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Coes (que fe. nl uma idade uma ciate? O quo tem sido ‘omum a odes ss blades avs ds tor pos? Ser que a causa bisa os raves preblras das malorscdadesbaseias€ osu tamanho, coma feime senso camum em insist? Como podem ees problemas es adequadamene enteledss? (fercerresposts pata esses e autas pigunls, ce ora no simpli, mas, 20 meso tempo acessvel aun pio Fig, oobjetive destelivo. Ap nos debrsarmos mais datdamente sobre certes questoes que envolvem a causas dos problemas ur banos es naneres de suerélos,verfeamas que a espostes Hue riuios, na quotileno, t8m na ponta da lingua séo apenes en sanadoremente “byes” com reqdénela,ineomplets ou equ vovadas, No que aqueles que no sf0 pesquisadores do urbano rio devam se prenuncl sobre as causes eas sigs a alo que osafige em seus espapos de moras, rabalho,crcuagao 0 lazer —longe dsl Els podem devemfazt4o poistdmo defo de tomar partonas decsdas soir ofutur de suas cidsdes. No 0, no svi mals proviso se es nudessem paticpar de dabates edelberagbesslblicos tendo ravadoalgum ipo d2con- Into prvio como aoervo de conherimentosénicosieifios que, hi loads, vem sendo produndo sobre as edades brsslers ou sobre a cidade em goa? Do Autor (pela Bertrand Brasil) ODESAFIO METROPOLITANO ‘Um Estudo sobre a Problematica Sécio-Espacial nas Metrépoles Brasileiras PREMIO JABUTE™-2001 Giéncias Humanas ¢ Educagio MUDAR A CIDADE ‘Uma Introdugdo Critica ao Planejamento & Gestdo Urbanos Marcelo Lopes de Souza ABC DO DESENVOLVIMENTO URBANO 23 edigio BERTRAND BRASIL (Copyright © 2003 Marcelo Lopes de Souza Capa: Leonard Carvalho Esitoragdo: DEL 2005 Impresso no Brasit Printed in Brazil CaPsBrail. Catalogacio-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. Souza, Mareelo Lopes de, 1963- $7164 __ ABC do desenvolvimento urbano / Matcelo Lopes de Ped. Soura—2* ed. ~ Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, 192p. ISBN 85.286-1013-6 4, Regiées metropoltanas. 2. Desenvolvimento urbano. 3. Crescimento uebano. 4. Reforma urbana, I. Titulo, cpp -307.76 03.0521 CDU-316.334.56 ‘Todos os direitos reservados pola: EDITORA BERTRAND BRASIL LTDA. Rua Argentina, 171 ~ 1° andar ~ Sao Cristévao 20921-380 ~Rio de Janeiro — RJ ‘Tel: (Oxce21) 2585-2070 — Fax: (Oxx2) 2585-2087 [Nao € permitida a reproducio total ou parcial desta obra, por {quaisquer meios, sem a prévia autorizago por escrito da Editora ‘Atendemos pelo Reembolso Postal. SUMARIO Por que livros de divulgagao cientifica, nas ciéncias sociais, so tio ares? (Uma conversa prelimi com 0 leitor) 9 Introdugo: refletindo sobre as eidades, seus problemas e as manei- ras de supers-los. 19 1.0 que faz de uma cidude uma cidade 2. Quando e como surgiram as primis cides? 41 3. Dacidade individual ade urbana 49 4A cidade vista por dentro 6 5. Problemas urbanos e conflits sciis 81 6.0 que devemos entender por desenvolvimento urbana? 93 7. Das falas explicagdes sobre os problemas urbanos is Fala os. 108, receitas para supe 8. Reforme urbe: conceivo, protagonists e histiia LLL 9-Os instrumentos da relorma urbana 123, Fee 10, Os obsticulos eo aleance da reforma urbana 133, 11. “Trmnos" e “primas” da reforma urbana: orgamentos ‘particjpativos e organizag0es de economia popular 139 Conclusio: Das tribos & “globalizagdo” ~ a aventura humana e 0 papel das cidades 153 ‘Termos técnicos explicados 167 Bibliografia comentada 181 Sobre as ilustragdes 189 ‘A cidade em progress [Nao eresceu? Cresceu muito! Em grandeza e miséria [Em graga edisenteria Deu franguia especial & doenga venérea E 2 ala quinguilharia ‘Tornou-se grande, sérdida, 6 cidade Do meu amor maiort Defxa-me amar-te assim, na élaridade Vibbrante de calor! (Do poems A cidade em progresso, de Vinicius de Moraes) Por que livros de divulgacdo cientifica, nas ciéncias sociais, sao tao raros? (Uma conversa preliminar com o