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ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO INFORMAGOES N. 001/2016 - AGU Interessado: CAMARA DOS DEPUTADOS Assunto: DENUNCIA CONTRA A PRESIDENTA DA REPUBLICA, POR CRIME DE RESPONSABILIDADE, Excelentissimo Senhor Presidente da Camara dos Deputados ¢ Excelentissimo Senhor Presidente da Comissao Especial da Camara dos Deputados competente pata a anilise da dentincia, “O fato de set o impeachment processo politico nao significa que cle deva ou possa marchar margem da lei.”! A Excelentissima Senhora Presidenta da Republica, representada pelo Advogado-Geral da Unio, nos termos do art. 131 da Constituigao e do inciso V do art. 4° da Lei Complementar n° 73, de 10 de fevereiro de 1993, vem apresentar, em resposta a Mensagem n° 04, de 17 de marco de 2016 — comunicada por meio do Aviso n° 04/2016 (em anexo) € que se reporta a Mensagem n° 45, de dezembro de 2015 (em anexo)-, dentro do ptazo fixado de dez sessdes dessa Casa Legislativa (contando-se como primeira sessio a realizada no dia 18 de marco de 2016), manifestagao a respeito da Deniincia por Crime de Responsabilidade n° 1, de 2015, RD, Paulo. O impeachment. 3* ed. Sio Paulo: Saraiva, 1992, p. 146 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO (em anexo), de autotia dos cidadios Hélio Peteita Bicudo, Miguel Reale Jiinior ¢ Janaina Conceigio Paschoal, lida no Plenario da Camara dos Deputados no dia 3 dezembro de 2015, juntamente com © despacho (em anexo) que Ihe deu tramitagio 1) CONSIDERACOES INICIAIS 11) AS CONDICOES DE ADMISSIBILIDADE DO PROCESSO DE “IMPEACHMENT” NO ESTADO DEMOCRATICO DE DIREITO A Repiblica Federativa do Brasil “constitui-se em Estado Democritico de Direito”. E 0 que estabelece, in verbis, a nossa vigente Constituicio Federal, logo na sua primeira disposicio normativa. Lutas, angiistias ¢ tertiveis softimentos pavimentaram um longo caminho percorrido para que pudéssemos chegar, finalmente, a esta historica afitmacio constitucional. Muitos morream, padeceram nos cceres ditatoriais, foram torturados, exilados ou tiveram suas vidas artuinadas, até que, finalmente, 0 impétio absoluto da lei e da vida democratica passou a reger a iluminar a vida de todos os cidadaos brasileiro. Vivemos, hoje, felizmente, sob a égide de um auténtico Estado Constitucional, que em muito suplanta a feicio estrita ¢ limitada da expressio “Estado de Direito”, a0 menos nos moldes em que teoricamente foi concebida, a partir do final do século XVIII, em varios paises do mundo ocidental (Rechtsitaat, Etat de Droit, Stato di Diritto, Estado de Derecho, ow a anglo-saxdnica “rule of lan?” que pata alguns a ela se equivale). Se nos Estados de Direito, todos — governantes ¢ governados - devem estar submetidos & lei, nos “Estados Constitucionais” ou “Estados Democriticos de Dircito”, 0 elemento democratico foi introduzido, nio apenas para travar 0 poder (fo check she power)”, mas também para atender & propria “necessidade de legitimagio do mesmo poder (fo hgitimize State power)”, Inteira razio assiste, pois, a0 ilustre Ministro Luis Roberto Battoso quando chegou a firmar peremptoriamente: OTILHO, J,]. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constinuigio, 7 ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 100 2 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO “a Constituigio de 1988 é o simbolo maior de uma histéria de sucesso: a transigio de um Estado autoritirio, intolerante e muitas vezes violento para um Estado democritico de direito. Sob sua vigéncia, vém-se realizando eleicées presidenciais, por voto direto, secreto e universal, com debate politico amplo, participacio popular e alternincia de partidos politicos no poder. Mais que tudo, a Constituicio assegurou 20 pais a ‘estabilidade institucional que tanto Ihe falton a0 longo da repablica””. E de acordo com essa dimensio juridica, valorativa © histérica que devemos interpretar e comprcender todos os institutos e regras que disciplinam o exercicio do poder estatal ‘na Constituigio Federal de 1988. Como ensina o ilustze constitucionalista portugués J.J. Gomes Canotilho: “Se quisermos um Estado constitucional assente em fundamentos nio metafisicos, temos de distinguir claramente duas coisas: (1) uma é a da legitimidade do direito, dos direitos fundamentais e do proceso de legislagio no sistema juridico; 2) outra & a legitimidade de uma ordem de dominio ¢ da legitimacio do exercicio do poder politico. O Estado ‘mpolitico’ do Estado de Direito nio dé resposta a esse iimo problema: donde vem o poder. $6 0 principio da ‘soberania popula’ segundo o qual ‘todo 0 poder vem do povo’ assegura e garante © dircito igual patticipasio na formacio democritiea da vontade popular. Assim, 0 principio da soberania popular concretizado segundo procedimentos juridicamente regulados serve de ‘chamneisa’ entre o Estado de Direite’ ¢ © Estado Democritico’ possibilitando a compreensio da moderna fStmula Estado de direito democritico”* Sera, assim, um grave equivoco constitucional e democratico, busca de qualquer compreensio juridica e politica das regras que tipificam os crimes de responsabilidade ¢ disciplinam © proceso de impeachment da Presidenta da Repiblica, em nosso pais, com esquecimento involuntirio ou desatencio proposital a esta realidade axiolégica subjacente ao texto da nossa vigente lei maior. $ BARROSO, Luis Roberto. A Constituicio Brasileira de 1988: uma introdugo. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilat Ferteirs; NASCIMENTO, Carlos Valder do. Tratado de Dizeito Constitucional, vol.1. Sio Paulo: Saraiva, 2010. p. 17 CANOTILHO, op. it, p. cit. ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO A Constituigio Federal de 1988 acolhe a forma de governo presidencialista. Por isso, a0 contraio do que existe nos paises que adotam a forma de governo parlamentarista, ow mesmo a forma mista (“parlamentar-presidencial”), nio estabelece a nossa Constituigéo mecanismos de controles politicos ptimétios entre o Chefe do Poder Executivo — que acumula a funcio de chefe de Estado e de governo~ ¢ 0 Parlamento (Congreso Nacional). A Presidenta da Repiblica nao tem o poder de determinar a dissolugio do Congreso Nacional, da mesma forma que nao pode ser desligada da sua fung’o por uma mera avaliagao politica da inconveniéncia de sua permanéncia pela maioria dos membros do Poder Legislativo, No Brasil, a Presidenta da Reptiblica tem a legitimidade democritica para o exercicio das suas atribuigées conferida dizetamente pelo povo (att. 1°, parigrafo tinico, da Constituicéo Federal), por voto diteto secreto, para um mandato de quatro anos (art. 82 da Constituicio Federal). Como proprio do regime presidencialista, este mandato é cercado de garantias constitucionais voltadas a assegurar a plena estabilidade do seu exercicio, em face da acumulacio da Chefia de Estado de Governo. As hipéteses de perda do mandato presidencial, materializadas através do proceso de impeachment, como nao poderia deixar de sex, sio excepcionalissimas ¢ se afirmam em Ambito absolutamente restrito ¢ com aplicagio autorizada apenas a situagdes graves ¢ excepcionais de protegao da ordem constitucional, como ocorre, ng, com a intervengao federal (art. 34, da C.F), 0 estado de defesa (art. 136, da C.F), € 0 estado de sitio (art. 137, da C.F). Desse modo, a exemplo destes institutos mencionados, o impeachment apenas pode ser autorizado, no seu processamento, em hipétescs de excegao constitucional ¢ unicamente quando a gravidade dos fatos indicarem a inexisténcia de meios ordinatios de salvaguarda da ordem jutidica vigente Tora-se absolutamente impensivel afirmar-se, assim, que em um regime presidencialista insetido no ambito de um Estado Demoeritico de Dircito, metas situacdes episédicas de impopularidade governamental, per se, possam set tidos como motivos ou causas legais ¢ legitimas capazes de ensejar a perda do mandato de uma Presidenta da Repiblica. As premissas democraticas ¢ de direito que embasam © dio sustentagdo 20 nosso sistema constitucional nao admitem jamais esta possibilidade*, A Constituicio Federal de 1988 deixou claro em suas proptias determinagdes normativas a dimensio absolutamente restritiva e excepcional da responsabilizacio criminal e politica da Presidenta da Repiblica. Ao maximo, buscou evitar que acusacdes infundadas ou situagdes de invalidade desprovidas de gravidade extrema ¢ incapazes de atingir os alicerces centrais, que estruturam a nossa ordem juridica democritica possam vir a ensejat abalos 4 estabilidade institucional decosrente do exercicio do mandato da Chefe de Estado e de Governo. Partiu, assim, do pressuposto de que, no Presidencialismo, a aplicagao de certas sanges A pessoa da chefe do Poder Executivo, ou mesmo a extingio do seu mandato por meio de uma decisio juridica, serio sempte medidas trauméticas e ensejadoras de possiveis abalos institucionais ¢ sociais, verificaveis em maior ou em menor grau, de acordo com as citcunstincias, politicas e histéricas em que venham a ocorrer. F, por isso, seri sempre preferivel que a ordem juridico-democratica estabelega remédios que evitem efeitos perversos pata males que possam receber um tratamento menos traumstico. Esta tealidade valorativa de protecio 4 Chefe de Estado e de Governo, pata bom resguardo das proprias instituigdes, é a raz0 juridica © politica que explica e justifica a regea protetiva prevista no art. 86, § 4°, da nossa lei maior. Afitma este dispositive que: “Art. 86. (.) § 4". O Presidente da Repiiblica, na vigéncia do seu mandato, néo pode ser responsabilizado por atos estranhos a0 exercicio das suas fungdes”. Ao assim prescrever, a Constituigio atibui a Presidenta da Repiblica uma imunidade processual que Ihe assegura © regular exercicio de suas funcdes constitucionais, 5 Cumpre observar que a opeio pelo parlamentarismo foi expressamente rejitada em plbiscito realizado em 21 de abril de 1995, em cumprimento a determinacio contida no art. 2°do.Ato das Disposigdes Constitucionsis Transtécias, alterado pela Emenda Constitucional n® 2, de 1992. Na ocasito, a maoria dos eeitores brasietos votou pela adogao da forma tepublicana e do sistema de governo presidencilista, De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral, © pirlamentarismo obteve apenas 24,87% dos votos. Disponivel em: huip://svarsatse jus br/cleicncs/plchisctos.c.roferencdos/plebiscito-de-1993, Acessado em 01 de abril de 2016, 5 DVOCACIA-GERAL DA UNIAO consagrando uma inequivoca garantia institucional voltada, por dbvio, nio a protesio da pessoa fisica da Chefe do Executivo, mas & seguranca do proprio regime presidencialista. As persecucdes criminais ¢ de natureza estritamente politica que porventura pudessem ser contra ela promovidas, ‘no que concerne a atos estranhos ao exercicio do mandato presidencial, ficario suspensas, pouco importando se sio anteriores ou no ao seu inicio. Todavia, no ambito de um Estado Democratico de Direito, seria contraditorio e inrazodvel que restasse consagtada a irresponsabilidade absoluta do Presidente da Republica em relagio aos atos que pratica no exercicio da sua competéncia, rememorando verusta ¢ ultrapassada concepcao ("the king can do vo wrong"). Se, por um lado, © regime presidencialista impée garantias que permitam a estabilidade institucional do exercicio da chefia de Estado ¢ de Governo, de outro, © limite ao exercicio do poder presidencial também deveri ser afirmado, nos casos excepcionais ‘em que 0 comportamento presidencial, de forma grave e dolosa, possa atingir fortemente as vigas mestras que sustentam a ordem constitucional. Afinal, “para que no se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposicio das coisas, o poder refreie 0 poder’ No campo penal, por forca do exposto, a responsabilidade da Presidenta da Repiiblica, ao longo do exercicio do seu mandato, é relativa ¢ excepcional. Aplica-se apenas 208 atos praticados no exetcicio da sua fun¢io ou em razio dela (in officio ou propierofcium), no exercicio do seu mandato. Exclusivamente nestes casos poder softer a persecutio criminis, mas a instauracio do respectivo proceso criminal depender de autorizagio de dois tercos dos membros da Camara dos Deputados (art. 51, 1, da Constitui¢io Federal), competindo ao Supremo Tsibunal Fedetal 0 seu regular processamento ¢ julgamento (art. 102, I, “”). Contudo, em nenhum caso, enquanto no sobrevier sentenga condenatéria, poderd ser preso (art. 86, §3°, da Constituicio Federal). Coerentemente, a mesma situacio de excepcionalidade veio afirmada no texto constitucional em telacio 4 responsabilidade politica da Presidenta da Reptblica, capaz de propiciar, diante da ocorréncia de certas situagdes fiticas, a abertura, o processamento ¢ 0 julgamento de um proceso de impeachment ®SMONTESQUIEU, CLS. Do Espéilo das Leic wol1. Sio Paulo: Saraiva, 2012. p. 190. ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO Determina o art. 85 da nossa Catta Constitucional que a responsabilizacio do chefe do Poder Executivo apenas poderi ocotrer nos casos de crimes de tesponsabilidade, entendendo-se por estes “os atos do Presidente da Republica” que “atentem contra a Constituigdo Federal”. Uma vez incorrendo a Presidenta da Reptiblica nestes delitos, seri processada e julgada pelo Senado Federal (processo de “impeachment”), “limitando-se a condenacio, que somente sera proferida por dois tercos dos votos do Senado Federal, & perda do cargo, com inabilitagio por oito anos, para exercicio da funcio publica”, conforme preconizado no art. 52, I, e parigrafo tinico da Constituicio Federal Embota o art. 85 da nossa lei maior tenha, em sete incisos, feito uma referéncia a estes crimes de responsabilidade, acabou por esclarecer, em seus prdprios termos, que esta mencio se deu em carter meramente exemplificativo. De fato, esta atibuigio foi deferida a uma lei especial (Lein® 1.079, de 10 de abril de 1950). Todavia, 20 assim proceder, nic deixou de delimitar 0 nosso legislador constitucional, neste mesmo dispositivo, com absoluta clareza, que a liberdade para a tipificagio destes delitos, seja para o legislador ordindrio, seja para o eventual exegeta das normas constitucionais ¢ legais, nio seria irrestrta. Isto porque, deixou induvidoso: a) que somente poderiam ser definidos como crimes de responsabilidade capazes de ensejar a responsabilizacio da Presidenta da Repéblica, condutas tipificadas em lei. Aplica- se, pottanto, a esta pasticular espécie de delitos o brocardo axllum crimen sine tipo (nio ha crime sem. a tipificacio legal da conduta); b) que a propria lei ou seus intéxpretes nao poderiam pretender tipificar quaisquer tos inregulares ou ilegnis praticados por drgios ou outros agentes do Poder Piblico como “crimes de responsabilidade”. Deveras, a norma constitucional é clara ao afirmar que apenas podem ser caracterizados como delitos desta natureza atos que sejam dirctamente praticados pela Presidenta da Republica (a cxpressio acolhida no precitado art. 85 é, in rerbis, “atos do Presidente da Republica”, identificando, assim, © Gnico sujeito passivel de, com sua conduta pessoal, possibilitar a tipificacio de tais atos delituosos); ©) que a propria lei ou seus intérpretes no poderiam pretender tipificar como “crimes de responsabilidade” quaisquer atos irregulares ou ilegais praticados pela Presidenta da 7 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO Repdblica. Estes atos, para receberem tal qualificagio, devem se revestit da condigio de serem indiscutivelmente um “atentado 4 Constituiga0”. Ou seja: nao podem ser quaisquer violagdes a regras constitucionais, legais ou regulamentares, mas atos que pela sua intensidade, gravidade © excepcionalidade atentem contra principios essenciais da nossa ordem constitucional, de modo a subverté-la profundamente; 4) que a propria lei ou seus intétpretes niio poderiam tipificar como “ctimes de responsabilidade” quaisquer atos praticados pela Presidenta da Repdblica fora do “exercicio das suas fungdes” na “vigéncia do seu mandato”, por forca da ji refetida tegra estabelecida no artigo 86, § 4", do mesmo diploma constitucional. Deste modo, também ficaram excluidas desta ipificagio delituosa os atos de autoria da Chefe do Executivo que porventuta tenham sido por ela praticados em petiodo anterior, ou se reputem estranhos 4 sua funcio mesmo que praticados durante a vigéncia do seu atual mandato’; ©) que a propria lei ou seus intérpretes nfo poderiam tipificar como “crimes de responsabilidade” atos meramente culposos, ou seja, atos que nao revelem uma real e grave agao dolosa da Presidenta da Repiblica contra a ordem constitucional estabelecida. Deveras, careceria de completo significado constitucional imaginar-se que nio setiam apenas atos dolosos. 0 passiveis de setem tipificados como capazes de ensejar um ato extremo de afastamento de um chefe de Estado e de Governo. A mera conduta negligente, imprudente ou imperita da Chefe do Executivo no podera nunca, no sentido jutidico adequado da expressio, em face da sua prépria excepcionalidade sistémica, vit a qualificar um vetdadeiro “atentado a Constituigao Federal”. A ideia de penalizar drasticamente aquela que foi investida da condicio de ser a primeira mandatatia na nacio, em um regime presidencialista, s6 pode passat por gravissima conduta torpe, alicergada em mi-fé que a todos repugna e em odiosa intengio imoral ¢ Sobre a impossibilidade de responsabilizacdo politico-administeativa do Presidente da Repiblica por atos praticados antes do inicio do mandato: STF-MS n. 26.176-5/DF ~ sel. Min, Sepiilveda Pertence, Diitio da Justca, Segao I, 6 out, 2006, pig. 74 Nessa decisio o relator ressaliou que: dos ainda candidatos (...) que, asim, aio poderiam configuat crime de respons Direito Constitucional, 3". Ed. Ads, 2014, Pig. 503, caso desvela pormenor inafastivel: a demineia apresentada & relativa a atos bilidade”. ef. Alexandre de Moraes, 8 ita, Quem age com mera culpa, ¢ ndo com dolo, poderia até infringir a Constituigao, ‘mas jamais “atentar contra ela”, no grave sentido axiolégico em que o termo é definido no texto da nossa lei maior’. Hi que se obsetvas, portanto, que em consonancia com o sistema presidencialista que adotou, a Constituicio Federal de 1988 delimitou claramente 0 univetso restrito de admissibilidade dos denominados “crimes de responsabilidade” que podem sutorizar a abertura de um processo de impeachment. B, a0 assim fazer, assegurou definitivamente a concepeio de que tais delitos fio possuem apenas uma natureza unicamente “politica”, tampouco amplamente “discricionaria”. Sio, na verdade, verdadeira s "infracées juridico-politicas” cometidas diretamente por uma Presidenta da Repiiblica e no exercicio do seu mandato, conforme majotitariamente define a doutrina dominante nos dias atuais. AA afirmagio de serem os “crimes de responsabilidade” infragdes de natureza “jutidico-politica” traz uma importincia absolutamente relevante para esse conceito que, por sua , guarda uma conexio intrinseca com a adogio do sistema presidencialista por um Estado Demoetitico de Direito (Estado Constitucional), na conformidade do ji exposto. Em larga medida, este conceito expressa, nos seus proptios limites e contornos constitucionais, a excepcionalidade da sua prefiguracio juridica ¢ democratica, como forma de garantia da estabilidade institucional em ‘umm regime presidencialista, Deveras, ao se afirmar que possuem intransponivel natureza “jutidico-politica”, teconhece-se que os crimes de responsabilidade exigem para a sua configuracio in concreto, ou seja no mundo dos fatos, a ocotténcia de dois elementos ou pressupostos indissocidveis e de indispensével configuracio simultinea para a procedéncia de um processo de impeachment. Um é © seu pressuposto juridico, sem 0 qual a apreciacio politica jamais podera ser feita, sob pena de ofensa direta ao texto constitucional. © outro é o seu pressuposto politico, que em momento 8 Note-se que esta idea, inteiramente decorrente da anilise do préptio texto constitucional, também se eoaduna com © que ji era previsto desde a Lei 1.079, de 1950, que disciplina os erimes de responstbilidade ¢ © processo de impeachment, Em seu texto, inexiste previsio para a configuracio culposa destes delitos. ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO algum poderi ser considerado pelo Poder Legislative, em um regime presidencialista, sem a real vetificacio fitica da existéncia do primeito. O pressuposto juridico é 2 ocotréncia, no mundo fitico, de um ato, sobre o qual ndo pairem diividas quanto a sua existéncia juridica, diretamente imputivel & pessoa da Presidenta da Republica, praticado no exercicio das suas fungdes, de forma dolosa, 20 longo do seu mandato atual, tipificado pela lei como crime de responsabilidade, ¢ que seja ainda de tamanha gravidade juridica que possa vir a ser qualificado como atentatério a Constituigao, ou seja, capaz de por si materializar uma induvidosa affonta a principios fundamentais ¢ sensiveis da nossa ordem juridiea, O pressuposto politico ¢ a avaliacio discricionatia de que, diante do ato praticado € da realidade que o envolve, configura-se uma necessidade intransponivel de que a Presidenta da Repiiblica seja afastado do seu cargo. Em outras palavras: que o trauma politico decorrente da intertupgio de um mandato legitimamente outorgado pelo povo seja infinitamente menor para a estabilidade democritica, para as instituicGes e para a propria sociedade do que a sua permanéncia na Chefia do Poder Execativo, Desse modo, portanto, diante de tudo 0 que jé foi exposto, a propria definigio dos crimes de responsabilidade como inftagdes “jutidico-politicas”, afasta, de plano, a possibilidade de que uma Presidenta da Reptiblica softa um processo de impeachment pela meta avaliagio discticiondria de que seria “inconveniente” para o pais a sua permanéncia no exercicio das fungdes para as quais foi regular ¢ legitimamente eleito. Repita-se: nossa Constituigio no adotou 0 regime parlamentarista, ou outro que a ele se assemelhe. No presidencialismo, para a interrupgio do mandato do Chefe de Estado e de governo exige-se a ocotténcia de um pressuposto juridico, fatico, tipificado com todas as caracteristicas acima apontadas. Sem que isto ocorra nio haveré motivo ou justa causa pata que seja admitido, processado ou julgado ptocedente um pedido de impeachment. Donde concluir-se que somente diante de uma realidade em que os dois Pressupostos acima apontados - 0 juridico € 0 politico - se facam simultaneamente presentes é que ser possivel falar-se na intettupcio legitima de um mandato presidencial, pela ocorréncia de 10 )VOCACIA-GERAL DA UNIAO. 1um verdadcito crime de responsabilidade, sem ofensa i Constituicio e a0 que caracteriza um Estado Democritico de Dircito em um regime presidencialista. Fora disso, o impeachment se dati com clara ofensa e ruptura da ordem jutidica e democratica vigente. E nesse contexto que devemos compreender a curiosa discussio que se trava no Ambito da opiniio publica brasileira, ¢ amplamente explorada por meios de divulgacio, quanto a um proceso de impeachment ser um “golpe de Estado” ou nao. Em face dos principios que afirmam ser o Brasil um Estado Democritico de Diteito que adota o regime presidencialista e do que dispde a Constituicio Federal de 1988, 20 que tudo indica, essa discussio parece se revestir, data venia, da condicio de uma falsa polémica. FE. obvio ‘que se uma Presidenta da Republica, em nosso pais, praticar conduta desabonadota que configure 08 ptessupostos jutidicos e politicos da tipificagio de um crime de responsabilidade, o processo de impeachment poder ser admitido, processado e julgado, em total acordo com a Constituigio © as nossas leis em vigor. A nossa ordem juridica terd sido respeitada e no haveri, pot dbvio, nenhum deszespeito is regras que catacterizam um Estado Demoetitico de Diteito. Nesse caso, naturalmente, um impeachment jamais poderia ser visto como ou equiparado a um golpe de Estado. Seria uma solugio para um grave problema institucional, inteiramente resolvido dentro dos mandamentos constitucionais vigentes. Todavia, o mesmo nio se dati, por ébvio, se presses politicas ¢ sociais vierem a Propor um processo de impeachment em que no se configura, com um minimo de juridicidade, a ocorréncia de um crime de responsabilidade, por faltarem, as escincaras, os pressupostos exigidos para a sua configuracio constitucional. Nesse caso, os atos juridicos praticados na busca da interrpefo do mandato presidencial estario em colisio aberta e escancarada com o texto Constitucional e, caso efetivados, qualificario uma dbvia ofensa ao Estado Democtitico de Direito uma inexorivel ruptura institucional. E inteiramente adequado, assim, que uma acio desta natureza seja vista como um verdadeito “golpe de Estado”, praticado com desfacatez e a mais absoluta subversio da ordem juridica e democritica. 