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~OQUEE Coiecdo etm Primeiros Passos 286 Uma Enciclopédia Critica Belge -U Dep > ofCHA, A Historia da Ciéncia 6 como uma viagem a um labirinto: complexa e fascinante. Na vastiddo de caminhos do cenhecimento humano sobre a natureza, ds vezes nos perdemos numa trilha que a histéria apagou. Mas logo vem o deslumbramento com essa rota tracada por aqueles que enxergaram e construiram.o mundo de maneira diferente da nossa. Aéeite o convite para fedescobrir caminkos e atalhos, e refletir sobre o passado, o presente e o futuro da Ciéncia. ~ Areas de interesse Ciéncia, Filosofia, Historia inn iP... a ort o -OQUEE } je” HISTORIA ee” DA CIENCIA Ana Maria Alfonso-Goldfarb id Alf Ana Mari {Copyright © by Ana Maria Alfonso-Goldfasb;'1994— Nenhuma part desea publicaro pode ser gravada, armazenada em sistemas eletronicos fotocopiada, reprodsxida por mecios mecinicos ou ros quaisquer sém autorizagdo prévia da edtora. Primeira edipdo, 1994 Dreimpressé, 195 Coordenaso editorial: Florian Jonas Cexat Revisdo: Agnaldo A. Olveirae Carmen. S.Costa Copa: Emo Dasani Dados internacionsis de Catlogoo na Publica (C2) (Ciara Brasileiea do Livro, se, Brasil) ‘Alfonso-Goldfarb, Ana Maria. O aque 6 histéria da cigncia / Ana Maria Alfoaso- Goldfarb. — 1. ed. ~ SSo Paulo : Brailiense, 1994. ~ (Colegio primeitospassos : 286) Bibliografia ISBN 85-11-01286-9 1, CiGncia 2. Citncia— Histéria 1. Titulo. Il. Série indices jogo sisternitico: 1. Giéneia -Histéria 509. EDITORA BRASILIENSES.A. ‘Av, Margués de Sao Vicente, 1771 01139-903 - Sao Paulo -SP Fone (018) 86 13366 - Fax 861-3024 Filisda’ ABDR epep Introdugao ... Caminhos primeiros: uma imagem no espelho da propria ciéncia ........-.-.-- Caminhos contemporaneos: espago independente de reflexdo sobre a ciéncia. . Indicagées para leitura ...-.-.-.---+.+-- = UNESP - CAMPUS OE BAURU Valor: (0,90 n° chamada: fa Pn iL Data:-24/ ul 1 tombo: v. ‘Ao mais que querido mestre dos mestres 6m historia da ciéncia, ‘Sino Mattias ( memoriam) INTRODUCAO Complicando 0 que parecia simples Preende quando alguém diz que a cura para tal e tal doenga esté sendo cientificamente estudada. Ou que nao existe ‘uma -teoria-cientifica Para provar a telepatia- Enfim, mesmo Nao sabendo dizer © que é Ciéncia, vocé acredita que todos Os termos a ela telacionados — cientifico(a), cientificamen- te, cientista, Cientificismo... — tem a ver com algo objetivo, Sério, exato, e quase sempre importante e verdadeiro. no caso ‘da Ciéncia, todos acreditam saber por intuigao 0 que seria Histéria. Vocé pode confundir Alexandre Magno com Carlos Magno. Mas, pelo menos, vocé deve saber que esses homens sao personagens historicas, que existiram de verdade e, portanto, diferentes das personagens de ficgao. © problema é que intuindo 0 que 6 Ciéncia e o que é Historia, mas nao conseguindo esclarecer, 0 mais provavel é que vocé consiga menos ainda exemplificar 0 que € His- tora da Ciéncia. Ocorre que as coisas nao sdo tao simples assim. Ou seja, nao se trata de uma questao de saber ou nao saber, € pronto! Nao basta juntar Historia e Ciéncia para que o resultado final provavelmente seja Historia da Ciéncia. E isso nao acontece s6 porque a jun¢ao. ou_a combinagao de duas coisas diferentes quase sempre produz uma terceira com caracteristicas proprias, embora se pareca ct as que the deram origem. Isto é verdade para 0 caso de vocé, seu pai e sua mae; para a planta com enxerto do jardim; e também para a ligagao entre teorias. Mas, no caso da Historia da Ciéncia, a complicacdo é ainda maior, porque a Historia da Giéncia, que se desenvolveu no interior da Ciéncia, sem- pre.esteve mais proxima.da Filosofia (Légica, Epistemolo- gia, Filosofia da Linguagem), do que da Histéria. Para falar averdade, até trinta ou quarenta anos atrds, a Historia da Ciéncia tinha bem pouco de histérico (dos métodos e dos procedimentos da Histéria). Quando, inalmente, a Historia da Ciéncia passou a usar pra valer métodos ¢ procedimen- tos proprios da Historia, ela ja havia se desenvolvido muito, com defeitos e qualidades préprias. pie (1 O.QUE EHISTORIA.DA CERTCIA - 9 AHistoria da Ciéncia ficou assim durante algum tempo, como uma estranha no interior dos estudos histéricos. Aos poucos foi assimilando, filtrando e adaptando elementos da Histéria, que combinava com outros elementos da Sociolo- gia, da Antropologia e de varias ciéncias humanas. A entra- da desses novos elementos no corpo da Hist6ria da Cién- cia deu também um novo sabor aos componentes da Cién- cia e da Filosofia que de longa data combinavam-se para formar essa area de estudos. O resultado que temos hoje 6 uma Histéria da Ciéncia complexa e com muitas faces, sem com isso ter se transformado numa colcha de retaihos. Métodos e processos foram criados para que a Historia da Ciéncia pudesse adaptar, de maneira harmoniosa, es- ses conhecimentos variados vindos das diversas areas. Formou-se assim um campo original de pesquisa com vida prépria e tudo o mais, e, a0 mesmo tempo, em constante comunicagao com essas areas que emprestaram seus Co- nhecimentos a Histéria da Ciéncia. Aessa altura, vocé deve estar pensando que agora nao tera como saber o que é Historia da Ciéncia. No comego parecia que o préprio nome ja explicava 0 assunto. Depois foi descobrindo que essa_aparente facilidade_no_ nome escondia questdes muito complicadas. Como entender algumas dessas questées sem ter que ler meia biblioteca, ou se transformar num especialista? Como sanar este pro- blema? ie Vou contar uma historia: /a historia, da Historia da Cién- Gia Desse modo vocé podera Snare 0 longo ey historico de transformagao e mudangas que justifica a Hi toria da Ciéncia levar @sse nome. Com essa historia, voce | Contando a histéria de uma histéria Filosofia Natural, Magia Universal, Nova Ciéncia, Filoso- fia Experimental: esses foram alguns dos nomes ‘com que Se tentou batizar, entre os séculos XVI @ XVII, 0 que hoje chamamos de Ciéncia Moderna. Muitas Caras, além de muitos nomes, teve a Ciéncia Naquela época. Eig estava Por exemplo, alguns achavam que a Ciéncia deveria re- tomar os conhecimentos classicos. Aqueles que surgiram na Grécia antiga — por Pensadores que vao de Tales de Mileto e Aristételes — © passaram para a Civilizagao Pensavam que o melhor seria acabar com conhecimen- tos classicos, Comegar da estaca zero © ouvir da propria natureza o que ela teria a contar, Entre esses dois casos extremos havia Centenas de opi- nides intermediarias, levantadas por 9tupos — que normal- mente chamamos Correntes, linhas ou escolas de pensa- mento — ou apenas POr UM Unico individuo. Essas Origens ac iW Complicadas da Ciéncia Moder tes, em que todos queriam ter razao e i ligada a Propria Cién- l6ria, éla’é uma justificativa da Ciéncia que estava se formando, e tem, portanto, 9 per- fil do debate que esta gerando esta formacao. S Séculos XVIII e XIX, 0 debate vai chegando a Seu final (pelo menos oficialmente...), © vdo se tornando também oficiais aS “regras do JOgo” em Ciéncia, A Ciéncia Vai.criando um , il unico, cada vez mais parecido com aquele que quase todos Conhecem agora. E Ciéncia Moderna, A Ciéncia desse Periodo ja sabia Para que veio e Passa. ainfluenciar desde a muda, nga de curriculo das escolas até © desenvolvimento das nacées (quem nao tivesse uma boa —="ANA MARIA ALFONSO-GOLOFARB Mey Ciéncia‘~ como até hoje... — perdia o trem da Historia). Nessa fase a Ciéncia nao precisava ser justificada; ela era oficial e tinha o rosto do futuro do planeta. A Historia da Ciéncia, sempre ligada a Ciéncia, passa também por essa. transformagao. Novamente ela nao. a. uma forma de.His- téria, mas uma crénica interna da ciéncia. Essa espécie de crénica serviria para ajudar os mestres que ensinavam Ciéncia, tanto por meio de livros quanto ao vivo, a dar exemplos do que fora certo e do que fora errado no de- senvolvimento da Giéncia. E certo era tudo aquilo que se transformara na Ciéncia daquele momento; errado, tudo aquilo que atrapalhou a Ciéncia para chegar aquele estagio e, portanto, deveria ser evitado, ouno minimo esquecido. AHistoria da Ciéncia sera assim exerplo edificante para os jovens estudantes e motivo de orgulho para os cientis- tas. Pois, por meio dela, era possivel saber. como a ci éncia ganhou muitas batalhas contra a ignorancia, a religiao e 0 misticismo, seus eternos inimigos. Mas como a Ciéncia era © futuro, esse passado glorioso foi ficando cada vez mais Para tras. Como se fosse um enfeite, aquilo que os profes- sores chamam de perfumaria, a Historia da Ciéncia foi se tornando_pouco_importante para quem quisesse-aprender- .ciéncia de verdade. — Mas a Ciéncia que parecia um corpo de conhecimentos quase prontos e acabados passou ainda por sérias trans- formagGes no século XX. Do lado de dentro da Ciéncia, Novas teorias que nao eram sim, plesmente 0 complemento de anteriores surgiram. E também do lado de fora aumen- tou a pressao. Guerras que se tomavam cada vez mais ter- oouE € HSTOR 3 ———————— riveis com auxilio dos conhecimentos cientificos, a poluicao que aumentava com os avangos da Tecnologia, tudo isso fazia com que fosse necessdria uma Critica, uma revisdo dos critérios da Ciéncia. Criticar, alids, quer dizer analisar.os critérios (normas, regras, principios) de alguma coisa. E se alguns desses cri- térios tiverem problemas, incluir sugest6es para sua modi- ficagao. Criticar, portanto, nao 6 simplesmente pichar algo de que no estamos gostando. Sendo assim, os instrumen- tos mais afiados para se fazer uma critica da Ciéncia esta- vam com a Histéria da Ciéncia. Tendo convivido intimamen- te com a Ciéncia e suas transformagdes durante sécillos, a Historia da Ciéncia conhecia como quase nenhuma outra Area de estudos os processos internos dela. Era preciso, agora, que a Historia da Ciéncia ganhasse uma dimensao verdadeiramente historica para que ela pu- desse fazer sua critica ao longo processo, no tempo, vivido pela Ciéncia. Contando e recontando as muitas historias de que se fez a Ciéncia, foi possivel entender problemas, sal- tos e falhas que haviam ficado apagados pela aparente con- tinuidade do progresso cientifico. Embora envolva muitos-problemas, gostaria que ficasse a imagem de uma Historia da Ciéncia complexa mas inte- ressantissima. interessante porque recuperou conhecimen- tos sobre a natureza que pareciam errados pelos critérios cientificos; porque recuperou outras formas de ciéncia que a Ciéncia Modema apagara; porque recuperou para a Cién- cia seu papel de conhecimento produzido pela cultura hu- mana. Um conhecimento especial, sim, mas que, como UOT SANA MARIA ALFONSO-GOLDFARB -—-————_ outros comhecimentos, foi Construido ¢ inventado Pelo ser humano e, portanto, cheio de idas e voltas. E dai sera pre- Se CAMINHOS PRIMEIROS: UMA IMAGEM NO ESPELHO DA PROPRIA CIENCIA Todos os caminhos levam a Roma... Todos os caminhos levam as Indias... Era uma vez uma Europa que, até o S€culo XV, vivia @pertada entre seus muros. A ocidente tinha o grande mar Onde ninguém se aventurava, que para eles devia ser 0 |i- mite da terra, Pols acabava no vazio, A mavegagao até ° século XIV era Costeira. Ou seja, Contornava-se a terra por mar, sem perder muito de vista a linha da Costa. As histé- tias_que hoje_se_contam sobre vikings que chegaram-a— América e chineses que navegavam em mar aberto antes AbA.MARUA ALFONSO-GOLOFARB, ; r de conquistar. A norte, numa época em que nao havia ele- tricidade nem radar, e os combustiveis eram s6 para lamparinas, existiam os gelos elernos. Estou contando essa historia porque foi no mundo euro- peu, cercado por todos os lados, onde comegou a fermen- tar as sementes da Ciéncia Moderna. Ninguém conseguiu até hoje provar com certeza se essas sementes da Ciéncia foram o que ajudou os europeus a arrebentarem seus mu- ros e se expandirem por todo o planeta. Ou se, a0 contra- rio, por terem comegado a arrebentar os muros, eles pude- ram trazer, de outras partes para a Europa, as idéias (ou mesmo os materiais e 0 vil metal) com que regaram e@ fize- ram brotar essas sementes. Comeca ai 0 labirinto que os historiadores da ciéncia, dedicados aos estudos das origens da Giéncia Moderna, tém de enfrentar. O século XV, que é quando essa movimentagao toda para destruir muros co- mega a acontecer com forga, foi um século de descoberta dos mais agitados na Europa. E um periodo de redesco- berta da cultura classica e de novas culturas. A redescoberta comega a acontecer em grande escala quando, no meio do século XV, 0 Império Otomano (que era islamico) domi era cristo). Os bizantinos que fogem para 0 cocidente euro- peu sabem traduzir diretamente do grego classico para o latim. Acontece que ha muitos séculos 0 europeu ocidental tinha desaprendido a ler grego (as tradugGes para 0 latim eram feitas a partir das tradugGes arabes dos textos classi- cos). Entusiasmadas com essa possibilidade de acesso di 10 a cultura classica, oS europeuS iniciam um verdadeiro Ancio (Império Romano Oriental, que _ © QUE E HISTORIA DA-GIENGIA— — 7 festival de recuperagaé de trabalhos perdidos ou esqueci- dos, e que um dia ja haviam feito a gloria da Europa. Essa retomada da inicio ao periodo conhecido como Renasci- mento (porque renasce a cultura classica), no qual vao tam- bém acabar acontecendo muitas descobertas. Igualmente, a descoberta de novas culturas tem, de al- guma forma, a ver com 0 abalo das fronteiras européias com 0 mundo islamico. A rota para as indias, por onde en- travam as maravilhas do Oriente (sedas, porcelanas, espe- ciarias ¢ tudo mais) para a Europa, foi um caminho contro- lado pelos muguimanos durante séculos. Os muguimanos dominavam também uma parte da peninsula Ibérica (Por- tugal e Espanha) em territorio europeu. Era um velho sonho da Europa crista tomar dos muguimanos essas fronteiras. E, se possivel, estender-se para além delas, procurando um caminho proprio para as indias que Ihes desse riqueza e forga para competir com o mundo islamico. Os cristaos portugueses @ espanhdis realizam esse du- plo sonho até finais do século XV. A rota lusitana para as indias desce pela costa africana (descobrindo lugares por onde nenhum europeu havia pisado antes, nem mesmo os sabios antigos), cruza 0 oceano Indico_e.chega a Calcuta, na india. A rota hispanica toma o caminho do mar aberto e, seguindo sempre para 0 Ocidente, chega as outras Indias: as Américas. De uma e de outra rota vao jorrar inumeras novidades diante dos olhos surpresos dos europeus. Para explorar esse mundo que se abria, cheio de novas fronteiras, outros povos e tantas novidades, era também preciso descobrir uma outra forma de Conhecimento; uma nova ciéncia. Acon- tece que, para alguns, essa ciéncia deveria nascer dos co- nhecimentos classicos, da ciéncia dos antigos. Afinal, a redescoberta dos antigos ja havia trazido Muitas coisas no- vas e talve2 fosse sé adapta-las As Novidades descobertas. Para outros, porém, as novidades de um mundo com o qual os antigos nao haviam nem sonhado deveriam Ser conhe- cidas de uma forma também inteiramente nova. Mas era dificil decidir quem estava com a razao, Porum lado, de fato, as navegagées, que vao se intensificar muito novidades que os textos dos antigos classicos nao haviam previsto. Por exemplo, o céu do hemistério sul, guia das novas rotas maritimas por onde Outros povos europeus além dos ibéricos vao se aventurar, nao constava em ne- nhuma carta astronémica dos antigos. Também fo) desco- berto que pessoas, animais e Plantas existiam em numero consideravel nas zonas térridas da terra (na linha do Equa- dor), onde os sabios antigos acreditavam que, por causa do forte calor, nada