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O BHAGAVAD-GITA

O BHAGAVAD-GITA

Baseado na Obra:

Bhagavad-Gita Como Ele É

Sua Divina Graça Bhaktivedanta Swami Prabhupada

Por Chandramukha Swami

***

Chandramukha Swami

26 de Dezembro de 1999

Dia do desaparecimento de Srila Bhaktisiddhanta Sarasvati Thakur

***

Kurukshetra Tirtha

(O local onde o sagrado Gita foi falado há mais de cinco mil anos)

Haryana, Índia
A Canção do Senhor

INTRODUÇÃO

Bhagavad-gita, a Essência do Conhecimento Védico

Os Vedas são a fonte original de todo e qualquer conhecimento e sua origem


é transcendental. Desse modo, não há ramo de conhecimento material ou espiritual
que não esteja contido nos textos védicos originais. O conhecimento de uma
pessoa sob a influência da energia material está sempre sujeito a quatro tipos de
defeitos: sua mente e intelecto têm a forte tendência de se iludir, seu
comportamento está sempre manchado de erros, seus sentidos de percepção são
defeituosos e limitados e, para satisfazer seus interesses pessoais, ela é capaz de
enganar as outras pessoas. Na verdade, é comum que uma pessoa na
plataforma material manifeste um ou mais destes defeitos de uma só vez. No
entanto, devemos compreender que o conhecimento védico não possui nenhum
destes defeitos, pois foi transmitido pela Pessoa Suprema – uma fonte
completamente transcendental. O receptor original deste conhecimento foi o
primeiro ser vivo, o Senhor Brahma, o qual existiu antes mesmo da criação
material. Brahmaji foi dotado de poder pelo Senhor para criar o mundo material
com o propósito de dar uma nova oportunidade às almas condicionadas que não
alcançaram a liberação na criação anterior. Depois de cumprir esta missão, Brahma
transmitiu este conhecimento védico ao sábio Narada que, por sua vez, o transmitiu
a seu discípulo Vyasadeva que, com o propósito de preservá-lo, registrou-o na
forma literária.

Uma vez que os Vedas têm como propósito último fornecer conhecimento
sobre a auto-realização espiritual, os seus temas são compreendidos apenas por
pessoas com excepcionais qualidades de bondade, e não podem compreendê-los as
pessoas sob a influência da paixão e da ignorância. Por este motivo, no início da
era de Kali, o grande sábio Vyasa dividiu os Vedas em vários ramos, tornando-os
acessíveis às pessoas menos inteligentes, situadas na paixão e na ignorância.
Especialmente, o sábio Vyasa preparou o Mahabharata, uma compilação admirável
repleta de histórias que prendem a atenção de qualquer tipo de pessoa, e, dentro
do Mahabharata, incluiu a essência do conhecimento védico na forma do Bhagavad-
gita. A realidade é que as pessoas comuns se interessam muito mais por histórias
fascinantes do que por filosofia profunda. Assim, Vyasadeva compôs o
Mahabharata, e prendeu a atenção dos leitores menos inteligentes com a incrível
história da disputa pelo trono entre as dinastias Kaurava e Pandava. O interessante
é que no momento mais crítico da história, exatamente quando a Batalha de
Kurukshetra está por começar, o Senhor Krishna entra em cena e transmite Sua
mensagem maravilhosa, ou seja, o Bhagavad-gita. Na verdade, toda a trama
política e envolvente do Mahabharata não passa de um arranjo divino para prender
a atenção dos leitores para que o Senhor Krishna possa derramar um oceano
infinito de instruções sublimes sob a forma do Bhagavad-gita, o resumo da
verdadeira essência dos Vedas.

As próprias escrituras védicas não se cansam de glorificar as qualidades


singulares do Bhagavad-gita. Isto porque o Bhagavad-gita emanou diretamente da
boca da maior autoridade em conhecimento, Sri Krishna, o qual é glorificado em
todos os Vedas como Mahaprabhu, o Mestre Espiritual Supremo, e Purushottama, a
Maior de Todas as Personalidades. Devemos ser entusiastas em estudar o
Bhagavad-gita e compreender que ele é a manifestação da ilimitada bondade do
Senhor, que, em apenas 700 versos, apresentou toda a essência do conhecimento
contido em todos os Vedas.

Nesta era atual, as pessoas têm uma curta duração de vida e não são muito
entusiastas e qualificadas para estudar a imensidão de textos védicos, tais como os
Puranas, Upanishads, Vedanta-sutra, etc. Desse modo, ao estudarem simplesmente
o Bhagavad-gita, todos poderão se elevar ao estado de sabedoria e iluminação
transcendental. Portanto, assim como os Vedas, o conhecimento apresentado no
Gita é eterno e imaculado e se destina ao homem fiel que tem o desejo sincero de
compreender o tema de como se livrar das garras da existência material e alcançar
uma existência eterna e plena de felicidade. O Bhagavad-gita é o primeiro livro de
valores espirituais e eleva o seu estudante para que ele possa iniciar seu estudo da
filosofia Vedanta para, finalmente, ingressar no bhagavata-dharma, ou seja, serviço
devocional amoroso ao Senhor.

Segundo os Vedas, o cosmos material se manifesta em ciclos de quatro


eras: Satya, Treta, Dvapara e Kali. A era de Satya é caracterizada pelas boas
virtudes e todos os seres humanos que vivem na Terra são repletos de qualidades
divinas. Na era de Treta, há um declínio das virtudes e a Terra passa a abrigar ao
mesmo tempo seres divinos e seres demoníacos. Na era de Dvapara, o aumento da
irreligião e da impiedade se acentua e o divino e o demoníaco passam a viver na
mesma família. Finalmente, na era de Kali, ou era das trevas, há um predomínio
total de irreligião, hipocrisia e desavenças, e a natureza divina e demoníaca
habitam lado a lado no mesmo corpo.

Desse modo, foi há cinco mil anos, entre o final da era de Dvapara e o
começo da era de Kali, que a Pessoa Suprema, Bhagavan Sri Krishna, veio à Terra
e transmitiu para Arjuna este conhecimento sublime do Bhagavad-gita, removendo,
assim, todas as suas dúvidas, ansiedades e lamentações. O cenário do Bhagavad-
gita foi o campo sagrado de Kurukshetra, minutos antes da batalha mais violenta já
registrada pela história dos últimos tempos. Naquela época, a Terra e seus
habitantes estavam sendo atormentados pela influência perturbadora de indivíduos
materialistas e cobiçosos e, como é confirmado no Capítulo Quatro do próprio
Bhagavad-gita, em tais situações, o próprio Senhor sempre desce a este ou
qualquer outro planeta para eliminar os elementos indesejáveis e proteger
diretamente as pessoas piedosas.

Sendo um companheiro eterno do Senhor Krishna, o guerreiro Arjuna está


sempre livre de qualquer classe de ilusão. Entretanto, ele foi colocado em ilusão
pessoalmente pelo Senhor, porque o Senhor desejava transmitir os ensinamentos
do Bhagavad-gita para as futuras gerações. Desse modo, representando o papel de
uma pessoa absorta em sofrimento material, Arjuna pôde formular perguntas
relevantes sobre os verdadeiros problemas da vida.

Devemos entender que Arjuna está representando a nossa posição, pois,


quer compreendamos ou não, na existência material convivemos frequentemente
com ansiedades e temores. Portanto, temos de primeiramente seguir o exemplo de
Arjuna que admitiu sua incapacidade de, sozinho, solucionar os problemas que
surgiram diante dele no Campo de Batalha de Kurukshetra. Depois disso, temos de
aceitar o abrigo do Senhor e seguir Suas instruções divinas, independente do nível
de educação ou inteligência que possamos ter. A realidade é que não temos a
capacidade de encontrarmos as devidas soluções para os problemas que surgem na
vida, pois, em nossa vida prática, é como se estivéssemos no Campo de
Kurukshetra, onde a batalha entre o bem e o mal acontece a todo momento. Arjuna
mostrou-nos que, se quisermos vencer esta grande batalha interna, temos de nos
armar com o conhecimento transcendental do Bhagavad-gita, o qual não foi
destinado apenas ao guerreiro. Na realidade, tais instruções sublimes não se
aplicam apenas àquele momento ou lugar específico, mas servem para todos os
tipos de pessoas, em todas as épocas e lugares. Isto significa que, ainda hoje, se
uma pessoa for inteligente o bastante para compreender o Bhagavad-gita do
mesmo modo que Arjuna o compreendeu, ela será tão beneficiada como Arjuna,
o qual estava na presença pessoal do Senhor.

Faz parte do conhecimento transcendental compreender que, uma vez que o


Senhor é absoluto, não existe diferença entre Ele e Suas instruções. Materialmente
falando, a associação entre uma pessoa e outra depende do contato pessoal físico,
mas na plataforma espiritual a situação é diferente. Na verdade, o Senhor Krishna
transmitiu estes ensinamentos sublimes, os quais foram registrados pelo
grande sábio Vyasadeva, para que sempre tenhamos a oportunidade de estar
recebendo instruções do Senhor mesmo que Ele esteja fora de nossa visão
material. Por si sós, nossos sentidos materiais limitados nunca nos darão acesso à
compreensão do Senhor ilimitado. Entretanto, justamente por ser ilimitado, o
Senhor pode Se revelar mesmo àqueles que possuem sentidos limitados, pois, caso
Ele não pudesse, o próprio Senhor também seria limitado como um de nós.

O Senhor possui poderes inconcebíveis. Desse modo, sendo uma das


energias do Senhor, a energia material pode ser espiritualizada pelo Seu desejo
transcendental. Desse modo, a representação de uma escritura como o Bhagavad-
gita é uma representação sonora autêntica do Senhor e é especialmente destinada
à percepção sensorial que possuímos neste momento.
ÍNDICE

CAPÍTULO I: Observando os Exércitos

Pérola 1. DURYODHANA ACREDITA NA VITÓRIA (versos 1 a 11)


Pérola 2. O SOAR DOS BÚZIOS (versos 12 a 19)
Pérola 3. ARJUNA OBSERVA OS EXÉRCITOS (versos 20 a 27)
Pérola 4. ARJUNA MANIFESTA LAMENTAÇÃO E COMPAIXÃO (versos 28 a 35)
Pérola 5. ARJUNA APRESENTA SUAS DÚVIDAS (versos 36 a 46)

CAPÍTULO II: Resumo do Conteúdo do Gita

Pérola 6. ARJUNA É REPREENDIDO POR KRISHNA (versos 1 a 3)


Pérola 7. ARJUNA ACEITA KRISHNA COMO MESTRE ESPIRITUAL (versos 4 a 9)
Pérola 8. AS PRIMEIRAS INSTRUÇÕES DO SENHOR (versos 10 a 15)
Pérola 9. A NATUREZA SUPERIOR DA ALMA (versos 16 a 25)
Pérola 10. NÃO HÁ RAZÃO PARA SE LAMENTAR (versos 26 a 30)
Pérola 11. OS DEVERES DE UM GUERREIRO (versos 31 a 38)
Pérola 12. A YOGA DA INTELIGÊNCIA (versos 39 a 41)
Pérola 13. AS PALAVRAS FLORIDAS DOS VEDAS (versos 42 a 46)
Pérola 14. LIBERTANDO-SE DAS ATIVIDADES FRUITIVAS (versos 47 a 53)
Pérolas 15. SINTOMAS DE UM TRANSCENDENTALISTA (versos 54 a 59)
Pérola 16. O CONTROLE DOS SENTIDOS (versos 60 a 72)

CAPÍTULO III: Karma-yoga

Pérola 17. SEGUINDO A PRÓPRIA NATUREZA (versos 1 a 8)


Pérola 18. A IMPORTÂNCIA DO SACRIFÍCIO (versos 9 a 16)
Pérola 19. PARA A ALMA AUTO-REALIZADA NÃO HÁ DEVER (versos 17 a 20)
Pérola 20. O COMPORTAMENTO EXEMPLAR DO SENHOR KRISHNA (versos 21 a 24)
Pérola 21. A AÇÃO DO SÁBIO E A AÇÃO DO IGNORANTE (versos 25 a 35)
Pérola 22. O INIMIGO INSACIÁVEL CHAMADO LUXÚRIA (versos 36 a 46)

CAPÍTULO IV: O Conhecimento Transcendental

Perola 23. O MISTÉRIO DA CIÊNCIA DO GITA (versos 1 a 3)


Pérola 24. A NATUREZA TRANSCENDENTAL DO SENHOR (versos 4 a 6)
Pérola 25. O PROPÓSITO DO APARECIMENTO DO SENHOR (versos 7 a 11)
Pérola 26. AS COMPLEXIDADES DA AÇÃO (versos 12 a 24)
Pérola 27. OS DIFERENTES TIPOS DE SACRIFÍCIOS (versos 25 a 33)
Pérola 28. A FORÇA DO CONHECIMENTO TRANSCENDENTAL (versos 34 a 42)

CAPÍTULO V: Karma-yoga, Ação em Consciência de Krishna

Pérola 29. RENÚNCIA AO TRABALHO E O TRABALHO EM DEVOÇÃO (versos 1 a 6)


Pérola 30. OFERECENDO O RESULTADO DAS ATIVIDADES (versos 7 a 12)
Pérola 31. O SÁBIO DE VISÃO EQUÂNIME (versos 13 a 19)
Pérola 32. A ALMA LIBERADA E SUA FELICIDADE INTERIOR (versos 20 a 29)

CAPÍTULO VI: Dhyana-yoga

Pérola 33. A MENTE COMO AMIGA OU INIMIGA (versos 1 a 9)


Pérola 34. AS TÉCNICAS DA DHYANA-YOGA (versos 10-18)
Pérola 35. O YOGI E SUA VISÃO DE IGUALDADE (versos 27 a 32)
Pérola 36. ARJUNA REJEITA A DHYANA-YOGA (versos 33 a 36)
Pérola 37. O DESTINO DO YOGI MALSUCEDIDO (versos 37 a 47)

CAPÍTULO VII: O Conhecimento Acerca do Absoluto

Pérola 38. O CONHECIMENTO DO ABSOLUTO (versos 1 a 14)


Pérola 39. AS 4 CLASSES DE HOMENS PIEDOSOS E IMPIEDOSOS (versos 15 a 19)
Pérola 40. OS MENOS INTELIGENTES ADORAM OS SEMIDEUSES (versos 20 a 23)
Pérola 41. A COMPREENSÃO SOBRE O ABSOLUTO (versos 24 a 30)

CAPÍTULO VIII: Alcançando o Supremo

Pérola 42. O SENHOR DOS SACRIFÍCIOS (versos 1 a 4)


Pérola 43. LEMBRANDO-SE DO SENHOR NA HORA DA MORTE (versos 5 a 10)
Pérola 44. OS DEVOTOS ALCANÇAM O SENHOR FACILMENTE (versos 11 a 16)
Pérola 45. A NATUREZA MANIFESTA E IMANIFESTA (versos 17 a 21)
Pérola 46. AS SITUAÇÕES AO SE ABANDONAR O CORPO (versos 22 a 28)

CAPÍTULO IX: O Conhecimento Mais Confidencial

Pérola 47. O MAIS SECRETO DE TODOS OS SEGREDOS ((versos 1 a 3)


Pérola 48. OS TRÊS ASPECTOS DO ABSOLUTO (versos 4 a 6)
Pérola 49. A NATUREZA FUNCIONA SOB A DIREÇÃO DO SENHOR (versos 7 a 10)
Pérola 50. O VERDADEIRO E O FALSO REFÚGIO (versos 11 a 22)
Pérola 51. O SUPREMO DESFRUTADOR (versos 23 a 28)
Pérola 52. O DEVOTO ALCANÇA O DESTINO SUPREMO (versos 29 a 34)

CAPÍTULO X: A Opulência do Absoluto

Pérola 53. O CONHECIMENTO SUPERIOR (versos 1 a 3)


Pérola 54. A OPULÊNCIA DO ABSOLUTO (versos 4 a 11)
Pérola 55. DEUS DOS DEUSES (versos 12 a 18)
Pérola 56. AS MANIFESTAÇÕES ESPLENDOROSAS DE DEUS (versos 19 a 42)

CAPÍTULO XI: A Forma Universal

Pérolas 57. ARJUNA DESEJA VER A FORMA UNIVERSAL (versos 1 a 4)


Pérola 58. ARJUNA OBTÉM VISÃO DIVINA (versos 5 a 14)
Pérola 59. ARJUNA DESCREVE SUA VISÃO (versos 15 a 31)
Pérola 60. O PLANO DIVINO DO SENHOR (versos 32 a 34)
Pérola 61. ESPANTO E ÊXTASE DE ARJUNA (versos 35 a 46)
Pérola 62. ELIMINANDO A PERTURBAÇÃO DE ARJUNA (versos 47 a 51)
Pérola 63. OS MISTÉRIOS DA COMPREENSÃO ESPIRITUAL (versos 52 a 55)

CAPÍTULO XII: Serviço Devocional

Pérola 64. A ADORAÇÃO PESSOAL E IMPESSOAL (versos 1 a 7)


Pérola 65. DIFERENTES SISTEMAS DE AUTO-REALIZAÇÃO (versos 8 a 12)
Pérola 66. AS QUALIDADES DOS DEVOTOS (versos 13 a 20)

CAPÍTULO XIII: A Natureza, o Desfrutador e a Consciência

Pérola 67. O CAMPO DAS ATIVIDADES E SUAS INTERAÇÕES (versos 1 a 7)


Pérola 68. O VERDADEIRO CONHECIMENTO (versos 8 a 12)
Pérola 69. A SUPERALMA ONIPENETRANTE (versos 13 a 18)
Pérola 70. A ENTIDADE VIVA E A NATUREZA MATERIAL (versos 19 a 22)
Pérola 71. A PRESENÇA DA SUPERALMA (versos 23 a 31)
Pérola 72. OS OLHOS DO CONHECIMENTO (versos 32 a 35)

CAPÍTULO XIV: Os Três Modos da Natureza Material

Pérola 73. A SABEDORIA SUPREMA (versos 1 a 4)


Pérola 74. AS QUALIDADES DOS MODOS DA NATUREZA (versos 5 a 18)
Pérola 75. O SENHOR É SEMPRE TRANSCENDENTAL (versos 19 a 20)
Pérola 76. OS SINTOMAS DA PESSOA TRANSCENDENTAL (versos 21 a 25)
Pérola 77. A CONDIÇÃO DA EXISTÊNCIA LIBERADA (versos 26 a 28)

CAPÍTULO XV: A Yoga da Pessoa Suprema

Pérola 78. A FIGUEIRA-DA-BENGALA DO ENVOLVIMENTO MATERIAL (versos 1 a 4)


Pérola 79. A MORADA SUPREMA (versos 5 a 8)
Pérola 80. A LUTA DA ENTIDADE VIVA CONDICIONADA (versos 7 a 11)
Pérola 81. A PRESENÇA TODO-ABRANGENTE DO ABSOLUTO (versos 12 a 15)
Pérola 82. A PESSOA SUPREMA (versos 16 a 20)

CAPÍTULO XVI: As Naturezas Divinas e Demoníacas

Pérola 83. A NATUREZA DIVINA (versos 1 a 3)


Pérola 84. A NATUREZA DEMONÍACA (versos 4 a 12)
Pérola 85. UMA CONDIÇÃO DE EXISTÊNCIA ABOMINÁVEL (versos 13 a 20)
Pérola 86. OS TRÊS PORTÕES QUE CONDUZEM AO INFERNO (versos 21 a 24)

CAPÍTULO XVII: As Divisões da Fé

Pérola 87. AS TRÊS CATEGORIAS DE FÉ (versos 1 ao 4)


Pérola 88. AUSTERIDADES E PENITÊNCIAS DEMONÍACAS (versos 5 a 6)
Pérola 89. AS TRÊS CLASSES DE SACRIFÍCIOS E ALIMENTOS (versos 7 a 13)
Pérola 90. AS AUSTERIDADES DO CORPO, DA MENTE E DA FALA (versos 14 a 19)
Pérola 91. AS TRÊS CLASSES DE CARIDADES (versos 20 a 22)
Pérola 92. AS PALAVRAS SAGRADAS “OM TAT SAT” (versos 23 a 28)

CAPÍTULO XVIII: A Perfeição da Renúncia

Pérolas 93. O PROPÓSITO DA RENÚNCIA (versos 1 a 6)


Pérolas 94. COMO PRATICAR A RENÚNCIA (versos 7 a 13)
Pérola 95. DIFERENTES CAUSAS DA AÇÃO (versos 13 a 18)
Pérola 96. AS TRÊS CLASSES DE CONHECIMENTO (versos 19 a 22)
Pérola 97. A AÇÃO E SUAS DIVISÕES (versos 23 a 25)
Pérola 98. O EXECUTOR E SUAS DIVISÕES (versos 26 a 28)
Pérola 99. A DIVISÃO DA COMPREENSÃO E DA DETERMINAÇÃO (versos 29 a 35)
Pérola 100. A DIVISÃO DA FELICIDADE (versos 36 a 39)
Pérola 101. O TRABALHO EOS MODOS DA NATUREZA (versos 40 a 44)
Pérola 102. A PERFEIÇÃO NA EXECUÇÃO DO DEVER (versos 45 a 49)
Pérola 103. A ETAPA PERFECTIVA SUPREMA (versos 50 a 54)
Pérola 104. O CONHECIMENTO MAIS CONFIDENCIAL (versos 55 a 62)
Pérola 105. A INSTRUÇÃO SUPREMA (versos 63 a 65)
Pérola 106. A PERFEIÇÃO DA RENÚNCIA (versos 66 a 69)
Pérola 107. A ILUSÃO DE ARJUNA É DISSIPADA (versos 70 a 73)
Pérola 108. O ÊXTASE DE SAÑJAYA (versos 74 a 78)

* * *
CAPÍTULO I

Observando os Exércitos

Pérola 1. DURYODHANA ACREDITA NA VITÓRIA (versos 1 a 11)

1. Dhritarastra disse: Ó Sañjaya, que fizeram meus filhos e os filhos de Pandu


depois que se reuniram no lugar de peregrinação em Kurukshetra, desejando
lutar?
2. Sañjaya disse: Ó rei, após observar o exército disposto em formação militar
pelos filhos de Pandu, o rei Duryodhana foi até seu preceptor e falou as seguintes
palavras.
3. Ó meu mestre, olha o grande exército dos filhos de Pandu, tão habilmente
organizado por teu inteligente discípulo, o filho de Drupada.
4. Aqui neste exército, estão muitos arqueiros heróicos que sabem lutar tanto
quanto Bhima e Arjuna: grandes lutadores como Yuyudhana, Virata e Drupada.
5. Há também grandes combatentes heróicos e poderosos, tais como Dhristaketu,
Chekitana, Kashiraja, Purujit, Kuntibhoja e Saibya.
6. Há o possante Yudhamanyu, o poderosíssimo Uttamauja, o filho de Subhadra e
os filhos de Draupadi. Todos esses guerreiros lutam habilmente em suas
quadrigas.
7. Mas para a tua informação, ó melhor dos brahmanas, deixa-me falar-te sobre os
capitães que estão especialmente qualificados para conduzir minha força militar.
8. Há personalidades como tu, Bhisma, Karna, Kripa, Asvatthama, Vikarna e o filho
de Somadatta chamado Bhurisrava, que sempre saem vitoriosos na batalha.
9. Há muitos outros heróis que estão preparados a sacrificar sua vida por mim.
Todos eles estão bem equipados com diversas espécies de armas, e todos são
experientes na ciência militar.
10. Nossa força é incomensurável, e estamos perfeitamente protegidos pelo avô
Bhisma, ao passo que a força dos Pandavas, cuidadosamente protegida por Bhima,
é limitada. 11. Todos deveis dar todo o apoio ao avô Bhisma, à medida que assumis
vossos respectivos pontos estratégicos enquanto entrais na falange do exército.

Pérola 2. O SOAR DOS BÚZIOS (versos 12 a 19)

12. Então Bhisma, o grande e valente patriarca da dinastia Kuru, o avô dos
combatentes, soprou seu búzio bem alto, produzindo um som parecido com o
rugido de um leão, dando alegria a Duryodhana.
13. Depois disso, os búzios, tambores, clarins, trombetas e cornetas soaram todos
de repente, produzindo um som tumultuoso.
14. No outro lado, o Senhor Krishna e Arjuna, acomodados numa grande quadriga
puxada por cavalos brancos, soaram seus búzios transcendentais.
15. O Senhor Krishna soprou Seu búzio, chamado Panchajanya; Arjuna soprou o
seu, o Devadatta; e Bhima, o comedor voraz que executa tarefas hercúleas, soprou
seu aterrador búzio, chamado Paundra.
16-18. O rei Yudhisthira, filho de Kunti, soprou seu búzio, o Anantavijaya, e Nakula
e Sahadeva sopraram o Sugosha e Manipuspaka. Aquele grande arqueiro, o rei de
Kashi, o grande lutador Sikhandi, Dhristadyumna, Virata, o invencível Satyaki,
Drupada, os filhos de Draupadi, e os outros, ó rei, tais como o poderoso filho de
Subhadra, todos sopraram seus respectivos búzios.
19. O som arrancado destes diferentes búzios tornou-se estrondoso. Vibrando no
céu e na terra, ele abalou os corações dos filhos de Dhritarastra.

Pérola 3. ARJUNA OBSERVA OS EXÉRCITOS (versos 20 a 27)

20. Naquele momento, Arjuna, o filho de Pandu, sentado na quadriga que portava a
bandeira na qual estava estampada a marca de Hanuman, pegou do seu arco e
preparou-se para disparar suas flechas. Ó rei, após ver os filhos de Dhritarastra
dispostos em formação militar, Arjuna então dirigiu ao Senhor Krishna estas
palavras.
21-22. Arjuna disse: Ó infalível, por favor, coloca minha quadriga entre os dois
exércitos para que eu possa ver as pessoas aqui presentes, que desejam lutar, e
com quem devo me digladiar neste grande empreendimento bélico.
23. Deixa-me ver aqueles que vieram aqui para lutar, desejando agradar ao mal-
intencionado filho de Dhritarastra.
24. Sañjaya disse: Ó descendente de Bharata, tendo recebido de Arjuna essa
determinação, o Senhor Krishna conduziu a magnífica quadriga para o meio dos
exércitos de ambos os grupos.
25. Na presença de Bhisma, de Drona e de todos os outros comandantes do
mundo, o Senhor disse: Simplesmente observa, Partha, todos os Kurus aqui
reunidos.
26. Foi então que Arjuna pôde ver, no meio dos exércitos em ambos os grupos,
seus pais, avós, mestres, tios maternos, irmãos, filhos, netos, amigos e também
seus sogros e benquerentes.
27. Ao ver todas essas diferentes categorias de amigos e parentes, o filho de Kunti,
Arjuna, ficou dominado pela compaixão e falou as seguintes palavras.

Pérola 4. ARJUNA MANIFESTA LAMENTAÇÃO E COMPAIXÃO (versos 28 a


35)

28. Arjuna disse: Meu querido Krishna, vendo diante de mim meus amigos e
parentes com esse espírito belicoso, sinto os membros do meu corpo tremer e
minha boca secar.
29. Todo o meu corpo está tremendo, meus pêlos estão arrepiados, meu arco
Gandiva está escorregando da minha mão e minha pele está ardendo.
30. Já não sou capaz de continuar aqui. Estou esquecendo-me de mim mesmo e
minha mente está girando. Parece que tudo traz infortúnio, ó Krishna, matador do
demônio Keshi.
31. Não consigo ver qual o bem que decorreria da morte de meus próprios parentes
nesta batalha, nem posso eu, meu querido Krishna, desejar alguma vitória, reino
ou felicidade subseqüentes.
32-35. Ó Govinda, que nos adiantam um reino, felicidade ou até mesmo a própria
vida quando todos aqueles em razão de quem somos impelidos a desejar tudo isto
estão agora enfileirados neste campo de batalha? Ó Madhusudana, quando
mestres, pais, filhos, avós, tios maternos, sogros, netos, cunhados e outros
parentes estão prontos a abandonar suas vidas e propriedades e colocam-se diante
de mim, por que deveria eu querer matá-los, mesmo que, por sua parte, eles
sejam capazes de matar-me? Ó mantenedor de todas as entidades vivas, não estou
preparado para lutar com eles, nem mesmo em troca dos três mundos, muito
menos desta Terra. Que prazer obteremos em matarmos os filhos de Dhritarastra?
Pérola 5. ARJUNA APRESENTA SUAS DÚVIDAS (versos 36 a 46)

36. O pecado nos dominará se matarmos tais agressores. Portanto, não convém
matarmos os filhos de Dhritarastra e nossos amigos. Que ganharíamos, ó Krishna,
esposo da deusa da fortuna, e como poderíamos ser felizes, matando nossos
próprios parentes? 37-38. Ó Janardana, embora estes homens, com seus corações
dominados pela cobiça, não achem errado matar a própria família ou brigar com os
amigos, por que deveríamos nós, que entendemos ser crime destruir uma família,
ocupar-nos nestes atos pecaminosos? 39. Com a destruição da dinastia, a tradição
eterna da família extingue-se, e assim o resto da família se envolve em irreligião.
40. Quando a irreligião é preeminente na família, ó Krishna, as mulheres da família
se poluem, e da degradação feminina, ó descendente de Vrishni, vem progênie
indesejada.
41. Um aumento de população indesejada decerto causa vida infernal tanto para a
família quanto para aqueles que destroem a tradição familiar. Os ancestrais dessas
famílias corruptas caem, porque os rituais através dos quais se lhes oferecem
alimento e água são inteiramente interrompidos.
42. Pelas más ações daqueles que destroem a tradição familiar, e acabam dando
origem a crianças indesejadas, todas as espécies de projetos comunitários e
atividades para o bem-estar da família entram em colapso.
43. Ó Krishna, mantenedor do povo, eu ouvi através da sucessão discipular que
aqueles que destroem as tradições familiares sempre residem no inferno.
44. Ai de mim! Como é estranho que estejamos nos preparando para cometer atos
extremamente pecaminosos. Levados pelo desejo de desfrutar da felicidade régia,
estamos decididos a matar nossos próprios parentes.
45. Para mim, seria melhor que os filhos de Dhritarastra, de armas na mão,
matassem-me no campo de batalha, desarmado e sem opor resistência.
46. Sañjaya disse: Arjuna, tendo falado essas palavras no campo de batalha, pôs
de lado seu arco e flechas e sentou-se na quadriga, com sua mente dominada pelo
pesar.

* * *
CAPÍTULO II
Resumo do Conteúdo do Gita

Pérola 6. ARJUNA É REPREENDIDO POR KRISHNA (versos 1 a 3)

1. Sañjaya disse: Vendo Arjuna cheio de compaixão, sua mente deprimida, seus
olhos rasos d‟água, Madhusudana, Krishna, disse as seguintes palavras:
2. A Suprema Personalidade de Deus disse: Meu querido Arjuna, como foi que estas
impurezas desenvolveram-se em ti? Elas não condizem com um homem que
conhece o valor da vida. Elas não conduzem aos planetas superiores, mas à
infâmia.
3. Ó filho de Pritha, não cedas a esta impotência degradante. Isto não te fica bem.
Abandona esta mesquinha fraqueza de coração e levanta-te, ó castigador dos
inimigos.

Pérola 7. ARJUNA ACEITA KRISHNA COMO MESTRE ESPIRITUAL (versos 4 a


9)

4. Arjuna disse: Ó matador dos inimigos, ó matador de Madhu, como é que na


batalha posso contra-atacar com flechas homens como Bhisma e Drona, que são
dignos de minha adoração?
5. É preferível viver mendigando neste mundo que viver à custa das vidas de
grandes almas que são meus mestres. Embora desejem conquistas terrenas, eles
são superiores. Se forem mortos, tudo o que desfrutarmos estará manchado de
sangue.
6. Tampouco sabemos o que é melhor – vencê-los ou ser vencidos por eles. Se
matássemos os filhos de Dhritarastra, não nos importaríamos de viver. Contudo,
eles agora estão diante de nós no campo de batalha.
7. Agora estou confuso quanto ao meu dever e perdi toda a compostura devido à
torpe fraqueza. Nesta condição, estou Te pedindo que me digas com certeza o que
é melhor para mim. Agora sou Teu discípulo e uma alma rendida a Ti. Por favor,
instrui-me.
8. Não consigo descobrir um meio de afastar este pesar que está secando meus
sentidos. Não serei capaz de suprimi-lo nem mesmo que ganhe na Terra um reino
próspero e inigualável com soberania como a dos semideuses nos céus.
9. Sañjaya disse: Tendo falado essas palavras, Arjuna, o castigador dos inimigos,
disse a Krishna, Govinda, não lutarei, e ficou calado.

Pérola 8. AS PRIMEIRAS INSTRUÇÕES DO SENHOR (versos 10 a 15)

10. Ó descendente de Bharata, naquele momento, Krishna, no meio dos dois


exércitos, sorriu e disse as seguintes palavras ao desconsolado Arjuna. 11. A
Suprema Personalidade de Deus disse: Enquanto falas palavras sábias, estás
lamentando aquilo com que não precisas te afligir. Os sábios não lamentam nem os
vivos nem os mortos.
12. Nunca houve um tempo que Eu não existisse, nem tu, nem todos esses reis; e
no futuro nenhum de nós deixará de existir.
13. Assim como, neste corpo, a alma corporificada seguidamente passa da infância
à juventude e à velhice, do mesmo modo, chegando a morte, a alma passa para
outro corpo. Uma pessoa ponderada não fica confusa com essa mudança.
14. Ó Filho de Kunti, o aparecimento transitório de felicidade e aflição, e seu
desaparecimento no devido tempo, são como o aparecimento e o desaparecimento
das estações de inverno e verão. Surgem da percepção sensorial, ó descendente de
Bharata, e é preciso aprender a tolerá-los sem perturbar-se.
15. Ó melhor entre os homens (Arjuna), quem não se deixa perturbar pela
felicidade ou aflição e que permanece estável em ambas as circunstâncias decerto
está qualificado para alcançar a liberação.

Pérola 9. A NATUREZA SUPERIOR DA ALMA (versos 16 a 25)

16. Aqueles que são videntes da verdade concluíram que o não-existente (o corpo
material) não permanece e o eterno (a alma) não muda. Isto eles concluíram
estudando a natureza de ambos.
17. Deves saber que aquilo que penetra o corpo inteiro é indestrutível. Ninguém é
capaz de destruir a alma imperecível.
18. O corpo material da entidade viva indestrutível, imensurável e eterna decerto
chegará ao fim; portanto, luta, ó descendente de Bharata.
19. Nem aquele que pensa que a entidade viva é o matador nem aquele que pensa
que ela é morta estão em conhecimento, pois o eu não mata nem é morto.
20. Para a alma, em tempo algum existe nascimento ou morte. Ela não passou a
existir, não passa a existir e nem passará a existir. Ela é não nascida, eterna,
sempre-existente e primordial. Ela não morre quando o corpo morre.
21. Ó Partha, como pode uma pessoa que sabe que a alma é indestrutível, eterna,
não-nascida e imutável matar alguém ou fazer com que outrem mate?
22. Assim como alguém veste roupas novas, abandonando as antigas, a alma
aceita novos corpos materiais, abandonando os velhos e inúteis.
23. A alma nunca pode ser despedaçada por arma alguma, tampouco pode ser
queimada pelo fogo, umedecida pela água ou enxugada pelo vento.
24. Essa alma individual é inquebrável e indissolúvel, e não pode ser queimada
nem seca. Ela é permanente, está presente em toda parte, é imutável, imóvel e
eternamente a mesma.
25. Diz-se que a alma é invisível, inconcebível e imutável. Sabendo disto, não te
deves afligir por causa do corpo.

Pérola 10. NÃO HÁ RAZÃO PARA SE LAMENTAR (versos 26 a 30)

26. Se, no entanto, pensas que a alma sempre nasce e morre para sempre, mesmo
assim, não tens razão para lamentar, ó pessoa de braços poderosos.
27. Alguém que nasceu com certeza morrerá, e após a morte ele voltará a nascer.
Portanto, no inevitável cumprimento do dever, não deves te lamentar.
28. Todos os seres criados são imanifestos no seu começo, manifestos no seu
estado intermediário, e de novo imanifestos quando aniquilados. Então, qual a
necessidade de lamentação?
29. Alguns consideram a alma espantosa, outros descrevem-na como espantosa, e
alguns ouvem dizer que ela é espantosa, enquanto outros, mesmo após ouvir sobre
ela, não podem absolutamente compreendê-la.
30. Ó descendente de Bharata, aquele que mora no corpo nunca pode ser morto.
Portanto, não precisas afligir-te por nenhum ser vivo.

Pérola 11. OS DEVERES DE UM GUERREIRO (versos 31 a 38)

31. Considerando teu dever específico de kshatriya, deves saber que não há melhor
ocupação para ti do que lutar conforme determinam os princípios religiosos; e
assim não há necessidade de hesitação.
32. Ó Partha, felizes são os kshatriyas a quem aparece essa oportunidade de lutar,
abrindo-lhes as portas dos planetas celestiais.
33. Se, contudo, não executares teu dever religioso e não lutares, então na certa
incorrerás em pecados por negligenciar teus deveres e assim perderás tua
reputação de lutador.
34. As pessoas sempre falarão de tua infâmia, e para alguém respeitável, a desonra
é pior do que a morte.
35. Os grandes generais que têm na mais alta estima o teu nome e fama pensarão
que deixaste o campo de batalha simplesmente porque estavas com medo, e
portanto te considerarão insignificante.
36. Teus inimigos te descreverão com muitas palavras indelicadas e desdenharão
tua habilidade. Que poderia ser mais doloroso para ti?
37. Ó filho de Kunti, ou serás morto no campo de batalha e alcançarás os planetas
celestiais, ou conquistarás e gozarás o reino terrestre. Portanto, levanta-te com
determinação e luta.
38. Luta pelo simples fato de lutar, sem levar em consideração felicidade ou aflição,
perda ou ganho, vitória ou derrota – e adotando este procedimento nunca
incorrerás em pecado.

Pérola 12. A YOGA DA INTELIGÊNCIA (versos 39 a 41)

39. Até aqui, descrevi-te este conhecimento através do estudo analítico. Agora
ouve enquanto Eu o explico em termos do trabalho sem resultados fruitivos. Ó filho
de Pritha, quando ages com esse conhecimento, podes libertar-te do cativeiro
decorrente das ações.
40. Neste esforço, não há perda nem diminuição, e um pequeno progresso neste
caminho pode proteger a pessoa do mais perigoso tipo de medo.
41. Aqueles que estão neste caminho são resolutos, e têm apenas um objetivo. Ó
amado filho dos Kurus, a inteligência daqueles que são irresolutos tem muitas
ramificações.

Pérola 13. AS PALAVRAS FLORIDAS DOS VEDAS (versos 42 a 46)

42-43. Os homens de pouco conhecimento estão muitíssimo apegados às palavras


floridas dos Vedas, que recomendam várias atividades fruitivas àqueles que
desejam elevar-se aos planetas celestiais, com o consequente bom nascimento,
poder e assim por diante. Por estarem ávidos de gozo dos sentidos e vida opulenta,
eles dizem que isto é tudo o que existe.
44. Nas mentes daqueles que estão muito apegados ao gozo dos sentidos e à
opulência material, e que se deixam confundir por estas coisas, não ocorre a
determinação resoluta de prestar serviço devocional ao Senhor Supremo.
45. Os Vedas tratam principalmente do tema três modos da natureza material. Ó
Arjuna, torna-te transcendental a esses três modos. Liberta-te de todas as
dualidades e de todos os anseios advindos da busca de ganho e segurança e
estabelece-te no eu.
46. Todos os propósitos satisfeitos por um poço pequeno podem imediatamente ser
satisfeitos por um grande reservatório de água. De modo semelhante, pode servir-
se de todos os propósitos dos Vedas quem conhece o seu propósito subjacente.

Pérola 14. LIBERTANDO-SE DAS ATIVIDADES FRUITIVAS (versos 47 a 53)

47. Tens o direito de executar teu dever prescrito, mas não podes exigir os frutos
da ação. Jamais te consideres a causa dos resultados de tuas atividades, e jamais
te apegues ao não-cumprimento do teu dever.
48. Desempenha teu dever com equilíbrio, ó Arjuna, abandonando todo o apego a
sucesso ou fracasso. Essa equanimidade chama-se yoga.
49. Ó Dhanañjaya, através do serviço devocional, mantém todas as atividades
abomináveis bem distantes, e com esta consciência, rende-te ao Senhor. Aqueles
que querem gozar o fruto de seu trabalho são mesquinhos.
50. Um homem ocupado em serviço devocional livra-se tanto das boas quanto das
más ações, mesmo nesta vida. Portanto, empenha-te na yoga, que é a arte de todo
o trabalho.
51. Ocupando-se nesse serviço devocional ao Senhor, grandes sábios ou devotos
livram-se dos resultados do trabalho no mundo material. Desse modo, eles
transcendem ao ciclo de nascimentos e mortes e passam a viver além de todas as
misérias.
52. Quando tua inteligência tiver cruzado a densa floresta da ilusão, tornar-te-ás
indiferente a tudo o que se ouviu e a tudo o que se há de ouvir.
53. Quando tua mente deixar de perturbar-se pela linguagem florida dos Vedas, e
quando se fixar no transe da auto-realização, então terás atingido a consciência
divina.

Pérolas 15. SINTOMAS DE UM TRANSCENDENTALISTA (versos 54 a 59)

54. Arjuna disse: Ó Krishna, quais são os sintomas daquele cuja consciência está
absorta nessa transcendência? Como fala, e qual é sua linguagem? Como se senta
e como caminha?
55. A Suprema Personalidade de Deus disse: Ó Partha, quando alguém desiste de
todas as variedades de desejo de gozo dos sentidos, que surgem da invenção
mental, e quando sua mente, assim purificada, encontra satisfação apenas no eu,
então se diz que ele está em consciência transcendental pura.
56. Quem não deixa a mente se perturbar mesmo em meio às três classes de
misérias, nem exulta quando há felicidade, e que está livre do apego, medo e ira, é
chamado um sábio de mente estável.
57. No mundo material, quem não se deixa afetar pelo bem ou mal a que está
sujeito a obter, sem louvá-los nem desprezá-los, está firmemente fixo em
conhecimento perfeito.
58. Aquele que é capaz de retirar seus sentidos dos objetos dos sentidos, assim
como a tartaruga recolhe seus membros para dentro da carapaça, está firmemente
fixo em consciência perfeita.
59. A alma corporificada pode restringir-se do gozo dos sentidos, embora
permaneça o gosto pelos objetos dos sentidos. Porém, interrompendo tais
ocupações ao experimentar um gosto superior, ela se fixa em consciência.

Pérola 16. O CONTROLE DOS SENTIDOS (versos 60 a 72)

60. Os sentidos são tão fortes e impetuosos, ó Arjuna, que arrebatam à força
mesmo a mente de um homem de discriminação que se esforça por controlá-los.
61. Aquele que restringe os sentidos, mantendo-os sob completo controle, e fixa
sua consciência em Mim, é conhecido como homem de inteligência estável.
62. Enquanto contempla os objetos dos sentidos, a pessoa desenvolve apego a
eles, e de tal apego se desenvolve a luxúria, e da luxúria surge a ira.
63. Da ira, surge completa ilusão, e da ilusão, a confusão da memória. Quando a
memória está confusa, perde-se a inteligência, e ao perder a inteligência, cai-se de
novo no poço material.
64. Mas quem está livre de todo o apego e aversão e é capaz de controlar seus
sentidos através dos princípios reguladores com os quais se obtém a liberdade,
pode receber a completa misericórdia do Senhor.
65. Para alguém que sente essa alegria, as três classes de misérias da existência
material deixam de existir; nessa consciência jubilosa, a inteligência logo torna-se
resoluta.
66. Quem não está vinculado ao Supremo não pode ter inteligência transcendental
nem mente estável, sem as quais não há possibilidade de paz. E como pode haver
alguma felicidade sem paz?
67. Assim como um vento forte arrasta um barco na água, mesmo um só dos
sentidos errantes em que a mente se detenha pode arrebatar a inteligência de um
homem.
68. Portanto, ó pessoa de braços poderosos, o indivíduo cujos sentidos são
restringidos de seus objetos com certeza tem a inteligência estável.
69. Aquilo que é noite para todos os seres é a hora de despertar para o
autocontrolado; e a hora de despertar para todos os seres é noite para o sábio
introspectivo.
70. Só quem não se perturba com o incessante fluxo de desejos – que são como
rios que entram no oceano, que está sempre sendo enchido mas nunca se agita –
pode alcançar a paz, e não o homem que luta para satisfazer esses desejos.
71. Aquele que abandonou todos os desejos de gozo dos sentidos, que vive livre de
desejos, que abandonou todo o sentimento de propriedade e não tem ego falso –
só ele pode conseguir a paz verdadeira.
72. Este é o caminho da vida espiritual e piedosa, e o homem que a alcança não se
confunde. Se, mesmo somente à hora da morte, ele atinge essa posição, pode
entrar no reino de Deus.

* * *
CAPÍTULO III
Karma-yoga

Pérola 17. SEGUINDO A PRÓPRIA NATUREZA (versos 1 a 8)

1. Arjuna disse: Ó Janardana, ó Keshava, por que queres ocupar-me nesta guerra
terrível, se achas que a inteligência é melhor do que o trabalho fruitivo?
2. Minha inteligência ficou confusa com Tuas instruções equívocas. Portanto, dize-
me definitivamente o que me será mais benéfico.
3. A Suprema Personalidade de Deus disse: Ó virtuoso Arjuna, acabei de explicar
que há duas classes de homens que tentam compreender o eu. Alguns se inclinam
a compreendê-lo pela especulação filosófica empírica, e outros, pelo serviço
devocional.
4. Não é possível livrar-se da reação só porque se deixa de agir, nem pode alguém
atingir a perfeição só porque pratica a renúncia.
5. Todos são irremediavelmente forçados a agir segundo as qualidades que
adquirem nos modos da natureza material; portanto, ninguém pode deixar de fazer
algo, nem mesmo por um momento.
6. Aquele que impede os sentidos de agir, mas não afasta sua mente dos objetos
dos sentidos, decerto ilude a si mesmo e não passa de um impostor.
7. Por outro lado, se uma pessoa sincera utiliza a mente para tentar controlar os
sentidos ativos e passa então a praticar karma-yoga sem apego, ela é muito
superior.
8. Executa teu dever prescrito, pois este procedimento é melhor do que não
trabalhar. Sem trabalho, não se pode nem ao menos manter o corpo físico.

Pérola 18. A IMPORTÂNCIA DO SACRIFÍCIO (versos 9 a 16)

9. Deve-se realizar o trabalho como um sacrifício a Vishnu; caso contrário, o


trabalho produz cativeiro neste mundo material. Portanto, ó filho de Kunti, executa
teus deveres prescritos para a satisfação dEle, e desta forma sempre permanecerás
livre do cativeiro.
10. No início da criação, o Senhor de todas as criaturas enviou muitas gerações de
homens e semideuses, que deveriam dedicar-se a executar sacrifícios para Vishnu,
e abençoou-os dizendo: “Sede felizes com este yajña (sacrifício) porque sua
execução outorgar-vos-á tudo o que é desejável para viverdes com felicidade e
alcançardes a liberação”.
11. Os semideuses, estando contentes com os sacrifícios, também vos agradarão, e
assim, pela cooperação entre homens e semideuses, a prosperidade reinará para
todos.
12. Cuidando das várias necessidades da vida, os semideuses, estando satisfeitos
com a realização de sacrifício, suprirão todas as vossas necessidades. Mas aquele
que desfruta destas dádivas sem oferecê-las aos semideuses como reconhecimento
é certamente um ladrão.
13. Os devotos do Senhor libertam-se de todas as espécies de pecados porque
comem alimento que primeiramente é oferecido como sacrifício. Outros, que
preparam alimento para o próprio gozo dos sentidos, na verdade comem apenas
pecado.
14. Todos os corpos vivos subsistem de grãos alimentícios, que são produzidos das
chuvas. As chuvas são produzidas pela execução de sacrifício, e o sacrifício nasce
dos deveres prescritos.
15. As atividades reguladas são prescritas nos Vedas, e os Vedas manifestam-se
diretamente da Suprema Personalidade de Deus. Por conseguinte, a
Transcendência onipenetrante situa-Se eternamente nos atos de sacrifício.
16. Meu querido Arjuna, aquele que, na vida humana, não segue esse ciclo de
sacrifício estabelecido pelos Vedas certamente leva uma vida cheia de pecado.
Vivendo só para a satisfação dos sentidos, tal pessoa vive em vão.

Pérola 19. PARA A ALMA AUTO-REALIZADA NÃO HÁ DEVER (versos 17 a


20)

17. Mas para quem sente prazer no eu e utiliza a vida humana para buscar a auto-
realização, satisfazendo-se apenas com o eu, ficando plenamente saciado – para
ele não há dever.
18. Um homem auto-realizado não tem propósito a cumprir no desempenho de
seus deveres prescritos, tampouco tem ele alguma razão para não executar tal
trabalho. Nem tem ele necessidade alguma de depender de nenhum outro ser
vivo.
19. Portanto, sem se apegar aos frutos das atividades, tem-se de agir por uma
questão de dever, pois, trabalhando sem apego, alcança-se o Supremo.
20. Reis tais como Janaka alcançaram a perfeição com a simples execução dos
deveres prescritos. Portanto, apenas para educar o povo em geral, deves executar
teu trabalho.

Pérola 20. O COMPORTAMENTO EXEMPLAR DO SENHOR KRISHNA (versos


21 a 24)

21. Seja qual for a ação executada por um grande homem, os homens comuns
seguem, e o mundo inteiro procura imitar todos os padrões que ele estabelece
através de seus atos exemplares.
22. Ó filho de Pritha, não há trabalho prescrito para Mim dentro de todos os três
sistemas planetários. Nem sinto falta de nada, nem tenho necessidade de obter
algo – e mesmo assim ocupo-Me nos deveres prescritos.
23. Pois, se alguma vez Eu deixasse de ocupar-Me na cuidadosa execução dos
deveres prescritos, ó Partha, todos os homens decerto seguiriam Meu caminho.
24. Se Eu não executasse os deveres prescritos, todos estes mundos seriam
levados à ruína. Eu causaria a criação de população indesejada, e com isso Eu
destruiria a paz de todos os seres vivos.

Pérola 21. A AÇÃO DO SÁBIO E A AÇÃO DO IGNORANTE (versos 25 a 35)

25. Assim como os ignorantes executam seus deveres com apego aos resultados,
os eruditos também podem agir, mas sem apego, com o propósito de conduzir as
pessoas para o caminho correto.
26. Para não perturbar as mentes dos homens ignorantes apegados aos resultados
fruitivos dos deveres prescritos, o sábio não deve induzi-los a parar de trabalhar.
Ao contrário, trabalhando com espírito de devoção, ele deve ocupá-los em todas as
espécies de atividades para que pouco a pouco desenvolvam a consciência de
Krishna.
27. Confusa, a alma espiritual que está sob a influência do ego falso julga-se a
autora das atividades que, de fato, são executadas pelos três modos da natureza
material.
28. Quem tem conhecimento da Verdade Absoluta, ó pessoa de braços poderosos,
não se ocupa a serviço dos sentidos e do gozo dos sentidos, pois conhece bem as
diferenças entre trabalho com devoção e trabalho em busca de resultados fruitivos.
29. Confundidos pelos modos da natureza material, os ignorantes ocupam-se
plenamente em atividades materiais e tornam-se apegados. Mas os sábios não
devem inquietá-los, embora estes deveres sejam inferiores por causa da falta de
conhecimento daqueles que os executam.
30. Portanto, ó Arjuna, ofertando-Me todos os teus trabalhos, com pleno
conhecimento de Mim, sem desejos de lucro, sem alegares ter alguma posse, e
livre da letargia, luta.
31. Aqueles que cumprem seus deveres de acordo com Meus preceitos e que sem
inveja seguem fielmente este ensinamento livram-se do cativeiro das ações
fruitivas.
32.Mas aqueles que, por inveja, rejeitam estes ensinamentos e não os seguem
devem ser considerados desprovidos de todo o conhecimento, enganados e
malogrados em seus esforços pela perfeição.
33. Até mesmo um homem de conhecimento age segundo sua própria natureza,
pois cada qual segue a natureza que adquiriu dos três modos. Que se pode
conseguir com a repressão?
34. Há princípios que servem para regular o apego e a aversão relacionados com os
sentidos e seus objetos. Ninguém deve ficar sob o controle desse apego e aversão,
porque são obstáculos no caminho da auto-realização.
35. É muito melhor cumprir os próprios deveres prescritos, embora com defeito, do
que executar com perfeição os deveres alheios. A destruição durante o
cumprimento do próprio dever é melhor do que ocupar-se nos deveres alheios, pois
seguir o caminho dos outros é perigoso.

Pérola 22. O INIMIGO INSACIÁVEL CHAMADO LUXÚRIA (versos 36 a 46)

36. Arjuna disse: Ó descendente de Vrishni, que impele alguém a atos


pecaminosos, mesmo contra a sua vontade, como se ele agisse à força?
37. A Suprema Personalidade de Deus disse: É somente a luxúria, Arjuna, que
nasce do contato com o modo material da paixão e mais tarde se transforma em
ira, e que é o inimigo pecaminoso que tudo devora neste mundo.
38. Assim como a fumaça cobre o fogo, o pó cobre um espelho ou um ventre cobre
um embrião, diferentes graus de luxúria cobrem o ser vivo.
39. Assim, a consciência pura da entidade viva sábia é coberta por seu eterno
inimigo sob a forma de luxúria, que nunca é satisfeita e queima como o fogo.
40. Os sentidos, a mente e a inteligência são os lugares que servem de assento
para esta luxúria. Através deles, a luxúria confunde o ser vivo e obscurece o
verdadeiro conhecimento que ele possui.
41. Portanto, ó Arjuna, ó melhor dos Bharatas, desde o começo, refreia este grande
símbolo do pecado (a luxúria), regulando os sentidos, e aniquila este destruidor do
conhecimento e da auto-realização.
42. Os sentidos funcionais são superiores à matéria bruta; a mente é superior aos
sentidos; por sua vez, a inteligência é mais elevada do que a mente; e ela (a alma)
é superior à inteligência.
43. Assim, sabendo que é transcendental aos sentidos, à mente e à inteligência
materiais, ó Arjuna de braços poderosos, a pessoa deve equilibrar a mente por
meio de deliberada inteligência espiritual (consciência de Krishna) e assim – pela
força espiritual – vencer este inimigo insaciável conhecido como luxúria.
CAPÍTULO IV
O Conhecimento Transcendental

Perola 23. O MISTÉRIO DA CIÊNCIA DO GITA (versos 1 a 3)

1. A Personalidade de Deus, o Senhor Sri Krishna, disse: Ensinei esta imperecível


ciência da yoga ao deus do Sol, Vivasvan, e Vivasvan ensinou-a a Manu, o pai da
humanidade, e Manu, por sua vez, ensinou-a a Iksvaku.
2. Esta ciência suprema foi então recebida através da corrente de sucessão
discipular, e os reis santos compreenderam-na dessa maneira. Porém, com o
passar do tempo, a sucessão foi interrompida, e portanto a ciência como ela é
parece ter-se perdido.
3. Esta antiquíssima ciência da relação com o Supremo é falada hoje a ti por Mim
porque és Meu devoto bem como Meu amigo e podes portanto entender o mistério
transcendental que há nesta ciência.

Pérola 24. A NATUREZA TRANSCENDENTAL DO SENHOR (versos 4 a 6)

4. Arjuna disse: O deus do Sol, Vivasvan, nasceu antes de Ti. Como poderei
entender que, no começo, ensinaste-lhe esta ciência?
5. A Personalidade de Deus disse: Tu e Eu já passamos por muitos e muitos
nascimentos. Posso lembrar-Me de todos eles, mas tu não podes, ó subjugador do
inimigo!
6. Embora Eu seja não nascido e Meu corpo transcendental jamais se deteriore, e
embora Eu seja o Senhor de todas as entidades vivas, mesmo assim, em cada
milênio Eu apareço sob Minha forma transcendental original.

Pérola 25. O PROPÓSITO DO APARECIMENTO DO SENHOR (versos 7 a 11)

7. Sempre e onde quer que haja um declínio na prática religiosa, ó descendente de


Bharata, e um aumento predominante da irreligião – neste momento Eu próprio
desço.
8. Para libertar os piedosos e aniquilar os canalhas, bem como para restabelecer os
princípios da religião, Eu mesmo apareço, milênio após milênio.
9. Aquele que conhece a natureza transcendental do Meu aparecimento e
atividades, ao deixar o corpo não volta a nascer neste mundo material, senão que
alcança Minha morada eterna, ó Arjuna.
10. Estando livres do apego, do medo e da ira, estando plenamente absortas em
Mim e refugiando-se em Mim, muitas e muitas pessoas no passado purificaram-se
através do conhecimento a respeito de Mim – e com isso todas alcançaram
transcendental amor por Mim.
11. A todos Eu recompenso proporcionalmente ao grau de sua rendição a Mim. Ó
filho de Pritha, em qualquer circunstância, todos seguem o Meu caminho.

Pérola 26. AS COMPLEXIDADES DA AÇÃO (versos 12 a 24)

12. Neste mundo, os homens desejam sucesso nas atividades fruitivas, e por isso
adoram os semideuses. Rapidamente, é claro, os homens obtêm neste mundo os
resultados do trabalho fruitivo.
13. Conforme os três modos da natureza material e o trabalho referente a eles, as
quatro divisões da sociedade humana são criadas por Mim. E embora Eu seja o
criador deste sistema, deves saber que, sendo Eu imutável, continuo como a
pessoa que não age.
14. Não há trabalho que Me afete; tampouco Eu aspiro aos frutos da ação. Aquele
que entende esta verdade sobre Mim também não se enreda nas reações do
trabalho fruitivo.
15. Em tempos antigos, todas as almas liberadas agiram com esta compreensão
acerca de Minha natureza transcendental. Portanto, deves executar teu dever,
seguindo-lhes os passos.
16. Até mesmo os inteligentes ficam confusos em determinar o que é ação e o que
é inação. Agora, passarei a explicar-te o que é ação, e conhecendo isto te libertarás
de todo o infortúnio.
17. É dificílimo entender as complexidades da ação. Portanto, deve-se saber
apropriadamente o que é ação, o que é ação proibida e o que é inação.
18. Quem vê inação na ação, e ação na inação, é inteligente entre os homens, e
está na posição transcendental, embora ocupado em todas as espécies de
atividades.
19. Tem conhecimento pleno quem, em cada esforço seu, não apresenta desejo de
gozo dos sentidos. Os sábios dizem que tal pessoa é um trabalhador cujas reações
do trabalho foram queimadas pelo fogo do conhecimento perfeito.
20. Abandonando todo o apego aos resultados de suas atividades, sempre satisfeito
e independente, ele não executa nenhuma ação fruitiva, embora ocupado em todas
as espécies de empreendimentos.
21. Tal homem de compreensão age com a mente e a inteligência sob perfeito
controle, deixa de ter qualquer sentimento de propriedade por suas posses e age
apenas para obter as necessidades mínimas da vida. Trabalhando assim, ele não é
afetado por reações pecaminosas.
22. Aquele que se contenta com o ganho que vem automaticamente, que está livre
de dualidade e não inveja, que é estável no sucesso e no fracasso, nunca se
enreda, embora execute ações.
23. O trabalho do homem que não está apegado aos modos da natureza material e
que está situado em pleno conhecimento transcendental imerge por completo na
transcendência.
24. Quem se absorve por completo em consciência de Krishna com certeza
alcançará o reino espiritual por causa de sua plena contribuição às atividades
espirituais, cuja execução é absoluta e nelas tudo o que se oferece é da mesma
natureza espiritual.

