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RESPOSTA A NORMA BRAGA: SOBRE


SOCIALISMO E FÉ CRISTÃ

Por Eliel Vieira

Norma Braga – tradutora, doutora em língua francesa e, de acordo com o sítio eletrônico da
revista Ultimato, “missionária de idéias” – escreveu um pequeno ensaio chamado “Por que não sou de
esquerda”1, ao qual pretendo dar uma singela resposta nos parágrafos a seguir.

Antes de qualquer coisa eu sinceramente gostaria de saber da autora se seu ensaio caracteriza-
se como uma pergunta ou uma afirmação. Pois, se o título do ensaio é uma pergunta, obviamente falta
a ele o famoso e mui importante “?”; por outro lado, se se trata de uma afirmação, o “Por que” não
poderia ser usado de forma “separada” – deveria ser “Porque”, como aprendemos nos primeiros anos
de educação escolar.

A correção acima pode soar como implicância injustificada sobre fatores relativamente
insignificantes em relação ao texto como um todo, mas sinceramente este não é este o caso. O texto da
autora constitui uma reflexão (a partir de uma pergunta) ou uma afirmação? Se for uma reflexão,
algumas não-rigorosidades lógicas de seu ensaio podem ser relevadas, todavia o mesmo não pode ser
feito caso o ensaio de Norma se trate de uma afirmação.

Antes de começar, também gostaria de deixar claro algo muito importante aqui. Eu não sou
comunista. Para não haver confusão, vou repetir: eu não sou comunista. A verdade é que, na maior das
controvérsias sociais, eu não sou esquerdista nem direitista. Prefiro denominar-me progressista. Eu sou
alguém que, observando a controvérsia do “lado de fora”, busca analisar os pontos-chave da mesma,
refletindo sobre algumas conclusões à luz de alguns fatos que podemos observar na sociedade. Eu
também não gostaria que considerassem minha neutralidade aqui como uma posição “em cima do
muro” – eu não me decidi ainda (como o fiz quando abandonei o calvinismo), pois acho que não li e
refleti ainda o suficiente para tomar uma decisão equilibrada e que abranja todas suas implicações.
1
<http://normabraga.blogspot.com/2010/03/por-que-nao-sou-de-esquerda.html>.

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Pois bem, vamos à análise do texto de Norma Braga.

Primeiramente ela parece defender a existência do comunismo, que ela considera algo mal, à
luz do chamado “Problema do Mal”. Ela argumenta que, como Cristo “satisfez essa urgência” que
temos de encontrar uma resposta para a existência de sofrimento no mundo, então quem não está em
Cristo necessariamente precisa externalizar esta crise existencial e é daí que começamos a presenciar
os grandes males da humanidade. A autora diz,

Isso se verifica facilmente entre nós, ocidentais, quando lembramos os assassinatos em


massa do século 20. Judeus, ciganos, cristãos dissidentes e povos não-alemães foram os
bodes expiatórios da Alemanha hitlerista: quarenta milhões de mortos. Da mesma forma, nos
países comunistas o vago conceito de “classe dominante” tem justificado a condenação à
morte de mais de cem milhões. Trata-se um ciclo diabólico, pois não há sacrifícios que
cheguem para a sanha dos que pensam combater o mal dessa maneira. Assim, a violência
aumenta na mesma proporção do secularismo.

Bem, vamos por partes. Em primeiro lugar, o “Problema do Mal” para o cristão está longe de
ser resolvido. (A não ser, é claro, que se pretenda trabalhar apenas com “respostinhas prontas” e
superficiais.) O “Problema do Mal” não é problema até quando o sofrimento está atingindo somente o
visinho, mas quando é você mesmo quem o sofre o quadro muda. Que o diga C. S. Lewis, não é? O
mesmo autor que disse friamente em um dos seus livros que “a dor é o megafone de Deus para
despertar um mundo surdo”2 chamou-O de “Sádico Cósmico”3 após a morte de sua amada Joy. Em
certo sentido o “Problema do Mal” é mais problema para um cristão do que, digamos, para um ateu.
Um ateu pode simplesmente ser indiferente às mazelas sociais e adotar um estilo niilista de vida, no
qual nada realmente seja importante. Ou, mesmo se não o ateu for niilista e de fato se compadecer com
o sofrimento no mundo, ainda assim isto não necessariamente se caracteriza problema a ele, pois em
sua visão de mundo, tudo o que existe nada mais é do que a maneira totalmente sem lógica e sem
sentido na qual a existência veio a ser através do cego processo evolutivo da Seleção Natural. Portanto,
quando pensamos um pouco, fica difícil não concordar com o fato de que o “Problema do Mal” é
problema mesmo para os cristãos e para os outros que adotam uma visão teleológica de mundo.