pudesse viver. E das Américas chegavam noticias de povos, como os ast Cas, que, sem usar a toda ars as a delas criar novas formas de olhar 0 mundo. A perspectiva, entre Sutras, foi uma invenodo deles: uma técnica Para representar a profundidade de uma cena ou Sempre dessa maneira, Povos tao interessantes como os chineses, og Gregos e os astecas nao enxergavam em pers- Pectiva, a idéia da Viagem que mudaria Para sempre os velhos limi- tes do mundo. Errados ou Certos, mirando aqui e acertan- [ANA MARIA ALFONSO: GOLDFARB ene do ld, os textos dos sdbios classicos poderiam “ser, pélo menos, um bom come¢o para um novo conhecimento. E facil perceber por que aqueles que retomaram o cami- nho iniciado pelos classicos foram chamados de antigos € ‘0s que buscavam novos conhecimentos para a ciéncia, modems. Porém, as vezes, 0S modemos nao eram tao modernos assim nem os antigos tao antigos, mas se mis- turavam, E dessa maneira que, entre os séculos XVI e XVII, vai se formando a ciéncia moderna. E a Historia da Gién- cia? Que ligagao ela tem com tudo isso? Como ela surge no meio desse emaranhado de opgées? Que uso fazem dela antigos e modernos para justificar sua opgao? Normalmente, quando se fala de antigos e modemos, logo se pensa em exemplos da histria da astronomia e da mecanica e em nomes revoluciondrios como Kepler, Galileu e Newton. Todavia, talvez seja uma boa ocasiao para co- megar por um exemplo menos tradicional e possivelmente até mais adequado para se discutir a questao de antigos e modemos: a medicina do século XVI, quando surge Para- celso, uma figura das mais polémicas do periodo. Aconte- ce que a medicina na época de Paracelso é um dos exem- plos mais complicados da Hist6ria da Ciéncia. Mas, talvez alé por isso mesmo, também-um-dos-mais-ricos para falar sobre a Histéria da Ciéncia (ou pelo menos sobre como ela jd era usada naquele tempo). Trata-se de um exemplo com- plicado na Histéria da Ciéncia porque, desde os principios da medicina classica, discutia-se se ela era uma técnica (preocupada com as formas de curar) ou uma ciéncia (preo- cupada em teorias sobre a doenga e sua ligagao com outras teorias). Mais complicado ainda porque poucas areas do co- HISTORIA DA GIENGA 2 nhecimento haviam avancado e se intrometido tanto no ter- ritério das outras ciéncias. Num proéésso que’comegou mui- tos séculos antes de Paraceiso, saberes farmacéulicos, alquimicos, astrolégicos/astronémicos (que eram equivalen- tes), eaté mineraldgicos e meteoroldgicos, cresciam a som- bra da medicina e pelas maos de médicos. Essa medicina exagerada — cheia de conhecimentos que, em principio, nao deveriam fazer parte, diretamente, de sua area de estudos — formava um leque de tendéncias as mais variadas. No século XVI, essa espécie de ciéncia feita de ciéncias nos oferece mostras que vao do caminho extremamente mais antigo (ligado a dois mil anos de tradi- cao médica e filosdfica) até o radicalmente mais modemo (que dizia nao precisar dessa tradigao para coisa alguma). Este ultimo seria um caso extremo. E parece ter sido 0 de Theophrastus Bombastus von Hohenheim alatinado autoralmente Philippus Aureolus Theaphrastus Paracelsus (c. 1490-1541), ou simplesmente Paracelso, como gostava de ser chamado aquele que rejeitou toda tradi¢ao classica conhecida pelos europeus em medicina. Mas antes de qual- quer consideragao precipitada sobre como a Historia da Ciéncia entrou ou deixou de entrar neste caso, sera neces- ———~girio formar um rapido quatro de como cada um dos ca- sos extremos (Paracelso versus dois mil anos de tradigao) construiu sua medicina. Pausa para contar uma historia sauddvel Costuma-se dizer que 2 medicina considerada classica nasceu entre os gregos, mais ou menos, entre os séciiios ANA MARIA-ALFONSO-GOLDFARB- VI @ V antes de nossa era. Teria ‘sido Hipocrates (c. 460 aC. -?) um dos seus principais iniciadores e, Séculos de- pois, com varias transformagGes e mudangas, éla Passaria ao Império Romano, influenciando grandes obras médicas como a de Galeno (c. 130-201 d.C.). Também para os islamicos, na época de ouro da sua cultura, essa forma de medicina teve a maior importancia, gerando trabalhos como 0 de Avicena (980-1037 d.C.), Cuja traducao do drabe para 0 latim era ainda usada Pelos europeus na época de Paracelso (uma época em que SO Os textos originais gre- gos ¢ latinos pareciam ter valor. )- Claro que essa longa tradico, que havia durado quase dois ‘mil anos, teve muitos oponentes e intimeras versées, variando de época para época, de cultura para cultura 8, aS vezes, de autor para autor. Mas, basicamente, ensinava que a satide era produto do equilibrio entre os quatro humo- res ou fluidos do corpo: Sangue, catarro, bilis amarela e ne- gra. Cada um desses humores ra 0 equivalente, no orga- nismo, aos quatro principios materiais que — de acordo com os gregos — formavam o mundo: Agua, fogo e terra. Os humores, assim como os principios materiais, possufam qualidades (quente, fria, seca e imida) combina. das duas aduas:+0- ‘Sangue seria quente e umido comoo (1) AS qualidades eram oposias duas @ duas: quente a fio, seco a timid; Por isso nenhum principio material e nenhum humor era quente e frio ou ‘seco e Umido ao mesma tempo. Nos textos hipocrdticos, Por exemplo, cada humor em apenas uma qualifade, enquanto Galeno usa ume combinagao. {2o comploxa de qualidades que chega a falar de ‘Sangue com ccaracteris- ticas biliaticas ou fleumdticas (de catarro)”. 0. €squema aqui apresentado é ne 5 Ser apenas para que possam ser entendidas as questées tent’ mais gerais do problema. © Que é stéaia ‘oa 'Cencia " i; 0 Catarro, frio e umido como a agua; a bilis amarela, quente e seca como o fogo; e a bilis negra, fria e seca como a terra. O aumento ou diminuigao de uma qualidade em relagao a outra num humor, Produzindo um desequilibrio, gerava a doenca. Como a doenca era um desequilibrio interno do or ganismo, acreditava-se que era da natureza do Préprio Organismo combater tal desequilibrio. Por exemplo, uma ré- pida febre ou evacuacao que queimasse os excessos de um humor, ou liquidos e alimentos que repusessem as faltas. Cada organismo tinha necessidades prdprias, inclusive quanto a idade, ao sexo e A constituigao, Para recuperagéo @ manutengao do equilibrio. Por isso, recomendava-se die- ta, exercicio e Condi¢ées climaticas e de sono individuali- Zadas para auxiliar 9 Processo de cura. Sé em ultimo caso © médico deveria intervir, forgando a eliminagao de exces- SOS com um purgante, uma sangria (flebotomia) ou minis- trando remédios contrarios & manifestagao da doenga. Por exemplo, uma doenga de manifestagao quente era sintoma de falta de frio no organismo; portanto, o remédio deveria ser de natureza fria. Da mesma forma, no caso de doen- GaS que se manifestam Uimidas, os remédios deveriam le- Var a secura do organismo. Quase sempre esses remédios eram feitos de ervas e costumavam nao ser muito fortes, pois, como ja lissemos, 0 objetivo era apenas auxiliar o organismo a encontrar seu Proprio equilibrio. Tal foi a medicina humoral (que deriva da Palavra humor), que usava 0 método dos contrarios (remé- dios de qualidades contrarias @ manifestacao da doenga) para repot o equilibrio e a satide do organismo. Pois bem, Paracelso rejeitou essa longa historia. Alias, fez questo de nunca conta-la, chegando mesmo a quei- mar livros de Galeno e Avicena em praga publica para pro- var que nao precisava de seus ensinamentos nem de sua tradigao. Para ele, a sabedoria seria encontrada apenas no livro sagrado (a Biblia) e no Jivro da natureza (com a obser- vagao direta e atenta desta). Segundo Paracelso, qualquer curandeiro deveria saber mais sobre as doengas que ocorriam em sua regido do que os grandes doutores do passado, tao afastados no tempo @ no espaco dessas realidades. Afinal, nada estava escrito nas paginas dos cldssicos sobre os males que assolavam a Europa naquele periodo, como a sifilis (que parecia entrar pela rota das indias Ocidentais) ou os ferimentos causados Por pélvora (que se tornaram comuns nos campos de bata- Iha depois da invengdo de armas portateis no século XV). Mais ainda Paracelso nao acreditava que a pouca eficién- cia da medicina classica na cura das doengas fosse sé um problema de método antiquado. A propria nogdo de doenga, pensava ele, estaria errada nesses textos. Nao seria o de- sequilibrio do organismo a causa da doenga, mas uma agressao extema, uma espécie de envenenamento que 0 corpo nao conseguia combater. E, para um envenenamen- to, nada melhor que um antidoto: uma pequena dose do proprio veneno. A idéia era dar ao corpo as mesmas armas do mal que lhe atacava, para que ele tivesse condic¢ao de vencer 0 combate. Portanto, iguais curam iguais — este era 0 principio da medicina pepular usada pelos curandeiros. O.QUE € HISTORIA DA CIENCIA oe Paracelso acreditava que esta era a forma correta de com- bater e curar as doengas, e nao a maneira da medicina humoral, na qual a cura viria por meio dos contrérios. ~Remédios fortes, com base em minerais (que eram con- siderados pelos médicos da época como venenos que deviam ser evitados), foram usados por Paracelso. Algumas. vezes o doente ficava ainda mais envenenado e mortia... mas, em outras ocasides, doentes que pareciam incuraveis experimentavam melhora... e até cura. Doentes com sifilis, por exemplo, eram tratados com mercurio, uma das subs- tancias mais tarde usada no remédio que hoje cura esse mal. Retomando o fio da meada Ficou facil, por exemplo, perceber como os _antigos (aqueles ligados a medicina classica de dois mil anos) de- viam usar a histéria dessa tradigao para justificar suas idéias. Ainda mais no século XVI, quando uma enorme quantidade das obras classicas haviam sido traduzidas (tra- dugdes das tradugdes arabes ja faziam parte dos estudos universitarios desde os séculos XI! e XIll), e seu estudo (Bp zia-parte-do curriculo das escolas de medicina: — Grandes trabalhos em anatomia foram feitos nesse sé- culo, usando a dissecagao de cadaveres, mas seguindo idéias da medicina classica para se justificar. Entre esses trabalhos, talvez o mais notavel seja o tratado De fabrica humani corporis (1543), feito por Andreas Vesalius (1514- 1564), médico belga que estudou em Paris ¢ lecionou em Padua, figura representativa do periodo. Nas belissimas ms MARIA-ALFONSO-GOLDFARB * 0 Que E tasTORA DaA.CENCIA 5 ilustragdes de seu De fabrica, Vesalius Corrige alguns dos Principais erros em anatomia que haviam chegado até sua €poca. Por €xemplo, a falta de uma costela no Sexo mas- culino (gerada pela idéia de que Ad&o perdera uma coste- la) ou a presenga de cinco Idbulos no figado. humano (ge- rada a partir das dissecagées de Galeno em figados de porco). Apesar disso, Vesalius Continuaria sendo um antigo (na nossa diviséo entre antigos e modemos). Sua maior ambigao no De fabrica era atualizar e aprimorar as obras de mestre Galeno. Assim, as idéias do grande médico do comego de nossa era nao sao criticadas mas Corrigidas por Vesalius. Nas Paginas do De fabrica @sas idéias sd 9 mo- delo sobre o qual Vesalius justifica seus avangos (e até ‘seus equivocos) em relagéo a uma tradiggao médica milenar. Nessa mesma linha, um exemplo ainda mais explicito 6 0 de Georgius Agricola (1494-1555) em seu De re Metallica, Publicado um ano apés a sua morte. Agricola (alids, uma tradugao latina, conforme a moda da 6poca, de seu verda- deiro sobrenome; Bauer, ou seja, agr icultor/camponés) fez estudos filoséficos, €m terras germanicas.e médicos, nas ita- lianas, fixando-se depois na regiao de Freiberg, entao um dos distritos mineiros mais importantes da Europa central, Ali, em-meio-a ‘Sua-pratica-médica,-Agricola aprendeu os — Segredos dos trabalhos nas minas. E digo segredos porque, até entao, pouco havia sido escrito ou publicado a esse res- Peito. A nao ser, 6 claro, que consideremos os trabalhos dos grandes classicos que, seguindo a orientacao da obra de Aristoteles, costumavam dedicar uma parte de suas teo- rias sobre a matéria Para explicar a formago dos minerais © do que chamavam matéria subterrénea, SSS Agricola, de fato, leva em consideragao esses trabalhos. E, na Seqiiéncia de seus varios livros sobre o tema, que culmina com De re metallica, ele parte dessa tradic&o teéri- ca, conta mesmo um Pouco de sua histéria, Para depois introduzir Novidades. Essas novidades (ou Segredos dos mineiros, que 0 publico em geral nao conhecia) eram as formas de encontrar ¢ trabalhar as minas (incluindo méto- dos, instrumentos.¢ gerenciamento), assim como separa- 040 e Purificacao dos metais e até as doengas dos minei- fos. Algumas obras de Agricola falam também das aguas e dos animais Subterraneos, Mas em todas, de alguma ma- Neira, seu didlogo com a Cultura dos classicos esta presen- te. E como seas Novidades ganhassem mais Peso quando morar com observacées @ Praticas novas. Ahistoria dessa ciéncia, sempre que contada ou mencio- Nada por eles, justificaria suas Novas idéias. As novidades Vesalius e Agricola sao, Portanto, exemplos de antigos Porque retomaram caminho iniciado pelos classicos. Mas, como a maioria dos antigos, eles nao foram tao antigos ssa vontade de atualizar 6 corrigir os classicos era, por si mesma, algo de novo no horizonte europeu! ANA MARIA ALFONSO-GOLDFARB Ahistéria da’ciéncia, do conhecimento e davilosofia dos classicos ndo haviam servido, na Europa crista, para falar ou justificar a transformagao de coisa alguma no conhe- cimento: eram a prépria ciéncia, o proprio conhecimento. Pausa para contar uma histéria as avessas Os renascentistas nao foram os primeiros a estudar os classicos. Muito embora eles acreditassem que eram 0S primeiros, apés dez séculos, a entender de verdade essa cultura e, portanto, os unicos que podiam fazer com que ela renascesse. Até inventaram o termo Idade Média (tempo intermedidrio ou tempo de espera) para dar nome, de forma meio depreciativa, a esses mil anos que eles consideravam inuteis em termos de conhecimento e que se localizava entre a Juz da cultura greco-romana e a /uz de sua propria cultura. Isto porque os renascentistas consideravam que 0S bizantinos tinham apenas arquivado os cldssicos; 0S arabes haviam corrompido suas idéias; e 0s europeus medievais mal entendido seus textos (pois usavam quase sempre tra- dugdes) e amarrado suas idéias com preceitos religiosos... (o tempo revelou outra historia sobre a Idade Média que vale a pena conferir). enae ar Mas, conforme tive oportunidade de explicar anterior- mente (p. 25), os medievais europeus ja haviam estudado 0s cldssicos e, pelo menos desde o século XI, um bom vo- lume deles. Acontece que a cultura medieval européia foi, quase sempre, uma cultura crista, organizada pela Igreja Catélica. Era, portanto, uma cultura religiosa guiada pelo ___0.QUE E HSTOFIA DA CIENCIA 29 texto biblico em que estariam as verdades que deveriam ser seguidas como leis. Qualquer idéia, qualquer teoria que ti- vesse sido produzida fora dessa realidade deveria ser ana- lisada cuidadosamente para ver se nao entrava em conflito com 0 texto sagrado ou pelo menos deveria ser adaptada aele. Os cléssicos vindos de uma cultura paga tinham que passar por uma espécie de selegao e encaixe. Verdadeiras maravilhas e malabarismos foram praticados pelos medievais para cristianizar vatios desses trabalhos. Desta forma, Aristételes, o grande sabio grego do século IV a.C., sofreu uma das obras de engenharia de cristiani- zagéo das mais complicadas. A Terra que ele considerava ‘o centro do universo (alias como a maioria dos gregos) foi associada a idéia biblica de que o ser humano era o centro da criagao. Dai se concluiu