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173, 3. A Publicidade . i Discurso sobre os objetos € discurso- objeto . - 13 0 imperativo e o indicativo publicitdrios | 174 A légica do Papai Noel vavanwee 195 A taninct motwnat: A pobrons Ab (0 foals jie de covers 183 187 187 189 190 191 191 193, 196 196 202 ‘Conclusio: Rumo a uma Definigio do ‘Con ‘sumo™ wietieeiaisiee essa renae (205! POSFACIO ~ Zulmira Ribeiro Tavares . 213 INTRODUCAO, Pode-se classificar a imensa vegetacdo dos objetos ‘como uma flora ou uma fauna, com suas espécies tropi- cais, glaciais, suas mutagdes bruscas, suas espécies em vias de desaparicdo? A civilizagdo urbana vé sucede- rem-se, em ritmo acelerado, geragées de produtos, de aparelhos, de gadgets, frente aos quais o homem parece uma espécie particularmente estivel. Tal abundancia, ‘caso se reflita a respeito, ndo é mais estranha do que @ das inumeriveis espécies naturais. Ora, estas, 0 ho- mem as inventariou. E na época em que comecou a fazé-lo sistematicamente, pode também, por intermé- dio da Enciclopédia, fornecer um quadro exaustivo dos 9 ‘ebjetos préticos ¢ téenicos pelos quais se achava cer- cado. A partir dai o equilibrio rompeu-se: 0s objetos cotidianos (ndo nos referimos as maquinas) proliferam, ‘as necessidades se multiplicam, a producio Ihes acelera © nascimento ¢ a morte, falta vocabulério para desig- é-los. Pode-se esperar classificar um mundo de objetos que se modifica diante dos nossos olhos ¢ chegar a um sstema descritivo? Existiriam quase tantos critérios e classificago quantos objetos: segundo seu tamanho, gran de funcionalidade (que vem a ser a correspondéncia com sua propria fungdo objetiva), 0 gestual que a cles se liga (rico ou pobre, tradicional ou nao), sua forma, ‘sua duracio, 0 momento do dia em que emergem (pre- senga mais ou menos intermitente © a consciéncia que dela se tem), a matéria que transformam (quanto 20 moedor de café isto € claro, mas quanto ao espelho, a0 radio, 20 automével? Pois todo objeto transforma al- ‘guma coisa), o grau de exclusividade ou de socializacéo ‘no uso (privado, familiar, piblico, indiferente) ete. De fato, todos esses modos de classificacio podem parecer, ‘a0 caso de um conjunto em continua mutacdo € expan- So como 0 é dos objetos, pouco menos contingentes que 2 ordem alfabética. O catélogo da Manufatura de Ar- ‘mas de Saint-Etienne jé nos oferece, na falta de estru- turas, subdivisdes, mas somente traz 05 objetos definidos segundo sua fungio: cada um corresponde af a uma ‘operacio, freqlientemente infima e heteréclita, em parte aiguma aflora um sistema de significagdes.' A um five! muito mais clevado, a andlise, a um s6 tempo funcional, formal e estrutural, dos objetos em sta evo- Juco histérica que encontramos em Siegfried Giedion (Mechanization takes command, 1948), essa espécie de epopéia do objeto técnico, assinala as mudangas de cs- ‘truturas sociais ligadas a essa evolugio técnica, mas pouco diz sobre a questo de saber como os objetos fo vividos, a que necessidades, além das funcionais, atendem, que estruturas mentais misturam-se as estru- turas funcionais e as contradizem, sobre que sistema cultural, infra ou transcultural, € fundada a sua cot frneés de um eniiogo gue pode sct Toheado “por pas frodinione mania. um itr “econor ow earaaba 10 dianidade vivida, Tais so os problemas aqui levanta- dos. Nao se trata pois dos objetos definidos segundo sua fungao, ou segundo as classes em que se poderia subdividi-los para comodidade da anélise, mas dos pro- cessos pelos quais as pessoas entram em relacdo com cles e da sistemética das condutas e das relagdes huma- nas que disso resulta estudo desse sistema “falado” dos objetos, vale dizer, do sistema de significagdes mais ou menos coe- Tente gue instauram, supoe sempre um plano distinto desse mesmo sistema “falado”, mais rigorosamente es- truturado do que ele, um plano estrutural além mesmo dda descrigio tuncional: © plano tecnolégico. ‘Tal plano tecnoi6gico € uma abstraco: somos pra- ticamente inconscientes, na vida de todo dia, da reali- dade tecnoidgica dos objetos. No entanto, essa