Pérola 27. OS DIFERENTES TIPOS DE SACRIFÍCIOS (versos 25 a 33)

25. Alguns yogis adoram perfeitamente os semideuses, oferecendo-lhes diferentes


sacrifícios, e alguns deles oferecem sacrifícios no fogo do Brahman Supremo.
26. Alguns (os brahmacharis verdadeiros) sacrificam a faculdade auditiva e os
sentidos no fogo do controle mental; e outros (os chefes de família regulados)
sacrificam os objetos dos sentidos no fogo dos sentidos.
27. Outros, que se interessam em obter a auto-realização através do controle da
mente e dos sentidos, oferecem as funções de todos os sentidos e do alento vital
como oblações no fogo da mente controlada.
28. Tendo feito votos estritos, alguns se iluminam sacrificando seus bens, e outros,
executando austeridades rigorosas, praticando a yoga do misticismo óctuplo
(astanga-yoga) ou estudando os Vedas para progredir no conhecimento
transcendental.
29. E outros, que estão inclinados ao processo de restrição da respiração para
permanecer em transe, praticam oferecendo no alento inspirado o movimento do
alento expirado, e no alento expirado o alento inspirado, e assim acabam entrando
em transe, suspendendo toda a respiração. Outros, restringindo o processo
alimentar, oferecem como sacrifício o alento expirado neste mesmo alento.
30. Todos estes executores que sabem o significado do sacrifício purificam-se das
reações pecaminosas, e, tendo saboreado o néctar dos resultados dos sacrifícios,
avançam em direção à atmosfera eterna e suprema.
31. Ó melhor da dinastia Kuru, sem sacrifício a pessoa jamais pode viver feliz neste
planeta ou nesta vida; que se dizer da próxima, então?
32. Os Vedas aprovam todos estes diferentes tipos de sacrifício, e todos eles
surgem de diferentes classes de trabalho. Tu te libertarás ao conhecê-los assim.
33. Ó castigador do inimigo, o sacrifício executado com conhecimento é melhor do
que o mero sacrifício dos bens materiais. Afinal de contas, ó filho de Pritha, todos
os sacrifícios do trabalho culminam em conhecimento transcendental.

Pérola 28. A FORÇA DO CONHECIMENTO TRANSCENDENTAL (versos 34 a


42)

34. Tenta aprender a verdade aproximando-te de um mestre espiritual. Faze-lhe


perguntas com submissão e presta-lhe serviço. As almas auto-realizadas te podem
transmitir conhecimento porque viram a verdade.
35. Tendo recebido verdadeiro conhecimento de uma alma auto-realizada, jamais
voltarás a cair nessa ilusão, pois, com este conhecimento, verás que todos os seres
vivos são apenas partes do Supremo, ou, em outras palavras, que eles são Meus.
36. Mesmo que sejas considerado o mais pecaminoso de todos os pecadores,
quando estiveres situado no barco do conhecimento transcendental serás capaz de
cruzar o oceano de misérias.
37. Assim como o fogo ardente transforma a lenha em cinzas, ó Arjuna, do mesmo
modo, o fogo do conhecimento reduz a cinzas todas as reações às atividades
materiais.
38. Neste mundo, não há nada tão sublime e puro como o conhecimento
transcendental. Esse conhecimento é o fruto maduro de todo o misticismo. E aquele
que se familiarizou com a prática do serviço devocional desfruta este conhecimento
dentro de si no devido curso do tempo.
39. Um homem fiel que se dedica ao conhecimento transcendental e que subjuga
seus sentidos está qualificado para conseguir este conhecimento, e, tendo-o
alcançado, obtém rapidamente a paz espiritual suprema.
40. Mas as pessoas ignorantes e sem fé, que duvidam das escrituras reveladas, não
alcançam a consciência de Deus; elas acabam caindo. Para a alma incrédula não há
felicidade nem neste mundo nem no próximo.
41. Aquele que age em serviço devocional, renunciando aos frutos de suas ações, e
cujas dúvidas foram destruídas pelo conhecimento transcendental, está de fato
situado no eu. Assim, ele não está atado às reações do trabalho, ó conquistador de
riquezas.
42. Portanto, as dúvidas que, por ignorância, surgiram em teu coração devem ser
cortadas com a arma do conhecimento. Armado com a yoga, ó Bharata, levanta-te
e luta.

* * *
CAPÍTULO V
Karma-yoga,
Ação em Consciência
de Krishna

Pérola 29. RENÚNCIA AO TRABALHO E O TRABALHO EM DEVOÇÃO (versos


1 a 6)

1. Arjuna disse: Ó Krishna, em primeiro lugar, me pedes que renuncie ao trabalho,


e depois passas a recomendar o trabalho com devoção. Agora, por favor, dize-me
definitivamente qual dos dois é mais benéfico!
2. A Personalidade de Deus respondeu: A renúncia ao trabalho e o trabalho em
devoção são bons para obter a liberação. No entanto, entre os dois, o trabalho em
serviço devocional é melhor do que a renúncia ao trabalho.
3. Sabe-se que é sempre renunciado aquele que não odeia nem deseja os frutos de
suas atividades. Tal pessoa, livre de todas as dualidades, supera facilmente o
cativeiro material e é inteiramente liberada, ó Arjuna de braços poderosos.
4. Só os ignorantes dizem que o serviço devocional (karma-yoga) é diferente do
estudo analítico do mundo material (sankhya). Aqueles que são eruditos de
verdade afirmam que quem segue com afinco um destes caminhos consegue os
resultados de ambos.
5. Aquele que sabe que a posição alcançada por meio do estudo analítico também
pode ser conseguida através do serviço devocional, e que portanto vê o estudo
analítico e o serviço devocional como estando no mesmo nível, vê as coisas como
elas são.
6. Ninguém pode ser feliz só por renunciar a todas as atividades sem se ocupar no
serviço devocional ao Senhor. Mas quem é introspectivo, que se ocupa no serviço
devocional, pode alcançar o Supremo sem demora.

Pérola 30. OFERECENDO O RESULTADO DAS ATIVIDADES (versos 7 a 12)

7. Aquele que trabalha com devoção, que é uma alma pura e que controla a mente
e os sentidos, é querido por todos, e todos lhe são queridos. Embora sempre
trabalhe, essa pessoa nunca se enreda.
8-9. Embora ocupado em ver, ouvir, tocar, cheirar, comer, locomover-se, dormir e
respirar, quem tem consciência divina sempre sabe dentro de si que na verdade
não faz absolutamente nada. Porque enquanto fala, evacua, recebe, ou abre ou
fecha os olhos, ele sempre sabe que só os sentidos materiais estão ocupados com
seus objetos ao passo que ele é distinto de tudo.
10. Aquele que executa seu dever sem apego, entregando os resultados ao Senhor
Supremo, não é afetado pela ação pecaminosa, assim como a folha de lótus não é
tocada pela água.
11. Os yogis, abandonando o apego, agem com o corpo, a mente, a inteligência e
mesmo com os sentidos, com o único propósito de se purificarem.
12. A alma firmemente devotada alcança paz inadulterada porque Me oferece os
resultados de todas as atividades; mas quem não está em união com o Divino, que
cobiça os frutos de sua labuta, fica enredado.
Pérola 31. O SÁBIO DE VISÃO EQUÂNIME (versos 13 a 19)

13. Ao controlar sua natureza e renunciar mentalmente a todas as ações, o ser vivo
corporificado reside feliz na cidade de nove portões (o corpo material), onde não
trabalha nem faz com que se execute trabalho.
14. O espírito corporificado, senhor da cidade de seu corpo, não cria atividades,
nem induz as pessoas a agir, nem cria os frutos da ação. Tudo isto é designado
pelos modos da natureza material.
15. Tampouco o Senhor Supremo assume as atividades pecaminosas ou piedosas
de alguém. No entanto, os seres corporificados ficam confusos por causa da
ignorância que lhes cobre o verdadeiro conhecimento.
16. Quando, porém, a pessoa é iluminada com o conhecimento pelo qual a
ignorância é destruída, então, seu conhecimento revela tudo, assim como o Sol
ilumina tudo durante o dia.
17. Quando a inteligência, a mente, a fé e o refúgio de alguém estão todos fixos no
Supremo, então, através do conhecimento pleno, ele purifica-se por completo dos
receios e desse modo prossegue resoluto no caminho da liberação.
18. Os sábios humildes, em virtude do conhecimento verdadeiro, vêem com a
mesma visão um brahmana erudito e cortês, uma vaca, um elefante, um cachorro
e um comedor de cachorro (pária).
19. Aqueles cujas mentes estão estabelecidas em igualdade e equanimidade já
subjugaram as condições de nascimento e morte. Eles são perfeitos como o
Brahman, e desse modo já estão situados no Brahman.

Pérola 32. A ALMA LIBERADA E SUA FELICIDADE INTERIOR (versos 20 a


29)

20. Aquele que não se regozija ao conseguir algo agradável nem se lamenta ao
obter algo desagradável, que é inteligente em assuntos relacionados ao eu, que não
se confunde, e que conhece a ciência de Deus, já está situado na transcendência.
21. Semelhante pessoa liberada não se deixa atrair pelo prazer dos sentidos
materiais, mas está sempre em transe, gozando o prazer interior. Desse modo, a
pessoa auto-realizada sente felicidade ilimitada, pois se concentra no Supremo.
22. A pessoa inteligente não participa das fontes de misérias , que se devem ao
contato com os sentidos materiais. Ó filho de Kunti, esses prazeres têm um começo
e um fim, e por isso os sábios não se deleitam com eles.
23. Antes de abandonar o corpo atual, se alguém for capaz de tolerar os impulsos
dos sentidos materiais e conter a força do desejo e da ira, ficará em situação
privilegiada e será feliz neste mundo.
24. Aquele cuja felicidade é interior, que é ativo e se regozija dentro de si, e cujo
objetivo volta-se para o seu próprio íntimo é de fato o místico perfeito. Ele liberta-
se no Supremo e por fim alcança o Supremo.
25. Aqueles que estão além das dualidades que surgem das dúvidas, cujas mentes
estão voltadas para si, que vivem atarefados, trabalhando para o bem-estar de
todos os seres vivos, e que estão livres de todos os pecados libertam-se no
Supremo.
26. Aqueles que estão livres da ira e de todos os desejos materiais, que são auto-
realizados, autodisciplinados e empreendem um constante esforço em busca da
perfeição, ficam garantidos de libertarem-se no Supremo num futuro muito
próximo.
27-28. Repelindo todos os objetos sensoriais externos, mantendo os olhos e a visão
concentrados entre as duas sobrancelhas, suspendendo dentro das narinas os
alentos que entram e que saem, e assim controlando a mente, os sentidos e a
inteligência, o transcendentalista que visa à liberação livra-se do desejo, do medo e
da ira. Alguém que está sempre neste estado decerto é liberado.
29. Quem tem plena consciência de Mim, conhecendo-Me como o beneficiário
último de todos os sacrifícios e austeridades, o Senhor Supremo de todos os
planetas e semideuses, e o benfeitor e benquerente de todas as entidades vivas,
alivia-se das dores e misérias materiais.

* * *
CAPÍTULO VI
Dhyana-yoga

Pérola 33. A MENTE COMO AMIGA OU INIMIGA (versos 1 a 9)

1. A Suprema Personalidade de Deus disse: Aquele que não está apegado aos
frutos de seu trabalho e que trabalha conforme sua obrigação está na ordem de
vida renunciada e é um místico de verdade, e não aquele que não acende nenhum
fogo nem cumpre dever algum.
2. Fica sabendo que aquilo que se chama renúncia é o mesmo que yoga, ou união
com o Supremo, ó filho de Pandu, pois só pode tornar-se um yogi quem renuncia
ao desejo de gozo dos sentidos.
3. Afirma-se que quem é neófito no sistema ióguico óctuplo recorre ao trabalho;
mas quem já está elevado em yoga atua através da cessação de todas as
atividades materiais.
4. Diz-se que alguém está elevado em yoga quando, tendo renunciado a todos os
desejos materiais, não age em troca de gozo dos sentidos nem se ocupa em
atividades fruitivas.
5. Com a ajuda de sua mente, a pessoa deve libertar-se, e não degradar-se. A
mente é amiga da alma condicionada, e sua inimiga também.
6. Para aquele que conquistou a mente, a mente é o melhor dos amigos; mas para
quem fracassou nesse empreendimento, sua mente continuará sendo seu maior
inimigo.
7. Quem conquistou a mente já alcançou a Superalma, pois vive com tranquilidade.
Para ele, felicidade e tristeza, calor e frio, honra e desonra é tudo o mesmo.
8. Diz-se que alguém está estabelecido em auto-realização e se chama um yogi (ou
místico) quando está plenamente satisfeito em virtude do conhecimento e
percepção adquiridos. Ele está situado em transcendência e é autocontrolado. Ele
vê tudo – seixos, pedras ou ouro – como a mesma coisa.
9. Considera-se que tem maior avanço quem vê benquerentes honestos,
benfeitores afetuosos, os neutros, os mediadores, os invejosos, amigos e inimigos,
os piedosos e os pecadores – todos com mente igual.

Pérola 34. AS TÉCNICAS DA DHYANA-YOGA (versos 10-18)

10. O transcendentalista deve sempre ocupar seu corpo, mente e ego em


atividades relacionadas com o Supremo; ele deve viver sozinho num lugar isolado e
deve sempre ter todo o cuidado de controlar a mente. Ele deve estar livre de
desejos e sentimentos de posse.
11-12. Para praticar yoga, é necessário dirigir-se a um lugar isolado e colocar
grama kusha no chão e depois cobri-la com pele de veado e pano macio. O assento
não deve ser nem muito alto nem muito baixo e deve estar situado num lugar
sagrado. O yogi deve então sentar-se nele mui firmemente e praticar yoga para
purificar o coração, controlando a mente, os sentidos e as atividades e fixando a
mente num único ponto.
13-14. Deve-se manter o corpo, pescoço e cabeça eretos, conservando-os em linha
reta, e deve-se olhar fixamente para a ponta do nariz. Assim, com a mente plácida
e subjugada, sem medo, livre por completo da vida sexual, deve-se meditar em
Mim dentro do coração e ver a Mim como a meta última da vida.
15. Praticando esse constante controle do corpo, da mente e das atividades, o
transcendentalista místico, com sua mente regulada, alcança o reino de Deus
através da cessação da existência material.
16. Não há possibilidade de alguém tornar-se yogi, ó Arjuna, se come em demasia
ou muito pouco, se dorme demais ou não dorme o bastante.
17. Aquele que é regulado em seus hábitos de comer, dormir, divertir-se e
trabalhar pode mitigar todas as dores materiais, praticando o sistema de yoga.
18. Quando o yogi, pela prática da yoga, disciplina suas atividades mentais e se
situa na transcendência – desprovido de todos os desejos materiais –, diz-se que
está bem estabelecido em yoga.
19. Assim como uma candeia não tremula num lugar sem vento, do mesmo modo,
o transcendentalista, que tem a mente controlada, permanece sempre fixo em sua
meditação no eu transcendental.
20-23. Na etapa de perfeição chamada transe, ou samadhi, a mente abstém-se por
completo das atividades mentais materiais pela prática de yoga. Caracteriza esta
perfeição o fato de se poder ver o eu com a mente pura e sentir sabor e regozijo no
eu. Neste estado jubiloso, o yogi situa-se em felicidade transcendental ilimitada,
percebida através de sentidos transcendentais. Nesse caso, ele jamais se afasta da
verdade, e, ao obter isto, vê que não há ganho maior. Situando-se nessa posição,
ele nunca se deixa abalar, mesmo em meio às maiores dificuldades. Esta é a
verdadeira maneira de alguém livrar-se de todas as misérias surgidas do contato
material.
24. É necessário ocupar-se na prática de yoga com determinação e fé, e não se
desviar do caminho. Devem-se abandonar, sem exceção, todos os desejos
materiais nascidos da especulação mental e desse modo controlar com a mente
todos os sentidos por todos os lados.
25. Aos poucos, passo a passo, o yogi deve se situar em transe por meio da
inteligência alimentada de convicção plena, e assim a mente deve fixar-se no eu
apenas e não deve pensar em mais nada.
26. Sempre que a mente divague devido à sua natureza instável e inconstante,
deve-se com certeza coibi-la e colocá-la sob o controle do eu.

Pérola 35. O YOGI E SUA VISÃO DE IGUALDADE (versos 27 a 32)

27. O yogi cuja mente está fixa em Mim alcança deveras a mais elevada perfeição
da felicidade transcendental. Ele está além do modo da paixão, percebe sua
identidade qualitativa com o Supremo, e assim livra-se de todas as reações a atos
passados.
28. Assim, o yogi autocontrolado, constantemente ocupado na prática de yoga,
livra-se de toda a contaminação material e alcança a etapa mais elevada – a
felicidade perfeita no transcendental serviço amoroso ao Senhor.
29. Um yogi de verdade Me observa em todos os seres e também vê todos os seres
em Mim. De fato, a pessoa auto-realizada vê a Mim, o mesmíssimo Senhor
Supremo, em toda parte.
30. Aquele que Me vê em toda parte e vê tudo em Mim jamais Me deixa, tampouco
eu o deixo.
31. Semelhante yogi, que se ocupa no adorável serviço à Superalma, sabendo que
Eu e a Superalma somos um, sempre permanece em Mim em todas as
circunstâncias.
32. Yogi perfeito é aquele que, através da comparação com o seu próprio eu, vê a
verdadeira igualdade de todos os seres, quer se sintam felizes ou infelizes, ó
Arjuna!

Pérola 36. ARJUNA REJEITA A DHYANA-YOGA (versos 33 a 36)

33. Arjuna disse: Ó Madhusudana, o sistema de yoga que resumiste parece-me


impraticável e inviável, pois a mente é inquieta e instável.
34. Pois a mente é inquieta, turbulenta, obstinada e muito forte, ó Krishna, e
parece-me que subjugá-la é mais difícil do que controlar o vento.
35. O Senhor Sri Krishna disse: Ó poderosíssimo filho de Kunti, é sem dúvida muito
difícil refrear a mente inquieta, mas isso é possível pela prática adequada e pelo
desapego.
36. Para alguém cuja mente é desenfreada, a auto-realização é tarefa difícil. Mas
aquele cuja mente é controlada e que se empenha com meios apropriados com
certeza terá sucesso. Esta é a Minha opinião.

Pérola 37. O DESTINO DO YOGI MALSUCEDIDO (versos 37 a 47)

37. Arjuna disse: Ó Krishna, qual é o destino do transcendentalista malogrado, que


no começo adota com fé o processo da auto-realização, mas que mais tarde desiste
devido à mentalidade mundana e desse modo acaba não alcançando a perfeição no
misticismo?
38. Ó Krishna de braços poderosos, será que semelhante homem, que se afasta do
caminho da transcendência, não estraga seu sucesso espiritual e material e
sucumbe como uma nuvem destroçada, sem nenhuma posição em esfera alguma?
39. Esta é a minha dúvida, ó Krishna, e peço-Te que a suprimas por completo. À
exceção de Ti, não se pode encontrar ninguém que possa dirimir esta dúvida.
40. A Suprema Personalidade de Deus disse: Filho de Pritha, um transcendentalista
ocupado em atividades auspiciosas não sofre destruição nem neste mundo nem no
mundo espiritual; quem faz o bem, Meu amigo, jamais é vencido pelo mal.
41. Após muitos e muitos anos de gozo nos planetas habitados por entidades vivas
piedosas, o yogi malogrado nasce numa família de pessoas virtuosas ou numa
família de rica aristocracia.
42. Ou (se fracassa após longa prática de yoga) ele nasce numa família de
transcendentalistas que com certeza têm muita sabedoria. É claro que semelhante
nascimento é raro neste mundo.
43. Obtendo esse nascimento, ele revive a consciência divina de sua vida anterior e
volta a tentar o prosseguimento do seu avanço para conseguir sucesso completo, ó
filho de Kuru.
44. Em virtude da consciência divina de sua vida anterior, ele automaticamente
sente-se atraído aos princípios ióguicos – mesmo sem procurá-los. Esse
transcendentalista inquisitivo sempre fica acima dos princípios ritualísticos das
escrituras.
45. E quando com esforço sincero o yogi ocupa-se em continuar progredindo,
limpando-se de todas as contaminações, então afinal atinge a meta suprema,
alcançando a perfeição depois de praticar durante muitos e muitos nascimentos.
46. Um yogi é maior do que o asceta, maior do que o empirista e maior do que o
trabalhador fruitivo. Portanto, ó Arjuna, em todas as circunstâncias, sê um yogi.
47. E de todos os yogis, aquele que tem muita fé e sempre se refugia em Mim,
pensa em Mim dentro de si mesmo e Me presta transcendental serviço amoroso – é
o mais intimamente unido a Mim em yoga e é o mais elevado de todos. Esta é a
Minha opinião.

* * *
CAPÍTULO VII
O Conhecimento Acerca
do Absoluto

Pérola 38. O CONHECIMENTO DO ABSOLUTO (versos 1 a 14)

1. A Suprema Personalidade de Deus disse: Agora presta atenção, ó filho de Pritha,


enquanto te explico como é que, praticando yoga com plena consciência de Mim,
com a mente apegada a Mim, podes ficar livre das dúvidas e conhecer-Me por
completo.
2. Agora te declararei na íntegra este conhecimento, tanto fenomenal quanto
numenal. Conhecendo isto, nada mais te restará saber.
3. Dentre muitos milhares de homens, talvez haja um que se esforce para obter
perfeição, e dentre aqueles que alcançaram a perfeição, é difícil encontrar um que
Me conheça de verdade.
4. Terra, água, fogo, ar, éter, mente, inteligência e ego falso – juntos, todos estes
oito elementos formam Minhas energias materiais separadas.
5. Além dessas, ó Arjuna de braços poderosos, existe outra energia, Minha energia
superior, que consiste nas entidades vivas que exploram os recursos dessa
natureza material inferior.
6. Todos os seres criados têm sua fonte nestas duas naturezas. Fica sabendo com
toda a certeza que Eu sou a origem e a dissolução de tudo o que é material e de
tudo o que é espiritual neste mundo.
7. Ó conquistador de riquezas, não há verdade superior a Mim. Tudo repousa em
Mim, como pérolas ensartadas num cordão.
8. Ó filho de Kunti, Eu sou o sabor da água, a luz do Sol e da Lua, a sílaba om nos
mantras védicos; Eu sou o som no éter e a habilidade no homem.
9. Eu sou a fragrância original da terra e sou o calor no fogo. Eu sou a vida de tudo
o que vive e sou as penitências de todos os ascetas.
10. Ó filho de Pritha, fica sabendo que Eu sou a semente da qual se originam todas
as existências, sou a inteligência dos inteligentes e o poder de todos os homens
poderosos.
11. Eu sou a força dos fortes, desprovida de paixão e desejo. Eu sou a vida sexual
que não é contrária aos princípios religiosos, ó Arjuna.
12. Fica sabendo que todos os estados de existência – sejam eles em bondade,
paixão ou ignorância – manifestam-se por Minha energia. Em certo sentido, Eu sou
tudo, mas Eu sou independente. Eu não estou sob a influência dos modos da
natureza material, porque eles, ao contrário, estão dentro de Mim.
13. Iludido pelos três modos, o mundo inteiro não conhece a Mim, que estou acima
dos modos e sou inesgotável.
14. Esta Minha energia divina, que consiste nos três modos da natureza material, é
difícil de ser suplantada. Mas aqueles que se renderam a Mim podem facilmente
transpô-la.

Pérola 39. AS 4 CLASSES DE HOMENS PIEDOSOS E IMPIEDOSOS (versos 15


a 19)

15. Os canalhas que são grosseiros e tolos, que são os mais baixos da humanidade,
cujo conhecimento é roubado pela ilusão e que compartilham da natureza ateísta
dos demônios, não se rendem a Mim.
16. Ó melhor entre os Bharatas, quatro classes de homens piedosos passam a Me
prestar serviço devocional – o aflito, o que deseja riquezas, o inquisitivo e o que
busca conhecer o Absoluto.
17. Destes, aquele que tem conhecimento pleno e está sempre ocupado em serviço
devocional puro é o melhor. Pois Eu lhe sou muito querido, e ele Me é querido.
18. Todos esses devotos são sem dúvida almas magnânimas, mas aquele que
cultiva conhecimento acerca de Mim, Eu o considero como sendo tal qual Eu
mesmo. Ocupando-se em Me prestar serviço transcendental, ele com certeza Me
alcançará, e esta é a meta mais elevada e perfeita.
19. Após muitos nascimentos e mortes, aquele que tem verdadeiro conhecimento
rende-se a Mim, sabendo que sou a causa de todas as causas e de tudo o que
existe. É muito raro encontrar semelhante grande alma.

Pérola 40. OS MENOS INTELIGENTES ADORAM OS SEMIDEUSES (versos 20


a 23)

20. Aqueles cuja inteligência foi roubada pelos desejos materiais rendem-se aos
semideuses e prestam adoração através de determinadas regras e regulações que
se coadunam com suas próprias naturezas.
21. Eu estou no coração de todos como a Superalma. Logo que alguém deseja
adorar algum semideus, Eu fortifico sua fé para que ele possa se devotar a essa
deidade específica.
22. Munido dessa fé, ele se empenha em adorar um semideus específico e realiza
seus desejos. Mas na verdade, estes benefícios são concedidos apenas por Mim.
23. Homens de pouca inteligência adoram os semideuses, e seus frutos são
limitados e temporários. Aqueles que adoram os semideuses vão para os planetas
dos semideuses, mas Meus devotos acabam alcançando Meu planeta supremo.

Pérola 41. A COMPREENSÃO SOBRE O ABSOLUTO (versos 24 a 30)

24. Homens sem inteligência, que não Me conhecem perfeitamente, pensam que
Eu, a Suprema Personalidade de Deus, Krishna, era impessoal e depois assumi esta
personalidade. Devido a seu conhecimento escasso, eles não conhecem Minha
natureza superior, que é imperecível e suprema.
25. Eu nunca Me manifesto aos tolos e aos menos inteligentes. Para eles, Eu estou
coberto por Minha potência interna, e portanto eles não sabem que Eu sou não-
nascido e infalível.
26. Ó Arjuna, como a Suprema Personalidade de Deus, sei tudo o que aconteceu no
passado, tudo o que está acontecendo no presente e tudo o que ainda vai
acontecer. Conheço também todas as entidades vivas; mas a Mim ninguém Me
conhece.
27. Ó descendente de Bharata, ó vencedor do inimigo, todas as entidades vivas
nascem em ilusão, confundidas pelas dualidades surgidas do desejo e do ódio.
28. Aqueles que agiram piedosamente tanto nessa vida quanto em vidas passadas
e cujas ações pecaminosas se erradicaram por completo livram-se da ilusão
manifesta sob a forma de dualidades e ocupam-se em servir-Me com
determinação.
29. Os homens inteligentes que buscam libertar-se da velhice e da morte refugiam-
se em Mim, prestando serviço devocional. Eles de fato são Brahman porque
conhecem inteiramente tudo sobre as atividades transcendentais.
30. Aqueles que estão em plena consciência de Mim, que sabem que Eu, o Senhor
Supremo, sou o princípio governante da manifestação material, dos semideuses e
de todos os métodos de sacrifício, podem, mesmo ao chegar a hora da morte,
compreender e conhecer a Mim, a Suprema Personalidade de Deus.
CAPÍTULO VIII
Alcançando o Supremo

Pérola 42. O SENHOR DOS SACRIFÍCIOS (versos 1 a 4)

1. Arjuna perguntou: Ó meu Senhor, ó Pessoa Suprema, que é Brahman? Que é o


eu? Que são atividades fruitivas? Que é esta manifestação material? E que são os
semideuses? Por favor, explica-me isto.
2. Quem é o Senhor do sacrifício, e como Ele vive no corpo, ó Madhusudana? E
como é que aqueles ocupados em serviço devocional podem conhecer-Te ao chegar
a hora da morte?
3. Suprema Personalidade de Deus disse: A entidade viva transcendental e
indestrutível chama-se Brahman, e sua natureza eterna chama-se adhyatma, o eu.
A ação que desencadeia o desenvolvimento dos corpos materiais das entidades
vivas chama-se karma, ou atividades fruitivas.
4. Ó melhor dos seres corporificados, a natureza física, que está constantemente
mudando, chama-se adhibhuta (a manifestação material). A forma universal do
Senhor, que inclui todos os semideuses, tais como o Sol e a Lua, chama-se
adhidaiva. E Eu, o Senhor Supremo, representado como Superalma no coração de
cada ser corporificado, sou chamado adhiyajña (o Senhor do sacrifício).

Pérola 43. LEMBRANDO-SE DO SENHOR NA HORA DA MORTE (versos 5 a


10)

5. E todo aquele que, no fim de sua vida, abandone seu corpo, lembrando-se
unicamente de Mim, no mesmo instante alcança Minha natureza. Quanto a isto não
há dúvidas.
6. Qualquer que seja o estado de existência de que alguém se lembre ao deixar o
corpo, ó filho de Kunti, esse mesmo estado ele alcançará impreterivelmente.
7. Portanto, Arjuna, deves sempre pensar em Mim sob a forma de Krishna e ao
mesmo tempo cumprir teu dever prescrito de lutar. Com tuas atividades dedicadas
a Mim e tua mente e inteligência fixas em Mim, não há dúvida de que Me
alcançarás.
8. Aquele que, meditando em Mim como a Suprema Personalidade de Deus, sempre
ocupa sua mente em lembrar-se de Mim e não se desvia do caminho, ele, ó Partha,
com certeza Me alcança.
9. Deve-se meditar na Pessoa Suprema como aquele que sabe tudo, como aquele
que é o mais velho, que é o controlador, que é menor do que o menor, que é o
mantenedor de tudo, que está além de toda a concepção material, que é
inconcebível e que é sempre uma pessoa. Ele é luminoso como o Sol e é
transcendental, situado além desta natureza material.
10. Aquele que, ao chegar a hora da morte, fixar seu ar vital entre as sobrancelhas
e, pela força da yoga, com mente indesviável, ocupar-se em lembrar do Senhor
Supremo com devoção plena, com certeza alcançará a Suprema Personalidade de
Deus.

Pérola 44. OS DEVOTOS ALCANÇAM O SENHOR FACILMENTE (versos 11 a


16)

11. As pessoas que são versadas nos Vedas, que pronunciam o omkara e que são
grandes sábios na ordem renunciada entram no Brahman. Desejando esta
perfeição, deve-se praticar o celibato. Passarei então a explicar-te sucintamente
este processo pelo qual alguém pode obter a salvação.
12. A yoga consiste no desapego de todas as ocupações sensuais. Para estabelecer-
se em yoga deve-se fechar todas as portas dos sentidos e fixar a mente no coração
e o ar vital no topo da cabeça.
13. Após situar-se nesta prática de yoga e vibrar a sílaba om, a suprema
combinação de letras, se o yogi pensar na Suprema Personalidade de Deus e
abandonar o corpo, com certeza alcançará os planetas espirituais.
14. Para alguém cuja lembrança é sempre fixa em Mim, Eu sou fácil de obter, ó
filho de Pritha, por causa de sua constante ocupação em serviço devocional.
15. Após Me alcançarem, as grandes almas, que são yogis em devoção, jamais
retornam a este mundo temporário, que é cheio de misérias, porque obtiveram a
perfeição máxima.
16. Partindo do planeta mais elevado do mundo material e indo até o mais baixo,
todos são lugares de miséria, onde ocorrem repetidos nascimentos e mortes. Mas
quem alcança Minha morada, ó filho de Kunti, jamais volta a nascer.

Pérola 45. A NATUREZA MANIFESTA E IMANIFESTA (versos 17 a 21)

17. Pelo cálculo humano, quando se soma um total de mil eras, obtém-se a
duração de um dia de Brahma. E esta é também a duração de sua noite.
18. No início do dia de Brahma, todos os seres vivos se manifestam a partir do
estado imanifesto, e depois, quando cai a noite, voltam a fundir-se no imanifesto.
19. Repetidas vezes, quando chega o dia de Brahma, todos os seres vivos passam
a existir, e com a chegada de sua noite, eles são desamparadamente aniquilados.
20. Entretanto, há outra natureza imanifesta, que é eterna e transcendental a esta
matéria manifesta e imanifesta. Ela é suprema e jamais é aniquilada. Quando todo
este mundo é aniquilado, aquela região permanece inalterada.
21. Aquilo que os vedantistas descrevem como imanifesto e infalível, aquilo que é
conhecido como o destino supremo, aquele lugar do qual jamais se retorna após
alcançá-lo – essa é Minha morada suprema.

Pérola 46. AS SITUAÇÕES AO SE ABANDONAR O CORPO (versos 22 a 28)

22. A Suprema Personalidade de Deus, que é maior do que tudo, é alcançado pela
devoção imaculada. Embora presente em Sua morada, Ele é onipenetrante, e tudo
está situado dentro dEle.
23. Ó melhor dos Bharatas, passarei agora a explicar-te os diferentes momentos
em que, partindo deste mundo, o yogi retorna ou não.
24. Aqueles que conhecem o Brahman Supremo alcançam este Supremo, partindo
do mundo durante a influência do deus do fogo, na luz, num momento auspicioso
do dia, durante a quinzena da lua crescente ou durante os seis meses em que o Sol
viaja pelo Norte.
25. O místico que se vai deste mundo durante a fumaça, à noite, a quinzena da lua
minguante ou os seis meses que o Sol passa para o Sul, alcança o planeta Lua, mas
acaba voltando.
26. Segundo a opinião védica, há duas circunstâncias em que se pode partir deste
mundo – na luz e na escuridão. Quando parte na luz, a pessoa não volta; mas
quando parte na escuridão, ela retorna.
27. Embora conheçam estes caminhos, ó Arjuna, os devotos nunca se confundem.
Portanto, fixa-te sempre na devoção.
28. Aquele que aceita o caminho do serviço devocional não se priva dos resultados
obtidos por alguém que estuda os Vedas, executa sacrifícios austeros, dá caridade
ou dedica-se a atividades filosóficas e fruitivas. Pelo simples fato de executar
serviço devocional, ele consegue tudo isto, e por fim alcança a suprema morada
eterna.
CAPÍTULO IX
O Conhecimento Mais Confidencial

Pérola 47. O MAIS SECRETO DE TODOS OS SEGREDOS ((versos 1 a 3)

1. A Suprema Personalidade de Deus disse: Meu querido Arjuna, porque nunca Me


invejas, transmitirei a ti este ensinamento e compreensão muito confidenciais.
Passando a conhecê-los, ficarás livre das misérias encontradas na existência
material.
2. Este conhecimento é o rei da educação, o mais secreto de todos os segredos. É o
conhecimento mais puro, e por conceder a percepção direta do eu, é a perfeição da
religião. Ele é eterno e é agradável praticá-lo.
3. Aqueles que não são fiéis neste serviço devocional não podem Me alcançar, ó
subjugador dos inimigos. Por isso, eles voltam a trilhar o caminho de nascimentos e
mortes neste mundo material.

Pérola 48. OS TRÊS ASPECTOS DO ABSOLUTO (versos 4 a 6)

4. Sob Minha forma imanifesta, Eu penetro este Universo inteiro. Todos os seres
estão em Mim, mas Eu não estou neles.
5. E mesmo assim, os elementos criados não repousam em Mim. Observa Minha
opulência mística! Embora Eu seja o mantenedor de todas as entidades vivas e
embora esteja em toda parte, não faço parte desta manifestação cósmica, pois Meu
Eu é a própria fonte da criação.
6. Compreende que, assim como o vento poderoso, que sopra em toda parte,
sempre permanece no céu, todos os seres criados repousam em Mim.

Pérola 49. A NATUREZA FUNCIONA SOB A DIREÇÃO DO SENHOR (versos 7


a 10)

7. Ó filho de Kunti, no final do milênio todas as manifestações materiais entram em


Minha natureza, e no começo de outro milênio, por Minha potência, Eu volto a criá-
las.
8. Toda a ordem cósmica está sujeita a Mim. Sob Minha vontade, ela repetidas
vezes manifesta-se automaticamente, e no final ela é aniquilada sob Minha
vontade.
9. Ó Dhanañjaya, nenhum desses trabalhos pode atar-Me. Eu estou sempre
desapegado de todas essas atividades materiais como se estivesse neutro.
10. Esta natureza material, que é uma de Minhas energias, funciona sob Minha
direção, ó filho de Kunti, produzindo todos os seres móveis e inertes. Obedecendo-
lhe ao comando, esta manifestação é criada e aniquilada repetidas vezes.

Pérola 50. O VERDADEIRO E O FALSO REFÚGIO (versos 11 a 22)

11. Os tolos zombam de Mim quando desço sob forma humana. Eles não conhecem
Minha natureza transcendental como o Supremo Senhor de tudo o que existe.
12. Aqueles que estão assim perplexos deixam-se atrair por opiniões demoníacas e
ateístas. Estando mergulhados nessa ilusão, suas esperanças de liberação, suas
atividades fruitivas e seu cultivo de conhecimento são todos destroçados.
13. Ó filho de Pritha, aqueles que não se iludem, as grandes almas, estão sob a
proteção da natureza divina. Eles se ocupam completamente em serviço devocional
porque sabem que Eu sou a original e inexaurível Suprema Personalidade de Deus.
14. Sempre cantando Minhas glórias, esforçando-se com muita determinação,
prostrando-se diante de Mim, estas grandes almas adoram-Me perpetuamente com
devoção.
15. Outros, que se ocupam em sacrifício por meio do cultivo do conhecimento,
adoram o Senhor Supremo como o único e inigualável, como aquele que Se dividiu
em muitos, e na forma universal.
16. Mas Eu é que sou o ritual, sou o sacrifício, a oferenda aos ancestrais, a erva
medicinal, o canto transcendental. Sou a manteiga, o fogo e a oferenda.
17. Eu sou o pai deste Universo, a mãe, o sustentáculo e o avô. Sou o objeto do
conhecimento, o purificador e a sílaba om. Também sou o Rig, o Sama e o Yajur
Vedas.
18. Eu sou a meta, o sustentador, o senhor, a testemunha, a morada, o refúgio e o
amigo mais querido. Sou a criação e a aniquilação, a base de tudo, o lugar onde se
descansa e a semente eterna.
19. Ó Arjuna, Eu forneço calor e retenho e envio a chuva. Eu sou a imortalidade e
sou também a morte personificada. Tanto o espírito quanto a matéria estão em
Mim.
20. Aqueles que, buscando os planetas celestiais, estudam os Vedas e bebem suco
de soma, adoram-Me indiretamente. Purificados de reações pecaminosas, eles
nascem no piedoso planeta celestial de Indra, onde gozam de prazeres divinos.
21. Após desfrutarem desse imenso prazer celestial dos sentidos e tendo esgotado
os resultados de suas atividades piedosas, eles regressam a este planeta mortal.
Logo, aqueles que buscam o prazer dos sentidos sujeitando-se aos princípios dos
três Vedas conseguem apenas repetidos nascimentos e mortes.
22. Mas aqueles que sempre Me adoram com devoção exclusiva, meditando em
Minha forma transcendental – a eles Eu trago o que lhes falta e preservo o que
têm.

Pérola 51. O SUPREMO DESFRUTADOR (versos 23 a 28)

23. Aqueles que são devotos de outros deuses e que os adoram com fé na verdade
adoram apenas a Mim, ó filho de Kunti, mas não Me prestam a adoração correta.
24. Eu sou o único desfrutador e Senhor de todos os sacrifícios. Portanto, aqueles
que não reconhecem Minha verdadeira natureza transcendental acabam caindo.
25. Aqueles que adoram os semideuses nascerão entre os semideuses; aqueles que
adoram os ancestrais irão ter com os ancestrais; aqueles que adoram fantasmas e
espíritos nascerão entre tais seres; e aqueles que Me adoram viverão comigo.
26. Se alguém Me oferecer, com amor e devoção, folhas, flores, frutas ou água, Eu
as aceitarei.
27. Tudo o que fizeres, tudo o que comeres, tudo o que ofereceres ou deres, e
quaisquer austeridades que executares – faze isto, ó filho de Kunti, como uma
oferenda a Mim.
28. Desse modo, ficarás livre do cativeiro do trabalho e de seus resultados
auspiciosos e inauspiciosos. Com a mente fixa em Mim neste princípio de renúncia,
libertar-te-ás e virás a Mim.

Pérola 52. O DEVOTO ALCANÇA O DESTINO SUPREMO (versos 29 a 34)

29. Não invejo ninguém, tampouco sou parcial com alguém. Sou igual com todos.
Porém, todo aquele que Me preste serviço com devoção é um amigo, está em Mim,
e Eu também sou seu amigo.
30. Mesmo que alguém cometa ações das mais abomináveis, se estiver ocupado
em serviço devocional deve ser considerado santo porque está devidamente situado
em sua determinação.
31. Ele logo se torna virtuoso e alcança paz duradoura. Ó filho de Kunti, declara
ousadamente que Meu devoto jamais perece.
32. Ó filho de Pritha, mesmo as mulheres que sejam de nascimento inferior, os
vaishyas (comerciantes), bem como os sudras (trabalhadores braçais), todos os
que se refugiam em Mim podem alcançar o destino supremo.
33. Então, isto tem muito maior validade para os brahmanas virtuosos, os devotos
e os reis santos. Portanto, como vieste a este miserável mundo temporário, ocupa-
te em Me prestar serviço amoroso.
34. Ocupa tua mente em pensar sempre em Mim, torna-te Meu devoto, oferece-Me
reverências e Me adora. Estando absorto por completo em Mim, com certeza virás a
Mim.

* * *
CAPÍTULO X
A Opulência do Absoluto

Pérola 53. O CONHECIMENTO SUPERIOR (versos 1 a 3)

1. A Suprema Personalidade de Deus disse: Volta a ouvir, ó Arjuna de braços


poderosos. Porque és Meu querido amigo, para o teu benefício continuarei dirigindo
a palavra a ti, transmitindo um conhecimento superior a tudo o que já expliquei.
2. Nem as hostes de semideuses nem os grandes sábios conhecem Minha origem
ou opulências, pois, em todos os aspectos, Eu sou a fonte dos semideuses e dos
sábios.
3. Quem Me conhece como o não-nascido, como aquele que não tem começo, como
o Supremo Senhor de todos os mundos – só este, que, entre os homens, não se
deixa iludir, está livre de todos os pecados.

Pérola 54. A OPULÊNCIA DO ABSOLUTO (versos 4 a 11)

4-5. Inteligência, conhecimento, estar livre da dúvida e da ilusão, clemência,


veracidade, controle dos sentidos, controle da mente, felicidade e aflição,
nascimento, morte, medo, destemor, não-violência, equanimidade, satisfação,
austeridade, caridade, fama e infâmia – todas essas várias qualidades dos seres
vivos são criadas apenas por Mim.
6. Os sete grandes sábios e, mais antigos do que eles, os quatro outros grandes
sábios e os Manus (progenitores da humanidade) vêm de Mim, nascidos de Minha
mente, e todos os seres vivos que povoam os vários planetas descendem deles.
7. Quem, de fato, está convencido desta Minha opulência e poder místico ocupa-se
em serviço devocional imaculado; quanto a isto, não há dúvida.
8. Eu sou a fonte de todos os mundos materiais e espirituais. Tudo emana de Mim.
Os sábios que conhecem isto perfeitamente ocupam-se em Meu serviço devocional
e adoram-Me de todo o coração.
9. Os pensamentos de Meus devotos puros residem em Mim, suas vidas são
plenamente devotadas a Meu serviço, e eles obtêm grande satisfação e bem-
aventurança sempre se iluminando uns aos outros e conversando sobre Mim.
10. Àqueles que estão constantemente devotados a Me servir com amor, Eu dou a
compreensão pela qual eles podem vir a Mim.
11. Para lhes mostrar misericórdia especial, Eu, residindo em seus corações,
destruo com a luz brilhante do conhecimento a escuridão nascida da ignorância.

Pérola 55. DEUS DOS DEUSES (versos 12 a 18)

12-13. Arjuna disse: És a Suprema Personalidade de Deus, a morada última, o


mais puro, a Verdade Absoluta. És a pessoa original, eterna e transcendental, o
não-nascido, o maior. Todos os grandes sábios, tais como Narada, Asita, Devala e
Vyasa, confirmam esta verdade referente a Ti, e agora Tu mesmo a declaras para
mim.
14. Ó Krishna, aceito totalmente como verdade tudo o que me disseste. Nem os
semideuses nem os demônios, ó Senhor, podem compreender Tua personalidade.
15. Na verdade, só Tu Te conheces através de Tua potência interna, ó Pessoa
Suprema, origem de tudo, Senhor de todos os seres, Deus dos deuses, Senhor do
Universo!
16. Por favor, descreve-me Tuas opulências divinas com as quais penetras todos
esses mundos.
17. Ó Krishna, ó místico supremo, como devo pensar constantemente em Ti, e
como devo conhecer-Te? Quais as Tuas várias formas que devem ser lembradas, ó
Suprema Personalidade de Deus?
18. Ó Janardana, por favor, volta a descrever em detalhes o poder místico de Tuas
opulências. Nunca me canso de ouvir sobre Ti, pois, quanto mais ouço, mais quero
saborear o néctar de Tuas palavras.

Pérola 56. AS MANIFESTAÇÕES ESPLENDOROSAS DE DEUS (versos 19 a 42)

19. A Suprema Personalidade de Deus disse: Sim, Eu te falarei sobre Minhas


manifestações esplendorosas, mas só sobre aquelas que são preeminentes, ó
Arjuna, pois Minha opulência é ilimitada.
20. Eu sou a Superalma, ó Arjuna, situado nos corações de todas as entidades
vivas. Eu sou o princípio, o meio e o fim de todos os seres.
21. Entre os Adityas, sou Vishnu; entre as luzes, sou o Sol radiante; entre os
Maruts, sou Marici; e entre as estrelas, sou a Lua.
22. Dos Vedas, sou o Sama Veda; dos semideuses, sou Indra, o rei dos céus; dos
sentidos, sou a mente; e nos seres vivos, sou a força viva (consciência).
23. De todos os Rudras, sou o Senhor Shiva; dos Yakshas e Rakshasas, sou o
senhor da riqueza (Kuvera); dos Vasus, sou o fogo (Agni); e das montanhas, sou
Meru.
24. Dos sacerdotes, ó Arjuna, fica sabendo que sou o principal, Brihaspati. Dos
generais, sou Kartikeya, e dos corpos de água, sou o oceano.
25. Dos grandes sábios, sou Bhrigu; das vibrações, sou o om transcendental. Dos
sacrifícios, sou o cantar dos santos nomes (japa), e dos objetos inertes, sou os
Himalaias.
26. De todas as árvores, sou a figueira-da-bengala; e dos sábios entre os
semideuses, sou Narada. Dos Gandharvas, sou Citraratha, e entre os seres
perfeitos, sou o sábio Kapila.
27. Dos cavalos, fica sabendo que sou Ucchaishrava, produzido durante a batedura
do oceano quando se queria obter néctar. Dos elefantes imponentes, sou Airavata;
e entre os homens, sou o monarca.
28. Das armas sou o raio; entre as vacas sou a surabhi. Das causas que fomentam
a procriação, sou Kandarpa, o deus do amor, e das serpentes, sou Vasuki.
29. Das Nagas de muitos capelos, sou Ananta, e entre os seres aquáticos, sou o
semideus Varuna. Dos ancestrais que partiram sou Aryama, e entre aqueles que
impõem a lei, sou Yama, o senhor da morte.
30. Entre os demônios Daityas, sou o devotado Prahlada; entre os subjugadores,
sou o tempo; entre os animais selvagens, sou o leão; e entre as aves, sou Garuda.
31. Dos purificadores, sou o vento; dos manejadores de armas, sou Rama; dos
peixes, sou o tubarão; e dos rios que correm, sou o Ganges.
32. De todas as criações, sou o começo, o fim e também o meio, ó Arjuna. De
todas as ciências, sou a ciência espiritual do eu, e entre os lógicos, sou a verdade
conclusiva.
33. Das letras, sou a letra A, e entre as palavras compostas, sou o composto dual.
Sou também o tempo inexaurível, e dos criadores, sou Brahma.
34. Eu sou a morte que tudo devora e sou o princípio encarregado de gerar tudo o
que vai existir. Entre as mulheres, sou a fama, a fortuna, a linguagem afável, a
memória, a inteligência, a firmeza e a paciência.
35. Dos hinos do Sama Veda, sou o Brihat-sama, e da poesia, sou o Gayatri. Dos
meses, sou margasirsha (novembro-dezembro), e das estações, sou a primavera
florida.
36. Sou também a jogatina em que se fazem trapaças, e do esplêndido, sou o
esplendor. Eu sou a vitória, a aventura e a força dos fortes.
37. Dos descendentes de Vrishni, sou Vasudeva, e dos Pandavas, sou Arjuna. Dos
sábios, sou Vyasa, e entre os grandes pensadores, sou Usana.
38. Dentre todos os meios que reprimem a ilegalidade, sou o castigo, e daqueles
processos que visam à vitória, sou a moralidade. Das coisas secretas, sou o
silêncio, e dos sábios, sou a sabedoria.
39. Ademais, ó Arjuna, sou a semente geradora de todas as existências. Não existe
ser algum – móvel ou inerte – que possa existir sem Mim.
40. Ó poderoso vencedor dos inimigos, Minhas manifestações divinas nunca
chegam ao fim. O que te disse é apenas um mero indício de Minhas opulências
infinitas.
41. Fica sabendo que todas as criações opulentas, belas e gloriosas emanam de
uma mera centelha do Meu esplendor.
42. Mas qual a necessidade, Arjuna, de todo esse conhecimento minucioso? Com
um simples fragmento de Mim mesmo, Eu penetro e sustento todo este Universo.

***
CAPÍTULO XI
A Forma Universal

Pérolas 57. ARJUNA DESEJA VER A FORMA UNIVERSAL (versos 1 a 4)

1. Arjuna disse: pelo fato de eu ter ouvido as instruções sobre estes assuntos
espirituais muito confidenciais que gentilmente me transmitiste, minha ilusão acaba
de ser dirimida.
2. Ó pessoa de olhos de lótus, eu ouvi enquanto falavas pormenorizadamente sobre
o aparecimento e o desaparecimento de todas as entidades vivas e passei a
entender Tuas glórias inexauríveis.
3. Ó maior de todas as personalidades, ó forma suprema, embora estejas diante de
mim em Tua posição verdadeira, como Tu mesmo Te descreveste, desejo ver como
entraste nesta manifestação cósmica. Quero ver esta Tua forma.
4. Se achas que sou capaz de contemplar Tua forma cósmica, ó meu Senhor, ó
mestre de todo o poder místico, então, mostra-me por favor este ilimitado Eu
universal.

Pérola 58. ARJUNA OBTÉM VISÃO DIVINA (versos 5 a 14)

5. A Suprema Personalidade de Deus disse: Meu querido Arjuna, ó filho de Pritha,


vê então Minhas opulências, constituídas de centenas de milhares de variadas
formas divinas e multicoloridas.
6. Ó melhor dos Bharatas, vê aqui as diferentes manifestações dos Adityas, Vasus,
Rudras, Asvini-kumaras e todos os outros semideuses. Contempla as muitas coisas
maravilhosas que ninguém jamais viu nem ouviu.
7. Ó Arjuna, tudo o que quiseres ver, contempla imediatamente neste Meu corpo!
Esta forma universal pode mostrar-te tudo o que agora desejes ver e tudo o que
queiras ver no futuro. Todas as coisas – móveis e inertes – estão aqui
completamente, num só lugar.
8. Mas não Me podes ver com teus olhos atuais. Por isso, Eu te dou olhos divinos.
Observa Minha opulência mística!
9. Sañjaya disse; Ó rei, tendo falado essas palavras, o Supremo Senhor de todo o
poder místico, a Personalidade de Deus, mostrou a Arjuna a forma universal.
10-11. Arjuna viu naquela forma universal bocas ilimitadas, olhos ilimitados e
maravilhosas visões ilimitadas. A forma estava decorada com muitos ornamentos
celestiais e portava em riste muitas armas divinas. Ele usava guirlandas e roupas
celestiais, e muitas essências divinas untavam o Seu corpo. Tudo era maravilhoso,
brilhante, ilimitado e não parava de expandir-se.
12. Se centenas de milhares de sóis nascessem ao mesmo tempo no céu, talvez
seu resplendor pudesse assemelhar-se à refulgência dessa forma universal da
Pessoa Suprema.
13. Nesse momento, Arjuna pôde ver na forma universal do Senhor as expansões
ilimitadas do Universo situadas em um só lugar, embora tenham sofrido muitos e
muitos milhares de divisões.
14. Então, perplexo e atônito, com os pêlos arrepiados, Arjuna inclinou a cabeça
para oferecer reverências e, de mãos postas, começou a orar ao Senhor Supremo.

Pérola 59. ARJUNA DESCREVE SUA VISÃO (versos 15 a 31)

15. Arjuna disse: Meu querido Senhor Krishna, vejo reunidos em Teu corpo todos
os semideuses e várias outras entidades vivas. Vejo Brahma sentado na flor de
lótus, e vejo o Senhor Shiva e todos os sábios e as serpentes divinas.
16. Ó Senhor do Universo, ó forma universal, vejo em Teu corpo muitos e muitos
braços, ventres, bocas e olhos, expandidos por toda a parte, sem limite. Em Ti, não
vejo começo, meio nem fim.
17. É difícil ver Tua forma por causa de Tua refulgência deslumbrante e
onidirecional como o fogo ardente ou o imensurável resplendor do sol. Entretanto,
com toda aparte vejo esta forma reluzente, adornada com várias coroas, maças e
discos.
18. És o objetivo primordial supremo, o lugar definitivo que serve de repouso para
todo o Universo. És inesgotável e o mais antigo. És o mantenedor da religião
eterna, a Personalidade de Deus. Esta é a minha opinião.
19. Não tens origem, meio nem fim. Tua glória é ilimitada. Tens inúmeros braços, e
o Sol e a Lua são Teus olhos. Vejo o fogo ardente saindo de Tua boca, e queimas
todo este Universo com o Teu próprio resplendor.
20. Embora sejas um, Te expandes por todo o céu, planetas e espaço
intermediário. Ó grande pessoa, vendo esta maravilhosa e terrível forma, todos os
sistemas planetários ficam perturbados.
21. Todas as hostes de semideuses estão se rendendo a Ti e entrando em Ti.
Alguns deles, muito atemorizados, estão de mãos postas, oferecendo orações.
Hostes de grandes sábios e seres perfeitos, bradando “Que haja paz”, estão orando
a Ti, cantando os hinos védicos.
22. Todas as várias manifestações do Senhor Shiva, os Adityas, os Vasus, os
Sadhyas, os Visvadevas, os dois Asvinis, os Maruts, os antepassados, os
Gandharvas, os Yakshas, os Asuras e os semideuses perfeitos estão Te
contemplando com admiração.
23. Ó pessoas de braços poderosos, todos os planetas e seus semideuses estão
perturbados ao verem Tua grande forma, com Teus vários rostos, olhos, braços,
coxas, pernas, ventres e Teus vários dentes terríveis; e assim como eles estão
perturbados, eu também estou.
24. Ó Vishnu onipenetrante, ao Te ver com Tuas muitas cores resplandecentes
tocando o céu, Tuas bocas escancaradas e Teus grandes olhos reluzentes, minha
mente fica perturbada pelo medo. Já não consigo manter minha firmeza ou
equilíbrio mental.
25. Ó senhor dos senhores, ó refúgio dos mundos, por favor, conceda-me Tua
graça. Não consigo manter o equilíbrio, vendo esses Teus rostos resplandecentes,
parecidos com a morte, e esses Teus dentes medonhos. Em todas as direções
sinto-me confuso.
26-27. Todos os filhos de Dhritarastra, juntamente com os reis que se aliaram a
eles, bem como Bhisma, Drona e Karna – e nossos principais soldados também –
estão precipitando-se em direção a Tuas bocas amedrontadoras. E vejo algumas
pessoas presas com as cabeças esmagadas entre Teus dentes.
28. Assim como as muitas ondas dos rios desembocam no oceano, do mesmo
modo, todos esses grandes guerreiros entram incandescentes em Tuas bocas.
29. Vejo todas as pessoas disparando precipitadamente em direção às Tuas bocas,
como mariposas que são destruídas quando se lançam no fogo ardente.
30. Ó Vishnu, vejo-Te, com Tuas bocas flamejantes, devorando todas as pessoas de
todos os lados. Cobrindo todo o Universo com Tua refulgência, Tu Te manifesta com
raios terríveis e abrasadores.
31. Ó Senhor dos senhores, cuja forma é tão aterradora, por favor, diga-me quem
és. Ofereço-Te minhas reverências; por favor, sê benevolente comigo. És o Senhor
primordial. Quero conhecer-Te, pois não sei qual é a Tua missão.

Pérola 60. O PLANO DIVINO DO SENHOR (versos 32 a 34)

32. O Bem-aventurado Senhor disse: Eu sou o tempo, o grande destruidor dos


mundos, e vim aqui para destruir todas as pessoas. Excetuando vós (os Pandavas),
aqui, todos os soldados de ambos os lados serão mortos.
33. Portanto, levanta-te. Prepara-te para lutar e conquistar a glória. Vence teus
inimigos e desfruta de um reino próspero. Por Meu arranjo, eles já estão mortos, e
tu, ó Savyasacin, és apenas um instrumento na luta.
34. Drona, Bhisma, Jayadratha, Karna e outros grandes guerreiros já foram
destruídos por Mim. Portanto, mata-os e não fiques perturbado. Simplesmente luta,
e derrotarás teus inimigos na batalha.