leitor) ‘Um professor de Fisica que tive, no tereiro ano do ensino médio —chamado, naépoca, de? grau—,costumava,fazendo um gracejo de duvidosa qualidade, dividir as eiéneias em “exutas” e “ex6ticas”. Fora mais ou menos dois anos antes, no camego do ensino médio, ‘que eu comecei a enveredar mais seriamente pelo caminho que me levaria, anos depois, a optar profissionalmente pelas “cincias exsti- ‘cas”, Entretanto, as minhas grandes paixbes itelectuais, durante a ‘maior parte da adoleseéncia, foram outras: Astronomia e, justamen= te, Fisica, Foram essas duas paixdes que, se nfo me abriram propria ‘mente as portas de um mundo maravilhoso, o mundo dos livros (as {uss ji tinham sido abertas anos antes), certamente me estimularam ainda mais a explori-lo, Foi por essa épaca que travel contato com algo fundamental para despertar vocagbes nos jovens, assim como para a informagio do piblico leigo em geral: as obras de divulgago cientfica. Inesquecivel, para mim, 0 convivio com autores eapazes de tra- , 0 leitor deve consular @se580 ‘Termos téenicas explcados. 0 simbolo s6 foi uilizado, porém, quando da primeira apargio da mesma palara no texto. ‘A bibliogrfia ni foi citada, no corpo do texto, dentro dos padedes académicos comvencionas, para torn eta mais escor reita € menos pesada, Quando algum nome de autor for mencionado, porém, oletor irs, normalmente,encontré-lo também ao final do livo, na sesio Bibliografia comentada, 6 evidente que um texto como o presente, que aborda assuntas bem diversitieaes a respei da dinimicn una, dos problemas dis eidadese das tenttivas de enfrentament dsses problems, 0c em temas que vém Sendo estu- dados hs geragdes. Por outro ldo, este lvro no € um tratado, mas sim uma ola de divulgagio. Po ess ao, a bibliogratia fo restin- ida a alguns abathos fundamen, de acessorelatvamente fi para o Iitorinteressado, As referacia $0 quse todas em lingua portuguesa, e sempre se trata de livios, munca de artigos publicados em algum periddico especializado e de diffeil acesso, © motivo € simples: nfo se desejou, com a bibliografia, demonstrar erudigao, ‘mas, realmeate, orienta eajudar o leitor(presumivelmente, um leigo ‘ou, na melhor das hipSteses, um estudante de graduagio dos primei- 10s periods) interessado em aprofundar o seu conhecimento (© presente livo deriva de uma significativa experiéneia de pes- {quisa do autor no campo dos estudos urbanos.E, no entanto, diferen- temente dos meus livros anteriores, ndo foi algum projeto em particu Jar, ou um conjunto de projets, que forneceu a inspiragioe 0 contex- to mais imediato para a feitura do trabalho. Complementarmente Aquilo que escrevi piginas atris, posso dizer que a inspiragio foram ‘as minhas muitastentativas de explicr, para leigos ¢ paraestudantes de graduagdo (os quais, ao menos quando se encontram nos periodos iniiais, muitas vezes no apresencam uma bagagem de conhecimen- to especifico significativamente superior & de muitos leigos), concei tos, teorias, processos empiricos ¢ instrumentos de planejamento. ‘Traduzir em linguagem clara todo um acervo acumulado de conheci- rmentos, sobre a base de minhas préprias pesquisas ou das de colegas préximos ou distantes, de mado a informar um grande pablico, foi 0 patses perféricos, semiperi- {fericos e centrais), 6 vista como um espago de concentrasio de opor- 40 de ~» necessidades bésicas materiais (mora- “ia, sade.) e imateriais (cultura, educagao..), mas, também, como tum local erescentemente poluido, onde se perde tempo e se gastam _nervos com engarrafamentos, onde as pessoas vive estressadas & “amedrontadas com a violénciae acriminalidade. ‘Apesar da gravidade dos problemas constatados no dia-a-dia da Vida de qualquer morador de cidade grande (e, cada ver mais, tam ‘bém média) brasileira oletorleigo que se dirigr a uma livraria bus- ccando uma obra para informar-se