abstracio € uma realidade fundamental: 6 ela que dirige as trans- formagoes radicais do meio ambiente. Ela vem mesmo a ser, seja dito sem paradoxo, 0 que ha de mais concreto no objeto, pois o processo tecnolégico é 0 mesmo da evolugdo estrutural objetiva. A rigor, © que acontece 0 objeto no dominio teenol6gico € essencial, o que the acontece no dominio psicolégico ou sociol6gico das ne- cessidades e das priticas é inessencial.. Somos continua- mente remetidos, por meio do discurso psicolégico sobre ‘© objeto, a um nivel mais coerente, sem relagao com 0 iscurso individual ow coletivo, € que seria aquele de ‘uma lingua tecnolégica. Ea partir dessa lingua, dessa coeréncia do modelo téenico, que se pode compreender © que ocorte com 0s objetos pelo fato de serem produ- Zidos © consumidos, possuidos © personalizados. E portanto urgente definir desde o inicio um plano de racionalidade do objeto, isto 6, de estruturagio tec- nol6gica objetiva. Tomemos, com Gilbert Simondon (Du mode dexistence des objets techniques, Aubier, 1958) 0 exemplo do motor a gasolina: “Em um motor atual, cada pega importante & de tal forma dependente das outras por trocas reciprocas de energia que cla s6 pode ser o que 6... A forma da culatra, 0 metal de que € feita, em relagio com todos os outros elementos do ciclo, produzem uma certa temperatura nos elétrodos da vela; por sua vez. essa temperatura reage sobre as caracteristicas da ignigao ¢ de todo o ciclo. i “O motor atual & concreto, enquanto 0 antigo é abstrato. No motor antigo, cada elemento intervém em ‘um determinado momento no ciclo, depois € destinado a ‘no agir mais sobre os outros elementos; as pecas do motor so como pessoas que trabalhassem cada uma a Seu turno, mas sem se conhecerem umas as outras. Assim, existe uma forma primitiva do objeto técnico, forma abstrata, na qual cada unidade tedrica © mate~ fal € tratada como um absoluto, necessitando para seu fancionamento de constituir-se como sistema fechado. A integrago oferece nesse caso uma série de problemas ‘a resolver... € entdo que surgem as estruturas particu- lares que se pode denominar, para cada unidade consti- tminte, de estruturas de defesa: a culatra do motor tér- mico de combustio interna se erica com pequenas asas de resfriamento. Estas so como que anexadas do exte- rior ao cilindro ¢ & culatra teérica e cumprem somente tuma fungdo, a do resfriamento. Nos motores recentes, fessas pequenas asas desempenham ademais um papel ‘meciinico, opondo-se como nervuras a deformacio da ccalatra sob 0 impulso dos gases... Nao se pode mais istinguir as duas fungdes: desenvolveu-se uma estru- tura Gnica, que néo é um compromisso, mas uma con- comitincia e uma convergéncia: a culatra, guarnecida de nervuras, pode ser mais delgada, 0 que permite um sesfriamento mais répido; a estrutura bivalente pequenas ‘asas/nervuras preenche ‘pois sinteticamente, ¢ de um modo bem mais satisfat6rio, as duas fungdes outrora separadas: ela as integra e as ultrapassa... Diremos entdo que tal estrutura é mais concreta que a precedente e corresponde a um progresso objetivo do objeto técnico, Juma vez que 0 problema tecnolégico real reside na con- vergéncia de funcdes em uma unidade estrutural, e niio ‘numa procura de compromisso entre as exigéncias em conflito. Em dltima andlise, nessa ida do abstrato a0 concreto, 0 objeto técnico tende a atingir o estado de tum sistema inteiramente cocrente consigo mesmo, in- teiramente unificado” (pp. 25-26) Esta andlise € essencial pois nos fornece os ele- mentos de uma coeréncia jamais vivida, jamais percep- tivel na pritica, A tecnologia conta-nos uma histéria rigorosa dos objetos, onde os antagonismos funcionais se resolvem dialeticamente em estruturas mais ampla: 2 Cada transigio de um sistema para outro melhor ji tegrado, cada comutagio no interior de um sistema jé estruturado, cada sintese de fungdes faz surgit um sen- tido, uma pertinéncia objetiva independente dos indi- vviduos que a utiizarao: achamo-nos ai no nivel de uma lingua; por analogia com os fendémenos da Lingiiistica, poderiamos chamar “tecnemas” a esses