que ela devia ser o centro do universo, como dissera Aristételes. Claro que sempre so- bravam alguns problemas. Por exemplo, Aristételes nao dera data para o comego do mundo (alias, nao estava preo- cupado com nenhum tipo de cronologia sobre a formagao do mundo, mas no porque desse processo), enquanto para os cristdos a cronologia da criagao era uma questao biblica fundamental. Mesmo assim, Aristoteles fez enorme suces- so entre os medievais. Com o tempo acabou por ser cha- mado de O Fildsofo, e seus textos considerados tao dentro das normas que quase eram a propria lei. Geralmente em menor escala (porque a obra aristotélica conhecida pelos medievais teve especiais privilégios) a questao da cristianizagdo dos classicos girou nesse eixo. Os fatos novos eram comparados a exemplcs dos textos classicos (perdendo assim seu cardter de Novidade), que Por sua vez eram comparados-a exemplos. biblicos que tam- bém eram verdades eternas e intocaveis. Dai que, se toda a verdade ja estava na Biblia € os textos classicos serviam apenas para torna-la mais evidente e compreensivel aos comuns moriais, chegamos ao ponto de Partida. Esses textos nao eram vistos como um Processo de co- nhecimento com sua histéria de transformagdes e Possiveis evolugdes: eles eram o proprio conhecimento, a propria ciénia. Suas paginas, escritas ha centenas de anos, eram avidamente consultadas a procura de respostas para pro- blemas da Gpoca. Nas universidades, eram estudados e debatidos. os sistemas de verdades dessas obras, mais do que suas questoes especificas, e os curriculos aumentavam com teorias classicas em geral. Em campos como a medi- cina, em que, além do mais, havia também que se traba- lhar os sistemas das grandes autoridades médicas do pas- Sado, esses aumentos eram um exagero. Os estudantes saiam versados numa verdadeira ciéncia das ciéncias, eram Mais fil6sofos do que clinicos e (como a maioria no perio- do) mais antigos do que os. Préprios antigos. Claro que esta 6 uma espécie de caricatura do mMedievo cristao, quando-algumas ‘das mais belas ‘Obras do pensa- mento humano foram feitas, nem sempre sob a ditadura dos classicos. Por exemplo, no século XIV, saltando as teo- fias aristotélicas (e até resolvendo suas questdes problemg- ticas), um grupo de pensadores criou teses bastante origi- nais sobre como o movimento Podia continuar mesmo ‘tendo desaparecido a causa de sua origem (a chamada teoria do $e "0 QUE E mTOR Da Gna ee impeto). Assim, no caso do langamento de uma flecha (algo Pouco Claro em Aristételes), © arqueiro teria imprimido cer- to impeto que iria se gastando até acabar. O que explicaria @ gradual diminuigao de Movimento € a queda da flecha, Esta teoria e Varias outras nesse século criaram um movi- $6 comegar 0 Movimento renascentista e, num Passe de magica, tudo Mudou. Os primeiros renascentistas (também chamados humanistas) costumavam pensar que oO modelo greco-romano era Perfeito, e que devia ser imita- do tal © qual. Nada havia a Corrigir ou acrescentar se a tra- dugdo dos originais fosse Perfeita. Alguns estudiosos dizem que teria corrido um deslocamento das verdades, do pla- — sSNA EON GOLOEARB.— -=———— des foi mudando esse enfoque. A medida que mais e mais textos antigos eram descobertos e traduzidos, foram cres- cendo as evidéncias de que, talvez, as teorias ali presen- tes nao fossem tao perfeitas assim. Na maioria das vezes, mesmo de posse de originais completos e bem traduzidos, nao era facil nem direto 0 uso dessas teorias para enten- der as quest6es de uma Europa a cada dia mais co! mplica- da, Talvez fosse o momento de virar a Historia as avessas em vez de corrigir as antigas teorias... Retomando o fio da meada ‘A medicina, uma das areas mais afetadas por essas complicagdes — novas doengas, novas condigdes para 0 corpo humano até de nutrigdo, de trabalho —, foi também uma das primeiras em que a necessidade de repensar as. velhas teorias ira tomando forma. Até porque pOucos deviam estar mais bem equipadas para esse trabalho do que os médicos: /ntimos dos classicos & curiosos de areas alheias havia séculos e séculos! Dai que Vesalius e Agricola fossem tao bons exemplos de antigos que estao comegan- do.ase afastar da tradicao. pers Corrigindo ¢ atualizando essa tradigao, estao dizendo que ela nao esta pronta e acabada desde a época dos clas- sicos. Mas que os conhecimentos ali contidos podem so- frer um processo, podem ser complementados, podem se transformar com o tempo; tem uma historia. Una historia que se move, aceita € justifica novas descobertas. Enfim, esses ati gos nem tao antigos do século XVI, ao pensarem + _0-QUEE HISTORIA DA CIENCIA 3 assim, ajudaram a criar uma das primeiras formas moder- nas de Historia da Ciéncia conhecida pela Europa crista. Agora, uma coisa era corrigir e outra bem diferente era contestar. E a medicina, como protetora da ciéncia que continuava sendo no século XVI, temia os excessos. Claro que no meio desse temor havia as autoridades religiosas (que a essa altura ndo eram sé catélicas) até civis. Pois, zelosas de seu poder, elas estavam sempre as voltas com qualquer novidade estranha que pudesse por a perder a alma de seus fiéis ou a cabega de seus pagadores de im- postos.. E claro também que uma parte dessa vontade de justifi- car as novas idéias esta relacionada ao temor de ir contra essas autoridades. Mas por sobre todo esse panorama complicado havia uma espécie de rede do pensamento. ‘Uma forma de olhar e entender o mundo e a natureza que influia tanto sobre os reis é os bispos Como sobre os médi- cos e os tecelées. E essa rede do pensamento que, como ja foi visto, vinha de séculos e séculos na Europa crista. estava comecando a se romper em muitos pontos. Sere sobre esse processo de substituigao e reforma da velha rede por outras maneiras de pensar a natureza que vamos falar (e que ja temos falado). Porque sera neste processo que irdo tomar forma as varias perspectivas da Historia da Ciéncia. Quanto aos problemas religiosos, politicos e sdcio-eco- némicos que, sem duvida, sao muito volumosos e compli- cados nesse século XVI europeu, sugiro, até para que seja mais bem entendida sua importancia, que vocé consulte a enorme bibliografia sobre esse periodo, feita nos dias de ee a a hoje por excelentes especialistas. Continuaremos, como ja temos feito com outros periodos, introduzindo aqui é ali al- gumas explicagdes rapidas desses problemas quando eles forem diretamente ligados ao nosso tema. Pois bém, a medicina do século XVI eraa Giéncia da vida eda morte, e ha muito tempo estabelecida como um dos poderes, um pdlo de conhecimento autorizado na Europa. Tinha, portanto, esse pdlo seus préprios mecanismos de defesa contra os excessas no conhecimento. Assim, por exemplo, um certo Dr. John Caius, humanista de algum prestigio na Inglaterra e por isso presidente do Colégio de Médicos ingleses, ordenou que fosse Preso um jovem dou- tor de Oxford. E isto porque haviam Ihe informado. que 0 tal jovem contestava a obra de Galeno, apontando varios erros que a tornariam invalida. Dessa prisdo ele sé sairia quando fizesse uma retratagao publica reconhecendo os excessos que havia.cometido. Nada de excessos portanto... A medi- cina nao estava preparada para mudangas radicais. Dai, como estariam os modernos nesse quadro? Ainda mais se 0 modemo fosse um caso extremo como Para- celso, que, além de arrasar o conhecimento dos classicos (chegando a queimar os livros destes), propunha sua intei- fa substituigao pela estranhissima-filosofia_quimica (uma forma de conhecimento que atingiria nado sé a medicina mas todas as ciéncias)... Seja ld pelo que tenha sido — ¢ até hoje nao se sabe qual desses dois fatos escandalizou mais © meio universitario —, 0 caso é que ele acabou expulso e execrado. Nao havia, entéo, uma esperanca para os mo- demos? A curto prazo nao, mas a Historia se encarregou de mostrar que eles acabaram levando a melhor. —O.QUEEHSTORA OA ciENcK Certamente ue para conseguir isso os modermos tive- ram que Se justificar, Convencer-aos demais (e as vezesa pen de Historia da Ciéncia. E natural, entretanto, que al guém Como Paracelso (aparentemente um modemo radi- cal) No julgasse. Necessario introduzir fnenhum tipo de his- oe @ menos que sejam consideradas suas mengoes pou- CO honrosas aos Classicos para citar inutilidade e ignoran- [ANA MARIA ALFONSO. GOLDFARB classica por acreditar que outra tradi¢ao — con lerada na época ainda mais antiga — fosse a verdadeira: a biblica. : Oo Génese principalmente, dizia Paracelso, trazia mais verdades sobre a formacao da matéria do mundo e dos humanos, por obra de Deus, do que as teorias ditas pagas dos quatro elementos (agua, terra, fogo e ar) & dos quatro humores (Sangue, catarro, bilis amarela e negra). Agora, © mais interessante era que, depois de fazer muitos elogios aos conhecimentos da Biblia sobre os quais deveriam se pasear os Novos conhecimentos observados diretamente na natureza, de fato, o modelo seguido por ele foi outro. Paracelso usou de trés principios basicos: mercurio, en- xofre; sal (respectivamente, principios liquide, fogoso e so- jido ou espirito, alma € matéria) para explicar a natureza e o ser humano como um destilado desta. Acontece que a teoria do enxofre e mercurio era uma teoria criada pelos al- quimistas Arabes pelo menos desde’o século XK ou X para explicar os minerais. Além disso, Razes (também um famo- so alquimista e médico muguimano do século X) ja havia considerado os sais como da maior importancia, tendo fei- to um longo estudo destes. E, mais ainda, usava formulas com minerais na cura de seus pacientes, ajudando a criar aiatroquimica (quimica médica) que Paracelso dizia ter in- ventado... Para completar, foi Arnaldo de Villanova (i 235- 4311), nascido em Valéncia pouco depois dessa tegido ter sido conquistada dos arabes pelos cristaos espanhdis & muito antes de Paracelso, quem defendera e comecara a fazer uso dos principios da chamada medicina popular (iguais curam iguais). 0.qUe E HSTORIA DA CIENCIA 7 Com tudo isto, Paracelso nao s6 esta seguindo uma an- tiga corrente alquimica e médica, como, também, perpetu- ando um velho habito da medicina: ampliar seu campo tra- zendo para si outras areas do conhecimento. Pois sera partindo da alquimia e tomando empréstimos da mineralo- gia, da astrologia etc. que Paracelso iré construir sua visao de natureza, ser humano e satide. Nao deixou, entretanto, de ser interessante a nova obra de nosso moderno nem tao moderno. Ja que ele acabaria remodelando e até dando uma nova perspectiva a conhecimentos que, por serem quase todos medievais, e principalmente arabes, teriam de- saparecido em siléncio, engolidos pelo rio renascentista. De qualquer forma, esta historia nao foi contada por Paracelso. Mas sera, em parte, recuperada por alguns de seus futuros seguidores, para justificar (exatamente como faziam na mesma época 0s antigos) as transformagdes que eles con- sideravam estar introduzindo numa antiga tradi¢ao alqui- mica e médica que partira do lendario Hermes Trismegisto e do Moisés biblico (e nao de Aristoteles nem de Galeno). Como isso nao vai ter nenhuma influéncia em Paracelso (pois seus seguidores surgem décadas apds sua morte), é preferivel continuar pensando nele como um moderno, ain- da que sorrateiramente antigo. Na medicina, provavelmente pela riqueza de temas que envolvia e pela complexidade de seu objeto de estudo (asatide), 0 debate antigos versus modemos continuou ani- mado por muito tempo. Cada vez mais uns é outros se con- fundiam, tornando também cada vez mais dificil distingui- los pois, de lado a lado, chegam contribuigées novas e justificagdes antigas (embora diferentes). Tanto que, em 1631, num livro sobre aguas minerais, tema na época do maior interesse tanto para a quimica como Para a medicina, 9 médico inglés Edward Jorden fica a meio caminho, ape- sar de sua declarada intencao de Pertencer aos modernos. Assim, faz Criticas decididas aos ¢lassicos, adverte sobre a necessidade de se manter uma Posigao independente a es- tes e apresenta resultados verdadeiramente modernos de suas andlises sobre as aguas. Mas, ao mesmo tempo, nado. consegue deixar de citar pesadamente og textos cldssicos € acaba reconhecendo que, errados ou certos, os antigos abriram muitos caminhos sem os quais no se teria chega- doa ci la daquele periodo. er De qualquer forma, ao longo dos séculos Xvi e XVII, essa situag&o estara presente em quase todos os campos do conhecimento. Talvez com exemplos menos ricos em nuances do que a'medicina; mas em: algumas dreas de ma- Neira mais radical. Assim, na astronomia, em que as cartas das movimentos celestes serviam Para fazer desde o mapa astral de um doente ou de todo um reino até 0 calendario ou ainda a rota maritima dos viajantes, a Situagao vai se —_lornar aguda. Ai existe uma quebra radical entre antigos (no £280, 0S que Seguiam a linha tradicional da astronomia las- sica) e modernos. A questo era a Seguinte: Claudio Ptolo- meu, um helénico do século Il d.C., Partindo de alguns dos sistemas astronémicos da antiga Grécia, aprimorou-os e fez ele também um belissimo sistema para explicar os movi- mentos dos céus que, com Pequenas modificacdes, era ainda usado no século XVI. Movedor), um dos Preceitos de Aristételes que, como vimos, era um dos Principais representantes do pensamento gre- 90 antigo. 