1 E comum utilizar-se a exptessio “golpe de estado”, em todos os continentes (“Coup Etat”, ‘Staatsreich”), para definit-se as situagdes em que ocorte a deposicio, por meios inadmitidos pela ordem juridica, de um governo legitimo. Embora, no plano histérico, seja mais comum a materializacio de golpes pela forca das armas, também nao se pode ignorar que, muitas vezes, € ‘em especial nos dias que se seguem, tais ruptutas institucionais sto usdidas ¢ executadas sob 0 aparente manto da “legalidade”. Isto ocortera sempte que, sob a alegaco retérica da ocoréncia de situacdes que de fato no se verificam ou niio justificam de direito a cassacio de um mandato presidencial, buscam- se subterfiigios juridicos, argumentos infundados e descabidos para a apatente legitimaco juridica da deposicio de um governo, sem que exista qualquer base constitucional para tanto, Nesses casos, no serio utilizados tanques, bombardeios, canhdes ou metralhadoras. Seto usados argumentos jusidicos falsos, mentizosos, buscando-se substituir a violéncia das ages armadas pelas palavras ‘ocas ¢ hipéctitas dos que se fingem de democratas para melhor pisotear 2 democracia no momento em que isto servir a seus interesses. Invoca-se a Constituigio, apenas para que seja ela rasgada com elegiincia e sem ruidos. Superando-se entio a falsa polémica, pode-se dizer que um processo de impeachment, no Brasil ou em qualquer Estado Democritico de Direito do mundo que adote sistema presidencialista de governo, pode ser ou nio um “golpe de estado”, conforme as circunstiineias que o caractetizem ¢ 0 definam. Nio serd um “golpe” se ocorzerem, de forma induvidosa, os pressupostos constitucionais excepcionais que legitimariam a justificada interrupeio do mandato do Chefe de Estado e de Governo. Ao tevés, como “golpe” se qualificart quando inexistirem, de fato ¢ de diteito, as razdes constitucionais para a afitmasio do impedimento da Presidenta da Repiblica, e este vier a ser confirmado sem nenhuma legitimacio democritica, mas sob uma apaténcia de legalidade hipécrita e infundada, Afirmar-se que "um impeachment nunca ser um golpe porque esti previsto na Constituicio" é sem sombta de duivida, ignorar com pretensa ingenuidade que um texto constitucional vigente pode set respeitado ou no. AAs normas juridicas sempre afirmam o que “deve ser” nfo o que, de fato, “seri”. Se elas afitmam que um processo de impeachment apenas 12 C ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO “deve ser” realizado dentro de certas condicées, isto pode ocorrer ou nio dentro da tealidade histética que esta por vir. Se ocorret, haverd a legitimacio do afastamento presidencial ¢ da assungio de um novo governo, na medida em que o “dever sex” adequou-se a0 que “é”. Se nto ocorrer, haverd um verdadeito ¢ indiscutivel golpe de estado, uma vez que o que “deve ser”, no mundo dos fatos, nao ocorreu, Nesse caso, as palavtas retéricas de justificagao 4 violéncia travestida de legalidade nio impeditao a ocotréncia de real e substantiva ruptura institucional, com todos os traumas politicos, sociais, inclusive no plano internacional, que dela podem advir. Um golpe dessa natureza, caso prospere, seguramente, jamais seri esquecido ou perdoado pela historia democritica de um povo. Em primeiro lugar, porque a banalizagio da utilizagio de um instrumento excepcional como 0 impeachment trati, inexoravelmente, uma profunda inseguranga democritica € jutidica a qualquer pais que porventura venha a seguir esse temeririo caminho. Que governo legitimamente eleito nio poder set destituido, em dias futuros, se for acometido de uma momentanea crise de impopularidade? Que pretextos infundados nio poderio ser utilizados, sem quaisquer espécies de freios juridicos e democtiticos, para viabilizar um ataque oportunista e mortal a um mandato presidencial legitimamente obtido nas urnas? Que oposigdes parlamentares nio buscario a desestabilizacio politica, independentemente do agtavamento que isso traga 4 economia © as condigdes sociais do povo, na busca de um assalto répido ao poder, fora da legitimagio das urnas? Que seguranga tetio investidores e governos estrangeiros diante de um pais que utiliza Pretextos juridicos e uma falsa retorica para afastar um governante que nio tem, a bem da verdade, contra seu comportamento nenhuma efetiva acusagio geave minimamente demonstrada? Em segundo lugar, ha ainda que se perguntar: em face da auséncia da configuracio constitucional plena, capaz de qualificar a ocorséncia de um verdadeito ctime de responsabilidade praticado por uma Presidenta da Repiiblica, de onde se retitari a legitimidade para que um novo Presidente assuma a Chefia de Estado e de Governo apés um impeachment? Do povo, que nio 0 escolheu dirctamente para esta funcio, por dbvio, nio seta. Da constituicio que nio reconhece o real impedimento do eleito, a nio ser por manipulagdes construidas como pretextos para uma deposicio ilegitima? Também nio sera. 13 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO. Lembrando aqui as jé anteriormente citadas palavras do festejado constitucionalista Portugués JJ. Canotilho, podemos dizer que um verdadeito ¢ legitimo Estado Democritico de Direito (Estado Constitucional) estar assentado em “fundamentos metafisicos” se negar o Principio da “soberania popular”, seja negando-o por afastar sem base Constitucional um presidente democraticamente eleito pelas urnas, seja por empossar um novo Presidente, sem voto € sem ampato na Constituigio, Nao haverd nem legitimidade para a destituigio do governo que sai, ‘nem para a posse do que entra. De um clissico aforismo originado em Sio Jerdnimo (Ep. 69,9) se poder’, de fatos como estes, extrait uma dura licao histérica: “Quale principio talis est clawsula”? Em terceito e tltimo lugat, torna-se oportuno lembrar que nao ha argumentos falsos ou construsdes juridicas fraudulentas que sobrevivam & matcha inexorivel do tempo e As duras paginas da histétia que setio escritas sobre quem eventualmente, pot seus interesses ‘menores, tenha violentado ou tentado violentar a existéncia de um verdadeiro Estado Democritico de Direito, Cedo ou tarde, a historia costuma ser sempre impiedosa com os que engendram eat” violagdes constitucionais na busca personalista de um “Coup d’ E a histéria quem sempre da a sentenca final 1.2.) A LEGITIMACAO DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO PARA ATUAR NA DEFESA DE PRESIDENTA DA REPUBLICA EM PROCESSOS DE “IMPEACHMENT” Dividas no podem existir quanto 4 indiscutivel legitimagio legal da Advocacia- Geral da Unio para, por meio do seu titular, atuar na defesa da Exma. Sra, Presidenta da Repiblica neste presente processo de impeachment. A legislacio brasileira e a otientagio consolidada de anos no exercicio das atividades cotidianas deste importante 6rgio da Unio no deixam a menor diivida a tespeito. Tal principio tal fim’ 14 ‘a UO ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO Diz o art. 131 da Constituicio Federal, in vorbis: “Ast. 131. A Advocacit-Geral da Unio € a instituigio que, dirctamente ou através de drgio vinculado, representa a Unio, judicial extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organizagio. ¢ funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento do Poder Executivo” Este dispositive constitucional deixa claro, induvidosamente, que além da em nome da prépria Unio, para todos os Poderes da Repiblica. consultoria e do assessoramento jutidico prestados ao Poder Executivo da Uniio, as atividades de epresentacio juclcial ¢ extrajudicial devem ser prestadas, pela Advocacia-Geral da Unio (AGU), Nessa linha, a Lei Complementar n° 73, de 1993, assim dispée sobre as ‘competéncias da AGU: “Art. 1, — A advocacia-Geral da Unio é a instituicio. que tepresenta a Unio judicial e extrajudicialmente. Parigrafo tinico. A AdvocaciaGeral da Unido cabem as atividades de consultoria e assessoramento jutidicos do Poder Executivo, nos termos dessa Lei Complementar ) Art, 4°, ~ Sio attibuigdes do Advogado-Geral da Unio: T- ditigir a Advocacia-Geral da Unio, superintender e coordenar suas atividades e orientar-lhe a atuagio: ) Do Advogado-Geral da Unio “Att. 36, Si atsibuicdes do Advogado-Geral da Unio, Srgio mais clevado de assessoramento juridico do Poder Executive: G) ‘V-- apresentar as informacdes a serem prestadas pelo Presidente da Repiiblica, relativas a medidas impugnadoras de ato ou omissio presidencial. () 15 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO XXV — avocar quaisquer matétins “juridicas de interesse da Unio, inclusive no que conceme a sua representagio extrajudicial” Nese sentido, é de todo correto afirmar-se que 0 Advogado-Geral da Uniiio, ao representar a Uniiio, representa 0 proprio Estado brasileiro. E. sob essa dtica, naturalmente, também, sera desnecessirio estabelecer qualquer diferenca entre o Estado ¢ 0 governo brasileiro, haja vista que este é um instrumento daquele, motmente no émbito de uma ordem juridica que adota o sistema presidencialista de governo, onde a Chefia de Estado e a Chefia de Governo deferida simultaneamente a um tnico érgio unipessoal do proptio Estado, qual seja, a Presidéncia da Republica. Questo importante que apesar da obviedade do seu equacionamento, a0 menos ad Manual de Representacio Judicial de Agentes Piblicos da Procusadosia-Geral da Unido e Manual de Representacio Estmjudical de Omgios e AgentesPiblicos dh Consolor. Geral" da Unito. Disposivls em buted /agugosbe/page/ content lalta/at-contulo/ 395573, Acesndo em 02 de ai de 2046 23 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO Constituicio da Republica ¢ as nossas leis. E 0 que nos ensina a nossa douttina e o que vem sendo praticado ao longo dos anos por este importante Stgio da advocacia publica brasileira 13) A DELIMITACAO DO OBJETO DO PRESENTE PROCESSO DE IMPEACHMENT Ofertada a dentincia por suposta pritica de crime de responsabilidade contra a Presidenta da Repiblica, o Presidente da Camara, Deputado Eduardo Cunha, no dia 2 de dezembro de 2015, entendeu por recebé-la patcialmente, rejeitando, de plano, a maior parte dos argumentos apresentados pelos cidadios que a subscreveram. Cumpre observar que a rejeicio de demincias desta natuteza por parte do Presidente da Camara encontra total ampato na nossa legislacio, a partir de clara orientagio jurisprudencial estabelecida pelo nosso Supremo Tribunal Federal. Com efeito, nas diversas oportunidades em que foi chamado a se pronunciar e a decidir sobre o processo de impeachment de Presidente da Reptiblica, veio a nossa Suprema Corte a teconhecer explicitamente esta possibilidade. Como acentuado pelo Ministro Carlos Velloso, por ocasiio do julgamento do Mandado de Seguranga n° 23.885-2, citando parecer do entio Procurador-Geral da Repiblica Geraldo Brindeito, ¢ irrefutivel “que o processo por crime de responsabilidade contempla um juizo preambular acerca da admissibilidade da demtincia. Faz-se necessétio reconhecer ao Presidente da Camara dos Deputados 0 poder de rejeitar a dentincia quando, de logo, se evidencie, por exemplo, ser a acusacio abusiva, leviana, inepta, formal ou substancialmente. Afinal, cuida-se de abrir um Processo de imensa gravidade, um processo cuja simples abertura, por si s6, significa uma crise”, E 0 contetido desse dever-poder do Presidente da Camara dos Deputados no proceso de impeachment ficou muito bem delineado no julgamento do Mandado de Seguranga n° 20.941-1 (em anexo), em cuja ementa do acdrdiio se 1é que aquela autotidade parlamentar é conferida competéncia, “no processo de ‘impeachment’, para o exame liminar da idoneidade da 24 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO dentincia popular, que nio se reduz & verificacio das formalidades extrinsecas ¢ da legitimidade de denunciantes ¢ denunciados, mas se pode estender, segundo os votos vencedores, a tejeicio imediata da acusacio patentemente inepta ou despida de justa causa” E o voto condutor desse decisum, da lavea do Ministro Sepiilveda Pertence, explicita que “cabe ao Presidente da Camara dos Deputados receber ou rejeitar a dentincia”, ¢ que “este recebimento nio é um recebimento burocritico, um ato de protocolo: € recebimento, na extensio que tem ~ e, ai, acolho as premissas da maioria, que entende que isto ¢ uma dentincia - do recebimento de uma dentincia”. No mesmo sentido as palavras do saudoso Ministto Paulo Brossard, segundo o qual, a “semelhanga do Juiz que pode rejeitar uma deniincia, ou uma inicial, o Presidente da Camara também pode. O Presidente da Camara tem uma autoridade que ¢ inerente a sua propria investidura, tem o dever de cumprir a Constituicio, as leis em geral, € © Regimento, em particular que é lei especifica. (..) Ele exerce singular magistratura”, Desse entendimento firmado pelo Supremo ‘Tribunal Federal decorre a possibilidade de o Presidente da Cimata dos Deputados vir a rejeitar, parcialmente, a noticia de crime de responsabilidade apresentada contra 0 Presidente da Republica 4 ‘Camara dos Deputados, tal como pode fazé-lo 0 magistrado em relagio & demincia ou a queixa- crime oferecida petante o Poder Judicifrio. Naquel hipétese, naturalmente, o Presidente desta Casa Parlamentar também cumpre o seu dever-poder de rejeitar, em seu ambito proprio de competéncia, acusagdes que repute ineptas, abusivas, baseadas em ilagées ou em meras suposigées. E, naturalmente, 20 assim proceder, submete juridicamente a Camara dos Deputados apenas o exame daqueles fatos que, a principio, parecem caracterizar crimes de responsabilidade praticados pela Presidenta da Repiblica. ‘Vé-se, pois, que a competéncia ea atuacio do Presidente da Cimara dos Deputados, dentro do juizo de admissibilidade no processo de impeachment da Chefe do Poder Executivo, niio tem o tinico objetivo de impedir o prosseguimento de acusagdes sem 0 minimo de idoneidade € de indicios de autoria ¢ de matetialidade do delito, com a determinacio de arquivamento da peca 21 STF. MS 20941, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO, Rel. p/ Acérdio: Min, SEPULVEDA PERTENCE, Tiibunal Pleno, julgado em 09/02/1990, publicado Dy 31/08/1992, 25 acusatéria que se apresenta inepta em sua totalidade. O exercicio daquelas atribuicdes, induvidosamente, também tem a finalidade de fixar e delimitar precisamente os fatos supostamente criminosos descritos na noticia formulada pelo cidadio ¢ que setio objeto de anilise ¢ deliberagao pela Camara dos Deputados. Resta assentado e induvidoso, assim, que 2 decisio inicial de recebimento da demincia do Presidente da Camara dos Deputados, lida na Sessio Plenitia seguinte & publicacto dessa decisio, que delimita definitivamente 0 objeto da acusagdo que seri analisado pela Comissio Especial destinada a emitir parecer sobre a questio. E esta decisio, portanto, que contera, de modo especifico, preciso e definitivo, os fatos sobre os quais 0 Presidente da Republica devera se manifestar, exercendo seu diteito fundamental ao contraditério € & ampla defesa (art. 5, LV, da C.F.). Claro, assim, que estas tegras disciplinadoras do juizo de admissibilidade realizado pelo Presidente da Cimara dos Deputados decorrem, de modo indiscutivel, do préprio entendimento pacifico do Supremo ‘Tribunal Federal sobre a matéria. E do mesmo modo, que tal compreensio, também, impée-se inexoravelmente em razio da necessidade de se garantir 20 Presidente da Reptblica acusado, em respeito ao principio constitucional da ampla defesa, 0 direito de vir a se defender de fatos determinados