clementos tée- nicos simples — diferentes dos objetos reais — cujo jogo fundamenta a evolucéo tecnol6gica. Neste nivel € possivel considerar uma tecnologia estrutural que s- tude a organizagao concreta destes tecnemas em objetos téenicos mais complexos, sua sintaxe no scio de conju tos técnicos simples — diferentes dos objetos reais assi ‘como os sentidos entre os diversos objetos © conjuntos. Mas esta cigncia s6 pode se exercer rigorosamente fem setores restritos que vio das pesquisas de laborat6- Tio as realizagdes altamente técnicas tais como a acro- néutica, a astrondutica, a marinha, os grandes caminhées de transporte, as méquinas aperfeicoadas, etc., em pon- tos onde a urgéncia técnica faz atuar a fundo @ coergéo estrutural, onde © cardter coletivo © impessoal reduz a0 minimo o dominio da moda. Enquanto 0 automével se consome no jogo das formas mantendo um estatuto teenolégico minoritério (refrigeracio por égua, motor de cilindros, ete.), a aviagdo € obrigada a produzit os mais coneretas objetos técnicos por simples razées fun- cionais (seguranca, rapidez, eficdcia). Nese caso, a evolugao teenolgica segue uma linha quase pura. Mas € claro que, para dar conta do sistema cotidiano dos objetos, esta andlise tecnoldgica estrutural é insuficient, Pode-se sonhar com uma descri¢éo exaustiva dos tecnemas e das suas relagdes de sentido que bastasse para esgotar 0 mundo dos objetos reais: mas isto néo passa de um sonho. A tentagdo de usar tecnemas ‘como os astros na Astronomia, isto é conforme Platéo “eomo figuras de Geometria, sem nos determos sobre fo que se passa no céu, se quisermos nos tornar astréno- mos de verdade ¢ tirar algum proveito da parte inte- ligente de nossa alma” (A Repiblica, 1.VU1), choca-se imediatamente com a realidade psicolégica ¢ sociol6gica vivida dos objetos, que constitu, para além de sua ma- terialidade sensivel, um corpo de coergdes tais que a 3 coeréncia do sistema tecnol6gico acha-se neles continua- mente modificada ¢ perturbada. | E esta perturbacio, € como se desenvolve a racionalidade dos objetos em uta com a irracionalidade das necessidades, ¢ como tal ‘contradiedo faz surgir um sistema de significagées que ss aplica em resolvé-la, que nos interessa aqui, © nio ‘os modelos tecnolégicos, sobre cuja verdade fundamen- fal, todavia, destaca-se continuamente a realidade vi do objeto."} Cada um de nossos objetos priticos se associa a um ‘ou virios elementos estruturais, mas por outro lado es- capam continuamente da estruturalidade técnica para as significagées segundas, do sistema tecnolégico dentro de um sistema cultural. © meio ambiente cotidiano per- ‘manece, em larga medida, um sistema “abstrato”: nele ‘05 miiltiplos objetos acham-se em geral isolados de sua fanco, € 0 homem que Ihes assegura, na medida de suas necessidades, sua coexisténcia em um contexto fun- ional, sistema pouco econémico, pouco coerente, ani- Jogo a estrutura arcaica dos primitives motores a. gaso- lina: combinaclo de fungSes parciais, por vezes indife- rentes ou antagonicas. A tendéncia atual, alids, no é absolutamente a de resolver tal incoeréncia, mas de aten- der as necessidades sucessivas por meio de objetos no- vyos. Sucede assim que cada objeto, adicionado a outros, campre sua funcio propria, mas transgride 0 conjunto, por vezes até cumpre ¢ transgride ao mesmo tempo a propria funcio. Ademais, acrescentando-se as conotagdes formais ¢ téenicas a incoeréncia funcional, é todo 0 sistema das necessidades — socializadas ou inconscientes, culturais ‘ou priticas — todo um sistema vivido inessencial que reflui sobre a ordem técnica essencial ¢ compromete 0 |statuto objetivo do objeto, Tomemos um exemplo: aquilo que é “essencial” ¢ estrutural, portanto o mais concretamente objetivo em um moedor de café, é 0 motor elétrico, 6 a energia distribuida pela central, sdo as leis de producio e de transformacdo da energia — o que é j menos objetivo uma vez que ligado & necessidade desta ou daquela pes- soa, é a sua fungao precisa de moer o café — o que ja nio é de modo algum objetivo, portanto, inessencial, que 4 i os ele seja verde