0 QUE E HISTORIA DATCIENCIN = 44 dicina, estava-se trabalhando com um sistema matematica- mente calculado, e muito bem calculado, que quase nao admitia corregdes. Nao havia muitas possibilidaces para que 0s antigos fizessem aos poucos corregdes & mudangas sem amassar totalmente Ptolomeu, Aristételes e os preceitos teligiosos... Dai que aqueles que tentaram, acabaram mudando com- pletamente:o sistema do mundo. Foi um trabalho de mo- demos, de quebra quase total com idéias anteriores. E tal- vez por isso seja © campo no qual historicamente mais se buscou os herdis revolucionarios da ciéncia modema. © mais interessante de tudo isso ¢ que © movimento de ruptura Com Os antigos foi patrocinado pela teoria de um mais que antigo. Um superantigo que acabou se transfor- mando numa espécie de pai dos modermos. Seu nome era Nicolau Copémico (1473-1543), um contemporaneo de Pa- racelso. Fora um religioso polonés que havia estudado na Itdlia e tinha sido influenciado pelo humanismo. E ficou tao encantado com essas idéias que acabou querendo corrigir o que ele considerava um erro de Ptolomeu em relacdo as verdadeiras idéias classicas. Ptolomeu explicava 0 zigueza- gue dos planetas por um esquema sofisticado em que a 6rbi- ta continuava em movimento circular perfeito, mas o planeta nao (cle fazia uma espécie de parafuso em tomo da orbita). Pois bem, Copémico considerava isso uma corrup¢ao dos principios classics. E saiu procurando uma maneira de fa- zer com que o préprio planeta tivésse movimento circular, portanto, que esse movimento coincidisse com 0 da sua 6r- bita. A opgao foi abandonar 0 modelo geocéntrico (cuin a Terra no centro), que ja havia sido explorado quase ao ma- ximo pelo sistema de Ptolomeu. Provavelmente, Copémico encontrou sua inspiracao em textos de outro ou outros clas- sicos (de Aristarco de Samos, um grego do século Il a.C., ou textos posteriores falando sobre sua teoria), em que se dizia que © Sol (e nao aTerra) era 0 centro do universo. Logo, se Terra era mais um dos planetas, ela deveria gi- rar em torno do Sol, ou seja, estava em movimento. Esse modelo de cosmos heliocéntrico (com o Sol no cen- tro) onde a Terra se movimentava — que até hoje 6 o mo- delo de nosso sistema planetario, embora nao mais do uni- verso — 4 nao fora aceito na Grécia antiga. E, na época de Copérnico, foi um choque que provocou muita polémica e fezcom que a maioria dos que quisessem falar de novi- dades sobre este tema passassem ao lado dos modern Assim, Copémico, um superantigo, porque queria corrigir aqueles classicos que, no entender dele, nao haviam usa- do corretamente as normas classicas, acabou sendo um exemplo para OS modernos. Talvez fosse 0 caso de buscar outros clssicos que tivessem respeitado 0 verdadeiro co- nhecimento da Antiguidade. Um conhecimento mais puro, que partisse de verdades mais gerais, como as. matemati-. cas, e que pudessem em seguida ser aplicado, sem erro, sobre os fendmenos da naiureza. Desde’9 inicio do humanismo, muitos esludiosos haviam dado preferéncia a textos pouco explorados ou mesmo des- conhecidos dos cristéos medievais. Brilhavam com es- pecial destaque os que explicavam 0 universo a partir das inconfundiveis verdades matematicas ou mesmo do poder Ne "ANA MARIA ALFONSO-GOLDFARG $+ ee magico dos numeros..Os primeifos so seguidores de Pla. to, 0 grande geémetra grego, que apesar de ter sido mes- tre de Arist6teles, teve muitas teorias diferentes deste. Os segundos $40 sequidores de Pitagoras, sabio grego que teria vivido no século VI a.C. Entre os helénicos estas idéias muitas vezeS Se misturavam gerando 0 que se conhece por neoplatonis™mo e Neopitagorismo. Na virada do século XVI para 0 XVII, muitos julgavam que essa devia ser a solugao do Problema que Copérnico deixara como heranea. Era Preciso se afastar o mais possi- vel de classicos como Aristoteles o afins, e escolher outros classicos como guia: os grandes matematicos da Antigui- dade. Eram modernos daquele género ja conhecido nosso: nem tao modemos assim. Nessa lista estavam nomes como os de Galileu Galilej (1564-1642) e de Johannes Kepler (1571-1630). Eles foram um tipo de moderno muito especial. De fato, eles estudaram bastante os matematicos classicos e se esforgaram para provar que eram herdeiros dessa tradigao, justificando suas idéias a Partir dela. Galileu até usou a for- _ma de didlogo para escrever suas obras principais — um estilo platénico que influenciou muito Os humanistas. E Kepler passou anos tentando fazer caber as orbitas dos pla- netas do modelo heliocéntrico nos poligonos regulares (fi- guras de lados iguais) que os antigos matematicos diziam sero esqueleto do universo. Mas as novidades que cada um acabou descobrindo, na Verdade, terminaram por implodir esse esquema de corre- ee TOQUE E HISTORIX DA CieNcu Se 940 € acréscimo aos modelos classicos. Pois a questao toda ndo foi sé a de substituir a Terra pelo Sol. Uma vez Posta em movimento a Terra, e sendo ela um planeta como Os demais, criavam-se problemas de movimento no céu e Na terra que nenhum classico havia sequer sonhado. Afinal, por que nao caiamos da Terra se ela se movia? De que anguto estavamos enxergando 0 céu, qual nosso Ponto de referéncia? Participariamos do movimento perfei- to do céu aqui na Terra? Ou seria 0 movimento do céu me- NOS perfeito do que se havia acreditado? E se fosse assim © que justificaria seu eterno Movimento? Nao seriam, entao, OS Céus feitos da mesma matéria imperfeita e sujeita as mesmas mudangas que a Terra? Para responder a essas Perguntas que implicavam igualar matéria e Movimento na terra e no céu, foram surgindo novas leis da fisica, cada vez mais precisas. Até chegar & mecdnica de Sir Isaac Newton (1642-1727), em que as condig6es para essa igualdade fo- fam criadas matematicamente. Como um pano de fundo Palido, cada vez mais desbota- do e distante, as historias dos matematicos classicos foram Sendo contadas, mais como uma maneira de exibir cultura, € Menos para justificar a linhagem antiga a que pertencem aS Novas idéias. Estudiosos como Galileu ou Kepler foram, Portanto, 0 inicio de uma virada em que as modernos fo- Fam se tornando cada dia mais modemos. Eo principio do fim de uma Histéria da Ciéncia que ajudou a justificar a pré- pria ciéncia. A Igreja, um dos guardides da antiga visdo da natureza Fo sonnet e do mundo, vai fazendo entre os séculos XVI e XVII uma espécie de jogo duplo, as vezes freando, as vez~s toleran- do (ou até incentivando) alguns campos da ciéncia. Por exemplo, enquanto se discutia acaloradamente » heliocen- trismo na Europa, e varios tiveram que responder a duros processos diante das autoridades da Igreja, esse sistema era ensinado pelos jesuitas missiondrios no Extremo Orien- te como prova da superioridade do pensamento ocidental! Enquanto isso, o protestantismo se firmava e re! conhecia na ciéncia um dos melhores aliados possiveis para garantir seu futuro. A ciéncia era, enfim, um projeto com futuro, e nao havia-grande-necessidade de historias para justificar sua existéncia. $6 resta dizer uma Ultima coisa, antes de entrar na nova fase da Histéria da Ciéncia. Na introdugao foi colocada a estreita ligagao entre a filosofia e a nova ciéncia. Alias, uma pretendia ser a continuagao da outra, ja que a maioria dos grandes classicos era fildsofa. Assim também a histéria que foi feita nesse periodo para justificar a ciéncia que nascia era bem pouco histérica: foi puro exercicio de filosofia. Pois nada_mais filosfico do que comparar teorias para ver como uma deriva, ou derivou, da outra. E nada menos histérico do que contar uma histéria sem tempo, montada para dar aimpress&o que um renascentista do século XV poderia ser © vizinho do lado de um grego do século V a.C. Na proxi- ma etapa, mais que nunca, a Historia da Ciéncia foi um apéndice da filosofia e da propria ciéncia, e nao uma das areas da Historia. © QUE € HISTORIA DA OHENCIA 45 O diploma de honri ao mérito: uma hist6ria para glorificar a ciéncia-rainha Adivisao entre antigos e modernos foi se tornando cada vez mais confusa ao longo do século XVII, até praticamen- te desaparecer. A ciéncia nao precisava de grandes justifi- cativas e, quando era.atacada, sua resposta mirava o futu- ro e nao o passado. Nem todas as teorias dos entao ‘chamados fildsofos naturais eram absolutamente modermas, mas a maioria indicava uma abertura para a modernidade. Se o Renascimento fora a época dos mecenas das artes (aqueles que ajudavam dando dinheiro e protecao aos ar- tistas), agora era a época dos mecenas das ciéncias. Nao em todos os lugares, nem em todos os momentos, mas auxiliar a nova filosofia da natureza comecou a dar presti- gio. Ela havia se tornado a promessa de uma nova era para a humanidade. Se os antigos espagos dedicados ao estu- do, inclusive as universidades, muitas vezes resistiam a seu avango, criavam-se mecanismos alternativos para continuar o trabalho. Essa foi a época em que a Europa viu nascer grupos, ___academias.e-sociedades onde -estava_sendo-gerada,-de fato, a ciéncia moderna. Foi crescendo, entao, a necessi- dade de atrair adeptos e conseguir porta-vozes, propagan- distas que convencessem a sociedade a ter simpatia pela nova causa da ciéncia e Ihe dessem apoio. Ficaram famo- sas jA desde 0 século XV! até parte do século XVIII as de- monstragdes puiblicas de experimentos cientificos curiosos ou instigantes e até mesmo polémicos. Assim, embora nao 848 9 ANA MARIA ALFONSO-GOLDFARE Sees Meee, 0. GUE E histOAA OX clenc-— ‘ tenha sido verdade que Galileu subiu a torre de Pisa para jogar, diante de meia cidade, uma bola de ferro e outra de igual peso, de algodao, essa lenda foi criada gragas & moda cientifica da época, William Gilbert (1540-1603), médico e naturalista inglés, famoso por seus trabalhos sobre magnetismo, teria sido um dos primeiros nessa espécie de teatro Cientifico, ao fazer demonstragoes em praca ptiblica tentando Provar a rotacdo da Terra. Ja no século XVII, o matematico francés Blaise Pascal (1623-1662) foi um dos varios a @presentar um gran- de show de ciéncia ao puiblico: subiu e desceu uma colina, com uma grande massa de curiosos atras dele, para medir a pressao atmosférica com o bardmetro recém-descoberto. Havia uma disputa sobre a invencéio do barémetro entre ita- lianos e franceses, e o evento em que Pascal mostraria o aparelho foi divulgado pelos quatro cantos de Paris. Como forma de divulgagao, também foram surgindo obras escritas numa linguagem mais facil Para 0 pliblico, m que as maravilhas da nova ciéncia eram apresentadas. Eram textos que tanto padiam tratar de temas astronémi- Cos quanto médicos. A populagao estava igualmente inte- -fessada em_saber sobre a Lua, que agora se dizia ser um satélite da Terra. Ou sobre as novas idéias a respeito do sangue circulando no corpo. Existia uma Predilecao espe- cial pela paraferndlia de maquinas e equipamentos que es- tava sendo inventada ou aprimorada pelos fildsofos natu- rais. Embora houvesse muita ignorancia e analfabetismo, isso nao diminuia a curiosidade pelos conhecimentos que Prometiam virar 0 mundo de Ponta-cabega. Assim, em alguns lugares como a Inglaterra, formavam- Se grupos para que, depois do trabalho, a Pessoa culta da Comunidade, muitas vezes o professor ou o farmacéutico, lesse trechos dessas obras, como quem 16 um conto de fadas para Griangas antes de dormir. Com 0 tempo, textos especiais para pessoas de Certa cultura mas que nada sou- bessem da nova ciéncia foram tamanho sucesso que aca- baram criando Obras para setores especificos desse publi- Co, tais como: ciéncia Para damas; ciéncia para nobres ciéncia para artesaos etc... Criou-se.o habito de oferecer aulas publicas regulares e, Na Franca, onde elas foram muito concorridas, tornou-se chique assistir a essas aulas. Sem duvida, a educagao era uma das bandeiras da nova ciéncia e uma das suas me- thores formas de Propaganda. Entre os filésofos naturais havia muito empenho para que se mudasse o sistema de ensino. E, em vez do curricula cheio de textos classicos, eles pediam que as novas formas de conhecimento sobre @ Natureza fossem ensinadas, o que demorou na Maioria das universidades até 0 século XIX. Acontece que essas novas formas de conhecimento ain- daes' Jam sendo muito debati 'S pelos filésofos naturais € precisavam ser justificadas com uma historia do futuro e nao com uma histéria do Passado como se fez durante muito tempo. E a Historia da Ciéncia foi se transformando numa mistura de ficgao cientifica (as maravilhas do futuro) com as crénicas ou relatérios do que estava sendo feito na Nova ciéncia (as maravilhas do Presente). Essa espécie de hist6ria com as cosias viradas para o passado Pode pare- sh sf Fp y igyepia ALFONSO. COLOFARO my err cer estranha. Ou seja, numa o presente se justificava com o passado e, na outra, com 0 futuro. Gertamente nenhuma ~ das duas foi historia pra valer mas, como jé disse, essa era amaneira de a ciéncia enxergar sua propria historia até o nosso século. Essa guinada de uma histéria do passado para uma do futuro, que ajudaria a dar popularidade e forga a nova cién- cia, foi prevista por um inglés de nome engragado e idéias até um pouco estranhas: Lord Francis Bacon (1561-1626). Bacon era um diplomata que praticamente nao desenvol- veu nenhum trabalho especifico em qualquer das novas ciéncias. Acreditava que a Terra era o centro do universo e chegou a estudar um pouco de magia. Quer dizer, ele tinha tudo para que os filésofos naturais nao Ihe dessem muita atengao. Entretanto, sua obra foi 0 verdadeiro programa da ciéncia inglesa, um dos carros-chefes da ciéncia européia a partir da metade do século XVII. Nos planos dé Bacon, para que a ciéncia se tomasse 0 instrumento da civilizagao e do bem-estar futuro da humanidade, estavam a educa- G0, a criagdo de instituigdes, fortes suficiente para que a ciéncia pudesse ser desenvolvida, até 0 método que ela de- via seguir. fee ee me = Esse método, dizia ele, nao poderia ser como 0 dos filo- sofos antigos, que como aranhas teciam fantasias do pen- samento sem nenhuma base ou uso concreto para suas idéias. Mas, também, nao podia ser 0 do artesao, que por tentativa e erro ia como as formigas, empilhando dados sem conseguir tirar nenhum conhecimento geral deles. O verda- deiro filésofo natural devia, segundo Bacon, agir como as HISTORIA DA CIENCIA —————+ 49. abelhas, que retiram sua matéria-prima do contato com a natureza, para depois processé-la, transformando-a em mel. As ciéncias deviam, portanto, ser especificas, como especificas eram as coisas @ 0S fenémenos da natureza que cada uma tratava. Embora pudessem existir métodos comuns a todas de como obter e processar os dados que anatureza oferecia ao bom observador. Nesse sentido, a unica historia que deveria existir era a historia da propria natureza. Ou seja, a Histéria Natural, for- mada pelas varias historias especificas como a Histéria das cores, a Historia dos ventos e ares, a Histéria do calor e assim por diante. Com o tempo, todas essas historias iriam sendo feitas e 0 verdadeiro conhecimento, que para ele era o conhecimento e¢ a exploragao da natureza, avangaria, tra- zendo a prosperidade a todos. Bacon até se da ao luxo de prever como seria essa era futura em seu Nova Allantida. Uma espécie de exercicio de ficgao cientifica antes do tem- po em que essa forma literaria se tornasse oficial. Ou uma epopéia moderna, em que navegantes perdidos vao parar numa terra de ouro e mel onde todas as maravilhas tenham sido conseguidas gragas a ciéncia. = OQ esquema tragado por Bacon acabou repercutindo nao s6 na Inglaterra, mas em outras partes da Europa. Princi- palmente no que dizia respeito & organizacao de grupos e instituigdes em que se pretendia trabalhar com a nova cién- cia. Ja quanto ao método de Bacon, no continente europeu existiam outras formas de proceder e pensar. René Des- cartes (1596-1650), um dos mais importantes pensadores dessa época, vi2 o método de maneira distinta. Nao se de- ee, via, segundo ele, partir diretamente dos fendmenos da na- tureza se © objetivo era tirar conhecimento deles. Nossos sentidos, n ssa imaginacao e tantas outras coisas podiam nos enganar. Pois a razao era 0 ponto de Partida (dai a afir- magao de Descartes: Penso, logo existo). Ea certeza Ultima a partir da Qual, de forma clara e distinta (ou seja, princi ipal- mente por meio da matemitica), Poderiamos nos aproximar dos fenémenos naturais e observa-los. 0 Que quer dizer que Descartes propunha um método dedutivo (do racioci- nio para a observagao) e nao indutivo (da observagao para 0 raciocinio) como era o de Bacon: ‘As muitas polémicas que aconteceram por conta dessas diferengas, apesar de-serem muito estudadas pela atual Histéria da Ciéncia, nao vém ao caso neste nosso estudo. O que nos interessa aqui é perceber que também Descar- tes, a0 colocar a razéo humana como Ponto de partida para fazer aciéncia, esta dando as COstas ao passado e Propon- do uma histéria do futuro, Assim, fosse qual fosse © méto- do, a ciéncia produzida através dele teria uma historia cada vez mais parecida com ela mesma: a histéria do fazer cien- tifico. E bem verdade que quando Newton fascinou o mundo intelectual -OM sua teoria da gravitacao, ele teria dito qu 86 chegara até aquele ponto do conhecimento Porque tinha subido sobre ombros de gigantes. Embora hoje se discuta muito quem eram esses gigantes (estudos sobre as possi- Veis influéncias em Newton estao sendo feitos), seus con- tempordneos acreditavam firmemente que essa referéncia €ra a estudiosos proximos. A ciéncia modema, Pensavam, comegava a distancia de uma ou duas geracgées. Essa era SS ——— ee Se © Qe € HISTOR OR GIENGA— a ciéncia que valia a Pena para a humanidade. Milton (1628- 1674), 0 poeta inglés que tao bem expressou em versos 0 clima da nova ciéncia, escreveu: “E Deus disse ‘Seja Newton’ e a luz se fez. ”. Nao havia, portanto, necessida- de