uma grande lamina de pedra, ou um porco, ou ainda um cinto de discos feitos de conchas vermelhas ¢ alguns vaygu'a menores do tipo que io é utilizado no Kula Em Vakuta, onde a posigio de chefe nao & muito distinta dos demais as diferengas de riqueza nao sio muito grandes, 0 roliwaga tem também de ali- mentar os trabalhadores durante o processo de escavagio do tronco, prepara: construgio da canoa. E entdo, depois do trabalho de calafetagem, 0 construtor recebe umas cingilenta cestas de inhame. Apés a cerimdnia de langamento © dda Viagem inaugural, o construtor dé uma corda — simbolo da canoa — a sua propria esposa; esta, tocando um bizio, da a corda de presente ao toliwaga ¢ 19 mesmo momento, dele recebe um cacho de nozes de bétel ou um cacho de 0, nozes de snoa € ob- Je convocar importante 08. nativos 2 e Vakuta, ses casos & ar. O pagar chegue a ser jgamento da Ho I deste com muita os nativos. amento feito jarakana foi al foi muito COs © vay ofes se acha sua posigéo, te e quando dade tradi- - outras mo- | antes. Nos tragos_ mais, Jo chefe strufda para er pago ini- mpo em que e so dados tor que veio elo foliwaga 0, nozes de fem sua pro- s freqiientes, sta alimenta- se vakapula. resente subs tidade apro- orcos, varios disso, fazem nda um cinto do tipo que los demais ¢ mbém de ali- », preparagio ‘0 construtor ancamento © oa — A sua 0 toliwaga e, um cacho de ]aeaV— ARGONAUTAS DO PACIFICO OCIDENTAL 133 bananas. No dia seguinte, 0 chefe oferece ao construtor um grande presente bamalimentos eonhecidos pelo nome de yomelu e, mais tarde, na época da co- fheita, mais cingiienta ou sessenta cestas de inhame, as quais recebem o nome de karibudaboda ou presente final Selecionei, para 0 presente relato, dois casos coneretos, um observado em Kiriwina, 0 outro em Vakuta — ou seja, no distrito em que o chefe desfruta de poderes méximos e naquele em que a diferenca de posigio social ¢ riqueza entre o chefe e os plebeus jamais chegou a ser muito grande. Em ambos os casos hé pagamento, mas em Kiriwina 0 pagamento é maior. Em Vakuta, 0 que se verifica & mais uma permuta de servigos, 20 passo que em Kiriwina 0 chefe ‘ustenta e gratifica 0 construtor. Em ambos os casos verifica-se a troca de ser- vigos especializados pela manutencdo feita através do fornecimento de alimentos, m1 Passemos agora a préxima atividade cerimonial costumeiramente incluida na série de acontecimentos do Kula — a exibicdo da nova canoa aos amigos parentes do toliwaga, Esse costume é chamado kabigidoya. O tasasoria (lat mento e viagem inaugural) é 20 mesmo tempo o ultimo ato do proceso de construgéo de uma canoa e, em virtude do ritual mégico a ele associado do ato de navegagao experimental, um dos estégios iniciais do Kula. © kabigidoya, sendo uma apresentagio da nova canoa, pertence a série de ceriménias relati- vas & sua construgio; mas, na medida em que é também uma viagem de apro- visionamento, faz parte do Kula A canoa € manejada pela tripulagio de costume; & aprestada e armada com todos 08 seus implementos, tais como os remos, fardos de carga, e 0 biizio, © parte numa pequena viagem as praias das aldeias vizinhas. Quando pertence a uma aldeia composta, como a de Sinaketa, a canoa pra nas praias de todas as suas aldeias-irmis. Toca-se 0 bizio e, entao, os nativos da aldeia ficam sabendo que “os homens do kabigidoya estao chegando”. A tripulagdo permanece na canoa, mas 0 toliwaga desce & praia, levando consigo um remo. Vai & casa do lider da aldeia e, enfiando o remo’ na estrutura da cabana, diz as palavras: “Oferego-te tua bisila (galhardete de pandano); toma uma vaygu’a (objeto de valor), apanha um porco e quebra a proa de minha nova canoa”. A isso o lider focal, oferecendo um presente, responde da seguinte maneira: “Eis o katuvisala- dabala (0 quebrar da proa) de tua nova canoa!” Isto é um exemplo do pala vreado especial costumeiramente usado na troca de presentes ¢ em outras tran- sages cerimoniais. O bisila (galhardete de pandano) € freqientemente usado ‘como simbolo da canoa nas fOrmulas mégicas, nas expresses costumeiras © ros termos idiométicos. Os galharddes de pandano alvejado sic atados ao mas- to, aos equipamentos © @ Vela; uma tira especial, tratada magicamente, € ge- ralmente amarrada & proa para doté-la de velocidade, e hé também outras magias bisila cujo objetivo € fazer com que um parceiro do mesmo distrito se sinta propenso a realizar 0 Kula Os presentes oferecidos nem sempre correspondem