e nao de imputagdes vagas, incertas e imprecisas, inclusive de metas ilagdes € suposigdes, ou de quaisquer outras situagdes incapazes de gerar uma “justa causa” (ou motivo, como prefeririam os administrativistas) para a legitima promogio de um processo de impeachment, No caso presente, a decisao de recebimento da demiincia (em anexo), profetida pelo Sr, Presidente da Cimara dos Deputados no dia 2 de dezembro de 2015, ¢ lida no Plenitio da Cimara dos Deputados no dia 3 dezembro de 2015, como jé salientado anteriormente, rejeitou parcialmente as acusagdes constantes da noticia de crimes de responsabilidade apresentada & CAmara dos Deputados contra a Presidenta da Repiblica, nos seguintes termos: “10. Nio ha diivida de que todas as acusagdes formuladas pelos CIANTES sio gravissimas, mas, por outro lado, € igualmente certo também que muitas delas esto embasadas praticamente em ilagdes © suposicées, especialmente quando os DENUNCIANTES 26 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO falam da corrupgio na PETROBRAS, dos empréstimos do BNDES e do suposto lobby do ex-Presidente da Repiiblica LUIS INACIO LULA DA. SILVA. Nao se pode petmitir abertura de um processo tio grave, como é 0 processo de impeachment, com base em meta suposigio de que a Presidente da Repiblica tenha sido conivente com atos de corrupcio. MM. Quanto aos crimes eventualmente _praticados pela DENUNCIADA contra a lei ofcamentésia; sobre os quais os DENUNCIANTES fazem temissio reitetada ao recente julgamento das contas de 2014 do governo pelo Tribunal de Contas da Unio, € de se notar que a decisio acerca da aprovagio ow nfo dessas contas cabe cexclusivamente ao Congresso Nacional, tendo a Corte de Contas apenas cemitido parecer prévio, a ser submetido ao crivo do Congreso Nacional, a quem cabe acolhé-lo ou rejciti-lo, Além disso, 0s fatos. € atos supostamente praticados pela DENUNCIADA em telacio a essa questio sio anteriores a0. atual ‘mandato, Assim, com todo respeito is muitas opinides em sentido contritio, considero inafastivel a aplicagio do § 4° do artigo 86 da Constituigio Federal, qual estabelece mio ser possivel a sesponsabilizacio da Presidente da Repiiblica por atos anteriores 20 mandato vigente. Deixei claro em decisdes anteriores que nao ignoro a existéncia de entendimento contritio, especialmente em razio de o dispositive citado ser antetior @ emenda constitucional que permitin a recleigio para os cargos do Poder Executivo. Porém, nfo se pode simplesmente ignorar ‘que 0 constituinte reformador teve a oportunidade de revogar ow alterar (0.9 4° do artigo 86 e nfo o fez, estando mantida, portanto, a sua vigéncia. 12. Sob ontra perspectiva, contudo, a deniincia merece admissio. Como anteriormente consignado, além dos requisitos formais estabelecidos na legislagio, devidamente preenchidos na espécie, cabe a0 Presidente da Camara dos Deputados, nessa fase de admissibilidade ou delibagio da denincia, verificar a presenga dos requisitos materiais para o seu recebimento. Nesse particular, entendo que a dentincia oferecida atende aos requisitos minimos necessitios, eis que indicou ao menos seis Dectetos assinados pela DENUNCIADA no exercicio financeiro de 2015 em desacordo com a LDO e, pottanto, sem autorizagio do Congresso Nacional 27 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO Sio igualmente relevantes as demais questées que dizem respeito a lei orgamentaria deste ano [de 2015], especialmente a alegacio da reiteracio da pritica das chamadas pedaladas fiseais, o que, também em tese, podem configurar crime de responsabilidade contin a lei orgamentixa (at. 85, VI, CF) 13. Por tudo isso, ciemte da relevancia de que esse ato significa, considero que a denincia preenche os requisitos minimos pra seu recebimento. De fato, merece anilise exauriente as alegagdes dos DENUNCIANTES quanto A abertura de crédito suplementar mesmo diante do cendrio econdmico daquele momento, quando ja era sabido que as metas estabelecidas na Lei de Diretrizes Orgamentirias, Lei n. 13.080/2015, nao setiam cumpridas, o que pode ensejar 0 cometimento de crime de responsabilidade contra a lei orcamentitia. E também merece melhor aprofundamento as razdes que levaram 20 Govermo a adotar essa pritica das chamadas pedaladas fiscais também neste ano de 2015, Hi, portanto, justa causa a justificar 0 recebimento desta deniincia. E também ha indicios de autoria, considerando a sesponsabilidade da Presidente da Repiiblica pela lei orcamentitia.” Como se verifica dos termos da decisio de admissibilidade exarada pelo Presidente da Camara dos Deputados, a sotitia oriminis apresentada foi rejeitada em sua maior parte, especialmente aquela referente aos supostos ilicitos ocorridos em 2014. Sobreviveu ela tio- somente quanto aos fatos ocorridos no ano de 2015, quais sejam: @ edicdo de seis dectetos nio-numerados nos meses de julho ¢ agosto, todos fundamentados no art. 38 da Lei n® 13.080, de 2 de janeiro de 2015 (Lei de Diretrizes Orgamentirias de 2015 ~ LDO de 2015) e no art, 4° da Lei n° 13.115, de 20 de absil de 2015 (Lei Orcamentiria Anual de 2015), € (1) o inadimplemento financeiro da Unio com o Banco do Brasil $/A em virtude do atraso no pagamento de subvencdes econdmicas no Ambito do crédito rural, inadimplemento 28 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO esse que nio se caracteriza como miituo, financiamento ou operacio de ctédito para efeitos da Lei Complementar n° 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal). Pl Pe Assim sendo, em face da decisio de admissibilidade da peca acusat6tia exarada pelo Presidente da Cimara dos Deputados, tanto o parecer prévio da Comissio Especial a que se refere © art. 19 da Lei n® 1.079, de 10 de abril de 1950, como também eventuais pareceres de procedéncia ou improcedéncia dessa mesma Comissio e, ainda, a deliberacio do Plenatio da Cimara dos Deputados devem se restringir - tinica exclusivamente — ao exame dos fatos descritos nesses dois itens especificados acima, todos referentes ao ano de 2015. Aqueles outros fatos ocorridos em 2014 referidos na dentincia, como jé afirmado, foram expressamente rejeitados pelo Presidente da Camara dos Deputados, porque incapazes de caracterizar ctime de responsabilidade e, por conseguinte, devem set tidos como juridicamente imprestaveis Para fundamentar a instauragio do processo de impeachment. De tudo isso também se extrai que, em bom diteito, jamais se podera admitie como objeto de andlise neste procedimento em curso, 0 exame de novos atos ou fatos que eventualmente possam vit a ser trazidos aos autos por pedidos de aditamento extemporaneos, ou mesmo pela juntada imprépria de documentos, depoimentos, ou de quaisquer outros pretensos meio de prova, que no possuam pertinéncia diteta, estrita ¢ induvidosa, com as acusagées admitidas pelo Presidente da Camara dos Deputados. Apés ter sido efetivada a publicagio da decisio de recebimento da dentincia ¢ sua leitura no Plendvio da Camara dos Deputados foi definitivamente delimitado o objeto na decisao de recebimento da dentincia — pela decisio proferida no dia 2 de dezembro de 2015 ¢ lida na S sso seguinte do dia 3 de dezembro de 2015 — n&o podendo set — a qualquer titulo — admitidos quaisquer acréscimos indevidos. Feitas estas consideracdes iniciais que abarcam tanto as premissas constitucionais ¢ democriticas a partir das quais se definem o proceso de impeachment no direito brasileiro, bem como a definigio exata do objeto do procedimento aberto por decisio do Sr. Presidente da Camara, Eduardo Cunha, passa-se agora, com todas as vénias, & apresentacio das questdes preliminares ¢ 4 anise de métito do delimitado objeto da deniincia que motiva esta manifestacio. 29 Il) QUESTOES PRELIMINARES IL-1) A NULIDADE DO RECEBIMENTO DA DENUNCIA PELO PRESIDENTE DA. CAMARA EDUARDO CUNHA EM FACE DE NOTORIO DESVIO DE FINALIDADE. Antes de adentrar no métito da presente acusagio, cumpre ressaltar a indiscutivel nulidade da decisio proferida pelo Sr. Presidente da Camara, Deputado Eduardo Cunha, a0 teceber, mesmo que parcialmente, a dentincia originalmente proposta. Isto porque, data maxima venia,, incotreu esta autoridade parlamentar em manifesto desvio t (ou desvio de finalidade) ao recebé-. Os fatos que revelam a ocozréncia deste vicio que fulmina de nulidade insanavel 0 presente procedimento, desde a sua abertura, sio notérios e incontestes. De fato, ao receber parcialmente a deniincia de crime de responsabilidade subscrita por cidadios, nao pretendeu o St. Presidente da Camara, objetivamente, dar inicio a um processo com a finalidade legal pata a qual este foi ctiado pela nossa ordem jutidica, qual seja, o de proceder um fundado ¢ justificado impeachment de uma Presidenta da Repéblica que teria, em tese, atentado contra a Constituicio pela pritica de atos gravissimos e criminosos incapazes de serem absorvidos de outro modo juridico menos violento pela nossa institucionalidade. Seu propésito, nesta decisio, conforme publicamente confessado ¢ anunciado, foi outro. Agiu, sem qualquer pudor, para retaliar a Sra. Presidenta da Repiiblica, o seu governo ¢ 0 seu partido (Partido dos Trabalhadores), procedendo a uma clara vinganga, antecedida de ameaga publicamente revelada, por terem estes se negado a garantir os votos dos parlamentares que cle necessitava pata poder se livrar do seu processo de cassago na Camara dos Deputados. E ainda mais: 20 assim proceder, visou de forma canhestra, reflexamente, a jogar luzes no proceso de impeachment da Sra, Presidenta da Republica, para que ele, nas sombras, pudesse se desviar da forte pressio da opinido piblica que passava a exigit fortemente, pelas gravissimas acusagées que o atingem, a cassagao do seu mandato parlamentar. 30 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO Vinganca ¢ refigio politico foram, portanto, as razées objetivamente almejadas originalmente pelo Sr. Presidente da Camara ao praticar seu ato decis6tio de recebimento parcial da demincia de impeachment contra a Sta. Presidenta da Repiblica Dilma Rousseff. ‘Tal comportamento do Sr. Presidente da Camara, Deputado Eduardo Cunha, além de inserido em um conjunto de situagdes fiticas plenamente carncterizadoras do seu escancarado desvio de poder, guarda em si mesmo um incrivel e lamentivel paradoxo ético que, en passant, nia poderia deixar de ser citado aqui pela forga inctivel do seu proprio simbolismo e pela adequada contextualizagio que propicia da compreensio da ilegalidade sub examine, Deveras, ha que ser lembrado e ressaltado, que neste processo em curso ot mesmo em qualquer outro, a Sra, Presidenta da Republica nao é — e nem jamais foi - acusada de tet desviado para si dinheiro publico, de tet enriquecido ilicitamente, de ter contas secretas no exterior ou de set beneficidtia pessoal e direta de qualquer sistema organizado de atrecadagio de propinas. As acusacdes acolhidas pelo Sr. Presidente Eduardo Cunha nestes autos contra a Sra, Presidenta da Republica, muito pelo contririo, dizem apenas respeito a fatos hipotéticos, injustificados e niio demonstrados de que ela seria, em tese, apenas responsivel pela pritica de meros atos em operagdes contabeis, também realizadas por outros governos federais € estaduais, aceitas anteriormente pelo Tribunal de Contas da Unio e por outros Tribunais do pats, € nos quais ainda, em grande parte, ela sequer tetia tido qualquer participacio direta, como a posteriori se demonstrasi nesta manifestacio. Diga-se, alids, também de passagem, que a honestidade pessoal da Sra. Presidenta da Repiiblica nunca foi colocada em dtivida por ninguém. Até mesmo seus mais aguerridos adversitios politicos tém feito esse piiblico reconhecimento, em varias declaracdes & imprensa. Hi nisto, pois, um contraste flagtante € paradoxal com a situacio publicamente hoje vivenciada pelo Sz, Deputado Eduardo Cunha, que neste processo se apresenta, sem falsos pudores, como 0 verdadeiro ‘juiz-algoz” da Sta. Chefe de Estado ¢ de Governo da Repiblica Federativa do Brasil. Hoje o Presidente da Cimara dos Deputados € réu em processo criminal em curso no Supremo Tribunal Federal, onde sio ditigidas contra cle pesadas acusagdes de priticas 31 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO. delituosas. E investigado, por varios outros fatos ctiminosos, em muitos outros inquétitos em curso nna Policia Federal, ¢ tem pendente ainda de julgamento na nossa Corte Suprema um pedido de afastamento da Presidéncia da Camara e do seu mandato parlamentat, pela acusacio de utilizar manobras ilicitas para obstar as investigagdes que contra ele séo realizadas Segundo noticiado pela grande imprensa, vein utilizando esforcos incomensuriveis, por muitos parlamentares questionados, para procrastinar escancaradamente seu processo de cassacio, 20 mesmo tempo que, Pata a persecugio tinica dos seus objetivos pessoas, utiliza ao maximo todos os meios de que dispde para agilizar o presente processo de impeachment. E por que tudo faz, 0 St, Presidente, para agilizar o processamento do impeachment da Sta, Presidenta? Por que, em decisio sabiamente revista por decisio do STE, havia estabelecido normas estabelecedoras de um tito sumatissimo para a cassagio do mandato da Chefe do Executivo, com absoluta violagio & nossa Constituicao, as nossas leis e & propria jurisprudéncia consolidada? Seria apenas pot cultivar as solucdes breves, cultivo que, aliés, nao demonstra quando se trata do seu proprio processo de cassagio? A explicacio é simples. Vinga-se, por meio deste proceso de impeachment, por do ter conseguido vergar as conviccdes da Sea. Presidenta da Reptblica na linha de evitar, com os votos da baneada do seu pattido, o inicio do seu processo de cassacio. Vinga-se ¢ amplia, a cada dia, por meio deste processo de impeachment, uma cortina de fumaca sobre a sua delicada situagio penal, valendo-se da frigil e retdrica demincia que acusa indevidamente a Sra. Chefe do Executivo 22 Em (8 de margo de 2016, o Plenitio do Supremo Tribunal Federal seechew a deninca spresentada pelo Procurador- Geral da Repiiblica, nos autos do Ing 3985/DF, passando o Presidente da Cimart, Deputado Eduardo Consentino da Cunha, a ser réu em agio penal, sob acusicio da pritica dos eximes de corrupsio passiva e lavagem de dinheiro, Disponivel em p/n sts be/ poet solserProcessollexio.aspZid40126788:tipo.