Pérola 61. ESPANTO E ÊXTASE DE ARJUNA (versos 35 a 46)

35. Sañjaya disse a Dhritarastra: Ó rei, depois de ouvir estas palavras faladas pela
Suprema Personalidade de Deus, Arjuna trêmulo e de mãos postas, ofereceu
repetidas reverências. Com voz balbuciante, ele estava amedrontado quando dirigiu
ao Senhor Krishna as seguintes palavras.
36. Arjuna disse: Ó Senhor dos sentidos, o mundo se regozija ao ouvir Teu nome, e
assim todos se apegam a Ti. Embora os seres perfeitos Te ofereçam suas
respeitosas homenagens, os demônios têm medo, e fogem de um lado para o
outro. Tudo isto se faz de forma justa.
37. Ó pessoa grandiosa, maior até mesmo que Brahma, és o criador original. Por
que então deveriam eles furtar-se a oferecer suas respeitosas reverências a Ti? Ó
ilimitado, Deus dos deuses, refúgio do Universo! És a fonte invencível, a causa de
todas as causas, transcendental a esta manifestação material.
38. És a Personalidade de Deus original, o mais antigo, o santuário definitivo deste
mundo cósmico manifestado. És o conhecedor de tudo e és tudo o que é
cognoscível. És o refúgio supremo, situado acima dos modos materiais. Ó forma
ilimitada! Penetras toda esta manifestação cósmica!
39. És o ar e és o controlador supremo! És o fogo, a água e a Lua! És Brahma, a
primeira criatura viva e és o bisavô. Portanto, faço questão de oferecer-Te mil
vezes minhas respeitosas reverências, e volto a oferecê-las vezes e mais vezes.
40. Ofereço-Te reverências de frente, de trás e de todos os lados! Ó poder
incomensurável, és o Senhor cujo poder não conhece limites! És onipenetrante e,
portanto, és tudo!
41-42. Colocando-Te na posição de amigo, sem sequer conhecer Tuas glórias,
dirigi-me a Ti com as seguintes palavras imprudentes: “Ó Krishna”, “Ó Yadava”, “Ó
meu amigo”. Por favor, perdoa tudo o que eu possa ter feito por loucura ou por
amor. Quantas vezes Te desonrei, gracejando enquanto nos descontraíamos,
deitávamos na mesma cama, sentávamos ou comíamos juntos, às vezes a sós e
outras vezes diante de muitos amigos. Ó infalível, por favor, perdoa todas essas
minhas ofensas!
43. És o pai desta manifestação cósmica completa, do móvel e do inerte. És o seu
líder adorável, o mestre espiritual supremo. Ninguém é igual a Ti, e tampouco pode
alguém ser uno contigo. Como então poderia haver alguém dentro os três mundos
maior do que Tu, ó Senhor de poder imensurável?
44. És o Senhor Supremo, que deve ser adorado por todos os seres vivos. Então,
eu me prostro para Te oferecer minhas respeitosas reverências e pedir Tua
misericórdia. Assim como o pai tolera a insolência de seu filho, ou um amigo tolera
a impertinência do amigo, ou uma esposa tolera a familiaridade de seu parceiro,
por favor, tolera os erros que acaso eu tenha cometido contra Ti.
45. Após ver esta forma universal, que jamais havia visto, sinto-me satisfeito, mas
ao mesmo tempo minha mente está perturbada pelo medo. Por isso, por favor,
concede-me Tua graça e torna a revelar Tua forma como a Suprema Personalidade
de Deus, ó Senhor dos senhores, ó morada do Universo.
46. Ó forma universal, ó Senhor de mil braços, desejo ver-Te em Tua forma de
quatro braços, com elmo na cabeça e portando maça, disco, búzio e flor de lótus
em Tuas mãos. Almejo ver essa Tua forma.
Pérola 62. ELIMINANDO A PERTURBAÇÃO DE ARJUNA (versos 47 a 51)

47. A Suprema Personalidade de Deus disse; Meu querido Arjuna, com prazer te
mostrei, através de Minha potência interna, esta forma universal suprema. Dentro
do mundo material, antes de ti, ninguém jamais viu esta forma primordial, ilimitada
e plena de refulgência deslumbrante.
48. Ó melhor dos guerreiros Kurus, antes de ti, ninguém jamais vira esta Minha
forma universal, pois nem através do estudo dos Vedas, da execução de sacrifícios,
da caridade, de atividades piedosas ou de rigorosas penitências, posso Eu ser visto
sob esta forma no mundo material.
49. Ficaste perturbado e confuso ao ver este Meu aspecto terrífico. Agora basta.
Meu devoto, volta a livrar-te de toda a perturbação. Com a mente tranqüila podes
então ver forma que desejas.
50. Sañjaya disse a Dhritarastra: A Suprema Personalidade de Deus, Krishna, tendo
falado essas palavras a Arjuna, manifestou Sua verdadeira forma de quatro braços
e por fim mostrou Sua forma de dois braços, encorajando assim o amedrontado
Arjuna.
51. Ao ver Krishna em Sua forma original, Arjuna, então, disse; Ó Janardana, gora
que vejo esta forma aparentemente humana e que possui tamanha beleza, minha
mente está tranqüila e reassumi minha natureza original.

Pérola 63. OS MISTÉRIOS DA COMPREENSÃO ESPIRITUAL (versos 52 a 55)

52. A Suprema Personalidade de Deus disse: Meu querido Arjuna, esta Minha forma
que agora vês é muito difícil de contemplar. Até mesmo os semideuses sempre
buscam a oportunidade de ver esta forma, que é tão querida.
53. A forma que vês com teus olhos transcendentais não pode ser compreendida
através do simples estudo dos Vedas, nem por submeter-se a sérias penitências,
nem por fazer caridade, nem por prestar adoração. Não é por estes meios que se
pode ver-Me como sou.
54. Meu querido Arjuna, só pelo serviço devocional indiviso é possível
compreender-Me como sou, tal qual Me apresento diante de ti, e assim poder Me
ver diretamente. Só desse modo podes ingressar nos mistérios da compreensão
acerca de Mim.
55. Meu querido Arjuna, aquele que se ocupa em Meu serviço devocional puro, livre
das contaminações das atividades fruitivas e da especulação mental, que trabalha
para Mim e faz de Mim a meta suprema de sua vida, sendo amigo de todos os seres
vivos – com certeza virá a Mim.

***
CAPÍTULO XII
Serviço Devocional

Pérola 64. A ADORAÇÃO PESSOAL E IMPESSOAL (versos 1 a 7)

1. Arjuna perguntou: Quais são considerados mais perfeitos, aqueles que sempre
estão devidamente ocupados em Seu serviço devocional ou aqueles que adoram o
Brahman impessoal, o imanifesto?
2. A Suprema Personalidade de Deus disse: Aqueles que fixam suas mentes em
Minha forma pessoal e sempre se ocupam em adorar-Me com grande fé
transcendental, Eu os considero muito perfeitos.
3-4. Mas aqueles que adoram plenamente o imanifesto, aquilo que está além da
percepção dos sentidos, o onipenetrante, inconcebível, imutável, fixo e imóvel – a
concepção impessoal sobre a Verdade Absoluta – controlando os vários sentidos e
sendo equânimes para com todos, tais pessoas, ocupadas em prol do bem-estar de
todos, acabarão Me alcançando.
5. Para aqueles cujas mentes estão apegadas ao aspecto impessoal e imanifesto do
Supremo, o progresso é muito problemático. Progredir nesta disciplina é sempre
difícil para aqueles que estão corporificados.
6-7. Mas aqueles que Me adoram, abandonando todas as atividades por Mim e não
se afastando de sua devoção a Mim, ocupando-se em serviço devocional e sempre
meditando em Mim, tendo fixado suas mentes em Mim, ó filho de Pritha – para eles
Eu sou o pronto salvador do oceano de nascimentos e mortes.

Pérola 65. DIFERENTES SISTEMAS DE AUTO-REALIZAÇÃO (versos 8 a 12)

8. Fixa tua mente em Mim, a Suprema Personalidade de Deus, e ocupa toda a tua
inteligência em Mim. Assim, não haverá dúvida alguma de que viverás sempre em
Mim.
9. Meu querido Arjuna, ó conquistador de riquezas, se você não pode fixar sua
mente em Mim sem se desviar, então, segue os princípios reguladores que fazem
parte da bhakti-yoga. Desenvolva deste modo um desejo de Me alcançar.
10. Se não podes praticar as regulações que fazem parte da bhakti-yoga, então,
simplesmente tenta trabalhar para Mim. Porque, trabalhando para Mim, chegarás à
fase perfeita.
11. Se, entretanto, és incapaz de trabalhar nesta Minha consciência, então, tenta
agir renunciando a todos os resultados de seu trabalho e procure situar-te no eu.
12. Se não podes adotar esta prática, então, ocupa-te no cultivo do conhecimento.
Entretanto, melhor do que o conhecimento é a meditação, e melhor do que a
meditação é a renúncia aos frutos da ação, pois, com esta renúncia, pode-se
alcançar paz de espírito.

Pérola 66. AS QUALIDADES DOS DEVOTOS (versos 13 a 20)

13-14. Aquele que não é invejoso, mas é um amigo bondoso para todas as
entidades vivas, que não se considera proprietário e está livre do ego falso, que é
equânime tanto na felicidade quanto na aflição, que é tolerante, sempre satisfeito,
autocontrolado e ocupa-se em serviço devocional com determinação, tendo sua
mente e inteligência fixas em Mim – semelhante devoto me é muito querido.
15. Aquele que não põe ninguém em dificuldade e a quem ninguém perturba, que é
equânime na felicidade e na aflição, no medo e na ansiedade, Me é muito querido.
16. Meu devoto, que não depende do curso em que as atividades habitualmente se
desenvolvem, que é puro, perito, despreocupado, livre de todas as dores, e não
luta para obter algum resultado, Me é muito querido.
17. Aquele que não se alegra nem se magoa, que não se lamenta nem deseja, e
que renuncia tanto às coisas auspiciosas quanto às inauspiciosas – semelhante
devoto Me é muito querido.
18-19. Aquele que é igual para os amigos e inimigos; que é equânime na honra e
na desonra, calor e frio, felicidade e aflição, fama e infâmia; que está sempre livre
da associação contaminadora, sempre silencioso e satisfeito com qualquer coisa,
que não se importa com nenhuma residência; que está fixo em conhecimento e se
ocupa em serviço devocional – semelhante pessoa me é muito querida.
20. Aqueles que seguem este caminho imperecível do serviço devocional e que se
ocupam com plena fé, fazendo de Mim a meta suprema, são muitíssimos queridos a
Mim.

***
CAPÍTULO XIII
A Natureza, o Desfrutador e a
Consciência

Pérola 67. O CAMPO DAS ATIVIDADES E SUAS INTERAÇÕES (versos 1 a 7)

1-2. Arjuna disse: Ó meu querido Krishna, quero saber sobre a natureza (prakriti),
o desfrutador (purusha), o campo (kshetra) e o conhecedor do campo (kshetrajña),
e sobre o conhecimento (jñanam) e o objeto do conhecimento (jñeya). A Suprema
Personalidade de Deus disse: Este corpo, ó filho de Kunti, chama-se o campo, e
quem conhece este corpo chama-se o conhecedor do campo.
3. Ó descendente de Bharata, deves entender que, em todos os corpos, Eu também
sou o conhecedor, e compreender este corpo e seu conhecedor chama-se
conhecimento. Esta é a Minha opinião.
4. Agora, por favor, ouve enquanto faço uma breve descrição deste campo de
atividade e de seus elementos constituintes, e enquanto descrevo quais são suas
mudanças, qual a fonte que o origina, quem é este conhecedor do campo de
atividades e que influências ele exerce.
5. Em vários escritos védicos, diversos sábios descrevem este conhecimento sobre
o campo de atividades. O Vedanta-sutra o apresenta de maneira especial, ao fazer
um extenso raciocínio sobre a causa e o efeito.
6-7. Os cinco grandes elementos, o ego falso, a inteligência, o imanifesto, os dez
sentidos e a mente, os cinco objetos dos sentidos, o desejo, o ódio, a felicidade, o
sofrimento, o agregado, os sintomas vitais e as convicções – todos estes são
considerados, em resumo, o campo de atividades e suas interações.

Pérola 68. O VERDADEIRO CONHECIMENTO (versos 8 a 12)

8-12. Humildade; modéstia; não-violência; tolerância; simplicidade; aproximar-se


de um mestre espiritual genuíno; limpeza; firmeza; autocontrole; renúncia ao
objeto de gozo dos sentidos; ausência de ego falso; a percepção segundo a qual o
nascimento, a morte; a velhice e a doença são condições desfavoráveis; desapego;
estar livre do enredamento com os filhos, esposa, lar e o resto; equanimidade
diante de acontecimentos agradáveis e desagradáveis; devoção constante e
imaculada a Mim; aspirar a viver num lugar solitário; afastar-se da massa geral das
pessoas; aceitar a importância da auto-realização; e empreender uma busca
filosófica da Verdade Absoluta – declaro que tudo isto é conhecimento, e algo
diferentes disto é ignorância.

Pérola 69. A SUPERALMA ONIPENETRANTE (versos 13 a 18)

13. Passarei agora a explicar o conhecível, conhecendo o qual saborearás o eterno.


Brahman, o espírito, que não tem começo e é subordinado a Mim, situa-Se além da
causa e do efeito deste mundo material.
14. Em toda a parte estão Suas mãos e pernas, Seus olhos, cabeças e rostos, e Ele
tem ouvidos em toda parte. É deste modo que a Superalma existe, penetrando
tudo.
15. A Superalma é a fonte que origina todos os sentidos, no entanto, Ele é
desprovido de sentidos. Ele é desapegado, embora seja o mantenedor de todos os
seres vivos. Ele transcende os modos da natureza, e ao mesmo tempo é o senhor
de todos os modos da natureza material.
16. A Verdade Suprema existe fora e dentro de todos os seres vivos móveis e
inertes. Porque é sutil, Ele está além do poder visual ou cognoscitivo dos sentidos
materiais. Embora longe, longe, Ele também está perto de todos.
17. Embora pareça estar dividido entre todos os seres, a Superalma nunca Se
divide. Sua situação é sempre a mesma. Embora Ele seja o mantenedor de toda
entidade viva, deve-se compreender que Ele devora e desenvolve tudo.
18. Ela é a fonte de luz em todos os objetos luminosos. Ele está além da escuridão
própria da matéria e é imanifesto. Ele é o conhecimento, o objeto do conhecimento
e a meta do conhecimento. Ele está situado nos corações de todos.

Pérola 70. A ENTIDADE VIVA E A NATUREZA MATERIAL (versos 19 a 22)

19. Assim descrevi sucintamente o campo de atividades (o corpo), o conhecimento


e o conhecível. Só Meus devotos podem compreender isto na íntegra e então
alcançar Minha natureza.
20. Deve-se entender que a natureza material e as entidades vivas não têm
começo. As transformações por que elas passam e os modos da matéria são
produtos da natureza material.
21. Está dito que a natureza produz todas as causas e efeitos materiais, ao passo
que a entidade viva é a causa dos vários sofrimentos e prazeres deste mundo.
22. Dessa forma, a entidade viva dentro da natureza material segue os caminhos
da vida, desfrutando os três modos da natureza. Isto decorre de sua associação
com essa natureza material. Assim, ela se encontra com o bem e o mal entre as
várias espécies de vida.

Pérola 71. A PRESENÇA DA SUPERALMA (versos 23 a 31)

23. Contudo, neste corpo há outrem, um desfrutador transcendental, que é o


Senhor, o proprietário supremo, que age como o supervisor e permissor e que é
conhecido como Superalma.
24. Aquele que compreende esta filosofia que trata da natureza material, da
entidade viva e da interação dos modos da natureza com certeza alcançará a
liberação. Ele não voltará a nascer aqui, não importa qual seja sua posição atual.
25. Alguns percebem a Superalma dentro de si através da meditação, outros,
através do cultivo de conhecimento, e outros, através do trabalho sem desejos
fruitivos.
26. E há também aqueles que, embora não sejam versados em conhecimento
espiritual, passam a adorar a Pessoa Suprema após ouvirem outros falarem a
respeito dEle. Por causa de sua tendência de ouvir as autoridades, eles também
transcendem o caminho de nascimentos e mortes.
27. Ó principal dos Bharatas, fica sabendo que tudo o que existe, seja móvel ou
inerte, é apenas uma combinação do campo das atividades e do conhecedor do
campo.
28. Aquele que vê que a Superalma acompanha a alma individual em todos os
corpos, e que compreende que a alma e a Superalma dentro do corpo destrutível
jamais são destruídos, vê de verdade.
29. Aquele que vê a Superalma igualmente presente em toda a parte e em cada ser
vivo não se degrada por sua mente. Assim, ele se aproxima do destino
transcendental.
30. Quem pode ver que todas as atividades são executadas pelo corpo, que é uma
criação da natureza material, e vê que o eu nada faz, vê de verdade.
31. Quando um homem sensato deixa de ver diferentes identidades conseqüentes a
diferentes corpos materiais e vê como os seres se expandem por toda a parte, ele
alcança a concepção Brahman.

Pérola 72. OS OLHOS DO CONHECIMENTO (versos 32 a 35)


32. Aqueles com a visão de eternidade podem ver que a alma imperecível é
transcendental, eterna e situada além dos modos da natureza. Apesar do contato
com o corpo material, ó Arjuna, a alma nada faz nem se enreda.
33. O céu, devido a sua natureza sutil, não se mistura com nada, embora seja
onipenetrante. De modo semelhante, a alma situada na visão Brahman não se
identifica com o corpo, embora esteja nesse mesmo corpo.
34. Ó filho de Bharata, assim como o Sol ilumina sozinho todo este Universo, do
mesmo modo, a entidade viva, sozinha dentro do corpo, ilumina o corpo inteiro
através da consciência.
35. Aqueles que com os olhos do conhecimento vêem a diferença entre o corpo e o
conhecedor do corpo, e podem também compreender o processo que consiste em
libertar-se do cativeiro da natureza material, alcançam a meta suprema.

* * *
CAPÍTULO XIV
Os Três Modos
da Natureza Material

Pérola 73. A SABEDORIA SUPREMA (versos 1 a 4)

1. A Suprema Personalidade de Deus disse: Volto a te expor esta sabedoria


suprema, o melhor entre todos os conhecimentos, conhecendo a qual todos os
sábios atingiram a perfeição suprema.
2. Fixando-se neste conhecimento, a pessoa pode alcançar a natureza
transcendental, igual à Minha. Nessa situação, ela não nasce no momento da
criação nem é perturbada no momento da dissolução.
3. A totalidade da substância material, chamada Brahman, é a fonte de nascimento,
e é esse Brahman que Eu fecundo, possibilitando os nascimentos de todos os seres
vivos, ó filho de Bharata.
4. Ó filho de Kunti, deve-se compreender que é com o nascimento nesta natureza
material que todas as entidades vivas, em todas as espécies de vida, tornam-se
possíveis, e que Eu sou o pai que dá a semente.

Pérola 74. AS QUALIDADES DOS MODOS DA NATUREZA (versos 5 a 18)

5. A natureza material consiste em três modos – bondade, paixão e ignorância. A


entrar em contato com a natureza, ó Arjuna de braços poderosos, a entidade viva
eterna condiciona-se a esses modos.
6. Ó pessoa virtuosa, o modo da bondade, sendo mais puro que os outros, ilumina,
livrando a pessoa de todas as reações pecaminosas. Aqueles que estão situados
neste modo condicionam-se a uma sensação de felicidade e conhecimento.
7. O modo da paixão nasce de desejos e anseios ilimitados, ó filho de Kunti, e por
causa disso a entidade viva corporificada está presa às ações fruitivas materiais.
8. Ó filho de Bharata, fica sabendo que no modo da escuridão, nascido da
ignorância, todas as entidades vivas corporificadas ficam iludidas. Os resultados
deste modo são a loucura, a indolência e o sono, que atam a alma condicionada.
9. Ó filho de Bharata, o modo da bondade condiciona o homem à felicidade; a
paixão o condiciona à ação fruitiva; e a ignorância, cobrindo seu conhecimento, o
ata à loucura.
10. Às vezes, o modo da bondade se torna preeminente, derrotando os modos da
paixão e da ignorância, ó filho de Bharata. Às vezes, o modo da paixão sobrepuja a
bondade e a ignorância, e outras vezes a ignorância derrota a bondade e a paixão.
Dessa maneira, há sempre competição pela supremacia.
11. As manifestações do modo da bondade podem ser experimentadas quando
todos os portões do corpo são iluminados pelo conhecimento.
12. Ó melhor entre os Bharatas, quando há um aumento do modo da paixão,
desenvolvem-se sintomas de grande apego, atividade fruitiva, esforço intenso e
anseio incontroláveis.
13. Quando predomina o modo da ignorância, ó filho de Kuru, manifestam-se
escuridão, inércia, loucura e ilusão.
14. Quando alguém morre no modo da bondade, ele atinge os planetas superiores
puros, onde residem os grandes sábios.
15. Quando alguém morre no modo da paixão, ele nasce entre os que se ocupam
em atividades fruitivas; e quando morre no modo da ignorância, nasce no reino
animal.
16. O resultado da ação piedosa é puro e se diz que está no modo da bondade. Mas
a ação feita no modo da paixão resulta em miséria, e a ação executada no modo da
ignorância resulta em tolice.
17. Do modo da bondade, desenvolve-se o verdadeiro conhecimento; do modo da
paixão, desenvolve-se a cobiça; e do modo da ignorância, desenvolvem-se a tolice,
a loucura e a ilusão.
18. Aqueles situados no modo da bondade gradualmente elevam-se aos planetas
superiores; aqueles no modo da paixão vivem nos planetas terrestres; e aqueles no
abominável modo da ignorância descem para os mundos infernais.

Pérola 75. O SENHOR É SEMPRE TRANSCENDENTAL (versos 19 a 20)

19. Quando alguém vê corretamente que em todas as atividades o único agente


que está em ação são estes modos da natureza e quando conhece o Senhor
Supremo, que é transcendental a todos estes modos, ele então alcança Minha
natureza espiritual.
20. Quando é capaz de transcender estes três modos associados com o corpo
material, o ser corporificado pode libertar-se do nascimento, da morte, da velhice e
dos sofrimentos que são inerentes a eles, e mesmo nesta vida pode gozar o néctar.

Pérola 76. OS SINTOMAS DA PESSOA TRANSCENDENTAL (versos 21 a 25)

21. Arjuna perguntou: Ó meu querido Senhor, através de quais sintomas


reconhece-se quem é transcendental a estes três modos? Qual é seu
comportamento? E como ele transcende os modos da natureza?
22-25. A Suprema Personalidade de Deus disse: Ó Filho de Pandu, aquele que não
odeia a iluminação, o apego e a ilusão quando estão presentes nem os deseja
quando desaparecem; que não se abala nem se perturba com quaisquer das
reações das qualidades materiais, permanecendo neutro e transcendental; sabendo
que os modos é que são ativos; que está situado no eu e tem o mesmo
comportamento diante da felicidade e sofrimento; que olha para um torrão de
terra, uma pedra e um pedaço de ouro com a mesma visão; que é igual para o
desejável e o indesejável; que é estável, igual no louvor e na repreensão, honra e
desonra; que dá o mesmo tratamento tanto ao amigo quanto ao inimigo; e que
renunciou a todas as atividades materiais – diz-se que essa pessoa transcendeu os
modos da natureza.

Pérola 77. A CONDIÇÃO DA EXISTÊNCIA LIBERADA (versos 26 a 28)

26. Aquele que se ocupa em serviço devocional pleno e não falha em circunstância
alguma transcende de imediato os modos da natureza material e chega então ao
nível de Brahman.
27. E Eu sou a base do Brahman impessoal, que é imortal, imperecível e eterno e é
a posição constitucional da felicidade última.

***
CAPÍTULO XV
A Yoga da
Pessoa Suprema
Pérola 78. A FIGUEIRA-DA-BENGALA DO ENVOLVIMENTO MATERIAL
(versos 1 a 4)

1. A Suprema Personalidade de Deus disse: Afirma-se que existe uma figueira-da-


bengala imperecível, cujas raízes ficam para cima e os galhos para baixo e cujas
folhas são os hinos védicos. Quem conhece esta árvore é um conhecedor dos
Vedas.
2. Os galhos desta árvore se estendem para baixo e para cima, nutridos pelos três
modos da natureza material. Os brotos são os objetos dos sentidos. Esta árvore
também tem raízes que descem, e estas estão atadas às ações fruitivas da
sociedade humana.
3-4. Não se pode perceber a verdadeira forma desta árvore neste mundo. Ninguém
pode compreender onde ela acaba, onde começa, ou onde ela se alicerça. Mas com
determinação deve-se derrubar com a arma do desapego esta árvore fortemente
arraigada. Em seguida, deve-se procurar aquele lugar do qual ninguém volta após
ter chegado lá e render-se a esta Suprema Personalidade de Deus de quem tudo
começou e de quem tudo emana desde tempos imemoriais.

Pérola 79. A MORADA SUPREMA (versos 5 a 8)

5. Aqueles que estão livres do falso prestígio, da ilusão e da falsa associação, que
compreendem o eterno, que se enfastiaram da luxúria material, que estão livres
das dualidades manifestas sob a forma de felicidade e sofrimento, e que com toda a
lucidez sabem como se render à Pessoa Suprema alcançam este reino eterno.
6. Essa Minha morada suprema não é iluminada pelo Sol ou pela Lua, nem pelo
fogo ou pela eletricidade. Aqueles que a alcançam jamais retornam a este mundo
material.

Pérola 80. A LUTA DA ENTIDADE VIVA CONDICIONADA (versos 7 a 11)

7. As entidades vivas neste mundo condicionado são Minhas eternas partes


fragmentárias. Por força da vida condicionada, elas empreendem árdua luta com os
seis sentidos, entre os quais se inclui a mente.
8. Assim como o ar transporta os aromas, a entidade viva no mundo material leva
de um corpo para outro suas diferentes concepções de vida. Com isso, ela aceita
uma espécie de corpo e ao abandoná-lo volta a aceitar outro.
9. A entidade viva, aceitando esse outro corpo grosseiro, obtém um certo tipo de
ouvido, olho, língua, nariz e sentido do tato, que se agrupam ao redor da mente.
Ela então desfruta um conjunto específico de objetos dos sentidos.
10. Os tolos não conseguem compreender como a entidade viva pode abandonar
seu corpo, nem conseguem entender a espécie de corpo que ela usufruirá sob o
encanto dos modos da natureza. Mas aqueles cujos olhos estão treinados em
conhecimento pode ver tudo isto.
11. Os transcendentalistas diligentes, que estão em auto-realização, podem ver
tudo isto com bastante clareza. Mas aqueles cujas mentes não são desenvolvidas e
que não estão situados em auto-realização não podem ver o que está acontecendo,
mesmo que tentem.

Pérola 81. A PRESENÇA TODO-ABRANGENTE DO ABSOLUTO (versos 12 a


15)

12. O esplendor do Sol, que dissipa a escuridão de todo esse mundo, vem de Mim.
O esplendor da Lua e o esplendor do fogo também vêm de Mim.
13. Eu entro em cada planeta, e por intermédio de Minha energia eles permanecem
em órbita. Eu Me torno a Lua e desse modo forneço o suco da vida a todos os
vegetais.
14. Nos corpos de todas as entidades vivas, Eu sou o fogo da digestão e Me uno ao
ar vital, que sai e que entra, para digerir as quatro espécies de alimentos.
15. Estou situado nos corações de todos, e é de Mim que vêm a lembrança, o
conhecimento e o esquecimento. Através de todos os Vedas, é a Mim que se deve
conhecer. Na verdade, sou o compilador do Vedanta e sou aquele que conhece os
Vedas.

Pérola 82. A PESSOA SUPREMA (versos 16 a 20)

16. Há duas classes de seres, os falíveis e infalíveis. No mundo material, toda


entidade viva é falível, e no mundo espiritual, toda entidade viva se chama
infalível.
17. Além desses dois, há também a maior personalidade viva, a Alma Suprema, o
próprio Senhor imperecível, que entrou nos três mundos e os mantém.
18. Porque sou transcendental, situado além do falível e do infalível, e porque sou o
maior, sou celebrado tanto no mundo quanto nos Vedas como essa Pessoa
Suprema.
19. Quem quer que, sem duvidar, conheça-me como a Suprema Personalidade de
Deus, é o conhecedor de tudo. Ele, portanto, se ocupa em pleno serviço devocional
a Mim, ó filho de Bharata.
20. Esta é a parte mais confidencial das escrituras védicas, ó pessoa impoluta, e
está sendo revelada por Mim. Quem quer que compreenda isto se tornará sábio, e
seus esforços redundarão em perfeição.

* * *
CAPÍTULO XVI
As Naturezas Divinas
e Demoníacas

Pérola 83. A NATUREZA DIVINA (versos 1 a 3)

1-3. A Suprema Personalidade de Deus disse: Destemor, purificação da própria


existência; cultivo de conhecimento espiritual; caridade; autocontrole; execução de
sacrifícios; estudo dos Vedas; austeridade; simplicidade; não-violência; veracidade;
estar livre da ira; renúncia; tranqüilidade; não gostar de achar defeitos; compaixão
para com todas as entidades vivas; estar livre da cobiça; gentileza; modéstia; firme
determinação; vigor; clemência; fortaleza; limpeza, estar livre da inveja e da
paixão pela honra – estas qualidades transcendentais, ó filho de Bharata, existem
nos homens piedosos dotados de natureza divina.

Pérola 84. A NATUREZA DEMONÍACA (versos 4 a 12)

4. Orgulho, arrogância, presunção, ira, rispidez e ignorância – estas qualidades


pertencem àqueles cuja natureza é demoníaca, ó filho de Pritha.
5. As qualidades transcendentais conduzem à liberação, ao passo que as qualidades
demoníacas levam ao cativeiro. Não se preocupe, ó filho de Pandu, pois você
nasceu com as qualidades divinas.
6. Ó filho de Pritha, neste mundo há duas espécies de criaturas. Uma é chamada
divina e a outra, demoníaca. Já me detive a explicar-lhe as qualidades divinas.
Agora ouça enquanto falo sobre as características demoníacas.
7. Aqueles que são demoníacos não sabem o que se deve fazer e o que não se deve
fazer. Neles não se encontram limpeza, comportamento adequado nem verdade.
8. Eles dizem que este mundo é irreal e sem nenhum fundamento; que é produzido
do desejo sexual e tem como causa apenas a luxúria. Dizem que não há Deus no
controle.
9. Seguindo essas conclusões, os demoníacos sem saber o que fazer e sem
nenhuma inteligência, ocupam-se em atividades prejudiciais e hediondas que só
servem para destruir o mundo.
10. Refugiando-se na luxúria insaciável e absortos na presunção própria do orgulho
e do falso prestígio, os demoníacos, nesta ilusão, estão sempre comprometidos com
o trabalho sujo atraídos pelo impermanente.
11-12. Eles acreditam que satisfazer o sentidos é a necessidade primordial da
civilização humana. Com isto, até o fim da vida sua ansiedade é imensurável.
Presos a uma rede de centenas de milhares de desejos e absortos na luxúria e na
ira, eles recorrem a meios ilegais para obter o dinheiro que investirão no gozo dos
sentidos.

Pérola 85. UMA CONDIÇÃO DE EXISTÊNCIA ABOMINÁVEL (versos 13 a 20)

13-15. O ser demoníaco pensa: “Tanta riqueza eu tenho hoje, e vou ganhar mais
conforme meus planos. Tenho tanto agora e isto aumentará mais e mais no futuro.
Matei esse meu inimigo, e meus outros inimigos também serão mortos. Eu sou o
senhor de tudo. Eu sou o desfrutador. Sou perfeito, poderoso e feliz. Sou o homem
mais rico, rodeado por parentes aristocráticos. Não há ninguém tão poderoso e feliz
como eu. Executarei sacrifícios, farei alguma caridade, e com isso, ficarei contente”.
Dessa maneira, eles são iludidos pela ignorância.
16. Assim perplexos diante de tantas ansiedades e presos numa rede de ilusões,
eles se apegam demasiadamente ao gozo dos sentidos e caem no inferno.
17. Acomodados e sempre cínicos, deixando-se iludir pela riqueza e pelo falso
prestígio, eles às vezes orgulhosamente executam sacrifícios apenas de nome, sem
seguirem nenhuma regra ou regulação.
18. Confundidos pelo ego falso, força, orgulho, luxúria e ira, os demônios passam a
invejar a Suprema Personalidade de Deus, que está em seus próprios corpos e nos
corpos dos outros, e blasfemam contra a religião verdadeira.
19. Aqueles invejosos e canalhas, que são os mais baixos entre os homens, eu
perpetuamente os arrojo no oceano da existência material, onde assumiram várias
espécies de vida demoníaca.
20. Submetendo-se a repetidos nascimentos entre as espécies de vida demoníaca,
ó filho de Kunti, tais pessoas jamais conseguem aproximar-se de Mim. Aos poucos,
elas afundam-se na mais abominável condição de existência.

Pérola 86. OS TRÊS PORTÕES QUE CONDUZEM AO INFERNO (versos 21 a


24)

21. Há três portões que conduzem a este inferno – a luxúria, a ira e a cobiça. Todo
homem são deve afastar-se destes desvarios, pois eles conduzem à degradação da
alma.
22. O homem que escapou a estes três portões do inferno, ó filho de Kunti, executa
atos que conduzem à auto-realização e aos poucos atinge o destino supremo.
23. Aquele que põe de lado os preceitos das escrituras e age conforme os próprios
caprichos não alcança a perfeição, a felicidade nem o destino supremo supremo.
24. É Através das normas dadas nas escrituras que se deve, portanto, entender o
que é dever e o que não é dever. Conhecendo essas regras e regulações, todos
devem agir de modo a elevarem-se gradualmente.

* * *
CAPÍTULO XVII
As Divisões da Fé

Pérola 87. AS TRÊS CATEGORIAS DE FÉ (versos 1 ao 4)

1. Arjuna perguntou: Ó Krishna, em que situação ficam aqueles que não seguem os
princípios da escritura, mas adoram segundo sua própria imaginação? Estão eles
em bondade, paixão ou ignorância?
2. A Suprema Personalidade de Deus disse: Conforme os modos da natureza
adquiridos pela alma corporificada, sua fé pode ser de três espécies – na bondade,
na paixão ou na ignorância. Agora ouça enquanto falo sobre isso.
3. Ó filho de Bharata, conforme sua existência sob os vários modos da natureza, o
homem desenvolve determinada espécie de fé. Conforme os modos com os quais
conviveu, o ser vivo tem uma fé específica.
4. Os homens no modo da bondade adoram os semideuses; aqueles que estão no
modo da paixão adoram os demônios; e aqueles que vivem no modo da ignorância
adoram fantasmas e espíritos.

Pérola 88. AUSTERIDADES E PENITÊNCIAS DEMONÍACAS (versos 5 a 6)

5-6. Aqueles que se submetem a rigorosas austeridades e penitências não


recomendadas nas escrituras, executando-as por orgulho e egoísmo, que são
impelidos pela luxúria e apego, que são tolos e que torturam os elementos
materiais do corpo bem como a Superalma que mora no interior deste, devem ser
conhecidos como demônios.

Pérola 89. AS TRÊS CLASSES DE SACRIFÍCIOS E ALIMENTOS (versos 7 a


13)

7. Mesmo o alimento que cada pessoa prefere é de três espécies, conforme os três
modos da natureza material. O mesmo se aplica aos sacrifícios, às austeridades e à
caridade. Agora ouça enquanto falo sobre as distinções que há entre eles.
8. Os alimentos apreciados por aqueles que estão no modo da bondade aumentam
a duração da vida, purificam a existência e dão força, saúde, felicidade e satisfação.
Semelhantes alimentos são suculentos, gordurosos, saudáveis e agradáveis para o
coração.
9. Alimentos que são muito amargos, muito acres, salgados, quentes, picantes,
secos e ardentes são apreciados por quem está no modo da paixão. Tais alimentos
causam sofrimento, miséria e doença.
10. Alimento preparado mais do que três horas antes de ser ingerido, alimento
insípido, decomposto e putrefato, e alimento que consiste em refugos e substâncias
intocáveis atrai aqueles que estão no modo da escuridão.
11. Dos sacrifícios, é da natureza da bondade o sacrifício que por uma mera
questão de dever é executado conforme as direções das escrituras por aqueles que
não desejam nenhuma recompensa.
12. Mas deves saber que o sacrifício executado em troca de algum benefício
material, ou por causa do orgulho, ó principal dos Bharatas, está no modo da
paixão.
13. Considera-se que todo sacrifício executado sem que se levem em consideração
as direções das escrituras, sem que se distribua prasadam (alimento espiritual),
sem que se cantem os hinos védicos, sem que se remunerem os sacerdotes e sem
que se tenha fé, está no modo da ignorância.
Pérola 90. AS AUSTERIDADES DO CORPO, DA MENTE E DA FALA (versos 14
a 19)

14. A austeridade do corpo consiste em adorar o Senhor Supremo, os brahmanas, o


mestre espiritual e os superiores, tais como o pai e a mãe, e em limpeza,
simplicidade, celibato e não-violência.
15. A austeridade da fala consiste em proferir palavras verazes, agradáveis,
benéficas e que não perturbam aos outros, e também em recitar regularmente a
literatura védica.
16. E satisfação, simplicidade, gravidade, autocontrole e purificação da existência
são as austeridades da mente.
17. Estas três espécies de austeridade, executadas com fé transcendental por quem
não espera benefícios materiais mas que atua apenas por amor ao Supremo,
chamam-se austeridades em bondade.
18. Afirma-se que a penitência executada por orgulho e com o intuito de ganhar
respeito, honra e adoração está no modo da paixão. Não é estável nem
permanente.
19. Penitência executada por tolice, com autotortura ou visando a destruir ou ferir
os outros se diz que está no modo da ignorância.

Pérola 91. AS TRÊS CLASSES DE CARIDADES (versos 20 a 22)

20. A caridade dada por dever, sem expectativa de recompensa, no local e hora
apropriados e dada a alguém digno, está no modo da bondade.
21. Mas a caridade executada com expectativa de alguma recompensa, ou com
desejo de resultados fruitivos, ou com má vontade, diz-se que é caridade no modo
da paixão.
22. E a caridade executada em lugar impuro, em hora imprópria e feita a pessoas
indignas ou sem a devida atenção e respeito diz-se que está no modo da
ignorância.

Pérola 92. AS PALAVRAS SAGRADAS “OM TAT SAT” (versos 23 a 28)

23. Desde o começo da criação, as três palavras “om tat sat” foram usadas para
indicar a Suprema Verdade Absoluta. Estas três representações simbólicas eram
usadas pelos brahmanas enquanto cantavam os hinos dos Vedas e durante os
sacrifícios que eles executavam para a satisfação do Supremo.
24. Portanto, para alcançar o Supremo, os transcendentalistas, empreendendo a
execução de sacrifícios, caridade e penitências conforme as regulações das
escrituras, inicialmente sempre pronunciam o om.
25. Com a palavra tat, deve-se executar várias espécies de sacrifício, penitência e
caridade sem desejar resultados fruitivos. O propósito dessas atividades
transcendentais é livrar-se do enredamento material.
26-27. A Verdade Absoluta é o objetivo do sacrifício devocional, e é indicada pela
palavra sat. O executor deste sacrifício também é chamado “sat”, assim como o são
todas as obras de sacrifício, penitência e caridade que, em harmonia com a
natureza absoluta, são executadas para agradar à Pessoa Suprema, ó filho de
Pritha.
28. Tudo aquilo que é feito como sacrifício, caridade ou penitência sem fé no
Supremo, ó filho de Pritha, é impermanente. Chama-se asat e é inútil tanto nesta
vida quanto na próxima.

* * *
CAPÍTULO XVIII
A Perfeição da Renúncia

Pérolas 93. O PROPÓSITO DA RENÚNCIA (versos 1 a 6)

1. Arjuna disse: Ó pessoa de braços poderosos, desejo compreender o propósito da


renúncia e da ordem de vida renunciada (sannyasa), ó matador do demônio Keshi,
Senhor dos sentidos.
2. A Suprema Personalidade de Deus disse: A renúncia a atividades que se baseiam
no desejo material é o que os grandes eruditos chamam de ordem de vida
renunciada (sannyasa). E abdicar os resultados de todas as atividades é o que os
sábios chamam de renúncia (tyaga).
3. Alguns homens instruídos declaram que todas as espécies de atividades fruitivas
devem ser abandonadas porque são defeituosas, mas outros sábios argumentam
que os atos de sacrifício, caridade e penitência jamais devem ser abandonados.
4. Ó melhor dos Bharatas, agora ouça o que tenho a dizer sobre a renúncia. Ó tigre
entre os homens, as escrituras afirmam que há três categorias de renúncia.
5. Os atos de sacrifício, caridade e penitência não devem ser abandonados, ma sim
executados. Na verdade, sacrifício, caridade e penitência purificam até as grandes
almas.
6. Todas essas atividades devem ser executadas sem apego nem expectativa
alguma de resultado. Elas devem ser executadas por uma simples questão de
dever, ó filho de Pritha. Esta é Minha opinião final.

Pérolas 94. COMO PRATICAR A RENÚNCIA (versos 7 a 13)

7. Nunca se deve renunciar aos deveres prescritos. Se, por causa da ilusão, alguém
renuncia a seus deveres prescritos, diz-se que semelhante renúncia está no modo
da ignorância.
8. Todos que abandonaram seus deveres prescritos por serem problemáticos ou por
medo de desconforto físico renunciaram sob a influência do modo da paixão. Tal ato
jamais conduz à elevação decorrente da renúncia.
9. Ó Arjuna, quando alguém executa seu dever prescrito só porque deve ser feito, e
renuncia a toda a associação material e a todo o apego ao fruto, diz-se que sua
renúncia está no modo da bondade.
10. O renunciante inteligente, situado no modo da bondade, que não detesta o
trabalho inauspicioso nem se apega ao trabalho auspicioso, não tem nenhuma
dúvida sobre o trabalho.
11. De fato, é impossível para um ser corporificado renunciar a todas as atividades.
Mas quem renuncia aos frutos da ação é que renunciou de verdade.
12. Para quem não é renunciado, as três espécies de frutos da ação – desejáveis,
indesejáveis e mistos – germinam após a morte. Mas aqueles que estão na ordem
de vida renunciada não experimentam este resultado sob a forma de sofrimento e
prazer.

Pérola 95. DIFERENTES CAUSAS DA AÇÃO (versos 13 a 18)

13. Ó Arjuna de braços poderosos, segundo o Vedanta existem cinco causas que
levam à concretização de todos os atos. Agora ouça enquanto falo sobre isto.
14. O lugar onde ocorre a ação (o corpo), o executor, os vários sentidos, as muitas
diferentes espécies de esforço e, por fim, a Superalma – estes são os cinco fatores
da ação.
15. Qualquer ação certa ou errada que um homem execute através do corpo, da
mente ou da fala é causada por estes cinco fatores.
16. Portanto, aquele que se considera o único executor e não leva em consideração
os cinco fatores com certeza não é muito inteligente e não pode perceber as coisas
como elas são.
17. Aquele que não é motivado pelo ego falso, cuja inteligência não está enredada,
embora mate homens neste mundo, não mata. Tampouco fica preso a suas ações.
18. O conhecimento, o objeto do conhecimento e o conhecedor são os três fatores
que motivam a ação; os sentidos, o trabalho e o autor são os três constituintes da
ação.

Pérola 96. AS TRÊS CLASSES DE CONHECIMENTO (versos 19 a 22)

19. Conforme os três diferentes modos da natureza material, há três classes de


conhecimento, ação e executor da ação. Agora ouça enquanto falo sobre elas.
20. Você deve compreender que está no modo da bondade aquele conhecimento
com o qual se percebe uma só natureza espiritual indivisa em todas as entidades
vivas, embora elas se apresentem sob inúmeras formas.
21. Você deve entender que está no modo da paixão aquele conhecimento com o
qual se vê em cada corpo diferente um diferente tipo de entidade viva.
22. E diz-se que está no modo da ignorância aquele conhecimento pelo qual alguém
se apega a um tipo específico de trabalho como tudo o que existe, sem ter a
compreensão da verdade, além de ser muito escasso.

Pérola 97. A AÇÃO E SUAS DIVISÕES (versos 23 a 25)

23. Diz-se que está no modo da bondade aquela ação que é regulada e que se
executa sem apego, sem amor nem repulsa e sem desejo de resultados fruitivos.
24. Mas a ação executada com grande esforço por alguém que busca satisfazer
seus desejos, e efetuada por causa de uma sensação de ego falso, chama-se ação
no modo da paixão.
25. A ação executada em ilusão, que não leva em conta os preceitos das escrituras,
e em que não há preocupação com cativeiro futuro ou com violência ou sofrimento
causados aos outros diz-se que está no modo da ignorância.

Pérola 98. O EXECUTOR E SUAS DIVISÕES (versos 26 a 28)

26. Aquele que executa seu dever sem entrar em contato com os modos da
natureza material, sem ego falso, com grande determinação e entusiasmo, e sem
se deixar levar pelo sucesso ou pelo fracasso diz-se que é um trabalhador no modo
da bondade.
27. O trabalhador que se apega ao trabalho e aos frutos do trabalho, desejando
gozar esses frutos, e que é cobiçoso, sempre invejoso, impuro e que se deixa afetar
pela alegria e tristeza, diz-se que está no modo da paixão.
28. O trabalhador que sempre está ocupado em trabalho que vai de encontro aos
preceitos das escrituras, que é materialista, obstinado, trapaceiro e perito em
insultar os outros, e que é preguiçoso, sempre desanimado e irresoluto diz-se que é
um trabalhador no modo da ignorância.

Pérola 99. A DIVISÃO DA COMPREENSÃO E DA DETERMINAÇÃO (versos 29


a 35)

29. Ó conquistador de riquezas, agora por favor ouça enquanto lhe falo
pormenorizadamente sobre as diferentes espécies de compreensão e determinação,
segundo os três modos da natureza material.
30. Ó filho de Pritha, esta compreensão pela qual se sabe o que deve ser feito e o
que não deve ser feito, o que se deve temer e o que não se deve temer, o que
prende e o que liberta, está no modo da bondade.
31. Ó filho de Pritha, a compreensão que não pode distinguir entre religião e
irreligião, entre ação que deve ser feita e ação que não deve ser feita, está no
modo da paixão.
32. A compreensão que considera a irreligião como religião e a religião como
irreligião, que age sob o encanto da ilusão e da escuridão e se esforça sempre na
direção errada, ó Partha, está no modo da ignorância.
33. Ó filho de Pritha, a determinação que é inquebrantável, que através da prática
de yoga ganha muita firmeza e controla então as atividades da mente, vida e
sentidos, é determinação no modo da bondade.
34. Mas a determinação pela qual o homem se atem aos resultados fruitivos da
religião, do desenvolvimento econômico e do gozo dos sentidos é da natureza da
paixão, ó Arjuna.
35. E a determinação que não pode transpor o sonho, o medo, a lamentação, a
melancolia e a ilusão – tal determinação ininteligente, ó filho de Pritha, está no
modo da escuridão.

Pérola 100. A DIVISÃO DA FELICIDADE (versos 36 a 39)

36. Ó melhor dos Bharatas, agora por favor ouça enquanto falo sobre as três
espécies de felicidade que levam a alma condicionada a desfrutar e que às vezes
lhe trazem o fim de todo o sofrimento.
37. Aquilo que no começo pode parecer veneno, mas que no final é tal qual néctar
e que causa o despertar da auto-realização diz-se que é felicidade no modo da
bondade.
38. A felicidade que deriva do contato dos sentidos com seus objetos e que parece
néctar no começo mas no final é um veneno diz-se que é da natureza da paixão.
39. E se diz que a felicidade que é cega para a auto-realização, que é ilusão do
começo ao fim e que surge do sono, da preguiça e da ilusão é da natureza da
ignorância.

Pérola 101. O TRABALHO EOS MODOS DA NATUREZA (versos 40 a 44)

40. Aqui ou entre os semideuses nos sistemas planetários superiores, não existe
ser algum que esteja livre destes três modos nascidos da natureza material.
41. Os brahmanas, os kshatriyas, os vaishyas e os shudras distinguem-se pelas
qualidades que, de acordo com os modos materiais, são nascidas de sua própria
natureza, ó castigador do inimigo.
42. Tranquilidade, autocontrole, austeridade, pureza, tolerância, honestidade,
conhecimento, sabedoria e religiosidade – são estas as qualidades naturais com as
quais os brahmanas agem.
43. Heroísmo, poder, determinação, destreza, coragem na batalha, generosidade e
liderança são as qualidades naturais das atividades dos kshatriyas.
44. A agricultura, a proteção às vacas e o comércio são as atividades naturais dos
vaishyas, e os shudras devem executar trabalho e serviço para os outros.

Pérola 102. A PERFEIÇÃO NA EXECUÇÃO DO DEVER (versos 45 a 49)

45. Sujeitando-se às qualidades de seu trabalho, cada um pode tornar-se perfeito.


Agora por favor ouça enquanto falo como é que alguém pode tomar essa atitude.
46. Prestando adoração ao Senhor, que é a fonte de todos os seres e que é
onipenetrante, o homem pode atingir a perfeição através da execução de seu
próprio trabalho.
47. É melhor alguém dedicar-se à sua própria ocupação, mesmo que venha a
executá-la imperfeitamente, do que aceitar alguma ocupação alheia e executá-la
com perfeição. Os deveres prescritos conforme a natureza da pessoa nunca são
afetados por reações pecaminosas.
48. Todo empenho é revestido de algum defeito, assim como o fogo é coberto pela
fumaça. Por isso, ninguém deve abandonar o trabalho nascido de sua natureza, ó
filho de Kunti, mesmo que esse trabalho seja cheio de defeitos.
49. Quem é autocontrolado e desapegado e não se interessa por nenhum prazer
material pode obter, pela prática da renúncia, a fase perfeita mais elevada: estar
livre de reação.

Pérola 103. A ETAPA PERFECTIVA SUPREMA (versos 50 a 54)

50. Ó filho de Kunti, aprenda comigo como é que, seguindo o método que agora
passo a resumir, alguém que conseguiu esta perfeição pode alcançar a fase de
suma perfeição, o Brahman, a etapa do conhecimento mais elevado.
51-53. Tendo uma inteligência que o purifica e controlando a mente com
determinação, abandonando os objetos de gozo dos sentidos, estando livre do
apego e do ódio, aquele que vive num lugar isolado, que come pouco, que controla
seu corpo, mente e poder de fala, que está sempre em transe e que é desapegado,
livre do ego falso, da falsa força, do falso orgulho, da luxúria, da ira e que deixou
de aceitar coisas materiais, que está livre da falsa idéia de propriedade e é pacífico
– este com certeza elevou-se à posição de auto-realização.
54. Aquele que está situado nessa posição transcendental compreende de imediato
o Brahman Supremo e torna-se completamente feliz. Ele nunca se lamenta nem
deseja ter nada e é equânime para com todas as entidades vivas. Nesse estado, ele
passa a Me prestar serviço devocional puro.

Pérola 104. O CONHECIMENTO MAIS CONFIDENCIAL (versos 55 a 62)

55. É unicamente através do serviço devocional que alguém pode compreender-Me


como sou, como a Suprema Personalidade de Deus. E quando, mediante essa
devoção, ele se absorve em plena consciência de Mim, ela pode entrar no reino de
Deus.
56. Embora ocupado em todas as espécies de atividades, Meu devoto puro, sob
Minha proteção, alcança por Minha graça a morada eterna e imperecível.
57. Em todas as atividades conte apenas comigo e sempre trabalhe sob Minha
proteção. Nesse serviço devocional, seja plenamente consciente de Mim.
58. Se você se tornar consciente de Mim, superará por Minha graça todos os
obstáculos da vida condicionada. Entretanto, se não trabalhar com essa
consciência, mas agir com ego falso e deixar de Me ouvir, você estará perdido.
59. Se você deixar de agir segundo Minha direção e não lutar, então seguirá uma
orientação errada. Por sua natureza, você terá de se ocupar na luta.
60. Sob a influência da ilusão, você está agora recusando a agir segundo a Minha
direção. Mas, compelido pelo trabalho nascido de sua própria natureza, você
acabará fatalmente agindo, ó filho de Kunti.
61. O Senhor Supremo está situado nos corações de todos, ó Arjuna, e está
dirigindo as andanças de todas as entidades vivas, que estão sentadas num tipo de
máquina feita pela energia material.
62. Ó descendente de Bharata, renda-se completamente a Ele. Por Sua graça, você
vai obter paz transcendental e a suprema e eterna morada.

Pérola 105. A INSTRUÇÃO SUPREMA (versos 63 a 65)

63. Assim, Eu lhe expliquei o conhecimento bem mais confidencial. Delibere sobre
isto detidamente, e então faça o que você deseja fazer.
64. Porque você é Meu queridíssimo amigo, estou falando para você Minha
instrução suprema, o mais confidencial de todos os conhecimentos. Ouça enquanto
falo isto, pois é para seu benefício.
65. Pense sempre em Mim e converta-se em Meu devoto. Adore-Me e ofereça-Me
suas homenagens. Assim, você virá a Mim impreterivelmente. Eu lhe prometo isto
porque você é Meu amigo muito querido.

Pérola 106. A PERFEIÇÃO DA RENÚNCIA (versos 66 a 69)

66. Abandona todas as variedades de religião e simplesmente rende-te a Mim. Eu


te libertarei de todas as reações pecaminosas. Não temas.
67. Este conhecimento confidencial jamais pode ser explicado àqueles que não são
austeros, nem devotados, nem se ocupam em serviço devocional, e tampouco a
alguém que tenha inveja de Mim.
68. Para aquele que explica aos devotos este segredo supremo, o serviço
devocional puro está garantido, e no final, ele voltará a Mim.
69. Não há neste mundo servo que Me seja mais querido do que ele, tampouco
jamais haverá alguém mais querido.

Pérola 107. A ILUSÃO DE ARJUNA É DISSIPADA (versos 70 a 73)

70. E declaro que aquele que estuda esta nossa sagrada conversa adora-Me com
sua inteligência.
71. E aquele que ouve com fé e sem inveja livra-se das reações pecaminosas e
alcança os planetas auspiciosos onde residem os seres piedosos.
72. Ó filho de Pritha, ó conquistador de riquezas, será que ouviste isto com a mente
atenta? E acaso tua ignorância e ilusões já se dissiparam?
73. Arjuna disse: Meu querido Krishna, ó pessoa infalível, agora minha ilusão se foi.
Por Tua misericórdia, recuperei minha memória. Agora me sinto firme e não tenho
dúvidas e estou preparado para agir segundo Tuas instruções.

Pérola 108. O ÊXTASE DE SAÑJAYA (versos 74 a 78)

74. Sañjaya disse: Assim foi que ouvi a conversa entre duas grandes almas,
Krishna e Arjuna. E tão maravilhosa é esta mensagem que os pêlos de meu corpo
estão arrepiados.
75. Pela misericórdia de Vyasa, ouvi diretamente do senhor de todo o misticismo,
Krishna, estas palavras muito confidenciais que Ele mesmo estava dirigindo a
Arjuna.
76 Ó rei, à medida que vou recordando este magnífico e santo diálogo transcorrido
entre Krishna e Arjuna, sinto prazer e a cada momento fico emocionado.
77. Ó rei, ao lembrar a maravilhosa forma do Senhor Krishna, sinto uma admiração
cada vez maior e me regozijo repetidas vezes. 78. Onde quer que esteja Krishna, o
Senhor de todos os místicos, e onde quer que esteja Arjuna, o arqueiro supremo,
com certeza também haverá opulência, vitória, poder extraordinário e moralidade.
Esta é a minha opinião.

* * *
COMENTÁRIOS SOBRE O TEXTO

CAPÍTULO I: Observando os Exércitos

Pérola 1. DURYODHANA ACREDITA NA VITÓRIA (versos 1 a 11)

Dhritarastra e Pandu eram irmãos, pois ambos haviam sido gerados pelo
grande sábio Vyasadeva. A história do nascimento deles começa com um incidente
ocorrido com o piedoso Maharaja Mahabhisheka.

Tendo abandonado seu corpo, Mahabhiseka alcançou os planetas celestiais.


Ao visitar Satyaloka com o propósito de adorar o Senhor Brahma, Mahabhisheka
encontrou-se com a bela deusa Ganga. Naquela atmosfera devocional, uma brisa
fortuita levantou o vestido de Ganga, inspirando-o a lançar um olhar luxurioso para
ela. Uma vez que Ganga Devi havia respondido ao olhar do rei com um leve sorriso,
Brahma ficou indignado com a atitude deles e amaldiçoou-os a nascer na Terra.
Não desejando vir a este planeta, Ganga Devi caiu aos pés do Senhor Brahma,
pedindo seu perdão. Mas, Brahma disse a ela que somente depois de liberar os oito
Vasus*, ela iria recuperar sua verdadeira posição. Desse modo, Mahabhiseka teve
de nascer na Terra como Maharaja Santanu e obteve Ganga como sua esposa.
Enquanto caçava nas margens do rio Ganges, Santanu conheceu a linda donzela
Ganga e imediatamente caiu de amor por ela, desejando-a como esposa. Ela
aceitou tornar-se sua esposa na condição que ele não poderia se opor a qualquer
coisa que ela fizesse. Caso contrário, ela partiria imediatamente para nunca mais
voltar. Embora assustado com o que acabara de ouvir, Santanu concordou com
Ganga, e eles se casaram.

Ganga mostrava ser uma esposa ideal. Dedicada e gentil, ela era querida
por todos e parecia que eles formavam um casal perfeito. Logo uma bela criança
nasceu, entretanto, de uma maneira cruel, Ganga pegou este filho e carregou-o até
a beira do rio Ganges. Santanu ficou perplexo, mas, lembrando a promessa que
fizera a Ganga, não podia contrariá-la. Desse modo, em grande desespero e calado,
Santanu teve de assistir à sua querida esposa atirando dentro do rio Ganges a
criança recém-nascida. Sete filhos nasceram e ela jogava um por um dentro do rio
Ganges. Em grande desespero e incapaz de se controlar, após o nascimento do
oitavo filho, Santanu tentou impedir Ganga de voltar a cometer semelhante
crueldade. Embora tivesse concordado com Santanu, Ganga lembrou-o de que ele
havia quebrado sua promessa e, como havia sido combinado, imediatamente partiu
do palácio para a floresta, acompanhada de seu oitavo filho, o qual passou a
chamar-se Devavrata.

Muitos anos se passaram e, novamente, Santanu Maharaja foi à beira do rio


Ganges para caçar. Dessa vez, ele viu um lindo jovem parando o fluxo das águas,
atirando uma fileira de flechas sobre toda a sua extensão. Sentindo-se atraído por
ele, Santanu se aproximou e, naquele momento, Ganga Devi apareceu novamente
diante do rei. Entendendo que o menino era o seu querido filho, Santanu, dirigindo-
se a Ganga, pediu-o de volta e levou-o para o seu palácio, enquanto Ganga
desapareceu para sempre.

Santanu ficou muito feliz com a companhia de seu querido e qualificado


filho, pois o jovem e maravilhoso Devavrata possuía beleza indescritível e havia
sido educado em todos os ramos de conhecimento dos Vedas pelo poderoso sábio
Vashistha. Desse modo, todos, e especialmente Santanu, estavam muito felizes,
pois agora o reino possuía um herdeiro verdadeiramente qualificado.

Um dia, novamente enquanto caçava na floresta, Santanu sentiu um doce


aroma de almíscar no ar que exalava do corpo da bela jovem chamada Satyavati*,
a qual era a filha de um pescador. Sentindo-se completamente encantado por ela,
Santanu aproximou-se de seu pai e pediu-a em casamento. Mas o valente pescador
não cedeu ao pedido do rei imediatamente, pois ele explicou que sua filha havia
recebido uma bênção do grande sábio Parashara Muni de que o filho dela herdaria o
trono real. Ele também acrescentou que Santanu já tinha Devavrata como filho e
este seria o herdeiro do trono. Incapaz de encontrar solução para o problema,
Santanu voltou para o palácio, sentindo muita tristeza e depressão por não poder
se casar com a bela Satyavati. Desde então, Santanu perdeu o interesse pela vida e
preferia permanecer em sua cama, passando o tempo na solidão.
Preocupado com a condição de seu pai, Devavrata aproximou-se dos seus
ministros, os quais contaram todos os pormenores da causa da lamentação de seu
pai. Imediatamente indo até o pescador, Devavrata pediu para que ele permitisse
que sua filha se casasse com seu pai. Tendo ouvido as condições impostas pelo
pescador, Devavrata decidiu imediatamente renunciar ao reino. Desse modo, o filho
de Satyavati se tornaria o herdeiro do trono. No entanto, o pescador ainda não
estava satisfeito. Sendo muito inteligente e perspicaz, ele mencionou que, ainda
assim, no futuro poderia haver uma grande disputa pelo trono entre o filho de
Satyavati e o filho de Devavrata. Neste caso, num gesto de completa fidelidade a
seu pai, Devavrata se levantou e, com as mãos postas, fez um voto solene de
castidade, garantindo ao pescador que nunca iria se casar! Neste momento, os
semideuses lançaram do céu uma chuva de flores, enquanto declararam
impressionados que, a partir daquele momento, Devavrata deveria ser chamado de
Bhisma, ou seja: “Aquele que fez um voto terrível”. Ficando satisfeito, o pescador
finalmente concordou em dar a mão de sua filha a Santanu.
Devavrata, agora conhecido como Bhisma, levou Satyavati para o palácio e
entregou-a a seu pai. Ao saber dos detalhes sobre o que havia acontecido, Santanu
Maharaja ficou muito satisfeito com o seu filho e o abraçou com lágrimas de
gratidão e orgulho, dando-lhe a bênção de que ele só iria morrer quando quisesse.
Do casamento de Santanu e Satyavati nasceram Vichitravirya e Chitrangada, sendo
este último coroado como rei. No entanto, o jovem rei foi morto por um Gandharva
de mesmo nome, deixando o trono para seu irmão Vichitravirya. Bhisma estava
preocupado com a continuidade da dinastia e, por isso, queria que seu jovem irmão
Vichitravirya se casasse o mais rápido possível. Ouvindo que o momento da
cerimônia svayamvara (a cerimônia da escolha do esposo) das três filhas do rei de
Kashi havia chegado, Bhisma se dirigiu até lá. Como ele já era um pouco idoso e
tinha a fama de ter feito um voto de castidade, os outros reis tentaram impedi-lo
de participar da cerimônia. Depois de derrotar vários reis como Salva, Bhisma
heroicamente raptou as três filhas do rei de Kashi e levou-as em sua carruagem
para o palácio de Vichitravirya. Com sua chegada, portanto, foram feitas as
preparações para o casamento de Vichitravirya com as três princesas que se
chamavam Amba, Ambika e Ambalika. Então, Amba aproximou-se de Bhisma e
disse-lhe que ela já havia entregado seu coração ao rei Salva. Bhisma, então,
permitiu que ela retornasse para casa e fosse procurar Salva. Assim sendo,
Vichitravirya casou-se com Ambika e Ambalika. Depois de reinar por sete anos,
Vichitravirya acaba morrendo sem deixar nenhum herdeiro, criando mais uma
grande crise na dinastia.