ao padrio daqueles mencionados nas frases cerimoniais. Os kabigidoya, especialmente aqueles que provém das aldeias proximas, em geral resulta somente em algumas estei- ras, algumas duizias de cocos, um pouco de nozes de bétel, um par de remos ¢ outros artigos de néo muito valor. Até mesmo nessas ninharias néo hé muito proveito tirado do kabigidoya curto, pois, como sabemos, no inicio do Kula todas as canoas — digamos, de Sinaketa ou Kiriwina — so reconstruidas ou reformadas, Portanto, tudo © que uma canoa recebe das outras na sua ronda Ia MALINOWSKI abi idoya de certa forma tem de ser devolvido a elas, quando elas, por sua ver “kabigidoyam” umas apés as outras. Logo depois, entretanto, num dia pre~ viamente marcado, todas as canoas navegam juntas numa viagem de visita aos outros distritos; neste kabigidoya em geral recebem presentes muito mais subs- anciais, os quais terfo de devolver bem mais tarde, depois de um ou dois ani quando couber ao distrito por elas visitado fazer seu proprio kabigidoya. forma, quando as canoas de Kiriwina sao construidas ou reformadas para uma grande expedicao kula, elas so levadas para o sul ao longo do litoral e param ‘0 em Olivilevi, recebendo presentes do chefe de lé; 0s nativos fazem a pé, uma ronda das aldeias interioranas de Luba. A seguir, rumam para a préxima aldeia maritima, a aldeia de Walela, lé deixando suas canoas ¢ de Ii rumando a pé para Sinaketa. A seguir, prosseguem ainda mais para o sul, para Vakuta. As aldeias da laguna, tais como Sinaketa e Vakuta, retribuem essas vi sitas navegando para o norte ao longo da praia ocidental, do lado da laguna Aportam entao em Tukwaukwa ou em Kavataria, e desses locais fazem a pé 0 trajeto até Kiriwina, onde recebem presentes (veja mapa IV, p. 50), As viagens kabigidoya realizadas pelos habitantes de Vakuta e Sinaketa so mais importantes que as dos habitantes dos distritos do norte ¢ do leste Pois esto associadas a um comeércio preliminar através do qual os_visitantes reabastecem seu estoque de mercadorias, das quais em breve precisario em sua viagem ao sul, a Dobu. O leitor por certo se lembra de que Kuboma é 0 istrito industrial das ilhas Trobriand, onde se fabrica a maior parte dos artigos Tesponsiveis pelo renome que essas iihas adquiriram em toda a regido da Nova 4 pé; mas para ir a Kuboma de Sinaketa ou Vakuta, é necessério navegar para Guiné oriental. Kuboma esta situado na metade norte da ilha ¢ dist algumas milhas de Kiriwina, distincia esta que pode ser percorrida f © norte, Os habitantes das dldeias sulinas vio, portanto, a Kavataria, e de li Perfazem a pé o caminho até Bwoytalu, Luya, Yalaka ¢ Kadukwaykela, onde fazem suas compras, Também os hubitantes destas aldeins, ao saber que os na- tivos de Sinaketa estao ancorados em Kavataria, trazem suas mercadorias até Um comércio animado é levado a efeito durante 0 periodo de um ou dois dias em que os nativos de Sinaketa permanecem em Kavataria, Os habitantes de Kuboma sao dvidos compradores de inhame, pois vivem num distrito infér til e dedicam-se mais & produgio artesanal do que a lavoura, Sao ainda mais vidos compradores de coco € nozes de bétel, muito escassos nessa regiéo. Além disso desejam teceber, em troca de seus produtos, os discos de conchas ver melhas que sio manufaturados em Sinaketa e Vakuta, bem como as argolas feitas de casco de tartaruga, Em troca dos objetos de grande valor, os nativos de Sinaketa oferecem os potes de barro que recebem diretamente das ilhas Amphlett. Por esses objetos eles obtém diversos artigos que variam de acordo com a indo. De Bwoytalu recebem traves- sas de madeira maravilhosamente trabalhadas e decoradas, de virios tamanhos, profundidades © acabamentos, feitas tanto de madeira dura quanto de madeira macia; de Bwaytelu, Wabutuma e Buduwaylaka recebem braceletes feitos de fibras trancadas de samambaia ¢ pentes de madeira; de Buduwaylaka, Yalaka Kadukwaykela recebem potes para cal, de diversos tipos e tamanhos. Das al deias de Tilataula, na parte nordeste de Kuboma, em épocas passadas cost mavam obter liminas de machado polidas. Nao vou entrar nos pormenores téenicos dessas transagées nem fornecer uma lista aproximada dos pregos aleangados. Iremos acompanhar estas merca- dorias até Dobu e 14 veremos como elas siio novamente negociadas © sob que o elas, por sua >, num dia pre m de visita aos ito mais subs n ou dois anos, bigidoya. Dessa nadas para uma litoral e param . natives fazem jr, rumam