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MARSHALL BERMAN: TUDO QUE E SOLIDO DESMANCHA NO AR A aventura au moderniaude Trad Carlos lito Fra jot Hardman a O CAMINHO LARGO E ABERTO* Em 7ep0 our & sdti00 nesseaNcHs No aR, define moder- nism como qualquer tentativa feita por mulheres © homens ‘modernos no sentido de se tomarem no apenas objetos mas ‘também sujitos da modernizagio, de apreenderem © mundo moderna de se sentiem em casa nele, Trata-e de uma con- ‘epgio de modernismo mais ampla e mais inclusiva do que a8 {que costumamos encontrar em obras académicas. Ela implica ‘uma visto abertae abrangente da cultura; € muito diferente da ahordagem muscoldgiea que subdivide a aividade humana em fragmentos e os enquadra em casos separados,rotulados em termos de tempo, lugar, idioma, género e disciplina académica, (© caminho largo e aberto€ apenas um entre muitos outros Possieis, mas tem suas vantagens. Ele nos permite ver uma € politicas como partes de um mesmo processo distin, e de senvolver uma interagio eratva entre elas. Ele eri condiges para oestabelecimento de um dislogo entre 0 passado, o pre~ Sente © o fururo. Ele transpde as fronteiras do espago fisico © social, revelando solidariedades entre grandes artistas e pes- soas comuns, e também entre pessoas que viver nas regides a {que damos os nomes pouco adequados de Velho Mundo, Novo Mundo e Tercero Mundo. le estabelece uma unio que trans- cende as barreiras de etniae nacionaidade, sexo, clase ¢r3¢8- Ele nos proporciona uma visio mais ampla de nossa propria cxperiéncia, mostrando-nos que em nossa vida hé mais do que imaginamos,e df 20 tempo em que vivemos mais intensidade © profundidade, * refi fi Penguin de 1988 ‘Sem divide, esta nfo nica maneira de interpretaracul- tura moderna ota cultura em ger, Mas ela fz sentido se que- remos que a cultura sea urn estimulo a vida aval, ero um cul- Se encarimos o modemismo como um empreendimento io fazer que nos sintamos em casa num mundo vente em mudanea, nos damos conta de que nenhu- ‘ma modaldade de modernismo jamais poderi ser defiitiva. [Nosss construgdes¢ realizages mais erativs estio fadadas a se transfrmar em prises e sepuleros ciados; para que a vida poses continua, nés ou nossos filhos teremos de eseapar delas fu entio tansforms-las. E 0 que sugere o homem do subterri- ‘neo de Dostoievski em seu infindivel didlogo interior Jala, porrenturn, neu senhores, que exon dando de- ‘anos Deem-me eng pars que me jsliqu. Concor do gue o mem ¢ um animal, geralmentecriafor, qe tem { obrgalo de pereguir um obeco cam pena conn Gis frer ato de engeneiro, quer diver, ari cam tho etemamene ese cr, aj om que dso for [a (Que homen tem vendncs par constr e raga ea thos indice Mas 1 ao sed ponel[-} qe int tm terror instnivo de char afm da obra e caro ed fia /Nio poder sceder ue gone ode vero ei de Tonge, nto de pert gue aon le arade cra, mat se bhi? | ‘Tive a oportunidade de vivenciar e mesmo partcipar de um ‘choque muito intenso entre modernismos quando estive no Brasil em agosto de 1987 para paricipar de um debate sobre 0 present ivr. Minha primeira esala foi Bras, a capital cri da por decreto ex mii, plo presidente Juscelino Kubitschek, no final dos anos 1950 e inicio dos anos 1960, exatamente no ‘centro geogrifico do pais. A cidade foi planjada e projetada por Lcio Costa ¢ Oscar Niemeyer, discipulos exquerdists de Le (Corbusier. Vista do ar, Brass pareciadinmicacfacinant: de 2 fato, a cidade foi feta de modo a assemelhar-se a um avito a jato