sobre a natureza das questoes ‘envolvidas, a glnese eas causas das dificuldades o as possibilidades de promosio de cidades mais justas e agradaveis rd, provavelmente, se desapontar DiscussGes sobre esses assuntos ni tém faltado, mas tm ficudo excessivamente confinadas em um ambiente académico ‘ou de profissionais de planejamento urbano. As obras disponiveis sobre esses temas foram escritas por especialistase para especialistas (eestudantes universtirios destinados a se comarem profissionais da frea). Ao grande pablico restam, assim, principalmente, as opinites, andlises ¢ impressdes veiculadas pela imprensa, da autoria de jorna- lista, politicos e administradores pablicos, © s6 uma vez ou outra também de pesquisadares de temas urbanos e profissionas de plane- Jamento urbano. Ocorre, porém, que, nfo apenas devido ao fato de ue as andlises de jomalistas e polticos costumam nfo primar pelo ‘igor, mas, ainds por cima, em decorréncia da brevidade e da super= ficialidade quase que impostas pelo tipo de vefculo de divulgagao (jornal, revista, televisio ou ridio), hd uma enorme caréneia de and- lises que, som serem, novessariamente, “complicadas”,sejam corre- 1s, profundas e abrangentes. Conforme eu jé disse na "conversa pre- liminar com o letor", é esse tipo de lacuna que o presente livro quer ajudar a preencher. Refletir sobre as cidades e seus problemas significa refletir sobre alyo a respeito do que ja yente lia que tea" reaps ponta da fngua. “O problema é a falta de planejamento”, costuma-se ‘ouvir; “essas eidades cresceram demais, & preciso livrar-se de uma parte da populagio", dizem outros, normalmente sem explicar como seria a forma mais adequada de “livrar-se” de um suposto “exveden- te populacional”; “a parti de um milho de habitantes qualquer cida- de torna-se insuportivel”,asseveram virios, com ar de quem esti de posse da verdade suprema e inguestionsvel; "6 preciso impedira for- magio de novas —> favelas”, elamam no poucos, ao que outros ou ‘eles mesmos acrescentam Ser imperativo remover as favelas jé exis- tentes (afinal, a favelas so, para tantos moradores da classe média © abastados, “antros de marginals", ameagas constants & paz na cida- de ao valor dos iméveis de sua propriedade). Que respostas, entre- tanto, so essas? Ao observé-las com rigor e atenglo, pode-se notar ‘que ahrigam esterestinos, clichés. preconceits lamentiveis e perigo- sos, na esteira de equivocos e simplificagtes. A midia, muitas vezes, ‘mais contribui pars reproduzir e amplificar visdes distorcidas que para corrigi-as. Entender a cidade e as causas de seus problemas é ‘uma tara muito menos simples do que se podera imaginar. Eenten- dee corretamente a cidade e as eausas de seus problemas é uma con- digo prévia indispensével&tarefa de se delinearem estratégias eins- trumentos adequados para a superagio desses problemas. Sé que informar-se sobre essa temstica no deve ser visto como tarefa somente para especialistas: ainda que apenas em um nfvel muito aproximativo e genético, os individuos nao versados no assunto pre- cisam conhecer corretamente as causas dos problemas dos espagos ‘onde viveme as linhas gerais dos debates correntes sobre como supe rar os diversos problemas. Essa € a nica maneira de participar mais ativamente, como cidado, da vida da cidade, nto se deixando tute- lar einfantilizar tho facilmente por politicos profissionais e téenicos 1 servigo do aparelho de Estado. 