Depois disso, Satyavati aproximou-se de Bhisma e pediu para que ele


gerasse uma criança numa das esposas de seu falecido irmão, mas Bhisma
manteve-se firme e decidido a não quebrar sua promessa. Então, Satyavati contou-
lhe que quando era bastante jovem teve com Parashara Muni um filho cujo nome
era Vyasadeva, e sugeriu trazê-lo para gerar filhos nas viúvas de Vichitravirya. Na
verdade, Vyasadeva era um sábio muito famoso e poderoso e levava uma vida
retirada, praticando austeridades e penitências nas montanhas dos Himalayas.
Bhismadeva imediatamente concordou com a idéia, vendo a possibilidade de dar
continuidade à dinastia de seu pai. Tendo sido solicitado, Vyasadeva concordou com
a proposta e desceu das montanhas Himalayas para satisfazer o pedido de sua
querida mãe. No entanto, devido às suas severas penitências, seu aspecto era
assustador. Seus cabelos e barba eram longos e desgrenhados e suas unhas eram
enormes. Ao aproximar-se de Ambika para gerar um filho, ela ficou bastante
assustada e fechou os olhos durante o intercurso sexual. Desta união, nasceu
Dhritarastra, um rei muito forte e poderoso. Entretanto, como Ambika havia
fechado seus olhos no momento da união com Vyasa, Dhritarastra nasceu cego.
Chegou, portanto, a vez de Ambalika ser chamada para conceber um filho com o
sábio Vyasa. Sabendo do que havia acontecido com sua irmã, Ambalika estava
muito assustada e manteve seus olhos bem abertos durante o ato sexual. O
resultado desta união foi o nascimento do poderoso Pandu, o qual nasceu
excessivamente pálido, devido à condição assustada de sua mãe na hora de sua
concepção. Ao crescerem, Dhritarastra casou-se com Gandhari, ao passo que Pandu
casou-se com Kunti e Madri.

Com a bênção de Vyasa, da união de Dhritarastra e Gandhari, nasceram


cem filhos, encabeçados pelo malévolo Duryodhana*, enquanto Pandu teve cinco
filhos com suas esposas, os quais ficaram famosos como Pandavas. Embora fosse
mais velho do que Pandu, Dhritarastra foi excluído da herança do reino devido à
sua cegueira. Desse modo, Pandu foi coroado rei. No entanto, seu reinado durou
muito pouco e, antes mesmo de ter filhos, Pandu recebeu uma terrível maldição
que ele seria morto no momento que ele se entregasse ao ato sexual. Desse modo,
Pandu abandonou o reino e, acompanhado de suas duas esposas, foi viver na
floresta executando austeridades. Vendo que novamente a dinastia estava
ameaçada, uma de suas esposas, a gloriosa Kunti Devi, revelou que havia recebido
a bênção do grande sábio Durvasa Muni de invocar qualquer semideus que
desejasse para, deste modo, gerar filhos com ele. Portanto, a pedido de Pandu,
Kunti foi capaz de gerar três filhos gloriosos. Primeiro Kunti invocou Dharma, o
semideus da religião, gerando assim um virtuosíssimo filho. Logo que nasceu, uma
voz divina disse: “Esta criança será chamada Yudhisthira e será gloriosa,
determinada, renunciada e famosa nos três mundos!” Pandu desejava também um
filho de grande força física. Portanto, Kunti invocou Vayu, o semideus do vento.
Tendo se unido com ele, uma criança muito poderosa foi gerada. Ao nascer, a
mesma voz sobrenatural disse: “Esta criança será o mais forte dentre os homens!”
Em seguida, Kunti invocou Indra, o rei dos céus, e concebeu mais uma linda
criança. Desta vez, a voz celestial vibrou: “Ó Kunti, esta criança será tão forte
como Kartavirya e Shibi, e, como o próprio Indra, será invencível na batalha. Sua
fama espalhar-se-á por todos os lugares e ele obterá armas divinas”.
Subsequentemente, Madri, a segunda esposa de Pandu, gerou dois filhos: Nakula e
Sahadeva. Estes cinco filhos – Yudhisthira, Bhima, Arjuna, Nakula e Sahadeva –
ficaram conhecidos como Pandavas.

Desde a época em que Pandu havia ido para a floresta, Dhritarastra havia
assumido temporariamente o reino, até que Yudhisthira atingisse a idade
apropriada para assumir o trono. Entretanto, como resultado da maldição que havia
recebido, Pandu morreu antes que seu filho mais velho fosse entronizado e os
Pandavas ficaram sob os cuidados de Kunti Devi, uma vez que Madri havia
renunciado sua vida, entrando na pira funerária juntamente com seu esposo.
Depois disso, os Pandavas foram levados para Hastinapura e foram criados à
maneira real sob os cuidados de Dhritarastra.

Portanto, como depois da morte de seu pai os Pandavas viveram sob o


completo abrigo de Dhritarastra, eles também deveriam ser considerados como
filhos diretos de Dhritarastra. No entanto, fica bastante explícito aqui no começo do
Bhagavad-gita que, infelizmente, Dhritarastra limitava seu interesse apenas em
seus filhos, não se considerando responsável de por proteção a filhos de seu irmão
Pandu. Em condições normais, tal comportamento por parte de Dhritarastra não
fazia o menor sentido, uma vez que tanto seus filhos quanto os filhos de seu
falecido irmão sempre viveram juntos no mesmo palácio onde estudaram e
aprenderam as ciências militares, políticas, etc.

O verdadeiro problema era que a cegueira de Dhritarastra também se


manifestava na vida espiritual. Especialmente seu filho mais velho, Duryodhana,
havia herdado dele esta mesma cegueira espiritual e não queria conviver
amistosamente com seus primos-irmãos, os Pandavas. Ele não conseguia tolerar o
fato de que seus primos, encabeçados por Yudhisthira, deveriam ser coroados como
sucessores do reino dos Kurus. Sedentos de poder, os invejosos filhos de
Dhritarastra criaram uma situação insustentável, a qual acabou culminando na
grande Batalha de Kurukshetra.

É igualmente importante verificarmos a grande preocupação de Dhritarastra


pelo resultado desta batalha. Em seu íntimo, ele podia compreender que a tentativa
de seus filhos de usurparem o reino de seus primos era ilícita e, por conseguinte,
estava destinada ao fracasso. Ao citar que a batalha aconteceria em Kurukshetra,
um lugar de peregrinação, ele estava indiretamente perguntando a seu secretário
Sañjaya* se, de fato, a influência do lugar favoreceria os Pandavas que eram
seguidores estritos do dharma. Como resposta, Sañjaya inicia a descrição da
situação no campo de Kurukshetra, transmitindo primeiramente o diálogo entre
Duryodhana e seu mestre de armas, Dronacharya.

Como um materialista cobiçoso e obstinado, Duryodhana estava pensando


que a força de seu exército era superior. Ele não podia compreender que o Senhor
Krishna, a Suprema Personalidade de Deus, estando ao lado de Arjuna, definia
completamente a vitória para o lado dos Pandavas, os quais, além de altamente
qualificados, se sentiam plenamente dependentes e confiantes na misericórdia do
Senhor.

*VASUS: Certa vez, a esposa de Dyau, um dos oito Vasus, estava


perambulando pela floresta e viu a vaca Nandini pastando com seu bezerro perto
do ashram de Vasistha Muni. Atraída pela beleza e pelos poderes divinos que o
animal possuía, ela desejou obter esta vaca para presenteá-la à sua amiga Jitavati,
a filha do rei Ushinara. Deste modo, ela informou seu esposo Dyau sobre seu
desejo e, no dia seguinte, quando o sábio Vasistha estava ausente, os oito Vasus
roubaram Nandini com seu bezerro. Quando Vasistha retornou ao ashram, tanto
Nandini quanto seu bezerro haviam desaparecido e, com seus olhos místicos de
grande yogi, ele pôde entender a razão disto. Desse modo, ele amaldiçoou os
Vasus a nascerem na Terra, e, quando eles imploraram pelo seu perdão, Vasistha
Muni decidiu diminuir a maldição, dizendo-lhes que, ainda assim, eles teriam de
simplesmente nascer na Terra para imediatamente morrer e voltar para os planetas
celestiais. Ao mesmo tempo, o sábio disse que Dyau sozinho, o qual havia liderado
o roubo de Nandini, deveria viver na Terra por um longo período antes de retornar
aos planetas celestiais.

*SATYAVATI: Ao contemplar a união de dois animais, certa vez enquanto


caçava, o rei Uparicharavasu ejaculou seu poderoso sêmen. O rei então enviou seu
sêmen à rainha, mas, no caminho, o sêmen caiu no rio Ganges e foi comido por um
peixe, o qual era a jovem celestial Adrika que havia sido amaldiçoada a nascer
como um peixe. Adrika ficou grávida e foi capturada por um pescador que, ao abrir
a barriga do peixe, encontrou um menino, o qual foi entregue ao rei, e uma
menina, que foi criada por ele. Seu nome era Satyavati, mas, por que tinha cheiro
(gandha) de peixe (matsya), a bela menina ficou conhecida como Matsya-gandha.
Crescendo sob os cuidados do pescador, Matsya-gandha ajudava-o a atravessar as
pessoas para a outra margem do Ganges. Numa ocasião, o sábio Parashara desejou
ir para a outra margem do rio. A pedido de seu pai, Matsya-gandha, a qual já havia
se tornado uma jovem mulher, começou a remar, sentada em frente a ele. A beleza
da donzela combinada com as ondas do rio atraiu sexualmente o sábio Parashara,
que veio sentar-se perto dela. Assustada, Matsya-gandha afastou-se e pediu
humildemente que não violasse sua castidade. O poderoso sábio então formou um
nevoeiro em volta do barco e criou uma pequena ilha no meio do rio. Neste
momento, o cheiro de peixe desapareceu e um doce aroma de almíscar surgiu do
corpo da donzela. Dando-lhe a garantia de que ela não perderia sua virgindade, o
sábio concebeu uma criança no ventre de Satyavati e disse: “Ó gloriosa Satyavati!
Uma porção plenária de Vishnu virá como teu filho. Ele será puro, famoso nos três
mundos, altamente erudito e o mestre do mundo todo e será conhecido como
Vyasadeva!”

*DURYODHANA: Quando menina, Gandhari havia recebido uma bênção do


Senhor Shiva de conceber cem filhos. Embora fosse uma das mais belas moças
daquela época, quando ficou sabendo que seu futuro esposo seria o cego
Dhritarastra, a casta Gandhari voluntariamente decidiu cobrir seus olhos com tiras
de seda. Gandhari logo ficou grávida de Dhritarastra, mas, passados dois anos, ela
ainda não havia dado à luz. Neste ínterim, a esposa de Pandu, Kunti Devi,
concebeu Yudhisthira como filho, o que provocou a inveja de Gandhari. Desse
modo, Gandhari ficou irada e deu uma pancada em seu próprio abdômen,
provocando o aborto de um amontoado de carne. O sábio Vyasadeva se propôs a
ajudá-la e aconselhou-a a dividir o amontoado em cem partes. Cada uma das
partes se desenvolveu até se tornar um menino e, assim, sua ambição de ser mãe
de cem filhos foi satisfeita. O filho mais velho foi chamado de Duryodhana, o qual,
no momento do nascimento, emitiu um grito terrível que era exatamente como um
choro de um asno e, ao ouvirem-no, os outros asnos também gritaram, produzindo
um som demoníaco. Ao mesmo tempo, os chacais uivavam, pássaros como os
corvos e abutres choravam e uma forte tempestade testemunhava a terrível
ocasião. Alarmado pelos maus presságios, Dhritarastra enviou seu filho aos
brahmanas e outros benquerentes como Bhisma e Vidura e perguntou a eles se seu
filho poderia se tornar rei depois da morte de Yudhisthira. Novamente, os maus
presságios se manifestaram como testemunhas. Depois de madura consideração,
Vidura e os brahmanas eruditos responderam que, devido ao nascimento de
Duryodhana, toda a região e seu povo seriam arruinados e que Dhritarastra deveria
abandonar a criança. Evidentemente, devido à afeição paternal, Dhritarastra não foi
capaz de tomar esta atitude.

*SAÑJAYA: Tendo nascido nos círculos de amigos dos Kauravas, Sañjaya


tornou-se ministro de Dhritarastra e recebeu uma grande bênção de Vyasadeva.
Quando Vyasa foi visitar Dhritarastra, os exércitos dos Kauravas e dos Pandavas
estavam se preparando para a batalha. Dhritarastra estava ansioso, mas, como era
cego, estava impossibilitado de ir ao campo de Kurukshetra e observar os
acontecimentos por si só. Desse modo, Vyasa chamou Sañjaya e, dando-lhe uma
visão divina interior, abençoou-o a ver todos os eventos da batalha diretamente
dentro do coração e narrá-los para Dhritarastra.

Pérola 2. O SOAR DOS BÚZIOS (versos 12 a 19)

Embora os Pandavas e os Kauravas realmente fossem se confrontar em


Kurukshetra para decidir quem iria governar a Terra, ao mesmo tempo, a batalha
também possuía seus aspectos esotéricos, e estava repleta de significados ocultos.
Por exemplo, Krishna é conhecido como Partha-sarathi porque aceitou atuar como o
quadrigário de Arjuna. Analogamente, nosso corpo material é também comparado a
uma quadriga arrastada por cinco cavalos, os cinco sentidos. Neste exemplo, nossa
mente é comparada às rédeas desta quadriga e a inteligência é comparada ao
quadrigário ou condutor. Portanto, a alma está simplesmente na posição de
passageiro deste corpo material, ou quadriga. Isto significa que, ao aceitar atuar
como quadrigário de Seu amigo e devoto Arjuna, o Senhor Krishna estava
indicando que não iria simplesmente conduzir a sua quadriga propriamente dita. O
Senhor Krishna previu que Arjuna teria de enfrentar sérios problemas com seus
“cavalos” dos sentidos, e, devido a afeição que sentia por Arjuna, queria ajudá-lo a
conduzir corretamente seus sentidos. Em outras palavras, assim como Partha-
sarathi é o nome de Krishna que O indica como o condutor de Arjuna, ao ser
chamado de Hrishikesha, o Senhor Krishna confirma que, como Inteligência
Suprema, Ele é o condutor dos sentidos, ou cavalos, dos Seus devotos, que estão
temporariamente como passageiros neste corpo material, ou quadriga, lutando
arduamente com seus próprios inimigos internos, tais como a cobiça, a luxúria e a
ira.

A batalha estava prestes a começar. Sañjaya descreve os guerreiros


soprando suas conchas, indicando que estavam prontos para o seu início.
Primeiramente, ele procura animar Dhritarastra, comparando o som produzido pela
concha do avô Bhisma com um poderoso rugido de um leão. No entanto, logo que
os búzios de Krishna e Arjuna foram soprados, Sañjaya os chama de búzios
transcendentais. Tal diferença entre a descrição do búzio soprado por Bhisma e, por
outro lado, dos búzios soprados por Krishna e Arjuna, simplesmente servia como
uma forte indicação de que a vitória estava ao lado de Arjuna, que aceitou que seu
amigo e companheiro, Krishna, Hrishikesha, ou “o Senhor dos sentidos”, atuasse
como seu quadrigário.

Pérola 3. ARJUNA OBSERVA OS EXÉRCITOS (versos 20 a 27)

Ao ver seus parentes e benquerentes prontos para se digladiarem com ele,


Arjuna ficou completamente dominado pela compaixão. As conchas já haviam sido
sopradas e a batalha estava a ponto de começar, mas, ainda assim, Arjuna queria
pela última vez contemplar o exército adversário, que era composto por pessoas
conhecidas por ele. Como representante do exército dos piedosos, Arjuna não tinha
o menor desejo de lutar com seus primos, mas, infelizmente, apesar de todas as
tentativas de reconciliação, os Pandavas foram forçados a ir ao Campo de Batalha
de Kurukshetra devido à obstinação de Duryodhana, que nunca aceitou acordos
pacíficos. Pelo contrário, Duryodhana, como representante do exército dos
impiedosos, juntamente com seu tio Shakuni e seu pai Dhritarastra, engendrou
grandes planos maquiavélicos para usurpar o reino dos Pandavas. No entanto,
como um grande devoto puro do Senhor, Arjuna não guardava a menor mágoa de
seus primos.

Como Superalma de todas as entidades vivas, o Senhor Krishna sabia o que


se passava na mente de Seu devoto e, embora fosse o Senhor Supremo, Krishna
apreciava Se ocupar a serviço de Seu devoto. Isto revela que o relacionamento
amoroso entre o Senhor e Seus devotos é encantador. O devoto está sempre
absorto em prestar serviço a seu Senhor adorável e, por Sua vez, o Senhor está
sempre procurando oportunidades para prestar serviços amorosos aos Seus
devotos. Na verdade, é dito que o Senhor sente mais prazer em prestar serviço a
Seus devotos do que ser servido por eles. Obviamente, isto também acontece com
os devotos. No entanto, é importante ressaltar que, como a Suprema Personalidade
de Deus, o Senhor Krishna não necessita ser o cumpridor das ordens de ninguém.
Se Ele o faz, devemos compreender que isto é simplesmente um aspecto de Sua
personalidade transcendental que é plena de qualidades. Portanto, do mesmo modo
que um pai presta serviço a seu filho querido e sente prazer em fazê-lo, o Senhor
pode, a Seu bel-prazer, assumir a posição de um servo prestativo de Seu devoto.
Por que não? Devido à Sua misericórdia e afeição amorosa para com Seus devotos,
isto se torna completamente possível.

Existe uma bela história em relação à figura de Hanuman na bandeira de


Arjuna. Certa vez, durante uma viagem, Arjuna ficou muito surpreso ao ver um
represa que havia sido construída de Ramesvara até Lanka pelo Senhor
Ramachandra. Entretanto, ele achou que não foi totalmente apropriado por parte
do Senhor Rama ter solicitado a ajuda dos macacos para construir a represa, pois
Ele poderia ter simplesmente utilizado Suas próprias flechas. Arjuna colocou a
questão para um grande erudito que estava próximo dali lendo o Ramayana, mas
nem o erudito e nem outros brahmanas que estavam lá puderam dar uma resposta
convincente para Arjuna. Então, uma macaco ainda filhote apareceu para Arjuna e
disse com orgulho que uma represa feita de flechas teria se quebrado quando os
macacos fossem andar nela. Arjuna então disse: “Não, não, nenhum macaco seria
capaz de quebrar uma represa feita pelas flechas de Rama. Que macaco seria capaz
de quebrar uma represa feita por mim?” Então, o macaco e Arjuna fizeram uma
aposta. Ficou combinado que, se o macaco quebrasse uma represa feita por Arjuna,
Arjuna teria de acabar com sua vida, jogando-se no fogo. Por outro lado, se o
macaco não conseguisse quebrar a represa, ele se tornaria um escravo de Arjuna.
Arjuna construiu uma represa com flechas e rapidamente o macaco quebrou-a com
seus pés. Arjuna tentou novamente e o macaco mais uma vez não teve grande
dificuldade em quebrá-la. Desse modo, não havia outra alternativa para Arjuna a
não ser se lançar dentro do fogo e abandonar sua vida. Antes de fazer isso, porém,
um menino brahmana apareceu e disse para Arjuna que sua auto-aniquilação não
deveria ser considerada válida. Ele então sugeriu que Arjuna tentasse de novo e ele
atuaria como árbitro. A sugestão do menino foi aceita. E o filhote de macaco tentou
em vão quebrar a represa feita novamente por Arjuna. O macaco então
desenvolveu seu corpo até o tamanho de uma montanha e se atirou em cima das
flechas de Arjuna, mas, ainda assim, sua tentativa foi malsucedida. Neste
momento, compreendendo o que estava acontecendo, ele correu até o menino que
atuava como árbitro e caiu aos Seus pés chorando: “Ó Ramachandra”. Naquele
mesmo momento, Arjuna também prostrou-se perante o menino, chorando e
dizendo: “Ó querido Krishna, ó escravo dos Teus devotos”. O menino então pediu
para que ambos se aproximassem. Ele também pediu ao macaco (o qual era na
verdade Hanuman) honrar sua palavra, mantendo-se como um emblema na
bandeira de Arjuna.

Pérola 4. ARJUNA MANIFESTA LAMENTAÇÃO E COMPAIXÃO (versos 28 a


35)

Como discutimos anteriormente, Arjuna era um verdadeiro devoto do


Senhor, uma pessoa piedosa cheia de qualidades santas. Por isso, ao perceber a
destruição inevitável que estava por vir, Arjuna ficou completamente transtornado.
Embora fosse extremamente forte, os membros de seu poderoso corpo de guerreiro
começaram a tremer e sua fraqueza foi tão grande que ele foi incapaz de manter-
se segurando suas armas. Uma batalha significa muitas mortes, e morte significa a
perda do próprio corpo e, especificamente na situação de Arjuna, a perda de outros
corpos que estavam ligados a ele por afeição familiar. Diante desta difícil realidade,
Ele ficou dominado pelo sentimento de medo. Subitamente sua boca secou, sua
pele começou a arder e sua mente começou a girar. Tais características são típicas
de uma pessoa absorta na concepção de vida material. No entanto, é sempre bom
lembrar que tudo isto aconteceu pela vontade suprema de Krishna que desejou que
Arjuna, naquele momento, representasse o papel de uma pessoa que estava
ignorando seu verdadeiro eu. Dando-nos o exemplo de uma pessoa excessivamente
consciente de suas relações corpóreas, Arjuna esqueceu que a Suprema
Personalidade de Deus estava do seu lado no campo de batalha, tornando tudo
absolutamente auspicioso. Em outras palavras, todos os guerreiros envolvidos
nesta batalha receberiam um benefício espiritual incomparável, pois, ao morrer na
presença direta do Senhor Krishna, todos teriam garantida a sua libertação
espiritual. A realidade é que a presença do Senhor no campo de batalha trouxe
unicamente benefícios para todos os que estavam presentes. Portanto, o Senhor é
sempre absolutamente bom e não devemos pensar que, como amigo íntimo de
Arjuna, Krishna estava pensando apenas em seu bem-estar. É importante
compreender que o Senhor Krishna foi igualmente misericordioso com o grupo
oposto que alcançou a máxima perfeição da vida por abandonarem seus corpos
materiais, contemplando pessoalmente o Senhor na hora da morte

Pérola 5. ARJUNA APRESENTA SUAS DÚVIDAS (versos 36 a 46)

Arjuna era um verdadeiro kshatriya (guerreiro) e tinha todo o direito de


exterminar os agressores. No entanto, uma vez que se tratava de seus parentes,
ele preferia não tomar as medidas habituais. Isto mostra, mais uma vez, que
Arjuna não era uma pessoa comum, pois sua preocupação em não cometer
injustiças com seus primos destacava-se como um verdadeiro sinal de suas
qualidades santas. Como um guerreiro, Arjuna deveria seguir seu dharma e
prosseguir na luta para não correr o risco de ser considerado um covarde,
principalmente naquele momento delicado, quando a proteção espiritual de todo
um Estado dependia de sua firmeza na batalha. Em outras palavras, não era
correto que Arjuna agisse como uma pessoa santa e perdoasse seus primos, caso
tal atitude fosse comprometer todo o futuro do mundo que, desta maneira, iria
receber a influência negativa de uma liderança demoníaca. De fato, seus interesses
pessoais deveriam ser sacrificados em prol de uma causa muito superior.

De qualquer modo, é louvável o fato de Arjuna ser uma pessoa consciente e


preocupada com o bem-estar de todos. Além de considerar a batalha entre
parentes por si só um ato pecaminoso, Arjuna previa, além disso, uma série de
resultados terríveis. Sua primeira preocupação era que, ao destruir a dinastia dos
Kurus, a tradição da família extinguir-se-ia também, fazendo com que o resto da
família passasse a se envolver em atos irreligiosos. Na verdade, tais argumentos de
Arjuna são extremamente válidos. No sistema védico social e espiritual, os
membros mais velhos das famílias possuem grandes responsabilidades. Neste
sistema, os membros mais velhos têm a função de outorgar orientações morais e
espirituais para ajudar os membros mais jovens da família a obterem uma boa
formação e alcançarem verdadeiros valores espirituais. Portanto, com a morte de
tais membros, sem a tradição moral e espiritual da família, ocorreria a interrupção
de tal processo educacional e, assim, Arjuna previa o consequente desenvolvimento
de hábitos irreligiosos por parte dos membros mais novos da família.
A próxima consideração de Arjuna era com as mulheres. Na verdade, a
saúde física, moral, emocional e espiritual da população forma a base para uma
sociedade humana pacífica e próspera, tanto material quanto espiritualmente. E,
para que isto seja possível, o papel exercido pelas mulheres é fundamental. Numa
família verdadeiramente religiosa, a responsabilidade das mulheres como mães e
educadoras é indispensável. E, uma vez que o desempenho perfeito desse papel
constitui a base da saúde moral da população, existe uma preocupação autêntica
em dar-lhes sempre proteção, não permitindo que elas tenham que conviver
livremente com homens irresponsáveis. Infelizmente, nos dias de hoje, as mulheres
não recebem a devida proteção e, como resultado inauspicioso disto, existe uma
convivência livre entre homens e mulheres inconsequentes. Devido a tal associação
irreligiosa e ilícita, crianças indesejáveis proliferam, que crescem carentes de uma
devida educação e carinho, o que causa uma vida infernal para a nossa
humanidade atual. Portanto, para que uma sociedade humana seja realmente
próspera e pacífica, a qualidade da população é uma preocupação fundamental e
isto está intimamente ligado às qualidades de castidade e devoção das mães. Por
esta série de considerações, Arjuna chegou à conclusão que tratava-se de um ato
extremamente pecaminoso matar os parentes com o propósito de desfrutar da
felicidade material. Por isso, ele revelou a seu amigo, o Senhor Krishna, que
preferia até ser morto no campo de batalha sem reagir contra o ataque dos filhos
de Dhritarastra. No início do Capítulo Dois, iremos verificar que Arjuna realmente
encontrava-se numa situação extremamente difícil e delicada e, devido à sua
atitude devocional humilde, ele pôde receber a graça do Senhor Krishna que
bondosamente aceitou atuar como seu guru, ou mestre espiritual.

Definitivamente, Arjuna não é uma pessoa comum. Ele é um associado


eterno do Senhor, uma alma eternamente liberada, dotada de completa iluminação
espiritual. Ele foi colocado em ilusão diretamente pelo arranjo da providência para,
desse modo, ser criada a condição ideal para que o Bhagavad-gita fosse falado pelo
Senhor.

Tendo aceitado a posição de um discípulo rendido, Arjuna estabeleceu que,


como almas espirituais dentro de um corpo material, estamos vivendo uma
situação incompatível e dependemos da ajuda de um mestre espiritual qualificado.
Admitindo sua fraqueza e dificuldade em enfrentar parentes e amigos numa
batalha, Arjuna pede auxílio ao Senhor Krishna e assume o papel de um discípulo
obediente e humilde, colocando-se sob Suas divinas instruções.
CAPÍTULO II

Resumo do Conteúdo do Gita

Pérola 6. ARJUNA É REPREENDIDO POR KRISHNA (versos 1 a 3)

Tal reação enérgica do Senhor em relação à condição aflitiva de Arjuna serve


como grande exemplo para todos nós. Embora tivesse recebido treinamento
espiritual, Arjuna deixou-se entregar a sentimentos mundanos. Portanto, o Senhor
Krishna mostrou Sua surpresa ao indagar: “Como estas impurezas se
desenvolveram em ti, um ariano, uma pessoa que conhece o verdadeiro propósito
da vida?”

A lição a se aprender com isto é que, caso nossos desejos pessoais sejam
prejudicados, nossa mente pode se tornar uma inimiga tão traiçoeira que, com
imperceptível sutileza, nos desviará do nosso verdadeiro dharma. Este foi
exatamente o caso de Arjuna, que apresentava argumentos sensatos e inventava
boas desculpas com o propósito de simplesmente esconder seus sentimentos
mundanos de medo e o apego às relações corpóreas.

Esquecidos da nossa identidade espiritual eterna, apegamo-nos


excessivamente ao nosso corpo material e a tudo e todos que estejam ligados a
ele. Este apego faz com que a mente se absorva em raciocínios materiais e receba
a influência constante de falsos conceitos de “eu e meu”, desviando-nos cada vez
mais da verdade.

Ao estudarmos o primeiro capítulo, pudemos entender com bastante clareza


que o temor que tomou conta de Arjuna, por muitos motivos, não fazia o menor
sentido. Como guerreiro, era inaceitável que Arjuna desistisse de uma luta onde a
responsabilidade de proteger o dharma estava sob seus cuidados, embora ele
houvesse argumentado que seu desejo de desistir da batalha se devia ao profundo
respeito ao seu avô Bhisma. Na verdade, o Senhor Krishna considerou tal
argumento como simples fraqueza do coração, uma falsa idéia de não-violência. Em
outras palavras, toda a lamentação de Arjuna não se justificava, pois, em última
análise, ela se baseava na ignorância acerca do verdadeiro eu. Suas lágrimas
revelavam muito mais sua fraqueza de coração do que um sinal de verdadeira
compaixão espiritual. Por isso, o Senhor tentou animar Arjuna a abandonar sua
impotência revestida de tal pretensa não-violência e recomendou que ele se
levantasse e participasse energicamente da batalha. Desse modo, sentindo-se
incapacitado de resolver seus próprios problemas, Arjuna não hesita em pedir ajuda
a seu amigo, o Senhor Krishna

Pérola 7. ARJUNA ACEITA KRISHNA COMO MESTRE ESPIRITUAL (versos 4 a


9)

Apesar de ter apresentado anteriormente tantos argumentos baseados no


conhecimento dos princípios religiosos e morais, podemos analisar que Arjuna foi
incapaz de resolver seus problemas sozinho. Esta verdade não é aplicável
simplesmente a Arjuna, mas se aplica a todos que se encontram neste mundo.
Independente do grau elevado de conhecimento material que a pessoa tenha
atingido, continuará sendo impossível superar as perplexidades da vida sem a
ajuda de um mestre espiritual. Assim como Arjuna, qualquer pessoa desprovida de
conhecimento transcendental comprovará, mais cedo ou mais tarde, que seus
esforços pessoais em tentar resolver seus problemas serão insuficientes. Ela terá
de se submeter ao cultivo do conhecimento transcendental sob a guia de um
mestre espiritual auto-realizado. As perplexidades e situações problemáticas fazem
parte da natureza deste mundo e surgem a todos, mesmo que ninguém as procure.
Em meio a tantas dificuldades, Arjuna reconheceu sua fraqueza e confusão mental
e assumiu sua incapacidade de cumprir corretamente seus diferentes deveres. Sua
situação era extremamente delicada, pois seu dever de guerreiro ia contra seus
deveres familiares, os quais também aparentemente contrariavam o desejo do
Senhor. Em outras palavras, ao cumprir corretamente seu dever de guerreiro, ele
cometeria ofensas aos membros de sua família, tais como seus primos, os filhos de
Dhritarastra, e seu querido avô Bhisma. Por outro lado, renunciando a guerra e
cumprindo seus deveres familiares, Arjuna estaria contrariando o desejo direto de
Deus, o Senhor Krishna, que estava pessoalmente a seu lado. Dessa maneira,
Arjuna revelou sua incapacidade de encontrar sozinho uma solução e recorreu à
ajuda de seu amigo, colocando-se como um discípulo dependente.

Como ficará claro no Capítulo Quatro, o Senhor Krishna desce à Terra por
Sua misericórdia imotivada e executa atividades como se fosse um ser humano
comum, embora nunca deixe de ser a Suprema Personalidade de Deus. Seu
aparecimento neste mundo tem como propósito principal atrair os diferentes seres
vivos que estão esquecidos de suas identidades espirituais eternas. Desse modo, o
Senhor Krishna cria uma situação na qual o grande devoto Arjuna revela sua
perplexidade e confusão mental e decide pedir instruções espirituais. Com isto, o
Senhor coloca-Se na posição de mestre espiritual não apenas de Arjuna, mas de
todos os afortunados seres vivos que podem tirar proveito espiritual ilimitado deste
conhecimento imaculado apresentado sob a forma do Bhagavad-gita.

Pérola 8. AS PRIMEIRAS INSTRUÇÕES DO SENHOR (versos 10 a 15)

O Senhor Krishna, o mestre espiritual supremo, foi direto ao assunto: “Meu


querido Arjuna, se Me queres como teu mestre espiritual, então dar-te-ei Minha
primeira instrução: torna-te um verdadeiro sábio e não te lamentes
desnecessariamente!” Isto é extremamente significativo. Lamentação e vida
espiritual definitivamente não combinam. De um modo geral, a lamentação é um
sinal evidente da ignorância acerca do verdadeiro eu. Pelo controle supremo, as
diferentes almas são lançadas em diferentes corpos, onde terão de existir por um
período específico de tempo. Pelo controle supremo, tais almas terão de abandonar
no momento certo seus respectivos corpos e obterão, de uma maneira
impecavelmente justa, os resultados de suas atividades. Qual é, então, a
necessidade de lamentação? Como ficará cada vez mais claro durante o estudo
desta obra, a alma é eterna e sempre existente. A morte é um simples conceito
material, relativo apenas ao corpo físico, uma mera cobertura temporária da alma.

Por isto, Arjuna não deveria dar tamanha importância à condição do corpo
material. Isto estava acarretando um esquecimento acerca do verdadeiro eu, a
alma espiritual, resultando em desnecessária lamentação. Nos dias de hoje, a
civilização humana carece deste conhecimento espiritual e, como Arjuna, foi
mordida pela serpente da lamentação, cujo veneno se expande em todos os setores
da sociedade. Na verdade, a condição corpórea é lamentável por ser
completamente incompatível com a natureza eterna da alma. Logo que nasce, o
corpo terá de gradualmente atingir as fases de doença, velhice e morte. Em
conclusão, a identificação corpórea é uma fonte de lamentação que tem como
consequência a intolerância e a instabilidade emocional. No entanto, ao
compreender sua natureza eterna e ao utilizar o corpo material exclusivamente
como um instrumento para a auto-realização espiritual, a pessoa livra-se das
dualidades concernentes à vida material, aprende a tolerar as adversidades deste
mundo e não se perturba diante dos reveses da vida. Certamente, tal pessoa pode
alcançar completa liberação mesmo estando em contato com o corpo material,
posto que suas atividades corpóreas não mais a afetarão. Isto significa que, mesmo
que o seu corpo aja movido pela reação às suas atividades passadas, a Suprema
Personalidade de Deus passa a cuidar pessoalmente de tal alma liberada. Por
exemplo, mesmo depois de desligado, o ventilador elétrico continua girando por
algum tempo. No entanto, este giro não se deve à corrente elétrica, mas à
continuação do último movimento. Em outras palavras, embora uma alma liberada
pareça estar agindo tal qual uma pessoa comum, suas ações não passam de
continuação das atividades passadas.

Pérola 9. A NATUREZA SUPERIOR DA ALMA (versos 16 a 25)

Nestes versos, encontramos explicações claras da verdadeira natureza da


alma como algo diferente do corpo. O corpo material, por exemplo, vive em
constante transformação através das ações e reações das diferentes células,
produzindo o crescimento e a velhice. A alma, no entanto, sendo uma centelha
espiritual minúscula, permanece imutável, sem se submeter às mudanças que
ocorrem no corpo. Portanto, este corpo material é simplesmente a corporificação da
alma, a qual se espalha por todo o corpo e pode ser percebida como consciência
individual. Por natureza, o corpo material é perecível, mas a alma é eterna. Ela é
descrita nos Vedas como sendo do tamanho de uma décima milésima parte da
porção superior da ponta de um fio de cabelo. Em outras palavras, ela é tão
pequena que nem sequer pode-se medir sua dimensão. Ainda assim, apesar de
diminuta, ela é autoluminosa, sendo parte da luz suprema. É esta partícula de luz
espiritual que mantém o corpo, pois quando ela parte, imediatamente começa a
decomposição do corpo. O que se chama de morte, portanto, nada mais é do que o
fenômeno que ocorre quando a alma abandona o corpo que não apresenta mais
condições apropriadas para sua permanência. O corpo está frequentemente sujeito
a seis diferentes transformações: ele nasce do ventre do corpo da mãe, permanece
por algum tempo, cresce, produz subprodutos, definha gradualmente e cai no
esquecimento. A alma, porém, não passa por tais mudanças. Ela não nasce, mas,
por ser lançada no ventre materno, acaba aceitando a cobertura de um
determinado corpo e faz com que, sob sua influência, o corpo nasça e se
desenvolva. Por observação, podemos comprovar que tudo o que nasce também
morre. No entanto, por que não tem nascimento, a alma não tem passado,
presente ou futuro – ela é sempre-existente e primordial. A alma nunca é afetada
pelas mudanças do corpo e tampouco ela produz algum subproduto. O que
chamamos de filhos são simplesmente os subprodutos do corpo, os quais possuem
diferentes almas individuais. O corpo só se desenvolve por causa da presença da
alma, mas ela permanece livre de qualquer alteração. Estando localizada no
coração da entidade viva, a alma simplesmente atua como fonte de energia para
que o corpo possa executar suas funções. Às vezes, devido às nuvens no céu, não
podemos ver o Sol no céu, mas quando existe claridade podemos ter a completa
convicção de que é dia e que o Sol ainda está presente. Da mesma forma, mesmo
que não se consiga encontrar a alma dentro do coração, ainda assim, se um corpo
apresenta consciência isto indica a presença da alma dentro deste corpo. Do
mesmo modo, quando o corpo perde completamente sua consciência, isso é uma
evidência concreta que a alma foi transferida para outro corpo. Esta transferência
torna-se possível unicamente pela presença transcendental da manifestação do
Senhor conhecida como Superalma, a qual também reside dentro de todos os
corpos. Segundo este exemplo, os Vedas comparam este corpo a uma árvore onde
estão pousados dois pássaros: a alma individual e a Superalma. Um pássaro, a
alma individual, executa todo tipo de atividades mundanas e, na tentativa de
desfrutar dos frutos desta árvore, vive mergulhado em constante ansiedade e
melancolia. A Superalma, por Sua vez, mantém-Se à parte e, como um pássaro
amigo, simplesmente testemunha e aguarda o momento em que a alma individual
irá se voltar para Ele. Neste momento, o pássaro aflito, concordando em aceitar
Suas instruções divinas, se livrará de toda ansiedade. Mas, enquanto isto não
acontecer, a alma terá de se contentar em trocar de corpo material, assim como
uma pessoa tem de substituir suas roupas inúteis e velhas por vestes mais novas.
Através dessas instruções transcendentais, o Senhor Krishna queria livrar seu
amigo Arjuna de qualquer tipo de lamentação. Com certeza, Arjuna estava
preocupado com a morte de seu avô Bhisma e de seu mestre Drona, no entanto,
segundo o Senhor, Arjuna deveria sentir-se feliz de saber que eles seriam
promovidos para uma situação de vida superior. Suas almas não seriam
absolutamente alteradas, pois qualquer tipo de arma – seja ela espada, arma
incandescente, arma pluvial, etc. – seria incapaz de ferir a alma de seus entes
queridos que, como partículas atômicas do Espírito Supremo, sempre
permaneceriam o mesmo átomo imutável. Portanto, como ficará ainda mais claro
nos próximos versos, a lamentação de Arjuna não se justificava nem material, nem
espiritualmente.

Pérola 10. NÃO HÁ RAZÃO PARA SE LAMENTAR (versos 26 a 30)

Estes versos são especialmente destinados às pessoas que acreditam que


este corpo não passa de uma mera combinação de elementos químicos e que a vida
se desenvolve através da simples interação desses elementos químicos. Para tais
pessoas, que não acreditam na existência da alma, ainda assim não existe motivo
para lamentação, pois ninguém deve se lamentar pela simples perda de meras
substâncias químicas. Além disso, a batalha tornara-se inevitável e, como ficará
cada vez mais claro, em certas circunstâncias a violência e a guerra são fatores
essenciais para se manter uma situação pacífica na sociedade humana. Na verdade,
esta Batalha de Kurukshetra era um desejo do próprio Senhor e, como um
kshatriya, Arjuna deveria lutar por esta causa suprema sem cair em lamentação. As
atividades que a pessoa executa numa vida irão determinar seu próximo
nascimento, pois, dessa maneira, todos passam por consecutivos ciclos de
nascimentos e mortes. Isso significa que, mesmo que evitasse a guerra contra seus
parentes, Arjuna não seria capaz de deter a morte deles. Tal lamentação era
infundada e levaria Arjuna à degradação por escolher a maneira errada de agir. O
Bhagavad-gita revela-nos o conhecimento essencial para a auto-realização
espiritual, dando-nos como base a não-existência do corpo material. No entanto, é
muito difícil encontrar alguém que esteja verdadeiramente inclinado a entender
esta ciência da alma diretamente da boca de lótus do Senhor. Deixando-se levar
por diferentes teorias desautorizadas, as pessoas podem facilmente se desorientar
e concluir erroneamente que a alma individual e a Alma Suprema são unas em
todos os aspectos. De qualquer maneira, aceitando ou não a existência da alma ou
mesmo acreditando na unidade entre a alma atômica e a Superalma, a lamentação
pela perda do corpo material não faz o menor sentido.
Pérola 11. OS DEVERES DE UM GUERREIRO (versos 31 a 38)

Ao matar indivíduos que estão atuando como inimigos dos princípios religiosos, o
kshatriya não está absolutamente incorrendo em violência. Na verdade, a atitude
enérgica por parte do kshatriya contra os agressores dos princípios religiosos não
deve ser interpretada como violência, assim como não existe a menor violência
quando se usa um espinho para ajudar a arrancar o outro espinho que esteja
fincado em alguma parte do corpo. Desse modo, o argumento de Arjuna de que
esta luta iria proporcionar a ele uma residência permanente no inferno não fazia o
menor sentido, pois, a palavra composta kshatriya (kshat - lesado, trayate - dar
proteção) é dada às pessoas que se propõem a proteger os cidadãos. Arjuna havia
sido treinado como um verdadeiro kshatriya e teve de se submeter a severos
treinamentos como entrar na floresta e desafiar animais selvagens munido
unicamente de uma espada. Este treinamento se faz necessário porque às vezes a
violência pode ser útil para dar proteção à vida religiosa. Por isso, o Senhor Krishna
diz para Arjuna que esta luta abriria as portas dos planetas celestiais superiores. Se
ele vencesse, desfrutaria do reino terrestre em nome da religião e, se fosse
derrotado, elevar-se-ia aos planetas celestiais.

Arjuna era muito famoso, pois havia vencido inclusive alguns semideuses na
batalha. Seu próprio mestre, Dronacharya, havia presenteado Arjuna com uma
arma especial. Esta arma era tão poderosa que, com ela, Arjuna poderia inclusive
matar Drona. De modo que, se ele fugisse da batalha, todos iriam considerá-lo um
covarde e, assim, perderia fama e reputação. Como um amigo e mestre, o Senhor
Krishna o alertou quanto a isto e o aconselhou a permanecer na batalha, mesmo
que tivesse de enfrentar a morte. No cumprimento dos deveres religiosos, Arjuna
não deveria levar em consideração se o resultado imediato apareceria na forma de
felicidade ou aflição, vitória ou derrota, etc. Sendo transcendentais, as atividades
religiosas da consciência de Krishna estão acima da dualidade material. Depois de
explicar a verdadeira natureza da alma e, ao mesmo tempo, deixar claro que a
proposta de Arjuna de não lutar era irreligiosa e baseava-se simplesmente no gozo
dos sentidos, o Senhor começará agora a ensinar o processo espiritual chamado
buddhi-yoga, na qual se passa a agir com inteligência transcendental.

Pérola 12. A YOGA DA INTELIGÊNCIA (versos 39 a 41)

Até então, o Senhor Krishna havia explicado o sistema de sankhya-yoga, ou


seja, a diferença analítica entre o corpo material e a alma espiritual. Isto, no
entanto, não consistia em instruções práticas de como agir na plataforma espiritual.

Para praticar tal sistema de yoga, Arjuna teria de compreender a


individualidade das diferentes almas que estavam naquele campo de batalha e teria
de vê-las como indivíduos eternos, os quais estavam sujeitos às várias mudanças
das roupas corpóreas. Porém, o simples fato de compreender a diferença entre
corpo e alma não seria suficiente para resolver os problemas de Arjuna. Ele teria de
aprender a agir neste mundo sem se afetar pelas reações materiais. Por isso, o
Senhor passará agora a descrever buddhi-yoga, a qualidade superior de trabalho
quando, com inteligência purificada, passa-se a atuar em liberdade sem se envolver
com as reações do trabalho.

O Senhor estava pessoalmente presente no campo sagrado de Kurukshetra


e pessoalmente desejava a batalha para que todos fossem beneficiados e elevados
a uma posição superior. Desse modo, satisfazendo os desejos do Senhor, todos
estariam praticando serviço devocional, mesmo abandonando seus respectivos
corpos no campo de batalha. Isso daria a todos os guerreiros um resultado
espiritual excelente, o qual nunca estaria perdido. Diferentemente das atividades
materiais, cujos resultados são perdidos com a destruição do corpo material, aqui o
Senhor afirma que as atividades espirituais produzem resultados permanentes.

“Não há perda, nem diminuição”, diz o Senhor, o que significa que nosso
avanço espiritual é transferido para nossas próximas vidas e esta é a vantagem de
executar atividades em consciência de Krishna.

Pérola 13. AS PALAVRAS FLORIDAS DOS VEDAS (versos 42 a 46)

As pessoas em geral têm grande dificuldade em compreender e adotar


diretamente as atividades espirituais da consciência de Krishna. Devido à sua forte
determinação em satisfazer os sentidos, tais pessoas materialmente motivadas
preferem adotar atividades religiosas mundanas, onde as propostas de gozo dos
sentidos e opulência material são enfatizadas. Mal sabem elas que qualquer
atividade material, quer seja religiosa ou não, irá envolvê-las em reações nos três
modos da natureza, e causará cativeiro permanente neste mundo. Para tais
pessoas menos inteligentes, os Vedas oferecem as seções karma-kanda para, aos
poucos, elevá-las do campo grosseiro do gozo do sentidos a uma posição no plano
transcendental. Arjuna, no entanto, como aluno e amigo direto do Senhor, deveria
transcender a todas as propostas de prazeres materiais temporários e se situar
além das dualidades pertinentes à vida material. Portanto, atinge a prática de
buddhi-yoga quem é bastante inteligente para compreender o verdadeiro propósito
dos Vedas sem se apegar meramente aos rituais e sem visar simplesmente a uma
melhor qualidade de gozo dos sentidos.

Pérola 14. LIBERTANDO-SE DAS ATIVIDADES FRUITIVAS (versos 47 a 53)

O Bhagavad-gita nos ensina que todos são forçados pela natureza material a
agir de acordo com suas próprias tendências. Desse modo, todos devem aceitar um
treinamento para aprender a fazer um bom uso de sua natureza específica. Tal
natureza é como uma bagagem trazida de outras vidas, da qual não podemos nos
livrar facilmente. Ela é o resultado das atividades piedosas e pecaminosas
acumuladas em muitas vidas prévias. Portanto, dentro de uma sociedade
centralizada em Deus, todos são treinados a adotar deveres prescritos naturais e,
assim, utilizar sua natureza para propósitos espirituais.

Na vida material, todos estão visando à sua própria satisfação e, como


resultado disso, permanecem constantemente sujeitos às reações materiais. Na
vida espiritual, no entanto, a dedicação está sempre voltada à satisfação do
Senhor, e, como resultado natural, os deveres prescritos são desempenhados com
estabilidade e equilíbrio, e livram gradualmente a pessoa de resultados
indesejáveis. Isto porque, ao compreender sua posição constitucional como parte
integrante do Senhor, a pessoa aprende a abandonar suas atividades
materialmente motivadas, e, mediante um simples ajuste espiritual, transforma-as
em ocupações verdadeiramente transcendentais.

Devido à influência de maya, a energia ilusória do Senhor, as pessoas não


conseguem perceber que este mundo material é um lugar onde existe perigo a
cada passo. Os verdadeiros yogis, portanto, são devotados ao Senhor e refugiam-
se nEle, ocupando-se no Seu serviço devocional amoroso. Portanto, quando o yogi
compreende que as atividades fruitivas materiais, religiosas ou não, nunca poderão
livrá-lo por completo das ansiedades materiais, ele se torna realmente perfeito e
atinge o transe, fixando-se na auto-realização espiritual. Desse modo, ele abandona
todas as outras ocupações inferiores e passa a se ocupar exclusivamente no serviço
devocional ao Senhor, sem interesses materiais. Portanto, sua vida se torna um
sucesso completo, independente da situação social em que ele se encontra. Quer
posicionado como um chefe de família ou um renunciado, quer seja rico ou pobre,
nada disso importa, pois ele sempre utiliza sua energia ou bens materiais em prol
da satisfação do seu Senhor adorável – e esta é a arte perfeita de todos os
trabalhos. Ele não precisa se preocupar com a execução de austeridades severas ou
complicados rituais védicos. De fato, caso tenha alcançado a compreensão
espiritual correta e tenha desenvolvido interesse espontâneo em servir ao Senhor
com verdadeira devoção pura, tal yogi estará situado numa condição perfeita, além
de qualquer regra ou regulação contida nos próprios Vedas.

Pérolas 15. SINTOMAS DE UM TRANSCENDENTALISTA (versos 54 a 59)

Atinge a plataforma transcendental a pessoa que, além de ser capaz de


distinguir entre os desejos materiais e espirituais, adquire força suficiente para não
se deixar arrastar pelos impulsos dos sentidos materiais. Para isso, ela necessita
ocupar-se em serviço devocional sem hesitação – isso irá mantê-la sempre feliz em
sua posição natural eterna. Nesta sublime posição, tal pessoa nunca se perturba
pelas dualidades materiais. Quando as dificuldades surgem, ela as aceita de bom
grado. Ela admite que, devido aos seus maus feitos passados, seria merecedora de
mais dificuldades. Ao mesmo tempo, quando está feliz, continua vendo tudo como
misericórdia do Senhor, pois ela sempre se considera um servo que depende
exclusivamente da Sua graça.

O mundo material é o mundo da dualidade. No entanto, ao se fixar em


conhecimento, a pessoa passa a se interessar unicamente no Senhor, o Bem
Absoluto, e nunca se afeta pela situação material, a qual é temporária e ilusória.
Esta consciência espiritual faz com que tal pessoa tenha controle sobre seus
sentidos, utilizando-os exclusivamente a serviço do Senhor. A ocupação espiritual
dos sentidos resulta em experiências transcendentais, as quais oferecem prazeres
espirituais muito superiores. Tal experiência de um prazer superior coloca tal
pessoa numa posição extremamente segura e imperturbável. A consciência de
Krishna é, portanto, tão maravilhosa que faz com que o gozo material dos sentidos
se torne automaticamente desagradável.

Na plataforma material, as misérias são divididas em três categorias: as


misérias causadas pelo próprio corpo ou mente materiais; as misérias causadas
pelas perturbações impostas por outras entidades vivas; e as misérias causadas
pelos fenômenos naturais, tais como calor ou frio excessivo, etc. No entanto, a
pessoa transcendental não permite que tais manifestações materiais miseráveis
interfiram em sua vida espiritual. Isto é possível pelo simples fato de que a pessoa
transcendental não possui apego, ou seja, não vive em função de obter diferentes
parafernálias ou condições adequadas para o gozo dos seus sentidos. Dedicada a
servir ao Senhor, uma pessoa transcendental está muito além da plataforma
sensual e sua vida está em permanente bem-aventurança, independente dos
sucessos ou fracassos materiais, os quais são inevitáveis neste mundo. Em outras
palavras, em vez de desperdiçar seu tempo com inúteis tentativas de evitar as
misérias materiais ou com esforços constantes por obter o improvável sucesso
material, uma pessoa transcendental é perfeitamente inteligente, pois utiliza seu
precioso tempo unicamente em consciência de Krishna, permanecendo sempre
indesviavelmente fixo em sua determinação espiritual. Ao mesmo tempo, tal pessoa
está sempre atenta às condições externas que possam afetar sua consciência
espiritual. Por isso, ela é comparada à tartaruga que, ao perceber qualquer perigo à
sua volta, recolhe seus membros dentro da carapaça. Com esta analogia, o Senhor
Krishna está nos indicando que devemos utilizar nossos sentidos unicamente em
atividades transcendentais e, caso isto não seja possível, é melhor recolhê-los e
novamente manifestá-los onde existam condições espirituais favoráveis.

Pérola 16. O CONTROLE DOS SENTIDOS (versos 60 a 72)

Tanto nas escrituras védicas, quanto em outras escrituras do mundo,


existem muitas histórias narrando a vida de grandes personalidades, yogis, sábios
ou diferentes classes de espiritualistas, que fracassaram no intento de controlar
seus sentidos. E agora, o motivo deste fracasso é explicado aqui pelo Senhor
Krishna. Os sentidos são fortes e impetuosos e eles têm o poder de arrastar a
mente de qualquer um – especialmente no que diz respeito ao impulso sexual.

Deve-se entender, portanto, que sem uma ocupação constante nas


atividades da consciência de Krishna é absolutamente impossível controlar os
sentidos. Isto porque os sentidos exigem ocupações práticas, e se não estiverem
ocupados em serviço devocional ao Senhor, certamente se ocuparão em atividades
para desfrute material.

A verdade é que, enquanto habita um corpo material, a alma espiritual está


numa condição bastante difícil, vivendo numa atmosfera plena de encantos criados
pela energia ilusória. Os objetos dos sentidos materiais estão sempre tentando
atrair os sentidos do ser corporificado. A situação do ser corporificado pode ser
comparada a um submarino nas profundezas do oceano. O submarino tem de estar
hermeticamente fechado, pois, caso haja um mínimo orifício, por menor que seja, o
submarino afundará gradualmente. Do mesmo modo, vivendo nas profundezas
deste oceano de ilusão material, os seres corporificados precisam ter o cuidado
constante de fechar seus sentidos e não permitir que a energia ilusória penetre por
eles e afunde sua consciência. Mas isto não significa que uma pessoa consciente de
Krishna tenta evitar os objetos dos sentidos artificialmente, simplesmente negando-
os ou reprimindo seus sentidos. Ela é inteligente o bastante para compreender que
o segredo do controle dos sentidos é a arte de utilizar tudo no serviço ao Senhor, o
que para ela é bastante natural, devido ao desenvolvimento de sua devoção.

Portanto, ela nunca se torna vítima da consciência materialista e nunca cai


na ilusão de julgar-se proprietário, controlador ou desfrutador da energia material.
Ao vincular ao Senhor todas as suas ocupações, a pessoa estabiliza sua inteligência
e apazigua sua mente e sentidos. Perdendo o interesse por atividades mundanas,
tal pessoa vive desperta para atividades transcendentais e sente grande prazer no
avanço espiritual. Ela não tem necessidade de nada, pois o Senhor está sempre
presente em sua mente e coração. Mesmo que, de algum modo, surjam desejos em
sua mente, ela consegue manter-se imperturbável, devido à misericórdia do Senhor
que recompensa o esforço de seu servo que tão sinceramente se ocupa em Seu
serviço. Seu único desejo é tornar-se cada vez mais consciente de Krishna e esta
fase perfeita é considerada a verdadeira ausência de desejos. Situada assim, tal
pessoa nunca se esquece de que o Senhor é o único proprietário e que, portanto,
tudo deve ser utilizado em Seu serviço amoroso. A entidade viva não pode existir
sem desejos, nem pode existir sem sentimentos ou atividades. Portanto, estar sem
desejos significa que não se reivindica falsamente a propriedade de algo. Este é o
princípio básico e essencial para se alcançar a plataforma de verdadeira paz
interior.
CAPÍTULO III: Karma-yoga

Pérola 17. SEGUINDO A PRÓPRIA NATUREZA (versos 1 a 8)

Pudemos ver no capítulo anterior duas espécies de procedimentos para


quem busca a auto-realização – sankhya-yoga, o estudo analítico da natureza
material e espiritual, e karma-yoga, a qual é também conhecida como buddhi-yoga,
ou a ação baseada no conhecimento espiritual através da qual fica-se livre de
qualquer reação material. O processo de sankhya é geralmente aceito por pessoas
inclinadas a especular filosoficamente e a compreender as coisas através do
conhecimento experimental. Tais pessoas costumam se afastar da vida ativa e
dedicam-se a praticar penitências e austeridades num lugar isolado. Em karma-
yoga, porém, a pessoa sente grande prazer espiritual em agir para a satisfação de
Krishna. Portanto, ao invés de se afastar das atividades tidas como materiais, o
karma-yogi aprende a arte de espiritualizar tais atividades, enquanto permanece
ocupado de acordo com a sua própria natureza. Como as pessoas comuns sentem
muita dificuldade em compreender que em karma-yoga não é necessário afastar-se
das atividades materiais e sim afastar-se do gozo dos sentidos materiais, Arjuna
pede para o Senhor Krishna definitivamente tornar este tema mais claro. Como
resposta, o Senhor diz que simplesmente por se afastar das atividades mundanas,
a pessoa não pode manter-se livre das reações. A condição de Arjuna como um
kshatriya era um exemplo perfeito disso, pois, caso ele renunciasse a luta, estaria
incorrendo em pecado e certamente teria de sofrer severas reações. Ao seguir sua
própria natureza, qualquer pessoa consciente de Deus sente grande satisfação em
se ocupar no serviço devocional amoroso e, gradualmente, obtém grandes
percepções a nível material e espiritual. No entanto, quando a pessoa tenta
contrariar sua natureza, reprimindo suas tendências naturais, ela se depara com
uma luta constante com seus sentidos e mente, cujo resultado é o inevitável
enfraquecimento espiritual.