\pp=RLL de 2016. ‘Nomesmo dis, o Dep. Eduardo Cunha também foi denuneiado pelo PGR ne itmbito do Ing 4146/DF, referentemente A acusagio. de reeebimento. de propia em ~—contas.—sna_—Suiga Dispontvel cemhnpe/ van folha.wolcom bx/pades/2016/08/ 1746465 Bitica.8 “EDUARDO CUNHA AUTORIZA ABRIR PROCESSO DE IMPEACHMENT DE DILMA O presidente da Cimara, Eduardo Cunha, informou nesta quarta-feisn (2) que autorizou a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. O peemedebista afirmou que, dos sete pedidos de afastamento que ainda estavam ‘aguardando sua anilise, ele deu andamento ao requerimento formulado pelos juristas Hélio Bicudo © Miguel Reale Jinior. (..) Cassacio no Consello de Ftica - © despacho do peemedebista autorizando a abertura do impeachment ocorteu no mesmo dia em que a bancada do PT na Cimara anunciou que vai votar pela continuidade do processo de cassacio de Cunha no Conselho de Etica. Ao longo do dia, Cunha consultou aliados sobre a possibilidade de abrir 0 processo de afastamento da presidente da Republica. A tarde, ele tratou do assunto, em seu gabinete, com deputados de PP, PSC, PMDB, DEM, PR e SD. Segundo Parlamentares ouvidos pelo Gi, Cunha queria checar se teria apoio dos pattidos caso decidisse autorizar o impeachment. Nos bastidotes, aliados do presidente da Ciimara mandavam recados ao Palicio do Planalto de que ele iria deflagrar 0 process de afastamento da presidente se 0 Conselho de Etica dese andamento ao proceso de quebra de decoro pazlamentar que pode cassar 0 mandato dele.” “O BRASIL A MERCE DE UM CHANTAGISTA Folha de S. Paulo, Disponivel na versio impressa de 3 de dezembro de 2015. Estado de S. Paulo. Disponivel na versio impressa de 3 de dezembto de 2015, G1, "Eduardo Cunha autotiza abrir processo de impeachment de Dilma". Disponivel em: hutp://at globo.com/politica/ noticia /2015/12/eduando-cunha-informa.4e.aulorizou-pencesso Por detetminagio da Constituicio Federal (parigeafo tinico do art. 85), impde-se ainda como devida anilise da tipificagio dos crimes de responsabilidade, a pattir da Lei que os define, qual seja, a também jé aludida Lei n° 1.079, de 1950. E nessa anilise exegética que, por Sbvio, que nos depararemos com a necessidade de cotejarmos estes dispositivos com as firmes ¢ sempre intransponiveis diretrizes constitucionais decotrentes do principio da legalidade em matéria penal. De acordo com este principio fundamental da nossa ordem jusidica, 0 erime que se pretende imputar 4 Presidenta da Republica deve estar sempre previsto em lei, de forma clara, compreensivel e bem definida, nio cabendo falar de sua pritica fora das hipsteses Previstas expressamente na redacio firmada no diploma legislativo. No caso conereto da deniincia nestes autos dirigida contra a Sra. Presidenta da Repiiblica Dilma Rousseff, conforme se depreende da denincia originalmente ofettada e do seu recebimento parcial pelo Sr, Presidente da Camara, tenta imputar-se a autoridade denunciada “a pritica hipotética de crimes conta a lei orgamentatia.” Em tal imputagio, pata a real configurac3o juridica de um efetivo de crime de responsabilidade, se deve ter pot imprescindivel a demonstragio de que exista uma “lesfio” ou mesmo um “petigo de lesio” ao bem juridico, in casu, protegido, qual seja, 0 respeito a lei orgamentiria. Ademais, além disso, € indispensdvel que reste evidenciada a relagio de causalidade entre a conduta da Sra. Presidenta da Repiblica ¢ resultado de violagao. 5 LODI, Ricardo, Parecer Pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff— aspectos otgamentirios ~ normas de direito financeito ~ falta de amparo jutidico do pedido. 07 de dezembro de 2015. Pig, 25. 79 ADVOCACIA-GERAL DA UNL Cumpre também notar que 0s tipos delituosos que se pretende imputar a Sra. Presidenta da Republica no caso presente, por definicio, so jutidicamente definido como “dolosos” (ou seja, devem ser praticados com a dimensio subjetiva da ma-fé da autoridade), no podendo ser admitida, sob nenhum argument, no caso, a modalidade culposa (acio subjetiva deconrente de negligéncia, imprudéncia ou impericia da autoridade), seja pot forca do arquétipo constitucional definido para 0 conceito de crime de responsabilidade no art. 85, da Constituigio Federal (conforme anteriormente ji exposto nas consideragdes preliminares), seja por absoluta auséncia de previsio legal que pudesse, em tese, vir admitir (mesmo que equivocadamente, do ponto de vista constitucional), esta hipdtese. Este relevante aspecto foi abordado, de forma proficiente, pelo Professor Dr. Marcelo Neves, em patecer que abordou diversos aspectos jutidicos relativos a0 processo de impeachment. Vale transcrever, aqui, seus dizeres: “Quanto a questio de se 0 crime de responsabilidade admite apenas a forma dolosa ou também a modalidade culposa, incide a norma geral contida no pardgrafo tnico do art. 18 do Cédigo Penal, incluido pela Lei 1° 7.209, de 11 de jutho de 1984 ‘Parigrafo tinico - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senio quando o pratica dolosamente? Com base nesse dispositive determinante da excepcionalidade do crime culposo, Juarez Tavares esclarece que ‘nao se pode admitir a criagio de ‘um delito culposo mediante uma interpretagio teleol6gica ou sistemitica de alguns tipos de delito previstos na parte especial do cédigo’. Aplicabilidade dessa notma geral de direito penal i Lei especial reguladora dos crimes de responsabilidade também encontea respaldo no art. 12 do Cédigo Penal, na redagio dada pela Lei n° 7.209/1984: “Art. 12. As regras gerais deste Cédigo aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta nao dispuser de modo diverso.” Levando em conta esses dispositivos ¢ o fato de que nio ha nenhum caso expresso de crime culposo na Lei n° 1.079/1950, nio ha como se vvislumbrar crime de responsabilidad culposo da Presidente da Repiblica no ordenamento juridico em vigor. Exige-se que o ctime tenha sido praticado dolosamente, 0 que ocorte ‘quando 0 agente quis o resultado 80 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO ou assumiu o isco de produzi-lo’, conforme definigio do art. 18, inciso 1, do Cédigo Penal, incluido pela Lei n? 7.209/1984.” Em outras palavras, seja pela anilise direta do texto constitucional, seja pela andlise das nossas leis, no diseito brasileiro, nao existe crime de responsabilidade cometido por agao culposa, ou seja, por ato imprudente, negligente ou imperito daquele que ocupa o cargo de chefe de Estado ¢ de Governo. Sendo, assim, esta constatagio se aplica por inteiro & imputagio que se pretende fazer, em tese, nos presentes autos, as condutas da Sta, Presidenta da Repiblica, Dilma Rousseff. Do mesmo modo, em face das demincias de crime de responsabilidade feitas, neste Proceso, contra a Sra. Presidenta da Repiblica, devemos também, no anélise dos fatos conctetos, averiguar a ocorréncia da real ilicitude dos atos praticados, ou seja, a eventual contrariedade a0 direito dos atos atribuidos 4 autoridade denunciada. Para que esta contratiedade a0 direito se materialize, de acordo com a nossa lei, doutrina e jurispeudéncia, a conduta tipica nio poder ser sido praticada, como sabido, em decorréncia de estado de necessidade, de legitima defesa, de estrito cumpsimento do dever legal ou de exercicio regular de dieito. Deveras, tais situagdes juridicas qualificam, em si, verdadeisas causas de justificacio ou descriminantes, ou seja, causas que transformam uma conduta que, em tese, setia ilicita, em comportamento licito ¢ adequado a0 direito. Finalmente, um tltimo aspecto necessita ainda ser analisado dentro daquilo que nos et ina 0 modemo diteito penal. Considerando-se a ocorréncia de um eventual fato tipico possivelmente ilicito, ha que se perguntar: poderia a Sra. Presidenta da Repiiblica, no caso concreto, ou seja, diante dos fatos da vida que lhe eram postos, ter efetivamente seguido outta conduta diferente daquela que efetivamente seguiu? Poderia ter-Ihe sido exigida conduta juridica diversa da que adotou? FE 0 que ambito do moderna doutrina penalista se convencionou denominar de culpabilidade objetiva decorrente do tipo delitnoso. Esta “culpabilidade objetiva da conduta do agente que decorre da possibilidade de que ele pudesse, de fato, tet seguido outro caminho distinto daquele que adotou ao incorter na conduta reputada delituosa, pot Sbvio, em nada se 81 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO. confunde com a culpa subjetiva (negligencia, imprudéncia e impericia) do agente que se contrapée a0 seu dolo (ma intencio subjetiva) indispensivel para a tipificacio de um crime de responsabilidade. Aqui, se trata de saber: poderia ter a Sra. Presidenta da Republica, concretamente, tet tomado uma outra decisio sem ofensa aos interesses ptiblicos, sem prejuizo 4 ordem social e econémica? Se pudesse, a tipificacio delituosa, por Sbvio, restaria configurada. Se nio pudesse, 0 delito denunciado restara inteiramente descaracterizado na sua prefiguracio ilicita Como se depreende da explanacio, sio varios os elementos que precisam ser verificados na denincia em exame nestes autos, a partir dos elementos fiticos efetivamente ocorridos na realidade, para que possamos apurar a ocorréncia ou nao dos crimes de responsabilidade que se ptetende imputar a Sra. Presidenta da Repiblica, Dilma Rousseff. Na auséncia de qualquer deles, nfo hi que se falar de crime de responsabilidade a ensejar, no caso, as sangGes legalmente estabelecidas. Fo que se analisard a seguir. 112, DA ACUSACAO DE EDICAO DE DECRETOS DE CREDITOS SUPLEMENTARES EM SUPOSTO DESACORDO COM A LEI ORCAMENTARIA. II1.2.A) DA IMPUTACAO Limite da deniincia - Decretos de Crédito Suplementar No tocante i edicio dos Dectetos de crédito suplementar apontados na denincia, a decisio do Presidente da Camara que a recebeu parcialmente, limitou a andlise a set feita pela Comissao Especial do Impeachment apenas ao tratamento de supostos indicios de inregularidade em seis atos editados entre 27 de jutho de 2015 ¢ 20 agosto de 2015, por terem supostamente descumprido a legislacio orcamentéria. Conforme apontado anteriormente, os denunciantes afirmam que os referidos créditos seriam incompativeis com a obtencio da meta de 82 resultado primario entio vigente, infringindo o disposto no art. 4° da Lei n® 13.115, de 2013%e, consequentemente, implicando crime de responsabilidad nos termos dos itens 4 ¢ 6 do art. 10 da Lei n? 1,079, de 1950. Determina este dispositivo legal: “Art. 10. Sio crimes de responsabilidade contra a lei “orcamentitia: 4 - Infringir , patentemente, ¢ de qualquer modo, dispositivo da lei orcamentitia, () 6) ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orcamentiia ou na de crédito adicional ou com inobservancia de prescri¢io legal; Passemos, entio, a anilise da edi¢io dos aludidos Decretos editados no periodo de 27 de julho de 2015 ¢ 20 agosto de 2015, na medida em que sio os tinicos admitidos na dentincia, por forca da decisio da Presidéncia da CAmara. A demonstragio da cabal improcedéncia da imputagio partir’ do exame da possibilidade de alteracio da meta fiscal até o final do ano, como corolitio do principio da anualidade oreamentéria Nesse sentido, faremos a diferenciagio entre gestio oramentiria, cujos comandos normativos anuais estio contidos, por exemplo, na Lei Orgamentiria Anual ¢ cm leis € decretos de créditos suplementares ¢ especiais, e a gesto fiscal, cujos comandos normativos encontram-se na LRF, na LDO e em decretos de contingenciamento, indicando a confuséo completa dos denunciantes em relagao a esses dois temas. Esse desconhecimento técnico, pot si 6, jd seria suficiente para ensejar a clara inexisténcia do cometimento de qualquer itregularidade por parte da Sra. Presidenta da Republica. Independente disso, ainda abordaremos algumas distingdes entre os créditos abertos para 0 atendimento de despesas discriciondrias ¢ obrigatorias, ¢ as implicacoes juridicas dessa diferenciacio, para desconfigurar os alegados crimes apontados na pega acusatéria. 