al como aquele do qual eu (¢ quase todas as outras pessoas ‘qe [é vio) a vemos pela primeira ver. Vist do nivel do chio, porém, do ligar onde as pessoas moram e tabalham, é uma das cidades mais indspitas do mundo. Nio caberia aqui uma descri- {0 detahada do projeto da cidade, mas asensagio geral que se tem — confirmada por todos os brasileiros que conheci — € a de enormes expagos vazios em que o individuo se sent perdi do, tio sozinho quando um homem na Lua. Hé uma auséncia ‘eliberada de espagos pblicas em que ae pestoas possam se reunie e conversa, ou simplesmence olhar uma pars a outa € pasar o tempo. A grande tradigio do urbaniemo latino, em que 4 vida urbana se organia em torno de uma grande praga,ére- jeitads de modo explicito. ‘0 projeto de Brass talvez zese sentido para a capital de uma ditadura militar, comandada por generas que quisessem ‘manter a populagio a cert distinca, isolada e controlada. ‘Como capital de uma democraca, porém, é um escindalo, Pars ‘que o Brasil possa continuar democritico, decarei em debates ‘siblcns ent mee le enmnieacto, ele nrecita de expacnsri- blicos democrsticos zonde pessoas vindas dos quatro cantos do pais possam convergir e retnin-se livremente, conversa umas fom as outrase dinigirse a seus goverantes — porque numa ‘democracy afnal de contas,o governo pertence Bs pessoas — para discutr suas necesidades © desejs, e para manifestar sua vontade. Depois de algum tempo, Niemeyer respondew. Apés uma série de comentitios poucolsonjeiros a meu respeito, ele disse algo mais interessante: Brasilia simbolzava ae aspragBes ¢ espe Fangas do powo brasileiro, e qualquer ataque ao projeto da cida- de era um ataque 20 proprio povo, Um de seus seguidores acres- ‘entou que eta snal de meu vazio interior ew pretender ser modernist e 20 mesmo tempo atacar uma obra que figura en ‘ue as maiores encamagoes do moderismo. Tudo iso me fer pensar. Nom ponto Niemeyer estava cer- to: quando foi concebida planejada, nos anos 1950 e ineio dos sos 196, Bria de fio represen x spend pom brasileiro, em particular seu desejo de modernidade.(O grande hiato entre ests esperangas ¢ sua realizado parece dar ruzio 20 hhomem subterrineo: para homens modernos, pode ser uma aventura erativa constuir um palicio, e no entanto ter de mo- rar nele pode var um pesadelol esse problema ¢ partcularmente crucial para um modernis- imo que impede ou hostliza a mudanga — melhor dizendo, um tnodemizmo que busca uma nica grande mudanga, e depois ‘no aceite mais nenhuma, Niemeyer ¢ Cost, tl como Le Co busier, acredtavam que oarquiteto moderno deve wsaratecno- Toga para coneretzarcertas formas ideas, clissicas,eternas. Se isso peste ser feito na escala de uma cidade inter, ela seria perfitae completa; suas fronteiras poderiam se estender, mas cla jamais devera se desenvolvr a partir de dentro. Tal como 0 Palicio de Cristal imaginado por Dostoivsti, a Bras de Cos- tae Niemeyer nlo deizava a seus cidadios —e 208 outros br sileiros — “nada mas fazer" "Em 1964, pouco depois da inauguragio da nova capital, a demoeracia brasileira fot derrubada, sendoinstaurada uma di- tadura militar, Durante o periodo de governo militar (ao qual [Niemeyer se ops), populacio teve de enfrentar crimes mul ‘to mais sérios do que as falhas no projeto da capital. Mas quan- dos braileiros reconguistaram a liberdade, no final dos anos 1970 e inicio dos 1980, era inevitavel que muitos deles mani- festasaem seu descontentamento com a cidade, que pareca ter sido projetada com o fim de