de uma historia de fato. A crénica do que estava acon- tecendo na ciéncia era suficiente para os objetivos dos filé- sofos naturais. Essas crénicas foram in icialmente de dois tipos basicos. Um deles incluia varias historias naturais, re- latos de experimentos e novas formas de explorar a natu- feza. Essa produgao vinha sobretudo das Sociedades e aca- demias Cientificas, onde, como Ja foi dito, se desenvolveu inicialmente com mais forca a ciéncia modema. Seguindo as idéias de Lord Bacon a @sse respeilo, embora discordan- do no geral de seu método cientifico, estudiosos como o destacado holandés Christin Huygen (1629-1695) estimula- fam seus colegas a desenvolverem pesquisas Para montar uma grande Histéria Natural. A principio, esses trabalhos formavam parte dos anais das agrerniagoes e circulavam de um lugar a outro na correspandéncia de seus membros. Com 0 tempo (ainda no século XVII), os primeiros periddi- COs cientificos foram sendo criados. E, claro, para 0 gran- de puiblico que ainda devia ser c conquistado e convencido sobre 0 valor da nova ciéncia, existiam versGes simplificadas dessas crénicas. O segundo tipo de crénica, ou Historia da Ciéncia, era uma espécie de histéria de como se desenvolviam as his- torias naturais, uma crénica das crénicas. Assim, por exern- plo, quase todas as associacoes cientificas tinham seu cro- nista, que podia ser 9 Secretario ou mesmo um literato ‘QUE € HISTORIA DA CENCE 53 interessado nas novas idéias. Esse cronista era encarrega- do de escrever uma historia dos sucessos do grupo, seus feitos e suas descobertas. E, de vez em quando, era de bom-tom introduzir nessas historias Pequenas estérias so- bre antigamente, isto é, a época em que a nova ciéncia nao existia. Eram histérias extremamente simplificadas, algumas vezes misturando épocas e personagens lendarias a per- Sonagens reais. Ou seja, pinceladas de cultura para ilustrar ou divertir brevemente o leitor. Poderiam ser simplesmente excluidas, e a historia daquele grupo ou sociedade ficaria na mesma. Varias obras que, nessa época, tinham intengdo de tra- tar areas mais gerais da ciéncia (astronomia, mecanica etc.) Usaram © mesmo esquema de crénica das associagées ci- Entificas: 0 que interessava era unicamente o caminho tri- thado pela nova ciéncia! Embora deva ser lembrado que excecdes a regra existiram e nem todos descartaram 0 pas- ‘sado com tanta facilidade. Por exemplo, John Wilkins (1614- 1672), ele préprio fundador da Sociedade Real de Londres (que teve varias histérias produzidas no estilo acima des- ctito), fez trabalhos sobre ciéncia em geral que alcangaram grande popularidade. E a tonica de sua obra 6 ade tentar, enquanto apresenta a nova ciéncia, dialogar com 0 Passa- do de forma mais lucida e ponderada do que sera feito nos Séculos seguintes. Do lado oposto, alguns tentavam outro tipo de didlogo com o passado, um didlogo ao estilo de Galileu, em que a figura de Simplicio (representando o pen- Samento aristotélico) 6 completamente ridicularizada diante da nova ciéncia, Mas sera na quimica onde vai rebentar 0 novo ponto de ebuligao. Nao de maneira tao forte’é devastadora como fora na astronomia e na mecanica. O século avangara € com ele a situagao da filosofia natural. Mas até por isso a quimica queria ganhar seu espago. E queria ser independente da medicina e se tornar também uma filosofia natural, com di- reito a usar seus métodos e a alcangar seus éxitos. Por ISSO, Seus Cronistas ndo podiam se dar ao luxo de esquecer 0 passado. O filésofo natural inglés Robert Boyle (1627- 1691) copia, inclusive, a idéia do didlogo de Galileu em uma de suas obras mais populares sobre a nova quimica. Mas vai além: dinamita nao s6 Aristoteles como Paracelso. Ele queria absoluta modernidade para sua area. Depois dele, ja na virada do novo século, Hermann Boerhaave (1668- 1738), um renomado médico e professor holandés, volta a carga. Chega mesmo a escrever uma historia da quimica na qual seu repudio ao aristotelismo e as idéias de Pa- racelso fica claro. As duas crénicas tam em comum alguns pontos impor- tantes. Ambas tém a intengao de mostrar a ignorancia do Passado a fim de destacar 0 conhecimento do presente (num momento crucial.em.que a quimica precisa muito dis-_ so). E esse modelo de crénica passara aos séculos futuros (diferentemente da de Wilkins). A segunda coisa em comum € que as duas sao feitas por quimicos mecdnicos. O que sera uma heranga que o sucesso da mecAnica acabaria deixando a todas as futuras ciéncias: 0 modelo da ciéncia que deu certo... E, portanto, nao precisa mais nada para se justificar, nem sequer da historia... ANA MARIA ALFONSO-GOLDFARE: ° ’ * - * : O-abrasador século XVIII, século das luzes como ¢ cha- mado até hoje, em que a Historia da Ciéncia quase foi ofus- cada, esta diretamente ligado a esse modelo de ciéncia. Pausa para contar um pequena hist6ria sem tempo ‘A filosofia natural nascera como uma mistura de velhas formas de explorar e conhecer a natureza. Mas ao mesmo tempo era nova, porque nova era a maneira de montar e combinar esses antigos conhecimentos. Desde sempre o ser humano quis dominar é conhecer 0 universo. Entretan- to, a exploracdo das novas terras, as grandes viagens e uma disputa entre as varias regides européias para ver quem tomaria a dianteira nesse processo exigiam que O dominio da natureza fosse muito bem organizado para se tomar eficiente, pois os dados eram muitos. Essa eficiéncia, um dos pontos centrais da nova filosofia natural, sera também um dos pontos que iré distingui-la das antigas ciéncias. Ela serd conseguida principalmente da unido de trés antigas raizes. Foram elas, precisdo técnica (do antigo artesao, construtor de ferramentas e explorador _dos.meios naturais); 0 poder de_previsao_da_astronomia (em que, por meio de calculos, podia-se prever, antecipar resultados sobre os fenémenos naturais); e a necessidade de experimentar ou testar 0 novo (essa tem a origem mais discutida até hoje; mas parece que as velhas praticas de laboratério dos alquimistas e as operagbes da ainda mais antiga magia operativa estiveram por tras disso). Preciséo, previsdo e experimentagao gerando eficiéncia: esse ea 0 <9 aiE £ HISTORIA DA CENCIA peas ovo de Colombo descoberto pela nova filosofia natural. Desde 0 século XVII, quando esta ciéncia estava em for- magcio, ja se sabia que ela era constituida pelo velho pen- samento humano sendo usado de uma nova maneira. Com 0 tempo ea necessidade cada vez menor de justificar essa ciéncia, deixou de interessar se esse pensamento era gre- go, chinés ou afegane. Mas, também com o tempo, os pen- sadores dessa nova ciéncia comegaram a acreditar que sua forma de desenvolver o pensamento humano, apesar de nao ser a Unica, era a melhor. A melhor maneira de olhar para a natureza, a melhor maneira de arrancar seus segre- dos e exprimir suas verdades. E como essas verdades eram regidas por leis eternas (0 Sol estava ai desde sem- pre; 0 ouro sempre reagia com a agua régia; 0 coracao sempre pulsava sangue etc. etc.), entao a nova ciéncia era a melhor forma de entender essas verdades e explicar suas leig. Essas leis eram universais, ou seja, aconteciam em qualquer lugar, a qualquer hora. Dai que a ciéncia, ao des- cobri-las e explica-las, fosse também universal. Acreditando ser a base para um novo conhecimento, a ciéncia moderna criou para si a imagem de um edificio em construgao._Ja_na_planta. podia-se saber quais_as regras__ para sua edificagdo ¢ imaginar mais ou menos qual seria sua aparéncia quando pronto. Cada uma das etapas esse edificio cientifico naturalmente incluia a etapa anterior, bem como indicava qual seria a etapa seguinte. Dai foi sendo criada a idéia de acumulagao e seqiiéncia no conhecimen- to. Essa sdlida construcao deveria ordenar e colocar de for- ma cada vez mais clara as verdades sobre a natureza. 56 ‘ANA MARIA ALFONSO.GOLDFARD. TO QUEE HISTORIA DA Cito Seis! Era esperado que seu material fosse retirado das obser- vacGes sobre a natureza e testado experimentalmente an- tes de ser colocado de forma matematica em seus muros. Por isso era solicitada Precisao e coeréncia de seus cons- trutores, pois a edificagao deveria ser feita de forma tigoro- sa e logica, sem saltos ou falhas. Também era exigido de- les objetividade e isengdo (ou seja, que fossem neutros ao estudar um fendmeno), Pois estavam trabalhando numa edificagao de verdades sistematicas duraveis sobre a na- tureza. E estas eram bem diferentes das Cadticas e relati- vas verdadies humanas. Em compensa¢ao, os construtores do edificio cientitico tinham/a sensagao de estar no ponto mais alto e firme do conhecimento. No estagio de conhecimento em que sua poca Ihes havia permitido chegar, se resumia o Melhor dos saberes do passado e a melhor visao do futuro. O que garantia a continuidade acumulativa e linear des- Sa grande obra eram as seguintes hipoteses: 1.0 ser hu- mano tinha uma capacidade quase infinita de ir conhecen- do cada vez mais e ‘com maior precisao a natureza; 2, Quando tomasse posse desses conhecimentos poderia ex Perimentar (testar) e Prever. E, assim, teria instrumentos. Para planejar suas intervengées na natureza, seu controle @.uso desta, de maneira eficiente e organizada. A equacao precisao, experimentagao, previsdo = eficién- cia havia gerado 0 modelo da nova ciéncia e, agora, gera- va 0 edificio cientifico que aproximaria o ser humano cada vez mais das verdades sobre a Natureza. Por tras do apa- rente caos dos fenémenos, esse edificio garantia que ana- Abem da Verdade, esse modelo de mundo méquina ti- nha sido reti rado da mecanica. Aquele campo de conheci- mento que havia rompido mais violentamente com o Pas- Sado e lancado a ciéncia para uma nova era. E, portanto, o modelo de ciéncia que mais rapidamente havia dado certo © © que mais prometia Sucesso futuro. Era natural que se quisesse estender esse modelo aos outros conhecimentos ‘sobre a natureza. Afinal, a propria imagem da natureza ti- nha sido ajustada @0 modelo da maquina. O problema da ciéncia devia Ser, entao, estudar os me- canismos dos seres vivos e brutos. E aprender as leis de funcionamento, O° conserto, 0 usoea Cconstrugéo, como um bom relojoeiro. aprende com seus felégios. A comparagao esta um pouco simplificada, mas Posso garantir que gran- des pensadores da nova ciéncia entre os séculos XVII e XVII diziam coisas Parecidas. Por isso Boyle e Boerhaave _Se esforgam tanto para fazer uma quimica mecénica, pois 86 assim ela poderia entrar para 0 edificio cientifico, A historia acabou Provanda, no fim das contas, que essas matrizes tao bem ajustadas 4 mecAnica nao se adequavam muito a outros estudos sobre a natureza. Esse foi o caso da quimica e cerfamente o das ciéncias da vida, entre elas, amedicina. Entre remendos desse modelo e adaptag6es a ele houve um longo processo (para umas ciéncias maior do |ANA MARIA ALFONSQ-GOLOFARS. * que para outras), a0 fim do qual a ciéncia’se abriu para outros caminhos. Retomando o fio da meada ‘A ciéncia mecanica era moda na virada do século XVIII. E todos queriam participar dessa moda, langada por Des- cartes mas depois trabalhada de varias maneiras por diver- sas correntes do pensamento. Acontece que essa moda ti- nha seus problemas. Enquanto isso, a nova filosofia natural entrava no Sécu- lo das Luzes, impulsionada principalmente pela fisica. No interior da nova ciéncia ocupavam um lugar central a cha- mada filosofia matematica e a filosofia experimental, e ia cada vez mais para a periferia a historia natural. A velha Historia da Natureza de Lord Bacon foi mudando de senti- do-até-se transformar em algo bem diferente ao longo do século XVIII. Uma rica e minuciosa colecéo de dados so- bre os trés reinos da natureza (animal, vegetal e mineral), uma complexa classificagao desses dados e uma interes- sante discussdo sobre eles (diferengas, separagao da ma- t formavam a antiga historia natural. Mas, apesar dos debates, apesar das novas descobertas nesse campo, nao havia nele a forga filos6fica e argumen- tativa da fisica. Explico: neste campo nao havia como intro- duzir facilmente o modelo matematico, nem como passat com velocidade da observagao a experimentagao, a exem- plo da fisica. A historia natura! trateva de questées intrin- ia viva e bruta, origens da vida e até origens da te! Ve QUE E HISTORIA DA CIENCIA so ea cadas, como populagdo de seres e coisas, ou variagdes enormes, dificeis de serem flagradas, como um todo, no tempo e no espago. Portanto, era também dificil tirar dela grandes leis gerais, como na fisica. Para cada pequena familia de animais ou plantas estudadas, para cada pesqui- sa sobre as idades geoldgicas ou sobre os minerais podia a qualquer momento surgir um contra-exemplo que des- montasse toda uma teoria. Na segunda metade do século XVII, quando Antoni van Leeuwenhoek (1632-1723), famoso @ habil microscopista holandés, comegou a enxergar as minticias dos organismos nos microscépios, pensava-se que O enigmatinha sido re- solvido. Talvez um padrao pudesse ser encontrado no apa- rente caos dos seres dos reinos mineral, vegetal e animal. Um padrao interno que tivesse escapado da observacdo a olho nu e que criasse uma relacdo maternatica entre eles. Seria possivel entao fugir das comparagdes que geravam as etemnas classificagdes desde a época de Aristoteles. Mas o sonho acabou rapido, © microsc6pio nao era tao possan- te, ou pelo menos nao era 0 suficiente para langar a histo- ria natural no reino da filosofia matematica. Ela continuaria endo historia, como cronica, um longo e minucioso relato organizado pela classificagao. Nao ‘obstante, a filosofia na- tural queria modelos ¢ teorias matematicas, experimentos controlaveis ¢ leis gerais. ‘Assim, apesar de esse século ter sido o da monumental classificagao de Carl Lineo (1707-78), ou Linnaeus, como gostava de ser chamado o grande naturalista sueco, 0 cli- ma do periodo estava mais para Newton e depois para ee ea Pierre Simon Laplace (1749-1827). Este Ultimo, um bem conhecid 0 matemiético e fildsofo natural francés, fora autor de uma mecanica celeste tao Perfeitamente previsora dos. fendmenos que, dizia-se, nao tin ha necessidade nem da Presenca de Deus para justificar a existéncia do universo, E aHistéria da Ciéncia nisso tudo? Quem Precisaria dela Para justificar a ciéncia se nao havia nem sequer necessi- dade de Deus para justificd-la? Cada vez mais tratando de problemas candentes da tealidade, a ciéncia se entregava de corpo e alma para ser analisada pela filosofia. Que po- deria a historia dizer de problemas que (apesar de muitas vezes tratarem da questao espago-temporal na fisica) nao tinham-lugar-nem-hora Para-acontecer? Eles eram univer- sais, podiam estar Ocorrendo em qualquer lugar do mundo... @ em qualquer época... Para reforgar essa sensacao, mais ou menos desde o meio.desse século, a industria vai abrir Seu caminho, que todos acreditavam, entao, infinito Para 0 futuro. E a no¢gao. de progresso que estara se formando ai: o caminho de ida sem volta e sem necessidade do Passado. Toda uma rede tecnoldgica vai ligando a ciéncia & modernidade industrial, O que era um Projeto desde o século XVI irg tornand realidade no século XVII, Por exemplo, a explicagao cien- tifica da Calcinago de um metal, descoberta nesse século, péde abrir perspectivas de aprimoramento das técnicas em metalurgia. Enfim, um mundo novo estava sendo construido pela intervengao e controle da Natureza. E a palavra sinénimo desse proceso era a ciéncia. A enciclopédia francesa, que 3 ©. QUE E HISTORIA BA citnoun = 9. QUE E HISTOR JA no titulo tinha os Nomes ciéncias, técnicas e oficios, dis- Cutia € divulgava aos quatro cantos essas questées. Tendo também no titulo a expresso diciondrio raciocinado quan- do alguma migalha histérica escapava, ela era rapidamen- te devorada Por um malabarismo filosético. Nesse periado, também as obras de grandes filésofos naturais (sobretudo as de Newton) eram escritas em verso e prosa e traduzidas ©m varias linguas. Nao ha Por que justifica-las; 0 publico Pede por elas. Os comentarios dificilmente tém ‘sabor de Grnica histérica, Sao a discussao Pura e simples do pro- cesso do conhecimento, e nao a historia deste processo. A invasao da Historia da Ciéncia pela filosofia vinha des- deo século XVI. Isso foi acontecendo de maneira cada vez Mais forte. E foi pior ainda nesse Periodo em que a ciéncia Nao precisava mais Prestar contas, em que ela esta para Ser Coroada a rainha dos saberes. Nunca a filosofia natural foi. tao filosofia, e nunca mais na modemidade as duas fica- fam tao juntas. Eno clardo dessa Pura andlise da raz&o cientifica a His- toria da Ciéncia se tomou praticamente invisivel. Na cién- cia desse periodo Quase nao havia espago Para se contar histérias, pois havia o sentimento de que a historia estava _ Sendo teita Ha sempre as excogoes a Tegra, 6 claro. Na quimica do século XVIII que estava lutando Por um lugar a0 Sol, algumas historias foram feitas, sempre mantendo o tom da drea que estd se formando e quer se justificar. Ten- do escrito dois desses trabalhos hist6ricos, Antoine-Francois de Fourcroy (1755-1809) dizia que até bem entrado o sé- culo XVII nao se havia tentado dar um tratamento filoséfico y __*__ ANA MARIA ALFONSO-GOLDFARS. : Soe a quimica. E, por isso, 0 que existia até entao eram conhe- cimentos esparramados sobre a quimica. Foureroy tentava colocar ern destaque sobretudo a chamada quimica do oxi- génio, considerada como a verdadeira introdugao da area na ciéncia modema. No entanto, Antoine Laurent Lavoisier (1743-94), principal descobridor dessa quimica, comentava que melhor seria esquecer a histéria quando se estivesse fazendo ou pensando a quimica. Ela era complicada o sufi- ciente para que ainda por cima fossem acrescentados as suas discussdes 08 erros do passado... Eis ai um verda- deiro representante cientifico do lluminismo. Interessante que, na virada para 0 novo século, na pro- pria filosofiae na historia de maneira geral estivessem sen- do buscadas outras maneiras de enxergar a humanidade e seu processo hist6rico, completamente diferentes da visao iluminista. Mas a Historia da Ciéncia, mergulhada e quase desaparecida no-corpo da ciéncia, conseguiu passar prati- camente imune a essas idéias que marcavam época. Ou- tro seria 0 sistema filoséfico a reanimar a Historia da Cién- cia: o positivismo. Augusto Comte (1798-1857), seu autor, acreditava que a historia podia ser dividida em trés estagios: 0 Feligioso, 0 filosdfico e, claro, por ultimo, 0 glorioso esta: gio cientifico. Essas seriam as etapas do desenvolvimento humano nas quais o conhecimento teria se tornado cada vez mais preciso e modelar. _ Principalmente a Ultima etapa, em que estariam incluidas as ciéncias da natureza, deveria servir como modelo para todas as outras formas de conhecimento. So assim a SO- ciedade poderia tomar 9 rumo certo do desenvolvimento, © QUE EHSTORA DAC! que seria cientificamente planejado. O curioso 6 que, quan- do Comte langou essas idéias nem todas as ciéncias tinham alcangado 0 estagio proposto por ele. Alids, ele sugere ca- hos que nao sé essas ciéncias como ta mbém as huma- nidades devem tomar para se transformarem em verdadei- ras ciéncias. E até propoe uma ciéncia da sociedade: a sociologia. Além disso, chama a atengao para as diferengas que devem existir necessariamente entre as ciéncias, pois cada uma delas teria seu campo e seu objeto especifico de estudo. Num primeiro momento, essas idéias repercutem na pr6- pria ciéncia, embora nao se possa dizer que exatamente estas ou s6 estas tinham tragado 0 rumo da ciéncia. E num segundo momento derivagdes dessas idéias refletirao so- bre a Histéria da Ciéncia. Sendo vejamos. A medida que o século XIX avanga, campos como a quimica, a medicina e mesmo a biologia comegam a ocupar lugares préprios e até especificos na ciéncia moderna. E, se bem que nao tenham seguido as normas do modelo mecanico, as ciéncias natu- rais puderam, cada uma a sua maneira, ir entrando no edi- ficio cientifico. Havia pois a sensagao, na segunda metade do século, que a construgdo nao demoraria a ficar pronta. ‘Com o tempo, a ciéncia seria 0 exemplo, aestrela guia para” todos os saberes. Os cientistas, nao mais vagamente fildsofos naturais, vao se especializando. E donos de campos cada vez mais es- pecificos e complexos, irao cada vez menos permitindo que outros, sejam curiosos, fildsofos ou técnicos, tenham aces- so aesse conhecimento sofisticado (lembre que sempre ha et AS os excecoes...). Portanto, serao eles os mais autorizados, se- ao eles os mais preparados para falar da sua Propria area. ae entAo uma espécie de cientista-filésofo Ou cientista- ee (na maioria das vezes sem saber muito de ee sofia e absolutamente nada de historia) que decide Mostrar 0 glorioso caminho da ciéncia e/ou dar o exemplo edificante is geracdes. ie carllha paces) e nas varias versoes trabalhadas a partir dela, rezava que uma boa reflexao historica devia evidenciar as etapas do Conhecimento humano de forma coerente. Ou seja: criando uma especie de modelo dessa transformagao ou aprimoramento. E mais, isso deveria oot feito ’Sobré“o maior numero de dados ©mpiricos-possivel: documentos, originais etc. Ei ntretanto, fazer essa dupla ta- refa mostrou-se dificil e, na maioria das vezes, dependen- do dos documentos, impossivel. Desta forma, muito co- mum encontrar nesse século verdadeiras crénicas & ciéncia (no pior sentido da expressao). Um eames le detalhes, minucias no se sabe bem tiradas de onde e fa dos que nao se sabe para onde Pretendem levar o leitor sao éni obras. i es ray Sempre vai haver.os que sabem co- "moe a tarefa. O destacado quimico francés Marcetin Beueat 827-1907) publica entre 1885 e 89 a tradugao de uma preciosa colego de manuscritos alquimicos anti- gos. Ha também longas notas e comentérios feitos por ele, com Os quais até se pode nao concordar mas nao ha duvi- da de sua qualidade. Por outro lado, sao também desse século os manuais em Historia da Ciéncia que estariam ee eee . 2 QUE E HISTORIA DA Ciencia mais bem clasificados Como fic¢ao, Nenhuma documenta- elas m&os desseg verdadeiros ar- Feal...). Outra vez, Sempre hé.aqueles que souberam como fazer parecer o modelo usando dados mais confidveis, Assim, 0 fisicg austriaco Ernest Mach (1838-1916) ira apresentar uM modelo de como teria ocorrido o desenvolvimento da ciéncia que foj muito Fespeitado, inclusive Pelos cientistas do século xx. Mach procurava identificar nuicleos centrais de Conhecimento que teriam se mantido constantes através la historia, muito embora fossem Sendo aprimorados ao longo do tempo. Isso queria dizer que 0 conhecimento evo- lola, mas em tomo de verdades sobre a natureza que eram Sempre as mesmas. Toda a historia do conhecimento, Por- tanto, con Vergia para 0 momento Presente, que era a etapa Mais aprimorada, Mach fazia, sem duvida, uma Historia da Ciéncia bem fundamentada, Mas, por estar Com os olhos firmes nas teorias do momento.em que vivia, acabava sele-— == SUR MARIA" ALFONSO-GOLOFARB y. consegue encontrar e traduzir mandscritos originais antigos e medievais, como fizera Berthelot. Mas seu objetivo com este material 6 provar uma tese sobre 0 processo do co- nhecimento parecida com a de Mach. S6 que essa tese tem a preocupagao de demonstrar a continuidade nunca inter- rompida do processo. Com isso, pela primeira vez na His- toria da Ciéncia, em época moderna, 0 conhecimento me- dieval é valorizado. E, embora Duhem tenha feito também uma historia seletiva do que Ihe parecia ter gerado a cién- cia moderna (portanto, seu ‘objetivo continua scndo a expli- cago desta forma de ciéncia), a divida da futura Histéria da Ciéncia para com ele sera eterna. Existem estudiosos qué consideram mais como filosofia da ciéncia do que como Histéria da Ciéncia o que foi feito nesse periodo. Isto porque os fatos histéricos serviam SO- mente para ilustrar, muitas vezes de maneira apenas pito- resca, a discussao de como era produzido o conhecimento cientifico. Portanto, pura reflexao filos6fica a servigo da ciéncia. Mas acho que eles se esquecem do valor e da de- finic&io de historia que a prépria ciéncia teve desde sua ori- gem. Nao uma histéria em geral, mas uma historia muito especial; como especial era a propria ciéncia. Justificande propagandeando, selecionando seus: exemplos para a re- flexo cientifica, essa historia muito especial era uma auxi- liar da ciéncia e nunca o contrario. A historia em geral algumas vezes havia tentado até co- piar os métodos da ciéncia. Para que entao mudar uma his- toria que havia nascido afiada nesses métodos? Com isto os cientistas se esqueceram de que faziam parte de ume. © QUE E HISTORIA DA-CIENCI = historia maior, de que a ciéncia ; nao comegava i eae gava em Galileu Mas nao estariamos cometendo agora 0 mesmo engano ao considerar Histéria da Ciéncia sé aquela que comeca a ser feita Por nossos Newtons e Galileus? Nao estariamos, inclusive, deixando de entender por que a Historia da Cién- cia tem até hoje uma cara diferente da ja te is Outras ons formas de (© QUE E rasrdinin OA CiENCIA og CAMINHOS CONTEMPORANEOS: ESPAGO INDEPENDENTE DE REFLEXAO SOBRE A CIENCIA A ciéncia sempre foi surpreendente. Galileu teria sido aconselhado por seu pai a seguir carreira mais segura e com mais futuro do que pudessem ter as ciéncias em sua €poca. Séculos depois, quando a ciéncia Parecia um edifi- cio quase acabado, alguns professores aconselhavam a seguir outras carreiras com mais futuro do que as cién- cias..., onde estava tudo pronto. Assim como no primeiro caso, a histéria do século XX mostrou que os conselheiros do segundo também estavam enganados. ~~ Quando tudo parecia estar se assentando, as primeiras décadas do nosso século comegaram a arrebentar o edifi- Cio cientifico por todos os lados. Comegando pela teoria da elatividade e pela quantica, e desaguando nas impressio- nantes teorias da genética e da’ robética, 0 século XX de- senvolveu maneiras novas de fazer ciéncia. Também foi um século espremido por duas terriveis grandes guerras (@ outras guerras mais...) e inimeros desastres ambientais em que a ciéncia e a tecnologia pareciam sempre estar envol- vidas. Estava chegando para a ciéncia a hora de se haver com a ética, com 0 piiblico e consigo mesma. Chegou a ha- ver momentos de extrema tensao para a ciéncia, em que Sua respeitabilidade esteve por um fio. A ciéncia estava deixando de oferecer exemplos edificantes, embora conti- nuasse tendo grande presenga em quase todos os momen- tos da vida deste século, Como fazer sua reavaliag&o? Com que critérios? De que Angulo ela deveria ser olhada? Se de dentro para fora (como vinha sendo feito havia séculos), corria-se 0 perigo de continuar como sempre. Se de fora para dentro, havia o risco de que a falta do conhecimento especifico de seus problemas € seus critérios pudesse acabar causando mais estfagos do que solucées. Por exemplo, falava-se ja ha muito tempo dos horrores das quimicas com que a ciéncia vinha bombardeando a humanidade. Mas que quimicas se- riam essas? Se vocé resolvesse fechar a boca para tudo 0 que tem quimica, com certeza iria morrer de fome. Ja que a quimica esta presente em todo 0 universo, 0 que inclui Qs produtos naturais. Enfim, quem estaria preparado para fazer a critica ciéncia? E para ser seu ouvidor diante da sociedade? a A filosofia, sua antiga associada, ocuparia um lugar im- portante nesse processo. Se bem que justamente essa as- Sociagao tao proxima podia trazer problemas. E a historia? A historia vinha sendo lembrada cada vez menos. Desde quando as novas teorias do século XX comegaram a amea- gar a estrutura do edificio cientifico, a Historia da Ciéncia : -. 70 Z NK MARIA ALFONSO-GOLOFARS ae estava perdendo seu papel, j4 nao muito grande. Havia pro= blemas légicos, ¢ de tal maneira inéditos, que qualquer mo- delo histérico parecia de pouca ajuda para sua solugao. A medida que as complicagoes na ciéncia, no correr da pri- meira metade do século, foram aumentando, os exemplos hist6ricos foram diminuindo nas discussoes & textos dos que estavam preocupados com a reflexdo cientifica. e Qutra vez, uma ciéncia preocupada com 0 presente nao precisava de passado. Ea Historia da Ciéncia foi perdendo até mesmo o pequeno papel de auxiliar que tinha junto @ ciéncia. Ou pelo menos 0 pequeno papel ativo. Em depar- tamentos e escolas de ciéncias velhos cientistas davam aulas de Histéria da Ciéncia para estimular os jovens estu- dantes. Era uma espécie de prémio para antigos professo- res. Pois se acreditava que ao aleangar a maturidade numa Area de estudos, se alcangava também 0 meérito de poder falar sobre sua historia. Caso semelhante acontecia com 0s grandes cientistas, que, como Albert Einstein, publicavam textos ou davam as vezes conferéneias sobre a evolugao dos conceitos cientificos. Mas tanto as aulas quanto os tex- tos ou conferéncias eram vistos apenas como curiosidade ou-até mesmo perfumaria: Uma forma de descanso ilustra- _ tivo para a vida dura do laboratério e da mesa de trabaiho, onde a ciéncia acontecia de fato. Mas a culpa para 0 estado em que havia chegado a His- toria da Ciéncia nao era exclusivamente das novidades ce entificas ou da crise entre ciéncia e sociedade. Ao contra- fio, tivesse a Historia da Ciencia desenvolvido uma estrutura robusta e propria, ela seria um espago dos mais < 0 due € HisTORIA DA GIENGH adequados para discutir essas.quest6es, como se viu pos- teriormente. Colada & ciéncia moderna, desde seu nasci- mento, era dificil que ela tivesse fora para dar esse salto. E sua historia seria uma eterna repetigao de idas e vindas, desaparecimentos e aparecimentos, conforme 0 ciclo e 0 momento da propria ciéncia. Essas questoes ja eram con- sideradas por alguns estudiosos desde as primeiras déca- das do nosso século. Pesquisas exaustivas sobre o passa- do, como as de Pierre Duhem, exigiam uma continuidade. IE talvez fosse necessdria a formagao de especialistas para melhor realizar essa tarefa. Era preciso criar uma drea profissional para a Historia da Ciéncia. A idéia era criar cursos, oferecer diplomas, comegar a publicar trabaihos que seriam lidos por cientis- tas, mas ndo necessariamente produzidos por eles. Natu- ralmente, as pessoas que primeiro tomaram essa iniciativa vinham da ciéncia. Pois se acreditava que para fazer esse tipo de histéria era preciso um excelente conhecimento cientifico em primeiro lugar. Até por isso, 0 novos profissio- nais continuavam fazendo uma historia a moda antiga. Eram historias lineares e progressivas, acumulando grande nume- ro de datas e nomes importantes. Eram, enfim, historias das grandes descobertas e dos gfandes génios cientificos. As figuras de Copémico, Galileu e Newton continuavam brilhan- do como exemplos maiores, pois haviam conseguido criar a ciéncia que serviu como modelo as demais ciéncias. As- sim, fosse qual fosse 0 topico ou o campo da ciéncia abor- dado, nomes como o de Newton acabavam aparecendo quase obrigatoriamente. O modelo da fisica, como um fan- tas’a, assombrava todas as outras historias da ciéncia. ANA MARIA ALFONSO: GoLorane: —— Continuava havendo, por outro lado, uma busca seletiva em épocas antigas de idéias e leorias que tivessem evolu/- do até chegar a ciéncia moderna. Essas