5tAnt 4° Fica autorizada a abertura de cxéditos suplementases, sestritos aos valores constantes desta Lei, excluidas as alterages decorrentes de cxéditos adicionais, desde que as alteracdes promovidas na progtamacio orgamentiia sejam compativeis com a obtengio da meta de resultado primério estabelecida para o exercicio de 2015 e sejam obsexvados © disposto no parigrafo tinico do art. 8 da LRF e os limites ¢ as condicdes estabelecidos neste artigo, vedado 0 cancelamento de valores incluidos ou acrescidos em decoréncia da aprovagio de emendas individus atendimento de despesas ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO Entretanto, antes de avancatmos sobte a matéria da defesa propriamente dita, é televante ressaltat a quantidade de equivocos técnicos primdrios cometidos pelos denunciantes, Estes equivocos podem ser, sinteticamente, explicitados no quadro abaixo: > exp q Quadro - Erros Conceituais da Dentincia Com a finalidade de esclarecet a deniincia, apontamos que os trechos abaixo contém diversos erros conceituais bisicos que dificultam o entendimento da acusacio e, por consequéncia, impede que se verifique onde se encontra o possivel dolo da autoridade ptesidencial denunciada. Em seus prdptios termos, diz a denincia: “Referidos decretos, cuja publicacio no Diitio Oficial da Uniio encontra-se comprovada pelos documentos anexos, importam dotacdo orgamentitia concemente a suposto Superavit financeiro e excesso de atrecadagio, na ordem de R$ 2,5 bilhdes (R$ 95,9 bilhdes menos R$ 93,4 bilhées). Todavia, esses superivits ¢ excesso de asrecadagio sio attificiais, pois, conforme se pode verificar a partir do PLN n° 5/2015, encaminhado ao Congreso Nacional em 22 de julho de 2015, © Poder Executivo jé reconhecera que as metas estabelecidas na Lei de Diretrizes Orcamentatias, Lei no 13.080/2015, nao seriam cumpridas.” A aficmagao “dotacio orgamentitia concernente a suposto Superavit financeiro € excesso de atrecada¢a0” no faz 0 menor sentido técnico. Isto porque: AA dotacio orcamentatia refere-se is ages orcamentitias relativas as politicas pitblicas que sio definidas no orgainento. Dentre os decretos citados, por exemplo, hi a suplementagio orcamentitia para a implantacio da Universidade Cariti, para a producio de radiofirmacos pata a concessio de bolsas do Programa Ciéncia sem fronteiras. Inclusive, 70% da suplementacio sio para acdes do Ministério da Educacio. Eo segundo maior suplementacio do orcamento de algum érgio, foi para a Justica do ‘Trabalho. © orcamento possui mais de 4 mil agdes orcamentitias, alocadas em unidades orcamentirias distintas, gerando uma subdivisio do orcamento muito detalhada e a sua lista completa ¢ publicada no préprio orcamento™. 55 Lei Oreamentivia nual, Exercicio Financeito de 2015. Volume Il - Consolidasio dos Programas de Governo, Disponivel em: ttp,/ Avan orcamentofederal gox bi/ oxcamentos-anwas/orcamento-2015-2/arquivos-oa/ Valume- TLLOA-2015.paf.. Acessado: em 05 de abril de 2016, 84 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO Por outro lado, o “syperdnit “financeito ¢ 0 “excess de arrecadasio dizem respeito is fontes de receita utilizadas para abertura de crédito. Conforme estabelece a Lei n°4.320, de 17 de marco de 1964, ha quatro fontes possiveis para abertura de crédito orcamentéio: exersso de arrecadagao, supenivit financeiro de ano anterior, operagao de eredito ¢ anulagio de dotagio onjamentaria Ou seja: dotagio orgamentaria & a despesa, e superivit financeito ou excesso de arrecadacio € a receita. Nio faz sentido falar em despesa de receital ‘Todavia, 0 mais profundo desconhecimento de técnico matéria orcamentiria esta expresso na fiase seguinte: “esses superdvit e excesso de arrecadagdo sao artificiais? Como ja foi diversas vezes ressaltado pot Ministros da 4rea econdmica, 0 orcamento é completamente engessado: as despesas si as reccitas sio, em sua maior parte, vinculadas a uma determinada despa em sua maiora,obrigalirias, an mesmo tempo em que A existéncia do “supeninit financiro de exercicios anteriores é publicada anualmente pela Secretaria do Tesouro Nacional, e expressa o dinheiro que esti depositado na Conta Unica do Tesouro. Como isso pode ser — pergunte-se - artificial? Além disso, o excesso de arrecadacio € informado pelos érgiios, com memétia de céleulo € nota explicativa analisada por técnicos competentes. Por exemplo: um dos créditos constantes dos Decretos questionados se referem a despesas da Justia Eleitoral—a tealizacio de concurso piblico pata provimento de cargos de analista ¢ técnicos judicidrio -, que tiveram como fonte de receita 0 Excesso de arrecadacio de Recursos Priprios Nao Financeires, decorrentes do recolhimento de tarifas de inscti¢io em concursos piblicos. Aceitar 0 argumento dos denunciantes seria, portanto, admitir que a Justia Eleitoral teria fraudado e indicado recursos que efetivamente nao arrecadou. © mesmo aconteceu com a Justicn do Trabalho, que informou um excesso de atzecadacio de recursos prdprios nio financeiros, decorrentes do tecolhimento de tarifas de inscricao em concursos publicos e de taxa de ocupacio de iméveis que serviu como fonte para a abertura de crédito para este tribunal com a finalidade de tealizagio de coneurso piiblico, pagamento de despesas administrativas de cariter continuado e aquisicio de equipamentos. Tera também a Justiga do Trabalho incorrido em uma fraude? Resta claro, portanto, a completa falta de base técnica da demincia, 20 confundir conceitos tio elementares da gestiio orcamentitia. 85 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO Ademais, seré exposta a mudanga de entendimento do Egrégio Tribunal de Contas da Unido sobre a matéria constante da demincia, ressaltando que a conduta idéntica, Praticada em exercicios anteriores, nio levou aquela Corte a propor a rejeigdo das contas da Presidéncia. Ao contritio: houve entendimento do érgiio, em situagdes absolutamente idénticas As realizadas no ano de 2015, no sentido de que as medidas eram corretas regulares. Por fim, sera analisado o impacto da edicio da Lei n® 13.199, de 3 de dezembro de 2015, na configuracao da flagrante inexisténcia de irregularidade indicada nesta absurda denincia. E, ainda, vale notar, que todos os atos mencionados — os Decretos assinados — foram analisados pelos drgios da Advocacia-Geral da Uniio ¢ da Casa Civil da Presidéncia da Repiiblica. Com isso se demonstra, por si s6, que a Sta. Presidenta da Repiblica jamais teve a intengao de burlar qualquer norma ~ como, de fato, a nenhuma burlou- mas apenas atuou no sentido de garantir 0 funcionamento da maquina publica, de acordo com recomendacées técnicas ¢ juridicas dos drgios que assessoram suas atividades. Todos esses aspectos, naturalmente, conduzem & inafastivel conclusio pela inocorréncia, no caso, de orine de responsabilidade, bem como & impossibilidade juridica de qualquer responsabilizagao da Sra. Presidenta da Republica. III.2.B) Distingao entre gest4o orcamentaria e gestio financeira A guisa de esclarecimento, impée-se estabelecer uma distingio entre dois conceitos es enciais pata real compreensio da questio objeto da presente anilise, quais sejam: gestdo orgamentria ¢ gest financeira 86 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO Os processos de natureza orgamentéria envolvem atividades de planejamento das despesas ¢ estimativa das receitas se convencionou denominat, na sua expressio mais usual e corrente, de “orcamento”. Ja os processos de natureza “fiscal/financeira” se asso informacdes usadas pata construir um instramento que mais a rotina de execugao do orcamento previsto, em uma combinacio de acompanhamento das receitas arrecadadas, comparando-se, assim, 0 estimado ¢ o realizado, bem como a propria limitagao das despesas a serem pagas, por meio do controle de moviment 0 ¢ empenho. Zela-se, assim, por meio destes limos procedimentos, pelo cumprimento das denominadas metas fiscais. Gestio Orgamentitia A gestio orcamentiria esti baseada na “autorizacao” para execucio das politicas piblicas. O destaque pata a expressio “autorizagda” nio € desmotivado. No Direito brasileiro, como a ninguém é dado a desconhecer, vige 0 “principio da legalidade”. Na sua estrita aplicacio no iimbito do diraito financvro, o referido principio enuncia que para que toda despesa ocotra, deve haver ptevisio legal prévia. Tal “autorizagao”, entretanto, néo implica necessariamente em que 0 gasto efetivamente deva ou itd mes que exista uma efetiva_disponibilidade financei lades féticas, como a ocotténcia da prépria efetiva ¢ real necessidade de que sejam 10 ocorrer. Isto porque, para que tal gasto ocorra ser necessitio (recursos), ou mesmo se vetifiquem outras necessi efetivamente utilizados os valores “autorizados” (por exemplo: um determinado valor previsto originalmente pata combate a enchentes, pode nio ser gasto em caso da ocorréncia de seca em determinado ano). O instrumento por exceléncia para o estabelecimento dessa “autorizagaio” é a Lei Orcamentitia Anual (LOA), na medida em que nela sio detalhadas as politicas publicas® (aces) a serem implementadas ¢ definidos quais os limites maximos de recursos que estio autorizados pata execucio de cada uma delas. 56 Nos decretos em andlise, alguns exemplos que podem ser citados dessas politicas piblicas sao gastos com educagao basica, bolsas de estudo para o ensino superior e Producao e Fornecimento de Radiofarmacos no Pais 87 @ ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO Ocorre que, como sabido, a LOA é uma peca prospectiva de cariter operacional, 0u seja, um texto legislativo que busca prever e especificar as aces diante de receitas e despesas esperadas para o ano seguinte. Tanto é verdade, que a aprovacio da LOA de 2015 se deu em abril do mesmo ano ¢ seu envio pelo Poder Executivo ocotteu em 27 de agosto de 2014, ou seja, quase um ano antes da edicio dos decretos que autorizaram créditos suplementares. A logica intrinseca a essas opetagdes ou a essa necessidade de previsio futura esté inscrita no art. 1°, § 1°, da Lei de Responsabilidade Fiscal, e serve tanto para fins de transparéncia, na medida em que os cidadios podem saber de antemao quais sio as prioridades do Estado ¢ fiscalizar 2 sua execugio, como de planejamento, para que o Estado se organize quanto a previsio de receitas ¢ despesas futuras, de modo a realizar uma gestio mais eficiente e responsivel desses recursos. Apesar das vantagens apontadas no planejamento estabelecido na lei orcamentitia, é necessétio ressaltar que um problema intrinseco da sua logica é a Sbvia impossibilidade de que possa vir a prever acontecimentos futuros que serio observados, naturalmente, apenas no momento da execucio financeira propriamente dita Gestao Financeira O art. 34 da Lei n.° 4.320, de 64 preceitua que o exercicio financeito coincide com © ano civil, enquanto que o att. 35 da referida Lei dispée que pertencem ao exercicio financeiro as receitas nele arrecadadas ¢ as despesas nele legalmente empenhadas. Trata-se do regime de caixa pata receita e de competéncia para despesa 57 Art. 1° Esta Lei Complementar estabelece normas de finangas piblicas voltadas para responsabilidade na gestio fiscal, com amparo no Capitulo II do Titulo VI da Constinigao. § 1° A responsabilidade na gestio fiscal pressupde a acio planejada e tansparente, em que se previnom tiscos ¢ cortigem desvios capazes de afetar 0 equilibtio das contas piiblicas, mediante o cumpprimento de metas de resultados ‘entre receitas e despesas e a obediéncia a limites ¢ condigdes no que tange a reniicia de receita, geragio de despesns com pessoal, da seguridade social ¢ outras,dividas consolidada e mobiliia, operigoes de credit, inclusive por antecipacio de reeita, concessio de garantine inserigio em Restos a Pagar. 88 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO Nesse contexto, a lei orgamentiria anual é elaborada de forma a tentar compatibilizar as dotagdes orgamentirias autorizadas com as receitas estimadas, de forma aatingir uma determinada “meta fiscal”, Este procedimento ¢ complexo, dada a diferenca existente entre a dotagdo orcada para um determinado ano, no coriceito de competéncia, ¢ a teal execucio financeira desta mesma dotacdo, no conceito de caixa, que € 0 utilizado para afericio da meta fiscal Sucede, todavia, que a entrada das receitas nos coftes publicos nem sempre coincide, no tempo, com as necessidades de realizagao de despesas piiblicas, porquanto a attecadacao de tributos e outras receitas nfo se concentra apenas no inicio do exercicio financeito, mas esta distribuida ao longo de todo 0 ano civil. Nao € por outra razio que existe um conjunto de atividades objetivando ajustar 0 ritmo da execucio do orcamento ao fluso provivel de entrada de recursos financeiros para assegurar a realizacio dos programas anuais de trabalho ¢, por conseguinte, impedir eventuais insuficiéncias de tesouraria. Esse procedimento denomina-se “programacio financeita Nessa linha, o art. 8° da Lei Complementar n° 101, de 2000, impde ao Poder Executivo a tarefa de disctiminar, até trinta dias apés a publicacio da lei orgamentatia anual, “a programacio financeira ¢ 0 cronograma de execugio mensal de desembolso”. Trata-se do decreto que dispde sobre a programagio orcamentiia ¢ financeita e estabelece cronograma mensal de desembolso do Poder Executivo para o exercicio. Dia a aludida lei: Art. 8° Até trinta dias apés a publicagio dos orgamentos, nos termos em que dispuser a lei de dietrizes orgamentitias e observado o disposto na alinen ¢ do inciso I do art. 4, 0 Poder Executivo estabeleceri a Progrimagio financeita © © cronogama de execugio mensal de desembolso. Mais & frente, a fim de evitar que as metas inicialmente estabelecidas nao sejam alcancadas, 0 art. 9° da Lei de Responsabilidade Fiscal autoriza o Poder Executivo a realizar a Jimitagao de empenho e movimentagao financeira, segundo os critérios fixados pela lei de ditetrizes oreamentérias. Como se vé, 0 decteto de limitacio de empenho, chamado de “decreto 89 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO de contingenciamento”, foi cleito pela Lei de Responsabilidade Fiscal como o instrumento apto a garantir o cumpsimento da meta, Em conformidade com 0 quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADI 2238/DF, a forma como o contingenciamento é implementado é dividida em duas artes. Até 0 vigésimo segundo dia do fim de cada bimestre, o Poder Executivo encaminha aos demais Poderes um Relatétio de Avaliagio de Receitas e Despesas indicando as mudancas no cenatio fiscal e a necessidade de contingenciamento de cada Poder. Posteriormente, até o trigésimo dia do fim do mesmo bimestre, por ato ptdprio, cada Poder publica 0 seu ptdprio contingenciamento, com base no cenatio fiseal indicado no referido Relatério, Meta de Resultado Fiscal - meta de superavit primétio No tocante a meta de superivit priméio prevista no art. 2° da Lei n.? 13.080, de 2015, é importante ressaltat que ela tem natuteza estritamente “financeira”, ¢ nio propriamente da lei “orgamentéria”. Ou seja, ¢ apurada ndo_de acordo com as rubricas constant orgamentiria anual, mas sim pelo efetivo ingresso de recursos nos cofres ptiblicos e das efetivas despesas. Ademais, esta meta € definida na LDO em termos de resultado ptimitio. Isto significa que ela exelui da sua apuragdo as receitas e as despesas financeitas, como os encatgos da divida ptiblica. Cabe destacar que 0 Tsibunal de Contas da Unio ja se manifestou sobre o cariter apenas indicativo das metas de Resultado Nominal ¢ Divida, onde as despesas financeiras tm um papel preponderante. No Acérdio n° 296/2007-TCU.