manté-losealados. Niemeyer de- veria ter percebido que ums obra modernista que negava al- igumas das mais bisicas prerrogativas modernas dos cidadios falar, reunir-s, diseutir, manifestar suas necessidades — faealimente conguistaria muitos inimigos. Em meus pronunci ‘mentos no Rio, Sio Paulo e Recife, termine’ arvando como porta.vor de uma indignacao generalizada a respeito de uma fidade que, como muitos brasileiros me disseram, no tinha Tague para cles. “Mas até que ponto culpa foi de Niemeyer? Se algum ou tro arquitetotivesse vencido 2 concorréncia pars 0 projeto da cidade, € provivel que o resultado final fosse um cendrio mais fou menos to desolador quanto o tual Pois do éverdade que tudo que hi de mais empobrecedor em Brasilia era coerente com 0 consenso mundial dos plancjadores e designers mais progressistas da época? Foi s6 nos anos 1960 e 1970, depois {que a geracdo responsivel pela construsio de proto-Brasilias em todo 0 mundo — inclusive nas cidadese subirbios do meu pais — teve oportunidade de morar em tas lgares, que fica- ‘Fam claras as deficiéncias do mundo eriado por esses moder- nists. Eneio, tal como o homem do subterrineo no Palio de Cristal, essas pessoas (e seus filhos)comegaram a fazer earetas € gestos ofensvos, a crar um modernismo alternative que afirmasse a presenca ea dignidade de todas as pessoas que ha viam sido exclidas, ‘Minha visdo das dficigncis de Brasia me fez volar @ um dos temas cenrais de meu lio, um tema que me parecia tio brio que nio o expus com a clarezanecessiria: a importants ‘da comunicapio e do diloge. Pode parecer que no hi nada de Particularmente moderno nessas atiidades, 2s quais remontam =e mesmo definer em parte — os primérdios da civiizagio, ¢ jf eram afirmadas como valores humanos biicos pelos profe- «as bibleose por Sécrates hi mais de2 mil anos. Porém acredi- to que a comunicagd e diflogo ganharam um peso e uma ur s@ncia especais nos tempos madernos, porque sfpubjetividade e| | 2 interioridade estio mais rcase mais intensamente desenvoli- das, e 20 mesmo tempo mais slitiias © ameagadas, do que em ‘qualquer outro periodo da histéra| Nesse context, a comuni-~ ‘aglo eo diflogo se rornam necessidades criicas e também fon tes fundamentas de deleite. Num mundo em que os significa- «dos se dssolvem no a, ess experigncias estio entre as povicas Fontes de sentido com que podemos conear. Uma das cosas que podem tornar vida moderna digna de ser vvida & 0 fato de ve cla nos proporciona mais oportinidades — por venes até nos impondo a obrigasio — de conversar, de fazer um esforgo no sentido de compreender 0 outro, Preisamos aproveitar 20 mi- smo esas possibilidades elas deveriam determina 0 modo como ‘organizames noses cidades e nossa vida.* ‘Muito leitores me perguntaram por que motivo no esee- vi sobre uma série de pessons, lugares, deias © movimentos que no minimo servriam to bem 20 meu projeto geal quanto os temas que escolhi. Por que deine de fora Proust e Freud, Ber- lim e Xangai, Mishima e Sembene, os expressionistasabstatos de Nova York ou 0 conjunto de rock echecoslvaco Plastic Peo- ple ofthe Universe? A resposea mais simples éque eu queria que Tudo que & side desmancha mo ar fosse publicado enquanto & sinds estivesse vivo. Pr isso foi necesirio decidir, a cera alt- ‘a nfo exatamente terminaro livro, e sim parar de excrevé- Além disso, jamais fora minha inten¢io compilar uma encilo- pédia da modernidade. Meu objetivo era desenvolver uma sire de vibes e paradigmas que pudessem inspirar