1.0 que faz de uma cidade uma cidade? s Definir € uma coisa que nada tem de muito simples, pois exige fm razoivel, as veze a mesmo um elevado (depenendo da com plexidade daquilo que se deve defint) poder de abstraglo, “Abstea- 10 termos pejorativos, ao cantrério do que buscar coisas em ‘eomum, ou regularidades, entre coisas diferentes. Essas ois" Bn ijn pen compere poteater posers hist6ricos... Por exemplo: se eu falo “cio”, estou lidando com um el de absragto mor do que quand alo “par alec ¢ Bsc snd agin guns ilo doen co Ren qe un é pastor alemio", © “meu exo Rex” situaese em um nivel ‘mente conereto, © express, inclusive, uma singularidade, ou seja, ‘uma coisa que 6 Gnica (pois aquele eo chamado Rex, que é0 meu, & Tinico, no sentido de que s6 existe um); “co” situa-se em um nivel muito geral, pois existem muitos milhdes de cles no mundo, perten- ccntes 1 numerostssimas ragas. As definigdes cientifieas, normal- mente, se referem a fonémenos bastante ou até mesmo extremamen- te {e gerais, ov mesmo universais, como se di, em especial, nas cincias hnaturais, Ninguém se interessaria em construr um conceito a propé- sito de algo que seja nico. Nas cifucias, mesmo nas socais, a pes- aquisa de relagaes € parte essencial do trabalho, e as comparagSes, ‘menos ou mais explictas, menos ou mais intensas, dificiImente podem estar completamente ausentes. O singular eo particular deve serentendidos & luz do que é geral (0 que nio significa, absolutamen- te, que apenas o que é geral interessa: € necessério, sempre, analisar as variagbes, as espocificidades e as suas causa inclusive conside- rar 0s fendmenos singulares). ‘A cidade é um objeto muito complexo e, por isso mesmo, muito iffeil dese definir, Como niio estou falando de um determinado de cidade, em um momento historico particular, € preciso ter em mente aquilo que uma cidade da mais remota Antigtidade e cidades ‘contemporsineas como, digamos, Csiro, Nova Torque e Téquio, mas também uma pequena cidade do interior brasileiro ("uma dessas cidades tio pacatas que nem tm lugares que no devam ser frequien- tados”, para recordar uma frase do humorista Millie Fernandes), tém em comum, para encontrat uma definigdo que dé conta dessa imensa vvariagio de easos concretos, Conceiluar 0 que seja um cdo é, segura ‘mente, uma tarefa menos espinnosa... ‘Oeconomistae gesgrafo slemo Walter Christaller, no seu livro Lugares centrais na Alemanha Meridional, onde expés a sua famosa “teoria das loalidades centrais”,j6 haviaregistrado (em 19331), em ‘uma nota de rodapé, a exist@ncia de uma "numerosa literatura sobre ‘o conceito de cidade”. Numerosa e, como ele também mostrou, pre ‘ihe de controvérsias. A literatura a respeito do assunto “cidades” e, ‘conseqiientemente, também as discusstes sobre 0 conceito de cidade, aumentaram exponencialmente no decorrer do século XX. O nivel de controvérsia a respeito do conceito, porém, no diminuiu ~ pelo con- trério. Assim sendo, nfo seria uma temeridade pretender, em um livro de divulgagio cientifica, enfrentar tema tio delicado? Sem divida, ¢ uma temeridade. Mas, que fazer? preciso que nos enten- atividaes print. (Ovorre, porém, que coisa no to simples assim. Nao 6 to simples, ‘io tanto porque s vezs, podem ser encontadas, como mindsculus ‘hots em meio a um oceano de espago constuldo, “extravagdncias espciais” como plantagdes de hortalias, verduas e legumes (oer- cultura), desenvolvidas debuixo de tomes de alas tensfo~ ose, em terres que, dificilmene se prestariam para qualquer outro aprove- lumento econtmico, Esse tipo de “extravagincia espacial” se v8, nds hoje, em alguns subirbios do Ro de Janeiro, cidade onde moro trabalho, e com a qual estou mais Famiirizado. Nto, deciidamen- fe. coisa nfo é tho simples, principalmente, porque, nas bordss a (ae, €conum exis uma “aixa de ans” ene o uso da terra tiicamente rurale o urbano Esa fuia de transigdo€ chamada, entre 06 godgrafos anglo-saxdes, de franja rural-urbana, e, entre 0s france- ses, comumente de espago periurbano. No Brasil amas as expres- ‘sbes sio empregadas pelos estudiosos. Quanto maior a cidade, em _ gral. mais complexo tende a sero espago periurbano.Nele se encon- tram misturadas duas “lgicas” por assim dizer, de uso da terra a (ural ea urbana, A “Iopica” rural éa da tera