-Plenitio, Processo TC- (012.583/2006-2, o Ministro Relator Ubiratan Aguiar acatou a manifestagio da SEMAG, deserita abaixo: “Sobre o assunto, foi enviado ainda a este ‘Tribunal a Nota Técnica/STN/CESEF n° 2.333/2006 (fls. 55/57), corroborando o 90 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO. entendimento firmado pelo Poder Executivo, de que as metas de resultado nominal ¢ de divida liquida do Governo Federal tém cariter apenas indicativo, conforme apresentado no proprio texto do Anexo de Metas Fiseais da LDO. Actescenta também que 0 Governo Federal, em estreito cumprimento das prerrogativas conferidas a0 amparo da Lei de Diretrizes Orcamentirias (DO) e da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRA), controla suas despesas primérias por meio dos Dectetos de Programacio Orcamentitia ¢ Financeira, atuando, assim, nas va ttado nominal da meta que tem disponivel para aproximar o 1 estabelecida. Ademais, conforme anilise técnica efetuada no ambito da taxa de juros nao esti matéria, mostrou-se, de forma simplifieada, que se a subordinada as decisdes de politica fiscal, e sim de politica monetitia, toma-se inconsistente a fisagio do resultado nominal e primitio simultaneamente. Isso porque, dentre outras razdes, os desvios da meta de resultado nominal decorrerio da componente da divida nfo controlada pela politica fiscal” “Com efeito, tem-se que, como fato, 0 carter meramente indicativo do resultado nominal consignado no art. 9” da LRF. Em que pese o TCU ter alertado a0 Chefe do Poder Executivo, com fulero no art. 59, inciso I, §1° da LRF sobre a possibilidade de no cumprimento das metas de resultado nominal, entende-se que, apés analisadas as informagées prestadas pelo Poder Executivo, em particular, pela Secretaria do Tesouro Nacional, que 0 seu carter indicativo remete a sua adogio como referencial a ser divulgado no Anexo de Metas Fiscais, resguardada @ compatibilidade da programagio dos orcamentos, conforme a harmonia preconizada no art. 5%, inciso I, da LRF”. (grifos nosso: Por outro lado, conforme veremos com mais detalhes adiante, é fundamental perceber que a meta é definida para cada ano, de modo que o seu alcance sé tem como ser efetivamente aputado com 0 encertamento do periodo, momento em que todas as expectativas consubstanciadas no planejamento orgamentétio expressos na LOA se ttansmutam de expectativa para certeza. Para deixar clato 0 exposto até o momento, o quadro abaixo sintetiza a distingio Percebs entre a esfera orcamentéria programdtica, da esfera fiscal e financeit decretos de crédito suplementar estio situados na esfera orcament: sesultado primério cst situada na esfera financeira. que os enquanto a meta de a1 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO Quadro - Gestio Orgamentaria vs. Gestio Financeira Gestio Orgamentiria Gestio Financeira Logica Planejamento futuro _da | Realidade econdmica atual (ic. Administracio e Transparéncia | arrecadacio de impostos € 20 cidadio execugio de despesas) Instrumentos | Agdes na Lei Orcamentésia | Definicdes das metas na Lei de Normativos | Anual, edicio de alteracdes nas | diretrizes orcamentitias, autorizagdes da LOA, tais como decretos de cxéditos, suplementares, leis de crédito suplementar ou especial ¢ ctéditos extraordinitios Relatérios de Avalingio de Receita e Despesa ¢ os Decretos de Contingenciamento ao longo do ano Momento de edigio 1. Agées da LOA: enviadas pelo Executive até setembro do ano anterior a execucio otcamentitia 2, Decretos ou projetos de Tei de —Crédito Suplementar: a qualquer momento durante o ano da execugio orcamentiria, desde que haja fonte de receita para tal conforme dispde a Lei 4.320, de 1964 1 Meta’ de resultado primario, LDO - enviada em abril do ano anterior a a0 exercicio 2. Relatérios de Receita e despesas e Decretos de contingenciamento: emitidos bimestralmente ¢ relacionados 20 desempenho econémico durante __o ano (execucio oxcamentiia) Palavra-chave Autotizagao Execugao IIL.2.C) Da autorizagao de ctéditos suplementares ao orgamento aprovado Para uma boa exposicio da matéria em ex © conceito de exéditos suplementares. ime, cumpre ainda que se venha a precisar 92 Em_ termos simplificados, pode-se dizer que os denominados créditos suplementates servem para atender politicas piblicas (agdes) jé existentes na Lei Orcamentitia Anual, mas que nfo possuem recursos suficientes pata serem executadas. Esses ajustes se fazem necessirios devido ao lapso de tempo entre o envio do PLOA, até 31 de agosto do ano antetior € a efetiva execugio das despesas aprovadas na LOA. Um exemplo de utilizacio dos referidos cxéditos nos Dectetos apontados pelos denunciantes foi a “ampliagio da autorizagio” de R$ 294.880.000,00 para Apoio ao Desenvolvimento da Educagio Basica. Diante dessa afirmagio, cumpre que se esclareca, de vez, que sendo 0 orcamento uma pega prospectiva, os Dectetos de créditos suplementares que deram ensejo & deniincia, sio apenas espécies de “ freios de rearranjo ou de rearrumacio,” pelos quais todos os entes pubicos e os Poderes do Estado adaptam o seu planejamento & tealidade. io, por isso, disciplinados pela nossa ordem juridica, como um instrumento idénco a set utilizado, legalmente, sempre que necessétio. De fato, a abertura de créditos suplementares pode se dar tanto pot lei quanto por decreto. Pata que a autotizacio possa ser dar por meio de decreto, em atendimento a0 proprio principio da legalidade, é necessitio que exista expressa autorizagio na Lei Oscamentéria Anual respectiva. Essa previsio vem disciplinada no §8°, do art. 165, somado ao inciso V, do art. 167, ambos da Constituicio Federal.. Dispdem, estes dispositivos, respectivamente, que: “art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabeleceri § 8° A lei orcamentitia anual no conteri dispositivo estranho a previsio a receita © A fixacto da despesa, nfo se incluindo na proibicio a auiorizacio_para abertura de créditos suplementares ¢ contratacio de ‘operagdes de crédito, ainda que por antecipacio de receita, nos tesmos da le” 93 G) “art. 167. Sto vedados: V - a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autosizacio legislativa c sem indicacio dos recursos comespondentes; A Lei n.° 4.320, de 17 de matgo de 1964, que, por sua vez, foi recepcionada com status de lei complementar, discrimina, nos incisos do §1°, do seu art. 43, os recursos aptos a subsidiar 0 referido crédito, quais sejam: “j) upenivitfinanceire apurado no balango patrimonial do exereicio ‘anterior: it) os prov"enientes de esceso de arrecadayo; itt) os resultantes de amulayao paral ou tatal de dotaypes orgamentirias ow de oréditos adivionais, autoriszados em les i) 0 produto de operagies de credite antorisadas, em Jorma que juridicamente possibilite ao Poder B: cutivo realicd-las Importante observar que a Leiin.° 13.115, de 20 de abril de 2015 —Lei Orcamentitia Anual de 2015 -,a seu turno, ao disciplinar a matéria orcamentéria daquele exercicio, exige, em seu art. 4°, que as alteracdes promovidas na progtamacio orcamentitia sejam compativeis com a obtengao da meta do resultado primario estabelecida para o exercicio de 2015 ¢ sejam observadas as exigéncias do disposto no paragrafo tinico do art. 8° da LRF, bem como os limites ¢ as condigdes estabelecidas no aludido artigo. Ota, como visto antetiormente, o erédito, em razio da sua natureza estritamiente orcamentiria, refere-se apenas a dotagdo ou “autorizacdo” de gasto. Assim sendo, 20 Promover a abertuta de crédito suplementar, pot meio de decreto, a Presidéncia da Republica apenas confere 4 Administragio maior liberdade na alocagio de gastos em Politicas _piblicas distintas, 0 que, entretanto, s6 sera possivel de se materializar se acompanhado da contrapartida financeira correspondente. Ou seja: 0 crédito orcamentirio uma fase intermediéria do gasto efetivo, de modo que ele, por si s6, no é uma condicz&o suficiente para o desembolso. 94 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO. Para exemplificar de forma mais clata podemos pegar um exemplo do cotidiano, em que uum cidadio vai a feira com uma lista de compras, conforme ilustrado na imagem abaixo: ENTENDA OS DECRETOS DA PRESIDENTE DILMA 5e 0 Orcamente fesse uma felrinha.,: OOOOO 2 RRR 3» aE aS Sorgamentoseris squsntitsee limite fea ai una quanta de Pedulosdsponivet pore fade dono que 0 Govetns sponte por exes, RSL oe “ OOOOO 2 Se RRR a es apenasaumentaramolimite soot posi compat eux ‘orgameetini csprnbianda mais “ronbasgesde potatos vom eve rosette da Steen ce REID que prove Caer eae Rs Os ensetos nto Uses decetsdeu ———_Oatrn dees aomentameseasts, PolldaFedealnas deans iSqurotimtetical — Fenbiidage sora : permanece omeswe. combalerecienees y Naor asnguer orvvaio, som paras Q ameagad meta hscal | aumentar ose gasto, weal No caso apontado na imagem, o orgamento setia uma espécie de “lista de compras”, que fica limitada a determinados produtos, como macis, cenouras ¢ uvas. Para fazer uma alteracio as altemativas de compra nessa lista, € necessirio um crédito suplementar (mais uvas, por exemplo). Essa alteracio possibilita um outro “mix” de produtos (comprar mais uvas € menos cenouras), mas a quantidade de recursos que o cidadiio tem, ou seja, 0 dinheito no seu bolso (parte financeira) permaneceria a mesma. Resta evidenciado, pois, 0 grosseiro equivoco da deniincia, Segundo os fatos denunciados existiria — pasme-se ~ uma desconformidade entre a meta de responsabilidade 95 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO fiscal estipulada quando do envio da Lei de Ditetrizes Orgamentérias (peca de cariter estratégico em que sio estipuladas as metas ¢ as prioridades da administtacio pata o exercicio subsequente) e os decretos de crédito questionados. Em boa técnica juridica, orgamentiria e financeira, inexiste, no caso, a possibilidade légica de ocorrer qualquer desconformidade. Sio tealidades distintas, que incidem em planos diferentes da fealidade administrativa, sendo concebidas ¢ ditadas com propésitos completamente diversificados. E diga-se, com énfase: sealidades distintas, pertinentes a planas diferentes da pripria existincia juridica, jamais poderdo ser sonflitantes, Destaque-se que esse instrumento é utilizado e serve a todos os entes publicos ¢ Poderes do Estado, Parece “estranho”, assim, que na retdrica equivocada desenvolvida pelos denunciantes, essa “autorizaeao”, feita pela edicio de decretos suplementares, seja tida como algo anémalo, como uma faculdade atribuida apenas a0 Poder Executivo, Tal compreensio equivocada apenas cabe sobre medida pata a construcio da absurda tese de responsabilidade, in casu, da Sea Presidenta da Republica. Deveras, a0 contritio do que supde a equivocada peca dos denunciantes, na realidade, 0 orcamento possui diversas ages orcamentirias distintas para cada érgio, que “autorizam” gastos para os trés Poderes do Estado (Poder Executivo, Legislative ¢ Judicidtio) € que, por consequéncia, siv passieis de complementacio por meio de deetos de eriditos suplementares Para exemplificar 0 apontado, indiquemos as ages referentes 4 Justia do ‘Trabalho contidas na abertura de crédito suplementar, que representaram cerca de 10% do valor questionado nos Decretos em anlise. A Justica do Trabalho, enquanto dtgao do Poder Judiciatio, pot exemplo, teve sua autorizacio de gastos ampliada, a partir de justificativas diversas, como “Despesas adicionais da obra de Ampliaiio do Férum da Justica do Trabalbo de Pedro Leopoldo” ow “Realizagio de concurso priblico, Pagamento de despesas administrativas de cardter continuado ¢ aguisigto de equipamentos”, que integravam suas 96 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO ages orcamentirias especificas, O detalhamento das aces podem ser vistas na tabela abaixo: ‘xplicagSo dos Créitos da Justca do trabalho constantes dos Decretos mencionados na Deniincia Maas