as pessoas a ex- plorsr sua pripriasexperiénciase hstrias de modo mais deta- Thado eaprofundado. Minha ideia ea ecrever um liv que fos- se aberto e permanecesse aberto, um liv em que os letores pudessem incluir capitulos de sua propria lava, ‘Alguns leitores podem achar que no dei atencio suiciente 0 volumoro discurso contemporineo em torno do conceito de pét-modemidade. Esse discurso comegou a ser propagado a partir da Franga no fnal dos anos 1970, send sews princpais { proponentes os rebeldes de 1968, agora desiudidos, orbitando | em tomo do pés-esrurualismo: Roland Barthes, Michel Fou- aul, Jacques Derrida, Jean-Francois Lyotard, Jean Baudeilard |e'seus incontiveisseguidores. Na década de 1980, 0 pés-moder- insmo tomou-se um tema obrigatério das discusses estéicas © {liverérias nos Estados Unidos. Pode-se dizer que os pés-moderistas deseavolveramn un paradigma que se ope frontalmente a0 que é proposto na pre- Sente obra, Defendo a ideia de que avid, a arte e 0 pensamen- 1 Be tem apont pales com pentadoes como Geng Sime Matin Bobet Jigen Haber 6 to modernos tim uma eapacidade de autocritica¢autorrenova- ‘ho perpéeuas. Jé os pés-modernistas afirmam que o horizonte da moderidade ese fechado, suas energasestio exauridas — em outras palavras, que a modernidade seabou, O pensamento socal ps-modernsta v8 com desprezo todas as experangas co- letivas de progresso morale social, iberdade individual fli- cidade pablica, que nos foram legadas pelos moderistas do ominismo setecentista. Essa esperangss, segundo os pés-mo- sdernos, se revelaram flidas, na melhor das hipéteses fanasias varias fites, na pior delas miquinas que promoveram a do= minagio © uma escravizapio monstruosa. Os pée-modernists julgam saber ler nas entreinhas dos "grandes relatos” da culta= ‘i moderna, em particular o relato da “humanidade como he- ‘i da liberdade”. A sofistcagto pés-modemna curacteyie-se por ter perdido "s prépria nostalgia do relato perdido ‘Numa obra recente, O dicurs flasfice da modernidade, Jir- igen Habermas pe a nu os pontosfracos do pensamento pe- =modemno de modo mais detalhado ¢ incsivo, Devo eserever algo no mesmo sentido no préximo ano. Por ora, o melhor que osso fazer € reafirmar a visio gerl de modemidade que expo- ho neste livro. Os letores podem se perguntar se o mundo de Goethe, Mary, Baudelaire, Dostoievskietantos outros, tal como o apresento, é de fatoradicalmente diferente do nosso. Sera que \deiamos mesmo para tri os dlemas que surgem quando “tudo {que € sido desmancha no ae", ou 0 sonho de uma vida em que “o lie desenvolvimento de cada um é a condigio para olive desenvolvimento de todos"? Creio que nio. Mas espero que ‘ste liv ajude os leitoresa formar juzos préprioe sabre o tema. Hf um sentimento modero que lamentonido ter explora do com mais profundidade. Refiro-me ao medo generalizado, © mits vezes desesperado, daliberdade que a modernidade con= fere «todo individuo, e 0 desejo de fugir desea liberdade (para sara expresso feliz cunhada por Erich Fromm em 1941) por (quaisquer meios Este horror tpicamente modema foi explora- do pela primeira vez por Dostoierski na ua parsbola do Gran- de Inquisidor (Os rmaos Karamezev, 1881). Diz 0 Inquisidor “0 homem prefere a paz e até mesmo a morte liberdade de Aiscemiro bem eo mal. Nio hi nada de mais sedutor para o ho- mem do que o livre-arbtro, mas também nada de mais doloro- 0°, Em seguida, ele sai do cenirio da histori, Sevilha no tem- po da Contrarreforms, se dirige diretamente 3 plateia de