A conclusão é que todos devem permanecer na sua própria ocupação natural


com o propósito de alcançar o objetivo da vida, em vez de se tornar um
pseudotranscendentalista que se recusa a trabalhar em consciência de Krishna
enquanto a mente permanece apegada aos objetos dos sentidos. Em outras
palavras, enquanto se vive neste mundo material, não se deve abandonar
caprichosamente o trabalho, pois a propensão a dominar a natureza material e
satisfazer os sentidos é realmente muito forte. Estas propensões mundanas
precisam ser purificadas e, para isso, é mais adequado nos ocuparmos em nossos
deveres prescritos e oferecermos os frutos desta ocupação como uma oferenda
devocional ao Senhor. Tal oferecimento é chamado yajña, ou sacrifício.

Pérola 18. A IMPORTÂNCIA DO SACRIFÍCIO (versos 9 a 16)

A prosperidade humana é completamente dependente das dádivas naturais,


as quais são supridas pela misericórdia do Senhor. Portanto, se a civilização
humana for consciente de Deus e viver de modo simples, voltada principalmente
para seu interesse em auto-realização, o Senhor estará satisfeito e abençoará a
todos, suprindo-os com amplo fornecimento de opulências materiais. Como está
claramente explicado aqui, a lei natural dá permissão para que, através do
processo conhecido como yajña ou sacrifício, os seres humanos piedosos tirem o
máximo proveito das dádivas divinas presentes na natureza. Porém, o homem
materialista não é capaz de compreender este fato e se dedica a uma vida artificial
que supervaloriza os empreendimentos industriais. Isto se deve unicamente à visão
ateísta do homem moderno, que perdeu sua consciência de Deus e, por isso, tem
causado uma condição de vida infernal, vivendo em função da exploração
predatória da natureza material.

Fica claro, portanto, que, para nos mantermos afastados de todas as


espécies de contaminações produzidas pela associação mundana no mundo
material, devemos executar yajñas, ou sacrifícios, assumindo nossos deveres
prescritos em consciência de Krishna da forma mais impecável possível.
Como foi discutido anteriormente, a atração dos sentidos pelos objetos é inevitável.
Os olhos desejam contemplar belas formas, os ouvidos querem ouvir sons
agradáveis, o paladar deseja saborear alimentos saborosos e assim por diante.
Desse modo, uma pessoa que queira evitar os perigos da contaminação material
terá de impedir que os sentidos materiais se ocupem em desfrutar dos objetos dos
sentidos mundanos, redirecionando-os para os objetos dos sentidos espirituais. Isso
é o verdadeiro conceito de sacrifício – tirar os sentidos do contato com a matéria e
colocá-los a serviço do Senhor. Utilizando os sentidos para a satisfação do Senhor,
a pessoa alcança a posição de liberação e, no devido tempo, retorna ao reino de
Deus. Por outro lado, não agindo para a satisfação do Senhor, qualquer pessoa terá
de permanecer neste mundo material, tentando inutilmente satisfazer seus
sentidos, e terá de conviver com diferentes reações materiais que, certamente, irão
ser a causa de sofrimento material.

O verdadeiro propósito dos sacrifícios é satisfazer a Pessoa Suprema, o


Senhor dos sacrifícios. Quando os sacrifícios são devidamente executados, o Senhor
dos sacrifícios Se torna satisfeito e, como consequência, os semideuses, os quais
são agentes que têm autoridade para agir em nome da Suprema Personalidade de
Deus, também se satisfazem. Como encarregados dos diferentes departamentos de
fornecimentos, os semideuses, satisfeitos, não permitem que haja escassez de
recursos naturais. Eles são considerados como partes do Senhor e, por agirmos em
consciência de Krishna, estaremos servindo e satisfazendo o Todo, o que inclui
naturalmente a satisfação de Suas partes, os semideuses. É importante
compreender que os diferentes sacrifícios recomendados nos Vedas para a
satisfação dos semideuses são, em última análise, oferecidos à Suprema
Personalidade de Deus. Tais sacrifícios são executados para que os semideuses
possam fornecer ar, luz e água suficientes para que haja produção de grãos
alimentícios em abundância. No entanto, quando o Senhor Krishna é adorado, os
semideuses, que são diferentes membros do Senhor, são também
automaticamente adorados, sendo desnecessário um esforço em adorá-los
independentemente do Senhor. A conclusão é que a adoração dos semideuses é
executada por aqueles que têm insuficiente fundo de conhecimento. Ainda assim,
através deste processo, uma pessoa poderá se livrar da reação pecaminosa de
usurpar as substâncias naturais que, sob a sanção superior do Senhor, são
fornecidas pelos semideuses. Devemos compreender, portanto, que as
necessidades da vida são os cereais, as frutas, o leite, etc. – os quais são supridos
unicamente pelos semideuses dotados de poderes divinos. Os seres humanos não
podem fabricar o calor, a luz, o ar, a água, etc., sem os quais ninguém pode viver.

Torna-se completamente evidente que nossa vida depende das substâncias


naturais fornecidas pelo Senhor e devemos fazer um uso apropriado delas para nos
manter saudáveis e em condições adequadas para a auto-realização espiritual.
Porém, se aquilo que recebemos do Senhor e de Seus agentes for utilizado para
mero gozo dos sentidos, certamente nos tornaremos ladrões e teremos de ser
punidos pelas leis da natureza material.

Pérola 19. PARA A ALMA AUTO-REALIZADA NÃO HÁ DEVER (versos 17 a


20)

Os rituais védicos, tais como os sacrifícios prescritos, visam à purificação das


atividades passadas de uma pessoa que se entregou ao gozo dos sentidos; por
isso, eles são imprescindíveis para pessoas que relutam em se ocupar a serviço do
Senhor. Quem é consciente de Krishna, porém, se ocupa em atividades espirituais,
as quais são livres das reações boas ou más. Tais almas puramente conscientes de
Krishna são auto-realizadas e inteiramente desapegadas das atividades deste
mundo. No entanto, ainda que não tenha interesses pessoais por este mundo, uma
pessoa completamente consciente de Krishna deve se ocupar de uma maneira
exemplar e cumprir o propósito de ensinar a todos como se deve agir e como se
deve viver. Ainda assim, tal pessoa realmente consciente de Krishna atuará sempre
para o prazer do Senhor e, desse modo, irá manter-se inteiramente satisfeita. Para
tal pessoa, na verdade, não haveria mais necessidade de aceitar deveres prescritos
específicos, pois, pela graça do Senhor, todas as impurezas que existiam em seu
coração, resultado acumulado de muitas e muitas vidas, são eliminadas através de
suas atividades devocionais. Evidentemente, nem o Senhor Krishna nem Seu amigo
Arjuna precisariam ocupar-se na Batalha de Kurukshetra. Eles só lutaram para
ensinar as pessoas que a violência às vezes se faz necessária, especialmente
quando ela visa à proteção da religiosidade.

Pérola 20. O COMPORTAMENTO EXEMPLAR DO SENHOR KRISHNA (versos


21 a 24)

Sri Krishna é o controlador dos controladores e tudo e todos estão sob Seu
controle. Ele é a causa de todas as causas e ninguém é igual ou superior a Ele. Ele
possui opulências plenas e é a Suprema Deidade adorável. Evidentemente, a
Suprema Personalidade de Deus é transcendental às regras e regulações, as quais
existem unicamente para disciplinar e purificar as almas condicionadas que
dependem dos resultados de seu trabalho e, por isso, se encarregam de diferentes
deveres.

Sendo transcendental, o Senhor não tem o menor interesse em nada deste


mundo e, portanto, não precisa aceitar nenhum dever prescrito. No entanto, as
almas condicionadas precisam de exemplos vivos de grandes líderes que as
ensinem a se comportar de uma maneira exemplar. Desse modo, por Sua bondade
sem limites, o Senhor vem a este mundo e age unicamente para o benefício das
pessoas em geral. Assim, Ele assume para Si mesmo a responsabilidade de ser a
maior autoridade de modo que as pessoas comuns sigam Seus passos e alcancem a
perfeição da vida. Devemos, no entanto, entender claramente que as regras e
regulações prescritas nas escrituras nunca podem afetá-lO, mas, ainda assim, para
estabelecer os princípios religiosos Ele prefere segui-las à risca.

Pérola 21. A AÇÃO DO SÁBIO E A AÇÃO DO IGNORANTE (versos 25 a 35)

Uma vez que os homens ignorantes não podem aceitar as atividades em


consciência de Krishna, os sábios não devem desperdiçar seu tempo valioso,
perturbando-os desnecessariamente. Sendo bondosos, no entanto, os devotos do
Senhor toleram o mau comportamento dos ignorantes e aproximam-se deles para
tentar ocupá-los apropriadamente.

Movida pelo ego falso, uma pessoa ignorante da sua natureza espiritual
eterna considera-se a causa dos resultados de suas atividades e atribui o mérito
unicamente a si própria. Ela não reconhece que seu corpo é um simples resultado
de suas atividades passadas, o qual funciona sob a ordem do Senhor. Absorta em
consciência material, a pessoa ignorante esquece-se de sua posição de servo
amoroso do Senhor e dedica-se a servir seus próprios interesses pessoais.

Uma pessoa sábia, no entanto, nunca age visando à sua satisfação pessoal,
mas está sempre ativa no serviço devocional amoroso e, assim, está sempre
ajudando a pessoa ignorante a aperfeiçoar o seu comportamento. Quando
observamos uma pessoa sábia agir, podemos comprovar que ela é dotada de
grande conhecimento espiritual, pois mostra sua indiferença às exigências
mundanas dos sentidos materiais. Por outro lado, absorto em designações
materiais ilusórias, o ignorante vive preso ao desfrute de seus sentidos. Portanto,
qualquer pessoa que queira se tornar sábia deve desenvolver conhecimento prático
a respeito da existência eterna da alma. Ela precisa compreender que não é este
corpo material e, sim, uma alma espiritual que tem habitado diferentes corpos
temporários. Isto irá ajudá-la a perceber claramente que existe uma certa classe de
prazeres materiais que é perigosa, pois produz reações materiais que irão desviá-la
da sua meta espiritual. Desse modo, compreendendo bem a diferença entre
trabalho prático em devoção e trabalho fruitivo, a pessoa pode exercer controle
sobre suas paixões materiais e utilizar seus sentidos em trabalhos práticos com o
único propósito de se purificar.

Pérola 22. O INIMIGO INSACIÁVEL CHAMADO LUXÚRIA (versos 36 a 46)

Aqui se explica que, ao vir ao mundo material, a entidade viva


inevitavelmente passa a interagir com o modo da paixão, o que faz com que seu
sentimento puro de amor por Deus se transforme em luxúria. O amor a Deus é uma
qualidade natural de todo ser vivo puro, e se caracteriza pelo desejo espontâneo de
agir para o prazer do Senhor. Este amor a Deus é comparado ao leite puro e a
luxúria é comparada ao iogurte. Em outras palavras, assim como o leite em contato
com uma substância ácida se transforma em iogurte, o amor a Deus em contato
com a paixão material se perverte em luxúria, ou o desejo incontrolável de
satisfazer os próprios sentidos materiais. A entidade viva, portanto, permanece
presa a este mundo material unicamente por causa da luxúria, a qual é comparada
ao fogo. Isto significa que, assim como não podemos apagar o fogo simplesmente
jogando combustível nele, não podemos controlar a nossa luxúria simplesmente
tentando satisfazê-la. A solução dada pelo Senhor é que a pessoa deve refrear esta
propensão luxuriosa, pois esta austeridade executada por uma pessoa irá
gradualmente tornar a luxúria cada vez mais fraca. Quando a luxúria é portanto
refreada e, ao mesmo tempo, a pessoa se ocupa no serviço devocional ativo, esta
mesma luxúria irá se reespiritualizar e irá recuperar sua natureza original pura. A
grande dificuldade que o ser vivo corporificado enfrenta é que ele está viciado em
satisfazer os sentidos e confunde o prazer ilusório dos sentidos com a verdadeira
felicidade. Devido ao mau uso do seu livre-arbítrio, a entidade viva veio a este
mundo material exclusivamente para tentar ser feliz independente de Deus.

Passando a habitar um corpo material específico e recebendo da natureza


material um tipo específico de visão, audição, paladar, etc., bem como uma mente,
um intelecto e um ego materiais, os seres vivos se esquecem de sua natureza
espiritual eterna. Por terem abusado de sua independência parcial, eles caíram
nesta condição ilusória e são forçados pela influência da luxúria a permanecerem
absortos em atividades de gozo dos sentidos. Esta criação material, no entanto, é
feita pelo Senhor de uma maneira que os seres vivos nunca conseguirão satisfazer
por completo suas propensões de gozo material. Ao contrário disso, esta constante
busca infrutífera de gozo dos sentidos torna-se a causa da própria frustração do ser
vivo, a qual o levará a indagar sobre sua verdadeira natureza espiritual.

Nos versos anteriores conseguimos compreender como podemos purificar a


nossa própria natureza por aceitar deveres prescritos como um serviço em sacrifício
ao Senhor. Contudo, podemos observar que na prática nossa natureza
frequentemente se perverte e manifesta tendências pecaminosas. Arjuna, portanto,
quer compreender que força é esta que nos confunde completamente e nos induz a
agir contra nosso próprio interesse. Por esse motivo, o Senhor aqui revela que
nosso verdadeiro inimigo, a luxúria, vive dentro de todos nós, e conclui que,
através da prática da consciência de Krishna, a qual inclui conhecimento
transcendental, a pessoa pode valer-se de sua força espiritual e gradualmente
subjugar este inimigo tão perigoso.
CAPÍTULO IV
O Conhecimento Transcendental

Perola 23. O MISTÉRIO DA CIÊNCIA DO GITA (versos 1 a 3)

Aqui fica claro que o Bhagavad-gita é um tratado espiritual especialmente


destinado ao bhakta, ou devoto do Senhor. Na verdade, segundo o próprio Senhor,
os jñanis, ou especuladores filosóficos, e os yogis, ou os que se limitam às práticas
ióguicas mecânicas, não podem tirar o verdadeiro proveito do Bhagavad-gita.

Portanto, o Senhor diz claramente que escolhera Arjuna para receber este
conhecimento devido às suas qualidades devocionais. A bhakti-yoga só pode ser
praticada com conhecimento transcendental e este conhecimento é um grande
segredo, pois inclui o conhecimento sobre a natureza espiritual da Suprema
Personalidade de Deus. Além de devoto, Arjuna era um amigo sincero do Senhor e,
devido à sua fidelidade, era qualificado para penetrar nos mistérios da
compreensão acerca do Senhor Krishna.

O Senhor informa aqui que este sistema de yoga foi primeiramente falado ao
deus do Sol e o deus do Sol o explicou a Svayambhuva Manu, que o transmitiu a
Maharaja Iksvaku e assim por diante. A história do Bhagavad-gita, portanto,
remonta a um tempo muito antigo, quando foi entregue à ordem real, começando
pela deidade que preside o planeta Sol. Isto revela que, através de um orador para
outro, este sistema de yoga foi transmitido através da sucessão discipular,
conhecida como parampara, para a proteção de todos os habitantes. Todos as
pessoas com cargos de responsabilidade devem compreender o Bhagavad-gita e
assim ajudar a proteger os cidadãos do cativeiro material produzido pela luxúria.

Este conhecimento é essencial para se cumprir o propósito da vida humana,


mas, devido à influência do poderoso tempo eterno, a transmissão deste
conhecimento através da sucessão discipular foi interrompida e o conhecimento se
perdeu. Como consequência disto, o Senhor deseja apresentá-lo novamente e
escolheu Seu amigo Arjuna, o qual estava no Campo de Batalha de Kurukshetra,
como alguém qualificado para recebê-lo. Isto indica que melhor compreende o
Bhagavad-gita a pessoa que tem qualidades semelhantes às de Arjuna. Ela deve
tornar-se devota do Senhor e desenvolver seu relacionamento de serviço amoroso
direto ao Senhor. Arjuna já era perfeito em serviço devocional e, por isso,
relacionava-se com o Senhor na condição de amigo transcendental. De qualquer
modo, apesar de, em nosso atual estado de vida, termos nos esquecido do Senhor,
esta relação poderá ser revivida se seguimos os passos de Arjuna e aceitamos
Krishna como nosso verdadeiro refúgio.

Pérola 24. A NATUREZA TRANSCENDENTAL DO SENHOR (versos 4 a 6)

Aqui, revela-se a característica especial do nascimento do Senhor: embora


apareça como um ser humano comum, Ele Se lembra dos pormenores de Seus
outros milhares de nascimentos anteriores. Esta é a diferença entre o Senhor e um
ser vivo comum. O Senhor possui um corpo espiritual eterno, livre de nascimento,
velhice, doença ou morte, e por isso Ele pode Se lembrar dos atos que Ele executou
há milhões de anos. Um ser vivo comum muda de um corpo para outro e sua
memória é tão limitada que mal pode se lembrar do que fez em algumas horas
atrás. Assim, ninguém pode nunca se igualar ao Senhor.

O Senhor possui um corpo eterno e transcendental. Seu corpo é, na


verdade, idêntico a Ele e, mesmo descendo ao mundo material, Ele Se mantém na
plataforma transcendental – livre de toda e qualquer ilusão. Sempre que aparece,
Ele o faz através de Sua própria potência interna e a Seu bel-prazer. O Seu corpo
nunca se deteriora, mas, mesmo assim, Ele passa da infância à juventude e
surpreendentemente nunca ultrapassa esta fase. Mesmo na época da Batalha de
Kurukshetra quando o Senhor já estava cheio de netos, Sua aparência era jovial,
como se tivesse vinte ou no máximo vinte e cinco anos. Embora seja a pessoa mais
velha, nem Seu corpo nem Sua inteligência jamais se deterioram. Assim como o
poderoso Sol, Ele aparentemente “nasce” e “morre”. Na verdade, o Sol está
praticamente fixo em sua posição, só que, devido a nossos sentidos precários,
calculamos o seu “nascimento” e “morte”. De forma semelhante, o Senhor é não-
nascido. Ele aparece diante de nossa visão, executa atividades para o bem-estar de
todos e, ao concluir Sua missão, desaparece de nossa visão, tornando-Se
imanifesto. Ele é Um, mas manifesta-Se sob inúmeras formas e todas estas
variadas formas são compreendidas pelos devotos puros e imaculados, mas nunca
por uma pessoa que simplesmente se limita a estudar os Vedas. Devotos puros
como Arjuna, os quais são companheiros eternos do Senhor, sempre encarnam
com Ele para prestar-Lhe diferentes classes de serviços. Porém, a diferença é que o
Senhor pode Se lembrar de todos os Seus aparecimentos, ao passo que Seu devoto
os esquece.

Devotos puros como Arjuna estão sempre acima de qualquer dúvida ou mal-
entendido acerca da natureza espiritual do Senhor. Portanto, como ficará cada vez
mais claro, Arjuna compreende muito bem que o Senhor Krishna é a Pessoa
Suprema, a causa de todas as causas. Ainda assim, por estar representando o
papel de uma pessoa confusa, em todo o Bhagavad-gita Arjuna tem de levantar
diferentes questões importantes. Será que ele tem dúvidas quanto às afirmações
apresentadas por Krishna? Evidentemente que não. Arjuna não está querendo
esclarecer suas próprias dúvidas. Mas, como os homens comuns estão às voltas
com muitos questionamentos e sentem grande dificuldade em compreender os
tópicos do Bhagavad-gita, Arjuna teve de assumir este importante papel. Além
disso, Arjuna estava tendo a oportunidade de ouvir diretamente do Senhor, o que
para os devotos puros como Arjuna é extremamente prazeroso.

Pérola 25. O PROPÓSITO DO APARECIMENTO DO SENHOR (versos 7 a 11)

Sob a ordem do Senhor, os Vedas apresentam diferentes princípios


religiosos, mas quando existem discrepâncias quanto à execução apropriada das
regras contidas nos Vedas, o mundo todo torna-se irreligioso. Neste momento, o
Senhor desce do Seu reino espiritual e aparece como um avatara, uma encarnação
divina. Ele o faz por Sua própria vontade, devido à misericórdia que sente por Seus
devotos que estão no mundo material. Tais devotos são sempre molestados por
pessoas demoníacas que tentam propagar suas filosofias mundanas ou distorcer o
verdadeiro significado da religião. Na verdade, para conseguir se libertar do
cativeiro material, a entidade viva precisa vencer sérias dificuldades. Para tal, nada
melhor do que aceitar a ajuda do Senhor na forma do conhecimento védico, do
mestre espiritual e da associação com os devotos. Só assim ela poderá
compreender a natureza transcendental do corpo e das atividades do Senhor e,
como resultado, após findar este corpo, não correr o risco de voltar a este mundo
material.

Os Vedas nos declaram que embora seja Um, a mesmíssima Suprema


Personalidade de Deus, o Senhor Se manifesta em muitíssimas formas e
encarnações. Evidentemente, isto é incompreensível para os eruditos mundanos e
filósofos empíricos, embora o devoto puro possa compreender este fato com
completa convicção. Nesta parte do Bhagavad-gita, o Senhor confirma de fato que,
sempre e onde quer que existe a necessidade, Ele aparece para resgatar Seus
devotos queridos. Tais devotos compreendem que o nascimento e as atividades do
Senhor são completamente espirituais e, aceitando esta verdade com fé, eles não
perdem tempo com especulações filosóficas inúteis. O Senhor declara que, mesmo
no passado, muitas pessoas adotaram o serviço devocional amoroso e se livraram
dos diferentes obstáculos deste mundo, os quais se apresentam na forma de
apego, medo e ira. Portanto, o Senhor Krishna encoraja Seu amigo e discípulo
Arjuna a praticar a consciência de Krishna e conclui que devemos cultivá-la com fé
e conhecimento, e com isto alcançar a perfeição. Com certeza, o Senhor irá
recompensar a tentativa sincera empreendida pelo devoto que, apesar das
dificuldades encontradas neste mundo, persiste em praticar serviço devocional ao
Senhor.

Pérola 26. AS COMPLEXIDADES DA AÇÃO (versos 12 a 24)

O processo através do qual a pessoa pode se livrar do cativeiro das ações é


chamado de consciência de Krishna, onde tudo passa a ser feito para a satisfação
do Senhor. Quem é consciente de Krishna age por amor à Suprema Personalidade
de Deus e vive livre de interesses egoístas. Para se alcançar esta fase elevada, é
necessário seguir a liderança de pessoas autorizadas que estão na linha de
sucessão discipular, como se explicou no início deste capítulo. Os exemplos
deixados pelos devotos autênticos anteriores são perfeitos e devemos segui-los,
caso contrário, mesmo homens muito inteligentes ficarão confusos no que se refere
às ações reguladoras existentes na consciência de Krishna. Os princípios religiosos
são estabelecidos diretamente pelo Senhor. Isto significa que ninguém pode criar
sua própria maneira de agir baseado no seu conhecimento experimental imperfeito.

A alma condicionada vive absorta em suas especulações mentais e não


consegue determinar o verdadeiro significado de religião e auto-realização
transcendental. Portanto, bondosamente o Senhor explica a Arjuna e a todos nós o
verdadeiro significado de ação, inação e ação proibida, pois qualquer pessoa que
estiver decidida a libertar-se deste cativeiro material terá de compreender muito
bem tais tópicos.

Ao tornar-se consciente de Krishna, a pessoa aprende naturalmente a


relacionar-se com o Senhor Supremo e com as demais entidades vivas.

Compreendendo que todo ser vivo é um servo eterno do Senhor, ela


compreenderá que todas as suas ações devem visar à satisfação do Senhor, o que
é chamado de karma-yoga. Qualquer conclusão que leve a pessoa a agir de uma
maneira diferente é considerada vikarma, ou ação proibida. Isto pode ser
facilmente compreendido quando nos aproximamos do mestre espiritual, uma
verdadeira autoridade na consciência de Krishna. Agir em consciência de Krishna
significa agir em prol da satisfação de Krishna e isto torna a pessoa completamente
livre do cativeiro do karma. Tal pessoa, materialmente falando, está
completamente inativa, pois seu sentimento de servidão a Krishna faz com que ela
se torne akarma, uma pessoa imune a todas as espécies de reações ao trabalho. O
conhecimento sobre a ação em consciência de Krishna é verdadeiro conhecimento e
é comparado ao fogo, sendo capaz de queimar todas as espécies de reações ao
trabalho. A palavra brahman significa “espiritual”. O Senhor é o Supremo Brahman
e qualquer atividade oferecida a Ele também torna-se brahman, ou espiritual. Na
verdade, o resultado desta atividade e o próprio executor também se tornam
brahman, ou espirituais, devido à influência espiritual do Senhor. A energia
material, conhecida como maya, é também considerada divina, sendo uma das
energias do Senhor. Quando utilizada para propósitos materiais, esta maya atua
para confundir a alma condicionada que acaba desenvolvendo apego e desejo de
posse por ela. Mas, quando é utilizada no serviço amoroso ao Senhor, esta mesma
maya readquire sua qualidade espiritual, tornando-se brahman. Este é, portanto, o
método transcendental da consciência de Krishna: utilizar tudo a serviço do Senhor,
onde a execução, o executor e o resultado último – tudo – se une no Absoluto e
atinge a plataforma espiritual.

Como aprendemos aqui no Bhagavad-gita, a alma condicionada, absorta na


matéria, pode curar-se por meio da consciência de Krishna. Este processo também
é conhecido como yajña (sacrifícios), ou seja, atividades destinadas à satisfação do
Senhor Vishnu, ou Krishna. Tais sacrifícios podem ser de diferentes categorias. Os
bhaktas, ou aqueles que estão em consciência de Krishna, executam sacrifícios
para a satisfação do Senhor e são considerados os mais perfeitos yogis. Os karmis,
no entanto, desejam felicidade material advinda do gozo dos sentidos. Desse modo,
eles executam sacrifícios para a satisfação dos semideuses, tais como Indra, Surya,
etc. Tais semideuses são seres poderosos, pois são designados pelo Senhor para
administrar os diferentes departamentos da criação material, tais como irrigação,
aquecimento, iluminação, etc., do Universo. Há também aqueles que, sendo
impersonalistas, sacrificam sua identidade material e espiritual para fundir-se na
existência do Absoluto. De qualquer modo, qualquer pessoa interessada em obter
auto-realização material ou espiritual deve adotar os vários sacrifícios conforme os
rituais prescritos nos Vedas. A essência da vida dos estudantes transcendentalistas
(brahmacharis) é a austeridade, por isso eles devem dedicar-se a ouvir o
conhecimento védico da boca de lótus de um mestre espiritual puro e, assim,
abster-se completamente do gozo dos sentidos. Os chefes de família (grihasthas)
podem se purificar através do sacrifício sob a forma da caridade. Eles possuem
alguma licença para o gozo dos sentidos, mas, ainda assim, executam-no com
bastante restrição. Portanto, o casamento religioso é um sacrifício que visa a
restringir a vida sexual das pessoas. Uma pessoa na ordem de vida renunciada
(sannyasi) deve executar sacrifícios que beneficiem todas as outras classes de
pessoas, por isso seu principal dever prescrito é a propagação da consciência de
Krishna. Todas estas práticas chamam-se yoga-yajña, e são diferentes sacrifícios
para se obter diferentes perfeições espirituais. Além disso, há sacrifícios de
diferentes naturezas. Há pessoas que sacrificam seus bens materiais e abrem
várias espécies de instituições de caridade, asilos, hospitais, etc. Outras pessoas
preferem executar grandes austeridades e fazem votos estritos, vivendo livre de
qualquer espécie de conforto material. Há outros que, com o propósito de controlar
seus sentidos e progredir em compreensão espiritual, praticam a yoga apresentada
por Patañjali, dedicando-se a diferentes técnicas ióguicas. Todas estas diferentes
classes de pessoas estão fielmente ocupadas em suas diferentes classes de
sacrifícios e procuram uma situação de vida superior. Dependendo do grau de
consciência, os sacrifícios ora fazem parte da seção karma-kanda (atividades
fruitivas), ora jñana-kanda (conhecimento em busca da verdade).

A consciência de Krishna, entretanto, é diferente de tudo isto porque é


serviço direto ao Senhor Supremo. A consciência de Krishna não pode ser
alcançada por nenhuma das atividades acima mencionadas, mas só pode ser
conseguida pela misericórdia do Senhor e Seus devotos autênticos. Nesta atual era
de Kali as pessoas geralmente têm muita dificuldade em praticar o autocontrole e
não têm uma mente tranquila para praticar yoga ou meditação. Além disso, as
pessoas desta era vivem pouco, demoram muito a compreender o que é vida
espiritual e estão sempre perturbadas por constantes ansiedades. Portanto, as
escrituras védicas enfatizam o sacrifício conhecido como sankirtana-yajña, o cantar
dos santos nomes do Senhor:

Hare Krishna Hare Krishna Krishna Krishna Hare Hare, Hare Rama
Hare Rama Rama Rama Hare Hare.

Pérola 28. A FORÇA DO CONHECIMENTO TRANSCENDENTAL (versos 34 a


42)

É necessário aproximar-se de um mestre espiritual genuíno para se obter o


conhecimento transcendental. Um mestre genuíno tem de, antes de mais nada,
fazer parte da linha de sucessão discipular proveniente do próprio Senhor, pois
ninguém pode alcançar a auto-realização espiritual fabricando seu próprio processo.

Tal mestre espiritual mantém intacta a mensagem original do Senhor e a


transmite sem interpretações materialmente motivadas. Ele aprendeu este
conhecimento, rendendo-se ao seu mestre espiritual, e, assim, passou a entender
as coisas como elas são. O mestre espiritual deve ter uma compreensão prática de
que todos os seres vivos são partes integrantes da Suprema Personalidade de
Deus, o Senhor Krishna. Portanto, seus ensinamentos se destinam a convencer o
discípulo que o ser vivo, como servo eterno de Krishna, não pode estar separado do
Senhor, e quando uma pessoa sente que sua identidade é separada do Senhor,
deve-se saber que ela está sob os encantos de maya, a energia ilusória. Por isso, o
mestre espiritual ensina o discípulo a prestar serviço devocional puro, livrando-o
gradualmente da busca pelos resultados fruitivos e da especulação mental. Quem
presta serviço devocional ao Senhor, sob a guia de um verdadeiro mestre
espiritual, imediatamente livra-se da ilusão que faz com que um ser vivo
equivocado manifeste interesses diferentes dos interesses do Senhor. Portanto,
como exemplificado por Arjuna no início do segundo capítulo, ninguém é capaz de
resolver seus problemas e desenvolver conhecimento perfeito sem a ajuda do
mestre espiritual. Desse modo, o discípulo aprende a se relacionar com seu mestre
espiritual através do serviço amoroso humilde, sem falso prestígio.

Evidentemente, não se trata de obediência cega, pois é necessário um


entendimento bastante claro do que é verdadeira vida espiritual. Com submissão
autêntica, o discípulo faz constantes indagações filosóficas a seu mestre espiritual,
o qual, sendo por natureza muito bondoso, fica satisfeito e revela o segredo do
conhecimento espiritual. Desse modo, não importa quão pecaminosa uma pessoa
possa ter sido. Se ela adota as instruções do mestre espiritual e age baseada
somente no conhecimento transcendental recebido, todas as suas reações kármicas
são completamente eliminadas. Este conhecimento é, portanto, a causa da
liberação, ao passo que a ignorância é a causa do cativeiro material. Este é o
importante significado desta passagem do Bhagavad-gita.
CAPÍTULO V

Karma-yoga,
Ação em Consciência de Krishna

Pérola 29. RENÚNCIA AO TRABALHO E O TRABALHO EM DEVOÇÃO (versos


1 a 6)

No decorrer do Capítulo Quatro, o Senhor Krishna enfatizou o trabalho em


devoção e a inação com conhecimento. Porém, no final do capítulo, Ele recomendou
que Arjuna saísse da letargia, se levantasse e cortasse todas as dúvidas com a
arma do conhecimento transcendental. Isto produziu uma certa confusão na mente
de Arjuna, o qual estava inclinado a entender que a renúncia em conhecimento
envolvia a cessação de todas as atividades. Em outras palavras, Arjuna achava que
a renúncia e o trabalho eram incompatíveis, e não compreendia que o trabalho com
conhecimento pode livrar a pessoa de qualquer tipo de reação. Portanto, aqui, o
Senhor conclui que o trabalho feito com conhecimento e devoção é superior. A
verdade é que o conhecimento espiritual desprovido de ação não é suficiente para a
liberação da alma condicionada. A pessoa precisa agir na qualidade de alma
espiritual para, inclusive, fortalecer cada vez mais o conhecimento adquirido. A
ação espiritual pode purificar completamente o coração da pessoa e, de uma vez
por todas, livrá-la da propensão a agir em busca de gozo dos sentidos. Por
conseguinte, ao agir com o conhecimento de sua relação espiritual eterna com o
Senhor, a pessoa torna-se verdadeiramente renunciada. Atingir o conhecimento
espiritual é comparado a encontrar a raiz da árvore, e praticar o serviço devocional,
ou a ação em conhecimento espiritual, é comparado a regar essa raiz.

Primeiramente, em sankhya-yoga, chega-se à conclusão filosófica que a


alma nada tem a ver com este mundo material e depois, em karma-yoga, começa-
se a agir em consciência de Krishna, sempre em relação ao Supremo. Portanto,
ambos os processos envolvem a renúncia. Enquanto no primeiro caso se pratica
unicamente a renúncia às atividades materiais, no segundo se inclui o apego às
atividades espirituais. A conclusão é que embora ambos os processos sejam
importantes e valiosos, aqueles que estão ocupados em consciência de Krishna
estão mais bem situados, pois somente eles desfrutam da felicidades espiritual que
se obtém do relacionamento amoroso com o Senhor.

Pérola 30. OFERECENDO O RESULTADO DAS ATIVIDADES (versos 7 a 12)

A diferença entre uma pessoa em consciência material e em consciência


espiritual está no apego. Enquanto a primeira está apegada aos resultados de suas
atividades e age sempre visando ao seu próprio desfrute egoísta, a segunda está
sempre apegada a Krishna e nunca cobiça os resultados de suas atividades. Esta
pessoa quer sempre dar prazer ao Senhor, colocando-se, assim, no plano
transcendental, livre de qualquer efeito material. Desse modo, qualquer ação que
tal pessoa execute, quer seja corpórea, sensorial, mental ou intelectual, está
sempre purificada da contaminação material, exatamente como a flor de lótus que
permanece acima do nível da água, sem ser tocada por ela.

Em consciência material, os sentidos se ocupam constantemente em buscar


prazeres materiais, mas em consciência espiritual, ou consciência de Krishna,
acontece o contrário: os sentidos se ocupam unicamente no serviço amoroso ao
Senhor. Uma pessoa consciente de Krishna perde seu ego falso que
constantemente a impele a agir como um desfrutador. Pelo contrário, a pessoa
consciente de Krishna sente-se um servo de todos e sempre age com pureza e
autocontrole. Suas atividades são tão puras que todos permanecem sempre
satisfeitos com ela. Portanto, assim como ela é um benquerente de todos, ela
também se torna benquista todos.

Pérola 31. O SÁBIO DE VISÃO EQUÂNIME (versos 13 a 19)

O corpo material é comparado a uma cidade que possui nove portões: dois
olhos, duas narinas, dois ouvidos, uma boca, o ânus e o órgão genital. Residindo
temporariamente nesta cidade, a alma iludida se julga proprietária e controladora
do corpo, sem compreender que, na verdade, as ações e reações do corpo estão
sob a influência inevitável dos modos da natureza. Define-se, portanto, a alma
condicionada como aquela que ainda vive sob o conceito corpóreo da vida e não é
capaz de compreender que os corpos são simplesmente produtos de diferentes
modos da natureza material. Ao ser iluminada pelo conhecimento transcendental,
tal alma condicionada se libera destes conceitos ilusórios e pode compreender que
a alma que habita o corpo é de uma natureza plenamente espiritual. Gradualmente,
pela influência do conhecimento transcendental, tal pessoa afortunada se livra de
todos os receios e toma completo abrigo no Senhor. Ela pode compreender cada
vez mais que tudo e todos estão sob completo controle do Senhor e passa a
perceber a presença transcendental do Senhor como Paramatma ou Superalma no
coração de todos os seres. Assim, ela adquire sua visão espiritual, livre de qualquer
distinção de espécies ou castas. Isto significa que, embora o corpo de um sacerdote
brahmana ou o corpo de um pecaminoso chandala, ou comedor de cachorros, não
sejam iguais em qualidade, uma pessoa plenamente consciente de Deus sabe
perfeitamente que tal diferença existe unicamente na plataforma material
temporária, ao passo que a alma (tanto do brahmana quanto do chandala) é da
mesmíssima qualidade espiritual. Tal equanimidade mental é um verdadeiro
sintoma de auto-realização e quem a alcançou tem toda chance de ser transferido
para o mundo espiritual, conquistando definitivamente as condições indesejáveis de
nascimentos e mortes.

Pérola 32. A ALMA LIBERADA E SUA FELICIDADE INTERIOR (versos 20 a


29)

Uma pessoa desprovida de consciência espiritual age sempre sob o encanto


dos prazeres dos sentidos, especialmente o prazer derivado da vida sexual. Na
verdade, um materialista não pode manter sua vida trabalhando com vigor, sem
entregar-se às práticas sexuais. Desse modo, o materialista vive em constante
dualidade, pois, ao conseguir algo relacionado com o seu corpo, ele se alegra,
assim como ao perder algo relacionado com o corpo, ele se lamenta. Portanto, é
considerada uma alma liberada a pessoa que, sendo espiritualmente avançada,
mantém-se livre dos seis impulsos dos sentidos materiais: a fala, o paladar, o
estômago, os órgãos genitais, a mente e a ira. Isto ocorre devido à percepção
prática de que os prazeres dos sentidos, assim como o corpo material, são
temporários. Ela sabe, portanto, que a compreensão espiritual e o prazer dos
sentidos não combinam muito bem. Certamente, uma alma liberada que perdeu o
interesse pelos prazeres dos sentidos materiais está situada na transcendência,
pois se identifica como uma parte integrante da Suprema Personalidade de Deus e
vive absorta em satisfação plena. Ela mantém-se incólume diante das dualidades
materiais, pois compreende que, ao se entregar aos prazeres materiais, a pessoa
terá de se enredar cada vez mais nas misérias materiais. Refreando os impulsos
dos seus sentidos e mergulhando dentro de si mesma, a alma liberada desfruta de
um prazer espiritual ilimitado. Na realidade, afastar-se das ocupações externas que
oferecem felicidade material superficial só é possível para a grande alma que
saboreia a felicidade interior. Este estado avançado de vida espiritual chama-se
consciência de Krishna, e o alcança quem pratica serviço devocional puro ao
Senhor. Como não existe diferença entre estar ocupado no serviço devocional ao
Senhor ou estar situado no mundo espiritual, um devoto puro tem como garantia o
seu retorno ao seu lar original, de volta ao Supremo. O desejo de desfrutar da
energia material do Senhor está tão profundamente arraigado que mesmo grandes
sábios têm muita dificuldade em controlar seus sentidos. A menos que se ocupem
no serviço devocional, nem mesmo grandes sábios ou praticantes de astanga-yoga
são capazes de conter os impulsos dos sentidos de maneira tão eficaz como os
devotos puros que se dedicam a servir aos pés de lótus do Senhor em grande bem-
aventurança e amor transcendental. Tais devotos puros alcançam a plataforma
máxima de paz interior por seguir a fórmula apresentada aqui no Bhagavad-gita:
como o proprietário e controlador supremo, o Senhor é o verdadeiro reservatório de
nosso amor e o beneficiário último de todos os nossos sacrifícios e austeridades. Ele
é o nosso verdadeiro benquerente e devemos sempre trabalhar em consciência de
Krishna na prática, livre da especulação mental e livre de interesses materiais. No
próximo capítulo, o Senhor apresenta em pormenores o processo de meditação
dhyana-yoga, que é também conhecido como astanga-yoga, ou o processo místico
de oito fases começando por yama e chegando finalmente ao samadhi, a mais
elevada fase de meditação no Senhor. Este processo de dhyana-yoga ajuda o
praticante a libertar-se de todas as espécies de temores e ira e, desse modo,
ajuda-o também a sentir a presença da Superalma dentro do coração. Todavia,
este processo gradual de yoga constitui apenas uma introdução ao serviço
devocional ao Senhor, o qual é considerado a mais elevada perfeição da vida e o
único meio que pode conceder a mais profunda paz ao ser humano.
CAPÍTULO VI

Dhyana-yoga

Pérola 33. A MENTE COMO AMIGA OU INIMIGA (versos 1 a 9)

O verdadeiro e último propósito da prática da yoga é unir-se ao Supremo


através de bhakti, ou serviço devocional. Porém, até se alcançar bhakti-yoga, o
praticante passa por diferentes fases de auto-realização. Este processo de se unir
ao Supremo, portanto, pode ser comparado a uma escada com diferentes degraus:
karma-yoga, jñana-yoga, dhyana-yoga e bhakti-yoga. Em outras palavras, segundo
o Bhagavad-gita, todas estas diferentes yogas são simples meios para, enfim se
chegar até bhakti, uma vez que de karma-yoga, até se chegar à bhakti-yoga existe
um longo caminho para se percorrer. No Capítulo Três, foi explicado karma-yoga,
no Capítulo Quatro, jñana-yoga, e no Capítulo Cinco foi dado uma introdução em
bhakti. Agora, aqui no Capítulo Seis, o Senhor irá apresentar o processo conhecido
como dhyana-yoga para depois, então, concluir que bhakti é, de fato, o processo
mais elevado de todos. Apesar de explicar que dhyana-yoga é um poderoso meio
para controlar a mente e os sentidos, o Senhor irá enfatizar que, por agir em
consciência de Krishna, a pessoa irá se tornar um yogi perfeito. Em outras
palavras, tornar-se um renunciado quando se tem como meta fundir-se no aspecto
impessoal de Deus ou praticar yoga simplesmente para alguma satisfação pessoal
não constituem as verdadeiras metas da yoga. Portanto, praticar a renúncia do
gozo pessoal dos sentidos com o propósito de se ocupar no serviço devocional para
o prazer do Senhor é a perfeição da renúncia. Um yogi perfeito age sempre
baseado na sua relação amorosa com o Senhor e, por isso, está sempre
preocupado em dar prazer ao Senhor. Mas, devido às insuficientes informações
acerca do Senhor, um yogi neófito tenta de maneira mecânica controlar sua mente
e, fatalmente, acaba caindo vítima de seus desejos pessoais grosseiros e sutis ou
até, em raras exceções, espirituais. Isto acontece porque, na prática, ninguém
consegue manter-se na condição de inatividade. O processo conhecido como
astanga-yoga, portanto, pode ajudar a pessoa a controlar sua mente até um certo
ponto e afastá-la do gozo dos sentidos, mas isto não irá resolver por completo o
problema da alma condicionada. O Bhagavad-gita enfatiza com frequência que a
melhor maneira de livrar uma pessoa dos seus desejos mundanos é ocupar sua
mente em consciência de Krishna. Na realidade, a menos que a mente esteja sob
controle, a prática da yoga não passa de uma mera exibição, pois a pessoa
continuará vivendo com sua pior inimiga dentro de si e, enquanto isto, terá de
continuar a servir os ditames da luxúria, cobiça e ira. De maneira diferente, uma
pessoa completamente consciente de Krishna permanece sempre ocupando sua
mente em pensamentos relacionados com o Senhor e alcança Sua graça divina,
tornando-se plenamente satisfeita e autocontrolada. Mas quem não é
autocontrolado e não tem a mente tranquila não encontra condições favoráveis
para praticar meditação. Por isso, especialmente nesta atual era das trevas, Kali-
yuga, quando as pessoas vivem perturbadas por diferentes ansiedades e, por isso,
têm grande dificuldade em compreender o que é vida espiritual, enfatiza-se o
sankirtana, ou o canto congregacional dos santos nomes do Senhor, Hare Krishna
Hare Krishna, Krishna Krishna, Hare Hare, Hare Rama, Hare Rama, Rama
Rama, Hare Hare.
Pérola 34. AS TÉCNICAS DA DHYANA-YOGA (versos 10-18)

Aqui, o Senhor explica com clareza que a meta final da yoga é purificar a
mente e o coração e encontrar-se com a representação plenária do Senhor que
mora dentro de todos nós, a Superalma localizada. Tal prática visa à cessação da
existência material e não a alcançar condições materiais favoráveis. Uma vez que o
principal dever de um transcendentalista é manter sua mente sempre fixa em
Krishna, encontramos aqui diferentes precauções e restrições. Recomenda-se, por
exemplo, permanecer em lugares tranquilos para evitar ser perturbado por objetos
externos. É necessário observar completa abstinência da vida sexual e, para se
alcançar isso, é ideal permanecer em lugares sagrados de peregrinação, como
Vrindavana ou Mayapur, onde correm os rios sagrados Yamuna e Ganges. Os
exageros nos hábitos físicos de comer e dormir devem ser energicamente evitados
e mesmo o trabalho e a diversão devem ser executados de forma regulada. Para
evitar as perturbações da mente, deve-se voluntariamente adotar uma vida de
autodisciplina e auto-abnegação e abster-se por completo de atividades que
incrementam o modo da paixão. Como foi explicado no capítulo anterior, devem-se
repelir os objetos dos sentidos, tais como o som, a forma, etc., pela prática da
yoga. Se o yogi fica com os olhos completamente fechados, surge a possibilidade
de se cair no sono, e se os olhos ficam abertos, há o perigo de se deixar atrair
pelos objetos dos sentidos. Desse modo, com as pálpebras semicerradas e com os
olhos entre as duas sobrancelhas, o yogi deve concentrar sua visão na ponta do
nariz. Dentro das narinas, deve-se restringir o movimento respiratório,
neutralizando o ar que sobe e o ar que desce dentro do corpo e assim por diante.

Arjuna, no entanto, estava naquele momento no campo de batalha e, como


ficará mais claro mais à frente, ele sentia-se incapaz de seguir as técnicas da
dhyana-yoga. O Senhor irá acalmá-lo, concluindo que um devoto puro que pensa
constantemente em Krishna e está sempre absorto em fazer planos para ocupar
tudo no Seu serviço devocional está em verdadeiro samadhi, ou transe, e já
alcançou a perfeição da yoga. Mesmo sem ocupar-se na prática mecânica da yoga,
o devoto puro perde naturalmente o interesse por coisas materiais desnecessárias e
nunca se enreda com falsos sentimentos de posses. Sabendo muito bem que
Krishna é o verdadeiro único proprietário, tal devoto nunca se interessa em algo
que possa lhe trazer benefícios materiais, mas aceita qualquer coisa que seja
favorável no desempenho de seu serviço devocional. Por exemplo, o devoto cozinha
pratos saborosos e oferece ao Senhor e depois, com muito prazer, aceita os restos
chamados prasadam. Consciente de que a prasadam é um alimento sagrado ou
Krishnaizado, o devoto pode gozar a vida sem cair vítima da consciência material.

No entanto, mesmo em se tratando de prasadam, o devoto é regulado na


quantidade e nos horários, pois ele sabe que, se comer mais do que o necessário,
surgirá a tendência de dormir em excesso e, assim, ele irá perder seu tempo
precioso numa atividade influenciada pelo modo da ignorância.

Pérola 35. O YOGI E SUA VISÃO DE IGUALDADE (versos 27 a 32)

O sentimento de que exista algo separado do Senhor chama-se maya ou,


em outras palavras: “aquilo que não é”. Portanto, deve-se compreender que as
diferentes entidades vivas são expansões do Senhor e Suas partes integrantes e se
destinam a viver em comunhão com o Senhor. Enquanto está sob o controle da
energia material, a entidade viva serve seus sentidos; mas, ao aceitar o controle da
energia espiritual, ela passa a servir diretamente o Senhor Supremo. Portanto, um
yogi perfeito que adquiriu sua visão espiritual pode ver claramente que,
independente da posição que possam ocupar, todas as entidades vivas
permanecem servas do Senhor sob todas as circunstâncias. Representando o papel
de uma alma condicionada, Arjuna ignorava que a relação corpórea temporária que
existia entre ele e seus parentes era infinitamente menos importante do que sua
relação espiritual eterna com Krishna. Desse modo, o Senhor bondosamente
transmitiu este conhecimento transcendental do Bhagavad-gita não só para Arjuna,
mas para que toda entidade viva pudesse recobrar sua consciência espiritual e, de
uma vez por todas, livrar-se da ilusão de pensar que pode ser feliz sem prestar
serviço amoroso a Deus. De uma maneira ou de outra, ao livrar-se desta
contaminação, a entidade viva passa a se interessar pelo serviço devocional e fixa
Sua mente nos pés de lótus do Senhor. Nesta posição espiritual segura, o yogi se
livra cada vez mais da paixão material e pode perceber sua identidade qualitativa
com o Senhor, e atinge a etapa tecnicamente conhecida como brahma-bhuta.

Desse modo, ele passa a desfrutar de felicidade transcendental e passa a ver


tudo com total clareza. Ele percebe a presença do Senhor no coração de todos os
seres vivos, independente das condições materiais nas quais eles se encontram.

Compreendendo a natureza transcendental do Senhor, o yogi perfeito sabe


que, mesmo estando presente dentro dos cães ou porcos, o Senhor nunca é
afetado pela matéria. Com a visão espiritual perfeita, o yogi pode entender a
diferença entre a alma individual e a Superalma. A alma individual também está
presente individualmente em cada um dos corações, mas a Superalma está
presente simultaneamente em todos os corações. Nada, portanto, pode existir sem
Krishna e Krishna é o proprietário de tudo. Krishna está em tudo e tudo está em
Krishna, mas, ainda assim, Ele permanece em Sua própria morada, desfrutando
dos relacionamentos amorosos com Seus associados eternos, os devotos puros. O
ser vivo, no entanto, permanece sofrendo imerso na existência material
simplesmente porque perdeu sua consciência de Krishna. Compreendendo
perfeitamente bem este fato, o yogi perfeito se esforça sinceramente para distribuir
este conhecimento espiritual a todos, tornando-se um servo muito querido do
Senhor.

Pérola 36. ARJUNA REJEITA A DHYANA-YOGA (versos 33 a 36)

Como um homem prático, Arjuna achava muito difícil seguir o sistema de


dhyana-yoga apresentado pelo Senhor. No entanto, Arjuna não era uma pessoa
comum. Ele era um amigo íntimo de Krishna, pertencia a uma família real e era
qualificado como um grande guerreiro. Mesmo sendo dotado de tantas qualidades,
ele se recusava a aceitar este sistema de yoga. De fato, deixar o lar e isolar-se nas
montanhas com o propósito de regular completamente o modo de vida, inclusive a
maneira de sentar-se, a escolha do lugar, o processo de alimentar-se e de dormir,
enquanto se tenta afastar da mente todas as ocupações externas, é uma tarefa
praticamente impossível. Se, há cinco mil anos, uma pessoa tão qualificada como
Arjuna se recusou a praticar esta yoga, que dizer das pessoas comuns que vivem
nesta era, a era das trevas? Podemos observar que as pessoas de hoje em dia mal
conseguem levar a sério certas práticas espirituais extremamente simples, que
dizer então de elas adotarem um sistema de yoga tão complexo e que requer tanta
renúncia e auto-abnegação? É claro que podem existir raríssimas exceções, mas
para as pessoas em geral a dhyana-yoga é um empreendimento impossível. Esta
dificuldade existe especialmente devido à obstinação da mente, a qual muitas vezes
tem a força de sobrepujar até a inteligência. Arjuna, portanto, não se identificava
com um sistema de yoga tão inviável. Ele está representando o papel do homem
moderno que tem de enfrentar o mundo e viver seu próprio cotidiano.
Tal qual Arjuna, o Senhor concordou que, especialmente para esta era, ninguém
consegue seguir tantas regras e regulações tão estritas e, portanto, ofereceu a
Arjuna (e a todos nós) um tratamento adequado para a mente obstinada: deve-se
praticar a consciência de Krishna segundo a própria natureza. Isto irá nos livrar
gradualmente de todos os desejos materiais. Em outras palavras, perfeição da yoga
significa livrar-se por completo da existência material; semelhante perfeição não se
caracteriza como sendo um ato de mágica ou ginástica para se enganar o povo
inocente e obter algum lucro material.

Pérola 37. O DESTINO DO YOGI MALSUCEDIDO (versos 37 a 47)

Apesar de, anteriormente, ter ouvido de Krishna que a bhakti-yoga é


superior e que um pequeno esforço neste caminho pode dar uma grande esperança
de liberação, Arjuna queria assegurar-se ainda mais sobre este tema e pediu a
Krishna que confirmasse esta declaração. Por estar seduzida pela energia material
ilusória, mesmo executando disciplinas espirituais, a possibilidade de a entidade
viva voltar a cair em suas garras sempre existe e Arjuna está curioso de saber o
que é que se reserva para tal transcendentalista malogrado. A verdade é que, ao
trilhar o caminho espiritual, a pessoa está declarando guerra contra maya. Como
consequência, ao tentar escapar das garras da energia ilusória, a pessoa
provavelmente terá de se defrontar com diferentes armadilhas preparadas
especialmente para derrotá-la. Em resposta a esta questão, o Senhor garantiu que
o transcendentalista malsucedido não precisa se preocupar, pois ele nunca sairá
perdendo. Se ele cai após um curto período de prática, irá para os planetas
celestiais e poderá conviver com muitas pessoas piedosas. Depois de viver lá por
um longo período, ele voltará a este planeta, quando nascerá numa família de
pessoas piedosas ou de mercadores aristocratas. Desse modo, ele poderá tirar
proveito dessas condições favoráveis e continuar sua elevação espiritual. Se, no
entanto, o transcendentalista fracassar depois de longo período de prática, ele irá
nascer diretamente numa família de grandes transcendentalistas. Neste caso, para
uma criança nascida numa família com grande sabedoria, seu ímpeto espiritual
surgirá desde o começo de sua vida. Tal nascimento é altamente louvável e é
considerado muito raro. Devemos compreender, portanto, que qualquer esforço
que a pessoa empreender no caminho espiritual nunca será em vão. Ela sempre
atrairá a misericórdia do Senhor, que lhe dará repetidas oportunidades para ajudá-
la a conseguir a completa perfeição em yoga, ou em outras palavras, alcançar a
perfeição em consciência de Krishna.
CAPÍTULO VII
O Conhecimento Acerca do Absoluto

Pérola 38. O CONHECIMENTO DO ABSOLUTO (versos 1 a 14)

Como estudamos no Capítulo Dois, o espírito é eterno e nunca é criado. Ele


é o fator básico da criação e o mundo material manifesta-se devido a ele. Este
conhecimento científico espiritual é bem elaborado nos primeiros seis capítulos do
Bhagavad-gita, e aqueles que se interessam por este conhecimento devem estudá-
los. Todavia, Krishna em Seu aspecto pessoal, como a Suprema Personalidade de
Deus, só pode ser conhecido por aqueles que se situam em consciência de Krishna.
Portanto, embora existam pessoas interessadas em conhecimento espiritual básico,
poucas delas se interessam em se aprofundar o bastante até chegar à compreensão
acerca da Pessoa Suprema, pois preferem concentrar suas atenções no aspecto
impessoal de Deus.

Este Sétimo Capítulo, portanto, se destina especialmente ao estudante que


deseja conhecer o Senhor Krishna como Ele é – na íntegra. Para isso, o próprio
Senhor revela como Ele manifesta Suas diferentes opulências, ficando ainda mais
claro que Krishna, a Suprema Personalidade de Deus, é o conhecimento último. O
conhecimento completo inclui a compreensão da energia material, da energia
espiritual e a fonte de ambos e, uma vez situado nessa compreensão, pode-se
praticar a yoga mais elevada, como foi concluído no capítulo anterior. Na verdade,
esta mais elevada prática de yoga começa seguindo as instruções do último verso
do Capítulo Seis: deve-se concentrar a mente no Supremo, refugiando-se nEle
através do serviço devocional e deve-se executar constante adoração a Ele. Os
itens mais importantes do serviço devocional são sravanam-kirtanam, ouvir e
cantar. Por isso, o Senhor enfatiza no início deste capítulo: “ouça-Me”. Adquirir
diretamente do Senhor o conhecimento a respeito da Sua natureza absoluta é uma
grande bênção recebida por Arjuna e transmitida posteriormente pela sucessão
discipular. Portanto, encontra imensa fortuna qualquer estudante sincero que, ao
estudar o Bhagavad-gita com o auxílio de um devoto puro, não cai vítima de
motivações pessoais ou falsas interpretações. Receber o conhecimento diretamente
do Senhor ou através da sucessão discipular constitui a maior oportunidade de se
tornar perfeitamente consciente de Krishna. Por outro lado, de nada adiantará
receber o Bhagavad-gita de um não-devoto arrogante, envaidecido por sua
erudição acadêmica mundana.

Sendo uma manifestação temporária da energia do Senhor, este mundo


material se caracteriza pela ilusão. Portanto, para ajudar seu íntimo amigo Arjuna,
o Senhor aqui revela que tudo o que existe é um produto da combinação de
matéria e espírito. Assim como a alma individual aceita um corpo que, devido à sua
presença, pode se desenvolver, de modo semelhante, a manifestação cósmica
material se desenvolve unicamente devido à presença do Senhor Vishnu como a
Superalma. Esta Superalma é a grande causa deste Universo, nela tudo repousa e
por ela tudo é mantido. A verdadeira finalidade de se praticar yoga é poder
perceber a presença deste Senhor em cada milímetro desta criação para,
finalmente, prestar serviço devocional a Ele. Na etapa preliminar, o Senhor
Supremo pode ser percebido através da manifestação das Suas energias, assim
como o Sol é percebido primeiramente através da manifestação de sua energia. Ou
seja, a energia é simplesmente uma manifestação parcial do energético. Portanto,
enquanto os yogis perfeitos percebem Deus como o energético e O adoram, os
yogis imperfeitos só conseguem perceber Deus através de Suas energias
impessoais. Por exemplo, através do sabor da água, os impersonalistas podem
perceber a presença do Senhor. Os devotos, porém, glorificam a bondade do
Senhor em nos suprir com água pura. Na verdade, não existe verdadeira
contradição entre o devoto e o impersonalista. O que existe de fato são diferentes
níveis de percepção. Este capítulo nos ajudará a entender que somente a grande
alma que se rendeu por completo ao Senhor e adotou o serviço devocional puro
pode superar a ilusão dos modos da natureza material e, pela graça do Senhor,
pode conhecer Sua natureza absoluta.

Pérola 39. AS 4 CLASSES DE HOMENS PIEDOSOS E IMPIEDOSOS (versos 15


a 19)

Certamente, existem muitas pessoas que não se interessam pelo processo


de rendição ao Senhor Krishna. Tais pessoas ateístas são chamados de asuras pelo
Senhor, ou seja, pessoas influenciadas pela natureza demoníaca. Tais asuras
rejeitam os ensinamentos dados pelo Senhor, a autoridade Todo-poderosa. Eles
preferem fabricar seus próprios métodos, os quais, na verdade, só aumentam os
problemas da existência material. Mesmo sendo possuidores de bastante
inteligência material, os asuras são chamados de duskirti, indicando que, apesar de
inteligentes, seus esforços são mal orientados. Eles são de quatro categorias: os
mudhas, ou bestas de carga; os naradhamas, os mais baixos da humanidade; os
mayayapahrita-jñanas, ou aqueles cujo conhecimento se tornou velado pela ilusão
e, finalmente, os asuram bhavam asritah, aqueles cujos princípios de vida são
demoníacos.