enguanto tera de abe tho para a agricultura ¢ a pecudria; o solo, aqui, tem valor no apenas Aevido& focaltngt do terreno, mas, ambém, um valor turtseco, io bs diferenga de ferlidade natural Ha “ASgien” urbana éa.d0, solo enquanto um simples suport para atividades que independem de ‘hols aiributos de fertiidade: produgZo industrial (indéstria de trans- Toxo consrug civil), aividadestercirias, habtagoecit- {ula (russ, avenidas ete.) O que pode confundir€ que, na fanja lias Vea Tice vitvel do expago (apuisngen son- Minin endo um aspecto “rural, ds vezes até belamente bueslivo ~ guns planagdes, muito verde, grandes espagos servindo de pasta- | 27 Ai a ‘gem para algumas eabegas de gado -, quando, na verdade, por tris dlisso se verifies uma presenga insidiosa e cada vez mais forte da “I6giea” urbana de uso do solo, Grandes areas servindo de pastagem para umas tantas eabegas de gado, por exemplo, nada mais sfo,fre- ‘gientemente, que uma “maquiagem’” para glebas mantidas como reserva de valor por empreendedores urbanos; sio, assim, terras de ‘esneculago, “em pousio socal”, por assim dizer, e que Serio conver tidas, depois de muitos anos ou mesmo apts algumas décadas, em Toteamentos populares ou condomfnios fechados de alto status, dependendo de sua localizagiio. Nem tudo aquilo que parece ser, por cconsegtinte, de fato é, em matéria de espago periurbano... (Ver, para ‘uma contextualizagdo mais aproptiada do espago periurbano na ci de, 0Cap. 4, A cidade vista por dentro.) ‘Além de tudo isso a cidade é, igualmente, um “centro de gestio do territirio”, por sediar as empresas. Porém, nem tudo se resume & economia! A cultura desempenha um papel crucial na producto do cespago urbano e na projesfo da importancia de uma cidade para fora desea lites fisicos, assim como 0 poder. A cidade & um centrn de zest do teritrio no apenas enquanto sede de empresas (privadas ‘estatais), mas também enguanto sede do poder religioso e politico. ‘Além do tnais, uma cidade no & apenas um local em que se prod- zzem bens ¢ onde esses bens sto comercializados ¢ consumidos, & ‘onde pessoas trabalham; uma cidade € um local onde pessows se ‘organizam ¢ interagem com base em interesses e valores 0s mais iversos, formando grupos de afinidade e de interesse, menos ou mais bem definidos terrtorialmente com base na identficagio entre certos recursos cobigados eo espago, ou na base de identidades terri- toriais que os individuos buseam mamtere preservar. ‘Uma questo interessante, a respeito do conceito de cidade, € a sequint: existe um “tamanho mimo” para se poder falar de cade? E,se existe, qual & ele? A partir de mil, cinco mil, dez mil habitants? ‘A respostaa isso 6 bem menos simples do que se poderia pensar. Cada pais adota os seus proprios eritéris oficais para estabelecer 0 que € uma cidade ou, maisamplamente, um ndcleo tide como propriamen- te urbano -, distinguindo as cidades de micleos rurais eomo aldetas € povoados. Iss fuz muito sentido, quando se tem em mente que,em um pals onde predomina um quadroem que a populagio rural érarefeitae vive dispersa, um aglomerado de umas tanas centenas de habitantes joule jd apresentar fungdes urbanas, enquanto que, em outro pats, no {ual a densidade demogrifica do campo € muito elevada¢ a populagao rutal vive concentrada em aldeias, um nleo de uns tantos milhares de hhabitantes hem pove ser, hasicamente, rural. Fixar um limite mfnimo. fom matéria de nimero de habitantes, como forma de se estabelecer 0 aque & cidade e o que nfo 6, om um determinado pats, € 0 jeito mais ‘ebmodo de se enfrentar a tarefa prética de distinguir entre ndcleos lrbanos erurais, e pode mio dar em resultados ruins, desde que se pro- ‘ei. isso tomando por fundamento um conhecimento sido da rea Jidde sécio-espacial do pafs em questio. No entanto, essa solugio ajuda muito pouco na hora de se entender o que