Dortoiewski, no final do século xi: “Jamis os homens se ere ram to livres como agora, e no entanto eles depositaram su berdade humildemente a nossos pés” ‘0 Grande Inquisidor projetou uma Sombra kigubre sobre poliica do século xx. Inimeros demagogos e movimentos de- ‘magégicos conquistaram 0 poder ea adoragio das masss a0 t- sa dos ombros do povo o fad da liberdade. (O atual déspota sagrado do Ini chega mesmo a parecerse fisicamente com 0 Grande Ingusidor) Os regimes fscists do periodo 1922-45 podem vir 3 ser considerados apenas um primero capitalo na histéra ainda em andamento do autoritarismo radical. Muitos movimentos dese tipo, na verdad, valorizam 3 tecnologia, 2, ‘comunicagies eas téenicas de moblizagio de massa do mundo ‘moderna, eas uslizam com o fim de esmagar a iberdades mo- ‘demas. Alguns desses movimentos foram defendides com ardor por grandes modernistas: Ezra Pound, Heidegger, Céline. Os paradonos © perigos envolvidos nesea questio #30 teriveis © profundos. Dou-me conta de que um moderista sincero preci- 5 examinar as profundezas desseabismo mais atentamente do aque o i até agora. Isso ficou muito claro para mim no inicio de 1981, quando Tudo gue é sido dermancha no ar fi para agrifia e weve inicio 0 _governo de Ronald Reagan, Uma das forgas mais importantes ‘da coalizio que levou Reagan 20 poder fo'avontade de destro- ‘ar todo e qualquer vestigio de "humanism secular” e transfor tnar os Estados Unidos num estado policil tecritico. O ati- vismo frenético (e muito bem financiado) desse movimento eonvenceu muitas pessoas, inclusive seus adversirios veementes, de que seria essa a onda do futuro. ‘Agora, porém, pasidos sete anos, os fandticos inquistorais de Reagan esto endo rechagados de modo categorico no Con- " 0,108 wibunis (té mesmo ma Suprema Con, dominads Por juzes ecolhids por Reagan) na tibuna doit publ SF pte eztar o po sate + pnt de ‘rar em Reagan, mas fc cto que opovo no et dios 1 entepar sas berdades so presen, Or amercanasse Tec. fama abrir modo proce legal us (eso em ome de tna guerr eriminadad), do iets cvs (msn quando sentem medo edesconFanga em reli aos nego ds ibera de de expresso (mesmo que nio gosten de pornograa) net do drei 3 privacidad eda lbetade de fer opoes eros {aesmo que Sjam contrros ao abort e abominett os homes sera. Até mesmo amercanor que se conaeram prof tmentereligionosrejetaram wa crurada ncn como bj Svo de obrgar oda a populgo a arden A essnea que inc leitores de Reagan “plafroa socal” de Reagan most como ¢pofunde o compromise do heme sum com a modemidae exes vlores tm fundamentais Ea Imosoa amibm qu 8 pesos pode ser modernists mesmo mug endo ovo pla nedeniso” em sus ides Em Tid gue € sds dmncba moar, cnt propr una scree ae sent ose ve demo Imentos curse plc como pare de um mesmo proces sor mulheres e homens mademossirmando sa digidade no presente ~ mesmo num presente mserivel e opresive eseu iret de contela o proprio fo entando ra paras pé- Pros um gar no mando modern, am gar en qv poss se Seniem east/Com hte nee pont de vita pel de. Ice ges cen td 0 mn comer nco so de imporencs fundamental prs o signee 6 de do movderimo. As mass andninas que ara» prope vida —-de Gara « Mani, de Soweto Seal — eno rand nova formas de expresso Cle, O Solitarose eo People Power so rinses to notes quanto Tbe ase lind € Gaernica, rane rel” qe presenta“ huanidate como he da irae” es lnge deter eeradr ows ue tone noon aos surgem 0 tempo todo, » © grande eritico Lionel Telling crow uma expres 1968: “moderniemo