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O casamento e a cegonha

Os pais da noiva tinham resolvido que o casamento da filha se faria ali mesmo,
na chcara, boa moda antiga, com mesada de doces, churrasco, muita
empada, leitoa, frango assado, boas comidas e abundantes bebidas.
Armou-se o altar na sala da frente. Cobriu-se a mesa do civil com um lindo
atoalhado de plstico. Vieram os convidados. Veio o vigrio, veio o juiz e veio o
escrivo. Testemunhas e a roda dos parentes. Fizeram o casamento. A moa
sempre fora alta, grandalhona, fornida de carnes e de bons quartos. Naquele
vestido branco, rodado, de babados subindo e descendo, de vu e grinalda,
inda mais reforada parecia.
Como a festana era mesmo de arromba, fogos pipocando, msica chegando
e muita gente entrando e saindo, ningum mais reparou nos noivos que depois
de posarem para o retrato de praxe, na cabeceira da mesa e de cortarem
juntos o bolo artstico, se misturaram com os convidados e cada qual se achou
vontade e sem constrangimento.
O juiz e o vigrio deixaram-se ficar numa roda de amigos, conversando com
advogados, escrives, gente do foro.
O baile tinha comeado. A moada saracoteava alegre. Os que no eram de
dana, rodeavam a mesa posta, com pratos, copos e garrafas. Espetos de
churrasco e bandas de leito se cruzavam por todos os lados.
Boas comidas, muita bebida e os donos da casa pondo o pessoal vontade,
incansveis, no cabendo em si de contentes com o casamento daquela
primeira filha. Nada alegra tanto o corao da criatura como mesa posta, carne
assada, bebidas de graa e falta de cerimnia. Quem contestar esta verdade
simples, no merece dois vintns de crdito.
Bem por isso mesmo diz o caboclo: a alegria vem das tripas barriga cheia,
corao alegre. O que pura verdade.
A orquestra assoprava valsas e boleros com furor. Os pares girando. Os
namorados namorando. Os que no danavam se encostavam pelas mesas e,
quem j estava farto, fazia roda, bebia caf, fumava cigarro e contava piadas.
Quando a festana ia mais animada, l pelas tantas, ouviu-se um corre-corre
pelos quartos e corredores.
Logo mais aparecia na sala o dono da casa, ansioso e afobado, se
desculpando e pedindo ao juiz e ao vigrio fazerem o favor de acabar com a
festa porque a noiva estava com dor de parto e a assistente j tinha chegado...

Isto que se chama aproveitar o tempo, comentou um convidado, numa s


festa, casa a filha e chega a cegonha...
Texto extrado do livro "Estria da Casa Velha da Ponte", Global Editora So
Paulo, 2001, pg. 53

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