é uma cidade, proble- mg esse antes de ordem qualtativa que quantitativa, ‘Além da estipulagio de Timites demogréficos mfnimos hi, tari- ‘hém,crtérios “funcionais” muito vagos, que deixam tudo em aberto: 0 caso do Brasil, onde nicleos urbanos sto as cidades e as vilas, endo que as primeiras slo sedes de muniefpios ¢ as segundas so seules de distritos (subdivisdes administrativas dos municipios). E, de filo, nenbum outro conteddo se associa a essa “definigio” brasileira ‘ficial de cidade e de vila: € certo, sem ddvida, que uma vila, que sedi um simples distrito, 6 menor que uma cidade, que sedia todo um muniefpio; mas, aelevagfo de uma vila categoria de cidade, na ‘ester da emancipagio do distrito e eriagdo de um novo munici pois, se um municipio pode comportar vérios distitos e, portanto, diversas vilas, no pode haver um municipio com duas cidades), € im processo essencialmente potion, Uma cidade pode tor, agsizn, uitos milhdes ou apenas uns poucos milhares de habitantes, e uma simples vila de um muniefpio populoso pode ser maior que a cidade que sedia um outro municfpio, em outra egido.. Ede se esperar, evidentemente, como cu jadisse, que os ertérios yam sentido e reflitam, a0 menos substancialmente, a reaidade do pl.em questo (no caso do Brasil, como se pode ver, 0 tipo de eri- lUrio adotado se presta pouco a esse tipo de consideragio). Entre- tanto, que “realidade” é essa que os limites formais adotados na maioria dos patses deveriam, de algum modo, refletr? Uma cidade, para ser uma cidade, precisa, mais que possuir um dado nimero de habitantes x ou y, apresentar uma certa centralidade econdmica (@, adicionalmente, também politica) algumas caracteristicas econd- ‘mico-espaciais que a distinguem de urn simples nGcleo formado por lavradores ou pastores, agrapados, em um habitat rural concentrado. or questdes histércas ligadas a tradigbes ow & seguranga, Em uma cidade (ou, mais amplamente, em um nécleo urbano) se concentram classes sociais nfo vinculadas, diretamente, 3 agricultura ou & pecud- Fla, como os capitalists, os trabalhadores (industrais, do comércio ct.) os profissionais liberas. Daf decorre que as atividades econ ‘micas ali desenvolvidas sero diferentes das que se podem encontrar em um mero povoado rural; jése viu que a vida esondmica da aldeia do povoado gravita em tomo da agricultura e da pecudria, ¢ que na aldeia € no povoado 0 comércio € os servigos so simplérrimos e vol- tados para o auto-abastecimento local, reduzindo-se a bens de consu- mo muito rotineiro (alids, muitos bens que os moradores de uma cidade, especialmente de uma grande cidade, compram no comércio de bairro, em uma aldeia ou pavoado costumam ser feitos em casa pelos préprios habitantes, como 0 pio e outros alimentos). Na cida- de, em contraste com isso, a vida econ6mica é diversificada, ¢ 120 mais diversficada quanto maior fora cidade. Ou quase... [Na verdade, a diversificaglo das atividades econdmicas da cida- de no depende 56 do seu tamanho demogréfico, do seu nimero de habitantes. Ela ocorre, também, muito em fungio da renda das pes- soas que lé moram (tanto da renda média quanto, evidentemente, da sua dictribuigdo),além de outros fatoree hierico eulturais. Além da diversidade econémico-espacial, também a sofisticagdo dos bens e servigos ofertados no nicleo urbano terd muito a ver com a renda média da populagio. F, por fim, a centralidade econémica, e, por conta disso, 0 status do n‘cleo como um centro de gestio do tert rio, te4, igualmente, nilo s6 a ver com a quantidade de habitantes, ‘mas, também, com a renda dos habitantes € outros fatores. Uma cida- de média em uma regio pobre, como o Nordeste brasileiro, tenders a ‘fo apresentar comérco © servigos tio dversificads e sofsticados «quanto uma cidade de mesmo porte em urna regito mas préspera, com ma presenga bem mais exprossiva de