nas uss”. Expero que os letores deste livra selembrem de que o lagar do modernism énas fuss, nas nos- sas rua, O caminho aberto leva & prag publica, DURANTE A MAIOR PARTE DA MINHA viDA, desde que me ensinaram que ev vivia num “edificio modemo” e erescia no seio de uma “familia moderna", no Bronx de trinta anos ats, tenho sido fascinado pelos sentidos possiveis da modernidade Neste lvro,rentei descortnar slgumas das dimensies de sen- tido, tenteiexplorar e mapear as aventurae horrores, as am- biguidades e ironias da vida moderna. O livro progridee se de- senvolve através de virios caminhos de leitura leitura de textos 0 Fausto de Goethe, © Manifte do Pertide Comunisa, 18 [Notas do subternes, emuites mats; mas tenei também ler am- bientes espacias e sociais — pequenas cidades, grandes em- preendimentos da construglo cil, represase usinas de forca, 0 Palicio de Cristal de Joseph Paxton, os bulevaresparsienss de sss us pcostos de Petersburgo, a rodovias de Robert ‘Moses através de Nova York; por fim vente lr via das pes- soas, a vida real e iccional, desde o tempo de Goethe, depois de Maree Baudelaire, até o nosso tempo, Tentei mostrar como «sss pessoas pariham e como extes livros e ambientes expres- sam algumas preocupagées especficamente modernas, Si to ‘dos movidos, 20 mesmo tempo, pelo desejo de mudanga — de autotransformagio e de transformagdo do mundo em redor — « pelo terror ds desorientacio e da desintegracio, o terror da vida que se desfaz em pedagos. Todos conhecem a vertigem © 0 terror de um mundo no qual “tudo o que é sido desmancha ‘Ser moderno é viver uma vida de paradoxo ¢ contradig. EE sentir-se fortalecido pelasimensas organizagies burocriti cas que detém o poder de controlar efrequentemente destrir comunidades, valores, vides; ainda sentir-se compelido a en frentar essas Forgas, a lutag para mudar seu mundo transfor= tmando-o em nese undo. Eser 40 mesmo tempo revolucionério Cconservador;aberto a novas possbilidades de experiéncia © ventura, aterrorizado pelo abismo nilista o qual tants das Srenuras modernas conduzem, na expectativa de criar © con- Scrvar algo rea, ainda quando tudo em volta se desfaz, Dir- ova que para ser inteiramente moderno & preciso ser anti~ imodernor desde os tempos de Marx e Dostoievki até 0 nosso proprio tempo, tem sido impossivl agarrar e envolver a8 po fenealidades do mundo moderno sem abominagao e uta con- tes algumas das suas realidades mais palpiveis. Nio surpreen- te, pois, como afirmon Kierkegaard, esse grande moderista © Snuimodernista, que a mais profunda seriedade moderna deva txpressar-se através da ironi. Aironia moderna se insinua em tnuitas das grandes obras de ate e peasamento do século X1X; fo mesmo tempo ela se dissemina por milhdes de pessoas co- ‘uns, em suas exsteneiascotdianas. Este livro pretend juntar ssa obras e esas vidas, eestaurar o vigor espiritual da culeura modernist para o homem e a mulher do dia a dia; pretende mostrar como, par todos nds, modernisino & realism. Iso no fesolvera as contradigdes que impeegnam a vida modem, mas tunliaré a compreendé-La, para que possamos ser elaros © ho- estos a0 avaliare enfrentar as Forgas que nos fazem ser 0 que TLogo depois de terminado este livro, meu filho bem-ama- do, Mate, de cinco anos, fi tirado de mim. A ele eu deco ido (qe sido dermancha no a. Soa vida e sua morte trazem Mi {as das ideas e temas do livro para bem perto: no mundo mo- {erno,aqueles que sio mas felizes na tranquilidade domestica, ‘como ele ra, talversejam