formas de conhe- cimento sobre a natureza seriam, portanto, pré-, proto- (quase) — ou pseudo- ciéncias (ciéncias que nao eram ver- dadeiras). Para variar, elas serviam como €xemplo dos er- ros que haviam atrapalhado o caminho até a ciéncia mo- derna. Ou ainda como exemplos dos acestos que levaram a ciéncia modema. O caminho histérico, Portanto, era um 86 @ conduzia até a ciéncia moderna, pois sé ela consegui- ria produzir 0 verdadeiro conhecimento sobre a natureza. Documen tos antigos que foram encontrados acabavam ser- vindo Sempre para colaborar cam essa tese. Naturalmente Porque a forma de interpretar esses documentos era sem- pre a mesma. Ou seja: lia-se neles 0 que parecia estar re- lacionado com a ciéncia moderna de algum modo e des- cartava‘se o resto. Esse tipo de Historia da Giéncia foi chamado acertada- mente, por uma pesquisadora contemporanea, de Histéria- pedigree, Pois nela se Procurava os pais da ciéncia e, quan- do possivel, os avés, bisavés etc. Por exemplo, Newton seria_o_pai-da-tisica. modema;-Roger Bacon (que_nao.6 9 Francis Bacon, mas um inglés do século XIII), © av da ex- Perimentagao; Euclides (matematico grego do século IV aC), 0 avé da Matematica modema. E Aristételes era um chato que conseguiu atrasar, com suas teoria, em quase dois mil anos a chegada da ciéncia moderna... Se um his- oriador da medicina estudava a obra de Arnaldo de Vi- lanova, varria para debaixo do tapete suas Possiveis obras Comum era que essas Ocrifas, ou seja, nao te- nham sido escritas por ele, Afinal, como poderia um médi- Co tao brilhante ter estudado tamanha bobagem? O mesmo acontecia com a alquimia de Newton, ou com 08 estudos de magia de Francis Bacon. J& em casos como: ode Claudio Ptolomeu, autor inegavel de uma obra em as- trologia, a desculpa era a Seguinte: ou se usavao argumen- to.de que antigamente astronomia © astrologia eram a mes- ma coisa (0 que nao deixa de ser verdade, mas nao serve Como justificativa Para 0 que se Pretendia); ou, pior ainda, Se dizia que faltava Clareza aos antigos para distinguir to- Havia, por conta da questao de origem ou paternidade das ciéncias, um distingao entre pré- ou protociéncia e pseudociéncia. As duas Primeiras pertenciam a linhagem das ciéncias que haviam dado certo (portanto, se transfor- mando em ciéncia moderna, depois de Separar 0 joio do tri- 90). Esse era 0 caso ¢ da astrologia, que teria dado na as- tronomia, ou da alquimia, de onde teria saido a quimica etc, Ja a segunda forma, oua Pseudociéncia, nao teria dado em nada, fora apenas fruto de um engano, superstic¢ao ou mes- M0 ignorancia do Passado. Alguns tipos de magia, medici- Nas antigas etc. entravam Para essa lista, que quase nun- a era pesquisada em Historia da Ciéncia, Aqueles mais Preocupados com o ‘que era chamado ciéncia positiva pre- ee oe 7a ANA MARU ALRQNSO-GOCDFARE a 0-QUE € HISTORIA DA CIENCIA © -— w feriam nem tocar no nome de algumas dessas ciéncias, assim como em pré ou protociéncias. Era preferivel discutir uma ciéncia incompleta, como a mecanica grega, que de- pois seria magistralmente completada pelos modermos, a uma balburdia como a alquimia. Por tras disso, estava também a idéia de que a fisica (& portanto a mecanica) era 0 modelo da ciéncia moderna. ‘Sabemos que a coisa toda foi diferente. Mas é preciso lem- brar que quando eu conto essa historia, estou oferecendo uma versdo atual que demorou certo tempo para ser aceita pela Histéria da Ciéncia. Assim, os precursores da ciéneia eram considerados aqueles que fizeram as teorias que melhor puderam ser aproveitadas pelos modemos. Grandes linhas que safam dos gregos & chegavam ao século XVI eram tragadas. Sobre os arabes medievais, por exemplo, s6 interessava 0 que havia sido feito ern astronomia, mate- matica e algo de medicina. Enquanto sobre civilizagoes como a chinesa comentava-se apenas seu avango técnico que, diziam, infelizmente nunca pudera ser transformado em ciéncia. Ou seja: além de tudo. a verdadeira ciéncia vi- nha da teoria e nao da pratica. __.Enfim,-além.de-ser- uma_historia-pedigree, era. também __ uma histéria cuja origem estava na Europa. Apesar desse Siltimo nao ter sido um problema exclusive da Historia da Ciéncia, o produto final desta forma de historia chega a ser comico. Era como se toda a humanidade tivesse feito um concurso para ver quem chegava primeiro @ ciéncia moder- na! Ou seja, essa ciéncia era 0 destino natural inevitavel do pensamento humano e, para sorte dos europeus, eles ha- viam chegado primeiro. Mas essa ciéncia pairando acima dos comuns mortais era justamente a que precisava ser criticada e trazida ao nivel do fazer humano, que a historia nos mostra cheio de possiveis idas e voltas, e de acasos. Assim, essa Historia da Ciéncia inicial, embora feita por pro- fissionais, teria que mudar muito se quisesse ser chamada para participar, de fato, no debate sobre as ciéncias. Veja- mos como isto aconteceu. Nos primeiros trinta anos deste século, foram produzidas © que poderiamos chamar de obras monumentais de His- tOria da Ciéncia. Colegdes as vezes de dez ou vinte volu- mes em que o modelo seguido era o da historia-pedigree. George Sarton, um matematico belga de vasta cultura, foi um dos primeiros mestres dos novos historiadores da cién- cia. Além de ter fundado um curso, criou, em 1912, uma das primeiras revistas especializadas na area, a revista Isis, que, alids, existe até hoje. Mas, como é de se imaginar, a ténica de sua obra é a ciéncia positiva. E nao por acaso, seus primeiros estudantes eram especialistas em Newton. Também ele ira escrever uma obra monumental em cinco grossos volumes, destacando o papel da teoria sobre a pra- ica_e_insistindo.na-evolugao natural-do-pensamento-atra- vés das eras. Hd momentos em que ele chega a deixar ex- plicito que a Historia da Ciéncia deve ser feita para que se conhega melhor a infancia e a adolescéncia do conhecimen- to humano. Sao poucas as excegGes a regra nesse periodo e, ainda assim, de maneira retativa. Lynn Thorndike, por exemplo, escreve uma obra também monumental (oito volumes) que 76s RRA MARIXALFONSO-GOLOFARE ele levara trinta anos para concluir (entre os anos 20 e os 50). Mas esta serd uma coletanea panoramica e riquissima de documentos originais sobre a historia da Magia e da experimentagao. Ou seja, ele esta tentando destacar 0 valor de ciéncias que nao sao necessariamente teGricas e que nao tém como modelo a fisica. Por isso o Papel dos pro- cursores nao tem grande importancia nesta obra. Apesar de que Thorndike insiste em dizer que 0 conhecimento progride € um exemplo disso 6 a ciéncia experimental do século XVII. Mas nao seriam essas Poucas excegdes o que mudaria para valer a Historia da Ciéncia a partir da década de 1930. Em primeiro lugar, os historiadores da ciéncia passaram por uma discussao sobre como e em que medida a ciéncia era influenciada por fatores sociais a sua volta. Tudo comegou num congresso de Histéria da Ciéncia realizado em Londres em 1931. Uma comitiva soviética tocou nesses Problemas dificeis na apresentagao de seus trabalhos. Os cientistas, diziam, mesmo aqueles envolvidos com idéias tedricas alta- mente abstratas, nao tinham como deixar de ser influencia- dos pelo meio social, E as necessidades, proibigées ou dis- ‘Cussdes..desse_meio_acabariam_se refletindo_na_obra cientifica. O prdéprio Newton foi usado como exemplo eo impacto sobre os jovens historiadores da ciéncia (principa- mente os ingleses) foi muito grande. Varios trabalhos foram produzidos a partir dessas idéias, embora a nogao de que ha uma linha de Progresso cientifico desde a Antiguidade tenha sido 0 tom de quase todas no comeg¢o. Mas também grandes e sofisticados trabalhos acabaram saindo desse alguns Seguidores da teoria da ‘evolugao (uma teoria das —Mais.revolucionérias. Produzidas. Pela-ciéncia) usaram ‘Seus trabalhos Para teses completamente racistas. E nao é se- gtedo que, durante O século XIX, a questao colonial aumen- tara na Europaa tendéncia ao racismo. A ciéncia, Portanto, nao deixa de ser algo produzido Por um tipo de sociedade. |ANK MABIA ALFONSO: GOLDFARES contribuido diretamente para a ciéncia moderna européia. Trabalhos como o de Thorndike comegaram a ser mais va- lorizados. E, gragas a isso, foi possivel que obras como a produzida a partir da década de 1950 pela historiadora in- glesa Frances Yates sobre magia renascentista tivesse grande numero de seguidores entre 0s historiadores da ciéncia. E mais ainda, trabalhos em ciéncia ou sobre cién- cia em civilizagdes do Extremo Oriente e do Oriente Médio so hoje uma parte importante da Historia da Ciéncia. Mas, na verdade, nao foi s0 a discussao sobre 0 papel da sociedade na ciéncia o que ajudou para que essas obras surgissem na Historia da.Ciéncia. Para que 2 Histéria da Ciéncia se tornasse 0 espago adequado a uma reflexao so- bre as muitas formas de fazer ciéncia em varias €pocas @ lugares, foi preciso romper também outro dogma: a idéia de que a ciéncia se desenvolve de forma continuada. Portan- to, sempre progredindo e se acumulando numa s6 diregao, que seria a dire¢ao natural do pensamento humano. ‘Apesar de ter colocado no lugar desse pensamento a SO- ciedade como mola mestra do processo cientifico, o exter- nalismo manteve a idéia de progresso e continuidade. ——Assim fosse através do pensamento-humano-(como.que- riam os intemalistas), fosse através da sociedade (como di- ziam os extemalistas), 0 caminho do. conhecimento conti- nuava sendo um s6, que tinha progredido lentamente desde aldade da Pedra até a ciéncia moderna européia! Portanto, todas as formas de ciéncia acabavam sendo comparadas a ciéncia modema. Haveria, assim, ciéncias malharne a ciénrias piores. ciéncias mais completas e cien- = 0.04E € HISTORIA DA CIENCIA fe cias incompletas. Mas, sera que a ciéncia chinesa podia ser considerada incompleta sé porque nao tinha teorias como ade Newton? Sera que a ciéncia da Grécia antiga podia ser considerada a infancia da ciéncia s6 porque nao desen- volveu os laboratérios e equipamentos dos modernos? Nao seria o.caso de cada uma destas ciéncias ter seus objeti- vos proprios e, portanto, ser, a seu modo, completa nela mesma? Os indianos, por exemplo, nao precisaram das idéias modemas para ter nogdes de tempo e espaco interessan- tissimas, mais préximas da ciéncia contemporanea do que aquelas do século XVII europeu. Por outro lado, quanto mais se encontravam e estudavam textos antigos de cién- cias, menos pareciam que esses textos haviam sido feitos por proto- ou pré-cientistas, Um alquimista, por exemplo, nao era um quimico que nao tinha dado certo. Mas isso tudo era muito dificil de explicar. Primeiro, porque envolvia uma discussao sobre 0 tipo de historia que vinha sendo fei- ta sobre a ciéncia. Uma historia anacronica, da frente para tras, em que o passado era visto como mero exemplo do presente. Segundo, porque explicar essas dificuldades po- _deria levar a discussao filos6fica sobre como.o serhumano _ conhece as coisas do mundo para longe do velho porto se- guro da ciéncia modema que era to familiar. Talvez, até por isso, um dos primeiros a se manifestar tenha sido um fildsofo da ciéncia. Gaston Bachelard era um francés que, como tantos outros cientistas-fildsofos da pri- meira metade do século, estava no olho do furacao gerado pelas quest6es cientificas. E isso queria dizer, entre outras JANN MARIA-ALFONSO-GOLDFARB — coisas, esquecer aparentemente a inutil Histéria da Cian- cia. Mas Bachelard comegou se Perguntando, na década de 1930, se © conhecimento realmente acontecia de forma continuada e acabou chamando em seu auxilio a Historia da ncia. Assim, de posse de alguns bons exemplos Sobre a historia do calor, da estrutura da matéria etc., ele Concluiu que © conhecimento ocorria Por meio de saltos. Oy Seja, nado era aprimorando e continuando velhos saberes que se chegava aos novos. Ao Contrario, era preciso tom- Per com a forma de pensar anterior, que tivera seus pré- Prios objetivos e limites, para produzir outras formas de ciéncia. Por isso, nemo antigo mago era um Pré-cientista, nemo naturalista do século XVIII, um Pré-bidlogo, Havia nestas idéias a nogdo de que a ciéncia avanga (ainda que de forma descontinua), e mesmo assim foi mal aceito entre os fildsofos da €poca. Mas a questo da des- Continuidade no pensamento cientifico estava aberta e,com ela, 0 papel da Historia da Ciéncia precisava ser repensa- do. Pois, sem um bom trabalho hist6rico, nao se Podia fa- zer um bom trabalho filoséfico sobre a descontinuidade. Nao Por acaso um de seus seguidores disse que a filosofia da ciéncia sem a Hist6ria da Ciéncia 6 cega; e que a Historia da Ciéncia sem a-filosofia-da ciéncia-é inutil,—_ Apesar da resisténcia a essas idéias, nas décadas de 1940 € 1950, varios filésofos comegam a ver na Historia da Ciéncia um verdadeiro laboratério Para seus estudos sobre 0 processo do conhecimento. Esse foi o Caso de Alexandre Koyré, um professor russo estabelecido em Paris que se tormou famoso por sua obra sobre as Origens da ciéncia modema. Segundo sua tese, existiria uma descontinuidade SS a ~~ © QUE € FasTORM Da ciéyciA == NO conhecimento & medida que cada época partiria de dife- fentes precursores. Assim, por exemplo, os medievais te- ° passado, muitas vezes reduzido a po nestas obras. A NO¢&o de descontinuidade ainda exigia uma melhor defini- a0 € um maior cuidado Para ser aplicada. Também sao dessa €poca os trabalhos de Yates, que lo- 90 vao atrair os historiadores da ciéncia. Mas como a ques- lo da descontinuidade Se refere a.uma quebra no proces- so do ‘conhecimento, ninguém melhor do que um filésofo da ciéncia para fazer o ajuste que faltava. Thomas S. Kuhn sera Personagem central, com suas idéias sobre o tema, de uma verdadeira guerra entre filésofos, mas que faria as delicias para historiadores, Socidlogos, antropdlogos e até cientistas, o que acabaria atraindo muitos desses especia- listas para Historia da Ciéncia. Vejamos como isto ocorreu. = » = « ‘ANA MARIA ALFONSO-GOLDFARB-———————— Enfim: vida propria! Boa parte dos fildsofos e pensadores da ciéncia havia descartado a historia da lista de prioridades em seus estu- dos. A explicagdo tedrica para isso era que a transforma- go das teorias cientificas deveria ser entendida dentro do contexto da justificativa, em que se analisava sua coeréncia e estrutura ldgicas. Tratava-se de um processo acumula- tivo, cujo tempo era o tempo dos desenvolvimentos ldgicos, @ nao o da histéria. Ou seja, o processo do conhecimento se desenvolvia independente do processo da historia. Alias, © processo da historia vinha quase sempre atrapalhar, com suas guerras, suas histerias rel igiosas etc., 0 processo na- tural do ser humano, que era conhecer cada vez mais e me- hor 0 universo. A hist6ria era o espago somente da descri- 40 do contexto das descobertas na ciéncia — um espago eventual, exterior ao processo natural e l6gico do conheci- mento. Para encontrar uma brecha no continuismo, alguns fild- sofos juntaram os dois contextos, 0 da justificativa e 0 da descoberta. Talvez até encontrassem uma explicagao logica por que as teorias nao se acumulavam como mera seqilén- cia umas das outras, como no madelo de evolucao cientifi- ca apresentado pelo fildsofo Sir Karl Popper. Um modelo que, alids, inspirou Thomas Kuhn e toda sua geragao. Mas Kuhn tinha também outras influéncias, talvez mais radicais em termos de descontinuismo. Assim, no comego da déca- da de 1960, depois de uma série de outros textos, Kuhn pu- blica a obra em que suas teses co: inuismo sao 0. QUE E HSTORIA DA GENOA oo explicadas, usando uma série de interessantes exemplos historicos. a