Em segundo lugar, a afirmação de Norma de que “a violência aumenta na mesma proporção do


secularismo”, no mínimo carece de fontes que a sustentem, e é vergonhoso fazer isto. Eu disse “no
mínimo carece de fontes”, pois os dados mais recentes aparentemente apontam para uma realidade

2
LEWIS, C. S. O Problema do Sofrimento. São Paulo: Editora Vida, 2006. p. 106.
3
LEWIS, C. S. A Anatomia de uma Dor. São Paulo: Editora Vida, 2006. p. 52.

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completamente vergonhosa para nós, cristãos, e que contradizem sua afirmação. De acordo um estudo
estatístico realizado pela ONG Vision of Humanity, por exemplo, quanto menos influenciado pela
religião for um país, mais pacífico ele é4. Vergonhosamente admito que eu conheço mais não-cristãos
militantes em questões sócio-ambientais e éticas do que cristãos engajados nas mesmas frentes.

Estou eu defendendo o ateísmo? Não! Apenas estou sendo fiel aos fatos.

Em terceiro lugar, Norma cita alguns dados sobre a quantidade de mortos realizadas pelos
regimes nazista e comunista, como se tais mortes testificassem assim a injustificada afirmativa de
Norma de que “a violência aumenta na mesma proporção do secularismo”. Ora, se assim for o que
dizer então do próprio Cristianismo? Quantos foram mortos nas Cruzadas? Quantos foram mortos na
Idade Média por serem “hereges”? Quantos foram mortos durante a Reforma? Será que Serveto,
ordenado à morte pelo amigo de Norma João Calvino, sentiria alguma diferença entre os reformadores
e aqueles que ela critica?

E o que dizer sobre os crimes atribuídos a Deus na Bíblia? Afinal de contas, chacina é chacina
não importa em qual contexto ela aconteça. Se formos contabilizar apenas as mortes atribuídas a Deus
na Bíblia (especialmente no AT), temos o número de 2.391.421 mortes5. Mas se quisermos podemos
contabilizar também todas as 75 mil mortes causadas pelo terremoto no Haiti, já que o para grande
amigo dos anti-esquerdistas Julio Severo (e eu devo levar em conta o que ele diz, pois os de direita são
“mais cristãos” que os de esquerda) o terremoto no Haiti foi causado efetiva e soberanamente por
Deus6.

Novamente, não gostaria que me atribuíssem nomenclaturas. O rigor lógico me impulsiona a


analisar ambos os lados da questão sob os mesmos padrões. Se o comunismo é mal porque milhões
morreram, por que o tratamento deveria ser diferente quando quem mata é a Igreja de Deus, ou o
próprio Deus? Agir de forma diferente é desonestidade intelectual, e não vou incorrer neste erro em
nome de uma coisa tão pobre intelectualmente como o “anticomunismo”.

Aliás, permitindo-me compartilhar algo pessoal aqui, a falta de critério, a desonestidade


intelectual e os argumentos “ataque o espantalho” são um repelente muito forte a mim para que eu
adote a posição “direita” no que se refere à controvérsia social. A própria Norma, neste doloroso
ensaio, chama o conceito de “classe dominante” de vago. Mas por que é vago? O que falta a ele? Em

4
<http://virgula.uol.com.br/ver/noticia/news/2009/06/24/209003-ranking-mostra-que-paises-ateus-sao-os-mais-
pacificos>.
5
<http://dwindlinginunbelief.blogspot.com/2006/08/how-many-has-god-killed.html>.
6
<http://juliosevero.blogspot.com/2010/01/sera-necessario-um-terremoto.html>.

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qual sentido é vago? Onde ele erra especificamente? Depois Norma diz que uma favela do Rio
pareceria “condomínio de luxo” se comparada a Cuba. Mas será que isto ocorre por causa do
comunismo em si, ou por eles (Cuba) serem embargados economicamente, impedidos de importar
tecnologia e crescer, pelos EUA? Você critica Chavez, mas por que não diz sobre os crescimentos de
todos os índices de desenvolvimento humano e social na Venezuela, que estão em plena ascensão?