os mais vulneréveis aos demonios que fssediam ese mundo; a rotina didria dos parques ebiciletas, dhs compras, do comer e limpar-se, dos abrags ebeijos cost tmeiros, avez ndo sea apenas infintamente bela e fetiva, mas ambém infintamente fg precirias manter esa vida exige talver caorgos desesperados e heroicos, e 2s vezes perdemos. Tyan Karamazoy diz que, acima de tudo 0 mais, a morte de uma 2 sind; nosso desejo de slidos e claros valores em fungio dos Gquaisvvere nosso desejo de abarear todas as ilimitada posibi- Tidades de vida e experiéncia moderns, ue oblitera todos os va- lores; as forgassocais epoltcas que nos impelem a explosivos, ‘ont nom outas pesoas e outros povos, anda quando de~ Seinvolvemos uma profunda percepedo e empatia em relagio a ‘ossos inimiges deelarados,chegando a dar-nos cont, as veres tarde demais, de que eles afinal nfo do to diferentes de nds. Experiéncas com esas nas unem 20 mundo moderno do sécu fo Xt um mundo em que, como dise Mars, ado est impreg- nado do seu contesdo", “ado que é sido desmancha no at” ‘um mundo em que, como die Nietsche, “existe operigo, amie ‘da morlidade — grande perigo [.] deslocado sobre o indivi- ‘duo, sobre o mais préximo e mais querdo, sobre aria, sobre 0 Sho de algucm, sabre o coraglo de alguém, sobre 0 mais pro- fando e seereto receso do desejoe da vontade de alguém”. As smiquinas modernas mudaram consideravelmente nos anos que medeiam entre os modernists do século Xx e nds mesmos; mas| fos homens e mulheres modernos, como Marx e Nietzsche © Baudelaire e Dostoiceski os vir entio, elvez sé agora come cem a chegar plenitude de si mesmo. Marx, Niewsche e seus contemporineos sentram a moder nidade como um todo, num momento em que apenas uina pe- fqena parce do mundo era verdadeiramente moderna. Um séeu- To depois, quando 0 proceso de modernizacio desenvolveu una rede da qual ninguém pode escapar, nem no mais remoto canto {do mundo, podemos aprender de manera consideivel com os primetos modernists, nio tanto sobre 0 seu, mas sobre o nos- 0 proprio tempo. Nés perdemos o controle sobre as contradi- (bes que eles veram de agarrar com toda a fora, a todo mo- {nent 7m suas vidas coidianas, para poderem sobreviver, fina radoxalmente, € bem possivel que esesprimeiros modernists ‘os compreendam —a modernzacio eo moderismo que cons- tituem nossas vidas — melhor do que nés nos compreendemos, Se pudermos fazer nossa a sua visio e usar suas perspecivas para not ver € 20 nosto ambiente com olhos mais desprevenidos, coneluiremos que hé mais profundidade em nosss vidas do que ‘supomos. Veremos a imensa comunidade de pessoas em todo 0 mundo que tém enfrentado dilemas semelhantes aos nostos. E voltaemos a tomar contato com uma cultura modernista adi ravelmente rca ¢ wibrante que tem brotado deseasfutas: uma ultra que contém vasasreservas de Fora e sade, basta que a econheramos como nossa Posle acontecer entio que volar aris seja uma maneira de seguir adiante:lembrar o¢ modemistas do século XIX talver nos ‘visto ea coragem para criar os modernists do séeulo XX Esse ato de lembrar pode ajudar-nos a levar 0 modernismo de voles is suas races, para que ele possa nutrinse e renovar-se, tomando-se apto a enfrentar as aventurase perigos que estio| por vi. Apropriar-se das modernidades de ontem pov ser, a0 ‘mesmo tempo, uma critica 4s modernidades de hoje e um ato de fe nas modemidades —e nos homens e mulheres modernos de amanha edo dia depois de amanha.

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