ou retangular, rosa ou trapezoidal, Uma ‘mesma estrutura, © motor elétrico, pode especificar-se em diversas fungées: a diferenciagio funcional & ja se- gunda (de onde pode cair na incocréncia do gadget) © mesmo objeto-fungao por sua vez pode especificar-se com diversas formas: estamos aqui no dominio da sonalizagio”, da conotagio formal, que € 0 do inessen- cial. Ora, ‘0 que earacteriza 0 objeto industrial por ‘oposiggo ao artesanal € que nele o inessencial no é mais Geixado ao acaso da demands e da execucio indi- viduais, mas é hoje em dia retomado e sistematizado pela producio® que por intermédio dele (e da combinat6ria universal da moda) assegura sua propria finalidade E esta inextricdvel complicagdo que faz com que as condigées de automatizagio de uma esfera tecnol6- gica e pois de possibilidade de uma andlise estrutural no dominio dos objetos nao sejam as mesmas que no do- rminio da linguagem. Excetuando-se os objetos técnicos puros com os quais jamais lidamos na qualidade de sujeitos, observaremos que os.dois niveis, 0 de denota- ‘go objetiva e 0 de conotacdo (por meio da qual o objeto € investido, comercializado, personalizado, por ‘onde chega ao uso e entra em um sistema cultural) no siio, nas condigdes atuais de produggo e de consumo, estritamente dissocidveis como os da lingua ¢ da fala em Lingiiistica, © nivel tecnol6gico nao possui uma autonomia estrutural que permita aos “fatos da fala” (aqui 0 objeto “falado”) ter numa andlise dos objetos a mesma importéncia que tém na andlise dos fatos da lingua, Se o fato de se pronunciar or vibrante ou gu- turalmente nao modifica nada do sistema da lingua, quer dizer, se 0 sentido de conotagio no compromete em nada as estruturas denotadas, a conotacio do objeto sobrecarrega ¢ altera sensivelmente as estruturas técni- cas. Diversamente da lingua, a tecnologia nao constitui tum sistema estivel. Ao contrério dos monemas ¢ dos fonemas, os teenemas acham-se em continua evolucao. Ora, o fato de estar o sistema tecnol6gico de tal forma implicado, por sua revolucgo permanente, no proprio tempo dos objetos préticos que o “alam” — caso tam- (2) As, modalidndes_de_tramigio.do. cecil, 20 Inewtencial so sri le ‘apa oj edn relsraene somata “Tar ate {apto do" newencial tes" asecos aectoaies, clggcoy © tania Sms fungio Seolgpcs Se inigragko tel" "Model © série) 1S bém da lingua, mas em uma medida infinitamente me- nor — 0 fato de o sistema ter como metas um dominio do mundo e uma satisfagao de necessidades, quer dizer, fins mais concretos, menos dissocidveis da praxis que a ‘comunicago que constitui a meta da linguagem — o fato enfim de a tecnologia depender estritamente das condigdes sociais da pesquisa tecnol6gica, € portanto da ordem global de produgio e de consumo, coersio externa que no se exerce de forma alguma sobre a lingua — de tudo isso resulta que o sistema dos objetos, ontrariamente ao da lingua, somente pode ser descrito ientificamente na medida em que o consideramos, no ‘mesmo movimenio, como resultante da interferéncia con- tinua de um sistema de préticas sobre um sistema de téenicas. A inica coisa que da conta do real néo sio tanto as estruturas coerentes da técnica como as moda- lidades de incidéncia das praticas sobre as técnicas, ow ‘mais exatamente as modalidades de obstrugdo das técni- eas pelas préticas. Mais explicitamente, a descri¢ao do sistema dos objetos nio se dé sem uma critica a ideo- logia prética do sistema. Ao nivel tecnolégico nao ha contradigao: ha somente sentido. Mas uma ciéncia hu- mana nio pode ser sendo aquela do senso e do contra- senso: como um sistema tecnolégico coerente difunde-se ‘em um sistema pritico incoerente, como a “lingua” dos ‘objetos ¢ “falada”, de que maneira este sistema da “fala” (ou intermediério entre a lingua e a fala) oblitera o da lingua? Onde finalmente se encontram, nfo a cocrén- ia abstrata, mas as contradigées vivides dentro do sis- tema dos objetos?