A seguir Norma faz duas perguntas retóricas em seu ensaio. A primeira, “por que um seguidor
de Jesus aderiria a um arremedo de plano da redenção?”; e a segunda, “por que um cristão se
posicionaria a favor de um Estado forte que pune seus dissidentes?”

Vou tentar respondê-las: primeiro, até que me seja provado o contrário, eu não vejo tanta
incoerência assim em aderir a um movimento que busca, através de uma reestruturação da sociedade,
acabar com a disparidade entre classes ou, usando um termo muito conhecido por todos, acabar com a
“desigualdade social”. No socialismo, pelo o que eu entendo de sua proposta, ninguém trabalha para si,
mas todos trabalham para todos, como em uma sociedade de formigas. Não há, contudo, menor
incoerência entre este modelo e o que era usado, por exemplo, pelos cristãos da Igreja Primitiva (leia
Atos 4: 32-36). O texto bíblico destacado deixa muito claro que não havia “propriedade privada” entre
os cristãos primitivos – tudo era trago aos apóstolos, que repartiam entre as pessoas conforme a
necessidade de cada um.

Em “Fidel e a Religião”, escrito por Frei Betto, Fidel Castro argumenta que há “dez mil vezes
mais coincidências do cristianismo com o comunismo do que as que pode haver com o capitalismo”.

Pode-se argumentar que o socialismo prega mais do que apenas melhoria social. Pode-se
argumentar que, (1) o comunismo cometeu vários crimes no passado e busca de alargar suas fronteiras
– bem, assim como os países capitalistas também o fizeram, e assim como os próprios cristãos também
já fizeram seus assassinatozinhos; (2) o comunismo é uma ditadura – sim, mas trata-se de uma ditadura
do povo, diferente de uma ditadura dos ricos sobre os pobres, como acontece no capitalismo; (3) o
comunismo instaura um Estado que “pune seus dissidentes” (a segunda pergunta retórica de Norma) –
sim, pois em uma sociedade do tipo comunista, passaria a ser crime qualquer ação que configurasse
(ou pudesse caracterizar no futuro) exploração da mão de obra de outras pessoas. Aliás, na sociedade
socialista da Igreja de Atos, Pedro rogou uma praga que matou na hora Ananias e sua esposa, que
tentaram ser “dissidentes” do modelo. Portanto, a punição pela dissidência, seria normal – assim como
é normal punir quem usa drogas em uma sociedade que condena este ato; (4) o comunismo é hipócrita,
pois os líderes do movimento possuem luxos que proíbem o povo de ter – sim, isto acontece, mas isto

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só prova que a hipocrisia sempre vai existir, por causa da depravação do ser humano. Na própria Igreja
do Senhor existe hipocrisia, não é?! Acaso isto prova a não-veracidade da fé cristã? Absolutamente
não!; (5) o comunismo é mais do que apenas um modelo social-econômico que pensa nos pobres, ele é
uma cosmovisão necessariamente ateísta – Marx era ateu, sim, bem como praticamente todos os
líderes revolucionários que defenderam a bandeira do comunismo. Também é verdade que um dos
principais discursos dos comunistas é de que “a religião é o ópio das massas”. Porém o fato de uma
conclusão comunista não ser verdadeira não implica que toda a teoria e proposta do comunismo são
equívocas. Deus existe, sim, mas ainda assim existe o problema das mazelas da nossa sociedade, da
desigualdade social, da fome, etc. Se a igreja prefere permanecer de braços cruzados sobre este
problema (quando ela não deseja piorar o quadro, com ensinos diabólicos como a “teologia da
prosperidade”), que as pedras clamem, pois até delas Deus consegue fazer filhos de Abraão (Mateus 3:
9)! Se a igreja não se preocupa com o meio ambiente, graças a Deus pelo Green Peace; se a igreja só
pensa em dinheiro e pouco está se lixando com a sociedade, graças a Deus por aqueles que se
preocupam!

Por fim, quero dizer novamente que não sou comunista - ainda há muito o que pensar e refletir
– mas posso dizer que estou muito mais longe de loucos direitistas crentes em um Deus terrorista como
Julio Severo do que dos militantes comunistas. O apelo social deles é relevante, e quanto a isto não
parece haver dúvidas. Apesar de não ser comunista, entretanto, quis mostrar nesta resposta que as mui
superficiais e falaciosas palavras de Norma não convencem a mim e, espero e confio, à Igreja de Cristo
no Brasil.

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