Esse estudo tera um tom radical e apaixonante e em pouco tempo alcangara um publico nao especializado na teflexao filosfica da ciéncia. Mas que, por motivos dbvios, ha tempo queria participar do debate. Certamente nao sera a precisao das idéias de Kuhn o que vai atrair esse publico de nao-fildsofos e, sim, as implicagdes que elas lancam sobre og modelos da ciéncia. Assim, apesar de ter definido dos modos mais variados 0 termo paradigma (0 que é visto com horror pelos fildsofos), Kuhn consegue, por meio des- sa nocdo meio vaga, justificar a descontinuidade na ciéncia como algo que necessariamente ocorre. De uma forma geral (e juntando as varias definigdes de Kuhn), paradigma seria 0 conjunto de regras, normas, cren- cas, bem como teorias, etc. que direciona a ciéncia con- forme a época e as comunidades cientificas envolvidas no processo. A ciéncia, de fato, avangaria e se acumularia sofrendo aprimoramentos em torno de um determinado paradigma. E Kuhn chama esses periodos de ciéncia nor- mal. Por exemplo, o modelo mecanico (modelo de mundo- maquina) poderia ser considerado como um dos paradig- mas em torno dos quais a ciéncia se organizou por um periodo desde 0 século Xvi. Mas quando um paradigma comega a nao dar conta de explicar certos fendmenos, ou suas explicagées nado sao satisfatorias, esse paradigma vai entrar em crise. Essa cri- se vai gerando instabilidades que podem se transformar em verdadeiras revclugdes na ciénicia, Durante esses periodos, aNA MAFIA ALEONSO-GOLDFARG___ Pe que Kuhn chama de revoluciondrios, varios novos Paradig- mas concorrem na Substituigaio do anterior. Sao Paradigmas incompletos, pois ainda nao incorporam a série de normas explicagdes que sé um Paradigma estabelecido © aceito pela comunidade cientifica vem a ter com 0 passar do tem- Po. Por isso a escolha de-um entte 0S varios novos pa- radigmas (ou meio paradigmas) diz Kuhn, nao 6 tao certo e Paradigma anterior. E ai entra uma questao que 6 nao sé do processo hist6rico, mas também do Proceso I6gico do “conhecimento. Po’ Tue, No processo de desmanche do an- tigo paradigma, nao serao 6 suas normas, seus experi- mentos, @ suas teorias que vao ser desmontadas, mas, muitas vezes, a Propria viséo dos fenémenos estudados Passa a ser outra!l Por exemplo, 0 conceito de Movimento Para um newtoniano nao é um aprimoramento, ou ‘um avan- $0, sobre 0 conceito de movimento que tinham os aristo- ee O'QUE E HISTOR Da ctNCA, tGlicos. Trata-se de conceitos completamente diferentes Porque a visdo do que fosse Movimento mudou completa- mente. Para os aristotélicos era uma qualidade do corpo; Para 0s newtonianos, um estado deste. Eles nao tém como Ser comparados, medidos um contra 0 outro: sao incomen- Suraveis. Nao se Pode dizer qual é melhor, pois o que pas- Sou de um para outro foi apenas a palavra movimento, mas ndo 0 sentido e as implicagdes logicas desta, Assim sendo, Como numa revolugao Social, nas revolugées cientificas, a Unica certeza que fica é ada mudanga. Se esta mudanga foi para melhor ou Para pior, nao sera através da logica (e Quase nunca através da historia) que vai se poder avaliar, Umas vezes Cumprindo seus Objetivos revolucionarios ini- Ciais melhor, outras vezes pior, a ciéncia normal avanga, mais dentro de seu Proprio paradigma, ou do Projeto que tragou para si. Quando este Projeto é desmontado, ninguém podera di- 2eF para onde os novos objetivos vao levar. Porque o novo Paradigma nao engloba nem deriva do velho, nada nos ga- rante a superioridade de um sobre Outro. Portanto, a ciéncia _moderna nao pode ser Considerada como superior. a cién- cia antiga, Ela Pode ter sido com suas maquinas, seus ex- Perimentos e suas teorias, mais operativa sobre a natureza, Mas nao mais correta do que as ciéncias anteriores ou as diferentes dela. Se o objetivo da ciéncia moderna era ope- far sobre a natureza, ele foi cumprido. Se o objetivo era conhecer melhor suas verdades, depende do Que entendeu Por verdade cada época e Cada pensador. = proc unrancrONs°c0sF aa 3 Thomas Kuhn teve que justificar muito, diante de sua prépria comunidade, as idéias pouco ortodoxas que havia sugerido. Até voltou atras em algumas delas. Mas para a Historia da Ciéncia, ficava aberta a porta para vasculhar passado e 0 presente numa nova busca. A busca de como cada cultura, cada comunidade cientifica e cada época construiu, de acordo com seus objetivos e suas formas de ver 0 mundo, os critérios das verdades que regeriam sua ciéncia. E se as ciéncias de varias épocas e diversas cultu- ras teriam, cada uma, seus prdprios critérios do que fosse verdadeiro ou falso, a ciéncia moderna deixava de ser 0 padrao. Tornava-se t4o-s6, uma ciéncia entre muitas, nem melhor nem mais completa, apesar de sua pujanga. A cién- cia moderna deveria, a partir dai, ser estudada historica- mente para que se pudesse entender a constituigao dos critérios que Ihe deram formacao. Sem 0 peso da continuidade, a Historia da Ciéncia dei- xou de fabricar seus enormes compéndios, suas cronicas dos honoraveis pais ou precursores da ciéncia. Podia ago- ra se dedicar, sem medo e com seriedade, a estudos so- bre o que fora a magia, a alquimia etc. Sabendo, por exem- plo, que-em outras_épocas_e-com-outros. critérios estas - haviam sido expressdes do conhecimento sobre a nature- za: Puderam também ser iniciados estudos sobre ciéncia e sociedade. Por exemplo, as etnociéncias, que se dedicam a pesquisar as ciéncias proprias aos varios povos e culturas (principalmente aquelas que antes nao eram consideradas cientificas). Ou os estudos sobre género e ciéncia, que in- cluem a questao da ciéncia feita pelas e para as mulheres __|__para 0. campo das disciplinas hi © Que € HISTOR OACIENCIA_—__________87 (ou ainda as ciéncias de onde elas foram, ourainda sao ex- cluidas). Além de pesquisas sobre influéncias mutuas en- tre artes, humanidades ou técnicas, reconhecendo assim sua interagao com varios fazeres humanos. Ou, ainda, pes- quisas sobre ciéncias nacionais, difusao da ciéncia ou cién- cia colonial, em que mais diretamente se pode observar que aciéncia esteve e esta mergulhada no processo histérico. Entretanto, conforme ja foi dito logo no principio do tex- to, as novas pesquisas em Historia da Ciéncia nao perten- cem exclusivamente a historia. Nao falei a toa, e com tanta insisténcia, em critérios e verdades da ciéncia. Pois, atras das varias ciéncias, sempre houve uma complexa rede i6- gica e uma vocacao para criar verdades que parecem eter- nas mesmo que, de fato, elas dependam da época e do lu- gar. Por exemplo, para os pitagéricos foi uma verdade inquestionavel que o universo se constituia de nimeros, da mesma forma coma nds hoje acreditamos que ele seja fei- to de dtomos. Sao, enfim, questées muitos especiais, que solicitam também um tratamento muito especial. Por isso, aHistéria da Ciéncia contemporanea, ao deixar de ser um mero apéndice da ciéncia, nao se transferiu diretamente Gricas. Pois é preciso que se olhe para a ciéncia de forma historica ¢ filosofica; mas também para a histéria de forma filosdfica e cientifica; e, ainda, saber enxergar a filosofia de maneira historica e cien- tifica para afinar os instrumentos de que se vale a Historia da Ciéncia em seu trabalho. O que transformou nos nos- sos dias a Historia da Ciéncia num exemplo de estudo in- Assim, Sem nunca abandonar o rigor filos6fico @ cienti fico, a HistGria da Ciéncia poder interagir com Outras reas de conhecimento, sem ter se transfo mado numa colcha de retalhos. De fato, um espago independente para a critica do conhecimento cientifico através da interdisciplinaridade. Hist6ria da Ciéncia: modos de usar A Hist6ria da Ciéncia tem hoje uma vida Propria e muito agitada, com dezenas de periédicos intemacionais e cente- nas de publicagdes, congressos, Grupos e departamentos Proprios em quase todo o mundo, Mas, por ser uma area interdisciplinar; trabalha também revertendo sua Pesquisa em varios campos de conhecimento e aprendendo muito sobre eles. Existe, por exemplo, grande contato entre historiadores da ciéncia-e-educadores. Ja que a Historia da Ciéncia ofe- rece em suas pesquisas discussées interessantes. sobre og varios modelos de conhecimento, o que Sempre ajuda a Fepensar 0 ensino em geral. Mas, Particularmente no ensi- no @ na educacao cientificas, a Histéria da Ciéncia tem ser- vido como grande estimulo. No que Se refere aos profes- _ Sores, um trabalho desenvolvido sobre a Hist ria da Ciéncia ‘evita que seus alunos sejam tratados como pequenos gre- gos que devem ser transformados em Jovens Newtons. Quanto aos estudantes, rompendo com a ladainha sobre a Superioridade e a predestinagao do Conhecimento cientifi- 0, torna-se possivel sua maior Participagao, colocando idéias diferentes do livro-texto e duvidas. O estudo da gé- Ses | ~~ ooneE Histon oxciticn— aa nese das idéias cientificas também ajuda a que se entenda melhor seus processos € convengées, evitando a velha téc- nica escolar de aprender de cor. Outra area em que a Historia da Ciéncia tem participado ativamente 6 a do planejamento e da politica cientifica. Em 6rgaos governamentais, insti ituigdes e departamentos dedi- cados.ao Planejamento.e ao. desenvolvimento de politicas Cientificas, a Pesquisa em Historia da Ciéncia tem sido usa- da e mesmo fealizada em quantidades significativas. Isso Porque, ao trabalhar com modelos de desenvolvimento, a Politica cientifica tem necessidade de compreender o pro- Cesso histérico e interativo da ciéncia com o seu meio, Tor- Na-se, dessa forma, Possivel repensar certos equivocos e aproveitar experiéncias bem-sucedidas no Passado. Também em lugares como museus é instituigdes afins, @ pesquisa em Historia da Ciéncia tem sido muito utilizada. Nao sé na organizacao de xposig¢des sobre técnicas e ciéncias das varias culturas, como Para auxiliar na recupe- Fagao de pecas e obras antigas, cujo processo de elabora- 40 6 conhecido Pela Historia da Ciéncia. E, naturalmente, existe a interagao entre a Histéria da —~Ciéncia_e_os Cientistas. Como. sempre,_uma parte destes. continua achando que ela 6 bom Passatempo e ainda nao. tomou conhecimento de que existe uma area independente em Historia da Ciéncia. Mas, cada dia mais, existem cien- tistas preocupados em Tefletir e aprender sobre os caminhos e descaminhos do conhecimento cientifico. E séo com es- Ses cientistas que mais acabam aprendendo os historiado- Tes da ciéncia. FARE a ic BNA MARIA ALFONSO COU Para concluir, vale.a pena dizer quem ‘0 afinal os his- toriacores da ciéncia. Ou seja, como sao produzidos os que eslao produzindo essa pesquisa. Antes de mais nada, ape- sar de ser uma area relativamente nova e sujeita a ventos e tempestades externas, sao historiadores da ciéncia cada vez mais os especialistas e cada vez menos apenas Os diletantes. E isso porque leva um longo tempo a formagao desses profissionais. Tempo e estudo suficiente para desa- nimar qualquer diletante. Para comegar, a pesquisa em His- tria da Ciéneia se desenvolve em nivel de pés-graduagao. Naturalmente, se a base inicial do candidato a se tornar um historiador da ciéncia so as humanidades, o estudo de al- guma ciéncia é necessario. Mas 0 contrario também é ver- dadeiro, pois os que provém das areas cientificas deverao realizar estudos no minimo em histéria ¢ filosofia. Um bom historiador da ciéncia deve saber linguas. As modemas, para ter acesso a vasta bibliografia que deve percorrer. E de preferéncia uma ou mais linguas cldssicas, para quem pretende se embrenhar nos documentos antigos. Enfim, esta é uma receita talvez dificil de seguir e com uma possibilidade enorme de variagoes Esse € o proble- ma-de-querer se preparar-para-fazer-uma pesquisa inter- disciplinar de fato. Os historiadores da ciéncia nao podem ser especialistas em generalidades, juntando um pedago deste com um retalho daquele conhecimento. Mas, sim, uma espécie de polimata renascentista, com sOlidos e bem- arliculados conhecimentos em varias areas. Uma espécie de mago modemo dos labirintos do conhecimento. « INDICAGOES PARA LEITURA Existe atualmente uma quantidade imensa de material bi- bliografico em e sobre Historia da Ciéncja, embora apenas uma pequena em portugués. Vou me restringir aqui a essa pequena parte. Para uma melhor compreensao dos tipos de obras, farei uma divisdo da bibliografia em trés partes: | — Livros e textos em geral, em que os pensadores apresentam suas teorias e observagdes sobre a natureza, cujas tradugdes e comentarios sao, quase sempre, feitos por historiadores e fildsofos da ciéncia. Exemplos dessas 55 a nace Seas anes — Copérnico, N. Commentariolus, introd., trad. e notas de R. de A. Martins, Sao Paulo/Rio de Janeiro, MAST/ COPPE/Nova Stella, 1990. — Galilei, G. Duas novas ciéncias, introd., trad. da edi- ao de 1638 e notas de L. Mariconda & P.R. Mariconda, Sao Paulo, Inst. Cult. {talo-Brasileiro/Nova Stella, 1985. (BE AP nm — AA MARIA ALFONSO-GOLOFARS: — Newton, J. Principia, trad, T. Ricci’et. al. da edigao inglesa de 1729, S40 Paulo, EDUSP/Nova Stella, 1990; Além de varias obras desse género, que estao na cole- ¢ao Os Pernsadores da Abril Cultural, ll — Obras em que os cientistas refletem sobre a.cién- cia, muitas vezes fazendo sua propria versio historica, Por exemplo: — Einstein, A. e L. Infield. A evolupao da fisica, 3° ed., trad. brasileira, Rio de Janeiro, Zahar, 1976, — Heisenberg, W. Fisica e Filosofia, 23 ed, » trad. brasi- leira, Brasilia, Ed. da UnB, 1987. — Jacob, F. O jogo dos possiveis, trad, Portuguesa, Lis- boa, Gradiva, 1985. — Schemberg, M. Pensando a Fisica, Sao Paulo, ed. pela Brasiliense em 1984 e reeditado Pela Nova Stella em 1988, Ill — Finalmente, trabalhos de Pesquisadores especializa- dos em Historia da Ciéncia, ou aqueles produzidos Por fild- sofos ou socidlogos da ciéncia sobre o tema. Por exemp! — Chalmers, A. F. O que &a ciéncia afinal?, trad. brasi- leira, Sao Paulo, Brasiliense, 1993. — D'Ambrosio, Ubiratan. Etnomatemdtica. Sao Paulo, ~ Atica, 1989. nea: rs — Feyerabend, P. Contrao método, trad. brasileira, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1977. — Gama, Ruy. Engenho e Tecnologia. Sao Paulo, Livra- tia Duas Cidades, 19893, — Hill, C. O mundo de ponta-cabega, trad. brasileira, Sao Paulo, Companhia das Letras, 1987. ee i —Koyré, A. Do mundg fechado ao universo infinito, trad. brasileira, Rio de Janeiro/Sa0 Paulo, EDUSP/Forense, 1979, = — Kuhn, T. S.A estrutura das revolugdes cientificas, Sed,, trad. brasileira, Sao Paulo, Perspectiva, 1992. — Nascimento, C. A. Para ler Galileu Galilei, Sao Paulo, EDUC/Nova Stella, 1990, — Rossi, P. A ciéncia e a filosofia dos moderos, trad. brasileira, Sao Paulo, Ed. UNESP/Inst. Cult. Italo-Brasilei- TO, 1992. — Vargas, Milton. Verdade e ciéncia. So Paulo, Livra- ria Duas Cidades, 1981. — Yates, F. A. O iluminismo fosa-cruz, trad. brasileira, So Paulo, Cultrix-Pensamento, 1983. Ou ainda meu livro, Da alquimia a Quimica, So Paulo, EDUSP/Nova Stella, 1987, Como também as Coletaneas de artigos de Stephen Jay Gould, que tem saido em forma de livros pelas editoras Martins Fontes e Companhia das Letras. Artigos em Histéria da Ciéncia também podem ser encon- trados em revistas como Ciéncia Hoje e Superinteressante. ‘Ourainda;em-revistas de sociedades-e-grupos cientificos que sempre reservam um espaco para o tema. Mas tam- bém existem Publicagdes especificas como os Cadernos de Historia @ Filosofia da Ciéncia (( CLE/UNICAMP) € a Revista da Sociedade Brasileira de Historia da Ciéncia, além de Perspicilium (MAST/RJ). BIBLIOTECA - UNESr CAMPUS DE BAURU 4 Coure wstoganAceNa y Se ee

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