® (2), ase cesia aisincto podese fazer uma reaprouimacto exis car andlice dos sbjeven« 2 Linghsign, ou anes « Semsvispa. Aguile SSMtarpe dooce: ¢constuts. pees vaegnser lero ea Se ie" ete, por emi) sn meds Sn Soe Ss cad como fata df ota (Holand Barts, Com staons, tht, pris8). E'R Barhen actecena que tl naplo pote SEoral'em Semiclogia uma ver qe tab. vrlgtes ue slo ipeenitpaer to hee enito poder trnrseenane no 16 Vex que a analogin & profunds eotre varasto comblestris Siig ‘tna comin ° sa acme ive femmes ner : ‘rain pane sabia ‘a eno so, cznlogicn ko” denna, come 0 sono ae Tine ‘Sheraplo ‘metodoipen fst gue vem a0 in 'Conotagtes, mat em eoquema, tout dinsmtame "surtarl de) teats ctaguloes he aie ‘Soe eBid” diecast call oie ov aon ve Teco 7 O SISTEMA SOCIAL ou © DISCURSO OBJETIVO 1. AS ESTRUTURAS DO ARRANIO. © meio ambiente tradicional A configuragio do mobilidrio é uma imagem fiel das estruturas familiais © sociais de uma época. O interior burgués tipico & de ordem patriarcal: conjunto de sala de jantar, quarto de dormir. Os méveis, di- versos na sua fun¢do, mas fortemente integrados, ‘gra- vitam em torno do guarda-louga ou do leito central. Hé uma tendéncia & acumulacdo © & ocupacéo do es- ago, 0 seu confinamento, Unifuncionalidade, inamo- vibilidade, presenca imponente ¢ etiqueta hierdrquica. Cada cémodo possi um emprego estrito que correspon- a de as diversas fungdes da célula familiar © ainda remete a uma concepeao do individuo como de uma reunio equilibrada de faculdades distintas. Os méveis se con- templam, se oprimem, se enredam em uma unidade que € menos espacial que de ordem moral. Ordenam-se fem torno de um eixo que assegura a cronologia regular das condutas: a presenga sempre simbolizada da fami- lia para si mesma, Neste espaco privado, cada mével, cada c6modo por sua vez interioriza sua fancdo © re- veste-the a dignidade simbélica: completando a casa in- teira a integragdo das relagdes pessoais no grupo semi- fechado da familia, ‘Tudo isto compe um organismo cuja estrutura é a relagio patriarcal de tradicao e de autoridade e cujo coragio € a complexa relacdo afetiva que liga todos ‘os seus membros. Este recinto é um espaco especifico que tem em pouca conta um arranjo objetivo, pois os éveis e os objetos existem af primeiro para personificar as relagdes humanas, povoar o espaco que dividem entre sie possuir uma alma.’ A dimensao real em que vivem € prisioneira da dimensio moral que tém que significar. Possuem cles tio pouca autonomia neste espago quanto ‘08 diversos membros da familia na sociedade, Seres objetos esto aliés ligados, extraindo os objetos de tal conluio uma densidade, um valor afetivo que se ‘convencionou chamar sua “presenca”. Aquilo que faz a profundidade das casas de infincia, sua pregndincia nna lembranca, evidentemente esta estrutura complexa de interioridade onde os objetos despenteiam diante de nossos olhos os limites de uma configuracéo simbolica chamada residéncia. A cesura entre o interior © 0 exte- rior, sua oposiglo formal sob o signo social da proprie- dade ¢ sob 0 signo psicol6gico da imanéncia da familia faz deste espago tradicional uma transcendéncia fecha- da, Antropomérficos, estes deuses domésticos, que so 108 objetos, se fazem, encarnando no espago os lagos afe- tivos da permanéncia do grupo, docemente imortais até que uma geragdo moderna os afaste ou os disperse ou as vezes os reinstaure em uma atualidade nostélgica de velhos objetos. Como freqllentemente os deuses, os méveis também tém as vezes oportunidade uma exis- (1) Por onto ado, tanto poder 22 téncia segunda, pasando do uso ingénuo ao barroco cultural A ordem da sala de jantar e do quarto de dormir, cesta estrutura mobiliria ligada & estrutura imobilidris da casa € ainda aquela que a publicidade propaga para ‘um vasto piblico, Lévitan ou as Galerias Barbés con- tinuam a propor ao gosto coletivo as normas do ambien- te “decorativo”, mesmo que as linhas se tenham “esti- lizado”, mesmo que a decoracio tenha perdido algo de seu apelo afetivo, Se tais méveis se vendem niio € por- {que sejam menos caros, é porque trazem em si a certeza Oficial do grupo e a san¢do burguesa e também porque estes _méveis-smonumentos (buffet, cama, armério) © sua

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