O primeiro tipo de asura, o mudha, é muito comum. Ele trabalha


arduamente dia e noite e quer gozar sozinho o fruto do seu trabalho. Como está tão
ocupado em trabalhar para aliviar os problemas que ele mesmo criou, ele nunca
tem tempo para ouvir sobre o conhecimento espiritual. Por isso, ele é comparado
ao asno, um animal que trabalha sem saber para quem. O naradhama é o homem
que não tem nenhum princípio social e religioso. Uma vez que o verdadeiro
propósito da vida humana é dedicar-se ao cultivo do avanço espiritual, qualquer
pessoa que não se preocupa em conhecer o seu relacionamento com Deus é
classificado, na verdade, na categoria de naradhama, uma pessoa da classe mais
baixa. O próximo asura é o mayayapahrita-jñana. Tais asuras são aquelas pessoas
que zombam da Personalidade do Senhor e O consideram como um simples ser
humano. Às vezes, eles se tornam estudiosos do Bhagavad-gita e
desautorizadamente escrevem suas interpretações influenciadas pelo ateísmo. Eles
são perigosos, pois, além de não se render ao Senhor, eles se dedicam a ensinar às
pessoas inocentes ateísmo disfarçado de filosofia. Na última classe de asuras está o
asuram bhavam asritah. Este asura é bastante demoníaco e invejoso da Suprema
Personalidade de Deus. Tais asuras, cujo princípio vital é criticar o Senhor e Seus
representantes, vivem propagando o ateísmo e frequentemente apresentam um
grande número de falsas encarnações de Deus.

Ao contrário dos asuras existem os sukritis, ou quatro tipos de pessoas


piedosas: o aflito, o que deseja riquezas, o curioso e o sábio. Porque procuram o
Senhor em troca de algum benefício pessoal, estes quatro tipos de homens não são
devotos puros, mas prestam serviço ao Senhor em diferentes condições. Porém,
associando-se com devotos puros, eles avançam também e isto pode levar algumas
vidas. Quando alcançam a perfeição do conhecimento, eles podem compreender a
natureza absoluta do Senhor e naturalmente abandonam o materialismo e o
impersonalismo que existem no começo do processo de rendição. Tal devoto que se
torna completamente purificado passa a entender que tudo está relacionado com o
Supremo e tudo tem sua função no serviço ao Senhor.

Pérola 40. OS MENOS INTELIGENTES ADORAM OS SEMIDEUSES (versos 20


a 23)

Desejando obter uma satisfação imediata dos desejos materiais, pessoas


menos inteligentes buscam refúgio nos semideuses. Elas não conseguem se render
ao Senhor porque, como foi explicado no Capítulo Dois, suas inteligências estão
voltadas ao gozo dos sentidos e à opulência material. Por estarem motivadas por
desejos materiais, tais pessoas pensam que seguir a seção karma-kanda dos Vedas
é a melhor maneira de satisfazer seus desejos materiais. O devoto do Senhor,
mesmo ainda no estágio imperfeito onde se desejam aquisições materiais, pode
compreender que tanto as entidades vivas quanto os semideuses estão
subordinados ao desejo do Senhor. Portanto, nenhum semideus pode outorgar
nenhum resultado a nenhuma entidade viva sem que haja a sanção do Senhor. Isto
significa que uma pessoa adora algum semideus e obtém seus resultados desejados
porque, em última análise, esta foi a vontade do Senhor. Embora não interfira na
independência de cada uma das entidades vivas, é o Senhor que dá as condições
favoráveis para que alguém adore um semideus específico e é o Senhor que dá
poder para o semideus outorgar as bênçãos materiais, pois os semideuses são
simplesmente diferentes partes do corpo universal do Senhor Supremo. Como não
sabem que os semideuses não são independentes, as entidades vivas menos
inteligentes dirigem-se a eles em troca de benefícios limitados e temporários.

Presas aos seus desejos materiais, tais pessoas permanecem neste mundo
material e nunca podem alcançar o Supremo. O máximo que elas podem alcançar é
a elevação aos planetas dos semideuses, onde tudo é igualmente perecível. O
devoto puro, portanto, não perde tempo com a adoração interesseira que se faz aos
semideuses. Ele adora diretamente o Senhor e obtém uma existência eterna e
plena de bem-aventurança. O Senhor é ilimitado e Suas bênçãos são ilimitadas e a
misericórdia que Ele concede aos Seus devotos puros também é ilimitada.

Pérola 41. A COMPREENSÃO SOBRE O ABSOLUTO (versos 24 a 30)

Como os adoradores de semideuses, as pessoas que julgam que a Verdade


Absoluta é impessoal também são consideradas aqui no Bhagavad-gita como
menos inteligentes. Elas pensam que o Senhor Krishna é simplesmente uma
personalidade poderosa, um príncipe ou uma entidade viva comum. Porém, como
fica claro nestes versos, o próprio Senhor Supremo desaprova a alegação falsa de
que a verdade última não tem uma forma. No Capítulo Quatro, o Senhor já afirmou
que embora Ele seja aja, não-nascido, mesmo assim Ele aparece em Seu corpo
transcendental que nunca se deteriora. Portanto, as escrituras védicas enfatizam
que a Verdade Absoluta é eterna e possui uma forma plena de conhecimento e
bem-aventurança. No entanto, o Senhor aqui diz que Ele não Se revela aos não-
devoto menos inteligentes. Ele permanece coberto pela Sua cortina ilusória
chamada yoga-maya. Desse modo, os impersonalistas não podem compreender a
posição transcendental do Senhor como conhecedor do passado, presente e futuro.

Como almas condicionadas, eles permanecem sob o controle da energia


ilusória do Senhor e repetidamente nascem invejando o Senhor e desejando tornar-
se uno com Ele. Vivendo neste mundo de ilusão, e tendo de sofrer a influência das
dualidades, tais como honra e desonra, bom e mau, homem e mulher, calor e frio,
etc., eles são incapazes de compreender a Suprema Personalidade de Deus, Sri
Krishna. Para se elevarem à posição transcendental onde poderão compreender o
Senhor, eles precisam superar a ilusão que se manifesta como a dualidade de
desejo e ódio. Isto se torna possível quando se praticam durante muitas vidas os
princípios reguladores da religião. Isto faz com que tal pessoa acumule uma certa
quantidade de atividades piedosas e se deixe atrair pela associação com os
devotos, os quais estão completamente situados na plataforma espiritual e sabem
tudo sobre as atividades transcendentais. É somente através desta associação
devocional que se pode cultivar conhecimento puro acerca da Personalidade de
Deus.
CAPÍTULO VIII
Alcançando o Supremo

Pérola 42. O SENHOR DOS SACRIFÍCIOS (versos 1 a 4)

Ao se tentar obter conhecimento perfeito, é necessário colocar-se sob a


orientação do mestre espiritual, como é exemplificado aqui por Arjuna, e
demonstrar autêntico interesse nos temas espirituais, fazendo perguntas relevantes
e submissas. As perguntas formuladas por Arjuna no início deste capítulo, portanto,
têm caráter bastante filosófico e as explicações dadas pelo Senhor visam a
fortalecer a convicção das pessoas em relação à posição suprema do serviço
devocional.

A palavra brahman define o aspecto de percepção impessoal acerca da


Verdade Suprema. No entanto, a alma individual também é conhecida como
brahman, devido à sua natureza espiritual eterna. Embora sendo de natureza
superior, a entidade viva eterna, ao interagir com a natureza material temporária,
acaba se envolvendo em atividades temporárias e ilusórias e, por isso, se prende
nas estritas leis do karma e é forçada a experimentar as reações de suas
atividades. Desse modo, a natureza material força a entidade viva a aceitar um
corpo em qualquer uma das 8.400.000 espécies de vida, submetendo-se a viver
como semideus, ser humano, animal, ave, etc. Querendo melhorar seu karma, e se
promover aos planetas celestiais onde o gozo dos sentidos é maior, tal entidade
viva às vezes executa yajñas, ou sacrifícios. Assim, por um determinado período de
tempo, ela pode desfrutar das delícias encontradas nos planetas celestiais, mas,
expirando o prazo, tem de voltar à Terra sob a forma de ser humano. Nos
Upanishads se explica que, quando se esgota o mérito concedido pelo sacrifício, a
entidade viva desce à Terra sob a forma da chuva para depois assumir a forma de
grãos. O grão é então ingerido pelo homem, transformado em sêmen e depositado
no ventre de uma mulher para ser fecundado e, finalmente, voltará a nascer na
forma de vida humana e, quem sabe, voltará a executar sacrifícios a semideuses e
repetir o mesmo ciclo. Portanto, Arjuna pergunta aqui quem é o verdadeiro Senhor
dos sacrifícios. Ele já havia entendido a imperfeição da simples execução de
sacrifícios materiais. Como um estudante sincero e qualificado, Arjuna queria evitar
tais sacrifícios fruitivos e queria preparar-se para retornar definitivamente ao
Supremo. Como ficará ainda mais claro nos versos seguintes, este Senhor dos
sacrifícios é a manifestação plenária do Senhor Krishna conhecida como Paramatma
ou Superalma. Este Senhor dos sacrifícios situa-se juntamente com a alma
individual nos corações de todos os seres vivos com o propósito de testemunhar as
suas atividades neste mundo.

Pérola 43. LEMBRANDO-SE DO SENHOR NA HORA DA MORTE (versos 5 a


10)

Aqui, o Senhor Krishna responde à pergunta de Arjuna sobre como aqueles


que se ocupam em serviço devocional podem conhecê-lO ao chegar a hora da
morte. Ele garante aqui que quem quer que abandone o corpo em consciência de
Krishna será transferido à morada do Senhor. Na verdade, para se chegar a esta
perfeição de, no momento derradeiro, estar pensando no Senhor Krishna, a pessoa
precisa ter praticado a consciência de Krishna através do serviço devocional
durante a sua vida. O Senhor Chaitanya Mahaprabhu nos aconselhou a estarmos
sempre ocupados em glorificar o Senhor Hari, especialmente através do cantar do
maha-mantra Hare Krishna Hare Krishna Krishna Krishna Hare Hare, Hare Rama
Hare Rama Rama Rama Hare Hare. Pensar constantemente no Senhor depende de
pureza de mente e coração e o cantar dos santos nomes sem ofensas é justamente
o agente purificador ideal especialmente para esta era que vivemos, a era das
trevas, ou Kali-yuga. O cantar elimina as sementes de atividades pecaminosas que
estão armazenadas no coração e desperta na pessoa que o pratica uma atitude
devocional perante o serviço ao Senhor e somente quando a devoção surge numa
pessoa é que a meditação no Senhor se torna naturalmente possível.

O momento da morte é um momento crítico, e o nível de consciência que a


pessoa atingiu neste momento vai manifestar diferentes desejos específicos, os
quais, por sua vez, irão criar uma nova condição de vida em um novo corpo. Em
outras palavras, os corpos que as diferentes pessoas obtêm são simplesmente o
resultado da bagagem trazida de outras vidas. Desta forma, é nesta vida que todos
criam a próxima vida e terão de nascer numa família específica, com diferentes
graus de saúde, beleza, inteligência e demais opulências. A consciência material se
manifesta de três modos, a ignorância, a paixão e a bondade. Ao abandonar o
corpo sob a influência da ignorância, a pessoa perde a valiosa vida humana e acaba
nascendo no reino animal. Ao morrer sob a influência do modo da paixão, ela
reencarnará entre os seres humanos no planeta Terra e, ao deixar o corpo na
bondade, ela será promovida aos planetas celestiais e obterá um corpo de
semideus. É importante entender, no entanto, que qualquer corpo material que
possamos obter, quer seja em ignorância, paixão ou mesmo em bondade, estará
fadado ao envelhecimento, doença e morte. Portanto, cumpre perfeitamente a
meta da vida a pessoa que abandona seu corpo em consciência espiritual,
pensando no Senhor Krishna, a Suprema Personalidade de Deus. Certamente, tal
pessoa obterá um corpo espiritual completamente livre de toda espécie de miséria
e terá associação direta com o Senhor. Para se chegar a este estágio perfeito,
enquanto estiver neste mundo, a pessoa terá de se manter cumprindo seus deveres
prescritos e, ao mesmo tempo, cultivar sua consciência de Krishna. Na verdade,
essencialmente, a consciência é um elemento espiritual, cujas qualidades
espirituais se encontram latentes. Portanto, a absorção completa no cantar dos
santos nomes, enquanto se pratica a lembrança da forma, qualidades e
passatempos do Senhor, é o método perfeito para reviver nossa consciência
espiritual.

Pérola 44. OS DEVOTOS ALCANÇAM O SENHOR FACILMENTE (versos 11 a


16)

Aqui, o Senhor Krishna explica a prática através da qual o estudante vive


com o mestre espiritual e, sob seus cuidados, torna-se versado em conhecimento
védico. Além disso, o estudante desde o início da vida pratica o celibato, pois se
torna muito difícil avançar espiritualmente entregando-se a uma vida sexual ativa.
Portanto, sendo treinado para se tornar sábio renunciado, ele pratica o processo
que consiste em colocar o ar vital sobre as sobrancelhas enquanto vibra o omkara,
a combinação suprema de letras. A meta é fixar a mente na Superalma dentro do
coração e elevar a força vital até o topo da cabeça. Certamente, para se alcançar
este sucesso é necessário eliminar todas as atividades dos sentidos. Mas, como foi
mencionado anteriormente, este método não é nada prático para esta era, pois a
constituição do mundo sofreu tantas mudanças que não existe a possibilidade de se
praticar celibato desde o início da vida. Que dizer, então, de controlar os órgãos dos
sentidos, não permitindo que eles se entreguem ao prazer? Certamente, o processo
mais adequado e simples é adotar a consciência de Krishna, pois o mesmo transe
que se obtinha em outras eras através da exigente prática de yoga mística torna-se
possível se a pessoa é capaz de sempre fixar a mente em Krishna em serviço
devocional. Os yogis que pronunciam o om estão também se referindo a Krishna,
mas apenas a Seu aspecto impessoal. Por isso, os impersonalistas que se dedicam
a vibrar o om podem unicamente alcançar o brilho espiritual que existe no mundo
espiritual. Tal brilho espiritual é conhecido como brahmajyoti e está situado no céu
espiritual entre os planetas Vaikuntha. Por outro lado, quando alguém canta o
maha-mantra Hare Krishna, a vibração do omkara está também contida nele. Mas
como o nome Krishna é uma referência pessoal à Suprema Personalidade de Deus,
o resultado de se praticar constantemente esta vibração sonora é conseguir uma
transferência para Goloka Vrindavana, o planeta de Krishna. Embora tal perfeição
seja difícil de ser atingida, a ocupação constante no serviço devocional ao Senhor é
tão purificante que torna tudo muito fácil. Na verdade, o devoto puro que se ocupa
intensa e exclusivamente em serviço devocional o faz porque ele já não possui
desejos materiais, tais como promoção aos planetas celestiais, conhecimento
filosófico especulativo ou qualquer interesse egoísta. Ele se ocupa em serviço
devocional com amor à Pessoa Suprema e nem sequer deseja salvar-se do
enredamento material ou buscar unidade com o brahmajyoti do Senhor. Sua
devoção é pura e inabalável. Portanto, embora seja muito difícil encontrar um
verdadeiro devoto puro que esteja livre de desejos materiais, para ele a perfeição
de absorver-se na lembrança do Senhor Krishna é fácil de ser alcançada, pois sua
vida foi inteiramente dedicada a isto. Tal devoto puro nunca se deixa abater por
impedimentos materiais e mantém-se fixo em seu serviço devocional e vive
pensando em Krishna em qualquer tempo ou lugar. Esta plataforma elevada de
consciência de Krishna pode ser obtida por aquele que segue as instruções do
Senhor Chaitanya e sempre canta com bastante humildade o maha-mantra Hare
Krishna Hare Krishna Krishna Krishna Hare Hare, Hare Rama Hare Rama Rama
Rama Hare Hare.

Devemos compreender, portanto, que todos os processos de yoga, – karma,


jñana, dhyana, etc. – não poderão livrar completamente uma pessoa das misérias
materiais, a menos que o sentimento puro de bhakti esteja incluído. Os processos
de yoga devem ser considerados meios para ajudar a pessoa a alcançar bhakti, pois
somente através de bhakti é que pode-se ser promovido à morada suprema do
Senhor. Enquanto se permanece no mundo material (mesmo em planetas
superiores onde o grau de desfrute é inimaginável para nós) é preciso submeter-se
a repetidos nascimentos e mortes. Dessa maneira, o bhakti-yogi é o yogi supremo.
Ele reconhece o perigo que existe a cada passo neste mundo material, por isso, ele
não deseja nada mais além da associação direta com a Pessoa Suprema, o Senhor
Sri Krishna, em Sua própria morada transcendental eterna, onde não existe o
menor vestígio de qualquer tipo de aflição material.

Pérola 45. A NATUREZA MANIFESTA E IMANIFESTA (versos 17 a 21)

Mesmo Brahma, o ser mais elevado deste Universo, tem uma duração de
vida limitada. Na verdade, existem inúmeros universos e em cada um deles existe
um Brahma específico ajudando o Senhor a levar a cabo a criação material. Ele vive
apenas cem anos, mas do nosso ponto de vista, seus anos são praticamente
intermináveis. Um dia de Brahma, por exemplo, é conhecido por nós como uma
kalpa, ou seja, mil ciclos de quatro eras: Satya, Treta, Dvapara e Kali. A era de
Satya se caracteriza pela virtude e tem uma duração de 1.728.000 anos. Na era de
Treta a virtude diminui e ela dura 1.296.000 anos. Na Era de Dvapara, além de
diminuir a virtude, a religião se perde e os vícios se infiltram e esta era dura
864.000 anos. Na era que vivemos atualmente, a era de Kali, a desavença e
irreligião predominam e sua duração diminui para 432.000 anos. Se somarmos os
anos das quatro eras e as multiplicarmos por mil vezes, teremos uma kalpa, ou em
outras palavras, um dia de Brahma, e este mesmo número irá corresponder à sua
noite. Do nosso ponto de vista, portanto, os cem anos de Brahma representam 311
trilhões e 40 bilhões de anos terrestres. Assim como os seres vivos são criados no
início da vida de Brahma, no final de sua vida, todos os seres são
irremediavelmente aniquilados juntamente com a criação material e permanecem
por um tempo num estado imanifesto. E somente quando um Brahma específico
volta a nascer é que eles manifestam-se de novo. Uma pessoa inteligente não deve
perder tempo executando atividades que irá mantê-la cativada pelo encanto desta
energia material e a manterá em constantes renascimentos dentro deste mundo
material. Ela deve despertar seu interesse pela morada de Deus, a qual é
constituída de energia espiritual superior e nada tem a ver com a manifestação e
aniquilação deste mundo que acontecem durante os dias e noites de Brahma. No
texto védico Brahma-samhita há uma descrição vívida da morada pessoal do
Senhor Krishna, onde se descreve que esta morada é conhecida como Cintamani-
dhama, ou o lugar onde todos os desejos são completamente satisfeitos.

Pérola 46. AS SITUAÇÕES AO SE ABANDONAR O CORPO (versos 22 a 28)

Como discutimos anteriormente, os devotos puros do Senhor são almas


completamente rendidas e, por permanecerem constantemente absortos em pensar
no Senhor, não precisam se preocupar com o momento ou o método adequado
para abandonarem o corpo. Tal preocupação, entretanto, existe naqueles que
praticam algum método diferente de bhakti. Desse modo, os praticantes de karma-
yoga, jñana-yoga ou dhyana-yoga se preocupam em abandonar seus corpos nos
momentos convenientes apresentados aqui pelo Senhor Krishna. Tais yogis
precisam chegar ao ponto de desenvolverem a habilidade de partir deste mundo no
momento auspicioso exato. Por isso, para alcançar o brahmajyoti, o místico perfeito
pode abandonar o corpo durante a influência das deidades que presidem o fogo, a
luz, o dia e a quinzena da lua crescente e, assim, eles não precisam retornar.

Outros preferem abandonar este mundo sob a influência das deidades que
presidem a fumaça, a noite, a quinzena da lua minguante e conseguem alcançar a
Lua, onde poderão desfrutar por dez mil anos para, finalmente, acabarem
retornando à Terra. O devoto puro do Senhor prefere deixar tudo nas Suas mãos
enquanto ocupa seu tempo precioso em estabelecer-se cada vez mais em
consciência de Krishna. Ele sabe que não precisa se preocupar com os diferentes
caminhos, pois, vivendo em harmonia com o Senhor através do serviço devocional,
ele irá ao reino espiritual por um caminho seguro e direto. O devoto puro pode
entender claramente que os caminhos aqui apresentados são arriscados e
problemáticos e prefere manter-se no caminho devocional, onde a passagem para o
mundo espiritual é totalmente garantida.
CAPÍTULO IX
O Conhecimento Mais Confidencial

Pérola 47. O MAIS SECRETO DE TODOS OS SEGREDOS ((versos 1 a 3)

O serviço devocional puro consiste em nove diferentes atividades: ouvir,


cantar, lembrar, servir, adorar, orar, obedecer, manter amizade e entregar-se
completamente ao Senhor. Praticando constantemente estes nove itens do serviço
devocional, elevamo-nos à consciência espiritual e toda a contaminação material é
eliminada do coração. Aqui no começo deste capítulo, vemos que Arjuna teve a
oportunidade de receber o conhecimento diretamente do Senhor. Tanto a
oportunidade de ouvir diretamente do Senhor, quanto a oportunidade de ouvir dos
devotos puros do Senhor, fará com que uma pessoa sincera obtenha iluminação
espiritual. Isto acontece porque não há diferença entre o Senhor Supremo e os
tópicos relacionados com Ele. Portanto, quando um devoto puro transmite as
mensagens imaculadas sobre a consciência de Krishna, ele tem a potência espiritual
de estabelecer o Senhor no coração do ouvinte, especialmente se o ouvinte estiver
livre de inveja do Senhor e tiver o desejo autêntico de assimilar o conhecimento e
fortalecer sua vida espiritual. Estando dentro do coração de tal ouvinte, o Senhor
dará inteligência para que tal pessoa compreenda a ciência da consciência de
Krishna e, ao mesmo tempo, inspirará a pessoa a buscar pela associação dos
devotos. Por outro lado, mesmo ouvindo da boca de lótus de um devoto puro, se a
pessoa for invejosa do Senhor Krishna e não puder aceitá-lO como a fonte de tudo
que é material e espiritual e Senhor de todas as entidades vivas, tal pessoa
permanecerá em ignorância. Portanto, mesmo que tais pessoas ignorantes decidam
comentar sobre o Bhagavad-gita, elas o farão de maneira desautorizada. Mas, para
aquele que aceita o Senhor Krishna como a Suprema Personalidade de Deus,
certamente este capítulo, onde o Senhor revela o conhecimento a respeito de Sua
Personalidade Suprema, será bastante benéfico. Por isso, o Senhor afirma aqui que
este Nono Capítulo é o rei de todo esse conhecimento.

Quando falamos de conhecimento confidencial, estamos falando sobre o


serviço devocional, pois nada pode ser mais confidencial do que o relacionamento
amoroso que existe entre o Senhor e Seus devotos. Portanto, a essência de todas
as diferentes espécies de filosofias encontradas nos Vedas é a compreensão do
serviço devocional puro. A primeira parte deste conhecimento confidencial trata da
ciência da alma espiritual. Como estudamos anteriormente, sem a presença da
alma, o corpo não tem valor algum. Este é apenas o começo do conhecimento
confidencial. Além disso, temos de prosseguir e chegar a compreender as
atividades da alma que está em liberdade total. Em outras palavras, aprender
diretamente do Senhor ou de Seu devoto como a alma liberada atua no reino
espiritual significa entrar na parte mais confidencial do conhecimento espiritual.

Mesmo neste mundo, quando uma pessoa adota o serviço devocional


executando-o com pureza, ela será capaz de perceber diretamente os resultados.
Por ouvir sobre as atividades do Senhor e cantar o maha-mantra Hare Krishna com
sinceridade, qualquer pessoa sentirá algum prazer transcendental e se purificará de
toda a contaminação material. À medida que suas atividades devocionais se
intensificam, ela pouco a pouco vai experimentando progresso espiritual, o que a
faz sentir cada vez mais prazer. Este aperfeiçoamento na vida espiritual não
depende de nenhum tipo de instrução ou qualificação anterior. O próprio método é
tão puro que qualquer pessoa irá se purificar pelo simples fato de se ocupar nele.

No entanto, pessoas que são desprovidas de bom senso espiritual não irão
depositar sua fé nas palavras proferidas pelo Senhor e não poderão adotar este
processo de serviço devocional. Para tais pessoas desafortunadas, o progresso em
consciência de Krishna é praticamente impossível. Ainda assim, través da
associação com os devotos, mesmo uma pessoa incrédula poderá mudar seu
coração e desenvolver gradualmente a convicção de que, pelo simples fato de
servir sinceramente ao Supremo Senhor, pode-se alcançar a máxima perfeição.
Enquanto isto não acontecer, não haverá esperança de livrar-se do ciclo de
repetidos nascimentos e mortes.

Pérola 48. OS TRÊS ASPECTOS DO ABSOLUTO (versos 4 a 6)

Os Vedas afirmam que o Senhor pode ser percebido em três aspectos: o


aspecto impessoal (a energia cósmica), o aspecto localizado (a Superalma) e o
aspecto pessoal (a Suprema Personalidade de Deus). Para entendermos isto,
podemos fazer uma analogia entre o Senhor e o Sol. O semideus Surya reside no
Sol, o qual permanece em seu local no espaço, mas espalha seu brilho por todo o
Universo. De forma similar, o Senhor permanece em Sua morada, onde manifesta
Sua personalidade transcendental, mas espalha Sua energia por toda a criação, e
tudo repousa nessa energia. Podemos observar que, mesmo espalhando seus raios,
o semideus Surya não perde sua personalidade e, ao mesmo tempo, o planeta Sol
mantém sua existência no espaço. Do mesmo modo, o Senhor Se espalha por toda
parte e não perde Sua existência pessoal. Como a Suprema Personalidade de Deus,
Ele permanece a distância, enquanto todas as Suas manifestações, tanto neste
mundo material quanto no mundo espiritual, repousam em Sua energia impessoal.

A Suprema Personalidade de Deus, portanto, difunde Suas diferentes


energias, e Se mantém presente em toda parte por meio de Sua representação
pessoal. Além disso, o Senhor diz que tudo repousa nEle, mas isto não significa que
Ele está diretamente envolvido com a manutenção e sustentação desta
manifestação material. Os diferentes planetas flutuam no espaço, e este espaço é a
energia do Senhor Supremo. Mas Ele é diferente do espaço. Esta é a incomparável
opulência do Senhor. Devemos compreender que a Personalidade de Deus tem
poderes infinitos. Portanto, quando quer fazer algo, não pode existir o menor
obstáculo. Pelo Seu simples desejo, tudo é executado perfeitamente. Ainda assim,
Ele pessoalmente não precisa Se envolver com nada. Embora seja o mantenedor e
o sustentador da manifestação material inteira, Ele não toca esta manifestação
material. Apenas por Sua vontade suprema, tudo é criado, tudo é sustentado, tudo
é mantido e tudo é aniquilado. O Senhor mantém Sua forma original como a
Suprema Personalidade de Deus e, simultaneamente, permanece presente em tudo
como o mantenedor supremo e, ao mesmo tempo, reside nos corações de todas as
entidades vivas como a Superalma localizada. Todas as maravilhosas manifestações
cósmicas existem pela suprema vontade de Deus, e todas elas estão subordinadas
a essa vontade suprema.
Pérola 49. A NATUREZA FUNCIONA SOB A DIREÇÃO DO SENHOR (versos 7
a 10)

Aqui se descreve outro aspecto do poder do Senhor. Embora esta


manifestação cósmica seja criada, mantida e aniquilada por Ele, ainda assim, Ele
permanece completamente neutro e desapegado, pois tudo ocorre através de Suas
potências, as quais agem maravilhosamente pela Sua ordem divina.

Este mundo material é a manifestação da energia inferior da Suprema


Personalidade de Deus. É aqui que as entidades vivas, como resultado de suas
atividades passadas, são fecundadas e assumem diferentes corpos e condições de
existência. Uma vez que a criação e aniquilação ocorrem periodicamente, os
desejos que as entidades vivas acalentam no momento da aniquilação são levados
para a próxima criação. Isto significa que, quando o Universo é criado, as diferentes
espécies de vida surgem ao mesmo tempo – quer sejam seres humanos, feras,
vegetais, etc. Tais atividades materiais de criação e aniquilação ocorrem
unicamente pela potência inconcebível de Deus, o qual permanece imutável,
embora tudo esteja sob Seu completo controle. O Senhor não está diretamente
vinculado a este mundo material porque as entidades vivas recebem seus corpos de
acordo com seus atos e desejos passados. Depois da aniquilação, as entidades
vivas são lançadas no corpo da primeira encarnação purusha do Senhor, chamada
Mahavishnu, onde permanecem imanifestas por um período. Depois disso, quando
chega o momento da nova criação, Ele simplesmente lança Seu olhar para a
natureza material e injeta as entidades vivas novamente no ventre da natureza
material. A conclusão é que o Senhor Supremo é o sustentáculo de toda a criação e
o diretor supremo, embora a administração esteja sendo conduzida pela própria
natureza material. É Ele quem dita as ordens aos semideuses, Seus agentes
executivos.

Pérola 50. O VERDADEIRO E O FALSO REFÚGIO (versos 11 a 22)

Como aprendemos do Bhagavad-gita, a Suprema Personalidade de Deus, Sri


Krishna, é o responsável pela criação, manutenção e aniquilação da manifestação
cósmica. Como, então, Ele poderia enquadrar-Se na categoria de um ser humano
comum? No entanto, existem muitas pessoas tolas que insistem em afirmar que o
Senhor Krishna é simplesmente um ser humano poderoso e nada mais. Mas, como
seres humanos comuns poderiam executar atividades maravilhosas como as
descritas nos versos anteriores? Na realidade, Krishna é o Senhor Supremo, cuja
forma eterna é plena de conhecimento e bem-aventurança. Por Sua misericórdia,
Ele vem a este mundo material e age aparentemente como um ser humano
comum, envolvendo-Se em assuntos aparentemente mundanos, como a Batalha de
Kurukshetra. Desse modo, pessoas com pouco conhecimento ficam perplexas ao
estudarem o Bhagavad-gita e acabam por se deixar atrair pelas opiniões de
pessoas ateístas e inescrupulosas. Em certos caso, tais pessoas passam a se
interessar pelo Bhagavad-gita unicamente por uma questão econômica e compõem
seus próprios comentários, os quais estão repletos de especulações filosóficas
inúteis. Refugiando-se nas suas próprias conclusões filosóficas distorcidas, tais
pessoas permanecem eternamente presas no ciclo de repetidos nascimentos e
mortes. No entanto, diferentemente destas pessoas desafortunadas, existem os
mahatmas, as grandes almas que não se interessam pela especulação filosófica
árida. Eles aceitam o Bhagavad-gita como foi falado pelo próprio Sri Krishna e,
consequentemente, recebem a proteção da energia divina do Senhor. Eles se
ocupam unicamente no serviço devocional ao Senhor e, por isso, se livram da
influência da energia ilusória. Estas grandes almas não se interessam em criar seus
próprios métodos imperfeitos de auto-realização espiritual. Eles seguem à risca as
regras e regulações das escrituras védicas e economizam seu tempo valioso (o qual
é ocupado na glorificação do Senhor) simplesmente seguindo os passos dos
acharyas anteriores. Guiadas por um mestre espiritual experiente, tais grandes
almas se submetem a um treinamento espiritual científico, ocupando seu corpo,
mente e palavras a serviço do Senhor. Eles não conseguem ficar um momento
sequer sem consciência de Krishna. Por isso, ficam a pensar em Krishna vinte e
quatro horas por dia, pois perderam completamente o interesse por qualquer tópico
ou afazeres mundanos. Eles se absorvem em atividades auspiciosas e estão sempre
ouvindo, cantando, lembrando, oferecendo orações, adorando, servindo os pés de
lótus do Senhor, prestando diferentes tipos de serviços, cultivando amizade e
rendendo-se completamente ao Senhor. Por estarem sempre ocupadas em
atividades cheias de potência espiritual, as grandes almas recebem do Senhor a
garantia que nunca irão retornar a uma condição de vida miserável. Uma vez que o
único desejo destas grandes almas é alcançar a associação direta do Senhor, o
Senhor Se compromete a ajudá-las e protegê-las.

Pérola 51. O SUPREMO DESFRUTADOR (versos 23 a 28)

Como foi discutido anteriormente, todos os sacrifícios devem-se destinar a


satisfazer diretamente Vishnu e mesmo que uma pessoa tenha desejos materiais a
serem satisfeitos, será melhor fazer sacrifício diretamente para o Senhor – embora
isto esteja fora da categoria de devoção pura.

Aqui fica claro por que o Senhor Krishna não aprova a adoração aos
semideuses: eles são simplesmente diferentes funcionários e diretores do governo
do Senhor, os quais ficam naturalmente satisfeitos caso todas as leis feitas pelo
governo sejam obedecidas. Adorar os semideuses é considerado uma atividade
ilegal e pode ser comparado a uma tentativa de subornar os funcionários e
diretores. Certamente, dependendo do grau de suborno, a pessoa poderá ser
transferida aos planetas dos semideuses. Tal elevação aos planetas celestiais é, na
verdade, mera perda de tempo, pois, quando o bom resultado das atividades
piedosas de se adorar os semideuses se esgotarem, tais pessoas terão de descer
novamente a este planeta. Da mesma forma, por se envolver em atividades
materialistas que consistem em adorar os ancestrais e os fantasmas, as pessoas
irão alcançar os planetas de tais seres, onde, segundo informações das escrituras
védicas, a condição é bastante miserável. A perfeição das atividades é, portanto, o
serviço devocional amoroso ao Senhor, pois, executando-o, o devoto será
transferido para a morada do Senhor e viverá eternamente na companhia do
Senhor, numa vida plena de conhecimento e bem-aventurança. Tal processo de
serviço devocional é extremamente fácil de ser praticado por qualquer um.

Qualquer pessoa poderá conseguir diariamente algumas frutas, flores e água


e oferecer ao Senhor com amor e devoção. O Senhor aqui promete que, se houver
pureza nesta oferenda, se ela for feita com amor, Ele terá prazer em aceitá-la.
Evidentemente, o Senhor é auto-suficiente e não precisa absolutamente de nada,
porém, através dessa oferenda devocional, Ele está permitindo que haja uma troca
afetiva amorosa entre Ele e Seus devotos. Ele deseja que Seu devoto organize sua
vida de tal modo que ele nunca se esqueça dEle. Uma vez que todos acabam se
ocupando em algum tipo de atividade, por que não oferecê-la ao Senhor? Para
manter sua sobrevivência, todos precisam comer. Por que, antes disso, não
oferecer o alimento ao Senhor e comer unicamente os restos do alimento oferecido
ao Senhor? Uma vez que prestar serviço é uma condição natural de todo ser vivo,
por que não prestar serviço direto ao Senhor, ajudando nas atividades missionárias
da consciência de Krishna?
Pérola 52. O DEVOTO ALCANÇA O DESTINO SUPREMO (versos 29 a 34)

Aqui, se declara que o Senhor é inclinado a Seus devotos. Embora cada


entidade viva seja Seu filho e o Senhor esteja provendo as necessidades de todos,
ainda assim, Ele revela que tem um interesse especial por aqueles que estão
ocupados em servi-lO com um sentimento devocional. Isto é o resultado natural de
uma reciprocidade amorosa. Portanto, assim como os devotos estão sempre
absortos em prestar serviço ao Senhor, por Sua vez, o Senhor deseja servir o
devoto. Na verdade, o Senhor Se torna devoto dos devotos. Em outras palavras,
Ele dedica atenção especial àqueles que, mesmo estando neste mundo material
ilusório, atuam como devotos puros e só se dedicam a satisfazer os desejos do
Senhor. É importante compreender que isto nada tem a ver com a lei do karma.

Tanto o Senhor quanto Seus devotos agem na plataforma transcendental,


onde as leis materiais não podem influir. O Senhor está sempre situado numa
existência espiritual e, por ocupar-se no serviço devocional a essa Pessoa
Transcendental, os devotos deixam de ter algo a ver com este mundo material.

Evidentemente, existe o estágio em que se executa serviço devocional


enquanto não se atingiu a plataforma de vida liberada. Neste estado de vida
condicionada, o serviço devocional e a identificação corpórea existem lado a lado e
o devoto nesta situação deve ser muito cauteloso para não agir de uma maneira
que seu serviço devocional seja prejudicado. Ainda assim, é provável que um
devoto nesta categoria cometa uma atividade que seja considerada abominável,
mas isto não poderá desqualificá-lo em absoluto. Embora as influências da energia
ilusória sejam bastante fortes, a consciência de Krishna, quando executada com
sinceridade, é ainda mais forte e irá certamente corrigir as falhas daqueles que a
praticam. Um devoto sincero nunca comete tolices conscientemente, mas, devido
às suas ligações mundanas anteriores e seu nascimento inferior, ele pode
experimentar acidentes no seu caminho espiritual. Contudo, ele não precisa
abandonar sua posição devocional e, com o propósito de expiar seus pecados,
procurar algum outro processo purificador diferente do serviço devocional. Ele deve
simplesmente intensificar suas práticas devocionais e, sem interrupção, enfatizar o
cantar do maha-mantra Hare Krishna. A conclusão é que devemos adotar a
consciência de Krishna e nos absorver completamente nas atividades devocionais.

Isto certamente tornará nossa vida perfeita.


CAPÍTULO X
A Opulência do Absoluto
Pérola 53. O CONHECIMENTO SUPERIOR (versos 1 a 3)

Tornar-se completamente bem-sucedido em percepção espiritual significa


compreender Krishna, a Suprema Personalidade de Deus, como aquele que é
imutável e está completamente livre da influência de Sua energia material inferior.

Ele é o supremo proprietário de todos os sistemas planetários do Universo.


Na verdade, Ele existia mesmo antes da criação e continuará existindo depois da
aniquilação, pois Sua personalidade e Sua morada são eternas. O Senhor Krishna é
a Pessoa Suprema, a causa de todos os semideuses e sábios e a origem de tudo o
que existe. Portanto, devemos ter plena convicção de que, quanto mais ouvimos
sobre Ele e Suas qualidades transcendentais, mais iremos nos fixar no serviço
devocional. Por isso, o Senhor irá narrar a Seu amigo Arjuna as manifestações de
Suas várias opulências para fortalecer ainda mais a sua convicção. Tais narrações
do Senhor são extremamente benéficas para aqueles que querem se fixar no
serviço devocional e devemos nos dedicar a ouvi-las na companhia dos devotos
puros do Senhor, pois nunca poderemos compreender as opulências e glórias do
Senhor com nossos sentidos de percepção materialmente influenciados. Mesmo
grandiosos sábios que tentaram compreender a Verdade Absoluta através de meros
esforços mentais e intelectuais fracassaram em seu intento. Na verdade, o limite de
alcance de nossos sentidos e inteligência materiais é o conceito impessoal de Deus.

Mas, isto não é suficiente para que possamos compreender a Verdade


Absoluta em Seu aspecto mais elevado como a Suprema Personalidade de Deus. Só
quem está na posição transcendental, prestando serviço devocional amoroso ao
Senhor, poderá compreendê-lO por completo. O Senhor, por Sua misericórdia
imotivada, desce a este mundo e executa atividades completamente incomuns.
Além disso, Ele pessoalmente revela Suas opulências inconcebíveis, transmitindo o
conhecimento transcendental do Bhagavad-gita, e devemos tornar nossa existência
auspiciosa por aceitar estes ensinamentos espirituais sob a guia de um mestre
espiritual, um devoto puro do Senhor.

Pérola 54. A OPULÊNCIA DO ABSOLUTO (versos 4 a 11)

Quando conhecemos as opulências do Senhor, sentimos uma inclinação


natural para Lhe prestar serviço devocional. O Senhor é a suprema causa de todas
as causas e tudo, quer seja material ou espiritual, depende dEle e os devotos
sentem grande prazer em se reunir e se ocupar em glorificá-lO, descrevendo Seus
nomes, Suas formas, qualidades e passatempos. Tais conversas transcendentais
sobre o Senhor darão resistência e força à plantinha devocional que se encontra no
coração do devoto. Desta forma, a fé, a atração e a devoção se tornam cada vez
mais fortes à medida que os devotos se absorvem em sravanam-kirtanam, ou seja,
ouvir e cantar sobre o Senhor. Com isso, o devoto desenvolve cada vez mais sua
inteligência e cada vez mais compreende a diferença entre espírito e matéria.

Munido desse conhecimento, o devoto vai se livrando de toda espécie de


dúvida e ilusão. Como parte do treinamento espiritual, ele desenvolve tolerância às
ofensas alheias e, ao mesmo tempo, para o benefício das pessoas em geral, se
torna veraz, apresentando as coisas como elas são, sem deturpação. Um devoto
vive neste mundo sem apego ou aversão a ele, enquanto permanece satisfeito com
aquilo que é obtido pela misericórdia do Senhor. Quando são recomendadas pelas
escrituras, ele aceita as inconveniências corpóreas em prol do avanço espiritual e é
caridoso com os brahmanas e pessoas que se dedicam a propagar a consciência de
Krishna. Controlando os sentidos por utilizá-los apenas para cultivar a consciência
de Krishna, o devoto consegue também afastar da mente os pensamentos
prejudiciais ao seu avanço espiritual. Ele sabe que qualquer qualidade sua, foi
obtida simplesmente pela graça do Senhor. Portanto, ocupando-se no serviço
devocional, ele vai perdendo completamente qualquer temor e aprende a ficar feliz,
aceitando as coisas favoráveis para o serviço devocional e rejeitando as coisas
desfavoráveis. Tal devoto nunca traz sofrimentos aos outros. Pelo contrário, ele
sempre está propagando o conhecimento espiritual e, com isso, ajuda todos a
atingirem a verdadeira felicidade.

Pérola 55. DEUS DOS DEUSES (versos 12 a 18)

Aqui podemos ver como Arjuna, depois de ouvir diretamente o Senhor sobre
Suas opulências, ficou completamente livre de todas as dúvidas. Ele aceitou o
Senhor Krishna como a Verdade Absoluta plena de opulências. Ao mesmo tempo,
Arjuna deixa claro que não se trata da opinião de um simples amigo querendo
glorificar o outro. Ele aceita as glórias do Senhor Krishna, assim como grandes
sábios já o fizeram no passado. Em outras palavras, Arjuna possuía conhecimento
védico suficiente. Ele não era um sentimentalista tolo e muito menos um
especulador mental. Sua qualificação especial foi aceitar tudo o que o Senhor
Krishna disse, sem interpretação pessoal, pois não há outra maneira de se
compreender o Bhagavad-gita. Como discutimos no Capítulo Quatro, Arjuna foi
escolhido para receber o conhecimento do Bhagavad-gita devido às suas
qualificações pessoais. Ele era um amigo pessoal de Krishna e um devoto puro,
livre de inveja, e isso o qualificava para compreender a essência dos ensinamentos
do Senhor. Devemos, portanto, seguir os passos de Arjuna se quisermos
compreender os ensinamentos de Krishna como eles são.

Arjuna estava satisfeito com suas percepções espirituais, mas, ainda assim,
ele pede ao Senhor para descrever em maiores detalhes Sua opulência. Na
verdade, o devoto puro jamais se sente saciado, mesmo que ouça continuamente
sobre as qualidades transcendentais do Senhor. Os tópicos sobre o Senhor são
exatamente como um néctar e quanto mais ouvimos tais narrações, mais
desejamos saboreá-las.

Pérola 56. AS MANIFESTAÇÕES ESPLENDOROSAS DE DEUS (versos 19 a 42)

O corpo material da entidade viva só pode existir devido à presença da


alma, uma centelha espiritual do Senhor. Do mesmo modo, a manifestação cósmica
existe unicamente porque a Alma Suprema está presente através de Sua expansão
Paramatma. Por isso, aqui o Senhor Krishna começa a informar a Arjuna que Ele é
a alma da manifestação cósmica inteira. Tudo o que existe tem sua causa e esta
causa é Krishna, a causa original de tudo. Sem a energia dEle nada pode existir e
tudo o que existe, seja material ou espiritual, não passa de uma pequena partícula
da opulência do Senhor. Além disso, qualquer coisa que manifeste extraordinária
opulência deve ser considerada como um fragmento da opulência de Krishna.

Portanto, Arjuna queria ouvir diretamente do Senhor como Ele está


simultaneamente presente e não-presente nesta criação. Por esse motivo, o Senhor
concorda em descrever uma minúscula parcela de Suas opulências. Os devotos
puros do Senhor, como Arjuna, querem conhecê-lO ao máximo, mas, ao mesmo
tempo, eles sabem que não serão capazes de conhecê-lO por completo em
nenhuma fase da vida. Exatamente como uma pássaro que voa no céu tanto
quanto permite sua capacidade, os devotos compreendem as grandezas e
opulências de Krishna de acordo com suas respectivas capacidades. Portanto, eles
sentem grande prazer ao comentarem sobre as opulências do Senhor e desejam
ouvi-las e discuti-las vinte e quatro horas por dia.
CAPÍTULO XI
A Forma Universal
Pérolas 57. ARJUNA DESEJA VER A FORMA UNIVERSAL (versos 1 a 4)

Aqui, a importância de receber instruções espirituais da fonte certa é mais


uma vez assinalada. Arjuna afirma que depois de ouvir no capítulo anterior o
Senhor Krishna pessoalmente revelar Suas manifestações esplendorosas, ele se viu
livre da ilusão. Isto significa que Arjuna pôde compreender que o Senhor Krishna, o
qual estava misericordiosamente na sua frente, não era um simples amigo ou um
ser humano comum. Em outras palavras, Arjuna compreendeu que o Senhor
Krishna é a Suprema Personalidade de Deus, a última palavra em conhecimento
espiritual. No entanto, apesar de Arjuna ter alcançado esse estágio perfectivo,
Arjuna pede para que o Senhor Krishna mostre Sua forma universal para que não
só ele, mas todos possam aceitá-lo. Arjuna está inspirado com as instruções e
declarações confidenciais feitas pelo Senhor e pede para ver a forma universal do
Senhor por que está querendo deixar claro para qualquer pessoa, mesmo no futuro,
que o Senhor Krishna não é uma pessoa comum. Arjuna pessoalmente não
precisava de nenhuma confirmação da posição transcendental do Senhor. Ele
manifestou o desejo de ver a forma universal porque estava prevendo que no
futuro surgiriam muitos impostores que se fariam passar por encarnações de Deus.

Assim, Arjuna estabeleceu que o critério para se aceitar uma pessoa que
alegue ser uma encarnação de Deus é pedir que ele revele sua forma universal.
Caso ele não seja capaz de revelá-la, deve-se compreender que se trata de um
impostor.

Arjuna também admitia suas limitações como entidade viva e reconhecia


que, com seus sentidos materiais, não seria possível ter acesso à grandeza de
Krishna. Portanto, com bastante humildade, Arjuna pede a Yogesvara, o Senhor de
todo o poder místico, que, se assim Ele concordar, revele Sua forma universal
ilimitada.

Pérola 58. ARJUNA OBTÉM VISÃO DIVINA (versos 5 a 14)

Como um devoto puro do Senhor, Arjuna estava completamente satisfeito


em se relacionar diretamente com a forma pessoal do Senhor, o seu amigo Sri
Krishna. Ele queria que o Senhor mostrasse Sua forma universal unicamente para o
benefício dos não-devotos. Os materialistas não-devotos precisam contemplar uma
exibição de opulências por parte do Senhor para, assim, se tornarem atraídos. O
devoto, no entanto, já estabeleceu um relacionamento amoroso com o Senhor e
não tem necessidade de contemplar a forma universal do Senhor, a qual, por estar
relacionada com este mundo, é temporária.

Concordando em satisfazer Seu amigo Arjuna, o Senhor então revelou Sua


forma universal que era composta de centenas e milhares de formas divinas
variadas, sendo que, ao mesmo tempo, o Senhor dotou Arjuna com uma visão
divina para contemplá-la. Vendo esta forma do Senhor, a qual era maravilhosa e
sempre se expandia, Arjuna ficou assustado e, espantado, começou a orar ao
Senhor.
Pérola 59. ARJUNA DESCREVE SUA VISÃO (versos 15 a 31)

Podemos observar que, depois de ver a forma universal do Senhor, Arjuna


fica tomado de espanto e admiração e, repetidamente, glorifica a grandeza
maravilhosa do Senhor. Neste forma universal, Arjuna teve a oportunidade de
contemplar tudo o que poderia ser visto. Ele pôde ver o Senhor Brahma sentado na
flor de lótus, o Senhor Shiva e todos os outros semideuses oferecendo orações e
recitando hinos védicos. A forma universal se expandia sem limites, não existindo
nem começo nem fim para ela. Ela manifestava milhares de rostos, braços, pernas,
etc., e a visão era tão assustadora que Arjuna acabou perdendo seu equilíbrio
mental e, tomado de espanto e medo, ofereceu suas respeitosas reverências ao
Senhor Krishna. Além disso, depois de ver diferentes guerreiros precipitando-se
dentro das bocas flamejantes da forma universal, Arjuna pediu para o Senhor ser
bondoso para com ele e revelar a Sua missão.

Pérola 60. O PLANO DIVINO DO SENHOR (versos 32 a 34)

Como já discutimos algumas vezes, Arjuna não estava inclinado a participar


da batalha. Ela pensava que, se desistisse da batalha, as mortes de muitos
soldados poderiam ser evitadas. No entanto, vendo todos os guerreiros de ambos
os exércitos sendo lançados na boca devoradora da forma universal, Arjuna ficou
apavorado. Diante do medo da terrível visão da forma universal exibida pelo seu
amigo, o Senhor Krishna, Arjuna desejou conhecer mais detalhes sobre a causa da
vinda do Senhor a este mundo. Ele quis saber especificamente qual era a missão do
Senhor Krishna e o que ele realmente desejava. Aqui, portanto, o Senhor mostrou
para seu amigo Arjuna que, sob a poderosa forma do tempo, Ele é o destruidor
implacável e, assim, deixou claro que mesmo que Arjuna não quisesse participar da
batalha, a destruição de todos o soldados fazia parte do plano do Senhor.

Pérola 61. ESPANTO E ÊXTASE DE ARJUNA (versos 35 a 46)

Depois de ouvir diretamente do Senhor sobre Sua missão transcendental,


Arjuna ficou completamente iluminado e passou a glorificar o Senhor Krishna com
orações extáticas. Ele pôde compreender perfeitamente bem que o Senhor Krishna
era muito mais do que um simples amigo. Na verdade, ele pôde reconhecer que o
Senhor Krishna é a Suprema Personalidade de Deus, a causa de todas as causas e
de tudo que existe. Ele é a Alma Suprema, pois reside no coração de todas as
entidade vivas e é o controlador supremo, controlador inclusive dos semideuses
poderosos como Shiva e Brahma. Ele é o refúgio supremo e ninguém é igual ou
superior a Ele. Arjuna pôde entender que o Senhor Krishna está além de toda esta
manifestação cósmica e que, na verdade, Ele é a própria causa deste mundo e tudo
repousa unicamente nEle. Ele é onisciente e é o conhecedor de tudo: passado,
presente e futuro. Ele é o mais velho, pois é o pai da primeira criatura, Brahmaji.

Ele é o mestre espiritual supremo, pois foi unicamente Ele que, no começo
da criação, transmitiu o conhecimento védico no coração do Senhor Brahma.
Portanto, Sua grandeza é imensurável. Assim, Arjuna sentiu um profundo êxtase
amoroso por seu amigo Krishna e, oferecendo todo tipo de respeito e reverência
com bastante humildade, ele também pediu perdão ao Senhor Krishna pela
negligência nos relacionamentos do passado. Agora que o Senhor estava
manifestando Sua forma universal todo-poderosa, Arjuna pôde entende melhor a
grandeza de seu amigo e sentiu-se um ofensor quando o tratava de maneira
familiar, pois eles se relacionavam como amigos. Ao mesmo tempo, ele ficou feliz
em ver que seu amigo era a poderosa Pessoa Suprema. Embora Arjuna estivesse
contente, sua mente ainda estava bastante perturbada pelo medo e, assim, ele
pede que o Senhor novamente manifeste Sua forma encantadora, semelhante à
humana.

Pérola 62. ELIMINANDO A PERTURBAÇÃO DE ARJUNA (versos 47 a 51)

Esta parte do Bhagavad-gita mostra que as pessoas que consideram o


Senhor Krishna como uma pessoa comum cometem a maior injustiça pois, como
uma pessoa comum poderia revelar uma forma universal tão maravilhosa e depois
uma forma de quatro braços para, finalmente, reassumir sua forma original?
Para satisfazer o desejo de Seu amigo Arjuna, pela primeira vez Krishna mostrou a
Sua forma universal plena de refulgência e opulência. Embora o devoto não esteja
interessado em ver esta forma universal, Arjuna quis que o Senhor a revelasse para
que no futuro outras pessoas também pudessem se convencer da grandeza do
Senhor e também se alguém se apresentasse como uma encarnação, as pessoas
pudessem pedir para ver sua forma universal. Como vimos anteriormente, Arjuna
fora dotado de visão divina, mas, na verdade, pelo simples fato de ser um devoto
puro do Senhor, Arjuna possuía uma natureza divina e já tinha uma visão divina.

Entretanto, os não-devotos invejam Krishna e, como são ateus, nunca


podem ter uma visão divina. Muitas vezes, tais ateus também estudam a literatura
védica por estarem interessados no aspecto impessoal do Supremo. Além disso,
eles também executam sacrifícios, dão caridades e aceitam inconveniências físicas
para algum propósito, mas, ainda assim, se eles não se tornarem devotos do
Senhor, nunca poderão ver ou sequer entender esta forma universal do Senhor. Na
verdade, o devoto prefere relacionar-se com a forma original do Senhor, pois esta
relação possibilita a reciprocidade de sentimentos amorosos. Por isso, o Senhor
Krishna concordou em manifestar novamente Sua forma original de dois braços,
acalmando a mente de Seu confuso amigo e devoto Arjuna.

Pérola 63. OS MISTÉRIOS DA COMPREENSÃO ESPIRITUAL (versos 52 a 55)

O devoto puro que se ocupa em serviço devocional pleno em consciência de


Krishna pode desenvolver olhos espirituais, quando passa a ver o Senhor o tempo
todo. Na verdade, esta visão espiritual é uma revelação divina e é o resultado da
atitude pura de serviço que tal devoto desenvolveu. Esta revelação espiritual é tão
rara que ela não é possível nem sequer para os semideuses que não sejam devotos
puros. Embora tais semideuses estejam sempre esperançosos de contemplar a
forma maravilhosa de Krishna com dois braços, eles têm bastante dificuldade em
compreendê-la, pois, na sua maioria, não são almas totalmente rendidas ao
Senhor. No Srimad-Bhagavatam se evidencia que, quando o Senhor estava prestes
a aparecer neste mundo e ainda estava no ventre de Devaki, os semideuses
vinham oferecer suas reverências ao Senhor, embora, naquela ocasião, Ele não lhes
fosse visível. O materialista tolo, no entanto, insiste em considerá-lO como uma
pessoa comum e mesmo que mostre algum respeito ao Senhor Krishna, muitas
vezes não o faz diretamente a Ele, mas a “algo” impessoal dentro dEle. No Quarto
Capítulo, aprendemos que, pelo simples fato de compreender o aparecimento e as
atividades do Senhor, uma pessoa consegue libertar-se deste mundo de
nascimentos e mortes. Isto é um fato por que o nascimento do Senhor e a
manifestação de Sua forma transcendental são bastante misteriosos.
Primeiramente, Ele aparece diante de Seus pais na forma de Vishnu de
quatro braços e então transforma-Se numa manifestação de dois braços
semelhante à humana e isto certamente desconcerta as pessoas ateístas e
desprovidas de serviço devocional. De qualquer modo, a forma universal é
completamente diferente da forma do Senhor de dois ou quatro braços. A forma
universal mostrada a Arjuna é temporária, ao passo que as formas de dois e quatro
braços são eternas e transcendentais. A conclusão deste capítulo, portanto, é que
devemos procurar entender a forma original transcendental do Senhor Krishna e
desenvolver nossa relação com ela, o que só é possível através do serviço
devocional. A forma universal é uma manifestação divina menos importante por
que é temporária, e mesmo a forma quatro braços que é transcendental também
foi manifestada por Krishna. Logo, Krishna é a origem de todas as manifestações.

Há tantas encarnações e manifestações de Krishna quanto são as ondas do


oceano, mas o devoto puro se interessa completamente pela forma original de
Krishna, que é conhecido como Govinda. Aqueles, portanto, que se apegam a
Krishna e prestam-Lhe serviço com amor e devoção podem compreendê-lO
completamente e vê-lO sempre dentro do coração.
CAPÍTULO XII
Serviço Devocional

Pérola 64. A ADORAÇÃO PESSOAL E IMPESSOAL (versos 1 a 7)

Como foi explicado pelo Senhor, existem duas categorias de


transcendentalistas: o personalista, a saber, aquele que emprega seu tempo e
energia a serviço do Senhor; e o impersonalista, aquele que não se ocupa
diretamente no serviço, mas dedica-se à prática da meditação no aspecto
imanifesto e impessoal do Absoluto. Embora o Senhor tivesse explicado que
existem estes dois meios de auto-realização espiritual, Arjuna queria compreender
qual dos dois é melhor e superior. Como resposta a esta indagação importante de
Arjuna, o Senhor Krishna foi bastante claro: a maior perfeição é alcançada por
aquele que consegue fixar sua mente na forma pessoal de Deus e, com grande
convicção espiritual, dedica-se a adorá-lO, ocupando-se constantemente em
prestar-Lhe serviço devocional amoroso. Portanto, é preciso compreender que
aqueles que não adoram diretamente a Suprema Personalidade de Deus estão
tentando atingir a meta suprema, porém, através de um processo indireto, e por
isso, tudo se torna muito mais difícil e problemático. Na verdade, antes de chegar
ao ponto de se render ao serviço amoroso ao Senhor, existem muitas austeridades
e penitências envolvidas para se realizar o Senhor como a Superalma localizada em
tudo. Deve-se considerar que uma pessoa comum não é capaz de interromper
todas as atividades práticas dos sentidos, pois isto exige muita renúncia e
desapego. Sendo assim, para os seres corporificados, torna-se imprático adotar
este processo de realização impessoal. Eles sentem muito mais facilidade em
substituir suas ocupações materiais por atividades devocionais, tais como preparar
um altar em casa e estabelecer uma adoração diária para um quadro ou uma
deidade do Senhor Krishna. Assim, a pessoa poderá se dedicar a limpar e decorar o
altar com amor, cozinhar alimento para oferecer ao Senhor e depois desfrutar dos
restos deixados chamado prasadam. Além disso, ela poderá se ocupar em cantar
canções devocionais para o prazer do Senhor e convidar seus amigos para que,
juntos, possam estudar a literatura devocional e desfrutar da bem-aventurança da
vida espiritual. Certamente, tais atividades devocionais estão na mais elevada
plataforma espiritual, mas, ainda assim, podem ser executadas com facilidade e
naturalidade por qualquer pessoa. Além disso, aqui o Senhor Krishna está
prometendo que pessoalmente Se encarrega da tarefa de tirar da existência
material tal pessoa, levando-o sem demora à Sua própria morada eterna e
suprema.

Pérola 65. DIFERENTES SISTEMAS DE AUTO-REALIZAÇÃO (versos 8 a 12)

O apego transcendental ao Senhor é um produto do amor espiritual, o que é


natural para todos os seres vivos. No entanto, este amor está no estado latente e a
essência de todo o processo da consciência de Krishna consiste em revivê-lo. Como
a mente e os sentidos estiveram ocupados em assuntos e prazeres mundanos por
muito tempo, o praticante de bhakti precisa, acima de tudo, purificá-los. Por isto,
aqui o Senhor recomenda: “Se não puderes fixar tua mente em Mim, então tenta
purificar teus sentidos”.