para canoas e de la vara o sul, para jibuem essas vi- lado da laguna s fazem a pé 0 0). cuta ¢ Sinaketa ote e do leste, ‘al os. visitantes precisario em e Kuboma é 0 arte dos artigos regito da Nova jo navegar para € dista apenas rrida_ facilmente vataria, e de la kwaykela, onde aber que os na~ mercadorias até de um ou dois . Os habitantes m distrito infér- Sio ainda mais sa regio. Além de conchas ver- ‘omo as argolas alor, os nativos nente das ilhas riam de acordo recebem traves- tios tamanhos, into de_madeira cletes feitos de ylaka, Yalake nanhos. Das al- passadas costu- s nem fornecer ar estas. merca- iadas € sob que a — —EeEV7"7" °°} 7 ARGONAUTAS DO PACIFICO OCIDENTAL 13s ndigbes isso Se processa. Isso nos permitiré fazer uma comparagio dos pre- condistvom isso, determinar a natureza de transagio como um todo. Sera me- for portanto, esperarmos até essa oportunidade para entio fornecermos todos os detalhes desse assunto. Vv ‘A esta altura, porém, parece necessério fazer uma nova digressio na nar- rativa direta do Kula ¢ fornecer um esboco das diversas modalidades de troca ¢ de comércio como nés as observamos nas ilhas Trobriand. O tema principal deste livro é 0 Kula, uma modalidade de troca, ¢ eu estaria contrariando meu principio metodolégico mais importante se fizesse a descrigéo de uma forma de froca fora de seu contexto mais intimo — isto é, se fizesse um relato do Kula sem fornecer pelo menos um esboco geral das modalidades de pagamento, pre- sentes ¢ escambo existentes em Kiriwina No capitulo Il, a0 discorrer sobre algumas das facetas da vida nativa tro- briandesa, fui forgado a criticar as atuais teorias sobre 0 homem_econ primitiyo. Essas teorias o descrevem como indolente, independenté, Tolgazio, fas ao mesmo tempo movido apenas por forcas estritamente racionais ¢ uti- { Iitérias e caracterizado por um comportamento Kégico e coerente. Na secéo II do presente capitulo, apontei um outro erro implicito nessa teoria, segundo 0 ) qual o selvagem tem capacidade apenas para modalidades de trabalho muito simples, ndo organizadas ¢ nao sisteméticas, Outro etro mais ou menos expli- cito em todas as publicagdes feitas sobre a economia primitiva € 0 de que os nativos possuem apenas formas rudimentares de transacdo © comércio; que estas formas nao desempenham qualquer papel fundamental na vida tribal, sao efetuadas apenas esporadicamente em raros intervalos, segundo os ditames da necessidade, ‘Quer tenhamos de tratar do erro largamente difundido da Idade Aurea rimitiva, caracterizada principalmente pela auséneia de quaisquer diferencas entre “o que € meu” € “Yo que é teu”; quer tomemos a teoria mais sofisticada que postula estigios de procura individual de alimentos e de abastecimento do- méstico isolado; quer levemos em consideragio, momentaneamente, 28 nume- fosas teorias que nada véem na economia primitiva a néo ser a simples pro- cura de meios de subsistencia, em nenhuma destas teorias podemos encontrar Sequer uma mera insimuagao que reflita as verdadeiras condigoes existentes nas ithas Trobriand, a saber, que @ vide tribal intira é permeada de wm consiante \= dar e receber; que todas as ceriménias, todos 0s atos legals costumeiros | so acompanhados da troca de presentes e contrapresentes: que a riqueza dada e recebida consti um dos principais instrumentos da organizagao social, do poder do chefe e dos lacos de parentesco e sfinidade, * Bssas teorias sobre 0 comércio primitivo, predominantes apesar de err6- % sion apresentando estes pontos de vista nfo para estabelecer uma polémica, mas sim para stficare estlaecer por que razdex dow énfare a certas earacersticesgerals da soto. Hogia econdmica trobriandese. Meus pontes de vista poderiam corter 0 peigo de. parccer smos satus te eu nfo os jsifease dessa form A opindo de que socelate pr Uthado por muitos esritores modernon, especialmente. em defesa de tevias comunisiy,€ da, chanmada visio materalisa da historia, O."comunismo, dos selvagons” ¢ uma frase fre giéntemente ouvida, c no preci de exemplficasio especial, Ax hipotece da procura ind vidual de alimentos e'da economia domestica sio as do Karl Bucher e tem exereigo influen a sobre todas as melhores obras modernas que versam sobre. economia. primitva ate, © pono de vista segundo o qual esgotamon o pico relerente 4 economia Pri mitiva quando deserevemos modo como 0 ‘alivo. busca seus alimentos & obviamente

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