estatos de renda médios, como o interior de S20 Paulo ou 0 Sul do pals, por exemplo. E essa mesma cidade Toclizada em uma reito brasileira comparativamente prosper, se comparada a uma cidade de mesmo porte da Alemanha, 86 mostrard muito menos diversificada e sfistcad: ma cidade de 100.000 habitantes, mesmo em éreas relativamente présperas do Brasil, nfo costuma oferecercertos bens eservigos tipicamente pre= sees em cidadesalemas do mesmo port: servigos médicos altamen Ae expecializados, espetéculosteatrais—e, nfo raramente, 8s vees a comércio e servigos menos sofistcados,abundantemente presentes fem uma cidade alema desse pote, como livraras, esto quase ou (otalmente ausentes de una cidade média-pequena brasileira, O tama tho demogréfico, assim, muito pouco explica sozino: 0 que expica caractrsticas econdmico-espacias, em matéia de diversiicago, sofisticagao e cetralidade, €0 que ela representa enquanto mercado — (tamanho do mercado potencial claro, mas também o nivel ea dis- tibuigdo da rend eas carctristica culturus ds consumidores, Restmindo: no que diz respeito as cidades, pode-se dizer, se me peter a brineadeira, que, de mancira semelhante 20 tipo de res- Post que os exélogos costumam dar para individuos do sexo mas- Culino, atormentados com certas preocupagdes a espeito de sua, Aigamos, performance sexual, “tamanino ndo é documento", ou $6 0 a certo ponto—j que isso, pors 5, no basta, ou de muito poueo ‘diana isoladamente.. ‘Anda a prop6sito do assunto tamanho demogeafico, pode-se omplomentar 0 quo ve dsceantriormente ness capitulo Com ui Aiseussio introdutria sobre a questo da hierarquia urbana, a ser omplementada no Cap. 3, Da cidade individual & rede urbana. ‘Tocs jf ouviram falar em metrdpoles e megalépoes. Ess palavras fevestem, por um lado, conceits, usados hi décadas por estudiosos Als problemas urbanos e do planejamento egestio das cidades, mas, {4p mesmo tempo, sio usadas popularmente, pela impreast e pelo onde pébiico, feqUentemente sem qualquer rigor. & bem verdade que, mesmo entre pesquisadores ¢ estudiosos, persistem algumas controvérsias conceitusis au operacionais; € possfvel € necessério, seja Id como for, fornecer, aqui, um eselarecimento geral baseado em ‘conhecimentos que sio, hoje em dia, largamente consensuais entre aqueles que estucam as cidades. ‘Costuma-se pensar em uma cidade como uma entidade isolada e fortemente individual: a cidade x (uma cidade qualquer, hipotética) fi fundada em algums momento, hé alguns ou muitos séculos,cres- eu, sofisticou-se.. Ocorre que as cidades, muito freqlentemente, situamse to préximas umas das outras que ainteragdo entre elas vai, A medida que erescem e se relacionam mais © mais eatee si, sofrendo uma transformacio importante, Com o tempo, jé no se trata mais, apenas, de que 08 bens produzidos em uma sio vendidos na outra, ot de que os habitantes de ura buscam certos servigos mais especializa- dos na outra, ou, ainda, de que eventuais instituigdes politico- administrativas,legislativas, judicsria,reigiosas ou militares, sedia- das em uma, exergam seu poder também sobre a outra. O que vai ‘conrenda que elas se situam fia priximas eos vinculos entre elas se tornam tho intonsos que certos fluxos passam a “costuté-las” muito fortemente e, no fundo, elas passam a existir como se fossem uma s6, ‘ap menos sob virios aspectos. No caso, o fluxo mais significativo 6 0 ‘de trabalhadores assalariados, que residem em uma cidade e traba- tham em outra: € 0 que se chama de movimento pendlardidrio (local de residéncia -> local de trabalho -> local de residéncia), ou commu zing em inglés. Em algumas stuagbes, sho os proprios tecidos urbanos de uma e de outra que, em dado momento, se enconiam ese juntam; tem-se, entlo, o fendimeno da ~> conurbacto. A parti dai, esti-se democracia

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