Existem dois estágios de serviço devocional, ou bhakti-yoga. No estágio


mais elevado, o devoto manifesta seu apego ao Senhor e possui sentimentos
amorosos espirituais. Para tal devoto avançado em bhakti, torna-se natural e
espontâneo fixar a mente no Senhor sem o menor desvio; e, nesta condição, ele é
considerado o maior de todos os yogis. No segundo estágio, o devoto ainda é um
neófito, pois não consegue espontaneamente manter seus pensamentos fixos na
consciência de Krishna. Ele precisa urgentemente de um mestre espiritual, o qual o
orientará a seguir as regras e regulações que acabarão por eliminar a sua má
tendência de ocupar os sentidos em gozo material. Além de ocupá-lo em ouvir
constantemente as escrituras devocionais, tais como o Bhagavad-gita e o Srimad-
Bhagavatam, o mestre espiritual irá orientá-lo a buscar associação dos devotos,
adorar a Deidade do Senhor, visitar os lugares sagrados e cantar os santos nomes,
especialmente o maha-mantra Hare Krishna Hare Krishna Krishna Krishna Hare
Hare, Hare Rama Hare Rama Rama Rama Hare Hare – isto tudo certamente irá
ajudá-lo no processo de fixar a mente no Senhor. Mas, se tal pessoa não conseguir
seguir as instruções devocionais dadas pelo mestre espiritual, ela poderá se
purificar aceitando um trabalho de acordo com sua natureza e utilizar os frutos de
seu esforço honesto em ajudar a propagação da ciência da consciência de Krishna.

Com isto, ela irá ser conduzida cada vez mais em direção à perfeição. Se, de
qualquer maneira, ela estiver impedida de trabalhar para a missão do Senhor,
devido a outros compromissos, então ela deve desenvolver propensão a atividades
filantrópicas e beneficentes e, para sua purificação, executar algum sacrifício, quer
seja de seu dinheiro ou de seu tempo. A verdade é que o Senhor aqui está
mostrando Sua magnanimidade e está autorizando diferentes processos para a
nossa purificação. Deve ficar claro que o ideal é alcançar absorção completa no
Senhor em consciência de Krishna e esta é também a meta. De modo que todas
estas atividades mencionadas pelo Senhor, incluindo o processo mecânico de
meditação, devem ter como propósito reviver nosso ainda adormecido amor por
Deus.

Pérola 66. AS QUALIDADES DOS DEVOTOS (versos 13 a 20)

Podemos analisar aqui as diferentes qualificações divinas dos devotos puros


do Senhor. Por estar sempre atuando na base de sua consciência de Krishna, o
devoto é sempre calmo e paciente. Ele sempre se sente contente com qualquer
coisa que, pela misericórdia do Senhor, recebe ou deixa de receber. Ele é
imperturbável por que tem plena convicção de que o Senhor é seu verdadeiro
benquerente e tudo que acontece é dado pelo Senhor para o seu próprio benefício
espiritual. Porque não possui desejos materiais, ele nunca sente inveja de ninguém.

Por que vê todos os seres como partes integrantes do Senhor, o devoto puro
se coloca na posição de servo espiritual de todos e, por isso, ele é um amigo
perfeito. Ele se identifica como uma alma espiritual eterna e não dá muita atenção
às dualidades deste mundo que se apresentam como bom ou mau, prazer e
sofrimento, etc. Porque vive sempre absorto em consciência de Krishna, ele está
sempre satisfeito e seus sentidos não estão interessados em coisas mundanas. Na
verdade, sua mente e inteligência estão fixas no serviço devocional para a
satisfação do Senhor. Ele é sempre manso e humilde, e não se esforça
excessivamente por conseguir facilidades temporárias materiais. Ele utiliza seu
tempo para cultivar sua consciência de Krishna e permanece imperturbável. Por
sentir plena satisfação interior, o devoto não se lamenta pela perda das coisas
materiais e não se entusiasma com qualquer ganho material, pois nada disso
interfere na sua satisfação interior. Para ele, todos são iguais e não existe o
conceito de amizade ou inimizade materiais com ninguém. Ele nunca se associa
com pessoas ou situações que possam prejudicar sua consciência de Krishna e é
sempre muito silencioso. Por outro lado, quando existe uma boa oportunidade, o
devoto está sempre muito inspirado a glorificar o Senhor e descrever Suas
qualidades divinas para o benefício dos ouvintes. Ele está sempre rendido ao
Senhor e tem plena convicção de que o caminho do serviço devocional é
superexcelente e é o único caminho que pode outorgar a meta suprema da vida.
CAPÍTULO XIII

A Natureza, o Desfrutador e a
Consciência

Pérola 67. O CAMPO DAS ATIVIDADES E SUAS INTERAÇÕES (versos 1 a 7)

Neste capítulo, o Senhor Krishna faz uma distinção bastante clara entre o
corpo, o proprietário do corpo e a Superalma. O corpo material é chamado aqui de
kshetra, que significa campo, por que de fato o corpo é o campo das atividades da
entidade viva. Ele obtém o seu kshetra, ou corpo material específico, conforme sua
capacidade e desejo de assenhorear-se da natureza material. A entidade viva que
está habitando temporariamente neste corpo deve compreender que este corpo
nada mais é do que uma cobertura temporária da alma. Compreendendo isto ele se
torna um kshetrajña, um conhecedor do campo, pois entende que a alma é
simplesmente a proprietária temporária dele. Dentro deste kshetra habita um outro
ser que é transcendental e é conhecido como Paramatma, ou Superalma, que é o
supremo conhecedor. Portanto, verdadeiro conhecimento implica em compreender
a alma individual como um elemento eterno, distinto do corpo material temporário,
e, ao mesmo tempo, compreender a Superalma que habita todos os diferentes
corpos. Esta Superalma será descrita com mais detalhes nos versos seguintes. Ela
é a fonte de todo o conhecimento e também a própria meta do conhecimento.

Aqui se define com pormenores o campo de atividades (o qual é composto


de vinte e quatro elementos) no qual a entidade viva irá agir. Os cinco grandes
elementos são a terra, a água, o fogo, o ar e o éter. Os cinco sentidos para se
adquirir conhecimento são os olhos, os ouvidos, o nariz, a língua e a pele. Os cinco
sentidos funcionais são a voz, as pernas, as mãos, o ânus e os órgãos genitais e os
cinco objetos dos sentidos são o olfato, o paladar, a forma, o tato e o som. Além
destes vinte itens existe o ego falso, a inteligência, a mente e os modos da
natureza em seu estado imanifesto. Portanto, se alguém faz um estudo analítico
mais profundo destes vinte e quatro itens que são mencionados resumidamente
aqui no Bhagavad-gita, ele poderá entender perfeitamente bem o campo de
atividades.

Pérola 68. O VERDADEIRO CONHECIMENTO (versos 8 a 12)

Depois de explicar o campo de atividades da entidade viva e suas


interações, o Senhor declara aqui que, através do conhecimento, pode-se escapar
do enredamento produzido pelos vinte e quatro elementos. Este verso menciona,
portanto, vinte qualidades que constituem o verdadeiro conhecimento – qualidades
estas que podem ser comparadas a diferentes degraus para se chegar a perfeição,
ou seja, a compreensão sobre a Verdade Absoluta.
A humildade e a modéstia constituem a base do processo, pois enquanto a
pessoa tiver a pretensão absurda de julgar-se Deus, a pessoa nem sequer poderá
iniciar-se no cultivo do verdadeiro conhecimento. O abc da filosofia é compreender
que somos muito mais do que meros corpos materiais temporários. Por isso, quem
tem percepção espiritual de que é uma alma eterna torna-se verdadeiramente
humilde e modesta, pois, para tal pessoa, qualquer coisa que se refira ao corpo –
quer seja honra ou desonra – é completamente inútil. Portanto, como parte do
processo de se obter conhecimento, deve-se perder completamente o anseio pelo
falso prazer de ser glorificado pelos outros.

Uma pessoa que age com conhecimento nunca causa sofrimento a ninguém,
pois sua relação com tudo e todos é espiritual e bem aventurada. Tendo como meta
evidente o cultivo do conhecimento, a pessoa aprende a suportar as dualidades
naturais que se apresentam neste mundo e não se abala diante dos impedimentos
materiais que se interpõem no caminho do avanço espiritual. A ignorância nos faz
imaginar tantos deveres relacionados com este corpo e nos faz buscar garantias
falsas neste mundo, mas uma pessoa em conhecimento toma outra atitude. Ela não
perde tempo com tais coisas ilusórias. Ela leva uma vida simples e utiliza seu
tempo em assuntos transcendentais.

Com foi explicado no Quarto Capítulo, só se pode obter conhecimento


perfeito de um mestre espiritual genuíno – um verdadeiro representante da
sucessão discipular. Por isso, aceitar o mestre espiritual submissamente é
considerado um item essencial na aquisição do verdadeiro conhecimento. Além de
estar sempre internamente limpo, devido a meditação, o estudo dos Vedas e ao
cantar dos santos nomes, tal discípulo mantém-se sempre limpo e asseado. Sua
determinação é resoluta, pois nenhum fator material pode interromper o fluxo de
seu cultivo espiritual. Ele está pronto para aceitar qualquer coisa que seja favorável
para seu avanço espiritual e, ao mesmo tempo, não hesita em rejeitar as coisas
desfavoráveis. Quanto ao gozo dos sentidos, ele aceita aquilo que é suficiente para
manter-se saudável e não perde seu tempo vivendo em função da mente e sentidos
materiais. Tal pessoa possui grande ímpeto para a vida espiritual, pois tem uma
compreensão clara da situação miserável da alma eterna que está se sujeitando
uma e outra vez ao ciclo de nascimento, velhice, doença e morte. Sua meta,
portanto, é recuperar seu corpo espiritual e retornar à morada suprema de Deus,
onde não ocorre nenhuma destas misérias corpóreas. Por isto, tal pessoa é
desapegada dos prazeres deste mundo, e mesmo que tenha afeição natural pela
família, ele utiliza isto para criar uma atmosfera consciente de Krishna em seu lar e
não para gozo pessoal dos sentidos. E se, na verdade, sua família é desfavorável ao
seu avanço espiritual, isto fará com que sua afeição e apego desapareçam
completamente. Estando fixa no serviço devocional ao Senhor, tal pessoa está
sempre em contato com a energia espiritual e, com isto, está sempre internamente
feliz. Por isso, ela mantém-se equânime diante dos reveses materiais
característicos deste mundo. Ela não se associa com pessoas de mentalidade
mundana e, devido a estar fixa no processo de auto-realização, ela evita ambientes
conturbados onde exista aglomeração de materialistas barulhentos. Ela não permite
que suas práticas espirituais sejam prejudicadas. Agindo desta maneira, portanto,
tal pessoa desenvolve cada vez mais sua convicção espiritual e eleva-se certamente
a uma plataforma de conhecimento verdadeiro e permanece sempre absorta no
serviço devocional amoroso ao Senhor. Devemos concluir que o conhecimento
perfeito é propriedade dos devotos imaculados do Senhor. Para outros, ele é
sempre inacessível.
Pérola 69. A SUPERALMA ONIPENETRANTE (versos 13 a 18)

Embora a entidade viva seja considerada kshetrajña, o conhecedor do


campo, deve-se compreender que o principal conhecedor não só do campo, mas de
todas as coisas, é o Senhor Supremo, ou a Superalma onipenetrante. A criação, a
manutenção e a destruição de tudo estão sempre sob Seu controle, pois Ele é o
mantenedor de todas as entidades vivas. Sua refulgência é ilimitada e Ele é a fonte
de luz de todos os objetos luminosos, tais como o Sol e a Lua.

Dentro de cada corpo existe uma alma individual situada no coração, e a


influência desta alma individual se limita no corpo específico que ela adquiriu.
Portanto, a alma individual não pode dizer que suas mãos, pernas, olhos, etc.,
estão em todos os lugares. Isto significa que ela existe sob condições limitadas e
sua posição não é suprema. Esta é a diferença entre a Superalma e a alma
individual. A Superalma pode estender Suas cabeças, mãos, olhos, pernas, etc.,
ilimitadamente. De fato, como se afirma aqui, a potência da Superalma é ilimitada.
Embora sempre permaneça em Sua própria morada, Ela pode estar ao mesmo
tempo em todos os lugares. O sentidos das entidades vivas são materiais e, dessa
maneira, têm um alcance limitada e defeituoso. Mas, o Senhor não possui sentidos
materiais limitados. Isto significa que Suas pernas não são como as nossas, e Ele
pode viajar para qualquer lugar sem restrição alguma. Por que Sua visão é
espiritual e infinita, Ele é capaz de ver tudo: passado, presente e futuro. Tendo
ouvidos em todo lugar, Ele sempre ouve as orações feitas pelas almas rendidas. Ao
mesmo tempo, onde quer que esteja, Ele pode saborear as oferendas que são
feitas com devoção pelos Seus devotos puros, pois Sua boca está em todo lugar.

Embora Ele esteja em Sua morada, que é muitíssimo distante de nós, Ele
está, ao mesmo tempo, dentro de nós. Na verdade, ninguém está mais próximo
que Ele. Certamente, enquanto estivermos contaminados materialmente, não
podemos ver nada disso. Mas, quando nossos sentidos forem purificados pelo
processo transcendental do serviço devocional, poderemos vê-lO o tempo todo.

Devemos admitir, portanto, que existem dois conhecedores do campo – a


alma individual e a Superalma, o Supremo conhecedor.

Pérola 70. A ENTIDADE VIVA E A NATUREZA MATERIAL (versos 19 a 22)

Aqui se afirma que somente os devotos podem compreender a diferença


entre o corpo, o conhecimento e o objeto do conhecimento. Outros são incapazes
de compreender. O verdadeiro conhecimento é chegar a compreender que todos
são servos eternos do Senhor. Isto certamente nos levará a praticar sinceramente o
serviço devocional, o qual, por sua vez, é o próprio resultado último de todo
conhecimento. Quanto mais o devoto puder compreender que Krishna é tudo, mais
ele irá atingir o verdadeiro conhecimento, e, como se afirma no Décimo Capítulo, os
demais detalhes sobre o conhecimento serão internamente revelados pelo Senhor.

Através do conhecimento transmitido neste capítulo, pode-se compreender


que o campo (ou o corpo) é constituído de natureza material, ao passo que a
entidade viva, a alma, é energia espiritual pura. Ambos são eternos e fazem parte
da energia do Senhor. Antes deste cosmo ser manifestado, tanto a energia material
quanto a entidade viva já existiam em seu estado latente. A energia material é
considerada inferior, por que não possui vida própria. Ela depende da interação
dela com a entidade viva. Porém, como uma energia superior do Senhor, a
entidade viva não ganha nada em interagir com a energia material inferior. Ela não
precisa entrar em contato com este mundo material, podendo viver uma vida
eternamente perfeita na residência do Senhor. No entanto, quando se sente atraída
pelo brilho ilusório desta energia material, ela inicia uma árdua luta pela existência
e passa a viver sob a influência dos três modos da natureza material, à saber,
ignorância, paixão e bondade.

Pérola 71. A PRESENÇA DA SUPERALMA (versos 23 a 31)

A entidade viva é parte integrante eterna do Senhor, de modo que existe um


relacionamento íntimo de amizade entre ambos. Mas por que tem a tendência de
ignorar este relacionamento com o Senhor e procura agir com independência, a
entidade viva é chamada de energia marginal. Isto significa que ela tem a opção de
situar-se na energia espiritual ou na energia material. Quando tenta dominar a
energia material, a entidade viva sujeita-se a uma luta incansável e fica presa às
condições indesejáveis dos modos da natureza material. Portanto, devido à Sua
misericórdia, o Senhor deseja salvá-la desta situação artificial e, para levá-la de
volta à energia espiritual, Ele permanece situado em seu coração como a
Superalma dando-lhe internamente valiosas instruções e externamente aparece
neste mundo para transmitir o conhecimento transcendental do Bhagavad-gita.

Munida então deste conhecimento, a entidade viva se qualifica para libertar-


se da ilusão e ingressar na atmosfera espiritual. Compreendendo estas instruções
confidenciais contidas no Bhagavad-gita, ela situa-se em sua posição verdadeira e
eterna e adota a consciência de Krishna. Neste caso, a mente aos poucos se
desapega do gozo material dos sentidos e se volta para a manifestação do Senhor
como a Superalma.

Infelizmente, na sociedade moderna não há educação em assuntos


espirituais. De qualquer modo, mesmo se um estudante retardatário se inclinar ao
processo de ouvir das autoridades espirituais comentarem acerca do conhecimento
transcendental, há toda a possibilidade de fazer um grande avanço. Especialmente
nesta atual era de Kali, Sri Chaitanya Mahaprabhu enfatizou a associação com os
devotos com o propósito de ouvir sobre o Senhor e cantar o maha-mantra Hare
Krishna Hare Krishna Krishna Krishna Hare Hare, Hare Rama Hare Rama Rama
Rama Hare Hare. Isto irá nos ajudar a transcender o caminho de nascimentos e
mortes.

Pérola 72. OS OLHOS DO CONHECIMENTO (versos 32 a 35)

Como discutimos anteriormente, ao buscar associação espiritual e começar a


ouvir sobre o conhecimento transcendental das fontes certas, a pessoa dirige-se ao
destino supremo. Para tal pessoa, este Capítulo Treze é bastante valioso, pois,
estudando-o com a ajuda de um mestre espiritual, pode-se entender claramente a
distinção entre o corpo, o proprietário dele e a Superalma onipresente. Tal
conhecimento transcendental é realmente essencial, pois revela o processo de se
libertar do cativeiro da natureza material. Portanto, uma pessoa dotada deste
conhecimento adquire uma visão de eternidade, compreendendo bem que este
corpo é simplesmente energia material e que é a alma que ilumina e dá vida ao
corpo, exatamente como o Sol ilumina e dá vida ao Universo. Uma pessoa com
visão de eternidade não se identifica com este corpo e permanece dentro dele sem
se contaminar com a mentalidade corpórea. Assim como o ar pode entrar na água,
no excremento ou em qualquer lugar e não se misturar com nada disso, a entidade
viva dotada de olhos do conhecimento, mantém-se sempre à parte das atividades
materialistas. Tal pessoa de consciência purificada permanece em sua identidade
espiritual e vê com visão de igualdade todos os seres vivos, quer se encontrem em
corpos de semideuses, seres humanos ou animais inferiores.
CAPÍTULO XIV
Os Três Modos da Natureza Material

Pérola 73. A SABEDORIA SUPREMA (versos 1 a 4)

Como discutimos anteriormente, este mundo é uma combinação entre a


alma espiritual e o corpo material. Existem os vinte e quatro elementos materiais
que compõem a natureza material e são chamados de mahat-brahma, ou o grande
Brahman. Esta natureza material pode ser comparada ao ventre de uma grande
mãe e o Senhor é comparado ao Pai Supremo que fecunda a semente (na forma de
entidades vivas) na natureza material. Dessa maneira, as diferentes entidades
vivas surgem em várias espécies de vida de acordo com suas atividades passadas
e, devido a associação com os modos da natureza material, elas se tornam
enredadas neste mundo material. Isto significa que qualquer candidato ao
desenvolvimento espiritual tem de conhecer estes modos, saber como eles atuam e
aprender a livrar-se deles. Evidentemente, ninguém pode compreender claramente
isto através de seu simples esforço intelectual. O próprio fato de estar influenciado
pelos modos da natureza já desqualifica alguém para entender este tópico tão
importante que aqui é descrito aqui como “o melhor entre todos os
conhecimentos”. Além disso, a importância deste capítulo é tamanha que, para
despertar-nos maior interesse, o Senhor afirma que muitos sábios alcançaram a
perfeição por conhecer este tema. Portanto, só mesmo uma pessoa que já esteja
livre da influência destes três modos é que pode compreender este conhecimento
perfeitamente e pode transmiti-lo sem a menor distorção. Aqui, portanto, iremos
constatar que praticamente só o Senhor Krishna está nessa posição transcendental,
por isso Ele está diretamente nos outorgando tal conhecimento sublime.
Qualquer conhecimento obtido neste mundo está sob a influência dos três modos
da natureza, mas o conhecimento do Bhagavad-gita é conhecimento
completamente transcendental por que foi transmitido pela Transcendência
Suprema, e este conhecimento tem como propósito nos colocar exatamente nesta
mesma posição.

Pérola 74. AS QUALIDADES DOS MODOS DA NATUREZA (versos 5 a 18)

Como ficará bastante claro neste capítulo, a natureza material influencia


todas as entidades vivas de três diferentes modos: bondade, paixão e ignorância.
Sob a influência do modo da bondade, uma pessoa sente maior sensação de
felicidade e naturalmente sente-se atraída pelo avanço em conhecimento. Ela
gradualmente se livra das atividades pecaminosas e, conseqüentemente, de suas
reações, o que faz com que ela não sinta tanto as misérias deste mundo. Isto, na
verdade, se torna até um problema para ela, por que ela acaba ficando induzida a
se sentir superior aos outros. Devido ao conhecimento superior adquirido, tais
pessoas têm a forte tendência de ficarem orgulhosas de suas posições e, assim,
permanecem atadas de alguma maneira a este mundo material. Elas não sentem
necessidade de tentarem libertar-se do cativeiro material e, por isso, ficam
reencarnando em diferentes espécies de vida sob a influência da bondade. Devido à
ilusão que a energia material lhes impõe, elas pensam que uma vida como
cientista, filósofo ou poeta é agradável e não consideram que a verdadeira meta da
vida é ser transferidos ao mundo espiritual. O modo da bondade é considerado o
mais puro de todos e quanto mais aumenta sua influencia na pessoa, mais ela se
torna limpa interna e externamente. Sua visão se torna cada vez mais correta e
seus sentidos, tais como o paladar e a audição, mais refinados. Além disso, se a
pessoa abandona o seu corpo sob a influencia do modo da bondade, ela será
promovida aos planetas superiores, onde o desfrute dos sentidos é celestial.

Uma entidade viva sob a influência do modo da paixão tem grande anseio
pelo prazer material. Assim, a principal característica da paixão é a atração entre o
homem e a mulher. Uma pessoa na paixão tem a tendência de trabalhar
arduamente e deseja constituir uma família feliz, com filhos belos e muitas
condições propícias ao desfrute. Ela é geralmente muito apegada ao poder,
prestígio e falsas honrarias e por isso tem que viver o tempo todo com bastante
ansiedade. A característica da paixão é que uma pessoa sob sua influência nunca se
sente feliz com a posição adquirida, pois suas propostas de gozo dos sentidos são
intermináveis. Pode ser que esta pessoa declare ser feliz, mas sua felicidade é
ilusória e só existe dentro de sua mente. Ela não pára de desejar e, por isso, acaba
envolvendo-se com uma vida miserável. Tal pessoa apaixonada está sempre presa
a uma vida de cobiça excessiva e, mesmo que tenha condições financeiras
favoráveis para o desfrute, ela não pode experimentar tal felicidade por que não
possui paz de espírito. Ela vive traçando planos e projetos para conseguir muito
dinheiro e tem de se submeter a um constante esforço físico excessivo. Se uma
pessoa, portanto, abandona seu corpo sob a influência da paixão, possivelmente ela
voltará à forma humana de vida no planeta terrestre. Logicamente, isto irá
depender do acúmulo de atividades piedosas ou pecaminosas que tenha executado.

O modo da ignorância é exatamente o oposto do modo da bondade – nada


de conhecimento, nada de limpeza e nada de felicidade. A influência da ignorância
degrada a pessoa, levando-a à loucura, e tal pessoa não pode entender as coisas
como elas são. Tais pessoas são preguiçosas e relutam muito em receber qualquer
instrução superior. Elas nem sequer são ativas com as pessoas no modo da paixão.
Pelo contrário, sob a influência da ignorância, uma pessoa é indolente e tem grande
propensão ao uso de drogas, bebidas alcoólicas e é muito adicta ao sono excessivo.
Uma característica da ignorância é a propensão a entregar-se à matança de
animais com o único propósito de satisfazer a exigências da língua. Certamente, o
abate de animais inocentes é o mais grosseiro ato de ignorância. Na ignorância, a
pessoa não é capaz de planejar sua vida e não tem metas superiores. Ela nunca se
esforça para obter nada e é uma pessoa tola e sem inteligência. Suas atividades
acabam resultando em miséria e uma pessoa que morre na ignorância perde a
oportunidade que a vida humana lhe oferece e é forçada a nascer no reino animal
ou em planetas infernais.

Pérola 75. O SENHOR É SEMPRE TRANSCENDENTAL (versos 19 a 20)

Aqui se explica que, mesmo estando neste mundo material, uma pessoa
poderá permanecer transcendental aos modos da natureza. Para isso, é necessário
desenvolver sua consciência de Krishna. Como foi mencionado anteriormente, uma
pessoa em consciência de Krishna desenvolveu uma visão diferente a respeito
deste mundo, pois foi dotada com olhos de conhecimento. Tal pessoa compreende
muito bem que o ser vivo não é o autor de suas atividades. Ela compreende que o
ser vivo recebeu um corpo de acordo com seu karma e, assim, é forçado a agir
conduzido pelos modos da natureza que ele adquiriu. Por isto, uma pessoa em
consciência de Krishna segue as instruções dadas pelo Senhor no Capítulo Sete,
onde se afirma que somente tornando-se uma alma rendida ao Senhor é que se
pode superar a influência dos modos da natureza. Isto significa, portanto, que se
quisermos nos livrar da influência dos modos da natureza, teremos que reconhecer
o Senhor Supremo como a fonte transcendental de conhecimento e nos render a
Ele. Esta rendição nos coloca além da influência material e nos permite saborear a
felicidade natural da vida espiritual. Em outras palavras, o problema não se limita
em estar neste mundo ou não; ou em se ter ou não um corpo material. O problema
reside na forma que estamos utilizando este corpo ou no tipo de atividades que
estamos executando neste mundo. Se utilizamos este corpo material a serviço do
Senhor e ajustamos nossas atividades para Sua satisfação, certamente estaremos
livre do enredamento material e iremos saborear o néctar espiritual da vida sublime
em consciência de Krishna.

Pérola 76. OS SINTOMAS DA PESSOA TRANSCENDENTAL (versos 21 a 25)

Como um estudante bastante qualificado, Arjuna revela aqui o seu desejo de


compreender os sintomas de uma pessoa transcendental aos modos da natureza
material, qual o comportamento desta pessoa e como ela consegue atingir esta
plataforma transcendental de existência. Este tema é muito importante para
alguém que queira atingir esta condição de vida espiritual, pois, a não ser que saiba
as respostas a estas perguntas, ele não terá um ponto de referência.
O Senhor Krishna começa explicando que uma pessoa que transcendeu os modos
da natureza é livre da inveja. Como já foi afirmado, neste mundo existem
diferentes classes de pessoas. Na bondade, as pessoas tornam-se iluminadas; na
paixão, elas são muito apegadas às coisas materiais e na ignorância são tolas e
iludidas, mas uma pessoa transcendental não se importa com isto. Ela nem inveja
alguém que esteja materialmente bem situado e nem odeia uma pessoa com
características nefárias. Ela permanece neutra, pois sabe que tudo está sendo
conduzido pela influência da natureza material. Mesmo que alguém, sob a
influência da energia ilusória do Senhor, coloque-se numa posição de como amigo
ou inimigo, uma pessoa na plataforma transcendental dá a ambos o mesmo
tratamento amistoso. Ser criticado ou elogiado neste mundo é inevitável, mas uma
pessoa transcendental está numa condição de existência plena e não ganha nada
ao ser elogiada e nem perde nada ao ser criticada. Por isso, ela nunca se abala
diante das dualidades deste mundo. Certamente, tal pessoa está muito além das
atividades materiais e suas reações e sempre permanece desapegada e mansa
diante de qualquer coisa que aconteça. Por estar em consciência de Krishna, tal
pessoa atingiu igualdade com Krishna. Por isso, ela nunca se deixa afetar diante
das condições políticas e sociais e não tem necessidade de obter nada deste
mundo, quer seja lixo ou ouro.

Pérola 77. A CONDIÇÃO DA EXISTÊNCIA LIBERADA (versos 26 a 28)

Aqui encontramos a resposta do Senhor à pergunta de Arjuna de como uma


pessoa consegue transcender os modos da natureza material. Tal pessoa terá que
tirar sua consciência das atividades materiais e transferi-la para as atividades
relacionadas com Krishna. Esta atividade de intercâmbio amoroso entre o Senhor e
Seu devoto é conhecida como bhakti-yoga, ou serviço devocional, e é o único meio
de se alcançar a plataforma transcendental. O Senhor é transcendental aos modos
e se uma pessoa se absorve no serviço ao Senhor e se une à Ele com devoção,
certamente ocupará uma posição transcendental semelhante. No entanto, o Senhor
especifica aqui que tal serviço devocional tem que estar em seu estado pleno, o que
significa que o devoto não deve prestar serviço ao Senhor com propósitos
materiais. Na verdade, para se prestar serviço devocional ao Senhor, o devoto
precisa estar na plataforma transcendental conhecida como Brahman ou, em outras
palavras, precisa estar livre das contaminações materiais, tais como a especulação
filosófica e os interesses fruitivos. O Senhor é o Param Brahma, ou seja, o supremo
Brahman, e o devoto deve atingir a qualificação de Brahman para se relacionar com
o Senhor. Este conceito de Brahman é considerado a primeira etapa no serviço
devocional. Além deste nível de Brahman, pode-se expandir a compreensão até se
chegar ao estágio do Paramatma, ou Superalma, e, ao progredir ainda mais, chega-
se à percepção de Bhagavan, ou a Suprema Personalidade de Deus. Mas, como
Bhagavan Sri Krishna é a base deste Brahman, o devoto pode atingi-lo
naturalmente, caso se ocupe completamente em Seu serviço devocional. Na
verdade, no Srimad-Bhagavatam se afirma que mesmo chegando ao estágio de
Brahman impessoal, a pessoa estará correndo grande risco de cair de sua posição
transcendental, caso não continue progredindo até a realização final da Pessoa
Suprema, Sri Krishna. Aqui se afirma que este Brahman é eterno e imperecível.

Deve ficar claro, portanto, que a felicidade eterna e imperecível proveniente


deste Brahman também está incluída no serviço devocional ao Senhor.
CAPÍTULO XV
A Yoga da Pessoa Suprema

Pérola 78. A FIGUEIRA-DA-BENGALA DO ENVOLVIMENTO MATERIAL


(versos 1 a 4)

Este mundo material é tão complexo que é comparado aqui com uma grande
figueira-da-bengala. De fato, o desejo é a causa do enredamento da alma neste
mundo, por isso o desejo é comparado à raiz dessa grande árvore do envolvimento
material sem fim. Neste mundo, há ilimitadas possibilidades de gozo dos sentidos
e, por isso, a possibilidade de enredamento também não tem fim. O ser vivo
vagueia de galho em galho, ou seja, transmigra de uma forma para outra,
mantendo sempre interesse em dominar a natureza material. Às vezes, devido ao
seu bom karma material, ele se eleva aos planetas celestiais e, às vezes, o seu mal
karma o leva a situações bastante miseráveis em planetas ou corpos inferiores.
Mas, como os galhos desta árvore se estendem para baixo, o ser vivo na maioria
das vezes é forçado à descer neles para tentar colher seus frutos e, assim, se
posiciona de maneira bastante perigosa. Na verdade, esta mundo material, que é
aqui comparado a esta árvore sem fim, é um reflexo da verdadeira árvore da
morada suprema do Senhor, a qual se encontra no céu espiritual. Enquanto se
mantiver neste mundo material, o ser vivo não poderá compreender esta morada
suprema, como é explicada neste capítulo. Para isto, ele terá que se desapegar das
atividades ilusórias deste mundo. O Bhagavad-gita foi transmitido pelo Senhor
Krishna para que todos tivessem a oportunidade de aceitar o caminho perfeito do
desapego deste mundo, que não passa de um reflexo do mundo espiritual visto às
avessas. O tema principal do Bhagavad-gita é, portanto, a bhakti-yoga, ou o
processo de transferirmos nossos apegos para o serviço à Suprema Personalidade
de Deus.

Pérola 79. A MORADA SUPREMA (versos 5 a 8)

Nos versos anteriores o Senhor Krishna recomenda que devemos


desenvolver interesse em buscar a morada eterna suprema e render-se à Suprema
Personalidade de Deus. Agora, portanto, Ele passa a explicar como se efetua o
processo de rendição. Primeiramente, o Senhor afirma que temos que nos livrar
das garras da ilusão. Na verdade, este tema é o ponto central do Bhagavad-gita.
Como já foi explicado, as entidades vivas são partes integrantes do Senhor e, dessa
maneira, são consideradas Suas energias divinas. Porém, ao desejarem dominar a
natureza material, elas ficam sob as garras da energia material ilusória e não
conseguem superar sua influência. É preciso, portanto, aceitar o serviço devocional
e, desse modo, atrair a misericórdia do Senhor, que é o único que pode conceder a
liberação à alma condicionada. A aceitação do serviço devocional só se torna
possível para uma pessoa que, devido a inteligência, tenha se tornado
verdadeiramente humilde e tenha se livrado do orgulho absurdo de se julgar o
Senhor da natureza material. Antes disso, não há como se iniciar no processo de
rendição.
Como foi explicado no Capítulo Sete, o necessitado, o aflito, o inteligente e o
curioso que executaram atividades piedosas se voltam para a adoração do Senhor.
De modo geral, quando as dificuldades surgem nas vidas dessas pessoas piedosas,
eles não encontram outra alternativa além de buscar abrigo no serviço devocional
do Senhor. Entretanto, aqueles que estão acumulando ações impiedosas não
podem se aproximar do Supremo. Ao contrário disso, tais pessoas impiedosas
permanecem associadas com as atividades falsas da energia ilusória material e
nunca se rendem ao Senhor. Na verdade, a menos que a pessoa tenha a
misericórdia do Senhor, ela não poderá admitir e entender que este mundo material
é um lugar perigoso, cheio de calamidades. O sintoma de uma pessoa
verdadeiramente inteligente é que ela desiste de fazer planos para ajustar-se
permanentemente a essas calamidades materiais. Ao mesmo tempo, tal pessoa
compreende que enquanto estiver neste mundo terá que se deparar com os
inevitáveis infortúnios, os quais são considerados como estímulos positivos para o
progresso na compreensão espiritual. Compreendendo sua posição como alma
espiritual eterna, a pessoa deve manter-se transcendental às aparentes
calamidades materiais, as quais são comparadas a um pesadelo. Num sonho, por
exemplo, o homem pode ter a sensação que um tigre o está engolindo.

Certamente, ele sofrerá com isto. Porém, assim como este „tigre‟, o
sofrimento material é ilusório, pois trata-se unicamente de um pesadelo. Já que são
ilusórias, as calamidades desse mundo só poderão afetar a pessoa que não
compreendeu a natureza ilusória deste mundo material. Aquele que não se rende
ao Senhor, portanto, não pode compreender a verdadeira essência deste mundo.
Deste modo, ao invés de dedicar sua vida ao Senhor, uma pessoa tola prefere
buscar sua felicidade neste mundo cheio de perigos. Ela não têm informação da
morada do Senhor, a qual é eterna e plenamente bem aventurada, sendo livre de
qualquer vestígio de calamidades.

Este mundo material é comparado a um oceano turbulento, o qual deve ser


cruzado o mais rápido possível. A conclusão é que, enquanto estivermos neste
oceano, sempre estaremos numa posição perigosa, à mercê das ondas violentas.
Mesmo que estejamos num grande e resistente barco, a qualquer momento poderá
surgir um imprevisto e teremos que nos deparar com as situações mais adversas.
Por isso, a nossa única preocupação deveria ser como atravessar o mais rápido
possível este oceano de perigos. O Srimad-Bhagavatam explica que quem se
refugia no Senhor está aceitando o barco mais adequado para cruzar o oceano da
ignorância. Se uma pessoa aceita o abrigo dos pés de lótus do Senhor, ela poderá
cruzar o oceano de existência material, assim como pode-se saltar facilmente as
águas que ficam acumuladas nas covas criadas pelas pegadas de um bezerro. O
destino final deve ser permanecer com o Senhor em Sua residência, que nada tem
a ver com o lugar onde existe perigo à cada passo. Já que, enquanto estivermos
neste mundo não poderemos evitar suas adversidades, devemos, então, com ou
sem elas, cantar Hare Krishna e dedicar-nos ao desenvolvimento de nossa
consciência de Krishna para retornarmos ao mundo espiritual, onde tudo é
iluminado pela potência interna do Senhor.

Pérola 80. A LUTA DA ENTIDADE VIVA CONDICIONADA (versos 7 a 11)

Os filósofos impersonalistas acreditam erroneamente que ao alcançar a


liberação, a alma individual irá se fundir no Supremo e perderá sua individualidade.
Eles se confundem ao julgarem que a individualidade da alma é uma condição
temporária e que só se manifesta na fase condicionada. Nesta passagem, portanto,
o Senhor Krishna não apoia esta teoria inventada que acredita que a alma tenha se
fragmentado num determinado momento de sua existência. Pelo contrário, o
Senhor enfatiza aqui que a individualidade do ser vivo é eterna. O ser vivo é,
portanto, uma parte fragmentária eterna do Senhor.

O oceano possui infinitas gotas d‟água e todas estas gotas d‟água são
qualitativamente idênticas ao oceano. Similarmente, mesmo sendo uma parte
integrante infinitesimal do Senhor, a entidade viva em seu estado original possui
todas as Suas qualidades, só que em proporção infinitamente inferior. No entanto,
ao abusar de sua independência parcial, a entidade viva acaba se transferindo ao
mundo material e recebe um corpo temporário. Estando coberta, portanto, pelo ego
falso, inteligência, mente e sentidos materiais, a entidade viva originalmente bem
aventurada depara-se com uma situação de sofrimento artificial. Envolvendo-se
com atividades materiais, a alma permanece sempre sujeita às reações materiais e
se vê forçada a transmigrar interminavelmente de um corpo para outro. O corpo
sutil é composto de mente, inteligência e ego falso e este corpo sutil detém as
concepções que a entidade viva desenvolveu na sua vida e as transporta para o
próximo corpo. Isto não significa que seu próximo corpo será necessariamente um
corpo humano. Por exemplo, se a entidade viva adultera sua consciência com
qualidades caninas ou felinas, certamente seu próximo corpo será de cão ou gato.

Como já discutimos anteriormente, a consciência é um elemento


originalmente puro, como a água. No entanto, se misturarmos alguma tintura na
água, ela irá mudar de cor. A consciência original é absolutamente pura e é
chamada de consciência de Krishna, mas, ao se misturar com certas qualidades
materiais, ela sofre uma transformação. Devido à consciência transformada, irá
manifestar-se com um certo tipo de mentalidade material, o que vai resultar num
corpo material que se coadune com seu estado específico de consciência. Ao
dedicar-se ao estudo profundo do Bhagavad-gita e submeter-se a um treinamento
sob a guia do mestre espiritual, uma pessoa pode entender completamente estes
fenômenos. Mas uma pessoa comum, sem treinamento espiritual, não pode
compreender como a alma abandona o corpo e qual será o corpo que ela irá obter
na próxima vida.

Pérola 81. A PRESENÇA TODO-ABRANGENTE DO ABSOLUTO (versos 12 a


15)

Mesmo que tenha uma boa visão, uma pessoa não poderá enxergar nada se
ela estiver num lugar escuro. A ignorância é comparada à escuridão e
conhecimento à luz, de modo que, como discutimos nos versos anteriores, a pessoa
precisa ser treinada em conhecimento espiritual para poder enxergar as coisas
como elas são. Uma pessoa que tenha se submetido ao treinamento adequado por
um mestre espiritual autêntico pode compreender que tudo vem da Suprema
Personalidade de Deus.

O sol ilumina todo o Universo e devemos compreender que a luz do Sol


deve-se à refulgência espiritual que emana do Senhor. A Lua é a responsável por
nutrir os alimentos e torná-los saborosos e suculentos, além de distribuir seu brilho
agradável a todos. Portanto, a Lua é uma das manifestações da bondade do
Senhor. O elemento fogo tem uma importância fundamental para a sociedade
humana. É somente devido a ele que podemos preparar alimentos cozidos e
podemos fabricar tantas utilidades para o nosso desenvolvimento progressivo. Já
que ninguém poderia viver sem a ajuda do Sol, da Lua ou do fogo, devemos refletir
e compreender que sem a misericórdia do Senhor não poderíamos sequer nos
manter vivos.
Como a Superalma localizada, o Senhor penetra todos os átomos, todas as
entidades vivas, todos os planetas e, finalmente, todos os universos. Tudo é
sustentado unicamente devido a presença do Senhor em tudo. Assim como um
corpo específico é mantido e sustentado pela presença da alma individual, todos os
diferentes planetas também podem flutuar e permanecer em órbita unicamente
devido à presença do Senhor. Sob a ação de Sua força e energia, todas as coisas
móveis e inertes permanecem em seus devidos lugares. Segundo as escrituras
ayur-védicas, existe um fogo no nosso estômago que é o responsável por digerir os
alimentos. Como o bom funcionamento do aparelho digestivo é considerado o
principal fator que determina a saúde, devemos compreender que sem a ajuda do
Senhor, não poderíamos estar desfrutando da vida. Existem quatro tipos de
alimentos – aqueles que são sorvidos, aqueles que são mastigados, aqueles que
são lambidos e outros que são chupados. De qualquer modo, o Senhor é o
responsável por digerir todos estes alimentos e por transformá-los em força vital.

Com o propósito de nos iluminar em conhecimento perfeito, diferentes


textos védicos apresentam elaboradamente cada um destes temas para dar ênfase
no desenvolvimento espiritual gradual. Devemos ser conscientes também que os
próprios Vedas são a manifestação do Senhor na forma do conhecimento perfeito.

Nos Upanishads se afirma que todos os quatro Vedas – Rig Veda, Yajur
Veda, Sama Veda e Atharva Veda – emanam da respiração da grandiosa
Personalidade de Deus.

Portanto, além de Se converter nos próprios Vedas, o Senhor, sob Sua


encarnação como Vyasadeva, torna-Se também o compilador dos Vedas. Sabemos
que depois de compilar o Vedanta-sutra, Vyasadeva pôs-se a escrever um
comentário sobre esta obra, conhecido como Srimad-Bhagavatam. De modo que,
além de compilador, o Senhor é o único verdadeiro conhecedor dos Vedas. Ele está
dentro de todos os seres vivos como a Superalma onipresente e está sempre dando
orientações para todos, além de testemunhar os trabalhos de todos. Como esquece
de tudo o que aprendeu na vida passada, o ser vivo recebe internamente do Senhor
o conhecimento necessário para reiniciar suas atividades a partir do ponto onde ele
atingira na vida passada. Assim, além de sofrer ou gozar neste mundo conforme o
que lhe é imposto pelo Senhor, todos recebem a oportunidade de compreender os
Vedas. Caso uma pessoa leve a sério o conhecimento védico, o Senhor
internamente a ajudará, dando-lhe a inteligência necessária para que tal pessoa
possa compreender os temas transcendentais védicos. Aqui se afirma também que
o propósito de se estudar os Vedas é compreender a Suprema Personalidade de
Deus, o Senhor Sri Krishna. O estudo do Bhagavad-gita nos leva a esta
compreensão. Podemos concluir que o Bhagavad-gita é a literatura que apresenta a
essência de todo o conhecimento védico, pois ele é apresentado diretamente pelo
próprio Senhor, o qual nos deixa claro que a função principal dos Vedas é elevar o
estudante védico ao serviço devocional amoroso à Sri Krishna, a Suprema
Personalidade de Deus.

Pérola 82. A PESSOA SUPREMA (versos 16 a 20)

Podem-se dividir as inúmeras entidades vivas em duas categorias – as


falíveis e as infalíveis. As entidades vivas falíveis são aquelas que entraram em
contato com a energia material e, como foi falado anteriormente, estão deparando-
se com uma luta inglória, munidas dos cinco sentidos e a mente. No entanto,
aqueles que permanecem unidos com a Suprema Personalidade de Deus são
chamados infalíveis. Permanecer unido com o Senhor significa manter-se
espontaneamente ocupado no serviço do Senhor com amor e devoção. A base
desta união amorosa, portanto, é o amor puro que existe eternamente entre o ser
vivo e o Senhor. Os filósofos impersonalistas não conseguem compreender este
tema, o qual é considerado por todas as escrituras védicas como o mais
confidencial. Estes filósofos mal informados não conseguem compreender que esta
união com o Senhor não elimina a existência da personalidade. Eles pensam
erroneamente que, para unir-se com o Senhor, a entidade viva precisa
necessariamente eliminar seu ego. Até certo ponto, eles estão certos, pois, por
tratar-se de um relacionamento imaculado, é evidente que o relacionamento entre
o ser vivo individual e o Senhor é absolutamente desprovido de ego material. O que
eles não podem compreender é que, através de bhakti, ou serviço devocional, duas
coisas maravilhosas ocorrem simultaneamente. Por um lado, através de bhakti
experimentamos a eliminação completa do ego material impuro – o ego falso que
nos força a identificar-nos com o corpo material temporário. E, por outro lado,
manifestamos o ego espiritual puro – o ego que nos enche de conhecimento pleno,
eternidade e bem-aventurança. Este ego espiritual é a condição da própria alma em
seu estado puro original – uma alma eternamente devotada ao serviço amoroso do
Senhor. A conclusão é que devemos compreender que esta união amorosa entre o
ser vivo e o Senhor só se torna possível através de um relacionamento interpessoal
transcendental. Esta é a essência de bhakti, e é considerado o mais secreto de
todos os conhecimentos. A compreensão do aspecto impessoal de Deus é a
primeira percepção espiritual. Certamente, tal percepção também é importante,
mas devemos estar certos de que, se simplesmente nos limitarmos a compreender
que tudo que existe não passa de uma energia divina de Deus, estaremos ainda
munidos de um conhecimento parcial e incompleto. Progredindo ainda mais, existe
o estágio onde se realiza o segundo aspecto do Senhor, a Superalma localizada.

Neste estágio pode-se realizar a presença do Senhor em todo e qualquer


átomo e passa-se a buscar um relacionamento com Ele internamente no coração,
através da yoga e da meditação. Depois deste grande passo no despertar da
consciência de Deus, devemos prosseguir ainda mais para podermos alcançar a
percepção máxima, a percepção acerca da Pessoa Suprema, a Personalidade de
Deus. Desse modo, o conhecedor imperfeito satisfaz-se simplesmente com a
compreensão de que tudo é energia de Deus ou, no máximo, de que o Senhor é tão
poderoso que está presente no coração de todos como a Superalma. Aqui,
portanto, se afirma que o conhecedor de tudo conhece o Senhor como a Pessoa
Transcendental Suprema e dedica toda a sua energia a prestar-Lhe serviço
amoroso, ouvindo, cantando, lembrando, oferecendo preces, servindo os pés de
lótus do Senhor e adorando-O como um servo completamente rendido. Esta atitude
de serviço devocional, faz com que tal devoto se livre completamente de toda
contaminação material, tornando-se automaticamente perfeito.
CAPÍTULO XVI
As Naturezas Divinas
e Demoníacas

Pérola 83. A NATUREZA DIVINA (versos 1 a 3)

Ao situar-se na natureza divina, os seres vivos progridem no caminho da


liberação. Por outro lado, sob a influência dos modos inferiores da paixão e
ignorância, os seres vivos permanecem atados às ações fruitivas e aos desejos
materiais luxuriosos distanciando-se cada vez mais do caminho verdadeiro. Aqui,
portanto, o Senhor inicia este capítulo enumerando as qualidades transcendentais
existentes nos homens piedosos dotados de natureza divina. Tais qualidades
servem como referências importantes para aqueles que querem progredir rumo ao
caminho da liberação última. Embora, de um modo geral, a vida material crie
situações bastante temerosas, uma pessoa influenciada pela natureza divina
mantém-se numa condição onde o temor não existe. Isto se deve à sua consciência
de Krishna, pois uma pessoa que permanece consciente de que tudo está sob pleno
controle do Senhor e que nunca se esquece que o Senhor é o seu verdadeiro
benquerente, consegue manter-se sempre livre de qualquer ansiedade ou temor.

Tal pessoa busca constantemente a sua própria purificação e, por isso,


aceita de bom grado tudo o que acontece como misericórdia do Senhor. Ela está
sempre ocupada em estudar as escrituras védicas autorizadas sob a guia de um
mestre espiritual fidedigno, compreendendo que este é o único meio correto de se
cultivar conhecimento transcendental. Na verdade, sem estar munido de verdadeiro
conhecimento védico ninguém pode realizar-se espiritualmente, como pensam os
falsos filósofos de hoje em dia que vivem inventando seus próprios processos
inúteis. Além disso, tal pessoa é verdadeiramente caridosa, pois está sempre
entusiasta em transmitir seus conhecimentos e percepções espirituais, os quais ela
compreende que são a única panacéia para as almas condicionadas. Mantendo-se
constantemente em consciência de Krishna, tal pessoa dotada de qualidades
divinas nunca se afasta do serviço do Senhor, ocupando seu corpo, sentidos, mente
e inteligência em atividades espirituais práticas. Cantando regularmente o maha-
mantra Hare Krishna Hare Krishna Krishna Krishna Hare Hare, Hare Rama Hare
Rama Rama Rama Hare Hare, tal pessoa pratica o sacrifício que as escrituras
védicas prescrevem especificamente para esta era que é repleta de trevas e
ignorância. Vivendo sob as instruções do mestre espiritual, a pessoa leva uma vida
de verdadeira disciplina e austeridade e seguindo as instruções de uma alma auto-
realizada como o mestre espiritual, sua vida se torna simplificada evitando assim
envolver-se com uma série de atividades fruitivas que certamente causariam
sofrimentos futuros. Tal pessoa age sempre como um benquerente espiritual de
todos e nunca comete ofensas verbais ou físicas para ninguém. A ocupação
constante no serviço devocional torna uma pessoa livre da cobiça e desejos
sensuais e, como resultado, tal pessoa permanece automaticamente livre da ira e
da violência e está sempre tranqüila, gozando da paz interior. Por estar realmente
preocupada com seu avanço espiritual, tal pessoa não tem interesse em buscar
defeitos nos outros. Ao contrário das moscas que estão sempre buscando a ferida e
o excremento, uma pessoa dotada de qualidade divina é como uma abelha, pois só
se interessa pelo mel e pelo néctar.
Pérola 84. A NATUREZA DEMONÍACA (versos 4 a 12)

Há duas classes de homens no mundo: a dos demônios e a dos semideuses.


Enquanto os semideuses se interessam pela elevação da sociedade humana, os
demônios se interessam na elevação física e material e, por isso, são muito
orgulhosos de suas aquisições materiais. Aqui se explica também que os demônios
são influenciados pela ignorância e isso significa que, mesmo quando se dedicam a
ocupação de filósofos, o fazem de um modo totalmente arrogante. Às vezes, eles
são chamados de filósofos impersonalistas, por que sentem grande prazer em
desencaminhar as pessoas inocentes alegando que Deus está morto. Na melhor das
hipóteses, ou seja, quando não são capazes de “matar” Deus, tentam aleijá-lO
alegando que o Senhor não tem cabeça, forma, existência, pernas etc. A ira que
possuem dentro de si é muito grande e, por isso, os demônios sempre anseiam por
uma sociedade em que Deus não esteja no centro, facilitando assim o gozo dos
seus próprios sentidos desenfreados.

De um modo geral, os demônios não conhecem as regras escriturais. Mas,


caso as conheçam, eles não têm a menor inclinação por segui-las. Por isto, eles são
sujos física, mental e intelectualmente. Eles não estão interessados em nenhuma
boa instrução. A prova disto é que, se alguém lhes oferece alguma boa instrução,
eles ficam irados e se põem a blasfemar ou atacar o instrutor. Desse modo, a
natureza demoníaca é a causa do verdadeiro sofrimento do ser vivo. Não aceitando
a existência de um Deus criador e controlador, os demônios concluem que este
mundo não passa de uma fantasmagoria e que tudo é irreal. Não diferenciando
entre espírito e matéria, os demônios acreditam que a existência da alma está fora
de cogitação. Perdidos em suas especulações alucinógenas, os demônios entregam-
se a atividades sexuais promíscuas e condenam qualquer proposta de autocontrole
ou restrição dos sentidos. Eles não possuem bom senso e vivem inventando
novidades tecnológicas para aumentar o gozo dos seus sentidos, pois consideram
que seus inventos infernais são sinais de progresso da civilização humana.

Embora possuam poderes maravilhosos e, as vezes, até sobrenaturais para


criar maravilhas materiais, as pessoas demoníacas são sempre elementos
perturbadores da sociedade. Por exemplo, uma certa classe de cientistas criaram,
por exemplo, as armas nucleares que têm causado um verdadeiro pânico na
sociedade humana.

Pérola 85. UMA CONDIÇÃO DE EXISTÊNCIA ABOMINÁVEL (versos 13 a 20)

Nascimento numa família importante, riqueza, beleza física e inteligência


materiais são resultados das boas atividades executadas em vidas passadas. No
entanto, ao obter tais qualidades materiais, a pessoa que está sob a influência do
modo inferior da ignorância se torna intoxicada pelo orgulho material e acaba
intensificando suas propensões demoníacas. Devido a este mesmo orgulho, o ser
demoníaco acredita unicamente em seu próprio esforço e não admite nenhum
arranjo da lei do karma por trás do resultado positivo de suas atividades atuais. Na
verdade, está fora de sua capacidade compreender que tudo o que ele possui não
passa do resultado de suas atividades passadas. O ser demoníaco possui um desejo
incontrolável de obter cada vez mais dinheiro e, por este motivo, não hesita em
agir de maneira ilegal, e não se preocupa em prejudicar os demais.

Influenciado pela natureza demoníaca, o ser demoníaco está sempre absorto


em pensamentos de “eu e meu”. Ele não aceita a presença da Superalma dentro de
seu coração agindo como testemunha e permitidor supremo, pois acredita ser
completamente independente. Quem é demoníaco, portanto, sente-se livre para
fazer qualquer coisa que lhe propicie gozo dos sentidos. Vivendo em função de seu
desfrute material, ele considera que as pessoas que lhe ajudam a gratificar seus
sentidos são amigos, enquanto que as pessoas que prejudicam seu gozo dos
sentidos são inimigos e, como se afirma aqui, se tais inimigos se colocam como um
empecilho na sua vida, ele não tem a menor hesitação em matá-los. Desse modo,
os seres demoníacos têm muitos inimigos e, às vezes, podemos observar isto entre
indivíduos, famílias, sociedades, nações etc. Em outras palavras, o desejo
incontrolável de gozo dos sentidos explica a ausência de paz deste mundo.
Características que se destacam nos seres demoníacos são suas qualidades de
hipocrisia e cinismo. Por isto, as vezes observamos que tais seres assumem papéis
de pregadores de religiões inventadas por eles mesmos e, como o propósito de
explorar as pessoas inocentes, tornam-se peritos em espetáculos teatrais que,
infelizmente, são considerados pelas pessoas tolas como verdadeiros princípios
religiosos. Entretanto, em suas vidas pessoais, pode-se observar uma vida
materialista e hedonista que ocupa o lugar do conhecimento transcendental e
renúncia ao gozo pessoal dos sentidos, que são as verdadeiras qualidades da
pessoa religiosa.

Quando não são muito fanáticos e incisivos em exigir que todos sigam o
caminho criado por eles, tais farsantes costumam propagar que todos podem seguir
qualquer caminho que criarem; e que não existe um verdadeiro caminho a se
seguir. Eles não têm a menor fé nas escrituras védicas e sempre se opõe a
supremacia de Sri Krishna, a Pessoa Suprema. Mas, ainda assim, seu nascimento
seguintes irá depender da decisão dessa Pessoa Suprema que aqui revela que os
lançará no oceano abominável de existência material, obtendo formas inferiores e
ainda mais demoníacas.

Pérola 86. OS TRÊS PORTÕES QUE CONDUZEM AO INFERNO (versos 21 a


24)

Depois de revelar qual o resultado final da vida do ser vivo sob a influência
da natureza demoníaca, o Senhor aqui explica que os portões da luxúria, ira e
cobiça representam a fase inicial desta situação abominável de existência. Como foi
elaboradamente explicado no final do Capítulo Três, o ser vivo é originalmente
pleno de conhecimento transcendental, mas ao interagir com a paixão material
neste mundo, ele entra em contato com o seu maior e mais pecaminoso inimigo: a
luxúria, a qual nunca se satisfaz. Na verdade, esta luxúria não passa do reflexo
pervertido do sentimento puro de amor a Deus. No entanto, quando a alma cobiça
possuir um corpo material, o Senhor dá-lhe permissão de habitar neste mundo e,
como resultado, ele se vê influenciado pelo modo da paixão que transforma o seu
sentimento original e puro de amor a Deus num desejo incontrolável de desfrutar
do corpo material, o qual inclui os sentidos, a mente, a inteligência e ego materiais.
Porém, quando a luxúria material não é satisfeita, a alma corporificada se vê sob a
influência da ira que a mantém ainda mais enredada neste mundo material.
Portanto, o Senhor Krishna recomenda a execução de atos que nos possa conduzir
a auto-realização espiritual. Para isto, existem a escrituras védicas e suas regras e
regulações que normatizam a vida humana e nos eleva, em última análise, à
auspiciosa consciência de Krishna. Portanto, todo o método apresentados pela
literatura védica visa elevar gradualmente o praticante do modo da ignorância para
a paixão; da paixão para a bondade e, finalmente, da bondade material para a
bondade espiritual – consciência de Krishna. Certamente, ao passar pelas
diferentes fases de purificação, o seguidor védico consegue gradualmente
abandonar as atividades pecaminosas e, naturalmente se distancia da luxúria,
cobiça e ira, alcançando uma plataforma de vida pura, sob a influencia da bondade
espiritual, quando a execução do serviço devocional se torna o centro de sua
própria vida. Evidentemente, existem diversas regras e regulações recomendadas
para as diferentes classes de pessoas, quer sejam elas chefes de família ou
renunciados, simples trabalhadores ou intelectuais. Porém, considerando a grande
dificuldade que as pessoas desta atual era de Kali têm para adotarem métodos
purificatórios mais complexos, o Senhor Chaitanya, a encarnação misericordiosa do
Senhor para esta era, veio facilitar o processo pedindo que todos se purificassem
simplesmente cantando o maha-mantra Hare Krishna Hare Krishna Krishna Krishna
Hare Hare, Hare Rama Hare Rama Rama Rama Hare Hare.
CAPÍTULO XVII
As Divisões da Fé

Pérola 87. AS TRÊS CATEGORIAS DE FÉ (versos 1 ao 4)

No final do capítulo anterior, o Senhor deixou claro que as pessoas de


natureza demoníacas podem se libertar da situação abominável que se encontram,
seguindo os métodos prescritos nas escrituras védicas com fé e convicção. No
entanto, a fé específica de cada um depende do resultado acumulado das
atividades que a pessoa executou em muitas vidas prévias, o que também define a
influência específica que ela receberá dos modos da natureza material.
Considerando tudo isto, Arjuna no início deste capítulo levanta uma importante
questão. Ela quer saber qual a posição das pessoas que não têm conhecimento
perfeito e que não seguem os princípios das escrituras védicas, mas, com boa
intenção, executa um tipo de adoração criado por elas mesmas. Elas poderão
alcançar a perfeição da vida? Tal adoração está na ignorância, paixão ou bondade?
Em resposta a esta inteligente pergunta, o Senhor Krishna apresenta este Décimo
Sétimo Capítulo.