fame] Soe waa] rome arecan| tte | poston rmiranacoctae — | teria, —y es | os) ‘oes oeandeseestiot Jansiaaodeconcroptne, | ne [Dagamento de despesas [Aredacio de caus | 150] 252.0 Faancebos Grcrrrtes do | eeinitratas de cadter reiterate Ieotimesce tne [postback [escrito em concisos pbs e | oncnen ise | deta de ocpacSo de imcveis [°° Fada corn porcine cave suerve de Reesor Prnios [PEATE dps oto stn fovcatotscans | ys so Isnmanvescece a Pearce |contiruade e aqusigio de sunvments Sesto caso te sree de ow scan ob Setesrvance | a] soa tswscrdecmenevcon|impaiset erm ninco co ¥, amy mtastnceas abe ee epe xanga comunendoe conto deranaenioesTY 4] a] v0 Icancnsecmnovem |e cova, rect ee Pees de Cod ros aan a | Anvecacta de wi} s4.264014| [Recursos de Convénios com | adminisrativas do carter ci Vi, 12 ic do Tabsibo insttuigdes finances |ccntinvadoe roformas . lsmeiedereanosde —_[rapmero ss cusese ercentose cas | sa seenzn|contiveommmortes —feenastmeevrtr | cow na net do Taba, finarceiras, |continaadoe efoemas Fea saxareno| 1a Conforme observado na tabela acima, 0 que as referidas notmas possibilitam, apenas, é a mera ampliacio da autotizacdo orgamentitia para execugio de determinada Politica especifica, inclusive de outro Poder. Frise-se que apesar do Decteto set editado pela Presidéncia da Repiblica, por uma mera razio formal, sew pedido € realizado pelo gestor dos zecursos no drgdo responsavel pela politica publica (nesse caso, o gestor de recursos da Justica do Trabalhol). De fato, seria absolutamente impossivel que a Presidéncia da Repiiblica pudesse prever a necessidade de idequacio orcamentatia de um outro Poder, como, por exemplo, pode ocotrer para a reforma de um Forum no interior de Minas Gerais, bem como para qualquer outta execucio de politicas piiblicas que estejam fora do ambito do Poder Executivo. Firmadas estas considetagdes, um importante passo deve ainda ser dado para a boa evolugio l6gica do presente raciocinio. Como ja se salientou, a autorizacio de gastos prevista na 97 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO Lei Orcamentiria Anual, nas leis € nos decretos suplementares, dizem respeito exclusivamente a matéria orcamentéria, ou seja, a uma programagio prevista de gastos. Ou seja: relaciona-se ditetamente apenas 4 questéo de planejamento ¢ transparéncia da gestio das finangas puiblicas. Nao guarda, portanto, como jf se frisou acentuadamente, nenhuma relagio direta como os gastos que em si serio ou nao realizados na execugio fiscal e financeita. Nem sempre que é autorizado para gasto ¢ efetivamente gasto, ou seja, nem sempre o que ¢ efetivamente orcado é efetivamente implementado. O atingimento ou nio de metas fiscais, como é dbvio, tem pertinéncia nao com © orcamento ¢ seus mimeros fixados programaticamente em lei, mas com a efetiva execugio financeisa deste, tratada, jutidicamente, no caso do Poder Executivo, por meio de outro instrumento legal: os decretos de contingenciamento, Ainda sobre o tema, analisando as contas de 2014, o Senador Acir Gutgacz, relator do tema na CMO, fulminou: “A questio objeto da irvegularidade nao demanda anilise aprofiundada. Restringe-se a dirimir se a “abertura" dos créditos mencionados eta incompativel com a obtengio da meta de resultado primitio entio vigente € se estava em desacordo com o att. 4° da LOA 2014 (Lei n® 12.952. de 2014), Se contratiasse a LOA 2014,, a norma onde se autoriza a abertura, consequentemente, contratiaria o inciso V do art. 167 da Constituicio Federal, pela auséncia de autorizagio legislativa prévia ‘Veja-se que 0 apontamento nio discute © teor de cxéditos, mas tio somente a "aberturn” deles. De imediato. assegura-se que 0 meso ato de “abertura" de um crédito. ainda que com amparo em excesso de arrecadacio. nio é incompativel com a obtencio da meta de resultado primério. A abertura de crédito sequer tem relagio direta com a obtencio dessas metas. Portanto. nfo hi nese fato qualquer aftonta ao art. 4° da LOA 2014, menos ainda & Constituigio.” 98 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO Sendo assim, afigura-se, igualmente, como imprescindivel, agora, distinguir duas distintas_modalidades de abertura de créditos adicionais: as referentes As despesas discticiondrias ¢ as despesas obrigatorias. Isso porque, esclareca-se de antemio, 2 execugio financeiza dessas despesas segue regtas diferentes. O impacto de sua autorizacéo nio se dé da mesma forma, tazio pela qual ¢ necessirio abordé-las separadamente. De fato, conforme entendimento do proprio TCU, o aumento de despesas obrigatérias equivale, para fins de cumprimento do att. 9° da LRF, a.redugao de receita Enquanto as despesas discricionérias esto sujeitas _ao_decreto_de contingenciamento, as despesas obrigatétias, por razdes Sbvias, jamais_podei submetidas a esta espécie de limitagdo, Minal, 0 que é obsigatério por lei, nio pode ser testtingido por uma decisio administrativa. estar Donde, com a devida vénia, para as despesas discriciondrias, autorizacdes brevistas em um simples decreto de crédito suplementar, jamais poderdo ter qualquer impacto _sobre_os limites fiscais e financeitos estabelecidos, visto_que continuam submetidas 20s mesmos pardmetros de movimentagéo e de empenho estabelecidos nos tos normativos que os disciplinam. III.2.D) Como ¢ elaborado um decreto de crédito suplementat Outro ponto merece também ser ressaltado. Pelo exposto nota-se com absoluta nitidez. que o expediente de edigio de créditos suplementares envolve uma complexa cadeia de atos administrativos, da qual se deriva a necesséria supervisio intema desses diversos Stgéos_administrativos, que envolve inclusive os drgdos demandantes das verbas de suplementagao. A representacio grifica a seguir, bem o demonstra: 99 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO Mais de 20 técnicos Pree cuuns| ito de andlise de um decreto de crédito ane ala dco digest fomerecee, wi cual sme bo epoca vr 1 Orgao ~ area finalistica 2 Org50 ~ rea de orgamento e ay S.de Orgamento Federal 'M, do Planejamento 4 soe Meas ese tel ‘ose mai eo ‘Ra Be et eG cee up ap Disco se extrai uma outra importante conclusio. Pode-se afitmar, ad amyementandim tantun, que mesmo alguma hipotética ilegalidade tivesse ocorrido nestes Decretos questionados, seria impossivel que existisse qualquer dolo da Sta. Presidenta da Republica na sua expedicio. De fato, pela origem das solicitacdes, pela propria complexidade técnica da claboragio destas medidas, pelo niimero de étgios técnicos envolvidos na sua expedicio, pelas apreciagdes técnicas feitas por servidores publicos de diferentes qualificacdes profissionais, como_seria Possivel afirmar-se que haveria uma mi-fé da Sra, Presidenta da Repiblica na expedicio destes atos administrativos? De onde se extraitia o dolo da sua atuacao administrativa? Obviamente, nao ha dolo al igum da Sra. Presidenta na expedicio destes Dectetos_- mesmo que ilegais fossem-, e, por conseguinte, nenhum_crime_de responsabilidade podera, em tais casos, ser a ela imputado! 100 )VOCACIA-GERAL DA UNIAO. Alls, a impossibilidade de se falar em acio dolosa na expedigio destes decretos é impossivel de ser rebatida. Presume-se, pelas proprias ciscunstincias que cercaram a sua edicao, ‘Todos estes decretos foram amparados em solicitagdes, pareceres, ¢ manifestagdes técnicas que amparavam a decisio presidencial, ou seja, em atos administratives dotados juridicamente de inquestionada “presunedo de legitimidade”. Como imaginar-se que todos estes drgios, inclusive integrados por técnicos concursados e de carreira, pudessem estar envolvidos em uma construcio diabélica voltada para a ofensa das metas fiscais legalmente estabelecidas, ou pata o descumprimento da lei otgamentitia? Como imaginar-se que estes atos administiativos que ampararam a edicio dos dectetos questionados, enunlsidas pela preciso juntdica de validade prépria de odes os ates administrations pela aparéncia de total conformidade com as regraslrgs, pudessem sex captados pela autotidade presidencial como algo indevido, incorreto, ou mesmo “atentatério” & nossa Constituicao? E impossivel falar-se, no caso em qualquer acio dolosa da Sea. Presidenta da Republica, mesmo que ~ repita-se “ad argunentandum tantum — house qualguer vicio nas Deertos em exame. A questi, aliés, data maxima venia, se encontea pacifickda na nossa jurisprudéncia. Em situagées bastante semelhantes ~ de Chefes de Executivo que consultaram Procuradorias Juidicas ~ a jurisprudéncia do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a auséncia de dolo ¢ 0 erro de tipo: Acio penal. Inexigéncia de licitagio (art. 89, eaput ¢ parigrafo tinico, da Lei n® 8.66/93). Desmembramento da agio penal em selacio a coméus sem prertogativa de foro. Descabimento, Alegacio de ofensa aos ptincipios do duplo gran de jurisdicao, do juiz natural e da indivisibilidade da acio penal. Invocagio de nulidade do processo pelo fato de a imputagio se basear em denincia andnima e em documentos nio submetidos previamente ao contraditétio ¢ & ampla defesa, bem como pelo fato de ser inepta a dentincia. Preliminares rejeitadas. Contratacio direta, pot municipio, de empresa especializada para asseisoria e consultoria técnica na area de gestio cadastral e tributiria, Singularidade do servigo e notéria especializacio da contratada configuradas. Juizo de adequacio tipica negativo. Inexisténcia, outrossim, de delegagio de poder de policia & contratada. Contratacio, ademais, fundada em pareceres favoraveis da Procuradoria e da Controladoria-Geral do Municipio. Etro de tipo configurado. Auséncia de dolo. Agio penal improcedente. (STF, 101 AP 560/SC, 2* Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 10.9.2015, no mesmo sentido: STF, Ing 2616/SP, Plendrio, Rel. Min. Dias Toffol, DJe 298.2014; STF, AP 523, 1* Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 13,2.2015; STR, Ing 2482/MG, Plenstio, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, DJe 17.02.2012). Nao ha, pois, que se falar em acio dolosa dos Chefes dos Executivos em casos em que tenham sido levados a pritica de atos juridicos, a partir de solicitagdes, pareceres, ¢ manifestagdes juridicas, expressas em atos administrativos expedidos, por servidores de Srgios técnicos, e que se encontzam inteitamente ao abrigo da presungao de legitimidade que envolve todos os atos administrativos em geral. B se assim é, nio ha, portanto, também como se falar da ocorréncia de crime de sesponsabilidade da Sra. Presidenta da Republica, na expedicio destes Dectetos. IIL.2.E) Os dectetos de crédito suplementar questionados na deniincia Em telagio aos Decretos questionados cabe observar, em primeito lugar, que o ‘motivo determinante para a expedicio de Decreto , € no de envio de um projeto de lei, € a existéncia de expressa autorizacio legal para que tal medida fosse possivel, Em seu artigo 4, a Lei Orcamentéria Anual de 2015 autorizou a utilizagio da edicdo de dectetos para cxéditos suplementares em 29 situagdes especificas, conforme expli jo em tabela anexa. A logica pressuposta nesta autorizacio legal é a dbvia compteensio, por parte do proprio Congreso Nacional, de que certas acdes ¢ politicas piblicas podetiam tera ampliagdo da sua “autorizagio” orcamentitia facilitada pata a adequada regular prestacao de servigos tiblicos. Esta é a ratio que justifica 0 estabelecimento normativo desta possibiliddade juridica, nos publicos. que ju Pe i termos da propria lei. Apenas para citar alguns exemplos dessas “autorizagies”, indica-se que as teferidas acdes relacionavam-se ao orgamento da Policia Federal, referéncia no combate a corrupgio no Pais, as transferéncias a Estados ¢ Municipios a outros Poderes como 0 Podet Judiciatio. 102 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO Com mais detalhes, ver tabela anexa com a lista completa das autorizagoes, em que se encontram os seguintes exemplos: Justica Eleitoral ~ Autorizagio suplementada: realizacio de concurso puiblico pata cargos de analista € técnicos judiciétios ~ Fonte: excesso de arrecadagio decorrente de tatifas de inscricio em concursos piiblicos Ministério da Justica — Autorizagio suplementada: Realizacao de escoltas de cargas dimensionadas curso de formacio de servidores — Fonte: superavit financeiro de Taxas e Multas pelo Exercicio do Poder de Policia ¢ Multas Provenientes de Processos Judiciais Ministério da Educagio Autorizacio suplementada: funcionamento e gestio dos Hospitais Universitérios Federais. Fonte: Superivit Financeiro de doagdes de pessoas fisicas e instituigdes puiblicas ¢ ptivadas nacionais O referido artigo (art. 4° LOA 2015) aponta, ainda, que esses créditos devem estat de acordo com o cumprimento da meta fiscal, o que € quase uma obviedade, jé que a autorizagio € um ptimeiro passo para o gasto, mas que ainda tem um outro passo essencial pela frente, como salientado: a realidade fiscal e fitica do otgao. Repita-se, novamente, pata que a confusio langada na dentincia por crime de responsabilidade nao prospere, turvando a adequada compreensio da matétia: 0 instrumento legal que por esséncia tratard dos limites de gastos - tema relacionado & meta fiscal - € 0 decreto de contingenciamento, que ndo_é alterado nem guarda qualquer relaclo necesséria com a autorizagao de novos créditos suplementares. Voltando a anilise do caso concreto, nos parece muito importante ressaltar a cronologia dos fatos. Venhamos a examiné-la: 103

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