Ficou bastante claro que o ser vivo tem se associado com a natureza
material por muitas vidas e, conforme esta associação, ele desenvolve uma
mentalidade específica sob a influência dos modos da natureza material. No
entanto, com a associação de pessoas iluminadas em conhecimento védico,
especialmente com um mestre espiritual auto-realizado, tanto sua natureza quanto
sua mentalidade poderão mudar, e ele poderá avançar em qualidades divinas e
espirituais e recuperar sua natureza constitucional, a qual é completamente
transcendental a influência dos três modos da natureza material. Uma vez situado
nesta posição transcendental, costuma-se dizer que tal pessoa está em bondade
pura, ou bondade espiritual, estando assim purificada e qualificada para
compreender a verdadeira natureza da Suprema Personalidade de Deus. De outro
modo, sob a influência da ignorância, paixão ou mesmo bondade material, a pessoa
manifestará um tipo de fé sujeita a contaminação do modo (ou, dos modos) da
natureza que a está exercendo influência. Por isso, existem diferentes espécies de
fé e, conseqüentemente, diferentes classes de religião correspondentes aos modos
materiais da natureza. Embora a Suprema Personalidade de Deus seja o verdadeiro
e perfeito objeto de fé e o objeto máximo de adoração, ainda assim, a grande
maioria das pessoas, estando contaminados pelos modos da natureza material, não
pode compreender e aceitar este fato.

Sob a influência do modo da bondade, as pessoas geralmente adoram os


semideuses, tais como Shiva, Indra, Surya etc., em troca de benefícios pessoais. O
modo da paixão induz a pessoa a adorar seres humanos demoníacos, tais como
políticos poderosos, militares ou mesmo artistas e esportistas; e, finalmente, no
modo da ignorância, se executa adoração aos seres fantasmagóricos e maus
espíritos.

Pérola 88. AUSTERIDADES E PENITÊNCIAS DEMONÍACAS (versos 5 a 6)

Os homens demoníacos pensam que, ao criarem suas próprias austeridades


e penitência, conseguirão fazer com seus inimigos ou adversários sejam
conquistados e, sob a influência da ignorância e paixão mundanas, praticam a
autotortura. Porém, as escrituras védicas não recomendam austeridades ou
penitências para a obtenção de propósitos de interesses pessoais. A prática de
jejum é um bom exemplo disto, pois o seu verdadeiro propósito é a purificação e o
avanço espiritual, e nunca deve ser utilizada para um fim político ou interesse
social. Além disso, as escrituras nos orientam que a prática de jejum deve ser
executada em dias específicos e sob certas condições auspiciosas e não quando se
bem entenda. Portanto, o jejum que não visa exclusivamente o avanço espiritual e
que não é normatizado pelas escrituras é uma verdadeira perturbação para a
sociedade e é uma prática característica dos demônios. Além de insultar a
Personalidade de Deus, o compilador dos Vedas, o jejum não recomendado nas
escrituras, perturba a Superalma que habita o corpo.

Pérola 89. AS TRÊS CLASSES DE SACRIFÍCIOS E ALIMENTOS (versos 7 a


13)

A alimentação exerce uma influência definitiva nas pessoas, por isso, os


Vedas prescrevem a alimentação perfeita para que se possa, através dela, avançar
rumo ao caminho da auto-realização espiritual. Evidentemente, a alimentação
adequada é aquela que está sob a influência do modo da bondade, pois além de
aumentar a duração da vida e dar força ao corpo, o alimento no modo da bondade
purifica a mente, e, uma vez logrando-se a purificação da mente, pode-se mais
facilmente exercer controle sobre ela. A alimentação no modo da bondade,
portanto, não visa o mero gozo do sentido da língua de um modo inconseqüente. A
pessoa no modo da bondade regula a qualidade e a quantidade da sua alimentação
e não cai vítima dos ditames da língua. Sua alimentação básica são os grãos
integrais, frutas, vegetais e os produtos lácteos, os quais fornecem a gordura
animal e eliminam a prática subumana e abominável da matança dos animais. Uma
consideração igualmente importante é a consciência na qual se prepara o alimento,
pois o estado de consciência da pessoa no momento do preparo é, até certo ponto,
transmitido para a alimentação. Para que, portanto, a alimentação seja pura e
cumpra seus verdadeiros propósitos, a pessoa de estar com seu corpo limpo
externamente e com sua mente pura, absorta em pensamentos divinos – isso é o
modo da bondade. No entanto, existe o alimento transcendental, ou seja, o
alimento em bondade pura. Este alimento é considerado o alimento supremo e é
conhecido como prasadam, a misericórdia do Senhor. Quando a pessoa preparar o
alimento não para seu próprio gozo dos sentidos, mas para comprazer o Supremo e
segue o padrão puro de alimentação estabelecido na literatura védica (isto é, não
utiliza carnes, peixes, ovos ou bebidas alcoólicas) e, ao mesmo tempo, oferece-o
com devoção ao Senhor, tal alimento torna-se completamente transcendental e,
além de extremamente saboroso e apreciável por todos, fonte de grande inspiração
espiritual e purificação mental. O ideal é que a pessoa absorva-se em cantar o
maha-mantra Hare Krishna enquanto cozinha, pois isto ajudará a pessoa a ter sua
mente limpa e controlada.

Ao contrário da alimentação no modo da bondade que produz saúde ao


corpo, os alimentos no modo da paixão causam sofrimento e, posteriormente,
doenças. Tais alimentos são picantes e apimentados, exageradamente salgados e
muito amargos. Apesar disto, quando não são misturados com as substâncias
abomináveis do modo da ignorância (especificamente, carne, peixes e ovos) eles
podem ser purificados e oferecidos ao Senhor, tornando-se prasadam, pois
dependendo da condição física de uma determinada pessoa, as vezes tais alimentos
agem como remédios. No entanto, os alimentos no modo da ignorância devem ser
considerados intocáveis, tais como a carne animal e as bebidas alcoólicas.
Basicamente, os alimentos no modo da ignorância nunca são frescos, exalam mau
odor, estão num estado de decomposição e, por isto, exercem uma péssima
influência para aqueles que o ingerem, aumentando ainda mais sua propensão às
atividades influenciadas pela ignorância.
Aqui também se faz menção dos diferentes modos que se executa
sacrifícios. Basicamente, a pessoa no modo da bondade executa sacrifício sem
esperar alguma recompensa material. Ela possui fé no Senhor e executa os deveres
religiosos encontrados nas escrituras que foram adotadas por ela. Independente do
resultado, tal pessoa civilizada visita o templo ou a igreja de uma forma discreta e
faz sua adoração regulada ao Senhor de maneira respeitosa e honesta. No entanto,
no modo da paixão, a pessoa também adora o Senhor, mas não possui desapego.
Tal pessoa invertem sua posição com a posição de Deus. Em outras palavras, ela
quer que Deus a sirva e está sempre à espera de promoções materiais. No modo da
paixão, tem-se muito orgulho de ter-se adotado uma posição religiosa e busca-se
prestígio com isto e, na maioria dos casos, o modo da paixão faz com que a pessoa
aja de modo sentimental ou fanático. No modo da ignorância, a situação ainda é
pior. Neste caso, o executor de sacrifício age segundo sua própria determinação,
pois não aceita (e, muito menos, segue) a direção de nenhuma escritura.
Executado sem nenhuma fé, tais sacrifícios são típicos das pessoas no modo da
ignorância.

Pérola 90. AS AUSTERIDADES DO CORPO, DA MENTE E DA FALA (versos 14


a 19)

O verdadeiro propósito das austeridades é afastar a pessoa gradualmente de


uma vida desregulada de gozo dos sentidos e, para que isto seja possível, o Senhor
aqui enfatiza a importância das austeridades do corpo, da mente e da fala. Deve-
se, portanto, utilizar o corpo especialmente para se prestar respeito ao Senhor e
aos Seus representantes, tais como os brahmanas, o mestre espiritual e os nossos
pais. Quanto ao respeito aos pais, isto é mais do que óbvio, já que sem a união
deles, o nosso corpo não existiria. No entanto, a obtenção de um corpo físico é só o
começo, pois tem-se que submeter ao segundo nascimento, que é dado pelo
mestre espiritual, ou guru, através da iniciação espiritual. Sem aceitar a iniciação
de um mestre espiritual, não se torna possível um cultivo perfeito de conhecimento
e não se pode sair da plataforma material de existência. Portanto, com respeito e
consideração, deve-se oferecer respeitos e reverências ao mestre espiritual e vê-lo
como um importante representante de Deus. Os sacerdotes brahmanas são a
classe de pessoas sob a influência da bondade e se responsabilizam também pela
disseminação do conhecimento védico, por isto sua função é altamente respeitável.
No corpo social, eles representam a cabeça da sociedade e é dito que o Senhor
ministra instruções através das bocas dos brahmanas. O modo de adoração a Deus
mais adequado para esta era de Kali é o canto constante dos Seus santos nomes,
especialmente o canto do maha-mantra Hare Krishna Hare Krishna Krishna Krishna
Hare Hare, Hare Rama Hare Rama Rama Rama Hare Hare que limpa o coração de
toda a poeira do materialismo que se acumulou em nossos corações por vidas.

Simplicidade significa que não se deve perder tempo com a obtenção


desnecessária de diferentes parafernálias para o gozo dos sentidos. Devemos
executar nosso dever da melhor maneira possível e não se deixar levar pela
expectativa de resultados positivos. Deve-se, portanto, depender da misericórdia
do Senhor. O corpo material está sempre exigindo gozo dos sentidos,
especialmente o prazer sexual. No entanto, para uma pessoa que aceita a auto-
realização espiritual como a meta da vida, tal prazer sexual é considerado um
verdadeiro empecilho por que intensifica a identificação com o corpo material. O
ideal é uma vida de castidade, livre de atividades sexuais. Mas também aceita-se a
hipótese de uma vida de celibato, onde a vida sexual é permitida dentro de um
casamento com o propósito de estabelecer uma família pura em consciência de
Krishna, pois o casamento verdadeiramente religioso presta-se a regular a mente
para outorgar a paz necessária para o avanço espiritual.
A tendência da fala é muito forte e o seu bom ou mau uso produz resultados
diferentes como, por exemplo, construir ou destruir amizades, inspirar ou
desmotivar pessoas e, finalmente, iluminá-las ou obscurecê-las. Por isso, o Senhor
aqui faz menção da importância da austeridade da fala. O mais importante é
praticar a veracidade falando apenas aquilo que se encontra nas escrituras
autorizadas. Por este motivo, compreende-se que, antes mesmo de falar, a pessoa
tem que praticar a austeridade de ouvir de fontes autorizadas e, ao mesmo tempo,
não dar sua própria interpretação baseada em interesses pessoais. A pessoa deve
ser cautelosa em não agitar a mente dos outros, prejudicando o processo natural
de avanço espiritual que cada um se encontra e, além disso, deve se preocupar em
apresentar as coisas de uma forma agradável e doce.

A mente deve ser treinada para ser uma aliada à pessoa no processo de
purificação da consciência de Krishna. Para isto, é importante que se busque
satisfação espiritual nas atividades da consciência de Krishna, evitando ao máximo
o gozo mundano dos sentidos. Evidentemente, a mente está sempre interessada
em prazer. Mas, devemos aprender a manter a mente satisfeita com um modo de
vida simples, cultivando pensamentos elevados, pois faz parte do conhecimento
espiritual a percepção de que, quanto mais nos absorvermos em gozo dos sentidos,
mais nossa mente ficará insatisfeita. A vida moderna é um exemplo adequado para
isto, onde criou-se um sem fim de objetos para o prazer dos sentidos. No entanto,
as mentes dos homens modernos estão mais insatisfeitas e descontroladas do que
nunca.

A conclusão é que devemos executar todas estas austeridades (do corpo, da


fala e da mente) para progredirmos em consciência espiritual e, assim, alcançarmos
resultados permanentes. De outro modo, mesmo estas austeridades serão inúteis
no que diz respeito ao progresso espiritual, caso sejam executadas por uma
questão de orgulho, materialmente motivadas ou com interesses demoníacos.

Pérola 91. AS TRÊS CLASSES DE CARIDADES (versos 20 a 22)

A caridade é uma prática importante e saudável e pode nos ajudar muito no


processo de auto-realização. No entanto, é preciso aprender a praticá-la com
completa discriminação. O ideal é praticar a caridade para as pessoas renunciadas,
pelo prazer de vê-las ocupadas exclusivamente no serviço devocional ao Senhor.

Além disso, tal caridade deve estar isenta de expectativa de recompensa


pessoal, pois esta atitude caracteriza o modo da paixão. Existem vários lugares
sagrados de peregrinação e geralmente é lá que encontramos as pessoas
adequadas para receberem caridade. Por outro lado, a caridade feita aos
brahmanas e vaishnavas sempre é recomendada, pois, devido a suas ocupações
espirituais constantes, suas presenças auspiciosas transformam qualquer lugar
mundano em um lugar de peregrinação.

A execução de caridades em troca de elevação aos planetas celestiais


superiores ou em troca de resultados fruitivos não é recomendada nas escrituras e
também nunca se deve executar austeridades apenas por ordem de alguém ou com
má vontade. Fazer doações à pessoas ocupadas no gozo dos sentidos e em
atividades pecaminosas é ignorância e não é benéfica nem para quem executada tal
caridade, nem para quem a recebe. Pelo contrário, torna-se um estímulo para o
incremento de mais atividades pecaminosas. O ideal, portanto, é executar
caridades para os devotos do Senhor ocupados em propagar Suas glórias. Neste
caso, o resultado se torna absolutamente positivo e toda a sociedade ganha com
isto. Na verdade, a caridade espiritual é considerada a atividade mais auspiciosa
para um ser humano, através da qual pode-se distribuir literatura transcendental,
alimento espiritual, prasadam, ou os santos nomes do Senhor, especialmente o
maha-mantra Hare Krishna Hare Krishna Krishna Krishna Hare Hare, Hare Rama
Hare Rama Rama Rama Hare Hare. Neste caso, pode-se distribuir tais caridades em
quantidades profusas, e sem a menor discriminação quanto a qualificação dos
recebedores, pois trata-se de um conceito diferente, baseado no sentimento
transcendental de compaixão e misericórdia a todos os seres vivos.

Pérola 92. AS PALAVRAS SAGRADAS “OM TAT SAT” (versos 23 a 28)

Estas três palavras, om tat sat, são freqüentemente encontradas nos hinos védicos
e se referem especialmente a Verdade Absoluta, a Suprema Personalidade de Deus.
Desse modo, depois de explicar as diferentes divisões da fé baseadas nas
características dos três modos da natureza, aqui o Senhor conclui que as
austeridades, penitências, caridades, etc., devem ser oferecidas a om tat sat, ou
seja, à Pessoa Suprema, para se estabelecerem no modo da bondade espiritual,
além de qualquer influência na energia material ilusória.

Mesmo o senhor Brahma, o primeiro criatura do universo, ao executar


sacrifícios pronunciou estas três palavras sagradas para indicar que a meta de seus
esforços era satisfazer a Divindade Suprema. Estas três palavras são pronunciadas
para invocar o Senhor Supremo e se referem aos seus santos nomes. Desse modo,
na literatura védica acrescenta-se o primeiro objetivo om quando se pronuncia um
hino védico ou o santo nome do Senhor Supremo como, por exemplo, o mantra,
om namo bhagavate vasudevaya: “Reverências a Suprema Personalidade de Deus
Onipresente”.

A palavra tat indica que, como segundo objetivo, devemos oferecer todos os
nossos esforços ao Senhor, caso queiramos nos livrar de todo enredamento
material. Finalmente, através da palavra sat, o terceiro objetivo fica ainda mais
claro: somente o Senhor é o objeto de nosso sacrifício. A conclusão é que devemos
executar nossas atividades em nome da Suprema Personalidade de Deus: om tat
sat e entrarmos em harmonia com a natureza absoluta garantindo, assim, a
perfeição em todas as nossas atividades. Para aperfeiçoar completamente nossa
vida, coroando nossos esforços de verdadeiro êxito, devemos sempre vibrar om tat
sat pois, tudo que é feito sem buscar a satisfação do Senhor, quer seja caridade,
sacrifício, etc., produz um resultado sem o menor valor espiritual, tanto para esta
vida quanto para a próxima.
CAPÍTULO XVIII
A Perfeição da Renúncia

Pérolas 93. O PROPÓSITO DA RENÚNCIA (versos 1 a 6)

Em todos os capítulos do Bhagavad-gita, o Senhor dá importância especial


ao processo de serviço devocional e agora, neste capítulo, encontramos o resumo
de toda esta ciência devocional. Desse modo, como não podia deixar de ser, as
instruções finais do Bhagavad-gita concentram-se em torno do tema da verdadeira
renúncia. Em outras palavras, com exceção das atividades da consciência de
Krishna, deve-se abandonar todo e qualquer interesse por resultados mundanos.
Por isto, se menciona aqui que tanto os sacrifícios, quanto as caridades e
penitências que purificam o coração nunca devem ser abandonados, pois eles
produzem avanço espiritual devendo ser praticados em todas as fases da vida. É
importante entender que, embora as opiniões sobre o tema da renúncia se diferem
bastante, aqui a própria Suprema Personalidade de Deus dá Seu parecer, o qual
deve ser considerado por nós como definitivo. A conclusão é que deve-se estimular
qualquer caridade, austeridade ou penitência que possa conduzir uma pessoa direta
ou indiretamente à consciência de Krishna e este é o critério mais elevado e mais
objetivo de ocupação religiosa.

Pérolas 94. COMO PRATICAR A RENÚNCIA (versos 7 a 13)

Renunciar no modo da ignorância significa renunciar os deveres prescritos.


Por exemplo, os pais de uma criança têm o dever de protegê-la e educá-la material
e espiritualmente, mas caso esteja no modo da ignorância, os pais se tornam
irresponsáveis e deixam de cumprir este importante compromisso. Tal renúncia
está no modo da escuridão.

A pessoa sob a influência da paixão é muito instável. As vezes, quando a


situação lhe é conveniente, a pessoa apaixonada dedica-se entusiasticamente ao
cumprimento de seus deveres. Mas, quando a situação se torna difícil, problemática
ou desconfortável, ela tem a tendência de abandoná-los. Isto é um exemplo típico
de renúncia influenciada pela paixão. Mas, o Bhagavad-gita nos ensina o tempo que
devemos agir com conhecimento perfeito, executando nossos diferentes deveres o
melhor possível e, ao mesmo tempo, nos mantendo desapegados do resultado
final. Essa é a característica do modo da bondade. Tal pessoa mantém-se estável o
tempo todo, independente das diferentes situações externas que possam surgir. Se
a situação se torna desfavorável, por exemplo, ela não age de má vontade ou fica
se lamentando ou resmungando. E quando as condições favoráveis se apresentam,
ela tampouco se sente excessivamente jubilosa. Sua inteligência é pura e nunca se
altera devido às condições externas.

Como o Senhor Krishna já havia explicado no Capítulo Três, Ele aqui


novamente enfatiza que ninguém consegue livrar completamente da ação. Desse
modo, a idéia de renunciar a todo tipo de trabalho é falsa e imprática. Na verdade,
em vez de abandonar o trabalho em nome da assim chamada renúncia, deve-se
abandonar, isso sim, o fruto do trabalho. A idéia é que executando o trabalho da
melhor maneira possível e, ao mesmo tempo, oferecendo o fruto ao Senhor,
atinge-se a plataforma pura e perfeita da renúncia. Isto irá manter uma pessoa
livre do compromisso de permanecer neste mundo material, ou seja, livre do
desfrute ou sofrimento dos resultados dos seus atos.

Pérola 95. DIFERENTES CAUSAS DA AÇÃO (versos 13 a 18)

Aqui o Senhor cita a filosofia Vedanta para explicar sobre as cinco causas
que determinam uma ação. Compreendendo-as, pode-se obter sucesso em todo
tipo de atividade. O corpo onde a alma habita é conhecido como o lugar onde
ocorre a ação e a alma que está vivendo temporariamente nele é chamada de
executora. A alma também utiliza os diferentes sentidos como seus instrumentos
de ação, por isso, os sentidos são também um importante fator. Ao mesmo tempo,
o grau de esforço ou desempenho durante qualquer atividade tem sua importância,
mas, finalmente, a vontade da Superalma é certamente o fator determinante mais
decisivo. O que se chama comumente de consciência de Krishna significa
simplesmente agir sob a direção da Superalma, A qual que habita no coração do ser
vivo como o amigo mais bondoso. Agindo-se, desse modo, sob Sua direção
transcendental, a pessoa nunca se prende a nada, pois ela se livra do risco de agir
sob sua própria responsabilidade. Uma pessoa desprovida de conhecimento
espiritual não compreende a presença da Superalma no coração dos seres vivos e,
por isso, nunca poderá agir corretamente. Na verdade, ela se julga o autor de suas
próprias atividades e é sempre motivado pelo ego falso.

Aqui também se explica que existem três fatores que motivam a ação: o
conhecimento, o objeto do conhecimento e o conhecedor; e os três fatores que
constituem a ação: os sentidos, o trabalho e o autor. O conhecedor é a pessoa que,
de algum modo, obteve algum tipo de conhecimento e, desse modo, estabeleceu
um objetivo em particular. Assim, ele passa a agir com a ajuda de seus sentidos.
Quando a pessoa é iluminada pelo conhecimento transcendental, ela e torna um
verdadeiro conhecedor da verdade e seus objetivos são espirituais. Desse modo,
ele passa a agir sob a guia da Superalma e seus sentidos permanecem sob
completo controle tornando-o um instrumento do Senhor, e não um simples autor
egoísta.

Pérola 96. AS TRÊS CLASSES DE CONHECIMENTO (versos 19 a 22)

Como podemos constatar, os três modos da natureza material estão sempre


interagindo com os seres vivos em todos os seus momentos, lugares e
circunstâncias. A pessoa no modo da bondade, por exemplo, desenvolve verdadeiro
conhecimento e desenvolve uma visão equânime. Em outras palavras, ela pode
reconhecer a presença da mesmíssima qualidade da alma espiritual em todos os
diferentes seres. Isto significa que, independente da espécie na qual um ser vivo
possa estar vivendo temporariamente, quer esteja ele num vegetal, inseto, réptil,
aquático ou humano, a alma é da mesma qualidade e, ao mesmo tempo, possui
sua individualidade eterna. No entanto, sob a influência do modo da paixão, a
pessoa acredita que, mesmo que exista a alma, elas são de diferentes qualidades.
Em outras palavras, ela acha que as almas que habitam os seres inferiores são
diferentes daquilo que ela chama de “almas humanas”. Infelizmente, esta filosofia
influenciada pela paixão serve muitas vezes para justificar uma mentalidade
violenta e predatória contra seres vivos inocentes. Na ignorância, a situação ainda é
pior, pois a pessoa nem sequer acredita na existência da alma. Na verdade, o dito
conhecimento de uma pessoa no modo da ignorância é inútil, pois gira em torno
simplesmente de seus confortos físicos e satisfações corpóreas grosseiras.
Pérola 97. A AÇÃO E SUAS DIVISÕES (versos 23 a 25)

A influência exercida pelos três modos da natureza nas diferentes ações dos
seres vivos é também muito forte. O executor da ação sob a influência da bondade,
por exemplo, se caracteriza pela sua estabilidade. Agindo impulsionado pelo desejo
de comprazer o Senhor, o executor da ação na bondade executa seu dever da
melhor maneira possível. Além disso, seus hábitos de vida são regulados pelas
escrituras e, embora seja uma pessoa paciente e tolerante, sua determinação é
firme e constante.

No modo da paixão, o executor é movido pelo desejo de lucro e resultados


materiais pessoais e suas ações são empreendidas com um esforço exagerado
causando uma grande sensação de ego falso. E, no modo da ignorância, as ações
são ilusórias e não fazem o menor sentido. Tais ações não estão sob a direção de
nenhuma escritura religiosa autorizada e é sempre inconsequente e prejudicial.
Além disso, no modo da ignorância existe uma forte tendência de agindo
violentamente e causando sofrimentos às pessoas alheias. Como foi falado diversas
vezes, o devoto do Senhor, no entanto, é transcendental aos modos da natureza
material. Estando acima do ego falso e orgulho materiais, o devoto age com
pureza. As dificuldades podem surgir a qualquer momento, porém, no êxito ou no
fracasso; no sofrimento ou na felicidade, ele entrega os resultados ao Senhor e
continua feliz e satisfeito cantando Hare Krishna Hare Krishna Krishna Krishna Hare
Hare, Hare Rama Hare Rama Rama Rama Hare Hare.

Pérola 98. O EXECUTOR E SUAS DIVISÕES (versos 26 a 28)

A determinação e o entusiasmo firme e constante são características


evidentes do modo da bondade. Além disso, no modo da bondade o trabalhador é
sempre imperturbável, devido a ausência de luxúria e cobiça. Ainda assim, o
trabalhador na bondade tem seu programa de trabalho regulado, pois não utiliza
seu valioso tempo só para o trabalho. Ele reserva parte de seu tempo para cultivar
conhecimento e para se dedicar a auto-realização espiritual.

No modo da paixão, o trabalhador manifesta características diferentes. Sob


sua influência, o trabalhador no modo da paixão se apega exageradamente ao seu
trabalho como se fosse a coisa mais importante da vida. Na verdade, o seu tempo
todo é utilizado para o trabalho e ele mal tem tempo para comer e descansar em
paz. Sendo um materialista obstinado, o trabalhador na paixão se apega aos filhos
e esposa além do limite prescrito pelas escrituras, mas, ainda assim, tem pouco
tempo para se associar com eles. Ele possui uma forte tendência a invejar os outros
trabalhadores que são mais bem sucedidos economicamente do que ele, ou que
tenham um maior padrão de conforto. Isso geralmente o leva a buscar dinheiro
através de meios ilegais e ilícitos.

O trabalhador na ignorância é o mais tolo entre todos e, apesar de também


ser materialista, ele está geralmente desanimado e sob a influência da preguiça, e
sua determinação é completamente fraca. Ele não possui o menor interesse de
conhecer e seguir as escrituras religiosas, pois é uma pessoa obstinada e ofensiva
aos demais. Como se não bastasse, além dessas más qualidades, o trabalhador no
modo da ignorância se atrai por trabalho sujo e nunca perde uma oportunidade
para enganar os outros, fazendo trapaças para agir satisfazer os seus desejos
mundanos.
Pérola 99. A DIVISÃO DA COMPREENSÃO E DA DETERMINAÇÃO (versos 29
a 35)

A determinação de uma pessoa em executar um determinado tipo de


trabalho está sempre relacionado com o nível de compreensão que ela atingiu. Por
isso, o Senhor Krishna prefere tratar destes dois assuntos conjuntamente.
Saber o que se deve ser feito e o que se deve ser evitado não é uma simples
questão de inteligência. Primeiramente, a pessoa precisa conhecer as direções das
escrituras autorizadas para, além disso, executar suas ações baseadas nestas
direções. Uma pessoa no modo da bondade age desta maneira. No entanto, no
modo da paixão, mesmo uma pessoa dita inteligente está sempre confusa no que
diz respeito à execução correta de seus verdadeiros deveres, quer sejam sociais ou
espirituais. Devido ao fato dela não conhecer as direções das escrituras,
independente de qualquer esforço ou boa intenção, ela acaba pecando por não
possuir verdadeira referência. Existem também as pessoas que, sob a influência do
modo da ignorância, invertem o verdadeiro significado das coisas. Tais pessoas
trilham naturalmente o caminho inverso. Para elas, a verdadeira religião é rejeitada
como irreligião, e as coisas importantes da vida são deixadas de lado, enquanto
elas se ocupam em coisas inúteis e inconseqüentes.

Geralmente, a pessoa no modo da bondade pratica yoga e executa métodos


que possam ajudá-la a controlar a mente e os sentidos. Deste modo, o verdadeiro
interesse da vida humana pela auto-realização é sempre incrementado e a pessoa
não desperdiça seu tempo com atividades banais. A pessoa no modo da paixão, no
entanto, não consegue entender o verdadeiro sentido da yoga, mesmo que a
pratique. Tal pessoa apaixonada está demais interessada em gozo dos sentidos e
desenvolvimento econômico para entender que a verdadeira prática da yoga se
destina a fixar-se na compreensão da Alma Suprema. Finalmente, no modo da
ignorância só existe ilusão. Por isto, uma pessoa ignorante vive melancólica e só
sabe se lamentar. Sua ilusão é tão grande que ela se contenta em passar a vida
simplesmente sonhando e acaba não utilizando seu tempo em coisas realmente
objetivas.

Pérola 100. A DIVISÃO DA FELICIDADE (versos 36 a 39)

A verdadeira felicidade é a felicidade espiritual. Porém, não devemos pensar


que, enquanto esteja na condição de alma condicionada, uma pessoa pode
desfrutar desta verdadeira felicidade neste mundo. Presa dentro de seu corpo
específico, ela não pode manifestar sua verdadeira natureza plena. Ela
primeiramente precisa se livrar da identificação com o ego falso para, como o
próximo passo, parar de agir em função do corpo e, finalmente, iniciar suas
atividades de serviço devocional para ir se purificando gradualmente de todo tipo
de ilusão. Enquanto isto, dependendo da influência específica que estiver recebendo
da natureza material, a pessoa experimenta diferentes graus de felicidade material.
A felicidade experimentada por uma pessoa que está se despertando para a auto-
realização é uma felicidade no modo da bondade. A satisfação de ter encontrado
um caminho autêntico de vida espiritual compensa qualquer tipo de sacrifício ou
austeridade que se tenha que aceitar. Na verdade, quando a pessoa realmente
chegou ao ponto de levar a sério seu caminho espiritual, as diferentes regras e
deveres são executados com prazer. É como um criança que realmente chegou ao
ponto de se alfabetizar. Para ela, frequentar a escola e fazer seus deveres escolares
é motivo de grande prazer, mesmo que, como sabemos, ela terá que sacrificar seu
tempo que anteriormente era utilizado com brincadeiras infantis.

Para uma pessoa no modo da paixão, prazer significa simplesmente ter êxito
em colocar os sentidos em contato com objetos dos sentidos prazerosos. Por
exemplo, uma pessoa no modo da paixão se sente feliz quando pode saborear
alimentos saborosos, mesmo que, o resultado final disto, seja a causa de doenças.
A atividade sexual é muito preeminente entre as pessoas no modo da paixão, por
isto elas se sentem felizes em se relacionarem sexualmente com o sexo oposto.
Evidentemente, no começo, o prazer sexual pode revelar-se como agradável. Com
o passar do tempo, no entanto, a influência da paixão faz com que o assim
chamado prazer sexual assuma características indesejáveis. O casal acaba se
odiando e se separando, e tudo se torna motivo de grande ansiedade e lamentação
– isso para não falar da conseqüência do rompimento do compromisso familiar que
gera outras conseqüências indesejáveis. A felicidade da pessoa no modo da
ignorância é caracterizada pela inatividade. Quanto menos responsabilidade ou
compromisso uma pessoa na ignorância tiver, mais feliz ela se sentirá.

Pérola 101. O TRABALHO EOS MODOS DA NATUREZA (versos 40 a 44)

Todo ser vivo nasce como uma certa quantidade de inteligência, saúde,
beleza etc. Portanto, baseados nessas qualidades, todos devem aceitar uma
posição ocupacional de acordo com sua condição social.

Por exemplo, os brahmanas são a classe inteligente da sociedade e, por isso,


são considerados a cabeça do corpo social. No entanto, mesmo sendo dotada de
muita inteligência, uma pessoa terá que se submeter a um rigoroso treinamento
sob a orientação do mestre espiritual autêntico para tornar-se um brahmana
qualificado e situar-se realmente no modo da bondade. Um brahmana é também
conhecido como dvija, que significa “duas vezes nascido”. O primeiro nascimento é
meramente biológico e não determina se a pessoa é inteligente ou não. O segundo
nascimento está relacionado com a aceitação de um guru, ou mestre espiritual
fidedigno. Colocando-se sob as instruções do guru, a pessoa aceita uma vida
disciplinada, o que caracteriza sua posição de discípulo. Aprendendo o significado
dos textos védicos, a pessoa desenvolve sua verdadeira inteligência pura e as
qualidades divinas mencionadas aqui, tais como tranquilidade, autocontrole e
tolerância naturalmente se manifestam em tal pessoa. Na verdade, uma pessoa
que aceita um mestre espiritual autêntico e segue suas instruções com respeito e
dedicação, é realmente afortunada e sua vida se torna decorada com tais
qualidades divinas.

Os kshatriyas são a classe administrativa da sociedade e representam os


braços do corpo social. Eles são líderes naturais, no entanto, é de se esperar que
eles exerçam sua liderança governo sob a orientação dos brahmanas, evitando
assim que o modo da paixão estrague tudo. Os kshatriyas também recebem o
segundo nascimento, porém, eles recebem um treinamento específico para
proteger as leis do dharma e amparar aqueles que foram lesados pelo adharma.
Os vaishyas são a classe mercantil e representam o estômago da sociedade. Eles
têm uma inclinação toda especial pelo acúmulo de riquezas. Porém, isto não é o
mesmo que ganância material ordinária, pois um verdadeiro vaishya é também
dedicado à caridade aos brahmanas renunciados e ocupados em propagar o
conhecimento védico. E, finalmente, os shudras, a classe trabalhadora, representa
as pernas da sociedade, devendo se ocupar auxiliando as demais ordens sociais.
Portanto, nestes versos, o Senhor afirma mais uma vez que os três modos da
natureza estão exercendo sua influência implacável em todos os setores da
sociedade.
Pérola 102. A PERFEIÇÃO NA EXECUÇÃO DO DEVER (versos 45 a 49)

Acabamos de analisar as qualidades naturais com as quais as diferentes


classes sociais exercem seu trabalho. Aqui, portanto, o Senhor Krishna explica que
todos podem alcançar a perfeição de suas vidas simplesmente compreendendo a
natureza onipenetrante do Senhor e prestando-Lhe adoração. Quando se
compreende claramente que todo ser vivo é parte integrante do Senhor, passa-se
compreender também o significado da ocupação em consciência de Krishna. Em
outras palavras, não importa a natureza específica através da qual alguém se ocupa
socialmente. Ele deve aceitar tal ocupação e executá-la o melhor possível. Além
disso, os frutos de tal ocupação devem ser oferecidos para o prazer do Senhor e
não para seu próprio gozo dos sentidos. Esta é considerada a perfeição da execução
do trabalho.

Na realidade, quando alguém se ocupa dentro da sua natureza, ela


permanece tranquila e satisfeita, quer seja como um brahmana ou shudra, ou
mesmo um chefe de família ou renunciado. Quando, porém, a pessoa abandona seu
dever específico e tenta ocupar uma posição que não condiz à sua natureza, ela age
contra os preceitos védicas e sua vida será coberta de erros. Portanto, o Senhor
afirma aqui que, mesmo imperfeitamente, a pessoa deve executar seus deveres e
seguir sua própria natureza. Agindo dessa forma e oferecendo seu trabalho ao
Senhor, chegará o dia em que tal pessoa se aperfeiçoará até o ponto máximo.
Esta instrução é especificamente muito significativa para Arjuna, o qual estava
diante de um grande dilema. Sem dúvida, o dever de Arjuna como um kshatriya de
defender o dharma ia contra o bem estar de parte de sua família, a qual estava
defendendo o exército oponente. Apesar disso, o Senhor Krishna esclarece aqui
para Seu discípulo e amigo Arjuna que neste mundo, quando se analisa as coisas
do ponto de vista material, não existe perfeição absoluta. O próprio fogo, que é
considerado um dos elementos mais puros, é revestido pela fumaça, um elemento
muitas vezes indesejável. No entanto, mesmo que as vezes a fumaça cause algum
tipo de incômodo, não devemos deixar de usar o fogo e muito menos ele vai deixar
de cumprir seu papel apesar das condições incômodas criadas pela fumaça. A
essência de tudo é, portanto, agir para satisfazer o Senhor Supremo, tomando todo
o cuidado possível para não utilizarmos isto para justificar nossos desejos pessoais.

Apesar de existirem situações no cumprimento de nosso dever que


poderíamos considerar perturbadoras, ainda assim, devemos continuar fixos em
nossa ocupação, sem abandoná-la caprichosamente. Agindo deste modo estaremos
compreendendo as coisas do ponto de vista espiritual e estaremos criando
condições para, assim, alcançarmos o estágio perfeccional supremo.

Pérola 103. A ETAPA PERFECTIVA SUPREMA (versos 50 a 54)

Evidentemente, as pessoas comuns ficam surpresas com a descrição dada


aqui pelo Senhor que informa o método para se desapegar do mundo do gozo dos
sentidos. No entanto, tudo isto foi elaboradamente explicado no decorrer do
Bhagavad-gita e, novamente aqui no final desta obra filosófica, o Senhor descreve
este mesmo método resumidamente.

Primeiramente, Ele fala sobre a purificação através da inteligência. Ou seja,


o primeiro passo é se aproximar de um guru autêntico que siga o sistema de
parampara e receber dele instruções transcendentais sobre o conhecimento védico,
pois ninguém deve tentar extrair seus próprios significados das escrituras,
enquanto se baseia em seu conhecimento imperfeito mundano. O verdadeiro guru
nunca faz malabarismos de palavras, pois ele é competente o suficiente para
ensinar o discípulo a trilhar o verdadeiro caminho. Na verdade, sem a ajuda de um
guru auto-realizado, a pessoa continuará especulando filosoficamente vida após
vida, sem chegar a uma conclusão final. Se o discípulo for sincero e seguir as
instruções do guru, ele se elevará a o plano de conhecimento perfeito que se
manifestará pelo desapego às atividades de gozo dos sentidos. Somente
ingressando nesta fase elevada de vida espiritual, é possível entrar nas
complexidades da ciência de Deus, e não através de conhecimento gramatical ou
especulação acadêmica.

Estando desapegado dos prazeres inferiores dos sentidos, tal pessoa se situa
no modo da bondade, onde as dualidades de apego ou ódio não atuam. Estando
livre do conceito corpóreo, ela leva uma vida simples e tranquila e prefere manter-
se introspectiva, procurando viver num lugar mais silencioso, favorável às práticas
espirituais. Sua vida é disciplinada, e ela diminuiu suas propensões materiais
corpóreas, tais como comer, dormir, falar, etc. Tal estágio de vida perfeita é
chamada tecnicamente de brahma-bhuta, ou seja, o estágio onde a pessoa se situa
no transe da auto-realização e não desperdiça seu tempo valioso com atividades
insensatas.

Não devemos pensar que esta fase brahma-bhuta significa tornar-se uno
com o Absoluto e perder a individualidade. Para deixar este ponto claro, aqui se
afirma que, neste estágio, a pessoa atinge a unidade máxima, praticando serviço
devocional puro ao Senhor. Em filosofia, isto significa achintya-bhedabheda-tattva,
ou seja, a pessoa nesta fase espiritual elevada torna-se una com o Senhor no
sentido de que ela alcançou a mesma natureza do Senhor, mas, ao mesmo tempo,
a distinção entre Senhor e servo é eternamente mantida. Neste caso, a pessoa
sente-se plenamente feliz e nunca encontra motivos para se lamentar ou desejar
qualquer outra coisa. O Senhor é a fonte e o reservatório de todo o prazer e
praticar serviço devocional puro em plena concepção de unidade significa mergulhar
num inesgotável oceano de bem-aventurança.

Pérola 104. O CONHECIMENTO MAIS CONFIDENCIAL (versos 55 a 62)

O conhecimento transcendental tem três divisões: o conhecimento do


aspecto impessoal de Deus, o conhecimento das Superalma onipenetrante e o
conhecimento da Personalidade de Deus. Dos três, o conhecimento transcendental
sobre a Personalidade de Deus é superior e tem importância especial, pois só pode
ser obtido através do serviço devocional. De fato, pelo desempenho do serviço
devocional puro, a pessoa pode conhecer o Senhor como Ele é, e, assim, receber a
permissão de entrar em diferentes graus de associação direta com o Senhor. A
associação mais elevada e gloriosa com o Senhor torna-se possível em Goloka
Vrindavana, o planeta supremo. A descrição de Goloka Vrindavana, onde o Senhor
Se diverte com suas consortes, as gopis, e Seus animais prediletos, as vacas
surabhi, é dada no texto conhecido como Brahma-samhita, considerado pelo
Senhor Chaitanya como o texto mais autêntico dentro desta linha.

Pode ser que, por meio de nosso esforço pessoal, aproximemo-nos do


Senhor, mas o objetivo final só poderá ser alcançado pela Sua misericórdia. Desse
modo, o devoto mantém-se humilde e devotado ao Senhor, ocupando-se vinte e
quatro horas em atividades espirituais. Ele está sempre ouvindo e cantando sobre o
Senhor, meditando nEle, oferecendo-Lhe orações ou executando diversos serviços
práticos. Estas ocupações devocionais práticas revestem o devoto com uma
proteção espiritual, defendendo-o do contato com a energia ilusória inferior.
Livrando-se, portanto, da influência da energia ilusória, o devoto puro atinge um
estágio tão elevado de consciência de Krishna que, praticamente, não existem mais
problemas no curso de sua vida.

Seguir diretamente a instrução do Senhor é, indubitavelmente, a posição


mais segura possível e Arjuna estava tendo esta grande oportunidade diante dele.
A instrução dada pelo Senhor é que Arjuna deveria lutar simplesmente por uma
questão de dever, enquanto, ao mesmo tempo, deveria manter sua consciência
espiritual. Como um guerreiro verdadeiro, para Arjuna a luta era algo
completamente natural. No entanto, por fraqueza, ele temia a morte de seus
parentes e, por ignorância, achava que, se lutasse, estaria agindo
pecaminosamente. Seu ponto de vista estava influenciado pela ignorância, pois ele
estava desconsiderando a presença da Suprema Personalidade de Deus no Campo
de Kurukshetra, o que tornava tudo auspicioso. Portanto, o Senhor Krishna enfatiza
para seu amigo Arjuna que se ele relegasse a direção dada por Ele, Arjuna estaria
agindo sob a influência da ilusão. Na verdade, a situação criada era tão envolvente
que de fato não existia a possibilidade de Arjuna se afastar completamente da
batalha. Mesmo que isto viesse a acontecer, devido à sua própria natureza, Arjuna
acabaria não suportando ficar de fora da batalha como um covarde. De fato, só
restava a Arjuna seguir as instruções impecáveis dadas pelo Senhor Krishna e,
assim, se tornar famoso não apenas como um verdadeiro guerreiro, mas também
como um devoto glorioso.

Pérola 105. A INSTRUÇÃO SUPREMA (versos 63 a 65)

O Senhor acabara de transmitir para Arjuna o conhecimento mais


confidencial: simplesmente renda-se ao Senhor Supremo e alivie-se de todas as
misérias causadas pela vida material. Na verdade, render-se ao Senhor é o
interesse supremo de todo ser vivo, pois somente nesta posição de servo rendido
ao Senhor, o ser vivo pode se situar numa condição de felicidade plena.
Quem não está em consciência de Krishna está sempre ansioso na luta pela
existência material. Tal pessoa é sempre arrastada pelo ego falso e, mesmo
estando presa às leis materiais, julga-se independente e livre para tomar suas
próprias decisões. Isto é ilusão. Mas, quando age em consciência de Krishna, o ser
vivo se volta para seu melhor e verdadeiro amigo. Desse modo, o próprio Senhor
Krishna atua diretamente como seu benquerente e toma conta de seu conforto em
todos os aspectos. Como foi falado no final do Capítulo Seis, o devoto imaculado
está sempre pensando em seu amo, o Senhor Krishna, dentro do coração. Por isso,
ele mantém-se intimamente ligado ao Senhor. Este estágio no qual o devoto está
sempre absorto em pensamentos sobre o Senhor de uma forma espontânea é a
plataforma devocional mais elevada. O Bhagavad-gita também explica que aqueles
que não chegaram a este nível, podem manter-se em consciência de Krishna
executando seus deveres e oferecendo os frutos em sacrifício ao Senhor. De
qualquer modo, se a pessoa mantém-se simplesmente glorificando o Senhor
cantando Hare Krishna Hare Krishna Krishna Krishna Hare Hare, Hare Rama Hare
Rama Rama Rama Hare Hare, ela avançará em direção à consciência de Krishna.
Esta é a última fase das instruções do Senhor no Bhagavad-gita, e as pessoas
inteligentes devem levá-las muito a sério. As primeiras instruções confidenciais do
Senhor começam com o conhecimento do eu. O próximo passo é a compreensão
acerca de Deus, que é chamado de conhecimento mais confidencial. Atingindo esta
fase, a pessoa passa a se comportar como um devoto e aprende a ajustar suas vida
de uma tal maneira que sua consciência de Krishna adormecida possa ser
despertada. Tais atividades ajustadas para o cultivo da consciência de Krishna são
chamadas de serviço devocional e baseiam-se no amor a Deus. Tais atividades são
transcendentalmente naturais e espontâneas, ao contrário da natureza da rotina
das práticas de karma-yoga, jñana-yoga ou dhyana-yoga. No Bhagavad-gita,
portanto, encontramos diferentes instruções para diferentes categorias de pessoas.
Há descrições sobre os deveres dos chefes de famílias, dos renunciados, dos
kshatriyas ou brahmanas, aceitação do guru, meditação, etc. Entretanto, quando
alguém chega ao ponto de se entregar ao Senhor e passa a serví-lO com amor
espontâneo, compreende-se que ela foi capaz de assimilar a essência de todo o
conhecimento não apenas do Bhagavad-gita, mas, também, de todos os Vedas.
Neste Capítulo Dezoito fica claro que o êxito completo no caminho espiritual é
obtido pela consciência de Krishna, o processo mais elevado de yoga. No Capítulo
Seis, o Senhor explicou o processo de dhyana, ou meditação, para Arjuna, que o
rejeitou. Na verdade, a despeito de todo o encanto na prática da yoga mística, é
muito difícil que um homem comum possa praticá-la. Isto significa que, por incrível
que pareça, o mais elevado processo de yoga também se tornou, especialmente
nesta era, como o mais fácil – simplesmente fixar a mente no Senhor enquanto se
canta o maha-mantra Hare Krishna Hare Krishna Krishna Krishna Hare Hare, Hare
Rama Hare Rama Rama Rama Hare Hare.

Devemos, portanto, ser práticos e objetivos, não desperdiçando nosso


tempo valioso unicamente com cursos de posturas ióguicas ou ginásticas.
Evidentemente, isto tem seu valor à nível físico e mental, mas não se trata de
verdadeira yoga. Aqui o Senhor diz claramente que a consciência de Krishna é a
yoga mais elevada, pois em consciência de Krishna o devoto passa a agir sob as
ordens de Krishna, além da plataforma material. No começo, o devoto segue as
instruções do guru, que é o meio transparente no qual o Senhor Se manifesta. À
medida que avança em fé e conhecimento, as percepções espirituais e sentimentos
devocionais afloram no devoto e o processo se torna ainda mais firme e
consistente. Neste ponto, o devoto passa a receber instruções diretas da Superalma
que está dentro dele, ao passo que, externamente, continua sendo auxiliado pelo
mestre espiritual. Esta é a perfeição do processo da yoga dada no Bhagavad-gita.

Pérola 106. A PERFEIÇÃO DA RENÚNCIA (versos 66 a 69)

Se, ao estudar o Bhagavad-gita, alguém decide dedicar sua vida a Krishna,


tal pessoa se livra imediatamente de todas as reações pecaminosas. Este é o
verdadeiro princípio religioso que todos devem seguir. Pode ser que alguém estude
toda a literatura védica, mas não possa compreender este princípio transcendental,
por que, na verdade, trata-se de um conhecimento confidencial que não é apanágio
de todos. O próprio Arjuna havia afirmado que nem mesmo os semideuses dos
planetas celestiais podem compreender este tópico muito bem, muito menos os
seres humanos. A única maneira de ter acesso a ele, como ficou claro em todo o
Gita, é através do representante especial do Senhor, um mestre espiritual
completamente auto-realizado e devotado ao Senhor. O mestre espiritual tem a
capacidade de iluminar o discípulo, tornando-o perfeito ao convencê-lo que a
essência da vida religiosa está em cumprir as ordens da Suprema Personalidade de
Deus. Deve-se entender claramente que o mestre espiritual é o representante do
Senhor e, desse modo, não há diferença entre satisfazer o mestre espiritual ou o
Senhor, pois tanto ele quanto o Senhor Krishna falam os mesmos ensinamentos
transcendentais. Satisfazendo-se o guru, satisfaz-se também o Senhor.

O cativeiro material é decorrente do fato de se ter executado atividades


pecaminosas passadas. Mas, ninguém precisa ficar preocupado com tal cativeiro
material, pois o Senhor assegura que pessoalmente cuidará de Seu devoto,
salvando-o das reações pecaminosas. Uma vez que o Senhor cancelará o karma
passado, é melhor que a pessoa aceite a guia do mestre espiritual e se preocupe
unicamente com a boa execução do seu serviço devocional e confie na misericórdia
do Senhor. Ao moldar sua vida de acordo com as instruções do mestre espiritual, a
pessoa passa a levar uma vida austera e disciplinada. A raiz da existência material
é a ignorância, a qual se manifesta como indiferença ao serviço devotado ao
Senhor. Esta indisposição à execução do serviço devocional se deve ao ego falso, o
qual é movido pela inveja do Senhor e está sempre querendo colocar sua vítima na
posição de controlador ou desfrutador independente. O mestre espiritual, portanto,
ilumina o verdadeiro discípulo sobre sua posição como servo do Senhor e o instrui a
ocupar-se corretamente, eliminando, assim, a ignorância e o ego falso de seu
discípulo. Por explicar as complexidades do serviço devocional ao discípulo e
desvendar os mistérios sobre a ciência de Deus, o mestre espiritual presta o mais
valioso de todos serviços e, por isso, é considerado como o servo mais querido do
Senhor.

Na verdade, ocupa a posição mais gloriosa neste mundo alguém que se


dedica a criar oportunidades para ajudar as pessoas a se livrarem da existência
material e a se tornarem conscientes de Krishna. Isso é completamente aprovado
pelo Senhor Chaitanya, que ordenou a todos que primeiramente se purificassem,
aceitando este movimento para a consciência de Krishna, e, depois disso, o
divulgassem por todo o mundo. Tal ocupação constitui a verdadeira atividade
beneficente e torna tal pessoa reconhecida pela Suprema Personalidade de Deus.

Pérola 107. A ILUSÃO DE ARJUNA É DISSIPADA (versos 70 a 73)

A melhor maneira de purificar a inteligência é ocupá-la no estudo do


Bhagavad-gita. A função da inteligência é discriminar entre o certo e o errado, o
que deve ser feito e o que não deve ser feito, o que libera e o que enreda. No
entanto, a alma condicionada está sujeita a tantas ilusões e erros que tem grande
dificuldade em fazer uso correto de sua inteligência. Na verdade, como foi explicado
pelo Senhor no Capítulo Três, a inteligência do ser vivo neste mundo está sempre
contaminada pela influência do modo da paixão. Agindo em parceria com a mente
luxuriosa, a inteligência da alma condicionada está sempre ocupada em fazer
planos para o gozo dos sentidos. O Bhagavad-gita, portanto, foi falado pelo Senhor
para livrar a pessoa desta propensão material. Recebendo este conhecimento
absoluto, a pessoa se ilumina à ponto de reduzir gradualmente todas as suas
reações pecaminosas passadas, assim como o fogo reduz a lenha em cinzas.
Desse modo, como parte do dever de mestre espiritual de Arjuna, o Senhor Krishna
pergunta se ele realmente havia se purificado através do conhecimento
transcendental e tinha se livrado das dúvidas e da ignorância. Caso contrário, Ele
estaria pronto a repetir novamente este conhecimento. Em resposta à pergunta do
Senhor, Arjuna mostrou-se pronto para, finalmente, executar seu dever com
conhecimento transcendental. As palavras finais de Arjuna são maravilhosas e
servem-nos como grande exemplo. Como vimos durante todo o Bhagavad-gita,
Arjuna mostrou ser um perfeito estudante. Seu primeiro exemplo foi ainda no
começo do Segundo Capítulo (verso sete) quando Arjuna admitiu sua fraqueza e
incapacidade de resolver seu grande dilema. Neste momento, ele se aproximou do
Senhor Krishna com atitude humilde e pediu ajuda. Ele se colocou na posição de
uma alma rendida, um discípulo confuso e desejoso de ser iluminado. Como
sabemos, o Senhor tentou corrigir a mentalidade materialista de Seu discípulo,
derramando-lhe muitas classes de conhecimentos transcendentais. Ainda assim,
Arjuna mostrou que não era uma pessoa desequilibrada e fanática, pronta a aceitar
toda e qualquer instrução sentimentalmente. Completamente livre de atitude
desafiadora, mas, ao mesmo tempo, revelando um interesse genuíno em
compreender a verdade, Arjuna foi revelando ao seu mestre espiritual qualquer
dúvida que surgisse no transcurso da conversa transcendental. Por outro lado, o
Senhor revelou o exemplo perfeito de um mestre espiritual imaculado, dando
respostas perfeitas com muita inteligência e paciência para eliminar as dúvidas de
Seu discípulo sincero. Agora, finalmente, Arjuna deixa claro que toda a sua ilusão
material foi dissipada e ele atribui isto à misericórdia do Senhor. Na verdade,
Arjuna recobrou sua consciência de Krishna e pôde entender que além, de amigo e
mestre espiritual, o Senhor Krishna era a infalível Suprema Personalidade de Deus
que todos devem adorar e obedecer completamente. Desse modo, Arjuna situou-se
firmemente em sua posição constitucional de servo do Senhor e manteve-se firme
para executar seu dever prescrito de participar da batalha no sagrado campo de
Kurukshetra e, assim, ajudar o Senhor na Sua missão de proteger os devotos e
aniquilar os indivíduos indesejáveis.

Pérola 108. O ÊXTASE DE SAÑJAYA (versos 74 a 78)

A conclusão do Bhagavad-gita não poderia ser outra: onde quer que o


Senhor Krishna, a fonte de todo o conhecimento e misericórdia, estiver presente, e
onde quer que se encontrar um seguidor perfeito do Senhor, como Arjuna,
certamente tudo será vitorioso e auspicioso.

Arjuna é aqui chamado de arqueiro supremo não apenas por sua habilidade
em manejar seu arco Gandiva, mas também devido à sua capacidade de
estabelecer-se firmemente fixo na meta mais elevada, a consciência de Krishna.
Como um estudante perfeito, Arjuna pode entender que, além da Batalha de
Kurukshetra na qual ele teria que participar, existia uma outra batalha, a batalha
interior, cujos inimigos haviam se posicionado estrategicamente dentro dos
sentidos, da mente e da inteligência materiais.

Como foi explicado no Terceiro Capítulo (versos 37-40), o verdadeiro inimigo


da alma condicionada é a luxúria, a qual não passa de um reflexo pervertido do
amor puro por Deus. Impulsionado pela luxúria, um ser vivo rejeita as instruções
dadas pelo Senhor, quer sejam através do mestre espiritual, das escrituras védicas
ou da Superalma onipresente. A luxúria ilude o ser vivo, fazendo-o julgar-se
independente do Senhor. Esta luxúria é também responsável pelas atividades
pecaminosas do ser vivo que, incapaz de refrear o impulso de seus sentidos
materiais, ocupa-se em toda classe de atividades mundanas. Os Upanishads fazem
uma excelente comparação entre a condição de um passageiro dentro de uma
carruagem e a situação da alma condicionada dentro de um corpo. Lá se explica
que, assim como uma carruagem é arrastada por cinco cavalos, o corpo é arrastado
pelos cinco sentidos. As rédeas desta carruagem do corpo é a mente, a qual
mantém-se conectada com os cavalos dos sentidos. A posição da inteligência é a de
condutora da carruagem, enquanto a alma espiritual é simplesmente o seu
passageiro.

Como sabemos, o Senhor Krishna estava atuando simplesmente como o


condutor da carruagem do guerreiro Arjuna. Isto por que Ele sabia que Arjuna teria
dificuldades de controlar os “cavalos” dos sentidos. Neste mesmo capítulo, o
Senhor afirmou que os seres vivos estão sentados numa máquina feita de energia
material, ou seja, o corpo material, enquanto Ele Se senta no coração e põe-Se à
dirigir. Deste modo, alcança a perfeição no estudo do Bhagavad-gita aquele que
passa a aceitar o Senhor como o condutor de sua vida. Isto significa que sua vida
passa a ser dirigida pelos ensinamentos dados pelo Senhor no Bhagavad-gita.
Na verdade, o Bhagavad-gita foi falado pelo Senhor não apenas para eliminar a
ilusão de Arjuna. O Bhagavad-gita visa o benefício de todas as pessoas, em todas
as épocas e condições. Sendo a essência do conhecimento védico, Ele foi
apresentado pelo Senhor especialmente para as pessoas desta era de Kali, as quais
têm pouquíssimo tempo para dedicar-se às vastas pesquisas dos textos védicos,
tais como os Puranas, Upanishads e Vedanta-sutra. É importante entendermos
também que a verdadeira posição de Arjuna era transcendental, ou seja, ele era
um devoto puro do Senhor que simplesmente representou o papel de uma alma
condicionada materialmente. Portanto, os problemas que surgiram no coração de
Arjuna existem nos corações de todos os seres corporificados. Desse modo, o
mesmo apego ao conceito corpóreo que fez com que Arjuna se esquecesse do
controle supremo do Senhor e caísse em profunda lamentação acontece com as
almas que estão neste mundo. Além disso, a mesma fraqueza no cumprimento do
dever, o temor à morte, e outras diferentes agonias mentais que não passam de
manifestações da ilusão se apresentam freqüentemente nos seres corporificados. O
propósito do Bhagavad-gita é fornecer instruções claras e objetivas para todos e é
um livro prático que deve ser consultado em todos os momentos críticos da vida.
Assim como o próprio Senhor, o Bhagavad-gita é nosso melhor amigo e pode nos
consolar em todos nossos momentos de fraqueza, nos elevando ao nível de bem-
aventurança espiritual. Certamente, estudando profundamente o Bhagavad-gita,
iremos encontrar sempre as melhores soluções para qualquer tipo de problema.
As palavras finais do Bhagavad-gita são faladas por Sañjaya. Como podemos
lembrar, o Bhagavad-gita começa com a pergunta do rei Dhritarastra para Sañjaya.
Ele queria especificamente saber qual seria o resultado da grande batalha entre
seus filhos e os filhos de seu falecido irmão Pandu. Portanto, aqui Sañjaya
definitivamente responde ao rei: os Pandavas, sob o comando de Arjuna sairão
completamente vitoriosos, devido especialmente à proteção do infalível Senhor
Krishna. Na verdade, neste momento final do Gita, Sañjaya mal pode se controlar.
Completamente maravilhado com o que acabar de escutar, os pêlos de seu corpo
ficam eriçados e ele fica profundamente emocionado. Tudo indica aqui que Sañjaya
também alcançou o estado mais elevado de consciência, ficando em êxtase por ter
tido a oportunidade de ouvir o maravilhoso e transcendental diálogo entre Krishna e
Arjuna. Esta é a característica do Bhagavad-gita. O Senhor é tão misericordioso que
está Se oferecendo a todos através desta grande literatura. Isto significa que,
mesmo estando fora de nossa visão atual, a associação com Ele pode ser possível
através da leitura do Gita. Portanto, devemos concluir com muita segurança que, se
estudarmos minuciosamente o Bhagavad-gita coma ajuda do mestre espiritual
genuíno, poderemos alcançar a perfeição no conhecimento e obteremos o mesmo
benefício que Arjuna obteve na presença pessoal do Senhor. O Bhagavad-gita é,
portanto, considerado como uma poderosa encarnação sonora do Senhor, pois não
há diferença entre o Bhagavad-gita e o próprio Senhor em pessoa, assim como não
há diferença entre o Senhor e Seus santos nomes, Hare Krishna Hare Krishna
Krishna Krishna Hare Hare, Hare Rama Hare Rama Rama Rama Hare Hare.

Om Tat Sat

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